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BARBOSA, Poliana G. – A criança sob o olhar da Gestalt-Terapia
ARTIGO
A criança sob o olhar da Gestalt-terapia1
The child on Gestalt-therapy look
Poliana G. Barbosa
1
Este trabalho se propõe a caracterizar a criança, tomando para isso os conceitos da Gestalt-terapia. Se destina a
todos os profissionais da área da saúde que trabalham com crianças, especificamente aos psicólogos infantis.
Revista IGT na Rede, V. 8 Nº. 14, 2011. Página 2 de 22.
Disponível em http://www.igt.psc.br/ojs/ ISSN 1807-2526
BARBOSA, Poliana G. – A criança sob o olhar da Gestalt-Terapia
RESUMO
Neste estudo abordamos a criança de acordo com a perspectiva da Gestalt-terapia.
Primeiramente discutimos o termo infância e sua construção histórica, até a
formalização da noção atual de criança como um momento peculiar e aclamado.
Passamos então a uma descrição geral da criança como uma totalidade inserida em
um contexto, no qual ela é ativa, interage com o mundo e realiza trocas, sempre
guiada por sua saberia organísmica. Logo à frente apresentamos a criança
crescendo, fortalecendo sua fronteira de contato, se desenvolvendo por meio da
relação com o outro e do ajustamento criativo. Sinalizamos que embora não seja
privilégio da criança se “desenvolver”, nesse período as aquisições são mais
aceleradas. Por fim, discorremos sobre as formas do adoecer infantil, ou seja, como
a criança “cristaliza”, deixando de responder criativamente ao mundo em função da
falta de confirmação pelas pessoas importantes para ela. Apresentamos então, o
processo psicoterapêutico como um fator de cura, uma vez que procuramos
estabelecer com a criança uma relação eu-tu genuína, na qual ela é valorizada e
aceita, favorecendo a ampliação da sua autoconsciência e autossuporte infantil.
Palavras-Chave: criança; Gestalt-terapia; desenvolvimento; adoecimento.
ABSTRACT
This study sought to systematize some points of the children's clinic-based Gestalt
therapy and how the psychotherapeutic process will be giving. First, we discuss the
notion of diagnostic agreement with the proposal of an existential-phenomenological
approach. This means that never label, but rather we are building the diagnosis
throughout the treatment based on the relationship between us and the customer, in
this case the child. For this door, we discussed the relevance of the
phenomenological attitude, which the therapist must imbue because it allows you to
place the child as the center of the process, always respecting their pace. In this
scenario, the play is of great importance, which reminds us that regardless of the toy
or technique employed, they always sound a half (never an end in themselves) for
the child to express themselves creatively and to know. Finally, we pause on the end
of psychotherapy, whether due to an interruption or the end of the therapeutic
process, at which time the child is playing with more flexibility, reflections can do for
yourself and improve your way of relating to people around you.
Keywords: children; Gestalt-therapy; development; illness.
Revista IGT na Rede, V. 8 Nº. 14, 2011. Página 3 de 22.
Disponível em http://www.igt.psc.br/ojs/ ISSN 1807-2526
BARBOSA, Poliana G. – A criança sob o olhar da Gestalt-Terapia
Introdução
A abordagem gestáltica traz uma contribuição peculiar em sua proposta de enxergar
a criança em seu desenvolvimento e adoecimento. Nosso intuito aqui é, portanto,
caracterizar a criança sob esse olhar. Assim, em um primeiro momento, fizemos um
breve resgate histórico da visão acerca da infância, buscando contextualizar o tema
que desenvolveremos ao longo de todo o texto.
Passamos, então, a uma exploração da forma como a criança é vista pela Gestaltterapia. Destacamos os principais conceitos da teoria, discorremos sobre o
desenvolvimento, o crescimento e o adoecimento, sempre relacionados à criança.
Encerramos com a apresentação das considerações finais, ressaltando os principais
pontos abordados ao longo do trabalho.
Um começo de tudo: a construção da infância
“Depois pensemos, crianças adultas, que a vida / Passa e não
fica, nada deixa e nunca regressa.” (REIS, 1914, p.23)
O conceito de infância, como hoje o concebemos, foi histórica e socialmente
construído nas relações humanas. No período da Idade Média, as crianças eram
vistas como adultos em miniatura (CIRINO, 2001) e sua educação era relegada aos
espaços públicos. Não existia a noção de cuidados maternais, ou seja, as crianças
eram tratadas da mesma forma que os adultos, não lhes eram reconhecidas
nenhuma especificidade.
No século XVI, surge o que Ariès (1981) nomeia de "sentimento de infância", um
primeiro reconhecimento da infância como uma fase peculiar do desenvolvimento
humano. Santo Agostinho (CIRINO, 2001), representante do pensamento vigente,
via a criança como um ser cuja essência era maldade, concebendo-a como
pecadora por não saber falar.
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Já no século XVIII, contrário a essa perspectiva, Rousseau descreve a criança como
marcada pela pureza, pela inocência, cabendo a nós cuidá-las e protegê-las dos
males da sociedade. Ainda nesse século, emergem várias mudanças que
contribuíram para a construção da noção atual de infância, dentre elas: o surgimento
dos Burgos com a possibilidade de uma individualização; o florescimento do
romantismo com a imagem da criança como o solo fértil do amanhã; e, por fim, a
emergência do capitalismo difundindo a ideia da criança como o trabalhador do
futuro (CIRINO, 2001). Dessa forma, a criança passa a ser entendida como o
homem de amanhã, reivindicando cuidados e fomentando o surgimento das várias
especialidades médicas, educacionais, etc., destinadas a ela.
Ainda, concomitantemente a esses momentos históricos, observamos o início da
escolarização (ARRIÈS, 1981), havendo uma separação do mundo adulto e infantil,
passando a criança a ser percebida como alguém que precisa se preparar para o
futuro. De acordo com Aguiar (2005), daí advém o “sentimento de família”, a qual
começa a exercer um papel afetivo e constitutivo, tomando como sua
responsabilidade a educação das crianças. Ramos ([s.d.]) enfatiza que “não havia,
nos séculos anteriores, nenhuma relação afetiva entre as crianças e os pais como
passou a existir a partir do Séc XIX até os nossos dias, tão marcada pelo amor filial
e senso de pertencimento” ([s.p.]).
É neste contexto, no qual a criança passa a ser estudada, que a psicologia (voltada
para crianças) se insere como uma das áreas de conhecimento a se debruçar sobre
o universo infantil na tentativa de compreendê-lo e dar sua contribuição para o
desenvolvimento saudável das crianças.
A visão da Gestalt-terapia sobre a criança
“É tempo de infância! / de subir, / e descer: crianças. / Deixem-nas ser!”
(PEKA & LIMA, 2006, [s.p.])
Vimos como chegamos à noção de infância que hoje circula entre nós. No entanto,
Aguiar (2005) conclui que há uma incoerência entre a forma da Gestalt-terapia
enxergar o homem no mundo e a visão da infância como um período de fragilidade e
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instabilidade total, opondo-se à fase adulta, que por sua vez seria estável. Na
Gestalt-terapia o adulto é visto em constante desenvolvimento, em um constante se
fazer, de forma que nem mesmo os idosos estão cristalizados. De acordo com
Soares (2005), não há evolução máxima, mas sim, plenitude de cada momento da
experiência de existir, pois desenvolvimento não é alcançar patamares e, por isso,
nunca é definitivo.
Outro erro no qual poderíamos incorrer (AGUIAR, 2005), seria de apontar a criança
como passiva frente ao mundo, o que é um engano, pois a criança não só é
modificada pelo mundo, mas também o transforma ao se relacionar com ele. Ramos
([s.d.]) afirma que “a criança não está totalmente a mercê do mundo, ela possui um
potencial pra crescer e mudar” ([s.p.]).
Além desses aspectos, a Gestalt entende a criança a partir de uma holística, ou
seja, ela é percebida como uma totalidade (AGUIAR, 2005). Mente, corpo e espírito
deixam de ser vistos como partes isoladas, valorizando-se relação existente entre
eles (MONTEIRO, [s.d.]). Não podemos compreender um sintoma isolado, pois ele
nada mais é do que uma parte da criança que diz de sua totalidade. Como
consequência, temos o princípio de que as partes sempre afetarão o todo, uma vez
que esse é configurado pela relação entre elas.
Logo, não podemos compreender uma parte que se destaca (figura) em um
determinado momento se não a integramos em seu contexto de relações (fundo).
Em seu livro, Aguiar (2005) dá o exemplo de uma criança chorando. Segundo a
autora, o choro (sintoma) seria a figura e o motivo, fome, dor, calor, etc., seria o
fundo, o que sustenta a figura. O sintoma “chorar” de um bebê é entendido como a
figura que se destaca, mas só é possível compreendê-lo quando nos damos conta
do fundo que o sustenta e lhe dá um sentido, “ele chora porque tem cólica”. Esse
princípio de figura e fundo é fluido, ou seja, a figura sempre acusa uma necessidade
não satisfeita, sendo assim, quando ela é suprida, essa necessidade primeira perde
a cena, emergindo, então, outra figura que diz de uma necessidade atual.
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Em seguida, Aguiar (2005) nos chama atenção para o fato de que ao dizer que o
homem é uma totalidade, não significa que iremos perceber “todas as suas
características” o tempo todo e ao mesmo tempo, mas sim, faremos contato com
aquela sua parte que figura em primeiro plano e se encontra em relação com as
demais, pois ela é uma forma de expressão da unidade e da totalidade humana.
Não apenas as partes da criança se encontram em relação, mas a criança também é
enxergada pela Gestalt-terapia como um ser de (relação) e em constante relação
com o mundo que a cerca. Nesse sentido, o ser-humano está sempre se
transformando, é um incessante vir-a-ser. A noção de linearidade e causalidade é
abandonada, pois organismo e meio estão em interação a todo o momento, havendo
uma reciprocidade entre eles, na qual o organismo transforma o meio e é
transformado simultaneamente por ele nesse movimento (AGUIAR, 2005). Desde
bebês fazemos trocas com o mundo utilizando os recursos que temos da melhor
forma possível.
Essa troca com o mundo, nesse processo de fazer-se, é regulada pelo que
chamamos de autorregulação organísmica ou de sábio interior, como nomeia Walter
Ribeiro (1988).
“Uma força que direciona o indivíduo, poderosamente, o tempo inteiro,
à maturidade, à independência e à auto-direção, num estado constante
de superação de si mesmo através da experimentação de seus limites,
do potencial diante dos obstáculos e da realização através de tais
superações.” (MONTEIRO, [s.d.], [s.p.]).
Aguiar (2005) conclui que o ser-humano é um ser de contato que realiza suas trocas
na fronteira de contato, a qual é semipermeável, ou seja, permite que a criança
deixe passar apenas aquilo que é nutritivo para ela, impedindo a entrada daquilo que
lhe é tóxico.
A criança em desenvolvimento
“A criança em desenvolvimento, portanto, é fruto das influências
ambientais (sociais, culturais), da aleatoriedade dos acontecimentos e
das potencialidades inatas herdadas.” (ANTONY, 2006, p.2)
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De forma geral, as teorias do desenvolvimento podem ser dividas em duas
perspectivas: biológico-evolutiva e pedagógico-normativa (AGUIAR, 2005). Na
primeira há o risco de se pensar na infância e na adolescência como fases
turbulentas e instáveis, ao passo que a fase adulta e a velhice seriam vistas como
estáveis e cristalizadas. Já sob o olhar da segunda perspectiva, a pedagógica
normativa, enxerga-se a infância como uma preparação para a vida adulta, isto é, a
infância seria a única fase de desenvolvimento, sendo o ser humano percebido
como passivo. Embora saibamos que a infância é o momento do desenvolvimento
em que as aquisições são mais aceleradas e frequentes, vale reafirmar que, para a
Gestalt, nos desenvolvemos durante toda nossa vida e não apenas quando crianças
ou adolescentes.
Portanto, essas duas perspectivas entram em conflito com a visão de homem da
Gestalt, pois ela “compreende o desenvolvimento humano como um processo
permanente e contínuo de ajustamento criativo mediado pela capacidade inata de
autorregulação organísmica do indivíduo” (ANTONY, 2006, p.1). Além disso, o
desenvolvimento acontece por meio da constante interação entre biológico e social e
não pela primazia de um deles. Logo, uma vez que o homem é um ser no mundo,
uma aquisição é proporcionada por elementos orgânicos e situacionais, sendo que
cada aquisição gera como consequência uma mudança no mundo. Aguiar (2005)
exemplifica esse construto com a imagem de uma criança começando a andar, pois
toda sua perspectiva muda quando ela fica de pé, havendo uma reconfiguração do
campo. Como se percebe, não é apenas a criança quem sofre mudanças, ela
também as provoca.
A Gestalt tem uma perspectiva relacional do desenvolvimento: somos seres de
contato, de relação, de trocas e nos desenvolvemos a partir de encontros e
desencontros com outras pessoas significativas. É nesse contato com o mundo que
nos atualizamos, descobrimos nossas potencialidades e limites, e procuramos
satisfazer nossas necessidades, sempre conduzidos por nossa tendência à
autorregulação organísmica. A autorregulação organísmica é regida pelo princípio
homeostático, por meio do qual o indivíduo está sempre buscando um equilíbrio em
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sua relação com o mundo da melhor forma possível naquele momento (AGUIAR,
2005). Essa melhor forma possível se dá através do ajustamento criativo, no qual a
criança se utiliza das potencialidades e recursos que tem para se relacionar com o
meio, absorvendo aquilo que lhe é nutritivo e recusando o que lhe é tóxico.
Aguiar (2005) aponta que a energia agressiva tem um sentido muito importante no
ajustamento criativo, pois é ela que impulsiona o indivíduo e o permite transformar o
mundo. Sem a energia agressiva não se consegue destruir relações antigas em
favor das novas. Assim, quando falamos de desenvolvimento estamos falando o
tempo todo em contato.
Nesse sentido, a Gestalt entende o self como sucessivos ajustamentos criativos que
implicam em uma constante reconfiguração (PERLS; HEFFERLINE & GOODMAN,
1997). Jorge Ponciano Ribeiro (2007) explica bem essa condição processual do self
ao dizer:
“Fica claro nessa posição que o self é holístico e relacional-existencial.
É um processo figural em permanente mudança, não obstante ser ele
que, por meio da união de elementos figurais, constitui a
individualidade e identidade da pessoa, fazendo com que sejamos a
cara dos contatos que fizemos ao longo do tempo.” (p.43)
O processo de crescimento
“Quanto mais nos desenvolvemos, mais aptos nos tornamos a
desenvolvermo-nos. Temos que lidar com as limitações de cada um,
acreditando que sempre algum desenvolvimento pode ser esperado.”
(SOARES, 2005, [s.p.])
Antony (2006) compara o processo de desenvolvimento da criança ao ciclo do
contato exposto por Ponciano Ribeiro (2007). Seria como se a criança no início de
sua vida estivesse na confluência2 e se encaminhasse para o “egotismo3”. Dessa
forma, no início a criança não se separa do mundo ao seu redor, ao passo que no
egotismo ela já tem uma noção de “eu” construída. No entanto, a autora afirma que
2
3
“nós existimos, eu não” (RIBEIRO, 2007, p.66).
“eu existo, eles não” (RIBEIRO, 2007, p.65).
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a criança não deve permanecer no egotismo, pois isso a impediria de realizar trocas.
Por sua vez, Aguiar (2005) fala de uma transição de heterossuporte para
autossuporte, de indiferenciação para autonomia 4.
Como vimos acima, a criança não se desenvolve sozinha (SOARES, 2005). Desde o
seu nascimento, ela se encontra imersa no contexto familiar, sendo a família a
primeira forma de contato da criança com o mundo. “É na família que as habilidades
emocionais [da criança] florescerão inicialmente, e isso dependerá das habilidades
emocionais dos membros da família” (RAMOS, [s.d.], [s.p.]).
O bebê já se relaciona com os pais e afeta o mundo mesmo antes de nascer.
Quando ele nasce, já traz um desequilíbrio, pois muda o campo relacional, sendo
preciso uma reconfiguração desse. O bebê nunca é como imaginado pelos pais e,
em consequência, a forma como a família irá lidar com essa diferença é de grande
importância para a construção das primeiras relações dele (AGUIAR, 2005).
Em um primeiro momento, como já dito, o bebê vive em confluência com os pais e o
mundo ao seu redor. Ele não tem ainda recursos para distinguir seu “eu” dos “eus”
dos outros. Com o passar dos meses, uma fronteira de contato (ainda tênue) vai
sendo construída através das introjeções oferecidas ao bebê a respeito do mundo,
sobre ele e sobre o outro (AGUIAR, 2005). A princípio, o bebê introjeta tudo aquilo
que recebe, sendo essa função organizadora (exercida principalmente pelos pais)
benéfica nessa etapa do desenvolvimento, pois permite à criança criar uma barreira
entre o “eu” e o “não-eu” (AGUIAR, 2005; ANTONY, 2006).
Oaklander (1980) salienta que durante a infância a fronteira de contato é frágil, uma
vez que as funções cognitivas ainda estão se desenvolvendo. Assim, corre-se o
risco de a criança introjetar visões negativas dela mesma, as quais podem levar a
uma autoestima baixa, tornando difícil seu contato com o mundo. Aos poucos, a
confluência vai dando espaço a uma maior autonomia, sendo (a confluência)
substituída posteriormente pelo apego. Esse servirá de suporte e como confirmação
4
“Desenvolvimento da autoria, do auto-suporte e da possibilidade de ser parceiro na construção de relações
efetivamente suportivas” (SOARES, 2005, [s.p.]).
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para que a criança vá, sem pressa, colocando-se no mundo a partir de recursos
próprios, favorecendo a descoberta e o desenvolvimento de novas potencialidades
(AGUIAR, 2005).
Com o decorrer do desenvolvimento, a criança consegue maior inserção no mundo
e, consequentemente, uma melhor satisfação de suas necessidades. Aos poucos, a
criança começa a perceber que existem outras regras além das de seus pais e que
as outras pessoas se comportam de modo diferente dela. Com isso, a autonomia da
criança começa a se fortalecer, dando-lhe condições de diferenciar aquilo que lhe é
nutritivo ou não, bem como de questionar as introjeções provenientes do ambiente
(AGUIAR, 2005).
Aguiar (2005) ressalta duas modalidades por meio das quais a criança vai
aprendendo a discriminar os estímulos ao seu redor: a discriminação reativa e a
discriminação criativa. A partir do segundo semestre de vida, a criança começa a
dizer não para o que vem de fora por meio da discriminação reativa, respondendo
não àquilo que é lhe tóxico. A necessidade de exercitar essa possibilidade de dizer
não, às vezes, faz com que a criança diga mais não do que precisaria (AGUIAR,
2005). Na medida em que a criança vai crescendo, ela se dá conta de que não
precisa recusar tudo, mas pode transformar aquilo que lhe é dado se valendo da
discriminação criativa. Essa, a possibilita uma melhor organização da experiência
vivida, permitindo à criança se tornar mais ajustada às suas necessidades (AGUIAR,
2005).
Para que esse processo de discriminação dos estímulos aconteça, é essencial que a
criança cresça em um ambiente confirmador, podendo expressar seus sentimentos e
exercitar a possibilidade de dizer não.
Outro ponto que precisamos salientar nessa dinâmica discriminatória é a vivência de
limites, a qual é imprescindível no processo de diferenciação por parte da criança de
seu “eu” em relação a um “outro eu” que não ela. Nesse contexto, a autoridade,
enquanto forma de configuração de parâmetros para a criança, gera a segurança
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necessária para que ela se coloque e aja no mundo de um modo saudável
(AGUIAR, 2005).
Ainda, é fundamental que a criança possa experimentar o mundo de todas as
maneiras possíveis por meio de suas funções de contato, a saber: visão, tato,
paladar, olfato, linguagem e movimento corporal. Essas funções precisam se
desenvolver para que a criança realize trocas saudáveis com o mundo
(OAKLANDER, 1980; AGUIAR 2005).
Embora a Gestalt-terapia proponha uma nova leitura acerca do desenvolvimento
humano, ela não desconsidera que conhecer as regularidades desenvolvimentais é
de suma importância para que possamos saber o que esperar da criança em
determinadas fases da vida. Afinal, é partir dessas constatações que procuramos
ajuda (momento em que a psicoterapia se insere com toda a produção de
conhecimento discutida neste trabalho).
A criança adoecida
“O inevitável aconteceu: nossa menos-valia se desenvolveu, nossa
autoconfiança adoeceu.” (RIBEIRO, 1998, p.38)
Atualmente as crianças são extremamente exigidas, “[...] devem saber dominar a
informática, falar outras línguas, praticar esportes, tirarem sempre notas altas na
escola, serem boazinhas e obedientes, enfim, serem „eficientes‟ naquilo que fazem”
(GARCIA, 2005, [s.p.]). Com isso, não têm tempo para brincar, para serem elas
mesmas; acabam por agir em função do que o outro deseja que elas sejam com
medo de perder o amor dele.
Frente a tantas exigências e determinações, as crianças acabam se deixando de
lado, alienando-se por desejarem corresponder às expectativas do outro significativo
para elas, e consequentemente, conseguir o amor dele. Não sendo confirmada, a
criança adoece, não se autorrealiza, desenvolvendo uma menos-valia e uma
ausência de confiança em si mesma, as quais acabam por dificultar seu contato com
o mundo. Diante desse cenário, a criança se cristaliza em uma única forma de ser
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no mundo por meio de seu sintoma, ou seja, o fluir da figura-fundo é estagnado,
deixando-se de fazer contatos nutritivos e fixando-se em uma gestalt continuamente
aberta.
“A doença significa que a criança interrompeu sua capacidade de dar
respostas criativas a específicas situações conflitivas e às suas
necessidades internas. Passou a perceber o outro como de uma forma
petrificada, criando padrões de comportamento e interação repetitivos
vinculados a uma gestalt fixada, que enriquece a formação novas
figuras e interrompe o fluxo natural da percepção das necessidades .”
(ANTONY, 2009, p.358).
O sintoma na Gestalt–terapia é uma forma criativa que surge “para neutralizar
angústia, sinalizando uma necessidade importante que está insatisfeita e, por
conseqüência, uma gestalt que está aberta” (ANTONY, 2009, p.358). É uma forma
de a criança buscar equilíbrio, uma vez que ela traz consigo a capacidade de
autorregulação. No entanto, como a criança não consegue suprir a necessidade em
questão, corre-se o risco de cristalização, pois, embora o sintoma seja um
ajustamento criativo, ele falha por não ser capaz de manter o equilíbrio buscado
através dele (AGUIAR, 2005). A relação custo-benefício do sintoma sobrecarrega o
organismo, afinal, exige-se grande quantidade de energia para mantê-lo.
Vale ressaltar a corresponsabilidade dos pais no adoecimento emocional da criança,
pois ela indica com seu sintoma que algo nas suas principais relações não “vai
bem”. Dessa forma, a criança deve ser sempre percebida enquanto imersa em um
contexto e nunca como um ser isolado, isso porque é esse “fundo” (contexto) que
sustenta a “figura” (sintoma), doando sentido para as ações, pensamentos e
sentimentos da criança. Hycner (1995) defende que a patologia é consequência de
uma confirmação insuficiente pelas figuras parentais no estágio inicial do
desenvolvimento infantil.
“Cada um de nós, nos recantos mais profundos do nosso ser, clama
desesperadamente por ser confirmado. É uma de nossas grandes
necessidades existenciais – sermos profundamente compreendidos
por outro ser humano. Escondemos tanta coisa e construímos barreiras
protetoras tão fortes porque não nos sentimos compreendidos.
Podemos, de fato, sentir que ninguém pode nos compreender. Em um
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sentido mais limitado isso é verdade. Ainda assim, outra pessoa pode
compreender aspectos importantes de nossa vida. Não há nada mais
terrível do que o sentimento de que estamos completamente sós e que
ninguém nos compreende.” (HYCNER, 1995, p.118).
Quando adoece, normalmente a criança se vale de um dos mecanismos de defesa
ou bloqueadores do contato apontados por Ribeiro (2007) no ciclo do contato.
Dentre eles estão: a fixação (nos apegamos excessivamente às coisas e às pessoas
- “parei de existir”), dessensibilização (entorpecimento, não fazemos contato com
nossas sensações - “não sei se existo”), deflexão (tentamos evitar o contato - “nem
ele nem eu existimos”), introjeção (engolimos as coisas que vêm do mundo - “ele
existe, eu não”), projeção (não identificamos o que nos é próprio e de nossa
responsabilidade - “eu existo, o outro eu crio”), proflexão (desejamos que os outros
sejam como nós desejamos - “eu existo nele”), retroflexão (desejamos como os
outros desejam que desejássemos - “ele existe em mim”), egotismo (somos o centro
das coisas - “eu existo, eles não”), confluência (não nos diferenciamos do outro “nós existimos, eu não”) (RIBEIRO, 2007, pp.63-66).
Diante desse quadro, algumas questões emergem: O que fazer frente à doença?
Arrancar o sintoma e invalidar nossa resistência? Ribeiro (1998) chama nossa
atenção para o valor da resistência, pois, embora ela nos paralise em certas
ocasiões, ela nos é necessária. A resistência foi o único modo que encontramos
para lidar com nossas mazelas, a melhor forma possível de acordo com nossas
capacidades. Logo, a questão se desloca da urgência de se acabar com o sintoma
para a necessidade de se fortalecer a autoestima e a autoconfiança da criança, a fim
de que, aos poucos, o sintoma e a resistência, que o mantém, tornem-se
desnecessários – e aqui entra a psicoterapia. Aguiar (2005) prega que o sintoma é a
forma que a criança encontrou de se equilibrar e, até que ela consiga encontrar
outras formas, não cabe a nós "acabar com ele".
O processo terapêutico como fator de cura
“Então, cura é Acreditar, com A maiúsculo, em nosso sábio e, portanto,
em nós mesmos e, como decorrência lógica, acreditar no Outro e no
Mundo”. (RIBEIRO, 1998, p.57).
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Aguiar (2005) salienta que apesar do homem ser um constante vir-a-ser, quando
procura a psicoterapia é porque se encontra paralisado nesse fluir, de maneira que
se cristalizou em alguns padrões que não são experimentados como satisfatórios e
saudáveis. Sua capacidade de autorregulação organísmica encontra-se prejudicada
por não ter consciência de suas necessidades e dos seus significados de ser no
mundo. De modo semelhante como isso ocorre nos adultos, nas crianças também é
possível observar esses padrões enrijecidos e suas relações disfuncionais, assim
como os mecanismos de defesa utilizados por elas para evitar o contato.
A partir dessas constatações, o objetivo do processo psicoterapêutico em Gestaltterapia com crianças será o resgate do curso satisfatório do desenvolvimento delas,
propiciando oportunidades de: realizar um contato pleno com o mundo através de
seus sentidos, funções de contato e do reconhecimento do seu corpo; ampliar sua
autoconsciência e autossuporte que possibilitam a identificação, aceitação e
expressão de seus sentimentos, por vezes, suprimidos; descobrir e verbalizar suas
necessidades, bem como encontrar formas de satisfazê-las. Em consequência
disso, a criança começa a poder realizar escolhas, assumindo maior
responsabilidade e liberdade frente a elas, além de aceitar quem ela é na sua
singularidade, fortalecendo o seu senso de eu (AGUIAR, 2005).
Durante o processo psicoterapêutico em Gestalt-terapia, o terapeuta e a criança
descobrem juntos o que está impedindo o desenvolvimento saudável dela. Assim, o
terapeuta procura auxiliar a criança na ressignificação de suas vivências,
pensamentos, sentimentos e no encontro de outras formas criativas de ser-e-estarno-mundo, satisfazendo suas necessidades (GARCIA, 2005). Independente do
rótulo que a criança tenha recebido, a psicoterapia irá atuar como instrumento de
cura a partir das potencialidades reconhecidas nela:
“Na psicoterapia com crianças, a abordagem gestáltica oferece uma
possibilidade de reorientar as funções de contato (ver, ouvir, sentir,
falar) de forma a apoiar seu desenvolvimento de uma forma mais
organísmica, isto é, orientado pelas reais necessidades de seu
organismo como um todo, em lugar de uma orientação baseada nas
introjeções recebidas familiar e socialmente, onde rótulos tais como: “é
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uma criança agressiva”; “não gosta de estudar”; “é muito tímido e não
conversa com ninguém” entre outros, criam uma condição que distorce
a imagem da criança diante de si mesma e em seu ambiente,
cristalizando muitas vezes atitudes que fixam os problemas, em vez de
resolvê-los.” (GOUVÊA, [s.d.], [s.p.])
Aguiar (2005) nos lembra de que no processo psicoterápico, o Gestalt-terapeuta não
deve se focar no sintoma, pois a criança, com certeza, irá trazer aquilo que é figura
para ela. O que vier a aparecer na relação psicoterapeuta-criança é expressão da
totalidade da criança naquele momento. Isso que emerge está articulado com o
sintoma numa configuração mais ampla, não se restringido a ele. Sendo assim,
ainda que lidemos com uma faceta do todo, intervindo em uma parte, esperamos
que a totalidade seja reconfigurada, pois as partes encontram-se continuamente em
relação com o ser total da criança.
“A aceitação da criança, exatamente como ela é, o respeito pelo seu
tempo e pela sua capacidade de resolver seus próprios problemas, a
não-diretividade das suas ações ou conversas, o estabelecimento de
um sentimento de permissividade e o desenvolvimento de uma sólida
relação de confiança entre criança e psicoterapeuta são os princípios
básicos dessa forma (existencial fenomenológica) de compreender e
trabalhar psicoterapeuticamente com criança”. (AGUIAR, 2005, p.35)
Portanto, é vital desenvolvermos uma comunicação que permita à criança emergir
enquanto sujeito, tomando o cuidado de não invadirmos o mundo dela, mas sim
acompanhá-la (COSTA & DIAS, 2005). Nesse sentido, torna-se importante
conectarmo-nos ao seu mundo para que ela se sinta compreendida e confirmada, ou
seja, é preciso compreender a linguagem simbólica manifestada por ela em suas
fantasias e brincadeiras (COSTA & DIAS, 2005).
Ainda sobre esse tema, Monteiro ([s.d.]) coloca que o terapeuta deve confiar na
capacidade do cliente em recriar seu presente por suas próprias escolhas. Pontua
ainda que é a criança quem indica o caminho a ser seguido, sendo imprescindível
que o psicoterapeuta respeite-a quando ela demonstra não estar pronta para ir
adiante.
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“[...] a perspectiva de transformação parece-me mais adequada à visão
gestáltica, pois sugere participação organísmica ativa, processual e
relacional. Assim, no papel de terapeuta, posiciono-me
como parceira engajada no processo de desenvolvimento daquele que
me procura. Portanto, creio na formação da parceria pródesenvolvimento como fundamental no estabelecimento do próprio
processo.” (SOARES, 2005, [s.p.])
Soares (2005) complementa dizendo que desenvolver-se é participar de um contexto
relacional, fomentando parcerias eu-tu5 libertadoras, relações confirmadoras nas
quais torna-se possível o fluir da vitalidade, o renovar-se.
Costa & Dias (2005) e Monteiro ([s.d.]) observam ainda que para uma psicoterapia
infantil bem sucedida é importante ter um espaço físico adequado para a criança e
disposição física para adentrar no mundo infantil. O apoio dos pais enquanto
parceiros na facilitação do desenvolvimento infantil também é um aspecto de suma
importância, uma vez que a criança não conta com uma autonomia sólida e os pais
são pessoas significativas para ela. Além disso, os pais têm recursos de prática e
convivência com a criança que podem ser mobilizados terapeuticamente. Costa &
Dias (2005) apontam que a maturidade e a experiência do profissional são de
grande valor para uma psicoterapia bem sucedida e para a afirmação dos pais como
colaboradores durante o processo. Os autores destacam também a relevância de
uma formação técnica adequada, de supervisão e psicoterapia pessoal do terapeuta
como pontos inerentes à realização de um processo terapêutico compreensivo e
genuíno junto à criança.
Para conseguir entrar no mundo do cliente, independente de ser uma criança ou
não, o terapeuta deve ser capaz de estar presente; o terapeuta deve estar disposto
a contribuir com seu self para o encontro de forma efetiva (HYCNER, 1995). Ele
precisa deixar de lado seus pressupostos e preconceitos para assim conseguir estar
genuinamente aberto à alteridade, não perdendo a capacidade de se surpreender
com o que o cliente lhe traz (HYCNER, 1995). A essas atitudes psicoterapêuticas
5
Relação na qual uma pessoa se abre totalmente com outra. É contrária à relação Eu-Isso, na qual a pessoa é
vista como um meio para se atingir um fim, não há um contato genuíno, pois existe uma “objetalização” da
relação humana (HYCNER, 1995).
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acrescentamos a aceitação, compreensão, confirmação, empatia, e claro, o desejo e
gosto em trabalhar com pessoas, especialmente com crianças.
Por fim, Ribeiro (2007) esclarece em seu livro que assim como existem os fatores de
bloqueio de contato, também existem os fatores de cura. São eles: fluidez (nos
movimentamos, renovamos, recriamos), sensação (nos sentimos, estamos atento
aos sinais do nosso corpo), consciência (nos damos conta de nós de maneira clara e
reflexivamente), mobilização (necessitamos mudar, nos expressar), ação
(expressamos confiança nos outros e nos responsabilizamos pelos nossos atos),
contato final (voltamos nossa energia para a relação nutritiva), satisfação
(desfrutamos, compartilhamos e percebemos o mundo como fonte de prazer),
retirada (percebemos o que é nosso e o que é dos outros, nos retirando quando
sentimos que devemos sair).
“O terapeuta infantil com orientação de base humanista-existencial tem
como meta realizar um trabalho clínico no qual exercer o papel
facilitador do autoconhecimento, possibilitando à criança vivenciar e
experienciar a liberdade e o poder de escolha por meio de espaço,
escuta, nominação de seus desejos e respeito pela sua singularidade.
Deve propiciar, ainda, o reencontro consigo mesmo e a emergência de
outras possibilidade por intermédio das quais possa encontrar recursos
para ressignificar o sofrimento psíquico, denunciado ou não em forma
de sintomas”. (COSTA & DIAS, 2005, p.44)
Considerações finais
Apesar da carência de material bibliográfico específico, pudemos concluir que há
importantes questões particulares à atuação clínica com crianças, e que há, sim, a
necessidade de maior exploração dessa área. Seria incoerente com a visão cultural
atual da infância, acreditar que ela não tem questões que lhe são próprias. Afinal,
desde o século XVIII o infante não é mais visto como semelhante ao adulto.
Entretanto, ainda que a tradição cultural reconheça essas peculiaridades, acaba por
reduzir a criança a uma postura passiva frente ao mundo. Contrária a tal preceito, a
Gestalt-terapia traz uma visão mais complexa do que é ser humano e, mais
especificamente, do que é ser criança. Ao conceber a criança como ativa no mundo,
realizando trocas constantes com o meio, modificando-o e doando sentido a tudo ao
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seu redor, nós, psicoterapeutas, passamos a ter um papel também mais presente na
clínica. Não basta aplicar técnicas e esperar que elas mudem a criança, é preciso
interagirmos com nosso cliente de forma autêntica, colhendo seus posicionamentos
enquanto uma forma própria e singular de experienciar as coisas. Psicoterapeuta e
criança se tornam responsáveis pela relação construída em igual medida.
Quanto ao desenvolvimento e ao crescimento, a Gestalt-terapia vê tanto o adulto
quando a criança como seres em constante desenvolvimento, que estão sempre
buscando satisfazer as necessidades emergentes, tendendo à autorregulação
organísmica e ao ajustamento criativo (o qual se caracteriza como a melhor forma
que a pessoa encontra para alcançar seu próprio equilíbrio mediante os recursos
que possui no momento). Acreditamos que essa leitura do processo de
desenvolvimento pela Gestalt-terapia, valoriza ainda mais a criança enquanto sujeito
total e real, com potencialidades intrínsecas capazes de incluí-la como autora das
aquisições e perdas realizadas. Embora reconheçamos que ainda existe uma
fronteira de contato frágil, não a inutilizamos por essa caracterização e nem
determinamos qual o caminho a ser percorrido pela criança. Confiamos que a
criança desde pequena traz consigo uma sabedoria organísmica que a orienta em
direção a uma autorrealização.
Obviamente, no início, esse processo de desenvolvimento e crescimento precisa ser
orientado pelos pais, inclusive indicando à criança aquilo que lhe é nutritivo e tóxico.
Porém, a Gestalt-terapia reconhece a complementaridade da relação pais-crianças,
ou seja, salienta a importância de pais auxiliadores do desenvolvimento e
confirmadores da criança, assim com a aprendizagem da criança em se diferenciar a
si mesma do resto do mundo. Essa valorização do contato criança-mundo, criançaoutro, enfatizando sempre os dois polos, talvez seja a principal contribuição deste
trabalho.
Em relação à doença, vimos que o que acontece é a fixação em uma gestalt aberta
devido ao enrijecimento da criança em uma forma de ser, forma essa que intenta
corresponder o que ela percebe do que as pessoas esperam dela. A criança perde
sua capacidade de dar respostas criativas porque não se sente confirmada, e assim,
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não se autorrealiza. Cabe então ao psicoterapeuta ajudar a criança adoecida a
resgatar o curso satisfatório de seu desenvolvimento, confiando nela, confirmando-a,
ajudando-a a ressignificar suas vivências e a encontrar novas formas de atuar no
mundo. Essa postura profissional não é simples, requer um envolvimento genuíno
do psicoterapeuta, além de um respeito verdadeiro pela criança que se encontra
diante dele, não devendo jamais reduzi-la à ignorância devido aos poucos anos.
Outro ponto positivo a nosso ver é que a Gestalt-terapia não engessa a criança em
diagnósticos ou estruturas fixas de personalidade. A criança pode sim ser
diagnosticada, mas a ênfase na psicoterapia recairá na sua forma de se colocar no
mundo e se relacionar, e não sobre o sintoma. Logo, estamos mais interessados no
processo (dinâmica) da criança, do que no conteúdo de sua fala. Além disso, ao
enxergarmos o ser humano como um constante vir-a-ser, não restringimo-lo a uma
única possibilidade fadada ao fracasso, pois em sua totalidade existente, há sempre
outras partes a serem desvendadas e fortalecidas.
Uma questão abordada por nós neste trabalho foi a influência da família enquanto
campo relacional da criança. Entretanto, reconhecemos que esse tema não foi
retratado na profundidade que ele exige. Sabemos que muitos dos sintomas que os
filhos apresentam estão relacionados aos problemas dos pais e familiares, pois
essas pessoas são, em sua maioria, as primeiras pessoas significativas na vida da
criança. Sendo assim, esse seria um assunto interessante a ser explorado em
pesquisas futuras.
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Endereço para correspondência
Poliana Barbosa
E-mail: [email protected]
Recebido em: 04/04/2011
Aprovado em: 02/06/2011
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Disponível em http://www.igt.psc.br/ojs/ ISSN 1807-2526
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