A Comunicação como um instrumento de inclusão social: Um olhar

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A Comunicação como um instrumento de inclusão social:
Um olhar do Relações Públicas sobre a experiência de
articulação da Rede Aiyê Hip-Hop
Eliciana Santos do Nascimento 1
Orientadora: Profa Clarissa Braga 2
Resumo
O presente artigo trata da questão da inclusão social
promovida
pelos
movimentos
sociais
e
organizações
não
governamentais. A proposta é fazer uma análise da contribuição da
sociedade organizada na resolução de problemas sociais. Para a
presente análise, o objeto de estudo é a experiência da Rede Aiyê HipHop, enquanto um fenômeno do movimento social baiano, que busca
estratégias de inclusão social para a juventude. Esta organização
pretende utilizar a comunicação como uma ferramenta que possibilita
o diálogo entre os diferentes públicos para compreender e colaborar
na resolução das demandas apontadas pelo grupo. A experiência da
Rede Aiyê Hip-Hop é aqui marcada pela criação de um núcleo de
comunicação, que visa o aprimoramento de metodologias de
relacionamento.
1. Introdução
1
Graduanda em Relações Públicas; Bolsista PIBIC/FAPESB; Diretora do programa Gente Boa da TV
UNIFACS; Estagiária da Ong Cipó- Comunicação Interativa e Coordenadora do Núcleo de Comunicação
da Rede Aiyê Hip-Hop.
2
Doutoranda em Educação (FACED/UFBA); Mestre em Comunicação e Culturas Contemporâneas
(FACOM/UFBA); Vice coordenadora do NAVE/UNIFACS e coordenadora geral da TV UNIFACS
Quando o Relações Públicas desenvolve o olhar sobre a importância da atuação
profissional no âmbito da qualificação do terceiro setor, ele pode ser um agente de
transformação social. Capacitados para lidar com a diversidade dos públicos, esses
profissionais podem contribuir para o fortalecimento desse setor e a efetivação das
ações desenvolvidas.
O terceiro setor tem desempenhado um papel importante no desenvolvimento de
ações sociais. As demandas da sociedade, que são responsabilidades do poder público,
são hoje capitaneadas pelas empresas que promovem a responsabilidade social, que no
geral, conta com o envolvimento comunitário para realizar as ações. As organizações
não governamentais e os movimentos sociais oferecem um novo formato para a
implementação das políticas públicas negadas à sociedade.
A Rede Aiyê Hip-Hop é um exemplo de organização social, que tem se
mobilizado para promover a inclusão social. A Rede se utiliza da comunicação e
fortifica a sua articulação entre as comunidades envolvidas, além de fornecer
informações de interesse público, através do uso de meios de comunicação como: a
rádio comunitária, fanzines, informativos, sites e eventos sociais - atividades
desenvolvidas pelo Núcleo de Comunicação da Rede.
2. O desaparecimento do Estado do Bem Estar Social
A inclusão social é um dos temas que mais tem pautado as atuais conferencias,
congressos, fóruns e debates em várias partes do mundo. Essa preocupação não é por
acaso, já que a maioria dos países teve o seu desenvolvimento construído dentro de um
processo de exclusão. Em alguns casos, estes desbravadores de colônias contaram até
com legislações que lhe deram o direito de simplesmente instituir a segregação. Assim
foi em países como a África do Sul - em regime do Apartheid (PEREIRA, 1994), onde
foi alijado os direitos dos nativos em detrimento da invasão e do “desenvolvimento” dos
estrangeiros. O Apartheid deixou marcas que duram até hoje. Marcas que refletem em
um sistema racista e na falta de políticas públicas para uma população que ainda depois
desse regime não pode contar com a garantia de seus direitos de cidadãos.
A colonização não foi o único agente de exclusão social: com a chegada do
capitalismo, o advento da modernização não contou com a mesma repercussão em todos
os países. O modelo fordista de produzir, adotado pelos países centrais a partir do
século XX, logo conquistou os países periféricos, que também aderiram a moda.
Enquanto os países desenvolvidos criaram a política de Bem Estar Social, garantindo
melhores condições de vida para as pessoas, que passaram a trabalhar em maior
quantidade de tempo, a periferia do mundo intensificava o seu processo de exclusão. No
Brasil, assim como em muitos países caracterizados como colônia, esse quadro se
repetiu. Um país que ao se modernizar consegue chegar a 8ª potencia do mundo é o
mesmo que também está classificado como um dos primeiros no índice de pobreza,
violência e falta de distribuição de renda. (ARAÚJO, 1995, pg 14).
Nesse contexto, cabe entender a atual dissimulação que promove o grande
interesse do mundo sobre o tema: inclusão social. A partir da queda das políticas do
Bem Estar Social, promovidas pelo Estado, que nesse momento se encontrava no seu
auge de desenvolvimento, o mundo passa ser ministrado pelas grandes corporações. O
Brasil também entra em crise na década de 80 e adere ao novo processo de
reestruturação produtiva. Daí é que vão surgir as políticas neo-liberais, dando toda
liberdade às corporações sobre o rumo do mundo e o intenso processo de exclusão, com
ações sociais paliativas. O Estado omite o seu papel em detrimento do desenvolvimento
prometido pelas iniciativas privadas. Dessa forma, é o segundo setor – o Mercado - que
começa a promover as “políticas de Bem Estar Social”, compreendida hoje como
Responsabilidade Social. É entre a década de 70 e 80 que as empresas se despertam para
o relacionamento com a comunidade (MELO, 1999, pg 54). Esse interesse surge no
intuito de promover o marketing social e dessa forma sair na frente da competição como
empresa cidadã. Segundo Kunsch,
“(...) apesar de toda a veracidade das informações contidas nos
relatórios anuais de responsabilidade social, não podemos
deixar de considerar que muitas organizações tem em mente,
antes de tudo, o retorno de imagem institucional e financeira
e/ou mercadológica. São argumentos convincentes para decisões
estratégicas de negócios, sobretudo em empresas cuja filosofia se
orienta basicamente pelo lucro”. (KUNSCH, 2003, pg. 140)
3. A Sociedade se Organiza
É também nesse período que começa a proliferar as organizações da sociedade
civil e os movimentos sociais, constituindo o Terceiro Setor. Este vem depois do Estado
e das empresas. O Terceiro Setor é legalmente regido pela lei 9970/99 que dispõe sobre
a qualificação de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, como as
Organizações não Governamentais. Esse segmento representa hoje 1,5% do PIB
brasileiro e emprega 1,3 milhões de pessoas no país. Existem hoje cerca de 260.000
entidades não governamentais, que atuam nas áreas de educação, saúde, assistência
social, defesa dos direitos humanos, do meio ambiente, das minorias étnicas, dentre
outras, em todo o Brasil. (DUARTE & LUCIARA, 2006, pg 47) Por conta dessa
organicidade social a sociedade passa a contar com um novo aparato para resolver suas
problemáticas.
“(...) a nossa representação política não está dando as respostas
que a sociedade quer. Tanto é verdade que as organizações nãogovernamentais se fortalecem em todo país na esteira desse grande
conceito que é organicidade social. As ONGs se adensam em
função da crise que solapa a representação política, cada vez mais
afastada da sociedade, porque banhada pelas mazelas tradicionais
que conhecemos muito bem e que se projetam sobre a
administração pública”. (REGO, 2002,pg,14)
Na Bahia, cada vez mais, as organizações do Terceiro Setor têm se qualificado
para atender as demandas da sociedade. E tem sido um proveitoso espaço de
desenvolvimento de potencialidades educativas, culturais, empreendedoras, políticas e
acadêmicas. Nesse emaranhado, é importante citar organizações que têm se destacado
no desempenho de seu papel, a exemplo da Rede Aiyê Hip-Hop, Lar Joana Angélica,
Cipó – Comunicação Interativa, Rede Sou de Atitude, Rede Andi, que envolve diversas
organizações de comunicação, Organização de Auxílio Fraterno (OAF), Instituto de
Mídia Étnica, Coletivo de Entidades Negras, Centro de Referência Integral do
Adolescente (CRIA), Liceu de Artes e Ofícios, dentre outras.
Essas entidades estão
entre as diversas organizações que tem se utilizado - dentre outras ferramentas - da
comunicação para promover a inclusão social em comunidades periféricas na Bahia e no
Brasil.
3. O Relações Públicas como agente de inclusão social
É importante começar esse tópico com a seguinte indagação: de que lado o
profissional de ralações públicas precisa estar? Para atingir o objetivo proposto nesse
artigo, a resposta mais coerente poderia ser: do lado do público. Embora o âmbito da
atuação das Relações Públicas seja o relacionamento com todos os públicos de uma
organização, para atingir os objetivos planejados por esta, a comunidade é um segmento
que ainda tem ficado em segundo plano: este público é sempre visto pelas organizações
como uma comunidade “carente”, que necessita tão somente das “boas ações” providas
através de projetos de responsabilidade social. Esse público: a comunidade, a sociedade
civil organizada, os movimentos sociais tem voz. E pode desenvolver a capacidade de
falar sobre suas reais necessidades e até propor as deliberações necessárias para o
desenvolvimento local.
A sociedade civil organizada pode desenvolver esse posicionamento: através do
diálogo estabelecido entre as empresas com responsabilidade social; do relacionamento
com o poder público; e através da própria capacidade de se constituir juridicamente, a
fim de se potencializar para promover suas próprias ações. Nesse sentido, se faz
necessário uma maior qualificação no âmbito do Terceiro Setor, o que é uma
problemática atual, pois, a maioria das organizações não governamentais e movimentos
sociais não contam com uma estrutura adequada para realizar as suas ações. No geral,
essas organizações funcionam sem nenhuma estrutura administrativa, pedagógica,
política, estratégica, financeira e muito menos de comunicação. Compreendendo o
contexto do surgimento da necessidade de atuação das entidades sociais, o profissional
de Relações Públicas pode ser um importante agente dessa transformação social,
estabelecendo planejamentos, estratégias, ações e avaliações para a promoção desse
segmento.
A comunicação é uma ferramenta importante nessa empreitada. Entretanto, tem
sido pouco utilizada para esse fim. A comunicação pública, que tem princípios que
norteiam a cidadania e o envolvimento com as políticas públicas, não tem funcionado da
maneira ideal. A democratização da comunicação é cada vez mais urgente. Sobre este
aspecto, Jornalista e Relações Públicas Jorge Duarte descreve conceitos em seu artigo
Comunicação Pública:
“Adotam-se como referência, para tratar da Comunicação
Pública, conceitos como cidadania, democratização, participação,
diálogo, interesse público. Mais poder para a sociedade, menos
para os governos; mais comunicação, menos divulgação; mais
diálogo e participação, menos dirigismo; são algumas das
premissas. A idéia-chave talvez seja a de espírito público, o
compromisso de colocar o interesse da sociedade antes da
conveniência da empresa, da entidade, do governante, do ator
político. O objetivo central é fazer com que a sociedade ajude a
melhorar a própria sociedade” (DUARTE,2000, pg 3).
4. A Rede Aiyê Hip-Hop: um campo de atuação que promove a inclusão social
Com o intuito de promover a inclusão social e influenciar em políticas públicas
para a juventude é que surge a Rede Aiyê Hip-Hop no cenário baiano: uma organização
que emerge de um movimento social de juventude, o Movimento Hip-Hop, criado nos
EUA na década de 70 pelo Dj Afrika Bambaataa. A idéia do movimento era acabar com
a violência eminente da periferia e promover um espaço de integração social. Esse
movimento ganha o mundo e chega no Brasil na década de 80. Constituído de quatro
linguagens artísticas - a música rap, a discotecagem do DJ, a expressão gráfico-plástica
do graffiti e a dança do breaking -o hip-hop pode ser compreendido enquanto cultura e
movimento. A cultura hip-hop preocupa-se apenas com o lado profissional do artista,
enquanto o Movimento Hip-Hop se utiliza das suas linguagens artísticas para promover
transformação social.
A Rede Aiyê Hip-Hop é criada em 2001 para promover a integração dos
diversos grupos de hip-hop existentes em Salvador e área metropolitana, que tinham
idéias em comum. Cada grupo desenvolve seus trabalhos em suas comunidades e se
encontram semanalmente em um espaço denominado como Reunião Geral do
Movimento Hip-Hop Bahia. Essa reunião acontece todas as sextas feiras, da 19:30 às
21:20h, no Espaço Público do Teatro Vila Velha. Além disso, há os Fóruns e os
Encontros Estaduais e Regionais, que acontecem anualmente e reúne todo o público do
Movimento. Com o desenvolvimento da Rede na implementação de ações locais,
municipais e estaduais, os grupos comunitários passaram a buscar auxílio nesse espaço,
para a implementação de suas atividades comunitárias, buscando uma articulação mais
qualificada para potencializar as ações coletivas.
Embora a filosofia de articulação do Movimento hip-hop exista, a Rede não
conta ainda com a estrutura adequada para manter a organização do Movimento da
Bahia. É elaborado, então o Sistema da Rede Aiyê Hip-Hop, que dá inicio a um
planejamento de comunicação, visando a integração dos diversos grupos que compõem
a Rede. O Sistema Rede Aiyê Hip-Hop organiza os princípios, filosofia, conceitos
defendidos pela Rede, além de definir, em forma de desenho, a localização e os papéis
dos diferentes públicos envolvidos na organização. O Sistema também traça as
possíveis ações de melhor estruturação da Rede e de suas ações sociais.
“O conceito de rede social perspassa as mudanças sociais
ocorridas nas ultimas décadas. Tais mudanças renovaram ou
criaram novas formas de comunicação. Rede é um sistema de nós
e elos capaz de organizar pessoas e instituições, de forma
igualitária e democrática, em torno de um objetivo comum”.
(WHITAKER, 1993, pg 41)
A comunicação é um dos elementos norteadores para a existência de uma rede.
Ao reconhecer essa importância, a Rede Aiyê Hip-Hop amadurece no aspecto de
articulação, disseminação e fortalecimento dos trabalhos desenvolvidos e cria um
Núcleo de Comunicação. Dessa forma, a comunicação passa ser, não só um instrumento
de ligação entre os grupos, mas um elemento de consolidação de ações planejadas, além
do acesso direto a informação, como a possibilidade de democratização da comunicação
nas comunidades de baixa renda. Com a criação do Núcleo de Comunicação da Rede
Aiyê Hip-Hop, promove a inclusão das pessoas envolvidas. A Rede conta com uma
estudante de Comunicação social com habilitação em Relações Públicas, que vem
desenvolvendo o olhar sobre a importância do empoderamento das organizações sócias.
As experiências vivenciadas enquanto Coordenadora do Núcleo de Comunicação da
Rede tem contribuído para sua formação profissional e cidadã.
5. Conclusão
Garantir que a sociedade esteja incluída socialmente de forma democrática não é
tarefa fácil. Principalmente dentro do contexto atual de sistema estabelecido, onde a
lógica é regida pelo lucro, a cidadania fica em segundo plano ou é inexistente e os
atores responsáveis são omissos.
Acreditar e investir na sociedade civil organizada enquanto agente de
transformação social, deve se constituir em um compromisso ético do profissional de
Relações Públicas. Esses profissionais contam com uma formação que possibilita o
fortalecimento desse segmento, não o tratando apenas enquanto uma comunidade
carente, mas um público em potencial capaz de promover a inclusão social.
O tema, tão debatido nos encontros mundiais, precisa de ações mais efetivas e
verdadeiras. O último Congresso Mundial de Relações Públicas, que aconteceu entre os
dia 26 e 28 de junho de 2006, em Brasília, teve como tema a Inclusão Social.
Entretanto, os espaços mais importantes do evento foram dedicados às grandes
empresas que fazem responsabilidade social. A indagação surgiu: a intenção é discutir a
inclusão ou promover espaço para o marketing social das empresas?
É possível que seja desenvolvido um outro olhar sobre esse assunto, respeitandose a cultura, educação, e espaço do outro. Não é por acaso que o próximo congresso de
Relações Públicas acontece na África. Diante dos problemas enfrentados nesse
continente, espera-se que, nesse evento, sejam criadas alternativas estratégicas para lidar
dar com a intensa exclusão social.
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RIBEIRO, E. ROSSI, M. A., LIMA, P. V. A comunicação no serviço público: a
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TORQUATO DO REGO, F. G. Tratado de comunicação organizacional e política.
São Pulo: Pioneira Thomson Learning, 2002
KUNSCH, M. M. K. Planejamento de Relações Públicas na Comunicação Integrada.
São Paulo: Summus, 2003.
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