Rio de Janeiro, 2014 1° edição Silvia Lorenz Martins (Org.) fotos de capa e aberturas de capítulos: http://www.maxisciences.com/univers/wallpaper Sumário Teoria da Relatividade Geral 05 História das Mulheres Astrônomas 13 Como Morrem as Estrelas? Em Espetáculos de Rara Beleza 19 Alquimia Estelar 31 A Fundação de Observatórios e o Ensino de Astronomia no Rio de Janeiro 35 O Universo Distante 41 O Universo em Grandes Escalas 49 Expedições Astronômicas no Segundo Império 55 Interestelar: o Espaço Entre as Estrelas é Realmente Vazio? 61 Telescópios: Observando a História do Universo 69 Ventos Estelares 75 “Ora ( direis ) ouvir estrelas! Certo, perdeste o senso! E eu vos direi, no entanto Que, para ouví-las, muitas vezes desperto E abro as janelas, pálido de espanto “ Assim inicia a mais famosa poesia de língua portuguesa que fala do amor por estrelas escrita por Olavo Bilac. Nela o autor conversa com a Via Láctea. Astronomos não conversam com as estrelas mas certamente as ouvem e entendem. Medidas cada vez mais precisas mapeiam e localizam nosso endereço no Universo. Outras anuciam a descoberta de novos sistemas planetários ou a descoberta de moléculas orgânicas complexas no Meio Interestelar. Sondas enviadas à planetas do nosso sistema solar evidenciam inúmeras semelhanças entre eles e a Terra. Outras traçam o ínicio do nosso sistema solar a partir de medidas feitas in loco nos cometas. A poesia está aí, em cada uma dessas descobertas e nas imagens cada vez mais belas obtidas por telescópios espaciais e terrestres. Esse é o segundo volume da revista Astronomia para Poetas, dando continuidade a um projeto iniciado em 2002 cujos textos encontram-se disponíveis em nossos site (www.ov.ufrj.br). Além dessas duas rodadas iniciais, ambas em 2002, outras duas foram feitas: uma em 2009 e outra em 2011, originando o primeiro volume da revista Astronomia para Poetas. Em 2009, as palestras integraram as comemorações pelo Ano Internacional de Astronomia escolhido como um marco para compartilhar com o grande público os mais belos e interessantes resultados do estudo do Universo. O ano de 2009 não foi escolhido ao acaso, nesse ano foi celebrado o primeiro uso astronômico de um telescópio por Galileu Galilei – uma invenção que desencadeou 400 anos de incríveis descobertas astronômicas. A Casa da Ciência-UFRJ acolheu nossas palestras e também a exposição de mesmo nome onde imagens e textos explicativos de diversos objetos estelares foram apresentados. Em 2011, a comemoração foi outra: o Observatório do Valongo-UFRJ completou 130 anos desde a sua fundação no morro de Santo Antônio ainda como observatório da Escola Politécnica. Com o desmanche do morro, todos os instrumentos foram transferidos para o morro da Conceição, onde o observatório passa a se chamar inicialmente Observatório do Morro do Valongo. Naquela ocasião o local escolhido para levar “nosso” Universo foi a ilha da Cidade Universitária, no Centro de Ciências da Terra e da Natureza, onde além dos seminários montamos a exposição “130 anos de história do Observatório do Valongo”. Nessa quinta rodada, com novos temas, fomos convidados a apresentar as palestras na Biblioteca Comunitária da Prainha, inaugurando esse espaço comunitário localizado no Morro da Conceição. Assim nasceu esse volume. Convido-os a ouvirem e se apaixonarem, não somente por estrelas mas pelo nosso Universo como um todo. Para isso não é necessário ser astrônomo. Agradecimentos a CoordCOM em especial a Anna Bayer pela produção da revista e a Fortunato Mauro pela edição. Silvia Lorenz Martins Teoria da Relatividade Geral Alexandre Lyra de Oliveira Professor Adjunto do Observatório do Valongo da UFRJ Doutor em Física pelo Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) ([email protected]) A ntes do tema principal deste texto, que é a Teoria da Relatividade Geral, é conveniente iniciarmos escrevendo sobre a Teoria da Relatividade Especial. Ambas foram criadas pelo físico teórico alemão Albert Einstein (1879-1955). Sua elaboração foi de forma sucessiva, inclusive a dedicação exclusiva de Einstein à Teoria da Relatividade Geral o deixou sem tempo para se dedicar à Mecânica Quântica, para a qual, também, deu grandes contribuições. Einstein foi um físico que virou personalidade conhecida do grande público, quer por suas posições pacifistas, quer por suas teorias físicas. O intervalo de tempo envolvido na criação das duas teorias relativistas foi longo, mais de uma década. A Teoria da Relatividade Especial foi criada em 1905, já a Teoria da Relatividade Geral chegou a sua elaboração final somente em 1916. 1-Equações matemáticas para escrever as leis da Natureza A descrição que a Física faz dos fenômenos naturais através de equações matemáticas permite que a partir da suposição de que esse comportamento é sistemático, possamos prever os acontecimentos futuros com exatidão. As equações nos fornecem uma maneira objetiva de descrever os fenômenos. Diz-se que a Matemática é a linguagem da Física. Ao resolvermos as equações, obtemos, a partir de um conjunto de valores fornecidos, outros valores das grandezas que desejamos prever. Algumas equações fornecem diretamente os valores a serem medidos pelos experimentos, já outras, como no caso da Mecânica Quântica, predizem as probabilidades das medidas, e não os valores exatos. Figura 1: Sir Isaac Newton (16431727), criador da Primeira Teoria da Gravitação. 2-A jornada começou com a Teoria da Relatividade Especial Essa teoria foi construída por Einstein estabelecendo-se que a velocidade da luz é uma velocidade muito especial da Natureza, é considerada invariável e igual a 299.792.458 m/s, e independe de estarmos ou não nos movendo em relação à fonte que a originou. A Mecânica de Isaac Newton não assume esse fato. Os resultados de medidas previstos pela teoria de Einstein são muito diferentes dos previstos pela teoria Newtoniana. São previstos os efeitos de dilatação do tempo e de contração do comprimento. Por exemplo, considerando 5 E=m.c² E=m.c² E=m.c² E=m.c² E=m.c² E=m.c² E=m.c² E=m.c² E=m.c² E=m.c² E=m.c² E=m.c² E=m.c² E=m.c² E=m.c² E=m.c² E=m.c² E=m.c² E=m.c² E=m.c² E=m.c² E=m.c² E=m.c² E=m.c² E=m.c² E=m.c² E=m.c² E=m.c² E=m.c² E=m.c² o movimento de uma partícula, quanto mais próxima da velocidade da luz é a sua velocidade, maiores serão esses efeitos. A “dilatação do tempo” é comprovada através de fatos ligados com a chegada dos raios cósmicos e através de certos experimentos. Existem partículas que são produzidas pelos raios cósmicos, e que nos chegam a partir do topo da atmosfera, e que têm uma vida média muito curta. Mesmo que elas viajassem com a velocidade da luz, o seu tempo de viagem previsto na ausência da dilatação do tempo, seria cerca de 10 vezes maior do que sua vida-média, o que não é possível. Para velocidades muito altas, comparáveis com a velocidade da luz, iríamos constatar que os relógios em movimento funcionam mais devagar e as réguas encolhem. Na Física denominada “clássica”, baseada nas equações de Newton, esses efeitos não são previstos. As previsões da Teoria da Relatividade Especial coincidem com as previsões da Física Newtoniana para velocidades muito menores do que a da luz. A teoria criou uma nova entidade matemática, o espaço-tempo. As equações da Teoria da Relatividade Especial têm a mesma forma em qualquer referencial inercial, que são aqueles nas quais as leis da Mecânica Newtoniana têm sua forma mais simples; por exemplo, nele a Lei da Inércia se verifica. A passagem de um referencial para outro, na Teoria da Relatividade Especial, é feita utilizando-se as Transformações de Lorentz, e com isso ela também mantém invariante as equações do Eletromagnetismo, o que não ocorre com a Física Newtoniana, que é baseada nas Transformações de Galileu. A velocidade relativa entre dois referencias inerciais é constante, sem aceleração. Já no caso de transformações entre referenciais não inerciais, a forma das leis será modificada. Esse fato se tornou um problema para Einstein: quais são as transformações que incluiriam também os referenciais não inerciais? A solução para esse problema somente viria com a Teoria da Relatividade Geral. Porém na nova teoria ele trabalharia 11 anos até conseguir a sua forma final. 3-Como generalizar a Teoria da Relatividade Especial? Quando Einstein, em 1905, concluiu a Teoria da Relatividade Especial, alterou o entendimento que se tinha sobre o espaço e sobre o tempo. Com ela, e com a Mecânica Quântica, que estava emergindo, a Física começava a passar pela grande revolução científica do início do Século XX. Essa revolução continuaria com a elaboração final da Teoria da Relatividade Geral, em 1916, e prosseguiria ao longo do século. Após a elaboração da Teoria da Relatividade Especial, ficou explícita a sua incompatibilidade com a teoria de Newton da Gravitação, o que levou Einstein à busca de uma nova teoria gravitacional que estivesse em acordo com a Teoria da Relatividade Especial. Entre 1907 e 1911 Einstein utilizou o Princípio da Equivalência para a sua formulação, e buscou modificações das equações da Física Clássica, Newtoniana, que fossem compatíveis com a Relatividade Especial. Figura 2: O famoso experimento imaginário do elevador de Einstein: em campos gravitacionais homogêneos não conseguimos distinguir se estamos em elevador acelerado ou em um campo gravitacional. No transcurso das suas pesquisas foi fundamental a descoberta da Matemática desenvolvida nos séculos anteriores, por Riemann, Ricci, Levi-Civita, Christoffel e outros. Na realidade foi o seu amigo e colaborador, o matemático Marcel Grossman, quem levou Einstein, em 1912, ao conhecimento dos trabalhos desses matemáticos. Com Grossmann, Einstein, entre 1912 e 1914, já estava construindo a sua teoria, a qual utilizava agora o tensor métrico “g” ao invés do potencial newtoniana Ø, que vinha sendo utilizado anteriormente em equações que buscavam a generalização da teoria de Newton. Esse tensor “g” pode ser entendido inicialmente apenas como uma matriz 4x4, pois os tensores são objetos cujas componentes formam conjuntos ordenados. Em 1913 foi escrito o primeiro trabalho de Einstein com Grossmann, no qual utilizou o tensor métrico “g” para representar o campo gravitacional. Já com a poderosa, e nova para aquela época, ferramenta dos tensores, Einstein pôde dar o impulso final à teoria que vinha construindo desde 1905. Nesse processo, além dos nomes já citados, tiveram papel importante H. Minkowski, H. Poincaré, M. Abraham e outros. O Princípio da Equivalência é um dos alicerces da Teoria da Relatividade Geral. Tal princípio trata da equivalência entre referenciais acelerados e campos gravitacionais. Até hoje se discute o Princípio de Equivalência, agora nas suas diferentes formulações pós-Einstein, já que é considerado um dos princípios fundamentais da própria Física. O famoso “elevador de Einstein” é uma forma de visualização deste princípio; ele estabelece que, no caso de campos gravitacionais homogêneos, uma pessoa em um hipotético elevador não distinguiria se o elevador está subindo ou se existe um campo gravitacional para baixo. Além do Princípio da Equivalência o Princípio da Covariância teve também papel fundamental na construção da nova teoria. Esse princípio estabelece que as leis da Física devam ser formuladas de maneira que sejam válidas em qualquer tipo de referencial, inclusive com movimentos arbitrários. Esse princípio exigia que na formulação da teoria gravitacional de Einstein fossem utilizados tensores. ²c.m=E ²c.m=E ²c.m=E ²c.m=E ²c.m=E ²c.m=E ²c.m=E ²c.m=E ²c.m=E ²c.m=E ²c.m=E ²c.m=E ²c.m=E ²c.m=E ²c.m=E ²c.m=E ²c.m=E ²c.m=E ²c.m=E ²c.m=E ²c.m=E ²c.m=E ²c.m=E ²c.m=E ²c.m=E ²c.m=E ²c.m=E ²c.m=E ²c.m=E ²c.m=E 8 4-A Teoria da Relatividade Geral Várias tentativas foram feitas nos anos que precederam a formulação final da teoria. Em fins de 1915, Einstein apresentou a sua nova teoria, mas foi em março de 1916 que publicou na famosa revista alemã Annalen der Physik, o trabalho, com mais de 50 páginas, “Os Fundamentos da Teoria Geral da Relatividade”. A teoria é elaborada através de tensores, podendo ser escrita na forma G = - k T, que é uma maneira de representar um conjunto de 10 equações. A teoria escrita nessa forma não tem a famosa constante cosmológica Λ, cuja existência foi tão discutida na Física. Na equação acima, G é o conhecido tensor de Einstein que representa a curvatura da Geometria do espaço-tempo, e T é o tensor energia-momentum, que representa, nas suas diversas formas, a matéria no espaço-tempo, e k é uma constante com dimensões adequadas ao sistema de unidades utilizado. Numa região na qual não há matéria, T é um tensor nulo, e numa região onde há matéria altamente concentrada, por exemplo, como em estrelas de nêutrons, T é muito grande, já que a constante k é muito pequena. As equações completas da teoria também recebem o nome de Equações de Einstein-Hilbert, porque a partir de 1915 o famoso matemático alemão David Hilbert se interessou pela teoria que Einstein construía. Em 20 de novembro de 1915, em Göttingen, Hilbert obteve as equações finais da teoria, alguns dias antes de Einstein obtê-las, o que o fez em 25 de novembro em Berlim. Hilbert, entretanto, as elaborou usando os métodos variacionais da Matemática, diferentemente do método físico de Einstein. A teoria permite que encontremos os valores previstos pela teoria de Newton e, além disso, suas previsões vão além da teoria Newtoniana. Por exemplo, o movimento dos planetas é previsto com exatidão muito maior que a teoria de Newton, como é o caso da órbita do planeta Mercúrio. O resultado previsto para Mercúrio foi um dos pontos importantes para a aceitação da teoria de Einstein. Albert Einstein A previsão da existência das ondas gravitacionais foi feita em 1916. Einstein descobriu que da mesma forma que se têm ondas eletromagnéticas, a sua Teoria da Gravitação também tem as soluções de ondas, que se propagariam com a velocidade da luz, chamadas de ondas gravitacionais. Até hoje há uma busca incessante, pelos pesquisadores, de evidências observacionais dessas ondas. No corrente ano (2014), um grupo de pesquisadores, em um observatório na Antártida, divulgou que haviam detectado ondas gravitacionais do Big Bang. Entretanto esse resultado, segundo o trabalho publicado em junho de 2014, ainda necessita de novas pesquisas observacionais para sua confirmação. A primeira solução exata das equações de Einstein foi feita por Karl Schwarzschild, e ficou sendo conhecida como a solução de Schwarzschild, publicada em 1916. É uma solução estática, com simetria esférica. Teve uma importância enorme no estudo das órbitas dos planetas previstas pela Teoria da Relatividade Geral, assim como na previsão dos buracos negros, e abriu uma área de pesquisa na teoria que até hoje produz resultados importantes: por exemplo, o trabalho recentemente publicado por Steven Hawking, sobre a Mecânica Quântica do buraco negro. A famosa constante cosmológica foi colocada por Einstein nas suas equações ao aplicar sua teoria à Cosmologia. Einstein imaginava que o Universo seria finito, de curvatura positiva, estático, e com certo raio. Para que obtivesse esse resultado teve que adicionar às suas equações a famosa constante cosmológica Λ. Posteriormente ele concluiu que havia sido um grande erro; entretanto, a Física de hoje voltou a considerar modelos com a constante cosmológica. 5-Uma teoria cosmológica A primeira aplicação da teoria de Einstein à Cosmologia foi feita pelo próprio Einstein, assim criando o seu primeiro modelo cosmológico. Esse modelo é conhecido como o Universo Estático de Einstein e foi publicado em 1917, em um trabalho que tratou também da Constante Cosmológica. O modelo de Willem De Sitter também foi publicado no ano de 1917, descrevendo um Universo em expansão, sem conteúdo material, 9 Cegueira Poucos são aqueles que vêem com seus próprios olhos, e sentem com seus próprios corações, e pensam com suas próprias mentes. . . e quem já não pode pausar a se perguntar e ficar extasiados com temor, é tão bom como morto; seus olhos estão fechados. Poesia atribuída a Einstein 10 Figura 6: Exemplos de Geometrias de 2-dimensões. As duas de cima são curvas a terceira é plana. plano. Com esse trabalho iniciavam-se as soluções cosmológicas de “universos em expansão”. Em 1922 foi publicado, pelo físico russo Alexander Friedmann, o modelo de Universo homogêneo e isotrópico com curvatura positiva, já o de curvatura negativa foi publicado em 1924. A descoberta dos “redshifts” de galáxias por Vesto M. Slipher em 1917 juntamente com a usual interpretação da famosa Lei de Hubble de 1929, levaram ao estabelecimento definitivo dos modelos de universos em expansão. Em 1931 o próprio Einstein elaborou um modelo de Universo que se expandia e depois se contraía, rejeitando o seu Universo Estático, pois as observações indicavam universos em expansão. Avançando um pouco no tempo, já nos anos 1940 do século passado, um aluno de Friedmann, George Gamow, com o seu grupo de pesquisadores, desenvolveu um modelo de Universo quente e denso na sua fase inicial. Em 1949 Fred Hoyle criou a denominação Big Bang. O grupo de Gamow previu a existência do que hoje chamamos de Radiação Cósmica de Fundo, que em 1965 foi confirmada observacionalmente. Ao longo de vários anos de pesquisa esse modelo foi sendo aperfeiçoado e hoje em dia temos o Modelo Cosmológico Padrão, que é baseado na Teoria da Relatividade Geral de Einstein. A enorme aceitação do modelo se deve em parte à verificação, em 1965, da previsão da Radiação Cósmica de Fundo. Entretanto foram também identificadas várias dificuldades, ou mesmo inconsistências do modelo, que passou a ser revisado criticamente. Na tentativa de solucionar esses problemas surgiu a Cosmologia Inflacionária com novas propostas. Hoje em dia o Modelo Padrão incorpora previsões da Cosmologia Inflacionária. 6-Heranças de Einstein O trabalho do físico Albert Einstein continua até hoje repercutindo no desenvolvimento da nossa compreensão da Natureza. Há uma frase que é atribuída a Einstein: “A coisa eternamente incompreensível sobre o mundo é sua compreensibilidade”. Frase que retrata a Ciência de nossa época, buscando decifrar os enigmas do Universo desde a sua criação até a formação do Sistema Solar e da Terra, a origem da vida e o estágio atual da evolução cósmica. Einstein deu à Gravitação uma nova interpretação, a qual revolucionou a Física e a nossa compreensão da Natureza, pois introduziu a Geometria como um elemento fundamental para a Gravitação e, consequentemente, para a compreensão das interações fundamentais: ele elaborou um modelo físico-matemático para o Universo. Beleza e simplicidade se efetivaram na sua Teoria Geral da Relatividade, na qual uma equação relaciona Geometria com a matéria. A busca incessante de Einstein por uma “Teoria do Campo Unificado” prosseguiu até os seus últimos dias. Hoje em dia, em novos contextos, prossegue como um desafio enorme para os físicos. Qual é a teoria que unifica todas as interações? No que se refere à unificação, podemos dizer que a Física atual tem dois pilares, a Teoria da Relatividade Geral e a Mecânica Quântica. A primeira foi criada por Einstein e, na segunda, ele também desenvolveu importantes trabalhos. Ganhou o Prêmio Nobel de Física em 1921 por seu trabalho na Física e em especial pela Lei do Efeito Fotoelétrico. Sabemos que nas pequenas escalas a Mecânica Quântica funciona razoavelmente bem, e nas grandes escalas, a Teoria da Relatividade Geral é bastante satisfatória, entretanto, em pequenas escalas a Teoria da Relatividade Geral fica incompatível com a Mecânica Quântica. Buscam-se teorias que resolvam tal impasse. As famosas Teorias de Cordas desenvolvem explicações para a constituição das partículas fundamentais através de elementos discretos, “cordas”, ou filamentos ultramicroscópicos, da ordem de 10-33 cm, que vibram em espaços multidimensionais, por exemplo, de 10 dimensões espaciais e uma temporal. Essas teorias tentam resolver o conflito entre a Mecânica Quântica e a Teoria da Relatividade Geral. Porém há o problema que ainda não existem evidências experimentais que confirmem as Teorias de Cordas. Busca-se na Física por uma Teoria Fundamental em 11 dimensões, chamada Teoria M, onde o M pode ser de Matriz ou de Mãe, com a proposta de ser a Teoria de Tudo. Na Revolução Científica do século XX Einstein teve papel fundamental. A Revolução prossegue até hoje em todas as áreas da Ciência, e é estimulada por inúmeras novas descobertas, por exemplo, na Astronomia e nas Partículas Elementares. Muitas ideias do físico Albert Einstein continuam repercutindo até hoje na incessante busca por uma maior compreensão da Natureza. Poema da Curva Não é o ângulo reto que me atrai, Nem a linha reta, dura, inflexível, criada pelo homem. O que me atrai é a curva livre e sensual, A curva que encontro nas montanhas do meu país, no curso sinuoso dos seus rios, nas nuvens do céu, no corpo da mulher amada. De curvas é feito todo o universo. O universo curvo de Einstein” Poesia de Oscar Niemeyer 11 Hipácia de Alexandria capa do dvd de Ágora e cena do filme. Fontes: Wikipedia Histórias de Mulheres Astrônomas Carlos Roberto Rabaça Professor-adjunto do Observatório do Valongo da UFRJ Ph.D. em Astrofísica pela The University of Alabama, EUA ([email protected]) A primeira vez em que me propus a pensar sobre o tema da mulher na Astronomia foi quando recebi o convite de uma amiga que trabalha com cultura, mais especificamente com teatro de rua, para falar sobre a vida singular de Hipácia de Alexandria. Considerada a primeira mulher astrônoma, foi também uma talentosa matemática, inventora e filósofa. Sua vida foi retratada no filme “Ágora”, uma produção espanhola de 2009, dirigida com competência por Alejandro Amenábar, o que facilitou a minha busca por fatos ligados a sua história. Nascida provavelmente no ano 370, viveu durante um momento de grande conturbação. Hipácia teria sido criada por seu pai, Theon, o último diretor da famosa Biblioteca de Alexandria, a universidade local, que a ensinou Matemática, Ciências, Literatura, Filosofia e Artes - diz a lenda que ele estava determinado a tornar sua filha um “ser humano perfeito”. Sua beleza, graça e eloquência seriam tão fascinantes quanto sua sabedoria. Mas Hipácia nunca se casou, optando por seguir a vida acadêmica. Amada e admirada por seus alunos, escreveu muitos livros sobre Matemática e Astronomia, e editou livros de seu pai. Elbert Hubbard em seu livro “Jornadas às Casas dos Grandes”, de 1928, escreveu que Hipácia supostamente teria afirmado o seguinte sobre suas convicções religiosas: “O neoplatonismo é uma filosofia progressista e não espera estabelecer condições finais para os homens, cujas mentes são finitas. A vida é um desdobramento e, quanto mais viajamos, mais verdades podemos compreender. Entender as coisas que estão à nossa porta é a melhor preparação para compreender as que estão além dela.” Embora sua filosofia fosse ligada à razão pura, os primeiros cristãos identificaram isso como paganismo. Por isso, foi cruelmente assassinada no ano 415 por uma turba de cristãos fanáticos, formados por monges e seguidores do bispo Cirilo. 13 Hildegarda de Bingen Fonte: Martyrologio Romano 14 Na ocasião do seu assassinato, a Biblioteca também foi invadida e milhares de documentos foram queimados e perdidos para sempre, destruindo todo o progresso científico e filosófico da época, inclusive suas obras. Muito do que se sabe hoje sobre ela vem de cartas escritas por seu aluno mais famoso, Sinésio de Cirene, que viria a se tornar o rico e poderoso bispo de Ptolemaida. Para um colega de escola, Sinésio escreveu sobre Hipácia: “Você e eu, nós mesmos vimos e ouvimos a verdadeira e real mestra dos mistérios da Filosofia.” Sinésio teria mantido contato com ela mesmo depois de deixar Alexandria, procurado-a para aconselhar-se, obter críticas a poemas e a projetos de instrumentos astronômicos, como astrolábios e planisférios. Hipácia simbolizou o aprendizado e a Ciência, tendo sido a primeira mulher cientista cuja vida foi bem documentada. Mas teria sido sua vida singular uma exceção na Ciência? Não parece ser o caso! Em geral, as histórias de mulheres na Ciência, e em particular na Astronomia, são de muita dedicação e luta por reconhecimento. Hildegarda de Bingen (1098-1179), por exemplo, era monja beneditina e foi mestra do Mosteiro de Rupertsberg em Bingen am Rhein, na Alemanha. Teóloga, compositora, pregadora, naturalista, médica informal, poetisa, dramaturga e escritora, foi também a única astrônoma no período medieval, época em que mulheres versadas eram vistas como bruxas e condenadas a queimar em fogueiras, de quem temos conhecimento. Seus vários e extensos escritos mostram que ela possuía uma concepção mística e integrada do Universo. Caroline Herschel (1750-1848) trabalhou muito próximo ao irmão William Herschel, astrônomo que descobriu o planeta Urano e fez contribuições pioneiras para o entendimento da estrutura em grande escala do Universo. Nascida de uma família grande e com inclinação musical em Hannover, na Alemanha, recebeu apenas educação formal mínima, uma vez que se esperava dela cuidar da família. Em 1772, mudou-se para a Inglaterra, para cantar e auxiliar o irmão. Mas somente o fez após obter dele a promessa de pagar por uma serviçal para substituí-la em Hannover. Ela cozinhava e limpava sua casa. Além disso, o auxiliava nos registros das observações astronômicas, na construção e polimento de espelhos dos telescópios, nos cálculos e na redação de artigos e catálogos. Em 1782, William deu a Caroline um pequeno telescópio, para observar o céu enquanto estava distante. Em 1786, descobriu um cometa; o primeiro dos oito que descobriu ao longo de 11 anos. Também descobriu três nebulosas, incluindo a companheira da galáxia Andrômeda. Pelo seu trabalho como “assistente de astrônomo da Corte”, o rei da Inglaterra pagou-lhe uma pensão anual de 50 libras. William eventualmente casou-se, liberando a irmã dos afazeres domésticos. Ela continuou a assisti-lo com Astronomia, fazendo suas próprias observações quando o tempo assim permitia. Em 1835, foi uma das duas primeiras mulheres eleitas membro honorífico da Real Academia de Ciências, da Inglaterra; “honorífico” porque mulher não podia ser membro pleno. Maria Mitchell (1818-1889) aprendeu a observar o céu com seu pai, um ávido astrônomo amador. Empregada como bibliotecária no Ateneu de Nantucket, nos E.U.A., teve bastante tempo para estudar os livros de Astronomia da biblioteca enquanto observava o céu com o telescópio instalado no telhado de sua casa. Em 1847, descobriu um cometa que passou a ser conhecido como “Cometa de Miss Mitchell” nome oficial C/1847 T1. Por essa descoberta, recebeu do rei Frederico VII da Dinamarca uma medalha de ouro que dizia: “Não é em vão que observamos o nascer e o pôr das estrelas”. A medalha havia sido oferecida há 16 anos pelo rei a primeira pessoa a encontrar um cometa que não fosse visível a olho nu por ocasião de sua descoberta. Um ano depois, foi eleita a primeira mulher membro da Academia Americana de Artes e Ciências (passou-se 95 anos até a segunda mulher ser eleita!). Em 1850, também tornou-se membro da Sociedade Americana para o Progresso da Ciência. Em 1865, a despeito de não ter uma educação formal, foi convidada a fazer parte do corpo docente do Vassar College, tornando-se, assim, a primeira mulher americana a trabalhar como astrônoma profissional. Devotou o resto de sua vida a preparar alunos para os recém formados programas de pós-graduação naquele país. Henrietta Swan Leavitt (1868-1921) fez a mais significativa descoberta de todas as “mulheres computadores” do Observatório da Universidade de Harvard, nos E.U.A. - cabia a mulheres, contratadas pelo diretor Charles Pickering, fazer os cálculos pesados com dados colhidos pelos verdadeiros astrônomos, todos homens! Depois de se formar em Radcliff, ela entrou para o Observatório como voluntária em 1895. Suas qualidades e vivacidade permitiram-lhe ser admitida no quadro de funcionários. Foi rapidamente nomeada chefe do Departamento de Fotometria Fotográfica e tornou-se responsável pela catalogação de estrelas variáveis, um trabalho que envolve a determinação do diâmetro de estrelas em placas fotográficas tiradas em épocas distintas, com o objetivo de definir seus brilhos aparentes. Ela descobriu e catalogou 1.777 estrelas variáveis situadas nas Nuvens de Magalhães, incluindo 20 variáveis Cefeidas (nomeadas assim em virtude de a primeira da classe ter sido Delta Cefeida). Em 1912, descobriu que as variáveis Cefeidas mais brilhantes tinham um maior período de variação do seu brilho. Como todas as estrelas nas Nuvens de Magalhães estão aproximadamente à mesma distância da Terra, ela percebeu que essa variabilidade no período estava, de fato, diretamente ligada à diferença Caroline Herschel Fonte: Wikipedia Maria Mitchell Fonte: Wikipedia Henrietta Swan Leavitt Fonte: Wikipedia Carolyn Jean Spellman Shoemaker Fonte: Wikipedia 16 na luminosidade intrínseca das estrelas e não apenas ao seu brilho aparente - essa relação período-luminosidade foi a base primária que permitiu aos astrônomos expandirem a escala de distâncias das estrelas de meros 100 anos-luz até dezenas de milhões de anos-luz. Com isso, Ejnar Hertzsprung determinou a distância de estrelas; Harlow Shapley mediu o tamanho da Via Láctea; e Edwin Hubble desvelou a expansão e a idade do Universo. Entretanto, não foi permitido a Henrietta continuar seu trabalho com a nova relação estabelecida - ela não estava sendo paga para aquilo, tendo de retornar ao tedioso trabalho de medir diâmetros em placas fotográficas. Morreu ainda relativamente jovem, de câncer, e somente podemos imaginar que outras contribuições poderia ter dado à Astronomia. Já à Carolyn Jean Spellman Shoemaker, nascida em 1929, cabe a distinção de ter encontrado mais cometas do que qualquer outra pessoa viva! Ela também descobriu mais de 800 asteroides, incluindo vários NEO (Near Earth Objects), asteroides que passam relativamente próximo à Terra. Sua paixão por cometas e asteroides começou em 1980, quando seu marido, Eugène Shoemaker (1928-1997), tornou-se pesquisador visitante em Astrogeologia no Serviço Geológico Norte-Americano, em Flagstaff, no Arizona. Com graduação em História e Ciência Política, decidiu não continuar seus trabalhos nesses campos. Seu marido, então, passou a confiar a ela a observação do céu no telescópio de 46 cm de Monte Palomar, durante sete noites por mês - excluindo o verão, quando iam para a Austrália investigar locais nos quais ocorreram quedas de meteoritos. O conjunto de descobertas e trabalhos realizados por Carolyn e Eugène valeu-lhes o título de “Cientistas do Ano” da Nasa, em 1995. Poderia continuar a citar uma miríade de outras mulheres astrônomas e suas histórias de dedicação e luta. Mas, para finalizar, é fundamental falar de uma que é muito cara para nós brasileiros, por ter sido a primeira astrônoma do nosso país. Yeda Veiga Ferraz Pereira, nascida em 1925, foi contratada pelo Observatório Nacional, no Rio de Janeiro, na década de 1950, oriunda da Escola Nacional de Engenharia. Lá, trabalhou na observação cuidadosa e rigorosa do céu, visando a publicação do “Anuário Astronômico” daquela instituição. Somente mais tarde, em 1958, surgiu no país o primeiro curso de graduação em Astronomia, na Universidade do Brasil, atual UFRJ. A partir da década de 1980, com o crescente incentivo à pesquisa astronômica, o número de mulheres astrônomas no país cresceu de maneira notável. Em 2008, ao celebrar 50 anos, o curso de graduação da UFRJ havia formado 172 astrônomos, sendo 56 mulheres - ou seja, 33% dos seus formandos são mulheres. Já a percentagem de mulheres na União Astronômica Internacional tem sido monitorada por mais de uma década. Entre 1997 e 2009, permaneceu praticamente constante em 22%. Esses dados demonstram claramente que é preciso reconhecer a existência de uma diferença no número de homens e mulheres na Astronomia. Por uma razão ou por outra, mulheres ainda parecem procurar menos as carreiras científicas do que homens. E isso é uma característica que ocorre em todos lugares no mundo. Então qual será a real origem de tal problema? O astrônomo americano negro Neil deGrasse Tyson apresentou o que considero ser a melhor resposta que alguém poderia dar à questão. Perguntado se haveria diferenças genéticas entre homens e mulheres durante o painel “A sociedade secular e seus inimigos”, que discutia a compreensão pública da Ciência na Academia de Ciências de Nova Iorque, em 2007, Tyson afirmou que, apesar de nunca ter sido mulher, tinha sido negro por toda a sua vida e que, por isso, se sentia apto a oferecer uma perspectiva sobre o tema do acesso a oportunidades em uma sociedade dominada por homens brancos. Segundo ele, apesar de ter tomado a decisão de ser astrônomo desde os nove anos de idade, quando pela primeira vez visitou um planetário, teve de enfrentar diversas barreiras para alcançar o seu objetivo final. “Onde estariam os outros que, como ele, poderiam estar ali?” - questionou. Segundo ele, o fato de encontrar menos negros e mulheres cientistas seria consequência de forças sociais de resistência. “Antes de falar sobre diferenças genéticas, é preciso criar um sistema no qual as oportunidades sejam iguais.” concluiu. Precisamos começar a discutir ainda hoje como estabelecer essas oportunidades! Yeda Veiga Ferraz Pereira Fonte: Arquivo Pessoal 17 18 Como morrem as estrelas? Em espetáculos de rara beleza! Denise Rocha Gonçalves Professora-adjunta do Observatório do Valongo da UFRJ Doutora em Astronomia pelo Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP ([email protected]) À semelhança de todos os tipos de seres vivos que conhecemos, estrelas nascem, vivem e morrem. Ainda que nasçam e tenham infância, juventude e madureza similares, na velhice e na morte as estrelas diferem muito, a depender essencialmente de suas massas. E, contrariamente à visão atual que temos dos seres humanos, na velhice e na morte as estrelas são muito mais glamorosas do que na juventude, daí o título. Veremos que o título é ainda mais verídico quando comparamos estrelas gordinhas (massudas) e de mais baixa massa. Ambas terminam de forma esplêndida. Estrelas massudas evoluem mais rápido do que suas colegas com menos massa. O que equivale a dizer que quanto mais massa, mais compulsivo o consumo do combustível original, o hidrogênio (H). O Sol passará cerca de 11 bilhões de anos consumindo seu H (ou seja, através de fusão termonuclear transformando-o em hélio, He), ao que chamamos sequência principal, SP. Estrelas de cinco e 10 massas solares (Msol), por sua vez, terão sequências principais de, apenas, 100 e 20 milhões de anos, respectivamente. Essa fase da vida das estrelas termina pelo simples fato de que elas deixam de possuir H no seu núcleo, portanto, já não podendo transformá-lo em He. Por isso, imediatamente após a SP a evolução estelar também é qualitativamente similar para todos os tipos de estrelas: o consumo do H nuclear necessariamente produz um núcleo de He (inicialmente inerte) em contração (já que ao cessar a fusão nuclear também cessa a pressão que contrabalança a gravidade) rodeado por uma camada externa na qual o H continua em combustão. Essa estrutura interna vale tanto para estrelas de alta quanto de baixa massa. A partir daqui, na velhice estelar, os caminhos de umas e outras 19 serão completamente diversos. Porém, desde já podemos adiantar que umas e outras são velhinhas de rara beleza. E, morrendo de forma explosiva (como supernovas) ou lentamente perdendo suas camadas externas para o entorno – como nebulosas planetárias – fatalmente coroarão suas vidas com uma morte espetacularmente bela! Em poucas palavras, a vida das estrelas jovens Antes de falar da velhice estelar, e dado que já deixamos claro que, excetuando-se o tempo que permanecem em cada das fases, a vida de todas as estrelas é similar até que deixem a SP. Vamos dar uma rápida olhada em como as estrelas nascem e evoluem até que consumam seu H nuclear. Tabela 1: Do nascimento à SP (o Sol) Tempo até a próxima fase (Anos) 20 Temperatura Temperatura central (K) superficial (K) Densidade central (Partículas/ m3) Diâmetro (Dsol) 2 x 106 3 x 104 105 10 100 10.000 10 10 100 109 1012 1018 7 x 107 7 x 105 7 x 103 106 107 3 x 107 1010 1.000.000 5.000.000 10.000.000 15.000.000 3.000 4.000 4.500 6.000 1024 1028 1031 1032 70 7 1,4 1 Objeto observável Nuvem interestelar Nuvem fragmentada Nuvem fragmentada/ protoestrela Protoestrela Protoestrela Estrela Sequência Principal A Tabela 1 reúne as várias fases que levam à formação das estrelas destacando as características observacionais de cada fase. Nela lista-se o tempo de uma fase para a subsequente, as temperaturas, tanto no centro da estrutura em questão quanto na sua superfície, as densidades e os tamanhos. Note-se que nessa tabela denotamos os tamanhos em unidades de diâmetros solares (Dsol), na próxima a medida será raios solares (Rsol). Essa tabela diz mais ou menos o seguinte: I) o berço das estrelas é o meio interestelar ou as nuvens moleculares frias quando começam a colapsar, devido à autogravidade; II) ao longo do colapso fragmentos das nuvens vão se aquecendo até chegar ao ponto em que suas zonas mais centrais tornam-se suficientemente quentes, aptas para a ignição de reações termonucleares; III) nesse ponto a contração é freada (pela pressão das reações nucleares) e nasce a estrela; IV) essa estrela, identificada com o nosso Sol, passará aproximadamente 11 bilhões de anos na SP. O responsável pelo equilíbrio da estrela na SP é o balanço entre a gravidade (que propicia colapso) e a pressão interna (que propicia expansão). Uma vez que já não haja pressão interna no núcleo, fim da SP, esse equilíbrio desaparece, causando importantes modificações na estrutura interna e na aparência das estrelas. Para estudar as várias fases da vida das estrelas é crucial entender que é justamente esse equilíbrio que determina os vários estágios de evolução das mesmas. Seguindo na sequência dada pela Tabela 1, agora que a estrela deixou a SP, ela definitivamente entra em fase terminal e as características da morte dependem crucialmente de sua massa. Estrelas morrem catastroficamente ou de maneira mais suave. As estrelas massudas têm massas superiores a 8 Msol, enquanto que as de baixa massa, ou tipo solar, possuem menos de 8 Msol (em um estudo detalhado aprende-se que existem diferenças importantes dentro desses grupos). E, afinal, como morrem as estrelas de baixa massa? Agora somente considerando estrelas tipo solar vemos os eventos principais até a morte definitiva da estrela como anã branca, ou melhor, anã negra. A Tabela 2 trás as características dessas fases, e cada delas será discutida detalhadamente a seguir. Ao sair da SP o núcleo da estrela compõe-se de He inerte. Esse somente poderá ser transformado em outros elementos se a temperatura nuclear for superior a aproximadamente 108K. De fato, a camada que circunda tal núcleo – e composta por H – começa a ter reações nucleares antes do núcleo inerte de hélio, já que essa está a uma temperatura superior aos 107K, necessários para ignição do H. A queima do hidrogênio acontece, então, não no centro da estrela, mas em um “anel” que o circunda. A transformação H-He nessa camada é mais rápida do que o processo similar no núcleo durante a SP, por isso, apesar de ter um núcleo inerte, nesse estágio a estrela cresce em luminosidade. Mas a estrela está completamente fora do equilíbrio. A transformação H-He no anel é cada vez mais rápida e a pressão que advém dessa alta taxa de produção de He faz com que a camada se expanda, ou seja, com que a estrela cresça. Enquanto isso o núcleo de He continua em contração, com consequente aquecimento, portanto a estrela é uma composição de núcleo em contração e aquecimento e camadas externas em expansão e esfriamento. Essa estrela subgigante expandiu-se até 3Rsol. O processo continua dessa vez com forte aumento na luminosidade estelar e, ao transformar-se em uma gigante vermelha, a estrela já tem aproximadamente 100 Rsol e umas 100 luminosidades solares (Lsol). Essa situação de desequilíbrio não pode durar pra sempre... Quando o núcleo da estrela torna-se tão denso quanto 108kg/m3 e sua temperatura ultrapassa aquela da ignição da fusão do He, reinicia-se a queima desse gás no núcleo da estrela. Dessa vez, no entanto, não se aplica o comportamento que vimos antes, ou seja, de que a pressão aumentaria devido ao aumento de temperatura e contrabalançaria a gravidade. Assim, a pressão do núcleo é anômala por possuir um gás de elétrons comprimidos a tão alta densidade que já não suporta mais compressão. A pressão, que é independente da temperatura, é conhecida como pressão dos elétrons degenerados. Nessas condições, mesmo com o crescimento da taxa das reações de queima do He, a pressão quase não muda e a temperatura cresce tão abruptamente que 21 Tabela 2: da SP à morte (estrelas de baixa massa - tipo solar) Tempo até a próxima fase (anos) 1010 108 105 5 x 107 104 Temperatura central (K) 15 x 106 5 x 107 108 2 x 108 2,5 x 108 Temperatura superficial (K) 6.000 4.000 4.000 5.000 4.000 Densidade central (kg/m3) 105 107 108 107 108 Diâmetro (R sol ) Objeto observável 1 3 100 10 500 105 3 x 108 ─ ─ 100.000 10.000 1010 10-17 0,01 1.000 ─ 100 50.000 1010 ─ ~0 ~0 1010 * Esses valores dizem respeito ao envoltório que caracteriza a nebulosa. 0,01 0,01 seqüência principal sub-gigante flash de hélio ramo das gigantes ramo assintótico das gigantes núcleo de carbono nebulosa planetária* anã branca anã negra 22 causa a queima explosiva do hélio (o flash do He). Depois de algum tempo (da ordem de horas) nesse processo explosivo, o núcleo finalmente retoma sua condição de pressão térmica, com a recuperação das condições de equilíbrio, expansão nuclear e queda de densidade. Em suma, o efeito líquido do flash de He é tal que ocorre um rearranjo na estrutura da estrela de forma que o equilíbrio é reestabelecido e essa passa a transformar He em C (carbono) no núcleo, como esperávamos. A camada que circunda o núcleo estelar está, simultaneamente, fundindo H em He. A essa estrela denominamos estrela do ramo horizontal. Devido à fusão do He em C, surge então um núcleo composto de carbono. Aquele é consumido e, porque se torna escasso, o núcleo deixa de produzir C. Portanto, o núcleo se contrai e se aquece levando ao crescimento da taxa de queima de He e H nas camadas que o rodeiam. A estrutura da estrela, de dentro para fora, compõe-se de um núcleo inerte de C (em contração), uma camada de transformação He-C e uma camada de H-He. Seu envoltório mais externo constitui-se também de matéria inerte. Essa zona externa se expande e a estrela volta a ser uma gigante vermelha – também conhecida pelo nome de estrela do ramo assintótico das gigantes (AGB). Luminosidade e raios voltam a superar aqueles do flash do He e, por isso, também a denominamos super gigante vermelha. Durante a trajetória até o ramo assintótico das gigantes as camadas mais externas das estrelas expandem-se ao mesmo tempo em que o núcleo se contrai. Quando a temperatura nuclear torna-se suficientemente alta para a ignição das reações de queima do C (sintetizando elementos ainda mais pesados) é que o equilíbrio da estrela volta a ser recuperado. Nesse tipo de estrela (de baixa massa) a temperatura jamais será tão alta para que essa fase de fusão nuclear possa ocorrer, ou seja, para que haja queima do C. Na tentativa de chegar à ignição do C, a densidade nuclear cresce até um limite tão alto que seus elétrons nucleares tornam-se degenerados, sua temperatura para de crescer e a contração é freada. Essa estrela é sim capaz de sintetizar oxigênio (O), por causa das reações do C com o He na fronteira da camada composta de hélio. A fase terminal das estrelas de baixa massa: as nebulosas planetárias O que são e porque tem esse nome Uma nebulosa planetária compõem-se por gás e poeira que circundam uma estrela do tipo solar na fase terminal da sua vida. Essa estrela, a estrela central da nebulosa planetária, ilumina a nebulosidade ao seu redor, que por sua vez é observada em todas as zonas do espectro eletromagnético, desde rádio até raios X. Comparadas com as estrelas que emitem numa banda de luz contínua (luz branca), as nebulosas planetárias emitem sua luz em bandas muito mais estreitas, ou seja, em linhas de emissão (luz discreta com diferentes cores). Por isso são facilmente identificadas no céu quando se utiliza um telescópio contendo um prisma, produzindo seu espectro. Data de 1764 a primeira vez em que se observou uma nebulosa planetária, a Nebulosa dos Halteres. Essa observação foi seguida por aquela da Nebulosa do Anel (M57), em 1779. O observador, Antoine Darquier, descreveu-a como “pouco brilhante, mas com contornos bem definidos... É tão grande quanto Júpiter, parecendo-se com um planeta tênue”. O termo “nebulosa planetária” (NP) foi-lhe atribuído por William Herschel, dadas as suas similaridades com os discos esverdeados de planetas como Urano e Netuno, assim separando-as das nebulosas brancas formadas por estrelas, ou seja, das galáxias. Quando observada com baixa resolução espacial, uma NP parece redonda e poderia assemelhar-se a um planeta, daí o nome tão equivocado. Por outro lado, com grande resolução espacial vê-se claramente que essas Figura 1: NGC 6543, Cat’s Eye Nebula (Nebulosa do Olho do Gato), obtida com o telescópio de 2.56m NOT, por R. Corradi e D. R. Gonçalves (em 2002). A imagem, captura a emissão dos átomos de nitrogênio uma vez ionizado [NII] (vermelho) e dos átomos de oxigênio duas vezes ionizado [OIII] (verde e azul). A dimensão da imagem é de 3,2 x 3 minutos de arco. O processamento da imagem destaca detalhes da parte interna brilhante revelando simultaneamente os tênues anéis concêntricos e o halo filamentar. 23 são constituídas por muitas e variadas estruturas. Mas, o que são essas estruturas? A nebulosa do Olho de Gato, por exemplo, compõem-se de uma grande variedade de estruturas simétricas, as quais incluem: um halo filamentar extenso; vários anéis concêntricos; um par de jatos e um complexo conjunto de anéis em seu núcleo (NGC 6543, Figura 1). Em particular, o conjunto de cascas nebulares no coração de NGC 6543 tem uns mil anos de idade. Contornando esse núcleo encontram-se uma série de anéis concêntricos (“azuis”), cada um desses anéis está no limite de uma bolha de gás em expansão expelida da estrela central em intervalos regulares de uns 1.500 anos, sendo que o primeiro ocorreu há uns 18.000 anos. Já os filamentos Figura2: Montagem de nebulosas planetárias observadas com o HST. M 2-9, A montage of images of planetary with theAs Hubble Space Telescope. These illustrate imagem nebulae grande àmade esquerda. imagens menores, de cima para baixo, da esthe various ways in which dying stars eject their outer layers as highly structured nebulae. Credits: querda para a direita correspondem a: NGC 6826; MyCn18, Hourglass Nebula, Bruce Balick, Howard Bond, R. Sahai, their collaborators, and NASA. 24 ou Nebulosa da Ampulheta; NGC 3918; CRL 2688, Egg Nebula ou Nebulosa do Ovo; NGC 6543, Cat’s Eye Nebula ou Nebulosa do Olho de Gato; Hubble 5; NGC 7009, Saturn Nebula ou Nebulosa do Saturno; Red Rectangle Nebula ou Nebulosa do Retângulo Vermelho; NGC 7662, Blue Snowball ou Bola de Neve Azul. Crédito: Muitas das imagens acima são de B. Balick e colaboradores. A maioria das demais encontram-se no sítio Space Telescope Science Institute. mais externos (“verdes”) datam, no máximo, de há uns 60.000 anos. A massa do material estelar dessa nebulosa deve ser similar à massa do Sol. Ventos estelares Agora queremos entender o processo de formação das nebulosas planetárias, ou seja: o que faz com que estrelas com núcleo de C se transformem em NP no seu caminho até sumirem como anãs negras (ver Tabela 2)? Como já visto, quando a estrela entra no ramo assintótico das gigantes o seu núcleo já não queima H nem He e compõe-se do que sobrou das combustões anteriores, ou seja, de C e O. Nessa fase, e por um período de aproximadamente um milhão de anos, a estrela continuará seu processo de expansão, ao mesmo tempo em que sua luminosidade crescerá, alçando valores de 1.000 Lsol. Os ventos estelares presentes nessa (ou seja, os ventos que ocorrem numa AGB e numa pós-AGB, englobando as fases AGB, proto planetária e NP) gradualmente expulsam o gás das camadas mais externas da estrela, deixando exposto o núcleo quente. O que sobra dos ventos estelares é a própria NP (o envoltório estelar que se desprendeu da estrela). Assim, aquela que denominamos a estrela central de uma NP é justamente a estrela da qual estivemos “acompanhando” a evolução, nas Tabela 1 e 2. Quando cessa a combustão nas camadas externas, a estrela perde seu brilho e transforma-se em uma anã branca, cujas características encontram-se ao final da Tabela 2. Destacamos dois episódios distintos de perda de massa. Primeiro, devido ao vento lento de uma estrela AGB, cuja velocidade típica é da ordem de 10 km/s, com uma taxa de perda de massa de 10-5Msol/ano. E depois, através do vento rápido, expelido de uma pós-AGB, caracterizado por 10-7Msol/ano e que alcança uma velocidade de até 2.000 km/s. O vento estelar ‘rápido’, que varre o material expelido previamente, dando forma à nebulosa que se expande com velocidade de ~25km/s, é mais denso do que os ventos dos quais originou-se, tem T=10.000K e dura ~30.000 anos. O gás do vento rápido (pós-AGB), ao expandir-se sobre o material do vento lento (AGB), forma uma frente de choque que, quando observada no óptico, é a componente mais brilhante de uma NP. Entre os choques interno e externo, encontra-se a bolha quente (somente observável em raios-X). E, por último, o halo compõem-se pelo que resta do vento AGB, o qual devido à sua baixa densidade é o mais tênue nas imagens ópticas. Isto explica a formação das NP, não só esféricas, mas também daquelas cuja casca tem forma elíptica, bipolar, ou com simetria de ponto (ver Figura 2). Tais ideias também dão conta das propriedades físicas (temperaturas e densidades), químicas (enriquecimento químico do meio circunstelar oriundo da síntese de He, C, N e O, na estrela central) e cinemáticas das NP. As nebulosas planetárias – velhinhas de rara beleza – são a fase terminal de estrelas tipo solar e representam uma curta fase, ainda que gloriosa, da vida de muitíssimas estrelas. Elas terminam sua existência espalhando átomos, moléculas e poeira nas diferentes regiões das galáxias. Depois de vagar pelo meio interestelar durante milhões de anos, alguns desses ingre- 25 dientes podem ter-se agregado ao ejeta de outras NP para formar as nuvens densas onde nasceram novas estrelas na nossa Galáxia. Os fragmentos que restaram da formação estelar resultaram em cometas, asteroides e planetas. Parte do material originado nas NP pode ter sobrevivido e sido depositado no planeta do qual surgiu a nossa vida. De fato, recentemente, foram observadas moléculas orgânicas complexas, similares àquelas de organismos vivos, em nebulosas planetárias ricas em carbono, como NGC 7027 e BD+30˚3639. 26 Outro fim realmente espetacular: a morte de estrelas massudas Quando discutimos a queima explosiva do He, nas estrelas tipo solar, não mencionamos o fato de que estrelas com massa maior do que 2,5Msol transformam He em C de forma suave e não explosiva como descrito antes. Na verdade, quanto mais massuda a estrela, menor a densidade na qual começam a queima do He. A evolução mais rápida das estrelas massudas na SP também se aplica na vida pós-SP. Devido à alta massa estelar, nas estrelas realmente massudas (>10-12Msol), as fases de queima são muito rápidas. Uma estrela de 15Msol, por exemplo, começa a transformar He em C sem chegar a ser uma gigante vermelha, contrariamente ao que ocorria nas estrelas tipo solar. As estrelas massudas quase não mudam de aparência quando passam de uma fase para a fase subsequente de queima. Elas podem fundir elementos mais pesados do que o C e o O, já que seus núcleos continuam a contrair-se e suas temperaturas centrais continuam a crescer. A taxa de queima é acelerada em função da evolução do núcleo. Mas, existe um limite para esse processo de queima? Uma estrela massuda, em fase terminal é composta por várias camadas nas quais ocorrem reações de fusão de elementos. De fato, a queima de um dado elemento no núcleo tem como consequência sua escassez local, seguida, então, da contração – portanto aquecimento – e começo da fusão do elemento que foi sintetizado na queima anterior. Esse processo continua. A cada uma dessas fases descritas a temperatura central cresce mais, acelerando a taxa de reações nucleares e produzindo pressão que permite que o núcleo contrabalanceie a contração gravitacional. A estrutura interna de nossa estrela terminal é tal que, de fora pra dentro, tem-se uma camada de H inerte seguida de várias camadas mais internas nas quais H, He, C, O, Ne (neônio), Mg (magnésio) e Si (silício) estão sendo fundidos em elementos mais pesados e, por fim, um núcleo de Fe (ferro). É interessante notar que os tempos em que cada um desses elementos são produzidos depende da massa, uma estrela de 20Msol funde H por mil, He por 106, C por 103 anos, O por 1 ano e Si por uma semana. A “estabilidade” de seu núcleo de Fe dura menos do que 24 horas! A rara beleza da vitória da gravidade Devido ao fato de que a fusão nuclear que envolve o Fe não produz energia, a estrela não poderá voltar a recuperar seu estado de equilíbrio. Jamais será capaz de, efetivamente, como fez até aqui, contrabalancear a contração gravitacional. Apesar de que a temperatura no núcleo da estrela é de vários 109K, a gravidade supera a pressão interna e a estrela colapsa definitivamente. Na verdade, ao invés de produzir energia com a fusão do Fe, o que ocorre no núcleo é a fotodesintegração do ferro em elementos mais leves, até que somente sobre prótons e nêutrons. Esse processo não apenas não produz, mas consome parte da energia térmica do núcleo, assim esfriando-o e acelerando o colapso. O núcleo composto somente de elétrons (e), prótons (p), nêutrons (n) e fótons, comprimidos a altíssimas densidades, é capaz de, unindo p+e produzir n+neutrinos. Esses neutrinos facilmente escapam do núcleo (pois praticamente não interagem com a matéria) levando parte da energia desse núcleo. Assim, a densidade continua crescendo no núcleo e – à semelhança do que ocorreu com os elétrons do núcleo das gigantes vermelhas e das anãs brancas - esse atinge a degenerescência, no caso, dos nêutrons. As densidades envolvidas podem chegar a ser de 1017 ou 1018 kg/m3. Como o núcleo já não pode ser mais comprimido, toda a matéria que continua caindo gravitacionalmente será expelida de volta, de maneira super violenta. Forma-se uma onda de choque que é expelida e leva consigo toda a matéria das camadas adjacentes. O evento é tão energético que pode produzir, por alguns dias, luminosidades superiores àquelas das galáxias que hospedam tal estrela massuda. Esse é o evento conhecido como explosão supernova (ver Figura 3). A energia gerada no processo (desde a explosão até que ela deixe de brilhar) pode ser equivalente à energia irradiada pelo Sol durante toda a sua vida. Mais contundente, ainda, é a energia emitida na forma de neutrinos, podendo chegar a ser 100 vezes o valor acima. A estrela que existia antes da explosão é normalmente chamada de a estrela progenitora da supernova. Figura 3: Uma composição de imagem ótica do Hubble Space Telescope mostrando o anel central e da emissão em raios-X, do Telescópio Chandra, da SN1987A. Créditos: Raios-X: NASA/ CXC/PSU/ S. Park & D. Burrows; Óptico: NASA/STScI/CfA/ P.Challis. 27 28 Os dois tipos de supernovas Algumas supernovas quase não possuem H, enquanto outras o possuem em abundância. Na verdade dois tipos de supernovas podem ser identificados não apenas devido ao seu conteúdo de H, mas também pelas suas curvas de luz (ou seja, a forma na qual a luminosidade cai com o passar do tempo). Assim: as supernovas Tipo I são pobres em H e têm queda de luminosidade mais acentuada (rápida); as supernovas Tipo II possuem grande quantidade de H e suas luminosidades caem de forma mais suave, menos abrupta. Existem razões muito óbvias para esses dois tipos de supernovas. Para falar delas teremos que adicionar algo à nossa descrição da morte estelar, que é o fato de que nem todas as estrelas evoluem isoladamente. Parte delas está em sistemas binários. Sua morte será ou não influenciada por esse fato a depender da distância que separa as duas estrelas. A anã branca – uma estrela já morta –, que descrevemos antes, pode, de fato, “voltar à vida” por ter uma acompanhante próxima. Uma anã branca que tem como companheira, suficientemente próxima, uma estrela da SP ou uma gigante, pode atrair/transferir massa (H e He) dessa para si. A queda de matéria na anã branca faz com que ela volte a aquecer-se e cresça em densidade. Ao atingir 107K a anã volta a queimar H, mas de forma rápida e violenta, o que aumenta muito sua luminosidade, e a estrela que já estava morta volta a brilhar. A estrela que passa por esse processo é conhecida como nova, apesar de que na verdade é uma estrela já bem velhinha, quase morta, a bem da verdade, ressuscitada. Algo similar explica a existência de supernovas Tipo I. Em verdade essas advêm do fato de que as novas podem não expelir todo o material que recebem da companheira. Como o processo de nova pode ser recorrente, a cada novo evento mais material é acumulado pela anã branca. Mesmo considerando que o equilíbrio da anã branca vem da pressão dos elétrons degenerados, há um limite de massa para que o núcleo possa manter esse equilíbrio (1,4Msol). Ao ultrapassar essa massa a anã fica instável e entra em colapso. Isso leva ao aumento da temperatura e à ignição do He formando C. A fusão ocorre quase simultaneamente em todas as zonas da estrela, fazendo-a explodir como supernova. Por tal razão as supernovas Tipo I quase não possuem H. Ao contrário, na explosão de supernovas Tipo II, parte considerável do material que é expelido é composto de H e He das camadas externas, tornando esse tipo de supernova rico em H. Em termos da quantidade de energia liberada na explosão, ambos os tipos são similares. E, por último, devemos frisar mais uma importante diferença entre esses dois tipos de supernovas. Bem como as anãs brancas (ou negras) são o destino final das estrelas de baixa massa, ainda que pareça estranho, as supernovas do Tipo II deixam sobreviver um caroço estelar, que são as estrelas de nêutrons. Isso é assim porque a violenta onda de choque que leva à explosão supernova se dá a partir das paredes do núcleo de nêutrons degenerados, deixando-o intacto. De novo, à semelhança das anãs brancas e das nebulosas planetárias, as supernovas Tipo II produzem tanto um ejeta brilhante que vai se dissipando no meio interestelar – o remanescente da supernova, ver Figura 3, quanto um caroço estelar extremamente denso e inerte, a estrelas de nêutrons. As supernovas Tipo I, é claro, também produzem o remanescente nebular, mas acredita-se que não deixem caroço estelar algum. Para fechar nosso ritual de despedida com todo o glamour que estas velhinhas merecem, teríamos que discutir em detalhe os pulsares (estrelas de nêutrons com alta rotação e intensos campos magnéticos) e os buracos negros estelares. Mas isso fica para outra oportunidade... Aqui só nos resta esperar que os tenhamos convencido de que, pelo menos quando de estrelas se trata, as velhinhas e suas fases terminais são muitíssimo mais interessantes do que suas juventudes, e se constituem em espetáculos de rara beleza! Referências Utilizadas e Sugestões de Leitura: À Luz das Estrelas: ciência através da Astronomia, de Lilia Irmeli Arany-Prado (Editora DP&A, Rio de Janeiro 2006); Vamos Falar de Estrelas? De K. C. Chung (Editora UERJ, 2000); Astronomy Today, de E. Chaisson & S. McMillan (Editora: Prentice Hall, Upper Saddle River, New Jersey). 29 30 Alquimia Estelar Helio Jaques Rocha-Pinto Doutor em Astronomia (USP) Professor Adjunto da Universidade Federal do Rio de Janeiro ([email protected]) O s antigos alquimistas tornaram-se legendários em sua busca pela pedra filosofal: a substância cuja qualidade superior lhe concederia capacidade de modificar outras substâncias, podendo, entre outras coisas, tornar metais grosseiros em ouro e conceder imortalidade ao Homem. Igualmente legendária é a história da evolução das ideias que levam à compreensão da origem dos elementos químicos. Essas duas narrativas distintas, aparentemente desconexas, confluem na asserção de que metais podem sim ser transmutados em ouro. Todavia, a pedra filosofal da Astronomia moderna não é uma substância passível de ser encontrada em cadinhos e fornos terrestres, mas sim em um ambiente de natureza profundamente extraterrena: o interior de uma estrela. O interior de uma estrela é um ambiente bem diferente de todos aqueles com os quais estamos acostumados e somos capazes de reproduzir. Tomemos o Sol, como exemplo. Comparado a outras estrelas, o Sol não tem nada demais. Ele não figura nem entre as maiores, nem entre as menores estrelas. A rigor, o Sol é uma estrela muito ordinária, similar a diversas outras estrelas de nossa Galáxia. Sua importância para nós deve-se ao fato de que é a estrela central de nosso sistema planetário e é a fonte de energia primaz do nosso ecossistema. A potência energética do Sol, i.e., a taxa de energia produzida e lançada ao espaço pelo Sol, equivale a cerca de 383 sextilhões de watts, dos quais uma ínfima fração chega à Terra. Essa potência é descomunal face às potências das maiores usinas que conseguimos planejar. Ainda mais assombroso é constatar que o Sol mantém aproximadamente essa potência há mais de 4,5 bilhões de anos. Certamente, o Sol possui, em seu interior, algum mecanismo de geração de energia altamente eficiente e sustentável, distinto de tudo quanto há na Terra. O mesmo mecanismo é ainda mais eficiente nas estrelas maiores que o Sol, para as quais a potência pode chegar a ser até 1 milhão de vezes maior do que a do Sol. A fonte dessa energia parece, a princípio, tão mágica quanto as propriedades reputadas à pedra filosofal. No cerne de seu entendimento, encontram-se ideias relativamente recentes da Física, enfeixadas no que rotulamos de Mecânica Quântica. O mistério da geração de energia nos interiores estelares começou a dissipar-se após o advento da teoria dos quanta 31 32 e da descoberta da radioatividade. Foi na década de 20 que o astrônomo inglês Arthur Eddington aventou a possibilidade de que no interior de estrelas haveria fusão nuclear de hidrogênio em hélio, gerando energia. Vários físicos e astrônomos posteriormente elaboraram essa ideia, dentre os quais merecem destaque George Gamow e Hans Bethe. O russo Gamow foi quem forneceu boa parte do arcabouço teórico necessário à compreensão da radioatividade, explicando como alguns núcleos atômicos conseguem “quebrar-se”, gerando energia e núcleos atômicos ou partículas elementares diferentes. Essas mesmas equações permitem entender como dois outros núcleos podem juntar-se, formando um novo núcleo atômico. Em 1939, onze anos após a publicação da teoria de Gamov, o alemão Hans Bethe, já trabalhando nos EUA, analisou a geração de energia por estrelas, identificando dois conjuntos de reações termonucleares que levavam à criação de hélio a partir da fusão sucessiva de quatro átomos de hidrogênio. Cada instância dessa cadeia de fusões termonucleares gera, isoladamente, cerca de 47 milhões de vezes menos energia do que cada um de nós gasta, em média, ao pronunciar uma única sílaba de uma palavra. Porém, no Sol, ocorrem cerca de 1 duodecilhão de instâncias desse conjunto de reações a cada segundo. Esse número é de assustar qualquer mortal, não somente pelo neologismo raramente empregado, mas pelo que ele significa numa escala um pouco mais compreensível: mil bilhões de bilhões de bilhões de bilhões. A maior parte dessa energia fica retida no próprio Sol, mantendo-o estável contra a força de sua própria gravidade. Curiosamente, é a própria gravidade do Sol que promove essas reações termonucleares, ao esmagar átomos uns contra os outros nas partes mais internas da estrela. Por isso, o mecanismo de geração de energia é sustentável e tem durado tanto tempo: o peso das camadas mais externas do Sol funde átomos no seu interior, cuja liberação de energia aquece essas mesmas camadas externas, aumentando-lhes a pressão, e contrabalançando, assim, a força da gravidade. As consequências mais fascinantes desse mecanismo é a produção de novos núcleos atômicos, a partir da fusão de núcleos pré-existentes no interior estelar. Essa teoria, batizada Nucleossíntese Estelar, começou a ser desenvolvida em 1948 por Fred Hoyle e ganhou contornos mais bem definidos em 1957, após a publicação de seminal artigo do próprio Hoyle, do casal Geoffrey e Margaret Burbidge e de Willie Fowler, apodado B2FH, a partir das iniciais dos sobrenomes de seus autores. De acordo com a teoria cosmológica padrão, o Big Bang — a “Grande Explosão” — corresponde ao evento a partir do qual o Universo veio a ser criado. Matéria, energia, partículas, tudo isso ganha existência após o Big Bang. Mas sabemos que as condições físicas desse evento teriam gerado um universo composto por matéria bariônica quase que exclusivamente sob a forma de átomos de hidrogênio, hélio e alguns poucos, raros núcleos atômicos mais pesados que este. Não haveria oxigênio, carbono, ferro... Não haveria mais de 90% da tabela periódica. O Universo pós-Big Bang deve ter sido um marasmo em termos de diversidade química! Donde vieram então todos os demais elementos químicos? Das estrelas!, indica-nos B2FH. As reações termonucleares que vimos ocorrer no interior solar envolvem apenas a fusão do hidrogênio. Uma vez que o hidrogênio no centro da estrela seja completamente consumido e transformado em hélio, novas reações vêm a ocorrer, compondo núcleos cada vez mais pesados a partir da fusão de núcleos menores. Essas cadeias de reações termonucleares mais complexas ocorrem tanto no interior de estrelas mais pesadas que o Sol, como devem ocorrer parcialmente no interior do próprio Sol, dentro de uns 5 bilhões de anos, quando o hidrogênio do interior solar for totalmente consumido. São várias as “famílias” de reações termonucleares da Nucleossíntese Estelar, que podem envolver tanto a fusão, quanto a fissão nuclear, ou ainda, a captura de partículas menores, como os nêutrons, o que por sua vez leva à novas transmutações. Por exemplo, as reações termonucleares que envolvem a fusão de átomos de hélio com outros átomos de hélio ou átomos resultantes desta mesma fusão geram os chamados núcleos alfa: carbono, oxigênio, magnésio, silício, enxofre, neônio, argônio, entre outros... Essas reações são mais frequentes nos interiores de estrelas com massa superior a 2 massas solares. Já os elementos mais pesados do que o ferro, tais como bário, iodo, prata, chumbo, etc., são formados a partir da fusão de nêutrons com átomos de ferro ou de algum outro elemento mais pesado que o ferro que pré-exista na estrela. Uma vez formados, esses átomos podem participar de novas reações na própria estrela ou manterem-se intactos, até o momento em que a vida da estrela chegar ao fim. O destino da estrela será traçado pelo seu tamanho. As estrelas muito pesadas acabam explodindo e dando origem a supernovas. As de menor massa, como o Sol, expulsarão boa parte da sua massa através de pulsos, dando origem ao objeto que chamamos de Nebulosa Planetária. Em ambos os casos, uma grande quantidade de elementos químicos sintetizados na estrela será lançada ao espaço interestelar. Assim, paulatinamente o Universo foi-se enriquecendo em novos elementos químicos, após várias e várias gerações estelares terem chegado ao fim da vida. Mas a morte das estrelas é o prelúdio de nova vida. Dessa matéria interestelar enriquecida em novas espécies atômicas, outras estrelas formarse-ão, tendo herdado uma matéria mais diversificada do que aquela deixada pelo Big Bang. No entorno dessas novas estrelas, fenômenos astronômicos que dependem de um meio atomicamente diversificado começam a ter vez: moléculas ricas em silício se aglomeram em grãos de poeira, que podem crescer em tamanho, eventualmente ganhando uma capa de gelos compostos majoritariamente por H2O e CO2, moléculas orgânicas participam de cadeia de reações químicas elaboradas, planetas se formam, a Vida evolui... É muito intrigante constatar o quanto dessa história nos toca. Dez por cento do peso médio do corpo humano é composto por átomos de hidrogênio. Todo o resto é de elementos mais pesados que o hélio, justamente aqueles elementos produzidos dentro de estrelas. Praticamente toda a matéria de nosso corpo foi forjada no quentíssimo interior de incontáveis gerações estelares que surgiram ao longo de cerca de 8 a 9 bilhões de anos de idade da Galáxia antes da formação do Sol. Somos, por assim dizer, poeira cósmica, cinza estelar, ligas de uma siderurgia sideral. 33 34 A fundação de observatórios e o ensino da Astronomia no Rio de Janeiro José Adolfo Snajdauf de Campos Professor-adjunto do Observatório do Valongo da UFRJ Doutor em História das Ciências, das Técnicas e Epistemologia pela UFRJ ([email protected]) A fundação de observatórios astronômicos no Brasil português esteve sempre ligada com o ensino de Astronomia, que se iniciou nas academias militares e cujos objetivos foram a aplicação prática dos conhecimentos astronômicos à Navegação e à Geodésia. No Brasil, o ensino de Astronomia começou com a Academia Real dos Guardas-Marinha (AGM), instituição que se transferiu de Lisboa para o Rio de Janeiro no início de 1808 e que tinha inserida a disciplina Astronomia Aplicada à Navegação no terceiro ano do seu curso de Matemático. Chegando ao Rio de Janeiro a AGM se instalou na Hospedaria do Mosteiro de São Bento (Figura 1), no qual as aulas do seu curso de Matemático começaram ainda em 1808. Em 1810 D. João VI, por proposta de D. Rodrigo de Sousa Coutinho, criou a Academia Real Militar (ARM), concebida como um lugar para formar oficiais para o Exército e engenheiros geógrafos e topógrafos para o Brasil. Nela o ensino da Astronomia estava prescrito no quarto ano do curso com duração de sete anos, que era reservado apenas para os oficiais de Engenharia e Artilharia. A ARM se instalou inicialmente nas salas da Casa do Trem (Figura 2), na ponta do Calabouço e em 1812 se transferiu para o prédio originalmente destinado à Sé Nova, no Largo de São Francisco. Nos regulamentos de ambas as academias estavam previstos observatórios astronômicos que seriam os responsáveis pelo ensino prático da Astronomia. Em Portugal, os alunos da AGM e da Real Academia da Marinha faziam o seu treinamento em observações astronômicas no ObEntrada do Observatório da Escola Politécnica no morro de Santo Antonio em 1921 (acervo do Observatório do Valongo) 35 Figura1: Mosteiro de São Bento em 1841 (pintura de Jules de Sinty). 36 servatório Real da Marinha (ORM), instituição fundada em 1798 por proposta também de D. Rodrigo de Sousa Coutinho para ser um observatório escola. A AGM trouxe alguns dos instrumentos do ORM com o objetivo de montar um observatório, no qual seus alunos pudessem praticar as observações. No entanto, apesar do decreto de 15 de novembro de 1809 mandando construir o observatório em dependências do Mosteiro de São Bento, apenas um pálido simulacro de observatório com o uso de instrumentos portáteis foi usado pela AGM nas suas precárias instalações na Hospedaria. A AGM permaneceu no Mosteiro até 1839, com exceção dos anos de 1832-1833, quando se transferiu para o prédio da ARM no Largo de São Francisco, por força da sua incorporação pela Academia Militar, logo desfeita. Nessa transferência, a maioria dos instrumentos não foi devolvida à AGM depois de desfeita a incorporação, tendo ficado armazenada no Arquivo Militar, que estava instalado no prédio da ARM. Em fins de 1840, a situação parecia que ia mudar com o decreto da criação do Observatório da Marinha, mas a intenção ficou apenas no papel, apesar de terem se iniciado as obras na Ilha das Cobras. Os alunos da Academia de Marinha só voltaram a ter práticas regulares de observações com a criação do Imperial Observatório do Rio de Janeiro (IORJ) no morro do Castelo, em 1846, instituição ligada à Escola Militar da Corte. Em 1827, por proposta de Candido Baptista de Oliveira, lente da Academia Militar, o Legislativo aprovou a criação do Observatório do Rio de Janeiro (ORJ). A proposta previa que o Observatório fosse uma instituição de pesquisa astronômica e prestadora de serviços e não servisse para a prática dos alunos das academias. Para atender ao decreto legislativo foi nomeada uma comissão de lentes representando a AGM, ARM e o Corpo de Engenheiros, cuja função era fazer o regulamento do estabelecimento e sugerir a sua localização. Por discordâncias na comissão, que apresentou relatórios conflitantes dos seus membros, o ORJ nunca foi instalado. No regulamento de 1832, o ORJ é considerado como estabelecimento pertencente à Academia Militar e mais uma vez não saiu do papel. Na Academia Militar o observatório só existiu, no papel, até 1846, apesar de mencionado repetidas vezes nos vários regulamentos que teve a Academia. Ao longo das quase quatro décadas se houve alguma prática foi de maneira esporádica em lugares improvisados como o torreão da Escola Militar no Largo de São Francisco. Em 1844 e 1845, os ministros da Guerra Jerônimo Coelho e seu sucessor João Paulo Barreto, iniciaram a reforma das instalações do Convento dos Jesuítas, no morro do Castelo, para instalar os instrumentos do Observatório, que culminaram com um novo regulamento para o Observatório da Escola Militar, aprovado pelo decreto de 22 de julho de 1846, que lhe trocou o nome para Imperial Observatório do Rio de Janeiro (Figura 3). Dentre as atribuições previstas para o IORJ estavam, entre outras, a de “formar os alunos da Escola Militar na prática de observações astronômicas aplicáveis à grande Geodésia” e “adestrar os alunos da Academia da Marinha na prática das observações astronômicas necessárias e aplicáveis à Navegação”. Em 1858, com a criação da Escola Central, se inicia o processo de separação entre a formação de engenheiros civis e engenheiros militares, com o IORJ continuando como dependência da Escola Central. Em 1870, o Imperador D. Pedro II, amante das ciências e em especial da Astronomia, convidou o doutor Emmanuel Liais para assumir o Imperial Observatório. Liais impôs como condição o desli-gamento do Observatório da Escola Central e somente assumiu efetivamente a sua direção após conseguir essa medida, em 1871. Sob a direção de Liais o Imperial Observatório mudou de objeti-vos, deixando de ser um observatório quase que exclusivamente de apoio às atividades didáticas das escolas Central e de Marinha, para se tornar um observatório voltado para a pesquisa astronômica e prestador de serviços essenciais tais como fornecimento da hora, acerto de cronômetros de navios e determinação de posição geográfica com alta precisão. Como consequência, os alunos da Escola Central e também da Academia de Marinha ficaram órfãos de ensino prático de Astronomia a partir de 1871. O IORJ é o antecessor do Observatório Nacional e que nunca mais teve a função de observatório escola. Em 1874, com a criação da Escola Politécnica (EP) (Figura 4), houve a separação definitiva entre o ensino para militares e o ensino Figura 2: Casa do Trem – Século XIX 37 Figura 3: Imperial Observatório do Rio de Janeiro (IORJ), no morro do Castelo (acervo do Observatório Nacional). Figura 4: Escola Politécnica do Rio de Janeiro em 1875 (Foto de Marc Ferrez). para civis, acabando com a mistura de finalidades e regimes escolares bem diferenciados. A Escola Politécnica, instituição agora sob o comando do Ministério do Império, ficou responsável pelo ensino de Engenharia Civil e formação de bacharéis e doutores em Ciências Físicas e Matemáticas. A Astronomia continuou no currículo do curso de Engenharia. A ausência de práticas astronômicas perdurou durante os anos iniciais da EP e, apesar dos pedidos de instalação de um observatório pelos lentes de Astronomia Lossio e Seilbtz e Ezequiel dos Santos Junior, somente foi solucionada com a criação efetiva do Observatório Astronômico da Escola Politécnica (OAEP) em 1881. Em junho de 1881 assume a cátedra de Astronomia da EP o doutor Manoel Pereira Reis (1837-1922), que tinha sido astrônomo do IORJ e de onde saiu brigado com o diretor Liais. Em julho de 1881, Pereira Reis faz a doação para EP de seus direitos sobre um pequeno observatório em construção desde 1880, no morro de Santo Antonio. A Congregação da EP aceita oficialmente a doação em 5 de julho de 1881, data considerada como da fundação do OAEP, antecessor do atual Observatório do Valongo da UFRJ. Ao longo dos anos, Pereira Reis equipou o Observatório e incrementou as práticas dos alunos tanto nas instalações do morro de Santo Antônio (Figura de abertura) quanto nas práticas finais desenvolvidas durante as férias, e que eram feitas nas cidades de Petrópolis e Barbacena. Aliás, em Barbacena, Reis montou um observatório em área de sua propriedade para que os alunos tivessem melhores condições de executar as práticas e fez a doação do terreno e construções à EP, em 1893, para a sua ampliação. Pereira Reis se aposentou com 75 anos, no final de 1912. O OAEP permaneceu no morro de Santo Antonio até 1924, quando foi transferido para a sua atual localização no morro da Conceição, em virtude dos trabalhos de desmonte do morro de Santo Antônio. A transferência incompleta de suas instalações, que terminou em 1926, junto com a mudança de objetivos da cadeira de Astronomia da EP, foram as responsáveis pela decadência do Observatório que ficou praticamente abandonado nas décadas de 1940 e 1950. Sua recuperação como Observatório Escola começou com o seu uso pelos alunos do curso de Graduação em Astronomia, fundado em 1958, na Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi) da então Universidade do Brasil. Atualmente o Observatório é a sede do Observatório do Valongo (Figura 5), um instituto da UFRJ que é responsável por cursos de graduação, mestrado e doutorado em Astronomia. Da Minha Aldeia (Alberto Caeiro O Guardador de Rebanhos) Da minha aldeia vejo quando da terra se pode ver no Universo… Por isso a minha aldeia é grande como outra qualquer Porque eu sou do tamanho do que vejo E não do tamanho da minha altura… Figura. 5 Observatório do Valongo da UFRJ no Morro da Conceição (acervo do Observatório do Valongo) Nas cidades a vida é mais pequena Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro. Na cidade as grandes casas fecham a vista a chave, Escondem o horizonte, empurram nosso olhar para longe de todo o céu, Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos nos podem dar, E tornam-nos pobres porque a única riqueza é ver. 39 40 O Universo Distante Karín Menéndez-Delmestre Doutora em Astronomia (Caltech, EUA) Professora Adjunta da Universidade Federal de Rio de Janeiro http://www.ov.ufrj.br/docentes/kmd/ N ossa galáxia, a Via Láctea, é composta por centenas de bilhões de estrelas. A maioria delas se concentra na região central do sistema, com o restante distribuído em um disco relativamente fino. Esse disco reúne também uma grande quantidade de gás que serve de combustível para novas gerações de estrelas. Hoje em dia a Via Láctea é uma galáxia com um ritmo de vida “calmo”, onde novas estrelas se formam aos poucos: aproximadamente uma estrela com massa similar à do Sol é formada a cada ano. No entanto, a Via Láctea não foi sempre um sistema tão calmo, assim como a estrutura complexa que observamos hoje não sempre esteve presente. Baseados em observações da composição química, da localização e movimentos das estrelas, os astrônomos desenvolveram um modelo padrão que explica como nossa galáxia se formou. Esse modelo é utilizado como referência para a formação e evolução de galáxias em geral. Há bilhões de anos a Via Láctea era apenas uma grande nuvem de gás (que chamamos de nuvem proto-galáctica) composta sobretudo de hidrogênio, já que ainda não houvera estrelas para contaminar esse gás pristino com elementos mais pesados, manufaturados em seus núcleos. Em um dado momento, essa nuvem proto-galáctica sofreu um colapso e uma série de eventos transformaram essa nuvem até o sistema complexo no qual residimos hoje. Esse processo todo não foi rápido, mas levou vários bilhões de anos! 41 Figura 1: NGC634, uma galáxia dita de tipo “espiral” apresenta um fino disco composto de estrelas, gás e poeira. Créditos: ESA/Hubble & NASA Notamos porém, que a Via Láctea é apenas uma das centenas de bilhões de galáxias que povoam o universo. Graças aos grandes levantamentos feitos com telescópios na superfície terrestre (por exemplo, o Sloan Digital Sky Survey) e no espaço (como o telescópio espacial Hubble) possuímos hoje uma enorme quantidade de imagens que revelam a grande diversidade que existe entre as galáxias: algumas possuem finos discos como a Via Láctea, possuem grande abundância de gás e poeira e formam estrelas ativamente (veja Figura 1); outras galáxias não apresentam um disco, possuem uma estrutura mais arredondada, e quase nenhuma atividade de formação estelar (veja Figura 2). Figura 2: M87, uma galáxia dita de tipo “elíptica” apresenta uma imensa distribuição esferoidal de estrelas, sem disco. Neste caso, podemos observar um energético jato (em azul) de material ejetado por um buraco negro supermassivo que reside no centro do sistema. Créditos: NASA, ESA, and the Hubble Heritage Team (STScI/AURA); Agradecimentos: P. Cote (Herzberg Institute of Astrophysics) and E. Baltz (Stanford University) 42 As galáxias no universo local podem ser classificadas segundo a sua morfologia (forma). O “diagrama de diapasão” proposto há mais de 80 anos pelo astrônomo Edwin Hubble ainda é o sistema de classificação mais utilizado (veja Figura 3). Esse sistema de classificação é baseado na aparência das galáxias na luz óptica; as galáxias são divididas entre aquelas sem disco (as ditas “galáxias elípticas”) e aquelas com disco; a presença de uma estrutura brilhante atravessando o centro da galáxia divide ainda as galáxias com disco entre galáxias espirais com e sem barra. A importância de identificar e estudar as diferenças nas propriedades das galáxias é que para desenvolver um modelo geral sobre a formação e evolução de galáxias precisamos considerar a ampla diversidade nas características de galáxias que observamos. Para ser válido, um modelo adequado precisa poder reproduzir as características observadas nas galáxias locais. Figura 3: Diagrama de diapasão proposto por Hubble para descrever as diferentes formas das galáxias no universo local. Créditos: NASA & ESA As galáxias emitem luz; mas quando dizemos “luz”, não nos referimos apenas à luz visível que nossos olhos conseguem perceber. As galáxias irradiam ondas de luz com energias muito altas (raios gama, raios X) assim como muito baixas (infravermelho, rádio). A energia de uma onda de luz está relacionada com o seu comprimento de onda: as ondas muito energéticas dos raios X possuem um comprimento de onda muito menor do que as ondas pouco energéticas de rádio. Em ordem decrescente de energia, observamos raios X, ultravioleta, luz óptica (do azul ao vermelho), infravermelho e ondas de rádio (veja Figura 4). Observar a emissão de uma galáxia em cada um desses intervalos de energia (usando instrumentos e/ou filtros diferentes) nos permite estudar aspectos diferentes de uma mesma galáxia; por exemplo, a luz ultravio- 43 leta representa um mapa das estrelas mais jovens, o óptico traça estrelas mais velhas e no rádio a emissão pode ser dominada por um buraco negro super massivo. Figura 4: As galáxias emitem luz em todos os comprimentos de onda. A figura mostra imagens da galáxia espiral NGC1512 em diferentes comprimentos de onda desde o ultravioleta e o óptico até o infravermelho. Créditos: NASA, ESA, Dan Maoz (Tel-Aviv University, Israel, e Columbia University, EUA). Considerando que a velocidade da luz é constante (aproximadamente 300,000 km/s), sabemos que a luz de galáxias distantes deve percorrer grandes distâncias – e, portanto, leva muito tempo – para chegar até nós. Isso significa que a luz que observamos hoje mostra-nos essas galáxias como eram há muito tempo. Dessa forma, estudar galáxias muito distantes nos permite investigar os estágios primitivos dos processos de formação (e transformação) de galáxias. Portanto, ainda que a caracterização do Universo local nos permita estabelecer a diversidade em propriedades astrofísicas existentes em galáxias, para desenvolver um modelo completo sobre os processos que formam e transformam galáxias é necessário estudar galáxias tanto no universo próximo como no universo distante. Mas estudar o universo distante não é uma coisa fácil! Vejamos porque... Os objetos distantes possuem um brilho aparente muito fraco devido às grandes distâncias envolvidas. Isso exige uma grande sensibilidade para poder detectar a distribuição de luz nestes sistemas. Por outro lado, estudar os detalhes desses objetos também exige uma grande capacidade de resolução espacial (i.e., a capacidade de separar a emissão entre dois pontos), bem acima do permitido pela turbulência de nossa atmosfera à qual estão submetidos todos os telescópios na superfície terrestre. Isso impulsionou, em grande parte, o desenvolvimento 44 de observatórios no espaço, como o telescópio espacial Hubble. Além disso, uma onda de luz emitida no passado (por uma galáxia distante) é afetada pela expansão do universo: seu comprimento de onda é “esticado” até comprimentos maiores; por exemplo, ondas emitidas no passado com energias na faixa azul são observadas hoje na faixa do vermelho. A exploração do universo distante requer, portanto, também uma visão multienergia, de forma a poder se estudar a emissão intrínseca de galáxias cada vez mais distantes. O lançamento do telescópio espacial Hubble representou um grande salto em termos de sensibilidade e resolução espacial para a Astronomia moderna. Os grandes levantamentos feitos a partir dos anos 90 com o Hubble permitiram, por fim, uma exploração mais eficiente do universo distante. Graças a vários levantamentos recentes, os astrônomos hoje possuem imagens de milhões de galáxias distantes. Podemos hoje utilizar essa riqueza de imagens para estender o sistema de classificação morfológica até o universo distante, no qual já não estamos traçando sistemas bem comportados e estabelecidos, mas sistemas cada vez mais desordenados e em plena transformação: as galáxias distantes apresentam uma aparência mais desorganizada e perturbada, por vezes devido a impressionantes colisões entre galáxias ou por uma formação de grandes cúmulos estelares em frágeis discos primitivos (veja Figura 5). Com esses estudos, os astrônomos estão começando a traçar os primeiros estágios na formação e evolução de galáxias quando o universo tinha apenas uns 10% de sua idade atual. Discutamos brevemente a origem das galáxias no contexto cosmológico. As galáxias representam a unidade básica na construção das estruturas de grande escala no universo. Por isso, uma das perguntas mais fundamentais no campo de Astrofísica é como as galáxias se formam e evoluem. Apenas instantes após o Big Bang, os níveis de densidade e temperatura são extremamente altos e dizemos que a matéria e a radiação estão interligadas. Não é até que a temperatura cai o suficiente que os primeiros átomos estáveis de hidrogênio se formam. Nesse momento dizemos que matéria e radiação se desacoplam e esse é o momento em que as partículas de luz (fótons) dessa era primordial podem escapar. Esses fótons viajam enormes distâncias até nós e constituem a radiação cósmica de fundo que observamos hoje nos maiores comprimentos de onda (rádio e micro-ondas), correspondendo a um fundo de radiação de baixíssima energia; esse sinal é o mais parecido que temos com um “eco” do Big Bang, emitido quando o universo tinha apenas 400.000 anos (veja Figura 6). Uma vez que os primeiros átomos se formem (um processo chamado de nucleossínteses primordial) são necessárias algumas cen- 45 tenas de milhões de anos para que as primeiras fontes de luz (estrelas, proto-galáxias) apareçam. Os fótons emitidos por essas primeiras fontes são aqueles que aos poucos dão início ao processo de reionização do universo. Por isso hoje em dia o espaço entre as galáxias (dito meio intergaláctico) é principalmente composto por hidrogênio ionizado; o hidrogênio neutro e molecular (a partir do qual se formam as estrelas) se concentra nas próprias galáxias que servem de berço para novas gerações estelares. Figura 5: Com milhões de imagens profundas de galáxias distantes capturadas pelo telescópio Hubble, astrônomos buscam estender a classificação morfológica de galáxias distantes, de quando o universo tinha apenas ~2-3 bilhões de anos. Com cores cada vez mais vermelhas (devido à expansão do universo), as galáxias, cada vez mais distantes, apresentam aspectos ainda mais desordenados. Isso demonstra que vários processos de transformação aconteceram para que as galáxias adquirissem as estruturas mais complexas e relaxadas que observamos hoje no universo local. Créditos: NASA, ESA, M. Kornmesser; equipe da colaboração CANDELS (H. Ferguson) Figura 6: Histórico da formação de estruturas ao longo do tempo cósmico. Créditos: NASA/ESA e Ann Feild (STScI) Na radiação cósmica de fundo detectamos pequenas variações em temperatura, indicativas de pequenas variações na distribuição de matéria (veja Figura 7). Essas variações servem de pequenas sementes nas quais a matéria, consequentemente, se acumula via atração gravitacional, criando os sítios de formação de galáxias e até de grandes estruturas que hoje associamos à grandes aglomerados de galáxias. Simulações cosmológicas, baseadas nas leis fundamentais da Física, nos mostram como a simples consideração da gravidade no desenvolvimento dessas sementes pode reproduzir a estrutura em grande Figura 7: As variações na radiação cósmica de fundo estão associadas às sementes que levaram à formação de estruturas no universo (grupos e aglomerados de galáxias). Créditos: ESA e a colaboração Planck. escala que observamos no universo local. Porém, os processos astrofísicos internos que levam aos complexos históricos de formação estelar nesses sistemas, fazendo com que meras nuvens de gás protogalácticas virem os sistemas complexos que hoje observamos, ainda fogem ao nosso entendimento. Os astrônomos têm, ainda, muito a descobrir! 47 48 O Universo em Grandes Escalas Paulo Afrânio Augusto Lopes Professor-adjunto do Observatório do Valongo da UFRJ. Doutor em Astronomia pelo Observatório Nacional. ([email protected]) Q uando astrônomos falam do Universo em grandes escalas eles se referem aos maiores objetos e estruturas existentes. Os corpos celestes mais conhecidos do público, em geral, são os planetas e as estrelas. Em torno de nossa estrela – o Sol – orbitamos com a companhia de outros sete planetas e diversos corpos menores, como asteroides e cometas. Ao contemplar o firmamento, em especial no interior, podemos vislumbrar uma infinidade de outras estrelas. Mesmo fora de nosso alcance visual sabemos que algumas delas possuem uma corte de planetas, assim como nosso Sol. Muitas estrelas são sozinhas, mas pelo menos metade delas encontra-se em pares, trios ou sistemas com ainda mais objetos. Aglomerados de estrelas podem conter desde dezenas até milhares ou mesmo mais de um milhão de estrelas. Nesses objetos celestes já podemos vislumbrar diferentes estruturas, desde as estrelas individuais até aquelas em grandes concentrações. Todas essas estrelas pertencem a uma estrutura ainda maior que as engloba, junto a uma grande quantidade de gás e poeira. Essa é a nossa Galáxia, com uma estimativa de mais de cem bilhões de estrelas! Nossa Galáxia também é conhecida como Via Láctea, em função de uma parte dessa (que conseguimos observar a olho nu) ter a aparência de uma faixa ou “caminho de leite” no céu. A Galáxia tem aproximadamente cem mil anos-luz de diâmetro. Para nossos padrões essas medidas são algo assombroso, ou simplesmente astronômico. A Via Láctea é enorme! E por muito tempo acreditávamos ser ela a maior estrutura do Universo. Em verdade, até menos de um século atrás não tínhamos certeza da existência de outras galáxias como a nossa. O Universo era a Galáxia... Mas elas existem! E, na verdade, numa diversidade de tamanhos, tipos, formas e distâncias. A mais próxima da Terra encontra-se a mais de 150 mil anos-luz. Além da nossa própria galáxia, apenas três outras podem ser vistas a olho nu. Duas delas orbitam a nossa e chamam- 49 Figura 1: Distribuição de galáxias no 2MASS Redshift Survey (2MRS). Crédito: T.H. Jarrett (IPAC/Caltech) 50 se Pequena e Grande Nuvens de Magalhães, ambas descobertas (mas obviamente não reconhecidas como galáxias) pelo navegador Fernão de Magalhães, em torno de 1519. Talvez parte da dificuldade de algumas pessoas para entender o que são as galáxias passe por tal fato: elas não são visíveis a olho nu. São objetos de tamanho colossal. No entanto, estão a distâncias tão grandes que sua luz chega à Terra de maneira muito débil, tornando impossível seu reconhecimento visual no céu. O auxílio de telescópios torna possível esta tarefa, trazendo para perto aquilo que está longe. O uso desses instrumentos permite ampliar nossa percepção do Universo, de forma que podemos observar objetos cujo brilho aparente é pequeno. Dito de outra forma, conseguimos enxergar objetos relativamente próximos da Terra, mas do qual recebemos pouca luz, ou objetos que intrinsecamente são bastante luminosos, mas que estão a distâncias muito grandes. Com isso, hoje em dia podemos mapear, em detalhe, diversas famílias de asteroides no sistema solar, da mesma forma que estrelas pouco luminosas na Galáxia ou, ainda, milhões de galáxias Universo afora. Para entender a distribuição de matéria no Universo os astrônomos fazem levantamentos da distribuição de galáxias. Esses fornecem pistas sobre a formação e evolução do Universo. As galáxias são os seus blocos de construção e a sua distribuição espacial traça o que é conhecido como estrutura em grande escala. Galáxias podem ser encontradas isoladas, mas, comumente, se agrupam, formando estruturas chamadas grupos (com algumas dezenas de galáxias) e aglomerados de galáxias (com várias dezenas até milhares em seu interior). O tamanho típico de aglomerados é de vários milhões de anosluz! Em escalas ainda maiores, os astrônomos descobriram os chamados superaglomerados de galáxias. Esses são a concentração de diversos grupos e aglomerados. Entretanto, ainda estão em processo de formação (ao contrário da maior parte dos grupos e aglomerados). Um exemplo da distribuição de galáxias no Universo próximo está exibido na Figura 1. Estes são dados do 2MASS Redshift Survey (2MRS). Na figura, cada ponto representa uma galáxia, com a cor do ponto simbolizando o desvio para o vermelho (um indicador da distância) da galáxia. Alguns aglomerados e superaglomerados são marcados na figura. Esta é uma projeção de toda a esfera celeste, com o plano da nossa Galáxia no centro. A estrutura em grande escala do Universo é, portanto, delineada pela distribuição de galáxias, grupos, aglomerados e superaglomerados. O padrão encontrado assemelha-se ao de bolhas de sabão. Ou seja, na distribuição de galáxias temos o que são chamados de grandes vazios envolvidos por finas paredes de galáxias. Na interseção das paredes encontram-se os grupos e aglomerados de galáxias. Essa estrutura filamentar é também apelidada de teia cósmica. Outro levantamento da estrutura em grande escala é conhecido por 2dF Galaxy Redshift Survey (2dFGRS), tendo sido finalizado em 2003. Na Figura 2 podemos ver duas representações da distribuição de galáxias. Uma obtida por esse levantamento e outra baseada no Sloan Digital Sky Survey (SDSS). Cada ponto representa uma galáxia. Na figura da direita os chamados vazios são marcados por círculos azuis, enquanto galáxias de filamentos são representadas por pontos pretos. Grupos e aglomerados são formados nas junções, nas regiões de mais alta densidade. Na Sociologia das galáxias percebemos que elas gostam de viver juntas. Os astrônomos dizem que aquelas mais isoladas, encontradas em regiões de baixa densidade de matéria no Universo, formam a distribuição de galáxias conhecida por campo. Já os objetos em regiões de alta densidade formam os grupos e aglomerados de galáxias. Interessante é que o ambiente tem forte influência nas propriedades de galáxias. As de campo, em geral, são mais azuis, tem bastante gás em seu interior, e formam estrelas regularmente (o gás é o combustível necessário à formação de estrelas). Além disso, são, na maioria, galáxias conhecidas como dos tipos espirais e irregulares. Já as galáxias de grupos e aglomerados são mais vermelhas, têm pouco gás e, portanto, formam poucas estrelas. Em geral, são dos tipos lenticular e elíptica. As galáxias típicas de campo possuem populações de estrelas jovens e velhas, ao passo que as comuns em aglomerados possuem somente uma população estelar velha. Os tipos de galáxias referem-se a uma classificação da morfologia destas. Os principais tipos morfológicos são estes já citados. Outros tipos conhecidos são, por exemplo, galáxias anãs (elípticas, esferoidais e irregulares), e galáxias peculiares. Essa dependência com o ambiente nos leva a uma analogia com seres humanos. As pessoas que vivem no campo, em geral, são menos estressadas, vivem mais e tem humor distinto das urbanas. Sabemos que os seres humanos tendem a aglomerar-se em grandes Figura 2: Esquerda: Representação da distribuição de galáxias no levantamento 2dFGRS (Crédito: Equipe do 2dFGRS). Direita: Representação da distribuição de galáxias no levantamento SDSS. Pontos pretos marcam galáxias pertencentes a filamentos, e pontos vermelhos representam galáxias em regiões de vazios (demarcados por círculos azuis). Crédito: Pan et al. (2012); The Royal Astronomical Society 51 Figura 3: Visão noturna da costa Leste dos EUA. Crédito: Expedição 30 da ISS; NASA Figura 4: Evolução do brilho artificial do céu nos EUA entre aproximadamente 1950 e 2025. Crédito: P. Cinzano, F. Flachi e C. Elvidge (2001) 52 centros. Entretanto, as causas dessa aglomeração são socioeconômicas, enquanto que para galáxias a causa é outra: gravidade! De qualquer forma, na distribuição dos humanos sobre a superfície terrestre percebemos uma estrutura similar à de galáxias, com aglomerados urbanos conectados por finos filamentos. Um exemplo é exibido na Figura 3, na qual temos uma visão noturna da região Leste dos Estados Unidos a partir da Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês). O que vemos são as luzes artificiais que iluminam a vida das pessoas nessa área. As principais concentrações de luz representam as maiores cidades. As de mais fácil identificação são Nova York, Long Island, Philadelphia, Baltimore e Washington DC. Note-se a existência de uma espécie de filamento luminoso conectando essas principais metrópoles. Apesar de na Figura 3 haver a representação de uma visão muito bela, uma ameaça às observações astronômicas, e mesmo à vida selvagem, está implícita. Isso porque a chamada poluição luminosa afeta drasticamente observações noturnas ao tornar o céu mais brilhante. Associações como a International Dark-Sky Association (IDA) e o Istituto di Scienza e Tecnologia dell’Inquinamento Luminoso tem como principal objetivo proteger o ambiente de céu noturno e preservar os céus escuros para futuras gerações. Na Figura 4 podemos ter uma ideia da evolução do brilho artificial do céu nos EUA desde a década de 1950 até uma extrapolação para o ano de 2025. Hoje em dia, em menos do que 50% dos EUA pode-se observar a Via Láctea. Na Europa como um todo isso já é praticamente impossível. Na Figura 4 é evidente o crescimento dos centros urbanos, e do desperdício energético, nos EUA. Em 2025, a poluição luminosa nos EUA afetará todo o Leste do país. Como destacado na Figura 3, podemos inclusive detectar parte da maior megalópole do mundo, conhecida como BosWash, estendendose desde Boston até Washington DC. Megalópole é o termo usado para uma conurbação de várias metrópoles ou regiões metropolitanas. No contexto de galáxias seriam as megalópoles os análogos de superaglomerados? Após o alerta, voltemos ao tema desse texto. A distribuição de matéria no Universo não é estática. Ela tem uma origem e evolui com o tempo. O que vemos nas figuras 1 e 2 é o resultado para o Universo próximo de nós. Através desta distribuição, conseguimos entender importantes aspectos sobre a estrutura do Universo. No entanto, o objetivo principal é descobrir como formou-se e evoluiu sua estrutura em grande escala. Levantamentos de galáxias como o 2dFGRS são fundamentais para esses estudos. Porém, além de observações astronômicas os cosmólogos precisam refinar cada vez mais seus modelos de Universo e também desenvolver simulações computacionais que tentam reproduzir a estrutura que observamos atualmente. Um exemplo é apresentado na Figura 5, com a distribuição de matéria obtida numa simulação cosmológica. Devido às grandes escalas espaciais, temporais e de massa, não temos como realizar experimentos de laboratório para testar teorias sobre o Universo. Por isso as simulações cosmológicas são tão importantes, pois com base em leis físicas conhecidas podemos verificar a evolução de modelos do Universo (em escalas de tempo razoáveis) que podem ser confrontadas com dados reais do mesmo. Dessa forma, podemos refinar teorias e obter um melhor entendimento do nosso Universo observado. Atualmente, nosso conhecimento sobre as origens e evolução do Universo aumentou por várias ordens de grandeza, assim como a nossa imagem do mesmo. Mas ainda há muito pela frente. O futuro da Cosmologia guarda ainda diversos desdobramentos, com inúmeras surpresas. Nessa área (assim como na Astrofísica com um todo), são necessários avanços tecnológicos na construção de telescópios de alcance cada vez maior e no melhoramento de supercomputadores. Mas, acima de tudo, são necessários cérebros entusiasmados para pensar novos desafios e interpretar futuras descobertas. Figura 5: Simulação computacional da distribuição de matéria no Universo. Crédito: The Bolshoi Cosmological Simulations Figura 6: Superaglomerado Laniakea (delineado pela linha laranja), com 160 Mpc de diâmetro (cerca de 520 milhões de anos-luz) e englobando cerca de 1017 (cem milhões de bilhões) de massas solares. Crédito: Tully et al. 2014, Nature, 513, 71-73. Um exemplo de uma descoberta recente é a atualização de nosso endereço cósmico. Nossa Galáxia é parte de um grupo de galáxias chamado Grupo Local. Até pouco tempo acreditávamos que nosso grupo fazia parte de um superaglomerado com outros grupos e aglomerados vizinhos. No entanto, uma equipe de astrônomos liderada por Brent Tully (Universidade do Havaí) descobriu que o superaglomerado de galáxias do qual fazemos parte é 100 vezes maior em massa e volume do que antes imaginado. Eles aplicaram um método que é baseado no movimento das galáxias, que reflete a distribuição de matéria no Universo. A partir deste método eles definiram o superaglomerado Laniakea (“Céu grandioso” na língua havaiana). Uma ilustração deste superaglomerado, com estruturas vizinhas, é exibida na Figura 6. Fig 1: Observatório particular de d. Pedro II no Paço de São Cristóvão (parte superior direita) – Acervo do Museu Nacional 54 Expedições astronômicas no Segundo Império Q Astrônomo do Observatório do Valongo da UFRJ. Doutor em História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia pela UFRJ. ([email protected]) uando ouvimos ou lemos a palavra Astronomia, logo nos vêm à mente belas imagens de objetos coloridos e com as formas mais diversas, alguns próximos para os padrões da escala do Universo e outros muitos distantes, com quase a idade dele, obtidas de telescópios em órbita da Terra. Porém, quando olhamos através de telescópios não profissionais ficamos um pouco decepcionados. Afora alguns objetos, tais como Saturno, a Lua ou Júpiter, ficamos imaginando: onde estão aquelas cores maravilhosas, aquela definição incrível que vemos nas fotos? Por que não podemos ver assim através dos nossos telescópios amadores? O que acontece é que essas imagens passam por tratamento e são obtidas através de diferentes filtros, que deixam passar algumas cores e escondem outras e que nos ajudam a descobrir qual a composição química daquele objeto. Ou seja, passam por uma “maquiagem”. Mas, após passada a primeira decepção, se estivermos munidos de um bom atlas celeste que nos indique os objetos mais interessantes visíveis em cada época do ano e um pouco de paciência poderemos fazer uma fascinante viagem, que nos fará compreender melhor o Universo no qual vivemos. E quanto mais longe da poluição luminosa das grandes cidades, mais objetos veremos. A facilidade de comprarmos a preços acessíveis bons instrumentos amadores é coisa recente, de menos de 40 anos. Mas isto é a moderna Astronomia. Como será que era a prática dessa ciência no Brasil Império? Lá pela metade do século XIX, a Astronomia estava passando por uma grande transformação. A técnica de fabricação de lentes e construção de telescópios já era bem dominada e as novas descobertas no campo da Física abriam as portas para o surgimento de uma nova Astronomia, baseada até então apenas na Mecânica Celeste e na Astrometria, ou seja, no estudo do movimento e na posição dos astros. Estava surgindo a Astrofísica. A descoberta de mais elementos químicos e a constatação da existência de alguns deles no Sol, bem como aspectos mais complexos do comportamento e da composição das estrelas estavam começando a ser desvendados. Figura 1 – Observatório particular de D. Pedro II no Paço de São Cristóvão (parte superior direita) – Acervo do Museu Nacional 55 As Estrelas (João da Cruz e Sousa – 1900) Lá, nas celestes regiões distantes, No fundo melancólico da Esfera, Nos caminhos da eterna Primavera Do amor, eis as estrelas palpitantes. Quantos mistérios andarão errantes, Quantas almas em busca da Quimera, Lá, das estrelas nessa paz austera, Soluçarão, nos altos céus radiantes. Finas flores de pérolas e prata, Das estrelas serena desata Toda a caudal das ilusões insanas. Quem sabe, pelos tempos esquecidos, Se as estrelas não são os ais perdidos Das primitivas legiões humanas?! 56 Na verdade, esses avanços estavam ocorrendo basicamente na Europa e, em menor grau, nos Estados Unidos. O Brasil havia se tornado independente de Portugal a cerca de 30 anos e não tinha ainda nenhuma tradição em pesquisas científicas. Vamos retroceder um pouco no tempo, até o dia 2 de dezembro de 1925, na capital do Império do Brasil, o Rio de Janeiro, com uma população de cerca de 113.000 pessoas, com um índice de analfabetismo de 85%. Nesse dia nascia Pedro de Alcântara. Esse menino, que com 14 anos seria aclamado como Pedro II, Imperador do Brasil, teve um papel fundamental na tentativa de modernização e inserção do país no cenário astronômico internacional. Seu pai, D.Pedro I, criou o Observatório do Rio de Janeiro em 1927, quando ele tinha menos de dois anos de idade, mas que na prática nunca saiu do papel até 1846, quando foi efetivamente tornado ativo com o nome de Imperial Observatório do Rio de Janeiro (IORJ), no morro do Castelo, embora de forma bastante precária, com uma Astronomia muito distante da que se praticava, por exemplo, na França e na Inglaterra. O Imperador D. Pedro II sempre foi tido como um grande incentivador da Astronomia. Além de contribuir pessoalmente para a melhoria do IORJ, cedendo equipamento por ele adquirido, mandou construir um observatório particular no telhado do Palácio da Quinta da Boa Vista em 1856, onde fazia suas observações particulares, e que foi retirado pelo governo após a proclamação da República, em 1889 (Figura 1). Devido a esse interesse do Imperador pelas ciências, em geral, e Astronomia, especificamente, sua influência na criação de expedições, sobre as quais comentaremos brevemente aqui, foi fundamental. Apoiadas e patrocinadas pelo Governo Imperial, foram um marco divisório para que a Astronomia no Brasil começasse a sair de sua fase exclusivamente utilitária e passasse a ser encarada como uma ciência experimental, tentando equipará-la com o que havia de mais recente, teórica e instrumentalmente, na Europa à época. Em 1858, o Imperador D. Pedro II vislumbrou a possibilidade de inserir o Brasil no que se fazia de mais recente em pesquisa astronômica no mundo. Aproveitando a ocorrência de um eclipse total no país naquele ano, resolveu criar uma comissão de observação do evento como nunca havia sido feito antes no país. Com o auxílio do astrônomo belga Emmanuel Liais, que mais tarde se tornaria diretor do IORJ, montou uma grande expedição, que rendeu bons frutos para a Astronomia nacional. O eclipse de 1858 era a oportunidade do Brasil se inserir como participante atuante na vanguarda do cenário científico mundial da Astronomia. Afinal, o primeiro eclipse a ser observado com rigor científico nos Estados Unidos, aconteceu apenas em 1860 e na Inglaterra somente em 1893. O momento era mais que propício para se realizar uma expedição que pudesse afirmar a competência do Brasil em organizar uma observação científica astronômica. Haveria um eclipse total do Sol que passaria em território nacional, relativamente próximo à capital do Império (sua fase máxima seria visível na baía de Paranaguá), e ainda por cima coincidiria com o dia em que se comemora a independência do país: 7 de setembro. Nada mais simbólico. Cândido Baptista de Oliveira, chefe da expedição, comenta em seu relatório que “a importância ci-entifica da observação deste interessante fenômeno não podia deixar de manifestar-se no Brasil, onde deverá ser apreciado em grande parte do seu território, e principalmente no Rio de Janeiro, que goza da imediata influencia do alto Protetor das ciências, e possui já um nascente observatório astronômico”. Pela primeira vez no Brasil foi usada a técnica da fotografia para um registro astronômico. Quinze placas fotográficas foram obtidas, porém apenas 12 puderam ser aproveitadas, segundo in-formação do próprio Liais. Segundo o Relatório de Oliveira, Liais afirmava ter identificado que a coroa solar é fracamente polarizada, e em seu livro L’éspace celeste et la nature tropicale, Liais reafirmava que sua primeira verificação sobre a presença da polarização da coroa dos eclipses foi realizada no eclipse de 1858, no Brasil (Figura 2). Há também a citação de outras três estações de observação do eclipse. Dois pontos de observação no Rio de Janeiro - no Imperial Observatório e no Palácio Imperial de São Cristóvão - e outro em Recife, na Torre Malakoff, no Arsenal de Marinha. A expedição criada para observar o eclipse de 1858 foi um marco na história da Astronomia no Brasil. Aproveitando uma oportunidade única, contando com pessoal qualificado e com a pre-sença de Liais, podemos dizer que foram feitas as primeiras observações astrofísicas no país. A missão científica para a observação do trânsito de Vênus pelo disco solar da qual participou o engenheiro e astrônomo Francisco Antônio de Almeida Jr. foi o primeiro contato direto de um brasileiro com o Japão de que a historiografia tem registro. Em 1874, o Conde de Prados, então diretor do IORJ, enviara Almeida Jr. para a França com a finalidade de estudar Astronomia. Quando o governo francês organizou uma missão científica de observação e registro da passagem do planeta Vênus diante do Sol, prevista para ocorrer em Nagasaki no dia 8 de dezembro do mesmo ano, o astrônomo brasileiro integrou a missão, como adido, por solicitação do Governo Imperial. Em consequência dessa participação, Almeida Jr. além de uma obra sobre a paralaxe do Sol e a passagem de Vênus, escreveu o primeiro livro publicado no Brasil sobre o Japão (Da França ao Japão: Narração de viagem e descrição histórica, usos e costumes dos habitantes da China, do Japão e de outros países da Ásia, publicado no Rio de Janeiro em 1879). Embora Almeida Jr. tenha se desviado um pouco do trabalho de que teria sido incumbido e essa não tenha sido propriamente uma expedição no sentido estrito, foi um marco nas observações astronômicas, uma vez que ele teve participação na utilização pioneira de um instrumento utilizado na observação de Vênus: o revólver fotográfico astronômico. Colaborando com o astrônomo francês Jules Janssen nas experiências efetuadas em Nagasaki obtiveram, com tal dispositivo, imagens em intervalos muito curtos, que eram gravadas em um tipo de película através do qual Vênus era visualizado passando na frente ao Sol. Essa invenção é considerada o protótipo das máquinas de projeção de hoje (Figura 3). Figura 2 – Desenho da coroa solar no eclipse de 1858, feito por Emanuel Liais (Relatório de Cândido Baptista de Oliveira) 57 Figura 3 - Desenho mostrando Almeida Jr. utilizando o re-volver fotográfico em Nagasaki. À esquerda, detalhe do dis-positivo de captura da imagem Figura 4 - Observatório montado pela Comissão de São Tomás, nas Antilhas, para a observação da pas-sagem de Vênus pelo disco solar em 1882. (Relatório Final da Comissão – Biblioteca do Observatório Nacional) 58 Diferentemente da primeira participação do Brasil nas observações do trânsito de Vênus sobre o disco solar, a segunda passagem foi o evento científico que mais causou agitação no Império, desde o homem simples da rua, até o Senado, levando a um debate em um tom muito acima do jamais visto para um assunto que parecia estar tão distante do dia a dia da Corte. Oito anos após o primeiro trânsito, que passara despercebido pela população, em 1882, o Governo Imperial teve que enfrentar uma enorme oposição no Parlamento. Além dos deputados e senadores, a própria Imprensa se opunha à participação efetiva do Brasil e, principalmente, à grande verba envolvida. Esse foi, talvez, um dos mais enfáticos debates já ocorridos em nosso país sobre a utilidade da Ciência Básica. Para elaborar as instruções a serem adotadas durante a observação da passagem de 1882, repre-sentantes de 14 países, inclusive o Brasil, reuniram-se em Paris, um ano antes no Congresso da Comissão Internacional da Passagem de Vênus, organizada pela Comissão da Passagem de Vênus da França e composta por mais de 50 astrônomos e físicos, na maior parte membros das seções de Astronomia e Física da Academia das Ciências de Paris. O Brasil foi representado por Liais. Nessas reuniões ficou decidido que o Imperial Observatório deveria estabelecer, no mínimo, duas estações em seu território e duas no exterior. Dessa forma, estabeleceram-se duas estações no Brasil, uma em Pernambuco, Olinda, sob a chefia do astrônomo Julião de Oliveira Lacaille e outra no Rio de Janeiro, no Imperial Observatório, e as outras duas do exterior, uma em Punta Arenas, na Patagônia Chilena, sob o comando de Luís Cruls, então diretor do IORJ, e outra nas Antilhas, a cargo da Repartição Hidrográfica, chefiada pelo engenheiro hidrógrafo Antonio Luis Von Hoonholtz, o Barão de Tefé (Figura 4). Mesmo com toda a oposição e dificuldades, foi aprovado um crédito extraordinário para o Imperial Observatório pelo Parlamento. Graças ao empenho pessoal do Imperador, as três missões foram enviadas. Como o crédito extraordinário para a Marinha foi recusado pelo Parlamento, a expedição às Antilhas somente foi possível graças a uma lista de doações, encabeçada pelo Imperador, que doou a quantia de 10 mil contos de réis. No Rio de Janeiro o céu esteve encoberto pelas nuvens, o que impediu que D. Pedro II, que esteve o dia todo no Observatório, pudesse acompanhar o fenômeno. Em Pernambuco e nas Antilhas, apesar das condições não terem sido boas, foi possível acompanhá-lo. O grande sucesso foi a missão à Patagônia, onde Luís Cruls, em Punta Arenas, conseguiu observar todas as fases do fenô-meno . Várias comunicações científicas com os resultados relativos à Astronomia pelos cientistas brasileiros foram apresentadas por D. Pedro II à Academia de Ciências de Paris. A paralaxe solar determinada pela Comissão brasileira foi de 8,808 segundos de arco (149.400.000±1.000.000 km) e representou, à época, um dos valores mais precisos. Para termos uma comparação, em 1900 o valor aceito era de 8,806±0,004 segundos de arco (149.000.000±100.000 km), com base na paralaxe do asteroide Eros, obtida pelo astrônomo inglês Arthur Robert Hinks e o valor adotado pela União Astronômica Internacional (IAU) é de 149.600.000 km. Esse é o valor da distância média entre a Terra e o Sol, e também é conhecida co-mo uma unidade astronômica (1UA). A precisão dessa medida era de extrema importância à época, pois implicava em conhecer as verdadeiras dimensões do Sistema Solar. A expedição de resgate do meteorito de Bendegó, já próximo ao fim do Império, foi a última levada a cabo. O objetivo era o translado do meteorito de Bendegó do seu sítio de queda original, na região de Monte Santo, no sertão da Bahia, para o Museu Nacional, no Rio de Janeiro, onde se encontra em exposição até os dias atuais. Pesando 5.360 kg e medindo 2,15m x 1,5m x 0,65m, ele foi descoberto em 1784, porém não se sabe a época da queda. Trata-se de uma massa compacta, composta principalmente de ferro (Fe) e níquel (Ni), contendo outros elementos em quantidades menores. Um ano após, foi feita uma tentativa de retirada frustrada e o meteorito lá permaneceu por mais de 100 anos. Em 1886 o então diretor do Museu Nacional, Ladislau de Souza Mello Netto enfatizou a ne-cessidade de transportar o Bendegó para a Corte, a fim de serem realizadas análises sobre o frag-mento e para o meteorito ser exposto na instituição. As providências para o deslocamento do Bendegó para o Rio de Janeiro aconteceram ainda quando D. Pedro II estava em Paris, em 1886, ao receber por meio de membros da Academia de Ciências de Paris, a solicitação da transferência de Bendegó a um museu. Em 1895, o geólogo Orville Adalbert Derby publicou na Revista do Museu Nacional do Rio de Janeiro um longo artigo, onde relata toda a saga do meteorito, desde os sertões da Bahia até o Museu Nacional, e faz uma detalhada análise físico-química do mesmo (Figura 5). Essa é apenas uma brevíssima visita à segunda metade do século XIX, para mostrar o quão rica e pouco conhecida é a nossa história a respeito da Astronomia em nosso próprio país. Aos que quiserem se aprofundar mais no tema, podem consultar, para começar, os arquivos digitalizados disponíveis no site da Biblioteca Nacional e do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB). Figura 5 - Foto da Comissão encarregada de transportar o meteorito Bendegó da Bahia para o Rio de Janeiro em 1888. (Acervo da Princesa Isabel, Biblioteca Nacional) 59 60 Interestelar: o espaço entre as estrelas é realmente vazio? Silvia Lorenz Martins Professora associada e diretora do Observatório do Valongo da UFRJ Doutora em Ciências Físicas pela Université Nice Sophia Antipolis (França) ([email protected]) Q uando olhamos para o céu em uma noite clara, sem nuvens, percebemos que existem algumas regiões mais escuras e imaginamos que ali, naquela direção nada exista. Um exemplo é o Saco de Carvão, na direção do Cruzeiro do Sul, uma nuvem de poeira e gás que absorve toda a luz emitida por estrelas atrás dela. Outra da mesma espécie é a nuvem escura Cabeça de Cavalo (Figura 1). Também é possível ver regiões um tanto “nubladas” (embora não haja nuvens a vista), onde o brilho das estrelas parece estar embaçado. Ao contrário do que pensamos, não há nenhuma região no universo que seja completamente vazia. Há entre as estrelas muita matéria; matéria visível, mas também “invisível”, pelo menos aos nossos olhos. Nessas extensões que acreditamos vazias existem certos tipos de nuvens contendo gás e poeira. Tais nuvens são suficientemente ricas em compostos químicos para dar origem a novas estrelas e também sistemas planetários completos. O espaço entre as estrelas é conhecido como Meio Interestelar. Nesse ambiente é rica a “fauna” de objetos presentes; além das nuvens que podem conter desde hidrogênio neutro ou ionizado (o único elétron do hidrogênio foi liberado) ou moléculas, existem outros objetos estelares tais como restos de supernovas, onde o gás presente pode ter temperaturas de milhões de graus e atingir velocidades de até 6.000 km/s! A Figura 2 mostra a imagem de uma remanescente de supernova (ou seja, restos da explosão de uma estrela), a Figura 1: Nebulosa Cabeça de Cavalo, parecida com um buraco no céu, essa nuvem escura concentra grandes quantidades de poeira interestelar (grãos interestelares) a qual absorve praticamente toda a luz (radiação) emitida por estrelas que se encontram atrás dela. Ela é parte de uma região maior, conhecida como nuvem molecular de Orion. Image Credit & Copyright: Optical: Aldo Mottino & Carlos Colazo, OAC, Córdoba; Infrared: Hubble Legacy Archive 61 Cassiopeia A, que explodiu há 325 anos atrás sendo registrada por astrônomos chineses. Figura 2: Cassiopeia A - essa é uma imagem feita pelo telescópio espacial Spitzer, no infravermelho. O tamanho da remanescente é de 15 anos-luz e ela fica a uma distância de 10.000 anos-luz da Terra, na direção da constelação de Cassiopeia. Image Credit: O. Krause (Steward Obs.) et al., SSC, JPL, Caltech, Nasa 62 Onde está e de onde vem essa matéria de composição química tão rica? Na Via Láctea, galáxia que hospeda nosso Sistema Solar, grande parte da matéria que compõe o meio interestelar está localizado nos braços espirais. A Figura 3 mostra parte da Via Láctea e na Figura 4 é apresentada a imagem de outra galáxia espiral, semelhante a nossa, na qual podemos ver com maior precisão onde se encontra essa matéria. Quanto a sua composição química, a maior parte da matéria do Universo é composta por hidrogênio e hélio e pequenas quantidades de outros elementos mais pesados, tais como carbono, oxigênio, ferro, silício etc. Na Via Láctea, o meio interestelar representa cerca de 20% da massa total em que elementos mais pesados, tais como carbono, oxigênio, ferro, representam apenas 1%. Embora rarefeita, essa matéria afeta a radiação emitida por estrelas e o ciclo de vida das mesmas. A matéria que compõe o meio interestelar, como já foi dito, é enriquecida, e tal enriquecimento é resultado do processo evolutivo constante pelo qual as estrelas passam. Assim como nós, as estrelas nascem, vivem e morrem, produzindo ao longo de sua existência elementos químicos em Fig. 3: A Via Láctea, galáxia que abriga o Sistema Solar. Nessa imagem as regiões escuras são compostas principalmente por grãos de poeira, mas também contém gás, ambos componentes do meio interestelar. Credit & Copyright: Larry Landolfi seus interiores através de reações termonucleares. De fato, a Terra e o Sol, possuem elementos que foram processados nos interiores estelares, ou seja, matéria reciclada, produzida por gerações de estrelas anteriores ao nosso Sistema Solar. Na medida em que as estrelas “envelhecem” esses elementos são lançados para o meio interestelar, através dos ventos estelares, enriquecendo-o. Dessa forma, a galáxia como um todo também evolui, já que tal processo evolutivo estelar gera matéria mais rica, favorecendo a formação de novas estrelas com matéria reciclada, as quais repetirão o ciclo, até que se esgote o gás e a poeira do meio interestelar. A Figura 5 mostra uma região mais interna da nebulosa Rosette, na qual estrelas recém-formadas começam a aparecer expulsando o gás e a poeira circundante. Essa região é considerada uma nebulosa de reflexão. Figura 4: Galáxia espiral M83 – muito parecida com a Via Láctea. Nos braços espirais dessa galáxia concentra-se o meio interestelar, à semelhança do que ocorre em nossa própria galáxia. Image Credit: Nasa, ESA, Hubble Heritage Team (STScI/Aura), and W. P. Blair (JHU) et al. 63 Figura 5: No coração da Nebulosa Rosette. Em seu centro, podemos ver um aglomerado estelar brilhante (aglomerado aberto) no qual várias estrelas recém-formadas estão iluminando a nebulosa. As partículas de poeira (grãos) localizadas principalmente nas regiões mais escuras absorvem, mas também espalham essa luz. A nebulosa Rosette fica na direção da constelação do Unicórnio (Monoceros) a uma distância de cerca de 4.500 anos-luz daqui. Image Credit & Copyright: Don Goldman 64 A descoberta da existência do meio interestelar O estudo do meio interestelar remonta o Século XVIII, mas foi em 1930 que um pesquisador, Robert Trumpler (1886-1956), apresentou evidências científicas concretas sobre a existência de matéria entre as estrelas que faz com que seja diminuída a percepção da luz emitida pelas mesmas e que chega até nós. Trumpler observando aglomerados estelares numa dada direção do céu percebeu que a energia que essas estrelas emitiam estava reduzida, mais avermelhada do que o esperado. O valor médio calculado por esse astrônomo foi de 0.67 magnitudes por kpc, ou seja, a luz observada aqui na Terra seria diminuída por esse fator. Mas, bem antes, Edmond Halley (1656-1742), mais conhecido por seus estudos relacionados ao cometa Halley, já havia mencionado a possibilidade da existência de matéria interestelar localizada em nuvens escuras atenuando a luz estelar. Outro astrônomo, William Herschel (1738-1822) acreditava que essas regiões escuras seriam buracos no céu e Georg Wilhelm Struve (1793- 1864) elaborou uma teoria sobre o fenômeno de absorção interestelar deduzindo um valor para essa taxa de uma magnitude por kpc. Sabemos hoje que essa extinção é provocada pela existência de material sólido; esses são os grãos de poeira interestelar que podem ter dimensões de grãos de areia ou mesmo maiores. A extinção é na verdade a combinação de dois efeitos causados pela poeira: a absorção e o espalhamento da luz das estrelas. A poeira chega até o meio interestelar na ocorrência de ventos estelares, durante a vida de uma estrela. As estrelas, em seus estágios evolutivos finais ejetam grandes quantidades de matéria que, após seu suficiente afastamento, produz grãos sólidos. A composição química desses grãos será definida pela composição química da estrela que os produziu. Existem dois regimes para definir tal química: ou os grãos serão ricos em carbono ou serão ricos em oxigênio. Uma vez soprados para o meio interestelar tais grãos se arranjarão em nuvens onde serão modificados por vários processos físicos, tais como radiação de estrelas bem quentes (originando nebulosas de reflexão), raios cósmicos, choques com outros grãos etc. Essa metamorfose na poeira cria uma nova classe de grãos, que são os grãos interestelares. Eles podem, também, receber uma ou muitas camadas externas de gelo ou moléculas mais abundantes nas nuvens. Nas nuvens escuras e frias (a exemplo da Cabeça de Cavalo) o efeito de absorção da luz estelar é maior do que em nuvens nas quais existem estrelas que tem uma temperatura muito alta. Nessas nuvens o efeito causado pela poeira será, principalmente, o de espalhar a luz estelar. Essas são as nebulosas de reflexão (Figuras 5 e 6). Figura 6: M78 – Nebulosa de reflexão onde a presença de poeira é evidenciada nas áreas escuras. O espalhamento causado pela poeira é visto nas cores azuis. Essa nebulosa de reflexão também pertence a nuvem molecular de Orion (Figura 7), assim como a nebulosa da Cabeça de Cavalo (Figura 1). Image Credit & Copyright: Ian Sharp 65 Figura 7: Orion – Esse complexo de nuvens escuras, nebulosas de reflexão e regiões de formação estelar, contém muito gás de hidrogênio, estrelas quentes muito jovens, embriões de sistemas planetários e jatos estelares expelindo matéria a altas velocidades. Também conhecida como M42, Orion tem 40 anos-luz de tamanho, localiza-se no mesmo braço espiral que o Sol e está distante de nós por apenas 1.500 anos-luz. Image Credit: R. Villaverde, Hubble Legacy Archive, Nasa 66 Nuvens moleculares Como já foi apresentado, o meio interestelar é composto por diferentes regiões, as nuvens, as quais podem ser escuras e frias (Figura 1), nuvens mais aquecidas que dão origem às nebulosas de reflexão (Figuras 5 e 6) e grandes nuvens moleculares, formando regiões extensas, tais como o complexo de Orion (Figura 7) ou a Nebulosa Trífida (Figura 8). As nu- vens moleculares são regiões extensas nas quais, em geral, há presença das diferentes classes de nuvens citadas nesse texto. São regiões em que a densidade de partículas pode ser bastante alta e a química presente é muito complexa, contendo moléculas com muitos átomos. As moléculas interestelares vão desde as mais simples moléculas diatômicas como CO, CN e OH até complexas estruturas como CH3 ou mesmo CH3CH2CHO, por exemplo. Até agora 130 espécies moleculares já foram observadas. Outra característica importante é que a formação estelar ocorre exclusivamente dentro de nuvens moleculares. Isso é uma consequência natural da combinação entre baixas temperaturas e altas densidades. Além disso, as regiões de formação estelar produzirão não somente uma, mas várias gerações de estrelas. O complexo de Orion, como é chamada essa vasta região do meio interestelar contendo diversas nebulosas escuras, nuvens de reflexão e também regiões de formação estelar, é um bom exemplo de nuvem molecular gigante. Orion abriga o famoso aglomerado aberto conhecido como Trapézio e várias outras regiões de formação estelar. Nessas regiões foram observados inúmeros “proplyds”, que são embriões de discos que formarão sistemas planetários. Orion fica na direção das Três Marias e pode ser vista a olho nu em regiões afastadas da luminosidade das grandes cidades. As nuvens moleculares são objetos transientes e viverão cerca de 100.000 anos ou um pouco mais. De fato, em poucos milhões de anos muito da poeira existente em Orion será destruída para que novas gerações de estrelas sejam formadas ou simplesmente dispersada no meio interestelar da galáxia. Com o passar do tempo se aglutinará novamente, dessa vez em outra nuvem, recomeçando o processo. As nuvens moleculares tem um papel importante na história das galáxias como um todo. A formação de estrelas com muita massa fornece uma das principais fontes de energia do meio interestelar, destruindo as nuvens nas quais foram formadas, reciclando a matéria e devolvendo-a ao meio. O entendimento do ciclo de vida das nuvens moleculares e do meio interestelar como um todo é fundamental não somente para entender como as estrelas e planetas se formam, mas também entender a dinâmica e evolução da própria galáxia. Figura 8: Nebulosa Trifida: Também conhecida como M20 essa nebulosa pode ser vista com binóculos na direção da constelação de Sagitário. O processo de formação estelar origina as belas cores, onde o vermelho resulta da interação entre a radiação estelar e o gás composto principalmente por hidrogênio. As faixas escuras são regiões nas quais se encontra a poeira produzida por estrelas em seus estágios evolutivos finais. A distância dessa nebulosa ainda permanece imprecisa, mas ela deve estar a cerca de 3.000 anos-luz e seu tamanho é de 50 anos-luz. Credit & Copyright: Adam Block, Mt. Lemmon SkyCenter, U. Arizona 67 68 Telescópios são os nossos olhos para o universo. Os avanços tecnológicos, criando “olhos” cada vez melhores e mais potentes, nos permitem descobrir novos segredos cósmicos. Se hoje observamos novos fenômenos, misteriosos talvez, em breve conheceremos melhor como se formam e evoluem os astros desde o Big Bang até o presente. Os próximos anos são promissores para aqueles que desejam se aventurar na Astronomia, com a expectativa de uma revolução técnica e científica. Eu, pessoalmente, me sinto um felizardo e um privilegiado por receber um salário para ser um astrônomo nesse ambiente. E o que eu faço exatamente? Eu estudo a história do universo. Telescópios: Observando a história do Universo Thiago Signorini Gonçalves Professor-adjunto do Observatório do Valongo da UFRJ Doutor em Astrofísica pelo California Institute of Technology Pós-doutor em Astrofísica Extragaláctica pela UFRJ ([email protected]) “O que você faz, exatamente?” F equentemente, quando digo a alguém que sou um astrônomo, escuto essa pergunta. A Astronomia parece exercer um fascínio natural sobre as pessoas, despertando a curiosidade inata que todos temos sobre a origem do Universo. No entanto, muitos não entendem muito bem o que um astrônomo faz em seu dia a dia. Por exemplo: muita gente pensa que passamos todas as noites com o olho grudado em um telescópio observando as estrelas. Bom, são dois enganos: primeiro, não são todas as noites; e, segundo, não grudamos o olho em nada. Não são todas as noites porque telescópios são instrumentos caros e concorridos. Em alguns casos, um único telescópio pode custar mais de um bilhão de dólares! Assim, não é cada astrônomo que tem acesso ao seu próprio observatório, mas são universidades e países que se unem para financiar a construção de um único telescópio. Cada pesquisador tem acesso a algumas noites por ano, no máximo, para realizar seu trabalho – o resto do tempo é gasto analisando os dados e calculando modelos físicos e matemáticos. Felizmente, isso é mais que suficiente: os instrumentos hoje em dia são tão avançados tecnologicamente, que isso já basta para descobrirmos os segredos do Universo um pouquinho de cada vez. A visão clássica do astrônomo olhando pelo telescópio tampouco corresponde à realidade. Há muito tempo não trabalhamos dessa forma, porque um desenho feito à mão não é um registro confiável do que foi observado. Além disso, nosso olho não é particularmente sensível à luz. Para resolver o problema, durante a maior parte do Século 69 XX foram utilizadas placas fotográficas para guardar a informação. Hoje em dia, entretanto, usamos CCD (do inglês charge-coupled device ou dispositivo de carga acoplada), similares aos que podem ser encontrados em câmeras digitais e smartphones. Esses detectores eletrônicos são muito mais sensíveis e permitem uma análise digital de nossos dados usando computadores. É a tecnologia a serviço da ciência. Um Abraçaço Dei um laço no espaço Pra pegar um pedaço Do universo que podemos ver Com nossos olhos nus Nossas lentes azuis Nossos computadores luz (Caetano Veloso) 70 Apontando para o vazio Okay, nós temos os recursos, mas o que fazer agora? O que queremos ver? Essencialmente, tudo que está fora da Terra é objeto de estudo dos astrônomos. O próprio nome indica: Astrofísica é o estudo da física dos astros. Queremos entender como se formam e evoluem os objetos que vemos no espaço, desde planetas em nosso Sistema Solar, passando por estrelas e galáxias além da nossa Via Láctea. Estudamos até mesmo a formação do Universo desde o Big Bang. Temos então uma ciência que engloba escalas desde minutos-luz (a distância percorrida por um feixe de luz em alguns minutos), como por exemplo o Sol, até bilhões de anos-luz. Para saber mais sobre cada área da Astronomia, basta ler - ou reler - os outros textos nesta mesma edição do Astronomia para Poetas! Nesse sentido, a Astronomia difere fundamentalmente de outras ciências no aspecto experimental. Outros cientistas como biólogos e físicos podem realizar suas pesquisas em um laboratório, em condições controladas; podem mexer e alterar seus experimentos como lhes parecer conveniente. Nossos objetos de estudo, por outro lado, estão além de nosso alcance, e tudo que podemos fazer é observá-los. Daí a importância de construir telescópios cada vez mais potentes. É interessante notar também o efeito da velocidade da luz finita sobre nossa pesquisa. Lembrem-se de que a luz de uma estrela ou galáxia leva um determinado tempo para chegar até nós. Assim, quanto mais longe o objeto, mais longa foi a viagem do feixe de luz que observamos, indicando que estamos vendo algo que aconteceu há mais tempo no passado. Em casos extremos, vemos galáxias cuja luz levou mais de 13 bilhões de anos para chegar até nós. Como a idade do universo é um pouco menos de 14 bilhões de anos, estamos vendo algo que se formou “pouco tempo” depois do Big Bang. Se observar a evolução de um determinado objeto é quase impossível, já que esses processos levam milhões ou bilhões de anos para acontecer, ainda assim podemos inferir a evolução de estrelas e galáxias observando várias delas com diferentes idades, e até mesmo ver o Universo evoluindo através do tempo observando camadas de distâncias diferentes. É nossa maneira de observar a história do Universo. No meio do caminho, havia o ar Infelizmente, há muitas dificuldades técnicas que devemos enfrentar. Uma das principais é nossa atmosfera. Imaginem que estão no fundo de uma piscina olhando para alguém que está fora d’água. Nossa atmosfera tem um efeito semelhante: as imagens são um pouco borradas, o que atrapalha bastante. A solução mais óbvia – e cara – para o problema é simplesmente colocar telescópios no espaço. O pioneiro foi o Hubble, que gerou imagens famosas e com uma resolução fantástica, possibilitando um salto em nosso entendimento sobre diversos tipos de objetos, desde a formação de planetas ao redor de outras estrelas até a evolução das primeiras galáxias do universo. Mas isso é algo recente, e ainda custoso. A solução tradicional é construir observatórios no topo de montanhas, com uma camada menor de ar e menos umidade para atrapalhar as observações. É uma pena que, nesse caso, a resolução da imagem seja ditada pela qualidade da atmosfera, e não pelo tamanho do telescópio. Alguém poderia então perguntar: qual é a vantagem de construir telescópios cada vez maiores? Não estamos vendo mais detalhes em nossas imagens! Sim, isso é verdade, mas em contrapartida há uma vantagem grande: a sensibilidade. Imaginem a seguinte situação: coloquemos um balde na rua em um dia chuvoso. Se o balde for maior, acumulará mais água enquanto a chuva continuar. Os telescópios maiores, da mesma forma, acumulam mais luz, o que nos permite observar objetos menos brilhantes. Essa é a única forma de observar as galáxias mais distantes, e somente assim podemos esperar entender como o Universo evoluiu desde seu princípio. Os astrônomos também estão constantemente buscando novas técnicas observacionais, de modo a impulsionar a Ciência cada vez mais. Um bom exemplo de um avanço recente é a óptica adaptativa, que corrige as imperfeições causadas pela atmosfera. Analisando o brilho de Figura 1: Comparação de imagens de uma galáxia obtidas com um telescópio na superfície terrestre (esquerda) com o que podemos observar com o telescópio espacial Hubble (direita). Figura 2: Telescópios no topo do vulcão Mauna Kea, no Havaí. Créditos: Alan L 71 Figura 3: Telescópios Keck, no Havaí, utilizando a técnica de óptica adaptativa com lasers para observar o centro de nossa galáxia, a Via Láctea (visível no campo superior esquerdo da imagem). uma estrela – ou até mesmo de um laser apontado para o céu – podemos determinar como a atmosfera está afetando nossas observações. Um computador analisa as imagens e controla a deformação de um espelho para compensar essas distorções – são 60 deformações por minuto! Dessa forma, podemos observar detalhes pequenos, e se pudéssemos fazer o mesmo apontando para a Terra ao invés do céu, seria possível ver se a moeda que alguém está segurando a 100 km de distância é de 10 ou de 25 centavos. Figura 4: Projeto do E-ELT. Note o tamanho de carros (esquerda) e pessoas (direita) quando comparados ao tamanho esperado do telescópio. 72 Uma nova geração Atualmente, os maiores telescópios do mundo têm espelhos de 10 metros de diâmetro. Isso já é impressionante; pensem que, para obter a qualidade de imagem necessária, as imperfeições na superfície do espelho devem ser menores que 0,00001 cm. No entanto, queremos sempre ver melhor, mais longe. E para isso telescópios ainda maiores se tornam necessários. Existem três projetos de telescópios gigantes em andamento, com inauguração prevista para aproximadamente 2020. Dois deles serão instalados em um deserto no Chile, enquanto o terceiro será no topo de um vulcão no Havaí. Esses são provavelmente os melhores locais do mundo para observação astronômica, com a presença de vários instrumentos já existentes, devido à excelente combinação de baixa umidade e grandes altitudes. O mais impressionante, provavelmente, é o tamanho dessas máquinas. O menor desses telescópios, chamado Telescópio Magellan Gigante (ou GMT na sigla em inglês), terá um diâmetro de 24 metros. O Telescópio de Trinta Metros (TMT), como o próprio nome indica, terá, bom, 30 metros de diâmetro. E o Telescópio Europeu Extremamente Grande (E-ELT) será um monstro de 39 metros. Caso você esteja imaginando, saiba que os astrônomos não têm mesmo muita criatividade para nomes de telescópios. O consórcio responsável pelo Telescópio Extremamente Grande é o mesmo que criou o Telescópio Muito Grande (ou Very Large Telescope – VLT). Se os nomes não são inspiradores, a Ciência que esperamos na próxima década é. Poderemos estudar as primeiras estrelas da história do Universo. Poderemos medir a quantidade de oxigênio (O) em uma galáxia como a Via Láctea a mais de 10 bilhões de anos-luz de distância. Poderemos analisar as atmosferas de planetas fora de nosso Sistema Solar. Será um grande salto em nosso entendimento do universo. Telescópios são os nossos olhos para o Universo. Os avanços tecnológicos, criando “olhos” cada vez melhores e mais potentes, nos permitem descobrir novos segredos cósmicos. Se hoje observamos novos fenômenos, misteriosos talvez, em breve conheceremos melhor como se formam e evoluem os astros desde o Big Bang até o presente. Os próximos anos são promissores para aqueles que desejam se aventurar na Astronomia, com a expectativa de uma revolução técnica e científica. Eu, pessoalmente, me sinto um felizardo e um privilegiado por receber um salário para ser um astrônomo nesse ambiente. E o que eu faço exatamente? Eu estudo a história do Universo. 73 74 Ventos estelares Wagner Luiz Ferreira Marcolino Professor-adjunto do Observatório do Valongo da UFRJ Doutor em Astronomia pelo Observatório Nacional e pós-doutor pelo Laboratoire d’Astrophysique de Marseille ([email protected]) P or mais estranho que pareça, a maioria das estrelas possui um vento! Nos próximos parágrafos discutiremos essa questão, que certamente poderia inspirar poetas a falarem ainda mais sobre estrelas. Primeiramente, devemos entender ventos estelares não no sentido do vento que estamos acostumados aqui na Terra, fundamental para sobrevivermos durante o verão do Rio de Janeiro. Um vento estelar é na verdade uma perda contínua das partes mais externas de uma estrela. Em outras palavras, um vento estelar é a Figura 1: Aurora: um dos efeitos do vento solar ao atingir a Terra (Crédito: NASA) 75 Figura 2: A cauda azulada dos cometas indica a presença do vento solar (Foto: Hale Bopp em 1995) 76 matéria (o gás; a atmosfera) da própria estrela que é perdida continuamente para o espaço. A definição é simples assim, mas se trata de um fenômeno bastante complexo. De fato, ventos estelares constituem uma área inteira de pesquisa da Astrofísica moderna! Mas vamos devagar, não precisamos de equações complicadas para entender um pouco do assunto. A maioria das estrelas possui um vento, dissemos anteriormente. Então vamos considerar o Sol, a estrela mais próxima de nós! Prestamos atenção quando o Sol vai se pôr, de preferência, e não vemos nenhum vento (de acordo com a definição acima!). Vemos também várias fotos do Sol e não conseguimos identificar nenhum vento. Como então observar o vento do Sol? Ele existe mesmo? O chamado vento solar existe e esse é, na verdade, monitorado diariamente (veja, por exemplo: http://www.swpc.noaa.gov/SWN/index. html). O que acontece é que o vento solar (i.e., o gás perdido continuamente) não é tão intenso a ponto de ser percebido de maneira direta, à olho nu. Ele pode ser observado mais facilmente através de satélites. Mas não se engane! Apesar de ser relativamente “fraco”, o vento do Sol tem uma enorme influência aqui na Terra e sua existência pode ser aferida por nós de diferentes maneiras. Ocasionalmente, o vento solar pode sofrer variações bruscas. Ao chegar na Terra com mais intensidade, por exemplo, pode provocar danos permanentes em satélites e linhas de transmissão de energia elétrica (causando os chamados “apagões”). Isso já aconteceu e o prejuízo financeiro pode ser eventualmente grande. Tais variações bruscas podem produzir ainda as chamadas auroras (australis e borealis), quando o vento é influenciado pelo campo magnético da Terra e colide com a atmosfera terrestre (Figura 1). Além das auroras, uma outra bela evidência de que o vento do Sol existe é a aparência dos cometas. Duas caudas podem ser vistas em muitas imagens de cometas, como a ilustrada na Figura 2: a cauda de gás (cor azulada) e a de poeira. A cauda de poeira é produzida pela ação da luz do Sol, enquanto a cauda de gás (azulada) é causada principalmente pela colisão com as partículas do vento solar. Com relação ao vento do Sol podemos concluir então: 1) ele existe; 2) ele é monitorado diariamente; 3) ele tem grande influência aqui na Terra e redondezas. No entanto, um outro aspecto deve ser considerado: como o vento solar é o próprio gás do Sol que é perdido para o espaço continuamente, alguém pode afirmar que o Sol está diminuindo sua massa com o tempo! Ou seja, que, de certa forma, o Sol está “emagrecendo”! Sim, isso é verdade! Todavia, essa perda de massa do Sol é bastante pequena, não sendo importante para sua estrutura e fase de vida atual. E o vento de outras estrelas? Apesar de seus efeitos, o vento solar está longe de ser intenso se comparado a outros tipos de ventos. Como sabemos, existem diferentes tipos de estrelas: diferentes tamanhos, massas, luminosidades e temperaturas (veja a Figura 3). A partir da década de 1960, medimos (indiretamente) ventos de até um bilhão de vezes mais intensos do que o vento solar. Se pudéssemos nos aproximar de um objeto desses não conseguiríamos nem mesmo enxergar direito o que seria a “superfície” da estrela, devido à intensidade do vento. Nesse sentido, a analogia com uma tempestade de areia em um deserto aqui na Terra pode ajudar um pouco. A nossa visibilidade é muito prejudicada se a tempestade de areia for severa. Se for moderada, ainda assim enxergamos coisas em uma certa distância. Com as estrelas temos algo parecido: se o vento é muito “forte”, não conseguimos “enxergar” a superfície. Se for relativamente fraco, como no caso do Sol, podemos identificar a superfície e, então, fica mais fácil definir seu tamanho, um raio. É interessante notar que estrelas com ventos intensos “emagrecem” muito rapidamente! E, ao contrário do Sol, essa perda de massa pode mudar significativamente o futuro de uma estrela, alterando suas propriedades químicas e físicas. Hoje, podemos dizer que no estudo da estrutura e da evolução das estrelas é fundamental considerar a existência dos ventos. Isso não era feito algumas décadas atrás e, por isso, não conseguíamos entender diferentes fenômenos observados. Não conseguíamos explicar nem mesmo a existência de certos tipos de estrelas! Vale ressaltar que não é apenas a quantidade de gás perdida em um vento estelar que é importante, mas também a sua velocida- Figura 3: Os principais tipos de estrelas observados no Universo. Nessa figura, as maiores (O e B) são as mais raras e possuem os ventos mais intensos. O Sol é uma modesta estrela do tipo G. 77 Figura 4: Colisão de ventos estelares (Impressão artística. Crédito: NASA/C.Reed) 78 de. A velocidade do vento solar é de algumas centenas de quilômetros por segundo (km/s). Em certas estrelas, em algumas supergigantes, por exemplo, temos ventos de milhares de km/s! Atenção: milhares de quilômetros por segundo e não de quilômetros por hora (km/h)! Tendo em vista essa característica, é importante lembrar um fato muito interessante observado na Natureza: a maioria das estrelas se encontra em um sistema binário ou múltiplo, ao invés de serem encontradas isoladas. Portanto, se por acaso ambas estrelas de um sistema binário possuem um vento intenso (p.e. estrelas do tipo O; Figura 3), teremos colisão de ventos! Choques supersônicos com velocidades de milhares de km/s produzem vários efeitos observáveis interessantes, como por exemplo, uma forte emissão de raios X. Esse fenômeno (veja ilustração na Figura 4) é estudado também através de simulações sofisticadas em computadores, o que é fundamental para termos uma ideia melhor de como as estrelas do sistema binário evoluirão. Os ventos estelares podem ter uma enorme influência na “vizinhança”, ou seja, no meio interestelar e, de uma maneira mais ampla, nas galáxias. Lembramos que o vento é o gás da própria estrela que é perdido. Portanto, pode levar elementos químicos presentes na mesma, alterando a composição química do ambiente. Além disso, os ventos podem depositar sua energia cinética ao redor, por exemplo, através de choques com nuvens de gás próximas. Atualmente existem diversas imagens feitas por telescópios que demonstram esse tipo de fenômeno (veja o exemplo disso na Figura 5). Até aqui falamos basicamente da existência, das características e dos efeitos dos ventos. Mas o que produz um vento estelar? O que faz com que a matéria nas partes mais externas de uma estrela se perca para o espaço? Para responder tais perguntas devemos investigar o que faz com que o campo gravitacional da estrela seja vencido para que o gás consiga escapar para o espaço. Ou seja, qual força (ou forças) atua(m) em oposição à gravidade da estrela para conseguir empurrar o material de maneira contínua para o espaço, mantendo um “vento”. Isto é papo para outra hora, mas podemos dizer que apesar de boas respostas em alguns casos, várias questões permanecem em aberto para certos tipos de estrelas. Para finalizar, de um ponto de vista científico, enfatizamos que atualmente não podemos estudar as propriedades físicas e químicas, a origem e a evolução de certas estrelas sem considerar seus ventos! De maneira mais poética, no entanto, podemos dizer que as estrelas não somente brilham bastante, mas parecem gostar de lançar um pouco de si mesmas ao redor, deixando o Universo mais misturado, menos vazio! Quem diria... Ventos das estrelas! Figura 5: A nebulosa da bolha (NGC 7635) – Esta nebulosa se encontra a cerca de 7100 anos-luz da Terra. A região em azul é criada pela ação do vento de uma estrela massiva que pode ser vista na imagem (objeto mais brilhante). Este vento possui uma velocidade de cerca de 2000 km/s (ou 7 200 000 km/h) e colide com o gás circundante (Crédito: NASA) 79 Este impresso foi composto em: Tw Cent (títulos), Chiller (títulos), Optima ( corpo de textos), com capa em Duo Design 250g e miolo em off set 120g. Produzido pelo Observatório do Valongo/UFRJ e pela Coordenadoria de Comunicação da UFRJ em novembro de 2014.