754 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO VIGÉSIMA SÉTIMA CÂMARA CÍVEL CONSUMIDOR APELAÇÃO Nº 0211325-68.2009.8.19.0001 JUÍZO DE ORIGEM: CAPITAL 50ª VARA CIVEL JUIZ PROLATOR DA SENTENÇA: LUIZ UMPIERRE DE MELLO SERRA APELANTES: EDVALCIO NUNES, OPERADORA UNIESTE DE PLANOS DE SAÚDE LTDA e INSTITUIÇÃO ADVENTISTA ESTE BRASILEIRA DE PREVENÇÃO E ASSISTÊNCIA À SAÚDE. APELADO: ELSE CARVALHO CORREA RELATORA: JDS DESEMBARGADORA MARIA AGLAÉ TEDESCO VILARDO Apelação Cível. Ação indenizatória. Cirurgia de catarata com perfuração do bulbo ocular. Prova pericial indica o fato ter sido causado por ato do anestesiologista. Hemorragia. Perda da visão. Dano estético. Ausência de responsabilidade subjetiva do médico oftalmologista. Ausência de solidariedade deste com o anestesiologista. Especialidades médicas autônomas. Plano de saúde e Hospital com responsabilidade objetiva. Precedentes desta Corte e do STJ. Danos estéticos e morais fixados em R$50.000,00. DÁ-SE PROVIMENTO ao recurso do médico oftalmologista e NEGA-SE PROVIMENTO aos recursos do plano de saúde e Hospital, mantendo-se a condenação no valor fixado para ambos. ACÓRDÃO Vistos, discutidos e relatados estes autos da Apelação Cível nº 0211325-68.2009.8.19.0001, em que figura como apelantes MARIA AGLAE TEDESCO VILARDO:000016608 Assinado em 14/03/2016 12:02:20 Local: GAB. JDS. DES. MARIA AGLAE TEDESCO VILARDO 755 EDVALCIO NUNES, OPERADORA UNIESTE DE PLANOS DE SAÚDE LTDA e INSTITUIÇÃO ADVENTISTA ESTE BRASILEIRA DE PREVENÇÃO E ASSISTÊNCIA À SAÚDE e apelado ELSE CARVALHO CORREA. ACORDAM os Desembargadores que integram a 27ª Câmara Cível Especializada do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade de votos, em DAR PROVIMENTO ao recurso do médico oftalmologista e NEGAR PROVIMENTO aos recursos do plano de saúde e Hospital, mantendo-se a condenação no valor fixado para ambos, nos termos do voto da Des. Relatora. RELATÓRIO Tempestividade dos recursos adequada. Custas corretas. Na forma do permissivo regimental, adoto o relatório do juízo sentenciante, assim redigido: “Trata-se de ação INDENIZATÓRIA, proposta por ELSE CARVALHO CORREA, em face de INSTITUIÇÃO ADVENTISTA ESTE BRAS. DE PREV. E ASS. A SAÚDE, de EDVALCIO NUNES e GARANTIA DE SAÚDE - OPERADORA UNIESTE DE PLANOS DE SAÚDE S/C LTDA., no intuito de obter indenização por responsabilidade civil em danos morais e materiais decorrentes de lesão corporal sofrida em procedimento cirúrgico. Alega, em síntese, que se submeteu a tratamento cirúrgico em 27/11/2008 para resolver doença de catarata em seu olho esquerdo. Contudo, em razão de perfuração bulbar com hemorragia vítrea e descolamento total da retina em funil semi-aberto com vitreorretinopatia proliferativa, sucedeu perda de visão total do olho em tratamento. Assevera que não firmou termo de consentimento informado. Sustenta a responsabilidade médica solidária nos termos do Código Civil. Requer a procedência do pedido para que os réus sejam solidariamente condenados ao pagamento de danos materiais e de indenização por danos estéticos e morais. [...] Em contestação, o réu EDVALCIO NUNES 756 argui preliminarmente a ilegitimidade passiva. Questão já enfrentada e superada, conforme decisão às fls. 375. Alega no mérito que não possui qualquer relação com os acontecimentos, afastando sua responsabilidade. Contesta que a autora, além de catarata, já sofria de grave doença, a saber, glaucoma em estado avançado. Após algumas consultas e com a piora da qualidade de visão da paciente, recomendou o procedimento cirúrgico para tratamento da catarata. Informa que ´no momento da cirurgia não foi percebido alteração do reflexo do fundo do olho...´ (SIC), fls. 149. Em 28/11/2008, dia seguinte à cirurgia, descreve que o olho apresentava ´forma excelente´, fls. 150. No entanto, prossegue, ´ao exame de fundo de olho foi percebido intensa turvação em câmara vítrea, de cor avermelhada, sugerindo a ocorrência de sangue´ (SIC), fls. 150. Com tal diagnóstico, encaminhou a paciente para um especialista em retina, credenciado pelo hospital réu (retinólogo) para intervenção imediata. Essa segunda profissional apontou ocorrência de perfuração bulbar e também recomendou uma nova cirurgia para resolver o quadro clínico decorrente. Redargui que, após tais acontecimentos, a autora deixou de procurá-lo em seu consultório. No mérito, aduz que não há configuração de culpa, que não há nexo causal entre sua conduta e o resultado, que a deficiência visual originou-se no descumprimento pela paciente da recomendação médica para o segundo procedimento cirúrgico imediato na retina. Rechaça a verificação de erro médico, qualificando a perfuração ocular como ´complicação´, fls. 168. Ainda, argumento que a obrigação médica tem natureza de meio e não de resultado, não sendo possível a garantia da cura do paciente, mas sim a oferta das melhores técnicas possíveis e disponíveis. Por fim, infere que eventual responsabilidade cabe ao anestesiologista e não ao cirurgião, que, segundo sua tese, não está na causa de pedir da autora, pelo que conclui a impossibilidade de ser obrigado a ressarcir o dano. Requer a improcedência total dos pedidos. A ré INSTITUIÇÃO ADVENTISTA ESTE BRASILEIRA DE PREVENÇÃO E ASSISTÊNCIA À SAÚDE - HOSPITAL ADVENTISTA SILVESTRE contesta, por sua vez, também em preliminar, sua legitimidade passiva. Afirma que não tem relação com os fatos e que, embora arrende seu espaço para o médico-réu, não mantém vínculo jurídico com as partes e que não houve falha no que toca ao seu serviço. Reitere-se: questão já enfrentada e superada, conforme decisão às fls. 375. Repete, linhas gerais, as afirmações fáticas do réu Edvalcio Nunes, 757 lembrando a gravidade da enfermidade que já acometia a autora. No mérito, sustenta que a hemorragia foi intercorrente e que não foi ´visualizada durante o ato cirúrgico´, fls. 246. Atribui como causas da perda da visão a protelação do tratamento de catarata e do segundo procedimento necessário na retina pela autora. Reforça a possibilidade de o dano ter sido gerado por ato do anestesista e que não haveria responsabilidade profissional, uma vez que se cuidaria de hipótese de risco inerente, na forma do Código de Defesa do Consumidor. Por fim, argumenta que após a constatação da hemorragia, a conduta médica foi adequada e, por esse motivo, inexistem danos materiais ou morais. Requer a improcedência total dos pedidos da autora. A ré OPERADORA UNIESTE DE PLANOS DE SAÚDE LTDA. contesta, igualmente, em preliminar, sua legitimidade passiva. Questão já enfrentada e superada, conforme decisão às fls. 375. Nos fatos, repete a sequência dos acontecimentos já conhecidos, narrando que ´o médico obrou dentro dos princípios que regem a boa medicina, não se configurando qualquer das hipóteses que resultam em responsabilização´, fls. 322. Quanto ao mérito, afasta a incidência de culpa em todos os seus possíveis elementos. Comenta que eventuais intercorrências no atendimento médico são indesejáveis, mas não impõem responsabilidade, se houve conformidade com as regras técnicas da ciência médica. Com efeito, aponta o risco inerente da atividade. Requer, assim, a improcedência total dos pedidos da autora. Réplica às fls. 351/353. A sentença de i- 633 decidiu a lide nos seguintes termos: Diante do exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos autorais para extinguir o processo com resolução do mérito, consoante o artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil, e CONDENAR solidariamente os réus ao pagamento de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) a título de verbas de danos estéticos e morais em favor da autora, acrescido juros legais a contar desde o evento danoso e correção monetária de acordo com a Súmula 362 STJ. Condeno, ainda, os réus, solidariamente a reembolsarem a parte autora todas as despesas médicas que comprovadamente suportou a contar de 27/11/2008, acrescido de juros legais e correção monetária a contar do desembolso. CONDENO-OS ainda ao pagamento de honorários de sucumbência, que fixo em 10% (dez por cento) do valor da condenação. Não sendo 758 interposto recurso de efeito suspensivo, efetue o devedor o pagamento, no prazo de quinze dias, sob pena de incidência de multa de dez por cento sobre o valor da condenação, consoante o artigo 475-J do Código de Processo Civil. A sentença foi justificada como segue: Em casos como o presente, cujo grau de complexidade de aferição é elevado, a prova pericial ganha peso ainda mais proeminente do que o comum. O Sr. Perito informa ao juízo em seu Laudo de Exame Médico Pericial, principalmente, que não há comprovação de que a autora tenha sido devidamente informada a respeito dos riscos derivados do procedimento levado a efeito; que a cirurgia apresentou ´resultado anatômico não passível de críticas´, fls. 404; que a condição de perda de visão da autora deveu-se à hemorragia intraocular, em primeiro lugar, e à protelação no tratamento dessa; que a hemorragia em questão ocorreu ´provavelmente durante o ato cirúrgico´, fls. 402 e que considera ´como mais plausível a perfuração do bulbo ocular quando do procedimento anestésico´, fls. 403. Complementarmente, foram produzidas provas a partir da oitiva das partes. Destaque-se o Termo de Depoimento Pessoal às fls. 498/500. Em particular, volte-se atenção para o seguinte trecho no tópico de respostas do réu Dr. Edválcio Nunes dos Santos ao advogado da autora, em que assume que: ´não identificou hemorragia no momento do ato cirúrgico; que mesmo se tivesse identificado não teria como sanar e encaminharia a paciente a um especialista em retina´, fls. 500. O ponto é que o médico-cirurgião, responsável pelo procedimento, não percebeu a denominada perfuração bulbar e a consequente hemorragia. A questão não reside no efeito colateral do deslocamento da retina - passível de ocorrência, ainda que rara, na cirurgia em causa. O fato é que houve a perfuração e desta se originou o deslocamento. Tal perfuração passou despercebida pelo médico. A despeito de não ser especialista em retina, é razoável se esperar que um médico-oftalmologista, experiente, cirurgião (responsável, como ele mesmo informa em seu depoimento, por aproximadamente 40 operações por mês), cauteloso, consciencioso de suas obrigações, conforme sustentado ao longo de todo este processo, é de se esperar, reitere-se, que seja capaz de identificar uma perfuração e hemorragia subsequente, ocorridas durante um ato de seu manejo e dentro da área corporal em que atua (oftalmologia). 759 Ainda que estivesse em substituição a chamada lente orgânica, não é crível que um profissional gabaritado, habilitado na especialidade oftalmológica possa deixar de perceber uma lesão de tamanha magnitude, intensidade e proporção. Lesão confirmada no Laudo Pericial. Isso porque em não sendo capaz de percebêla, incorre em imperícia. Ou seja, na carência de preparo específico, conhecimento técnico para o exercício da atividade ou do ofício. Por outro lado, em sendo capaz e não tomando providências no sentido do acertamento do ato cirúrgico imediatamente (por exemplo, convocação urgente de outro médico de outra especialidade para cessar os efeitos do dano), isto é, durante o seu curso - e não após -, incorre em negligência e/ou imprudência. A perfuração foi confirmada. A hemorragia foi confirmada. Inclusive pelos réus em suas peças. Isso leva a concluir que o médico não foi capaz de observá-las, o que se demonstra inaceitável à luz do Direito. É preciso destacar o dever de cuidado do profissional da medicina nesses casos. Ressalte-se que em nenhum momento nestes autos, nem mesmo no laudo pericial é afirmado pelo réu que seria impossível a identificação do dano, mas este afirma não ter identificado, o que é bastante distinto. Com agressiva clareza caberia ao profissional médico o dever de identificar o episódio que decorreu por má execução do procedimento cirúrgico/anestesia segundo se depreende de todo acervo probatório juntado. Ao não cumprir o seu dever, nasce a responsabilidade, tanto por força dos artigos 927 e 951, do Código Civil, como do art. 14 §4º, do Código de Defesa do Consumidor. Responsabilidade tal, atinente a todos os réus solidariamente. Pela sua posição jurídica na relação e por sua culpa, a lei determina que o réu responda pelos danos. O réu permitiu e concorreu para a efetivação da lesão. Ele não a evitou quando deveria fazê-lo. Surge presente o dever de reparação. Apelam todos os réus. O médico oftalmologista sustenta a sua responsabilidade condicionada a obrigação de meio e não de resultado, a prestação dos corretos procedimentos, conforme laudo pericial, e que os danos experimentados pela autora decorrem de intercorrência, e não erro médico. 760 A UNIESTE também defende a escorreita conduta do médico, antes, durante e após o procedimento e aponta a responsabilidade da própria autora por não ter seguido as orientações do profissional após a cirurgia. Na mesma linha as razões da instituição hospitalar, sustentando que a perícia não indica fosse possível identificar a hemorragia durante o procedimento, ou que a correção pudesse ocorrer ao longo deste. Contrarrazões privilegiando a sentença. É o relatório. Passo a votar. Cuida-se de ação indenizatória em que a autora, na época dos fatos estava com 72 anos e atualmente com 78 anos, submeteu-se a cirurgia para correção de catarata no olho esquerdo tendo ocorrido perfuração de seu bulbo ocular desencadeando hemorragia que levou à perda da visão. Afirma que o erro foi do médico cirurgião oftalmológico Edvalcio Nunes. Requer indenização por danos materiais, estéticos e morais em face do médico, da operadora e do plano de saúde a que estava conveniada – UNIESTE - e do Hospital Adventista Silvestre, local onde ocorreu a cirurgia e o alegado dano. A sentença julgou procedente o pedido indenizatório, condenando solidariamente os réus ao pagamento de R$ 50.000,00 a título de danos estéticos e morais. O juiz justificou a decisão afirmando que ocorreu imperícia por parte do médico ao deixar de perceber a lesão que ocasionou a hemorragia e que não há no laudo pericial a impossibilidade de identificação do dano durante o ato cirúrgico e caberia ao profissional especializado identificar o episódio que decorreu da execução do procedimento cirúrgico/anestesia. As apelações apresentaram os argumentos a seguir. O médico oftalmologista sustenta a sua responsabilidade condicionada a obrigação de meio e não de resultado, a prestação dos corretos procedimentos, conforme laudo pericial, e que os danos experimentados pela autora decorrem de intercorrência, e não de erro médico. A UNIESTE defende a escorreita conduta do médico, antes, durante e após o procedimento e aponta a responsabilidade da 761 própria autora por não ter seguido as orientações do profissional após a cirurgia. Na mesma linha as razões da instituição hospitalar, sustentando – ainda – que a perícia não indica que fosse possível identificar a hemorragia durante o procedimento, ou que a correção pudesse ocorrer ao longo deste. A responsabilidade civil dos três réus deve ser analisada à luz dos artigos 927 e seguintes do Código Civil, bem como das normas do CDC por tratar-se de relação considerada de consumo segundo a doutrina e jurisprudência, não obstante a vedação de comercialização de tratamentos e procedimentos médicos pelo Conselho Federal de Medicina. O CDC, no seu art. 14, afirma que o prestador de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. Neste quadro encontram-se o plano de saúde e o hospital, ambos réus neste processo. Entretanto, com relação ao médico oftalmologista a situação difere. O CDC concede ao médico, não obstante ser considerado prestador de serviço, uma exceção à responsabilidade objetiva estabelecida, pois concede ao profissional liberal a apuração mediante verificação de culpa, conforme § 4º do art.14. Para configurar a obrigação de indenizar deve ser verificado se ocorreu o dano e se o ato praticado possui nexo de causalidade com o dano. Para a responsabilidade objetiva não há que se perquirir sobre culpa, o que alcança o plano de saúde e o hospital. Na responsabilidade subjetiva, aplicável ao médico oftalmologista, cabe a prova da sua ação culposa. O dano restou evidenciado, pois a autora Else sofreu uma perfuração no bulbo ocular ocasionando hemorragia e deslocamento de retina. É certo que a cirurgia de catarata tinha como propósito colocar uma lente especial e que isso foi realizado, todavia não é um risco esperado a ocorrência de uma lesão no bulbo ocular. Confirmada a existência do dano pelas provas dos autos, cabível buscar a relação do ato cirúrgico com o dano ocorrido, o nexo causal entre ambos. A produção probatória não deixa dúvida que o 762 dano decorreu do ato cirúrgico. A prova pericial explicita que as causas possíveis da lesão ocorrida poderiam ser três: a ruptura espontânea de vaso retiniano, algum trauma, ou a perfuração do bulbo ocular (resposta ao quesito 8 de fl. 359 apresentada no laudo pericial). A conclusão do perito é no sentido de “considerar como mais plausível a perfuração do bulbo ocular quando do procedimento anestésico; pois tal intercorrência é prevista como passível no tipo de bloqueio usado (Peri bulbar).” [fl. 403]. Neste sentido as partes convergem, pois a autora e os réus concordam que a lesão teve origem no procedimento anestésico, como descrito nas petições juntadas. Destaque-se que o anestesiologista não é réu no processo. Pelo exposto é indubitável a ocorrência do dano e o nexo causal com o ato cirúrgico, o que impõe a responsabilidade objetiva de dois dos réus, o plano de saúde e o hospital Adventista, nos termos do art. 14 do CDC. Como determina a lei, o fornecedor de serviços responde independentemente de culpa e deve reparar os danos causados por defeitos relativos à prestação dos serviços. O serviço foi prestado de forma defeituosa por não fornecer a segurança que se podia esperar. Não é um risco que razoavelmente se espera que a anestesia perfure o bulbo ocular do paciente. O plano de saúde organiza a cadeia de fornecimento de serviço solidariamente responsável, conforme art. 34 do CDC. O hospital forneceu o centro cirúrgico e serviços de hotelaria para a realização do mesmo. Com relação ao médico deve-se comprovar sua culpa em razão do defeito do serviço. Esta é uma prerrogativa da pessoa física, do profissional liberal. A prova pericial comprova a intercorrência no ato cirúrgico. Todavia, não por ato do médico oftalmologista ao implantar a lente para melhorar a acuidade visual da autora. Uma perfuração no momento da anestesia lhe causou a perfuração e séria hemorragia ferindo a expectativa legítima de segurança que se podia esperar. Ao médico cabe observar todos os cuidados possíveis para segurança e possível melhoria da saúde do paciente. Nem sempre a melhora do estado de saúde ocorrerá, porém deve ocorrer sempre a preservação e segurança do paciente em não sofrer lesão não 763 prevista para o procedimento. Está claro que a lesão sofrida não foi praticada durante o procedimento do médico oftalmologista na cirurgia de catarata especificamente, mas em momento que a antecedeu, a aplicação do anestésico. Discute-se se o médico que está no comando da equipe cirúrgica é o responsável pelos demais médicos e profissionais necessários ao bom desempenho do evento cirúrgico. Hoje há notória especialização que permite identificar as funções de cada profissional e cada um deve se responsabilizar pelos seus atos. Aquele profissional que der causa ao evento deve se responsabilizar civilmente. A prova pericial é contundente ao afirmar que: “Pelo constante, tal intercorrência não foi percebida pelos profissionais que atuaram no procedimento, vez que a cirurgia era realizada no segmento anterior e a hemorragia ocorreu no segmento posterior do bulbo, de maneira insidiosa, só se tornando visível no pós operatório. Caso o tivessem, a resposta a este quesito seria afirmativa.” (resposta ao quesito 3 de fl. fl. 367 para suspensão da cirurgia logo após ocorrida a perfuração). A ausência de percepção da perfuração do bulbo foi explicada pelo perito como justificável por não ser passível de visibilidade durante o ato cirúrgico. Este é o ponto nodal. Se o médico oftalmologista que operava a paciente não tinha condição de ver a hemorragia, não teria como interromper a cirurgia ou tomar outra providencia. Considere-se ainda que a própria densidade da catarata pode impedir esta visualização. Logo no primeiro curativo o médico percebeu a lesão e encaminhou ao especialista adequado, o retinologista. Portanto, não verifico indícios de que tenha agido com imperícia ou negligencia. Como afirmou o perito “a hemorragia ocorreu no segmento posterior do bulbo de maneira insidiosa, só visível no pós-operatório”. Afasta-se, portanto, a culpa do médico oftalmologista na prática do ato danoso. Discute-se a responsabilização do médico chefe da equipe pelos atos do anestesiologista. Para caracterizar esta responsabilidade deve ser verificado se há solidariedade entre o médico cirurgião e o anestesiologista. A indicação do anestesiologista pelo médico cirurgião e o fim comum na prestação do serviço médico é um 764 argumento utilizado para justificar o estabelecimento de uma relação de comando do médico cirurgião sobre os demais integrantes da equipe. Seguindo este pensamento estaria caracterizada uma cadeia de fornecimento. Ocorre que os profissionais médicos possuem habilidades específicas e autônomas e a indicação de anestesiologista, embora muitas vezes feita pelo médico cirurgião, não deve representar, por si só, a responsabilidade do médico cirurgião. Esse entendimento caracterizaria a aplicação da teoria da equivalência das condições, sem limites para a extensão quanto aos responsáveis pelo dano, conforme esclarece Anderson Schreiber (Novos Paradigmas da Responsabilidade Civil- da erosão dos filtros da reparação à diluição dos danos – 6ª ed. Ed. Atlas, 2015 – ps. 56/63). Esta indefinição quanto à efetiva causa do dano também ocorre na aplicação da teoria da causalidade adequada quando a causa de um evento será aquela mais apta a produzir o dano. Para conferir maior certeza a doutrina buscou na teoria da causalidade eficiente o antecedente que verdadeiramente causou o evento como causa mais eficiente para ocorrência do dano. Todavia, tornou-se dificultosa sua aplicação dada a falta de critérios objetivos. Por fim, a teoria da causalidade direta ou imediata considera como causa o evento vinculado diretamente ao dano, sem que haja interferência de outra condição sucessiva, como expõe Schreiber. É uma teoria da interrupção do nexo causal restringindo-se aos acontecimentos mais próximos do dano. Posteriormente, esta teoria passou a considerar o dever de reparar quando o dano for efeito necessário de determinada causa. Não há uniformização jurisprudencial da aplicação destas teorias, contudo deve o julgador observar a existência de excludentes de causalidade. O CDC ao admitir a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais mediante a verificação e comprovação da culpa segue o princípio do direito civil de que a culpa não se presume. A responsabilidade do profissional liberal, aqui o médico, não pode alcançar a autonomia e habilidade profissional do médico anestesiologista. Reconhecer a solidariedade entre o cirurgião e o anestesiologista seria criar uma presunção de culpabilidade ou estender os limites da causalidade como na teoria da equivalência das 765 condições, de forma ilimitada à responsabilidade pessoal de cada profissional em sua área de atuação. Considerar que profissionais liberais autônomos e altamente especializados se responsabilizem uns pelos atos dos outros implica numa absorção da responsabilidade subjetiva por aspectos da responsabilidade objetiva. Os parâmetros de exigência de comportamento diligente passam a ser demasiadamente elevados. Obrigaria ao profissional liberal monitorar e fiscalizar o trabalho de outro profissional liberal muito além de seus conhecimentos especializados. Seria forte redução da importância do exame da culpa. As consequências para o profissional liberal seriam nefastas, pois ocorreria a ausência de distinção entre a responsabilidade subjetiva e a objetiva em nítida erosão da culpa como filtro de reparação, conforme afirma Schreiber. Essa concepção unitária da cirurgia não pode ser considerada absoluta diante dos avanços da ciência médica e suas especialidades. Observe-se a distinção quando há um cirurgião auxiliar no ato cirúrgico especifico. Entretanto, para o caso do anestesiologista há completa autonomia de sua atuação com relação ao oftalmologista cirurgião. Como ressalta Sergio Cavaliere Filho (Programa de Responsabilidade Civil – 7ªed., ed. Atlas, 2007 – p.364), é preciso apurar o caso concreto a relação jurídica existente entre os diversos profissionais liberais e se atuam como profissionais autônomos devem responder de forma individualizada e a responsabilidade será daquele membro que deu causa ao evento. Com relação ao dever de informar, direito básico do consumidor, embora não haja documento escrito com o consentimento da paciente, restou claro que a mesma buscou a tentativa de melhora de sua acuidade visual ciente de que sua visão estava seriamente reduzida. O laudo pericial demonstra esta grave redução. Acrescentese que a mesma se fez acompanhar em uma das consultas por um sobrinho médico, o que permitiria maior clareza sobre os fatos. A mesma dirigiu-se ao cirurgião com indicação de cirurgia, mas ciente de seu glaucoma avançado e de sua reduzida acuidade visual. Houve, inclusive, um adiamento da realização da cirurgia, após a consulta inicial com o cirurgião. 766 Observe-se pelo documento de i-202 (fl.195) o laudo com a evolução da autora, no qual consta que “sempre viu mal OE” e que relata “não estar vendo bem, não querer operar agora”, em 23/11/2006. Em 1/3/2007 (fl.196) o médico declara no atestado “Indiquei Faco OE para tentar melhorar a AV”. O verbo tentar deixa claro que não havia certeza para a reversão de quadro grave, até porque não se operava o glaucoma, mas a catarata. Pr fim, em 6/3/2008, o medico declara no laudo “ avisei sobre chance da AV não melhorar”. Consta dos autos que a autora compareceu a uma consulta acompanhada de seu sobrinho médico Elcio Carvalho, o que daria maior possibilidade de esclarecer suas dúvidas e entender o que se passava. Depreende-se do depoimento do médico Edivalcio Nunes (i598 fl. 498) que o sobrinho médico da paciente a aconselhou a se operar e esta afirmação não foi refutada pela mesma. Assim, houve a devida informação, inclusive com documentos escritos. Há precedentes deste Tribunal em que não foi declarada a responsabilização do médico após deslocamento de retina em cirurgia de catarata: 0198616-64.2010.8.19.0001 - APELACAO DES. RICARDO RODRIGUES CARDOZO Julgamento: 13/08/2015 - DECIMA QUINTA CAMARA CIVEL INDENIZATÓRIA. ÓBITO NO PÓSOPERATÓRIO. AUSÊNCIA DE CULPA DO CIRURGIÃO. Quatro apelações da sentença que condenou os réus (casa de saúde, médico cirurgião e seguradora de saúde), solidariamente, a pagar indenização por danos morais aos pais e à irmã de paciente falecido após ter sido submetido a artroscopia cirúrgica no ombro direito, bem como pensionamento aos genitores. Nega-se provimento ao agravo retido, vez que os honorários periciais foram homologados em valor adequado ao trabalho desenvolvido. Apelo da 1ª ré (casa de saúde): O conjunto probatório aponta que o paciente não recebeu atendimento adequado no período pós-operatório. Mesmo sem a prescrição para internação em centro de tratamento intensivo, não se mostra minimamente razoável que um paciente em fase pós-operatória permaneça sem a supervisão de 767 um médico por um período de quatro horas. Responsabilidade objetiva da casa de saúde pela falha na prestação do serviço. Apelo do 2º réu (cirurgião): A responsabilidade dos profissionais liberais é subjetiva (art. 14, § 4°, CODECOM). Segundo o laudo pericial, não houve imperícia na técnica cirúrgica do paciente. O óbito seria decorrente de falha do médico anestesista, que determinou que o paciente fosse encaminhado diretamente para o quarto, ao invés de encaminhá-lo para a unidade pós-anestésica, até que estivesse totalmente recuperado dos efeitos da anestesia. Em sede de Embargos de Divergência em Recurso Especial, o e. Superior Tribunal de Justiça fixou o entendimento de que na hipótese de o dano ao paciente decorrer de erro médico do anestesista, este responde individualmente pelo evento, porquanto não há solidariedade decorrente de responsabilidade objetiva entre o cirurgião-chefe e o anestesista. A ausência de nexo causal entre a sua atuação do cirurgião e o óbito do parente dos autores enseja a improcedência da pretensão autoral com relação ao 2º réu. Apelo da 3ª ré (seguradora de saúde): A seguradora de saúde é corresponsável, solidária, por força da má escolha da rede referenciada. Integra a cadeia de consumo. Assume o risco do seu empreendimento. Portanto, também tem o dever de indenizar os autores, solidariamente com a casa de saúde. "O prazo do art. 475-J, do CPC conta-se da ciência do advogado do executado acerca da memória discriminada do cálculo exequendo, apresentada pelo credor em execução definitiva." (Súmula nº 270 TJ/RJ). Apelo dos autores: Quanto ao valor da verba compensatória, tem razão os autores apelantes. Realmente, o valor fixado pelo juiz a quo não se coaduna à dor pela perda de um filho e irmão. Trata-se de dor intensa, das maiores, razão pela qual se impõe a majoração da verba compensatória. Em se tratando de responsabilidade contratual, os juros moratórios incidentes sobre a indenização por danos morais devem fluir a partir da citação, conforme art. 405 do Código Civil, e não a partir do evento danoso, como pretendem os autores. Os juros moratórios incidentes sobre o pensionamento devem ser fixados no percentual de 1% ao mês, por força do disposto no art. 406 do Código Civil. A imposição de constituição de capital garantidor mostra-se necessária diante do que reza o art. 475-Q do Código de Processo Civil. No caso em tela, a obrigação alimentar se protrai no tempo, de forma longa, sendo conveniente a constituição de capital para assegurar o cumprimento da obrigação. 768 Desprovido o recurso da 1ª ré, provido o do 2º réu e providos em parte os recursos da 3ª ré e provido o 4º apelo, dos autores, nos termos do voto do desembargador relator. E a decisão em embargos de divergência do STJ na qual afasta a solidariedade entre o cirurgião e o anestesiologista: “EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RESP Nº 605.435 - RJ (2011/0041422-0) RELATORA:MINISTRA NANCY ANDRIGHR.P/ACÓRDÃO : MINISTRO RAUL ARAÚJO EMENTA EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL.PROCESSUAL CIVIL. CIVIL E CONSUMIDOR. ERRO MÉDICO.RESPONSABILIDADE DOS MÉDICOS CIRURGIÃO EANESTESISTA. CULPA DE PROFISSIONAL LIBERAL (CDC,ART. 14, § 4º).RESPONSABILIDADE PESSOAL E SUBJETIVA.PREDOMINÂNCIA DA AUTONOMIA DO ANESTESISTA, DURANTE A CIRURGIA. SOLIDARIEDADE E RESPONSABILIDADE OBJETIVA AFASTADAS. 1. Não se conhece dos embargos de divergência apresentados pela Clínica, pois: (I) ausente o necessário cotejo analítico entre os acórdãos embargado e paradigma, para fins de comprovação da divergência pretoriana (RISTJ, arts. 255, §§ 1º e 2º, e 266, § 1º); e (II) o dissídio apontado baseia-se em regra técnica de conhecimento dorecurso especial. 2. Comprovado o dissídio pretoriano nos embargos de divergênciaopostos pelo médico cirurgião, devem ser conhecidos. 3. A divergência cinge-se ao reconhecimento, ou afastamento, da responsabilidade solidária e objetiva (CDC, art. 14, caput) do médicocirurgião, chefe da equipe que realiza o ato cirúrgico, por danos causados ao paciente em decorrência de erro médico cometido exclusivamente pelo médico-anestesista. 4. Na Medicina moderna a operação cirúrgica não pode ser compreendida apenas em seu aspecto unitário, pois frequentemente nela interferem múltiplas especialidades médicas. Nesse contexto, normalmente só caberá a responsabilização solidária e objetiva do cirurgião-chefe da equipe médica quando o causador do dano for profissional que atue sob predominante subordinação àquele. 5. No caso de médico anestesista, em razão de sua capacitação especializada e de suas funções específicas durante a cirurgia, age com acentuada autonomia, segundo técnicas médico-científicas que domina e suas convicções e decisões pessoais, assumindo, assim, responsabilidades próprias, segregadas, dentro da equipe médica. Destarte, se o dano ao paciente advém, comprovadamente, de ato praticado pelo anestesista, no exercício de seu mister, este responde individualmente pelo evento. 6. O Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 14, caput, prevê a responsabilidade objetiva aos fornecedores de serviço pelos danos causados ao consumidor em virtude de defeitos na prestação do serviço ou nas informações prestadas - fato do serviço. Todavia, no § 4º do mesmo artigo, excepciona a regra, consagrando a 769 responsabilidade subjetiva dos profissionais liberais. Não há, assim, solidariedade decorrente de responsabilidade objetiva, entre o cirurgiãochefe e o anestesista, por erro médico deste último durante a cirurgia. 7. No caso vertente, com base na análise do contexto fáticoprobatório dos autos, o colendo Tribunal de Justiça afastou a culpa do médico-cirurgião - chefe da equipe -, reconhecendo a culpa exclusiva, com base em imperícia, do anestesista. 8. Embargos de divergência da Clínica não conhecidos. 9. Embargos de divergência do médico cirurgião conhecidos e providos. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Segunda Seção, por unanimidade, não conhecer dos embargos de divergência da Clínica Cirúrgica Debs Ltda e, por maioria, dar provimento aos embargos de divergência de Roberto Debs Bicudo, nos termos do voto do Sr. Ministro Raul Araújo, vencidos parcialmente a Sra. Ministra Relatora e os Srs. Ministros Massami Uyeda, Luis Felipe Salomão e Paulo de Tarso Sanseverino, que negavam provimento aos embargos de divergência de Roberto Debs Bicudo. Votaram com o Sr. Ministro Raul Araújo os Srs. Ministros Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Ricardo Villas Bôas Cueva e Marco Buzzi. Brasília, 14 de setembro de 2011(Data do Julgamento)” (grifo nosso) Pelo exposto, entendo deva ser afastada a responsabilidade do médico oftalmologista e mantida a responsabilidade dos demais réus o plano de saúde e o hospital. Vale ressaltar que o fato de a autora não ter procurado um especialista em retina para nova operação não retira a responsabilidade aqui firmada, pois a lesão e hemorragia já lhe causaram o dano, bem como o deslocamento da retina. Por consequência o dano estético. O fato de estar com a visão reduzida desde antes da cirurgia é representativo para não se fixar uma indenização mais expressiva. O valor fixado em primeiro grau coaduna-se com o dano ocorrido, portanto é mantida a indenização por danos estéticos e morais em R$50.000,00, bem como reembolso das despesas médicas. Voto no sentido de DAR PROVIMENTO ao recurso do médico oftalmologista afastando sua culpa e solidariedade e NEGAR PROVIMENTO aos recursos do plano de saúde e do hospital para manter a condenação nos termos exatos fixados em sentença. 770 Sessão de Julgamento realizada em 09 de março de 2016. Rio de Janeiro, data da assinatura digital. MARIA AGLAÉ TEDESCO VILARDO JDS DESEMBARGADORA RELATORA