NEUROCIÊNCIA E APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA: CONTRIBUIÇÕES PARA O ENSINO DE GENÉTICA Fabio Seidel dos Santos – [email protected] Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR)/Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ensino de Ciência e Tecnologia. Ponta Grossa - Paraná Antonio Carlos de Francisco – [email protected] Ângela Inês Klein – [email protected] Resumo: Este artigo de revisão bibliográfica tem por objetivo associar os conhecimentos neurocientíficos com a teoria da aprendizagem significativa de Ausubel no contexto do ensino de genética. Trata-se de uma proposta de tese de Doutorado em Ensino de Ciência e Tecnologia da Universidade Federal Tecnológica do Paraná (UTFPR) cuja etapa experimental será iniciada a partir de fevereiro de 2015. Realizou-se uma pesquisa em livros, periódicos científicos e demais literaturas pertinentes aos temas em questão. Conclui-se que os conhecimentos neurocientíficos podem ser perfeitamente associados à teoria da aprendizagem significativa, e esta interação, além de possibilitar uma maior compreensão dos processos neurocognitivos envolvidos no ensino-aprendizagem, pode facilitar a aprendizagem significativa de genética. Palavras-chave: Neurociência, Aprendizagem significativa, Ausubel, Ensino de genética. 1. INTRODUÇÃO Aprendizagem é um processo que ocorre quando uma pessoa, em virtude de determinadas experiências, que incluem necessariamente inter-relações com o contexto, produz respostas novas, modifica as existentes, ou quando respostas já existentes são emitidas em relação a aspectos novos do contexto (DEL RIO, 1996). Existem várias teorias da aprendizagem. Entre as principais, podem-se distinguir dois grandes blocos: (1) as teorias associacionistas ou de condicionamento; as quais são compostas por duas correntes: (a) condicionamento clássico e (b) condicionamento operante e (2) as teorias mediacionais; compostas pelas seguintes correntes (a) aprendizagem social; (b) teoria cognitiva 1 e (c) teoria do processamento de informação (PÉREZ-GOMÉZ, 2000). Independentemente da concepção teórica adotada, para a maior parte dos estudiosos, a aprendizagem é um processo que se cumpre no sistema nervoso central, onde são produzidas modificações muitas vezes permanentes que se traduzem em modificações funcionais e comportamentais, as quais permitem uma melhor adaptação do indivíduo no ambiente (ROTTA et al., 2007). Este artigo de revisão bibliográfica efetivou-se por meio de consultas a livros, periódicos científicos e demais literaturas pertinentes ao tema. Seu objetivo principal foi associar os conhecimentos neurocientíficos com a teoria da aprendizagem significativa de Ausubel 2 como proposta de intervenção no ensino de genética. Trata-se de uma proposta de tese de Doutorado em Ensino de Ciência e Tecnologia da Universidade Federal Tecnológica do Paraná (UTFPR) cuja etapa experimental será iniciada a partir de fevereiro de 2015. A associação entre os conhecimentos neurocientíficos com a teoria da aprendizagem significativa é possível na medida em que, conforme ressalta Kandel et al. (2000, p. 1165), a Neurociência atual é a Neurociência Cognitiva, “um misto de conhecimentos da Neurofisiologia, Anatomia, Biologia Desenvolvimentalista, Biologia Celular e Molecular e Psicologia Cognitiva". Seus temas de estudo incluem as funções perceptivas, cognição espacial, audição e música, emoções, imitação, motricidade, linguagem e consciência, além de funções relevantes para o campo do ensino e educação, como inteligência, motivação, criatividade, aprendizagem e memória (GOSWAMI, 2004). 2. REVISÃO DE LITERATURA 2.1 Neurociência Estamos vivendo em plena época do estudo do cérebro e suas relações com o comportamento e cognição. Os diversos avanços tecnológicos promoveram um maior entendimento dos mecanismos neurais subjacentes aos processos cognitivos e comportamentais, e consequentemente aumentaram o interesse dos cientistas e da população em geral pelos assuntos ligados à neurociência. Recentemente, o mundo inteiro prestigiou, durante a cerimônia de abertura da Copa do Mundo no Brasil, um jovem paraplégico portando um exoesqueleto chutar uma bola, pesquisa esta que está sendo desenvolvida no Brasil. Na realidade, este fato é somente mais um dos incríveis avanços da neurociência, mais especificamente da neurotecnologia. As novas teorias neurocientíficas ancoradas no progresso tecnológico estão gerando impacto em diversos campos, ganhando destaque em revistas e congressos da área, e inclusive em manchetes de revistas de divulgação científica de ampla circulação, onde se divulga a descoberta dos mecanismos cerebrais subjacentes ao funcionamento mental, bem como a possibilidade de usar este conhecimento no tratamento de doenças mentais, compreensão do desenvolvimento infantil, prevenção de problemas da velhice, promoção da inteligência e outras faculdades mentais (RUSSO & PONCIANO, 2002). Segundo Ribeiro (2013, p. 7): 1 A teoria cognitiva inclui várias vertentes: a teoria da Gestalt e psicologia fenomenológica (Kofka, Köhler, Whertheimer, Maslow, Rogers), psicologia genético-cognitiva (Piaget, Bruner, Ausubel, Inhelder) e a psicologia genético-dialética (Vygotsky, Luria, Leontiev, Rubinstein, Wallon) (PÉREZ-GOMÉZ, 2000). 2 David Ausubel (1918-2008), médico psiquiatra de formação, dedicou grande parte da sua carreira a psicologia educacional, sendo um célebre representante do cognitivismo. (MOREIRA, 2012). As neurociências fascinam cada vez mais pessoas pela possibilidade de compreensão dos mecanismos das emoções, pensamentos e ações, doenças e loucuras, aprendizado e esquecimento, sonhos e imaginação, fenômenos que nos definem e constituem. Mais concretamente, profissionais de saúde, terapeutas, professores e legisladores podem agora se apropriar da imensa massa de dados empíricos sobre genes, proteínas, células, circuitos e organismos inteiros (RIBEIRO, 2013, p. 7). Embora exista atualmente um virtuoso interesse pelo estudo do cérebro e suas relações com o comportamento e cognição, as questões neurocientíficas têm fascinado o homem desde os tempos mais remotos. Contudo, o que se percebe é que os maiores progressos neurocientíficos ocorreram nos últimos anos em função da viabilidade de descobertas tecnológicas, especialmente a partir dos anos 90, período intitulado pelo ex-presidente norteamericano George Bush como “década do cérebro”, em que grandes esforços foram e continuam sendo dirigidos para a compreensão das funções neurais humanas (VENTURA, 2010). De fato, a partir desta época a mídia passou a divulgar com bastante ênfase as conquistas científicas da área, como os avanços tecnológicos em técnicas de neuroimagem estrutural e funcional e outros recursos tecnológicos sofisticados que permitem analisar detalhadamente as estruturas cerebrais em pleno funcionamento (CARVALHO, 2011). No campo da educação, os avanços neurocientíficos também tiveram um considerável impacto. Entretanto, esses conhecimentos têm sido apresentados de forma superficial e desconectada com esta área. A produção literária nacional mostra uma escassez de estudos das relações entre mente/cérebro e educação, os livros e materiais disponíveis são poucos, e aqueles que oferecem informações especializadas, destinam-se a um grupo seleto de profissionais, como médicos e psicólogos, afastando-se das atividades do professor (CARVALHO, 2011). Os conhecimentos disponibilizados pela neurociência proporcionam uma abordagem do processo ensino-aprendizagem fundamentada na compreensão dos seus processos neurocognitivos subjacentes, além disso as práticas pedagógicas que respeitam o funcionamento cerebral tendem a ser mais eficientes. Entretanto, é preciso ter cautela, pois estes recursos apenas complementam a prática pedagógica que já se realiza e não prometem uma receita para a elaboração de uma estratégia pedagógica infalível, nem soluções definitivas para as dificuldades de aprendizagem (GUERRA, 2011). É importante lembrar que a aprendizagem acontece no cérebro, nele ocorrem modificações anatomo-fisiologicamente, tornando-o cada vez mais apto ao aprendizado. Este processo denomina-se neuroplasticidade, uma alteração morfológica e funcional adaptativa do sistema nervoso em resposta às mudanças ambientais, que se estende desde a resposta a lesões no ambiente neural, até as sutis alterações resultantes dos processos de aprendizagem e memória (LENT, 2010). Neste sentido, o professor, por meio de sua ação profissional, pode fornecer estímulos que favoreçam a neuroplasticidade e secreção de hormônios que provocam o entusiasmo e o desejo de aprender ou o extremo oposto, o desinteresse (CARVALHO, 2011). É preciso refletir sobre novas práticas pedagógicas fundamentadas nos conhecimentos neurocientíficos, que podem ser úteis para o ensino-aprendizagem nas diversas disciplinas que compõem o currículo escolar. Os professores precisam ter a oportunidade de conhecer e utilizar os recursos neurocientíficos, para que possa elaborar condições mais favoráveis de aprendizagem, nas quais seus alunos tenham suas capacidades mais profundamente exploradas (CARVALHO, 2011). 2.2 Aprendizagem significativa A teoria da aprendizagem significativa foi desenvolvida por David Ausubel na década de 60, do século passado. A ideia central da teoria de Ausubel é a de que o fator mais importante que influencia a aprendizagem são os conhecimentos que o aluno já possui, os quais servem como ponto de partida para novas aprendizagens. Estes conhecimentos pré-existentes na estrutura cognitiva do indivíduo são definidos por Ausubel como conceitos subsunçores ou simplesmente subsunçores (MOREIRA, 1999; 2012). A aprendizagem significativa ocorre quando as novas informações interagem de maneira substantiva e não-arbitrária com aquilo que o aprendiz já sabe. A terminologia “substantiva” quer dizer não-literal ou não ao pé-da-letra, e não arbitrária significa que a interação não ocorre com qualquer ideia, mas com conhecimentos especificamente relevantes pré-existentes na estrutura cognitiva do indivíduo (MOREIRA, 2012). O aprendiz precisa estar disposto a relacionar de maneira substantiva e não arbitrária os novos conhecimentos em sua estrutura cognitiva. Desta forma, pode-se dizer que o aprendiz é um sujeito ativo no processo de aprendizagem, e pode decidir a maneira como vai assimilar os conteúdos (TAVARES, 2008). Basicamente, existem três formas de aprendizagem significativa: representacional, de conceitos e proposicional. A aprendizagem representacional é a forma mais elementar de aprendizagem significativa e envolve o aprendizado de símbolos (por exemplo, sílabas ou palavras). Na aprendizagem conceitual, o indivíduo realiza abstrações acerca dos atributos essenciais dos referentes (eventos, objetos etc), e na aprendizagem proposicional, o sujeito aprende o significado das ideias expressas no formato de proposições ou sentenças (MOREIRA, 1999). A teoria da aprendizagem significativa explica o processo de aquisição e organização das informações na estrutura cognitiva da seguinte maneira: uma nova informação potencialmente significativa (a) é assimilada e relacionada a um conceito mais geral ou subsunçor (A) presente na estrutura cognitiva do indivíduo, e tanto a nova informação quanto o subsunçor são modificados por esta interação, formando um subsunçor modificado representado por ”a, A” (MOREIRA, 1999). Uma das questões centrais na teoria de Ausubel é a distinção entre aprendizagem mecânica e aprendizagem significativa. A aprendizagem significativa ocorre quando o aluno interpreta, incorpora e relaciona as novas informações com o conhecimento pré-existente em sua estrutura cognitiva, sendo capaz de aplicar as novas informações para resolver problemas em contextos diferentes (GONZÁLES et al., 2008). Quando o sujeito opta por aprender o conteúdo de forma literal ou não-substantiva, estará utilizando uma forma de aprendizagem mecânica, e conseguirá simplesmente reproduzir o conteúdo da maneira idêntica como este foi apresentado, com pouca ou nenhuma capacidade de transferência do conhecimento para a solução de problemas em outros contextos (TAVARES, 2008). Este tipo de aprendizado é bastante utilizado pelos alunos que se preparam para avaliações escolares, porém proporciona um grau de retenção baixíssimo a médio e longo prazo (MOREIRA, 1999; TAVARES, 2010). Ausubel também criou o conceito de organizadores prévios, definidos como recursos materiais introdutórios que fazem uma “ponte cognitiva” entre aquilo que o indivíduo sabe e o que precisa aprender. Esta estratégia busca manipular a estrutura cognitiva, facilitando o desenvolvimento de conceitos subsunçores e consequentemente a aprendizagem significativa (MOREIRA, 1999). A teoria da aprendizagem significativa tem sido amplamente difundida pelos professores Marco A. Moreira e Joseph D. Novak (MOREIRA, 2012). Em meados da década de 70, Novak e colaboradores criaram a técnica de mapas conceituais ou mapa de conceitos, que pode ser entendido como uma teia de conceitos inter-relacionados organizados hierarquicamente na estrutura cognitiva do indivíduo (TAVARES, 2010). Os mapas conceituais auxiliam na condução do aprendiz à aprendizagem significativa, por isso têm sido utilizados como estratégia pedagógica para o ensino de diversos temas, possibilitando o ensinamento de conceitos através do estabelecimento de relações entre eles (FREITASFILHO, 2007). Em resumo, a aprendizagem significativa envolve a compreensão do conteúdo aprendido com possibilidade de explicação e transferência para outros contextos, assim como um período de retenção na estrutura cognitiva consideravelmente maior comparado à aprendizagem mecânica (MOREIRA, 2012). O professor tem um papel crucial na facilitação da aprendizagem significativa, bem como na construção de ambientes de aprendizagem cujas estratégias pedagógicas favoreçam a neuroplasticidade, a flexibilidade e a adaptabilidade do cérebro. Lembrando que não somente a biologia do cérebro se modifica com o aprendizado, mas o processo de produção de conhecimento significativo ou aprendizagem significativa também modifica a estrutura cognitiva do indivíduo, ampliando, diversificando e intensificando seu potencial, tornando-se consequentemente cada vez mais capaz de processar novas informações, ancorando os resultados desse processamento num continuum ilimitado (SILVA & BEZERRA, 2011). 2.3 Ensino de genética A literatura mostra que no ensino de ciências e biologia, o conteúdo de genética é marcado pela dificuldade de entendimento pelos alunos, pois se trata de um conteúdo complexo, específico cujas ideias exigem um elevado grau de raciocínio e abstração para serem compreendidas (CARDOSO et al., 2010; MARTINEZ et al., 2008). Estudos revelam que nem mesmo os conceitos básicos da área, como a relação entre gene e cromossomo e a finalidade das divisões celulares por mitose e meiose, são compreendidas pelos alunos ao final do ensino médio (SCHEID & FERRARI, 2006). Além da complexidade intrínseca do tema, a forma tradicional de transmissão dos conteúdos desta área promove o desinteresse e a aprendizagem mecânica ou memorística, com a consequente facilidade de esquecimento e impossibilidade de generalização para outros contextos (CARDOSO et al., 2010). O entendimento do conteúdo básico de genética é essencial para a compreensão de temas ainda mais complexos tanto deste campo quanto de biologia molecular, bem como para um posicionamento crítico diante das tecnologias emergentes destas áreas (clonagem, alimentos transgênicos entre outros), as quais muitas vezes suscitam questionamentos éticos, morais, políticos, religiosos e econômicos, negligenciados pelos cientistas e desconhecidos pela sociedade em geral. Chu e Reid (2012) citam cinco principais fontes de dificuldades em compreender os conceitos de genética: (1) experiências anteriores negativas com a aprendizagem de conceitos científicos, (2) complexidade do conteúdo, (3) vocabulário ou terminologia difícil, (4) materiais de apoio inseguros e (5) inadequação pedagógica. A literatura científica também ressalta que compreender genética é difícil porque se trata de um conteúdo bastante abstrato (KILIÇ & SAGLAM, 2014). Os estudantes tendem a aprender conceitos de genética mecanicamente e não realizam inter-relações com as situações do cotidiano. Utilizando testes de raciocínio formal (Test of Logical Thinking), orientação para aprendizagem (Learning Approach Questionnaire) e entendimento de conceitos básicos de genética (Two-tier Genetics Concepts Test), pesquisadores verificaram que estudantes com habilidades de raciocínio mais elaboradas e orientação para aprendizagem significativa apresentam melhor compreensão de conceitos de genética que alunos com baixa capacidade de raciocínio e orientação para aprendizagem mecânica (KILIÇ & SAGLAM, 2014). Em geral, as pesquisas apontam que para a aprendizagem de conteúdos complexos é necessário estratégias pedagógicas que contribuam para um aprendizado mais eficiente, e métodos inovadores que envolvam instrumentos lúdicos, jogos e modelos didáticos já se mostraram eficazes no ensino de genética (CERQUEIRA et al., 2013; SALIM et al., 2007; JUSTINA & FERLA, 2006). Estes instrumentos, além de complementarem o conteúdo teórico, permitem uma maior interação entre conhecimento/professor/aluno, trazendo importantes contribuições ao processo ensino-aprendizagem (MARTINEZ et al., 2008). 3. DISCUSSÃO É bastante provável que Ausubel não tenha se preocupado com questões neurocientíficas quando elaborou sua teoria. No entanto, o autor faz uma profunda declaração neurobiológica quando destaca a importância dos conhecimentos prévios como ponto de partida para novas aprendizagens. A partir disto, a teoria de Ausubel nos conduz a pensar que o fator mais importante na aprendizagem são as redes neurais existentes no cérebro do indivíduo. Assim, quando o professor descobre o que seus alunos já sabem, também estará descobrindo as características de suas redes neuronais, e ficará mais fácil para os alunos adquirirem conhecimentos novos (ZULL, 2002). As redes neurais ativadas durante o processo de aprendizagem significativa passam por modificações, formando novas sinapses e/ou conexões funcionais com novos neurônios, permitindo a neuroplasticidade. Com o acréscimo contínuo de novas informações relevantes às informações na estrutura cognitiva, a qualidade e extensão das conexões neurais também se intensificam (NOVAK, 2010). As informações provenientes do aprendizado significativo não estão armazenadas na memória de longa duração de maneira aleatória, mas sim organizadas e conectadas entre si por relações de subordinação ou superordenação, em relações de categoria, funcionando como “nós” ou “nodos” em complexas redes semânticas. Quando o indivíduo acessa conscientemente uma informação contida em um destes nós, por exemplo, através da nomeação, desencadeia uma ativação automática de outros conceitos com as quais compartilha propriedades de significado, sendo que a eficácia da ativação depende da força de associação dos nós, determinada pela quantidade de propriedades que as representações têm em comum e na distância entre elas (MELLO, 2008). Esta estruturação do conhecimento assemelha-se ao conceito de mapa conceitual de Novak cuja estrutura apresenta uma nítida semelhança com a fisiologia macroscópica neocortical 3. De fato, o cérebro humano apresenta aglomerações hierárquicas de neurônios da memória, que crescem e aumentam durante toda a vida e podem ser graficamente representados em mapas conceituais (BALEY, 2005). Segundo Baley (2005), o neocórtex apresenta quatro atributos principais que podem contribuir para elucidar os mecanismos biofísicos subjacentes ao mapeamento conceitual. Hawkins (2004) os descreve da seguinte maneira: 1. O neocórtex armazena padrões em sequência e o processo de recordação ocorre da mesma maneira. Os indivíduos costumam lembrar padrões sequenciais (alfabeto, discursos, filmes, músicas, conceitos entre outros) na ordem em que foram armazenados. Desta forma, evocar elementos a partir do meio de uma sequência ou de forma inversa é mais complicado. 3 Neocortex – “novo córtex” ou “córtex mais recente” compreende a região evolutivamente mais recente do cérebro dos mamíferos. Esta região recobre os lobos cerebrais, apresenta cerca de 30 bilhões de neurônios, os quais estão divididos em seis camadas de neurônios com função e morfologia diferentes (BALEY, 2005). 2. O neocórtex possibilita a recordação de padrões de maneira autoassociativa, ou seja, as pessoas sentem ou visualizam partes de um objeto e conseguem identificá-lo completamente, preenchendo mentalmente o restante. 3. O neocórtex armazena padrões de forma invariante, ou seja, se o indivíduo está familiarizado com um determinado rosto, certamente não terá dificuldades em reconhecer esta pessoa a partir de diferentes ângulos, momentos ou contextos. 4. O neocórtex armazena padrões de forma hierárquica. O termo hierarquia descreve o padrão de conectividade no interior e entre as seis camadas celulares do neocórtex, que “empurram” o conhecimento mais refinado e desenvolvido para níveis baixos da hierarquia. As informações provenientes dos sentidos entram pelos níveis mais baixos e viajam através das redes neurais buscando células de memória associativas específicas. A estratégia de mapeamento conceitual mostrou-se eficiente em promover a aprendizagem significativa em diversos campos. Esta técnica contribuiu para reduzir os níveis de ansiedade e atitude negativa de estudantes de biologia em relação a conceitos de genética e ecologia, áreas tradicionalmente temidas pelos alunos do ensino médio e graduação (OKEBUKOLA & JEGEDE, 1989). Além dos mapas conceituais, outros recursos fundamentados no conhecimento neurocientífico podem facilitar a aprendizagem significativa de genética. A utilização de recursos pedagógicos multissensoriais, por exemplo, será um facilitador para o cérebro acessar informações e ativar múltiplas redes neurais que estabelecerão associação entre si (GUERRA, 2011). Como exemplo, pode-se citar uma combinação de textos, imagens, músicas, internet, jogos, objetos virtuais de aprendizagem, mapas conceituais, práticas que envolvam o corpo, bem como a construção e manipulação de modelos didáticos do conteúdo de genética (mitose e meiose, DNA, RNA, gene, cromossomos e proteínas). As gerações mais antigas aprendiam principalmente por meio dos textos escritos, mas os jovens atualmente têm sua disposição uma imensa parafernália de material multimídia, principalmente através da internet, o que é muito bom, uma vez que há a oportunidade de se construir uma rede neuronal mais complexa. Neste caso, talvez o papel mais importante do professor seja auxiliar na seleção e orientação, para a exclusão das muitas informações pouco confiáveis ou irrelevantes (CONSENZA & GUERRA, 2001, p. 73). Contextualizar o assunto “genética” é fundamental. Experiências bem sucedidas têm sido relatadas por professores que buscaram contextualizar o ensino de genética, pois o aluno torna-se mais interessado quando o assunto é vinculado a questões do seu cotidiano (CAMARGO & INFANTE-MALACHIAS, 2007). Conforme Consenza e Guerra (2011, p. 48): erá mais chance de ser significante aquilo que tenha ligaç es com o que já é conhecido, que atenda a expectativas ou que seja estimulante e agradável. Uma exposição prévia do assunto a ser aprendido, que faça ligaç es do seu conte do com o cotidiano do aprendiz e que crie as expectativas adequadas é uma boa forma de atingir esse objetivo (CONSENZA & GUERRA, 2011, p. 48). A literatura mostra que a memória operacional 4 tem um papel importante no processo de aquisição de informações potencialmente significativas. Em um estudo recente, pesquisadores 4 Baddeley (2009) afirma que a memória operacional envolve armazenamento temporário e manipulação de informação e sustenta que ela é capaz de realizar tarefas cognitivas, tais como raciocínio, compreensão e resolução de problemas. Sua duração é de segundos ou poucos minutos, o tempo suficiente para examinar as observaram que a sobrecarga da memória de trabalho está intimamente relacionada ao desempenho inferior dos alunos em compreender os conceitos de genética (CHU & REID, 2012). Levando em conta estas informações, o professor deve buscar meios de minimizar a sobrecarga mental dos seus alunos, por exemplo, através da criação de momentos para descontração e descanso (contar piadas, ouvir musica, entre outros), que além de facilitar a atenção, promovem uma higiene mental, importante para evitar a sobrecarga da memória de trabalho (CONSENZA & GUERRA, 2011). A utilização de organizadores gráficos (esquemas, fluxogramas, cronogramas e mapas conceituais), cujos elementos visuais podem ser processados simultaneamente sem causar sobrecarga da memória operacional, podem potencializar a aprendizagem significativa de conceitos de genética (AGUIAR & CORREIA, 2013). Diante do contexto apresentado, acredita-se que a neurociência cognitiva pode proporcionar subsídios teóricos e práticos importantes para o trabalho docente, podendo facilitar a aprendizagem significativa de conceitos de genética. A partir do conhecimento dos mecanismos neurocognitivos implicados à aprendizagem, comportamento e emoções, os docentes podem desenvolver estratégias de ensino que amplifiquem a aprendizagem e motivação dos alunos para aprender, tornando a atividade de ensinar ainda mais prazerosa (CARVALHO, 2011). 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Este artigo, de revisão bibliográfica, buscou articular os conhecimentos neurocientíficos com a teoria da aprendizagem significativa como proposta teórica para facilitar o ensino e aprendizagem de genética. A partir dos resultados, conclui-se que os conhecimentos neurocientíficos podem ser perfeitamente associados à teoria da aprendizagem significativa, e esta interação, além de possibilitar uma maior compreensão dos processos neurocognitivos envolvidos no ensino-aprendizagem, pode facilitar a aprendizagem significativa de genética. 5. REFERÊNCIAS AGUIAR, J. G.; CORREIA, P. R. M. Como fazer bons mapas conceituais? 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We conclude that neuroscientific knowledge can be seamlessly linked to meaningful learning theory. This interaction enables a greater understanding of the neurocognitive processes involved in teaching and learning and can facilitate meaningful learning in genetics. Keywords: Neuroscience, Meaningful learning, Ausubel, Teaching of genetics.