Fichamento do artigo Sexismo, homofobia e outras expressões correlatas de violência: desafios para a psicologia política de SMIGAY, Karin Ellen von. (Psicologia em Revista, Belo Horizonte, v. 8, n. 11, p. 32-46, jun. 2002). A justificação do artigo está a preencher o vácuo teórico sobre os temas homofobia e sexismo, que existem na massa de publicações sobre violência e direitos humanos. A autora Karin Smigay relata no artigo diferentes aspectos correlacionados que contribuem para o crescimento e a permanência da violência de gênero na sociedade. Enfatizando uma concepção histórica, especificamente o discurso feminista, a autora afirma que a violência de gênero não recebeu muita importância devido aos constantes debates feministas realizados nos anos oitenta, e que tais debates contribuíram para o crescimento e o enriquecimento do tema, através das inúmeras áreas do saber, entre elas a antropologia, a sociologia, e, recentemente, a psicologia social. Ao considerar os últimos vinte anos, é relatada no artigo a evolução e a mudança do campo de pesquisa causadas pela intervenção do Estado e da rede privada, mediante dispositivos implantados na sociedade, tais como abrigos, delegacias especiais e um serviço especializado para o atendimento de um público com problemas não apenas físicos, como no caso de violência corporal, mas também psicológicos - a violência psicológica, que são questões enraizadas na sociedade. Smigay traz a definição de três conceitos: sexismo, homofobia e violência de gênero. De acordo com ela, sexismo é um desprezo em relação ao sexo oposto, mais especificamente, são preconceitos relacionados às mulheres, podendo, todavia, afetar também a homens, havendo, por conseguinte, uma variação de gênero. Observamos essa violência relatada no artigo na desqualificação das mulheres em sociedade, tornando-as seres desprestigiados socialmente. Ao definir homofobia, a autora afirma tratar-se de um termo comumente utilizado para se referir à homossexualidade, tal como o medo ou uma postura de rejeição frente a esses indivíduos. Contextualizando historicamente, a autora diz que o termo homofobia teria surgido inicialmente nos estudos de Weinberg (1972), que o definia como medo da homossexualidade. Entretanto, ela afirma que concorda com a concepção e definição de Welzer-Lang (1994; 2001) de que a homofobia não se reduz a tanto. Ao observar a etimologia, a palavra homo, em grego ou latim, tem o mesmo significado, ou seja, se refere ao idêntico, mas também homem; e fobia significa medo, que nesse caso, o medo de outros homens, do idêntico a si. Este conceito vai ao encontro da idéia de que a homofobia expressa o receio ou medo de uma homossexualidade em potencial do sujeito homofóbico, afirmando, com isso, que o preconceito diz mais respeito ao preconceituoso do que ao alvo do preconceito. Remete-nos, outrossim, a idéia de que as reações violentas a homossexuais estaria relacionada a uma possível defesa contra aquela situação. Noutros termos, uma vez que o preconceito tem maior referência com o preconceituoso do que com seu alvo, o homofóbico reagiria de forma tal a evitar o surgimento de um possível comportamento que “combate”. O homofóbico, por conseguinte, reage por medo de desenvolver o mesmo comportamento homossexual. De acordo com Smigay, o preconceito é um valor negativo atribuído a determinados objetos, valor este que gera um comportamento de rejeição no sujeito preconceituoso. Esse conceito pré-definido impede o sujeito de ver a realidade e faz com que ele tome um posicionamento na defensiva. Definindo o conceito de violência de gênero, a autora explica que muitas vezes este é relacionado à violência contra a mulher ou sobre a mulher, consistindo, portanto, em uma forma de diferenciar essa categoria de violência das demais. Muitos estudos são realizados investigando a origem dessa violência, notando-se vestígios da cultura patriarcal. A violência de gênero, imbuída de valores patriarcais, cujos pré-conceitos ainda estariam arraigados em nossa sociedade - destarte num grau muito menor do que em décadas e séculos passados, poderia partir de mulheres contra outras mulheres, detentoras de uma posição mais passiva e feminizada do que a das suas agressoras (vista a violência como um meio de imposição e manutenção de norma). Por ser direcionada contra a passividade e dependência, a violência pode ser direcionada também a crianças, velhos, e homens que se recusam a seguir o padrão de virilidade dominante. A violência de gênero, segundo a autora, não é uma violência casual ou impensada, ela é contínua e dirigida, utilizada de forma sistêmica, “insiste, minando a resistência da vítima de forma sorrateira, mas implacável e a destrói psicologicamente, aos poucos.” Entre esses três conceitos definidos existe um elo, a homofobia e o sexismo passam a ser considerados subtemas da violência de gênero, e ambos servem como um sistema que estrutura o medo de abandonar o seu grupo sexual e as idéias defendidas pelo mesmo. Para que essa afirmação de virilidade seja constantemente reafirmada, existem muitas instituições monossexuadas. É importante salientar também a expressão de Godelier, “casa-dos-homens”, tais como os bares, as instituições militares, times de futebol, entre outras onde as mulheres são excluídas. Nessas instituições, os homens cultivam e aprendem a dominação, violência, o discurso egocêntrico, e através de tais comportamentos buscam aceitação por parte dos companheiros e por parte da sociedade, expondo na maioria das vezes outro sujeito a humilhação, desqualificação e, sobretudo, ao desrespeito. Servem as instituições monossexuadas para ritualizar a entrada e a passagem em direção à aceitação. A autora segue com uma discussão estabelecendo comparações entre homofobia e sexismo, fazendo um apanhado teórico onde tais conceitos estão embutidos. Para isso ela classificou e dividiu as teorias em três seguimentos: perspectivas clínicas; perspectivas psicoeducativas e perspectivas feministas. Nas perspectivas clínicas, o foco é sobre o sujeito psicológico. Para facilitar esta perspectiva, ela cita algumas teorias. Seu foco é na Teoria do Trauma, que sugere que as violências seriam fenômenos imprevisíveis e que prejudicariam seriamente o psiquismo das vítimas. Interessa-se pela etiologia, pelo diagnóstico e pela prevenção, procurando entender o ocorrido a partir do sujeito que sofre, podendo ser sustentada também pela teoria da Vitimologia, que alega ser a vítima co-responsável pela sua vitimização, uma vez que, inconscientemente, teria se exposto ao perigo, ou, erroneamente, avaliado os riscos que corria. Em seguida, a autora cita uma Intervenção Retificadora, baseada na psicanálise. Este modelo é utilizado na violência doméstica, conjugal, ou seja, intrafamiliar. Essa teoria vê como causa da violência a cultura onde o sujeito é inserido. Tais teorias são utilizadas como pressupostos explicativos para a violência sofrida, ou seja, desresponsabilizando aquele que a comete e centrando sobre o sujeito psíquico que a sofre todo o foco das atenções. Nas perspectivas psicoeducativas, em que o foco é sobre condutas disfuncionais ou desviantes, são abordadas teorias que se referem à violência como uma disfunção, que, no entanto, pode ser controlada através de uma ressocialização do agressor. O foco desse seguimento é o agressor, diferente do foco anterior que visa o vitimado. Existe uma abundância de teorias que defendem os modelos psicoeducativos, tais como, a Teoria da Aprendizagem Social, que propõe ressocializar o agressor. Acredita-se que o sujeito aprende a ser violento e a forma de ressocialização é oferecendo-lhe outras formas de resposta a determinados estímulos. A Teoria do Poder, que a autora chama de psicoeducativo, e que sustenta a idéia de que a violência seria um desvio ou uma disfunção social. Por fim, as perspectivas feministas, em que o foco é sobre o sujeito político. Este seguimento é considerado um ciclo em que a autora define as etapas: “São atos violentos cada vez mais expressivos, até que um dos parceiros considere que o outro ultrapassou o nível de tolerância e ameaça romper o vínculo, abandonando a cena. Isso ameaça o agressor, que pede perdão, pois não suportaria a perda da relação ou do vínculo: assume a culpa e solicita sua remissão. O perdão restabelece expressões de afeto entre os parceiros, que entram em “lua-de-mel”, período em que se tornam impermeáveis a qualquer programa de intervenção para reduzir/coibir a violência conjugal ou equivalente. Só quando o ciclo recomeça, com violências a princípio toleráveis, e o crescendo se reinstaura, é que os agentes sociais têm alguma coisa a fazer. O ciclo recomeça, até a próxima grande cena dramática, com nova ameaça de rompimento e se fecha na repetição das mesmas etapas.” Smigay diz que alguns autores propõem chamar o modelo de espiral em vez de ciclo ou círculo, tendo como justificativa o fato de haver um crescente, contínuo e significativo aumento da violência e das agressões. Observando através de uma perspectiva feminista, elas incorporam uma visão histórica para a causa da violência e concluem que dominação masculina no âmbito doméstico é o fator que desencadeia tais violências. Para as feministas, a violência não é uma resposta aprendida para resolver conflitos, como afirma a teoria da aprendizagem social. Aprende a ser violento quem corre o risco de sofrer violência ou ser oprimido. Porém, muitas mulheres funcionam dentro desta lógica de virilidade masculina, segundo a autora, e por consequêcia sofrem com isso. No entanto, homens e mulheres que optam por um comportamento não-viril sofrem preconceito e são desqualificados e tratados com desprezo. Na concepção feminista, o vitimado não é sempre o passivo ou é a única vítima da situação, porém, admite-se que suas perdas são mais significativas do que as do dominante. Em seu último parágrafo, a autora afirma que a violência estaria localizada na cultura, pois, “a violência não se dá num vazio”, “não corresponde a um desvio ou disfuncionabilidade como pensam os teóricos da linha psicoeducativas, a violência é organizada e política, pois, “o privado é político e é a política de gênero que estrutura as relações.”