experimentar(-se): dança contemporânea e

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ANAIS DO II CONGRESSO NACIONAL DE PESQUISADORES EM DANÇA – ANDA
Comitê Dança em Mediações Educacionais – Julho/2012
EXPERIMENTAR(-SE): DANÇA CONTEMPORÂNEA E TRANSFORMAÇÃO
Cibele Ribeiro da Silva (UFRN)
Cibele Ribeiro da Silva, bailarina criadora-intérprete, performer, diretora artística, docente e
pesquisadora do movimento e das artes contemporâneas. Ministra cursos de dança contemporânea,
improvisação, composição e preparação corporal para bailarinos, atores, outros artistas e público em
geral. É mestranda em Artes Cênicas pela UFRN. [email protected]
Resumo
Na dança contemporânea, o modo de fazer e pensar a dança admite muitas
significações que se transformam continuamente, mas que permanecem incompletas,
tal sua diversidade e complexidade. É necessário o deslocamento da compreensão do
fazer cênico e pedagógico desta dança do viés temporal para uma abordagem artística
e filosófica. No empenho de sinalizar as ressignificações de dança que ocorrem na
dança contemporânea, encontramos quase nenhuma uniformidade, mas algumas
tendências que serão aqui tratadas, no sentido de apreender uma certa “lógica
estética” desta dança. A seguir, a dança contemporânea é apreendida a partir das
características artístico-filosóficas inauguradas pela dança moderna e pós-moderna,
em especial, no que concerne às possibilidades de movimentos, chegando-se ao tema
da improvisação em dança e a possibilidade de experimentar (-se) trazida por este
procedimento.
Palavras-chave: Dança Contemporânea, Improvisação, Preparação Corporal,
Experimentação.
EXPERIENCE (YOURSELF): CONTEMPORARY DANCE AND TRANSFORMATION
Abstract
In contemporary dance, the way of doing and thinking dance allows a large number of
meanings, which are in permanent transformation, but remain incomplete, such your
diversity and complexity. It makes the necessity to dislocate the comprehension of the
scenic / education areas of this dance from the historical understanding to an artistic
and philosophic approach. With commitment in pointing out the dance re-meanings
which appear in contemporary dance, we find almost no uniformity, but some
tendencies which will be discussed in these reflections, in order to understand a kind of
“esthetic logic” of this dance.
After these first reflections, the contemporary dance will be observed in your artistic and
philosophic elements, christened by modern and post modern dance, especially the
possibilities of movements, reaching the dance improvisation subject and the possibility
to experience (and also experience yourself) brought by this action.
Keywords: Contemporary Dance, Improvisation, Body Preparation; Experimentation.
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Introdução
O que é dança contemporânea? Essa é uma questão que ocupa, muitas vezes,
grande parte das discussões de quem trabalha com esse tipo de dança. Definir o que é
dança contemporânea é uma questão quase irremediavelmente em aberto, já que ela
admite muitas significações que se transformam continuamente, mas que permanecem
incompletas, tal sua diversidade e complexidade. Podemos afirmar que não há uma
dança contemporânea, mas diversas danças contemporâneas, uma vez que ela não
trata de um estilo de dança, cuja definição precisa assegura um modo de fazer ou uma
técnica que configura uma estética. Na dança contemporânea, várias formas, estilos,
técnicas e estéticas de dança convivem, se permeiam e interagem.
Comumente, a dança contemporânea é definida pela temporalidade histórica
que carrega no nome, como se ela fosse tão somente aquilo que se faz em dança nos
tempos atuais. Mas sua determinação levando em consideração apenas o tempo
histórico a que pertence se mostra insuficiente. Não se pode, por exemplo, considerar o
Odissi, uma dança clássica indiana, como dança contemporânea apesar desta dança
ser executada atualmente. Por outro lado, podemos ter uma dança contemporânea
cujos criadores possuem fortes influências técnico-estéticas do Odissi em seu processo
criativo, mais certamente essa referência estará mesclada a outras influências técnicoestéticas e principalmente filosóficas específicas dos modos de fazer e pensar a dança
contemporânea.
Uma conceitualização histórico-filosófica da dança contemporânea começa a se
delinear quando se afirma que sua temática trata das questões da contemporaneidade.
Ainda que essa possa ser uma afirmação verdadeira, não pode ser generalizada. Pode
a dança contemporânea deter-se sobre uma temática de outra temporalidade histórica
que não a atual, sem deixar de ser dança contemporânea. É necessário, portanto, o
deslocamento da compreensão do fazer cênico e pedagógico da dança contemporânea
do viés temporal para uma abordagem artística e filosófica.
Dança de correlações provisórias
Para tratar de uma questão similar a essa aqui apresentada, a proposta de
Hans-Thies Lehmann (2007) é que o fazer teatral de um período seja compreendido a
partir das suas características estéticas singulares, e não apenas através de sua
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temporalidade histórica. Tal noção é sugerida por Lehmann com o termo “teatro pósdramático” em substituição do termo “teatro pós-moderno” para denominar as novas
formas de se conceber a cena teatral e a montagem cênica que surgiram entre as
décadas de 1970 e 1990. Para o autor, a principal das características estéticas deste
teatro é a total flexibilização da noção de drama, quando não, a total ausência do
drama. Além disso, ele observa que o novo teatro não pretende negar os aspectos
estéticos modernistas, mas ao contrário, fecunda e explode questões trazidas pelo
modernismo. Sérgio de Carvalho observa que Lehmann deseja, nesse contexto,
valorizar a autonomia da cena, voltando-se a práticas teatrais “fundadas na
radicalização dos signos específicos do teatro” (LEHMANN, 2007, p. 9).
Assim, seguindo a proposta metodológica de Lehmann, de se ater aos
elementos distintivos de um movimento artístico ao invés de sua temporalidade, talvez
possamos afirmar que a singularidade mais marcante da dança contemporânea é que
cada artista inventa e reinventa sua técnica e sua estética sem cessar, a partir de
correlações provisórias, reconfigurando a dança como um todo. Por isso, uma noção
possível do que seja a dança contemporânea seria considerá-la uma dança na qual
cada criador tem a possibilidade pensar e fazer a própria dança com autonomia.
Assim como Lehmann encontra no teatro pós-dramático ressignificações em
diversos aspectos da própria concepção de teatro constituindo uma nova “lógica
estética”, a proposta aqui não é esgotar, mas sinalizar ressignificações semelhantes
que ocorrem também na dança contemporânea. Se nela não encontramos quase
nenhuma uniformidade, podemos observar algumas tendências. O autor registra, por
exemplo, novas relações hierárquicas entre autor-diretor-ator mais horizontalizadas,
que podem ser percebidas também na dança contemporânea, que muitas vezes,
desestabiliza as relações diretor-coreógrafo-bailarinos, na qual aos primeiros cabem a
criação e os últimos, a execução.
Com a dança contemporânea, cada vez mais,
bailarino e criador passam ser a mesma pessoa, fazendo com que surja a figura do
bailarino-coreógrafo ou criador-intérprete, como passa a ser comumente chamado.
Como conseqüência dessas relações funcionais e de autoridade mais flexíveis,
há uma tendência do uso do termo “grupo”, para definir a reunião destes artistas da
dança ao invés de “companhia”, cuja denominação parece carregar sentidos da antiga
relação de subordinação. Esses grupos são compostos por diretores que, muitas
vezes, incentivam os bailarinos à criação cênica, eliminando a figura do coreógrafo que
possuía a função exclusiva da composição coreográfica.
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Com a dança contemporânea surge também a experiência dos coletivos de
dança, agrupamentos unidos por interesses espontâneos e não hierárquicos cujos
artistas dividem e se alternam nas mais diversas funções, de produção a iluminação. A
presença do diretor é substituída, por vezes, pela figura de um provocador cênico – que
instiga o processo criativo de modo temporário, ou pela prática da criação coletiva.
Encontra-se ainda uma tendência a realização de trabalhos criativos a partir de solos,
duos e trios, o que facilita a organização e execução de uma dança não convencional,
mais comercialmente independente, prescindindo de um grande suporte estrutural e
fortalecendo as pesquisas de movimento e as pesquisas cênicas, potencializando as
fronteiras da dança.
Se na dança moderna, assim como no balé clássico, houve, muitas vezes, uma
dramaturgia da dança ligada à noção tradicional de dramaturgia como texto teatral, de
alguma forma linear e concisa, essa noção de dramaturgia na dança contemporânea é
substituída por uma “cartografia de cena” onde há a apreensão de um mapa ou forma
caleidoscópica que indica ou traduz o trabalho cênico na qual o artista se norteará. E
assim, a dramaturgia da dança contemporânea passa a estar no próprio corpo e no seu
inventário de histórias. Assim como no teatro pós-dramático delineado por Lehmann, a
dança contemporânea opta, muitas vezes, pelo não uso da narrativa, provocando maior
explicitação de um corpo tomado como possibilidade de movimentos. Abre-se, ainda,
para a pesquisa em outras áreas tais como anatomia, cinesiologia, propriocepção e
educação somática.
Lehmann traz em sua obra ainda a descrição de um ator que figura como um
agente cênico ou como um artista cênico, mais genericamente, de modo a dissolver e
flexibilizar fronteiras de formação e atuação entre atores, dançarinos, performers,
músicos, artistas plásticos. Assim como na dança contemporânea, encontramos uma
tendência não a um apagamento das fronteiras entre as artes e suas especificidades,
mas a possibilidade de riqueza estética desta convivência e instabilidade, compondo
uma verdadeira “zona de indiscernibilidade” deleuziana – na qual os saberes artísticos
deixam de estar um a serviço do outro. Compõem um espaço estético em ebulição, ao
prescindir dos rótulos a priori e proporcionar à dança a liberdade criativa de ser.
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Entre a dança contemporânea e dança moderna
Tal como um imã, a dança contemporânea aproxima de si os mais variados
conhecimentos sobre movimento e sobre o corpo, hibridiza fazeres, técnicas, estéticas,
estilos, preparações corporais, linguagens artísticas e hibridiza o próprio tempo
histórico-artístico-filosófico deixando-se influenciar por danças das mais diversas
temporalidades. É certo que a dança contemporânea consolida pressupostos artísticofilosóficos inaugurados pela dança moderna. Um deles é que ela não possui uma
quantidade determinada de movimentos que são conhecidos por seus nomes, mas
trata justamente da infinidade de movimentos humanos e daquilo que não tem
necessariamente nome em termos de movimentos.
Essa ideia retoma a pioneira da dança moderna Isadora Duncan (1879-1927),
para quem a “dança não é só a arte que exprime a alma humana através do
movimento, mas o fundamento de uma concepção completa de vida, mais livre, mais
harmoniosa, mais natural.” (DUNCAN, 1996, p. 27) A dança, a partir de Duncan passou
a ser sinônimo de movimentos livres, não codificados e expressivos.
Para o artista e educador Rudolf Laban (1879-1958), “Isadora Duncan contribui
consideravelmente para a tendência do homem moderno de superar sua timidez,
manifestada ao ocultar o corpo” (LABAN, 1990, p. 13), desperta o sentido de poesia no
movimento deste homem, e o sentido lírico na dança. Duncan, ao reconstruir os
movimentos dos dançarinos da antiguidade grega, libertou os corpos dos bailarinos
modernos e demonstrou que o “fluxo do movimento tem um princípio ordenador que
não se pode explicar mediante os costumeiros fundamentos racionalistas.” (Idem, p.
13)
Por sua vez, Laban será um dos primeiros artistas e estudiosos a sistematizar
essa nova forma de pensar, fazer e ensinar a dança, pois, nessa mesma perspectiva,
esse artista percebe que:
É impossível, realmente, abranger em seu conjunto o fluxo do
movimento humano, estudar as variações quase infinitas dos passos e
postura do corpo, da mesma maneira que se pode fazer com o número
restrito de movimentos utilizados nas formas estilizadas de dança. Em
vez de estudar cada movimento particular, pode-se compreender e
praticar o princípio do movimento. Este enfoque da matéria dança
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implica uma nova concepção desta: o movimento e seus elementos.
(Ibidem, p. 16)
A abordagem labaniana da dança, “procura integrar o conhecimento intelectual
com a habilidade criativa, um objetivo importante em qualquer forma de educação”
(Ibidem, p. 19) e tem como principal interesse ensinar “a viver, mover-se, expressar-se
no ambiente que rege sua vida” (Ibidem, p. 28) Ou, seja, novamente a naturalidade da
dança é invocada, associando-se sua harmonia à da própria vida.
Para este artista e pensador do movimento, a aprendizagem da dança deve
basear-se em movimentos “instintivos”, como os do bebê ao mover-se. “No princípio,
ele não imita, apenas reage aos estímulos” (Ibidem, p. 26). Só mais tarde, o impulso de
imitar será natural. Congregando habilidade artística e conhecimento intelectual, o
estudante labaniano de dança, passa pela experimentação, exame, e exercício de
diversos elementos do movimento, criando sua forma de dançar. A essa ação,
denominamos atualmente improvisação em dança. A improvisação é a liberdade de
experimentar e pesquisar os movimentos, sem intenção de fixá-los numa repetição.
Nela, temos como ponto de partida e finalidade a exploração que visa a ampliação do
repertório corporal e o conhecimento do corpo e de si.
Mas retornemos à dança moderna. Segundo Eliana Rodrigues Silva (2005), a
dança moderna introduz no final do século XIX a visão da dança como liberdade
criativa, na qual a coreografia tende a desenvolver-se a partir da criação individual de
cada artista. O centro do corpo passa a ser pensado como gerador de movimentos. A
dança é feita eminentemente com os pés descalços e o chão passa a integrar o espaço
do dançarino, possibilitando-o sentar, deitar ou dançar na horizontal e não mais é
pensado apenas como suporte do corpo vertical. Há um uso diferenciado da música de
modo não literal, ou seja, a música não conduz mais a obra artística. E por último, um
elemento não menos importante: ainda que se mantenha a estrutura narrativa como no
balé clássico, trata-se agora de uma narrativa cuja dramaticidade é altamente
explorada em seus elementos expressivos e na singularização de personagens. A
narratividade também se modifica quanto à temática, que passa a estar unida aos
princípios filosóficos e estéticos individuais de cada criador.
Mas a dança moderna vai pouco a pouco reabsorvendo ideais estéticos e
filosóficos do balé clássico, que passam a ficar muito parecida com este, nos seus
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aspectos técnicos e estéticos, a ponto de se desvencilhar de noção de liberdade
criativa de movimentos em meados do século XX.
Paradoxalmente, estes novos coreógrafos são menos hostis que seus
predecessores à dança clássica: evidentemente não voltam às pontas
nem às fórmulas mitológicas, mas sua orientação não lhes inspira a
mesma cólera contra o movimento executado por ele mesmo,
independentemente de qualquer ligação com a vida. (...) A dança
moderna, no começo do século é a primeira negação do balé clássico.
Em meados do século aparece como negação da negação.
(GARAUDY, 1973, p. 137)
Será a partir da dança pós-moderna, com o grupo Judson Dance Theater (19621964), que o movimento de cada indivíduo voltará a torna-se objeto de estudo da
dança. O grupo é apontado pela historiadora da dança Sally Banes (1999) como marco
inicial de um novo paradigma na dança, o da dança pós-moderna, cujas características
serão em grande parte absorvidas pela dança contemporânea. Segundo Banes, o
primeiro concerto de dança deste grupo incluía:
danças feitas com técnicas aleatórias, indeterminação, jogos de poder,
tarefas, improvisação, determinação espontânea e outros métodos
(como de tentos e turbulências): todos eles minam deliberadamente a
narrativa ou os significados emocionais da dança moderna padrão. (...)
algumas [danças] das quais apresentadas em silêncio (...).(BANES,
1999, p. 95).
Nesse momento - ao encontrar-se num período de volta às tradições e
convenções da dança - interessa a esses artistas negar completamente o padrão
anterior de dança. E isso é feito, de acordo com SILVA (2005), a partir da exploração e
demonstração do movimento por si próprio, sem intenção de expressão nem
mensagem psicológica. O movimento cotidiano quer ser identificável, sem virtuosismo.
As qualidades do movimento passam a serem motivos suficientes para dançar e
compor. Os processos criativos deixam novamente de ser expressão pessoal de um
coreógrafo-compositor executados por um intérprete para serem espaços de
experimentação e improvisação dos artistas.
Da cena contemporânea à sala de prática
Apesar da dança contemporânea constituir toda um novo paradigma da dança e
do dançar, Isabel Marques (2001) observa que novamente encontramos muitas vezes,
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um ensino de dança que perpetua o autoritarismo da didática tradicional, em que
prevalecem a ideia da supervalorização do virtuosismo e do aluno idealizado como
tábula-rasa, na qual o aprimoramento técnico deve se dar através da repetição e da
aceitação incontestável das informações transmitidas pelo professor:
Ao contrário do que se pensaria, um forte movimento conservador tem
invadido nos últimos anos escolas, universidades e academias de
dança. Conceitos de corpo, de arte, de tempo, e de espaço
desenvolvidos por muitas das instituições de ensino de dança no Brasil
e no exterior são muitas vezes avessos às transformações radicais que
a dança sofreu (...). (MARQUES, 2001, p. 27)
Para a autora, a “arte mudou, mas isto não afetou decisivamente o ensino da
dança. Efetuadas as experiências corporais e cênicas das décadas de 60 e 70, outra
concepção de dança deveria estar hoje em pauta.” (MARQUES, 2001, p. 26).
Quando utilizamos a improvisação como procedimento de ensino da dança num
grupo, uma das primeiras reações que notamos é que a codificação de movimentos,
para aqueles que a tem internalizada em seu corpo por haverem estudados técnicas
codificadas, tende a se misturar com a exploração de outros estilos e a se dissolver. Os
exercícios de replicação de movimento podem ou não ser usados nessa concepção de
ensino da dança e muitos educadores preferem não os utilizar nas etapas iniciais de
um curso.
Prioriza-se o olhar do artista para si próprio e muitas vezes, busca-se alternar,
no trabalho corporal, o foco interno para só depois trabalhar o foco externo. Dessa
forma, é possível trazer o sujeito para uma concentração consigo próprio. Dessa forma,
não se necessita de salas de aula com espelhos ou eles não são utilizados se estão
presentes. Também não se utiliza a formação clássica na sala de aula de dança onde
os alunos são enfileirados. Se não estão em roda para visualizar alguma explicação de
exercício, os alunos estão distribuídos pelo espaço da sala.
A partir desses pressupostos, os artistas cênicos, estudantes ou profissionais,
são convidados, através da exploração e improvisação de movimentos, a perceber o
que é a dança para eles, fazendo-os vivenciar a dança. Muitas vezes, após dançar e
vivenciar a improvisação em dança, solicita-se que cada um mostre um pouco do seu
trabalho para o grupo, numa roda de improvisação, como oportunidade de observar o
outro, de se observar a si próprio e ser observado. Assim como no início, a finalização
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das vivências, muitas vezes, é feita em roda, sentados, onde se pode discutir os
trabalhos. Os participantes colocam-se verbalmente de modo a trazer ao “domínio
consciente” as “novas formas de movimento” (Laban, 1990), o aumento progressivo de
seus repertórios pessoais de movimento, e também seus medos, aflições e suas
críticas, entre outras coisas.
Experimentar(-se): improvisação e transformação
Não há, porém, qualquer validade nos procedimentos nessa proposta de
preparação corporal que aqui se delineia como pesquisa de movimentos e do corpo, se
não existir espaço para a experiência. Experimentação é ponto zero nesta proposta, o
ponto de partida. No dicionário Aurélio (FERREIRA, 2009), encontramos alguns
significados da palavra experiência:
1. ato ou efeito de experimentar(-se); experimento 2. Prática da vida. 3.
Habilidade, perícia, prática, adquiridas com o exercício constante duma
profissão, duma arte ou ofício. 4. Prova, demonstração, tentativa,
ensaio. 5. Filos. Experimentação 6. Filos. Conhecimento que nos é
transmitido pelos sentidos. 7. Filos. Conjunto de conhecimentos
individuais ou específicos que constituem aquisições vantajosas
acumuladas historicamente pela humanidade.
Aproveitando os múltiplos sentidos da palavra experiência, partiremos do primeiro
sentido proposto por FERREIRA, que sugere como sinônimo o “ato ou efeito de
experimentar(-se)”. Encontramos aqui uma ideia fascinante: experimentar algo é
também experimentar a si próprio. Nesse ato reflexivo de colocar a si mesmo em
situação de “prova, demonstração, tentativa, ensaio”, como também propõe o autor,
chegamos a uma noção de prática e de habilidade.
Segundo Jorge Larrosa Bondía (2002), a “experiência é aquilo que nos passa, o
que nos acontece, o que nos toca. (...) A cada dia se passam muitas coisas, porém, ao
mesmo tempo, quase nada nos acontece.” (LARROSA BONDÍA, 2002, p. 21) O autor,
que explora a relação entre a sabedoria da experiência, o conhecimento e a vida
humana privilegia a experiência não só como forma de conhecimento, mas como
sabedoria do mundo. Mas, segundo ele, nosso mundo tem se caracterizado pela
carência de experiências. Da mesma forma, o estudo-aprendizagem da dança feito
exclusivamente pela dança codificada ou pela busca da perfeição formal de
movimentos replicados, pode sacrificar a formação do artista e do sujeito ao impor uma
atitude interna de carência de experiência.
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Além disso, segundo Larrosa Bondía, a experiência tem seus antagonistas: o
excesso de informação, a obsessão por opinião, a falta de tempo, a alta velocidade dos
acontecimentos, a falta de silêncio, a falta de memória e o excesso de trabalho. Todas
essas expressões contrárias da experiência são cotidianamente enfatizadas na
contemporaneidade, na apreensão exacerbada do intelectual e no utilitarismo das
formas de vida. Todos os elementos antagonistas da experiência descritos acima pelo
autor, se encontrados dentro de um espaço de aprendizado da dança, levarão da
mesma forma à carência de experiência.
Larrosa Bondía compara a falta de experiência à estagnação ao afirmar que
somente “o sujeito da experiência está (...) aberto à transformação” (LARROSA
BONDÍA, 2002, p. 26). Da mesma forma, para Laban, é a experiência do movimento o
que caracteriza o ser vivo e toda mudança se transmuta em movimento:
Diz-nos a ciência que a mudança é um elemento essencial da
existência. As estrelas que vagueiam pelo céu nascem e morrem.
Crescem e desaparecem, colidem umas com as outras, ou ainda
destroem-se pelo fogo. A mudança está em toda parte. Este incessante
movimento ao largo de um espaço incomensurável tem seu paralelo nos
movimentos mais diminutos e de menor duração que ocorrem em nossa
Terra. Até mesmo as coisas inanimadas como cristais, rios, nuvens e
ilhas crescem e desaparecem, aumentam e quebram, aparecem e
desaparecem.
A mudança se transforma em movimento nos seres vivos, dotados de
uma necessidade imperiosa de empregar o tempo e as alterações que
ocorrem no tempo para seus propósitos pessoais. (...) Em todas essas
necessidades, o movimento tem papel central. (LABAN, 1978, 144-5)
Larrosa Bondía considera que o acontecimento da experiência necessita de
certos requisitos, aos quais podemos transcrever perfeitamente à experiência de
dançar:
A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque,
requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos
tempos que correm: requer parar para pensar, parar para olhar, parar
para escutar, pensar mais devagar; parar para sentir, sentir mais
devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o
juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar
a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que
nos acontece, aprender lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do
encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço.
(LARROSA BONDÍA, 2002, p. 19)
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Assim, ao criar oportunidades para o acontecimento da experiência de dançar, o
saber sensível do corpo tende a despertar e coloca o sujeito diante de si mesmo, no
ponto fundamental entre as impossibilidades e possibilidades corporais e pronto para a
transformação. Mas ainda que se possam criar essas oportunidades de acontecimento
a um grupo, a experiência do acontecimento é única para cada sujeito e abre sua
subjetividade ao desconhecido:
Se o experimento é repetível, a experiência é irrepetível, sempre há
algo como a primeira vez. Se o experimento é preditível e previsível, a
experiência tem sempre uma dimensão de incerteza que não pode ser
reduzida. Além disso, posto que não se pode antecipar o resultado, a
experiência não é o caminho até o objetivo previsto, até uma meta que
se conhece de antemão, mas é uma abertura para o desconhecido,
para o que não se pode antecipar nem “pré-ver”, nem “pré-dizer”. (Idem,
2002, p. 28)
Nessa proposta da experiência do dançar através da improvisação, encontra-se
o desconhecido de si, do corpo. Vivencia-se o irrepetível, o incerto, o imprevisível.
Explora-se a abertura dos sentidos e a capacidade de transformação dessa ampliação.
E é com esse intuito que se delineia uma proposta metodológica de um corpo-devir um corpo que é transformação, mudança, desejo, em vias de tornar-se.
Referências
BANNES, S.. Greenwich Village 1963: avant garde, performance e o corpo
efervescente. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.
FERREIRA, A. B. H. Aurélio século XXI: o dicionário da Língua Portuguesa. 3. ed. rev.
e ampl. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
LABAN, R. Dança Educativa Moderna. São Paulo: Ícone, 1990.
_________. Domínio do Movimento. São Paulo : Summus Editorial, 1978.
LARROSA BONDÍA, J. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Tradução
João Wanderley Geraldi. Revista Brasileira de Educação, n0. 19. Jan/Fev/Mar/Abr
2002.
MARQUES, I. A. Ensino de dança hoje: textos e contextos. São Paulo: Cortez, 2001.
SILVA, E. R. Dança e pós-modernidade. Salvador : EDUFBA, 2005.
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