Modelo de Formação dos Artigos para o TIC`2005

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PAISAGEM COMO REPRESENTAÇÃO DE IDENTIDADE(S)
CULTURAL(IS)
LUCENA, LILIANE MONFARDINI F.
Programa de Pós Graduação em Geografia da Universidade Federal do Paraná
Av. Cel. Francisco H dos Santos, 100 - Centro Politécnico - sala 108 do Edifício João José Bigarella
CEP 81531-980 Caixa Postal 19001
Curitiba - Paraná
E-mail: [email protected]
RESUMO
A observação de uma Paisagem nos propõe olhares diversos, alguns voltados para a compreensão da
sua morfologia, outros para a identificação dos instrumentos e formas materiais construídas por um
determinado grupo social, outros ainda pelos valores subjetivos, estéticos, poéticos, etc. James
Duncan propõe que "a paisagem pode ser lida como um texto", símbolos, arquiteturas e espaços que
determinam tempos; acontecimentos históricos e seus respectivos atores e grupos sociais são
evidenciados. Estes espaços e simbolismos são constituídos, mantidos e/ou depreciados por seus
grupos sociais, conforme importância ou não das diversas Representações do Espaço e dos Espaços
de Representação, conforme explicitará a proposta de Henri Lefebvre. Este autor, que prima pelo
reconhecimento/identificação das relações sociais que geram estes espaços, constrói um conceito de
Representação bastante peculiar e ainda, a partir deste conceito, um método de análise para
compreensão do que ele vem a chamar de Espaço de Representação e de compreender a Paisagem
como Representação. Propõe-se portanto, destacar nesta análise o elemento social, ou seja, os atores
e suas respectivas identidades sociais e socioterritoriais. Discute-se o conceito de Identidade e a
afirmação das mesmas através da criação de novas territorialidades, identidades territoriais e
consequentemente, paisagens. São estes agentes que importam para organização e manutenção dos
espaços concebidos e vividos, os espaços de representação e as representações do espaço. Torna-se
possível captar com esta análise o caráter simbólico e subjetivo dos espaços produzidos e suas
representações espaciais. Identifica-se nestes espaços e demais elementos simbólicos o Patrimônio
Cultural eleito pelo próprio grupo social que os criou, e por isso, constituidores potenciais de uma ou
mais Paisagens Culturais passíveis de preservação como Patrimônio Histórico Municipal, Estadual
e/ou Federal.
Palavras-chave: Representações; Identidade cultural; Território; Patrimônio Cultural
“Quero, para compor os meus castos monólogos,
Deitar-me ao pé do céu, assim como os astrólogos,
E, junto ao campanário escutar sonhando
Solenes cânticos que o vento vai levando.
As mãos sob meu queixo, só, na água-furtada,
Verei a fábrica em azáfama engolfada;
Torres e chaminés, os mastros da cidade,
E o vasto céu que faz sonhar a eternidade.
É doce ver, em meio à bruma que nos vela,
Surgir no azul a estrela e a lâmpada à janela,
Os rios de carvão galgar o firmamento,
E a lua derramar seu suave encantamento.
Verei a primavera, o estio e o outono; e quando
Com seu lençol de neve, o inverno for chegando,
Cada postigo fecharei com os férreos elos
Para na noite erguer meus mágicos castelos...”
Paysage (1857) ,Charles Baudelaire (tradução de Ivan Junqueira)
Certamente, por influência da arte, inicialmente a pintura e posteriormente a poesia, o termo
'paisagem' foi associado à imagem de beleza, natureza em harmonia, equilíbrio. Mesmo no
caso acima, os versos de Baudelaire propõem a descrição de uma paisagem a qual é feita
com tamanho lirismo e estética que quase nos esquecemos do ambiente poluente do qual ele
descreve e não parece se importar. "O termo paisagem durante quase dois séculos não foi
utilizado para designar um fato geográfico, mas o produto da arte de representar numa tela um
dado acontecimento, enquadrado por uma dada realidade geográfica." (ALVES, 2001, p. 67).
O termo paisagem é de origem etimológica do francês "paysage"1, seu radical "pay", século
XIV que significa país - unidade territorial e habitante, ou seja o homem e sua terra. O termo
território por sua vez, surgiu no século XV e está ligado ao vocábulo terra. Estes termos
surgem durante o Renascimento (CUNHA, 1982). Portanto, o próprio significado etimológico
da palavra “paisagem” revela uma certa correlação, pois não se trataria apenas de um espaço
que é observado por um sujeito (externo a ele), o qual irá descrevê-lo e/ou qualificá-lo
segundo seus valores, conhecimentos e crenças. É um espaço produzido materialmente
(suas atividades produtivas e criadoras) e é também uma representação, no espaço, de seus
valores, necessidades, crenças, sendo o sujeito incluído nesta análise.
Se a paisagem, entre os séc. XIII a XV, era representada como uma visão romantizada, nos
séc. XVIII e XIX, a natureza pintada em forma de paisagem começará a ser utilizada também
como recurso científico, objeto de estudo e investigação, sendo influenciada pela nova visão
da ciência sobre a natureza. Basta lembrarmos dos trabalhos dos viajantes europeus, que
1
Segundo os dicionários etimológicos consultados, todos afirmam que a palavra paisagem vem do francês
"paysage", dentre eles, o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, de Antônio Geraldo da Cunha.
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dedicaram parte de suas vidas realizando uma documentação vasta em desenhos, pinturas e
relatos sobre as paisagens. Merece destaque os trabalhos de Alexander von Humboldt2 (em
relação as colônias espanholas entre os anos de 1799 e 1804), e Jean-Baptiste Debret (em
relação às paisagens brasileiras entre os anos de 1816 e 1831), ainda que com enfoque mais
artístico, realiza descrição ilustrativa minuciosa sobre a fauna, a flora e a vida cotidiana do
campo e da cidade, do negro, do índio e do branco. Estes e outros trabalhos foram feitos sob
forte influência iluminista.
A Geografia se desenvolveu a partir de então, final do séc. XIX, e mediante este objeto de
estudo - a paisagem, possibilitando uma nova forma do olhar: para que exista a paisagem é
necessário um ponto de vista e um espectador, é necessário um relato que dê sentido ao que
se vê e ao que se sente para melhor compreensão do mundo e das relações humanas nele
inseridos (CAPEL, 1981). Segundo este mesmo autor, tanto o conceito de paisagem assim
como o de região, garantiram a geografia um lugar dentro da universidade e o enfrentamento
do “perigo ameaçador da divisão da matéria entre um geografia física e outra humana”
(CAPEL, 1981, p. 346-347). Diversas outras áreas científicas utilizam também do termo
paisagem (arquitetura, biologia, história...), mas, apesar de haver um conceito base em
comum, em cada uma delas a metodologia de estudo são diferenciadas.
Também, dentro da Geografia, a abordagem do tema paisagem e seu tratamento acumulou
ao longo dos tempos uma série de visões resultantes de uma "complexização" do conceito,
tendo em vista que o mesmo foi tratado por várias correntes na geografia, moldadas cada qual
em um determinado contexto histórico e cultural (Geografia Cultural, Física, Crítica, Humana,
Econômica..). Mas, estas visões somam-se no cumprimento do objetivo da Geografia, que
seria, segundo Gomes (1996), de produzir uma imagem sintética da Terra, na qual a cultura e
a natureza formariam conjuntos integrados, articulados e espacialmente diferenciados na
superfície do planeta. Estes conjuntos poderiam ser caracterizados como sendo paisagens,
regiões ou lugares, cada qual com uma característica própria.
PAISAGEM E CULTURA PELA GEOGRAFIA
A definição de paisagem como conceito formal na geografia começa a ser formulada no final
do séc. XIX e início do séc. XX com Otto Schlüter (1872-1959) e Siegfried Passarge
(1866-1958), na Alemanha, sendo introduzido posteriormente nos Estados Unidos por Carl O.
Sauer (1889-1975). Mas, em período pouco anterior à estes pesquisadores, Paul Vidal de La
Blache (1845-1918), no final do séc. XIX colocou em seus estudos, o problema da
2
Alexander von Humboldt (1769-1859) desenvolveu uma pesquisa exploratória realizando uma descrição das
diversas paisagens das colônias espanholas e marca o início do estudo da paisagem como objeto científico.
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diferenciação das paisagens. Sua proposta era de "explicar os lugares, e não se concentrar
nos homens,... a análise sobre gêneros de vida mostra como a elaboração das paisagens
reflete a organização social do trabalho" (CLAVAL, 1999, p. 33).
Segundo Ribeiro (2007), Schlüter, utilizou-se de um termo criado por E. Kaap,
Kulturgeografhie (geografia cultural), e criou a "morfologia da paisagem cultural", cujo método
"constituía na descrição das partes componentes da paisagem criadas pelas atividades
humanas e na explicação de suas origens" (RIBEIRO, 2007, p. 18). Ainda, segundo este
autor,
Schlüter criou os termos Kulturlandschaft (paisagem cultural), para designar as
paisagens transformadas pelo trabalho humano e a Naturlandschaft (paisagem natural), para
as paisagens que não tiveram interferência humana.
Foi somente nos Estados Unidos, com Carl Sauer, em 1925, através da publicação do seu
trabalho "The morphology of Landscape", que a Geografia Cultural emerge como um
subcampo independente da Geografia. Esta obra representou uma nova proposta de visão
frente ao determinismo ambiental e geográfico. Sauer propôs "a paisagem como conceito
central da geografia, conceito esse que, segundo ele, seria capaz de romper com as
dualidades da disciplina (físico/humana e geral/regional)..." (RIBEIRO, 2007, p.19) e foi
fortemente influenciado por Schlüter e Passarge, adotando os conceitos de paisagem natural
e paisagem cultural e ainda, que o estudo da paisagem deveria se limitar aos aspectos
visíveis, pois os demais aspectos, subjetivos e não-materiais, não fariam parte dos estudos
tendo em vista a impossibilidade de mensurá-los.
Assim, a Geografia, desde sua origem, se ocupou sobre o estudo da paisagem e sua
diversidade proveniente não só dos aspectos físico-ambientais, mas também, dos aspectos
materiais das culturas, vestuários, utensílios e técnicas agrícolas que as moldavam, mas
"Como o ponto de vista dominante era positivista, essa Geografia Cultural não estudava as
ideias e as representações". (CLAVAL, 1999b, p. 60). A Geografia Cultural entra em crise
entre os anos de 1950 e 1970, em função de três fatores: a aceleração do progresso
tecnológico diminui a diversidade dos utensílios e equipamentos de trabalho, o que torna o
métodos de estudo da geografia ineficaz. 2. A diversidade das atividades humanas se
diversificam, sobretudo nas cidades, de modo que se torna inviável fazer estudo de gêneros
de vida. 3. A cultura ganha tal dimensão de estudo que não se pode mais negar seus aspectos
imateriais, suas representações e simbolismos. (CLAVAL, 1999b).
No período pós-guerras (anos 50 e 60), a sociedade mundial vivenciou uma nova situação
socioeconômica e espacial: além da industrialização e consequente urbanização da
população, a uniformização de diversas técnicas, tecnologias e instrumentos de trabalho irão
proporcionar o desenvolvimento de novos ramos da Geografia: a Geografia Crítica, baseada
no materialismo histórico/marxismo e a Geografia Quantitativa, de base positivista. Paulo
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César da Costa Gomes entende ser a modernidade construída "sob a forma de um duplo
caráter: de um lado, o território da razão, das instituições do saber metódico e normativo; do
outro, diversas “contracorrentes”, contestando o poder da razão, os modelos e métodos da
ciência institucionalizada e o espírito universalizante” ( GOMES, 1986, p. 26 ).
Este novo meio se tornaria frutífero para que os geógrafos destas novas "correntes"
refutassem as propostas de pesquisas anteriores, sobre gêneros de vida e a paisagens
(naturais e culturais) construídas, pois consideravam que todo o processo econômico
encaminhava a sociedade para uma "homogeneização cultural". Dessa forma, as paisagens,
cada vez mais homogêneas, tornavam-se uma simples "...manifestação física das formações
socioeconômicas. Nessa perspectiva, a paisagem passou a ser analisada somente em sua
materialidade física, perdeu relevância na produção acadêmica e sua dimensão cultural foi
reduzida à ideologia". (NAME, 2010, p. 171).
Segundo Name (2010), seria ainda nos anos 60 que um grupo de geógrafos radicais à
Geografia Quantitativa (que segundo ele, servia de instrumental aos poderes estatais e aos
demais poderes econômico dominantes e era extremamente racional e positivista), propõem
uma nova abordagem para a Geografia, mais subjetiva e sensível as mudanças culturais que
ora se impunham. Este movimento se iniciou nos Estados Unidos com David Lowenthal e
posteriormente Y-Fu-Tuan e passou a ser denominada de 'Geografia Humanista'. Esta nova
corrente ideológica, refutava o positivismo e ao analisar as relações homem-meio apoiou-se
numa rede de tendências filosóficas que inclui a fenomenologia3 e a hermenêutica4. (MELLO,
1991, apud EVANGELISTA et al., 1997).
Assim, a partir dos anos 70, além da Geografia Quantitativa e da Geografia Crítica,
desenvolve-se a Geografia Humanista, e com ela retoma-se o estudo da cultura. A temática
da paisagem seria retomada parcialmente por esta nova corrente, tendo como suporte a
fenomenologia, por vezes existencial, em com um enfoque bastante particularista - a partir
dos valores, das crenças, do gosto e das preferências, da visão de mundo, termos que
substituem o conceito de cultura. (NAME, 2010). Também, para Ribeiro (2007), nesta nova
corrente que surge, "a paisagem é introjetada no sistema de valores humanos, definindo
relacionamentos complexos entre as atitudes e a percepção sobre o meio". (RIBEIRO,
2007,p. 24).
Para estes geógrafos da linha humanística, o estudo de uma paisagem implica na
compreensão dos valores humanos e de que forma aquela paisagem se relaciona com estes
3
A fenomenologia, que opõe-se ao positivismo, propõe estudar os atos da consciência sobre o mundo vivido,
evitando aquele exame de um mundo que é externo ao pesquisador. Desse modo, os estudos sobre as emoções e
suas relações aos espaços e lugares, as experiências quotidianas vão adquirir destaque na produção geográfica.
4
A hermenêutica entende que para qualquer coisa a ser entendida há de ter um quadro de referência durante o
exercício de compreender o mundo. A hermenêutica, enquanto uma filosofia do significado, considera que não há
separação entre sujeito e objeto, cabendo então a explicitação dos conteúdos da mente e demais aspectos da
experiência vivida. ( Mello, 1991, pp. 41-42 )
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valores, qual o sentido que aquela paisagem faz para aqueles que a constituíram. Foram
fortemente influenciados pelo antropólogo Clifford Geertz (1926-2006)5 que considerava a
cultura um instrumento de compreensão do mundo. Para Claval (1999), estes geógrafos
também receberam uma forte influência do historiador inglês Raymond Willians6 , que propõe
efetuar a interpretação simbólica que os grupos sociais dão ao ambiente e o impacto das
representações sobre a vida coletiva. (CLAVAL, 1999, p.56).
A pós-modernidade revela a fragmentação das ideias e do mundo, muito bem analisado por
David Harvey (1992), pois segundo ele, o fato mais marcante sobre o pós-modernismo é a
aceitação “...do efêmero, do fragmentário, do descontínuo e do caótico que formavam uma
metade do conceito baudelairiano de modernidade.” (HARVEY, 1992, p. 49).
Assim, na década de 1980, um grupo de geógrafos bastante influenciados pela Geografia
Humanista, se propuseram resgatar e renovar a Geografia Cultural da década de 1920,
passando chamar todo o trabalho de Sauer e sua escola (Berkeley) de "Geografia Cultural
Tradicional", criando a "Nova Geografia Cultural". Segundo Ribeiro (2007) e Claval (1999),
esta nova escola incorporou como um dos objetos de estudo, a simbologia da paisagem.
James Duncam, um dos integrantes desta nova corrente, escreve em 1980 uma crítica7,
considerada precursora, à visão de cultura defendida pela Escola de Sauer. Posteriormente,
sua obra "The City as a Text", publicado em 1990, defende a idéia de que a paisagem é
subjetiva e que cada grupo a interpreta de uma forma diferente segundo seus próprios
conjuntos de símbolos. Acompanham esta mesma linha de raciocínio, da leitura da paisagem
como um texto, Lorenza Mondada e Ola Soderstrom8. Claval (1999) destaca um parecer
destes psicólogos, os quais indicam que a renovação da geografia cultural iniciou ainda no
início dos anos 70. "Ela se manifesta, então, quase em toda parte da mesma maneira: os
lugares não têm somente uma forma e cor, uma racionalidade econômica. Eles estão
carregados de sentido para aqueles que os habitam ou que os frequentam." (CLAVAL, 1999,
p. 55).
Dentre outros geógrafos contemporâneos que trabalham com os temas paisagem e cultura
associados, situando-se na Linha da Geografia Cultural, é Giuliana Andreotti. Desenvolve
assim, um conceito diferenciado de paisagem, a qual ela denomina de 'paisagem espiritual' e
compara-a a uma obra de arte: "Se houver clareza não é mais paisagem, porque essa é a
psique do antigo, do medieval, do moderno e, portanto, deve ser complexa como a alma:
5
Clifford Geertz foi um antropólogo americano muito influente nos Estados Unidos. Dentre suas obras, merece
destaque "A interpretação das Culturas", de 1973. Considerado o fundador de uma nova corrente antropológica, a
Antropologia Hermenêutica.
6
WILLIAMS, Raymond. The Sociology of Culture. New York, Schocken, 1982.
7
DUNCAM, James. The superoganic in American Cultural Geografhy. Annals of the Association of American
Geographers.70 (2), 1980, pp. 181-198.
8
Mondada, Lorenza; Soderstrom, Ola. Du texte a l'interaction: parcours à travers la géographie culturiel
contemporaine. Géographie et Cultures, n.8, 1993, p.71-82.
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emociona, envolve, é uma pergunta ou uma resposta e, em seguida, muda novamente para
uma resposta e uma pergunta." (ANDREOTTI: 2010, p.268). Interpretar um paisagem
torna-se um processo individual e subjetivo, pois implica uma visão de mundo de quem o faz,
considerando haver a interferência de toda sua bagagem cultural que, certamente, participará.
Deve ser aqui ressaltado também os trabalhos do geógrafo francês Augustin Berque, nesta
linha da Nova Geografia Cultural, o qual segundo RIBEIRO (2007), oferece grande
contribuição para o entendimento da simbologia da paisagem. O estudo da paisagem não é
uma "morfologia do ambiente" ou uma "psicologia da percepção". A paisagem reside na
interação entre objeto e sujeito, assim, é ao mesmo tempo matriz e marco: "Paisagem Matriz
na medida em que as estruturas e formas da paisagem contribuem para a perpetuação de
usos e significações entre as gerações; Paisagem Marco na medida que cada grupo grava em
seu espaço os sinais e símbolos de sua atividade". (BERQUE, 1984 apud RIBEIRO et al.,
2007, p.30).
Considerando-se os aspectos acima mencionados, parece que o estudo da paisagem
associado à cultura acabou por se tornar o objeto de estudo desta nova corrente da
humanística, a Nova Geografia Cultural. As demais correntes da Geografia tratam do estudo
da paisagem assim como da cultura, mas com menor frequência e com abordagem
diferenciada, como vimos anteriormente. Portanto, na perspectiva positivista, a paisagem
significa o visível, ou seja, a identificação dos aspectos que se encontram ao alcance da visão
do observador analisados de maneira mais racional possível sem qualquer aspecto subjetivo;
na abordagem do materialismo histórico marxista, o sujeito deve ultrapassar o aspecto visível
a fim de encontrar os elementos que são responsáveis pela produção daquela paisagem: as
práticas sociais, como o trabalho, a vida social, as relações político-ideológicas, as evoluções
tecnológicas - a paisagem e a cultura são analisados na visão como objetos/produtos
ideológicos e mercadológicos pela sociedade. Por fim, na abordagem fenomenológica, a
percepção torna-se o método principal para compreender a paisagem. Os aspectos subjetivos
e objetivos são elementos da paisagem; o percebido e vivido pelo observador, cujas análises
percorrem paisagens sonoras, dos odores, paisagens do medo, espirituais, sendo
consideradas estas interpretações como forma de compreensão do próprio homem.
Por outro lado, é importante lembrar que o estudo da paisagem não é um tema somente
discutido na Geografia, pois o mesmo tem sido associado com diversos outros assuntos e
áreas (ecologia da paisagem, paisagismo, pinturas paisagísticas, legislação de direito à
paisagem, etc.).
Também, deve-se destacar que alguns estudos de paisagem cultural têm sido relacionados o
tema de patrimônio cultural por instituições não acadêmicas, mas, governamentais, como é o
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caso da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e a Cultura) e
do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), em nível nacional.
Nigro (2010) aponta que, face a esta nova associação entre paisagem cultural e patrimônio,
uma nova tendência de estudo na Geografia tem surgido, buscando realizar análises sobre
esta intersecção. Cita o trabalho de Graham, Ashworth e Tunbridge (2000), onde propõem
uma Geografia do Patrimônio (Geography of Heritage).
PAISAGEM E PATRIMONIO CULTURAL
A paisagem cultural, na forma como vem sendo abordada por órgãos internacionais e
nacionais de preservação cultural, como a UNESCO e o Iphan (Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional) é aparentemente semelhante à da geografia cultural. A
UNESCO principalmente, talvez em virtude do seu caráter global, tendo em vista que este
órgão trabalha com representantes de diversas áreas do conhecimento de sociedades do
mundo inteiro, das mais variadas filosofias, capitalistas ou não. Já o Iphan, seu discurso é um
pouco diferenciado, como veremos futuramente.
A UNESCO, através da Convenção para a Proteção do Patrimônio Cultural e Natural, em
Paris, no ano de 1972, criou uma Lista para inscrição de bens como patrimônio mundial. Um
Comitê, constituído por 21 representantes dos estados membros da UNESCO, é o
responsável pela inscrição e gestão desta Lista; mas inicialmente, conforme esta Convenção
determinou, os bens inscritos poderiam receber a classificação de 'patrimônio natural' ou
'patrimônio cultural', cabendo aos estado membros fazerem as indicações.
No entanto, este comitê, ao longo dos 20 anos seguintes, após muitas convenções
internacionais9, discutindo sobre esta divisão entre o natural e o cultural e debatendo outros
temas correlatos, sobre conjuntos e sítios históricos, chegou a definição, em 1992, da criação
de uma nova categoria de preservação: a Paisagem Cultural.
Segundo Ribeiro (2007), a criação desta categoria representou uma ruptura com os modelos
anteriores. Neste documento final regido no encontro de 1992, as paisagens culturais "são
consideradas representações da evolução da sociedade humana e seus assentamentos ao
longo do tempo, sob influencia do ambiente natural e pelas sucessivas ações sociais e
econômico-culturais" (UNESCO,1992). Também, foram criadas três categorias de paisagem
cultural: Paisagem cultural claramente definida (criadas intencionalmente pelo homem, como
9
A 19º Conferencia da Unesco em 1976 ou Carta de Nairobi, sobre a definição de conjuntos históricos,
A Carta Internacional de Washinton, de 1986, em que ressalta a necessidade de preservar as relações
entre cidade e seu entorno natural, dentre outras reuniões, ao longo dos anos 80, onde discutiam sobre
a idéia de paisagem cultural.
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jardins e parques)10, Paisagem evoluída organicamente (pela ação inicial humana de caráter
econômico, social, religioso, que se desenvolveu em associação com meio natural), podendo
ser ainda subdivida em categoria relíquia ou fóssil e contínua 11, e por fim a Paisagem cultural
associativa (que têm seu valor ressaltado pela associação artística, religiosa ou cultural que o
homem faz a ela, sem precisar haver qualquer evidência de intervenção material)12.
Atualmente, mais de 50 bens culturais mundiais foram inscritos na categoria paisagem
cultural, dentre eles, a paisagem cultural do Rio de Janeiro, em 2012.
Já o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) órgão federal brasileiro,
procura acompanhar a visão da Unesco, mas com adaptações para a realidade nacional, de
acordo com os aspectos históricos, legais e até de contextualização com a realidade
econômica da atual da sociedade brasileira.
Vive-se, atualmente, um período de ampliação da noção de patrimônio cultural, bem como de
ampliação dos instrumentos de preservação e gestão deste patrimônio. Se, desde 1937 até
2000, o único instrumento de preservação era o 'Tombamento', hoje também há os 'Registros'
para reconhecimento e salvaguarda do patrimônio imaterial e ainda a 'Chancela da Paisagem
Cultural', aprovada em 2009 como mais novo instrumento de preservação, que além de
associar a materialidade à imaterialidade em um mesmo recorte espacial, pressupõe sua
vinculação ao meio ambiente natural no qual está inserido e ainda, compreende, identifica e
valoriza a dinâmica da transformação cultural que ocorre nestes lugares, buscando sua
salvaguarda através da associação entre os diversos atores sociais que utilizam e dependem
direta e indiretamente do local, sejam eles moradores, órgãos públicos, empreendedores
particulares, que deverão juntos, realizar a gestão compartilhada do lugar ou região.
A diferença entre o instrumento de Tombamento, com a possibilidade de sua inscrição no
Livro de Tombo Etnográfico, Arqueológico e Paisagístico e a Chancela da Paisagem Cultural
é quanto à forma de abordagem: no Tombamento, a preservação do material, do visível é o
seu objeto, seu foco, sendo que não são previstas possibilidades de mudança física ou
estética frente à qualquer contingência humana ou natural, diferente da nova proposta - a
Chancela da Paisagem Cultural, que além de abarcar a materialidade e a imaterialidade do
bem em si, ou seja, a obra e seu conteúdo, prevê também estudos de acompanhamento das
alterações físicas e socioculturais, periódica, pois entende a cultura como um processo
sempre em transformação.
Este novo instrumento de Preservação, conforme descrito em sua Portaria de criação,
considera, dentre outras ponderações, que “os fenômenos contemporâneos de expansão
10
Como exemplo, a Paisagem Cultural de Sintra, em Portugal, a paisagem cultural de Lednice-Valtice,
na República Checa.
11
Como exemplo, as paisagens dos terraços de arroz das Cordilheiras Filipinas.
12
Como exemplo, a paisagem cultural do Rio de Janeiro, Brasil.
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urbana, globalização e massificação das paisagens urbanas e rurais colocam em risco
contextos de vida e tradições locais em todo o planeta” e conceitua “paisagem cultural”:
“Paisagem Cultural Brasileira é uma porção peculiar do território nacional,
representativa do processo de interação do homem com o meio natural, à
qual a vida e a ciência humana imprimiam marcas ou atribuíram valores.”
(IPHAN, 2009)
A forma de análise para identificação de uma paisagem cultural, seja pela UNESCO, seja pelo
Iphan, não se diferenciam tanto da visão da Geografia. Seus critérios avaliativos são mais
genéricos, os quais parecem incluir qualquer uma das visões da geografia, desde a positivista
até à nova geografia cultural, sem restrição.
Mas, buscam sempre o caráter da
especificidade, exclusividade, monumentalidade e estética, para ser tornarem patrimônio
nacional e/ou mundial.
A PAISAGEM COMO REPRESENTAÇÃO DE IDENTIDADES CULTURAIS
Até o presente momento foram abordadas algumas noções sobre a origem do conceito de
paisagem e paisagem cultural, como esta categoria foi estudada pela Geografia ao longo da
sua história. A paisagem é atualmente mais utilizada pela corrente da Nova Geografia
Cultural, denominada como 'paisagem cultural' e estudada dentro da perspectiva filosófica da
hermenêutica e da fenomenologia.
As demais correntes da Geografia também abordam os temas paisagem e a cultura, mas com
menos frequência e de maneira diferenciada (linhas filosóficas e métodos de pesquisa) como
foi visto anteriormente, possibilitando com isso, visões de mundo que podem ser
consideradas complementares. Esta divisão que acaba acontecendo entre as correntes
geográficas, não acontece até o presente momento na definição de paisagem cultural para os
órgãos de preservação cultural, seja em nível nacional ou internacional, pois não demonstram
ter uma preocupação com necessidade de situar-se numa ou noutra linha filosófica de
pensamento, mas estipulando algum critérios que parecem agrupar visões do materialismo
histórico sem refutar a fenomenologia.
Propõe-se, no entanto, estudar a Paisagem dentro da concepção do materialismo histórico e
da dialética, compreendendo-a como uma 'representação'. A Paisagem não é o objeto em si,
mas uma representação de um 'espaço social' produzido, na terminologia de Henri Lefebvre
(1974; 2006).
Lefebvre (2006) considera não somente que a representação é um feito/fenômeno social,
psíquico, político mas também que existe uma rejeição mundial frente a esta concepção. Em
Kant se inicia o conceito de representação, que seria posteriormente, entre os filósofos,
desenvolvidas: inicialmente postas como díades - significante e significado, sujeito e objeto;
para então evoluir em tríades - o representante, o representado e a representação.
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O autor ressalta que houve necessidade de sair do par: representante -representado e incluir
um terceiro termo: a representação, pois esta engloba a 'obra' e justifica: "nenhuma obra, nem
mesmo a obra de arte, nem a cidade e a segunda natureza, pode realizar-se sem reunir todos
os elementos e momentos, sem constituir uma totalidade" (LEFEBVRE, 2006, p xx). Assim,
em toda a 'obra' encontramos um momento técnico e um momento do saber, do desejo, do
trabalho, do lúdico, da seriedade, um momento social, etc. O que só é econômico,
tecnológico, lúdico, etc, não pode sair das representações e dos produtos e se separa da
obra. A obra propõe uma forma, que tem um conteúdo multiforme - sensorial, sensual,
intelectual, com predomínio desta ou daquela nuance de sensibilidade, deste ou daquele
sentido técnico ou ideológico, mas sem que destrua os demais aspectos e momentos.
Se, na proposta deste trabalho, a Paisagem é uma representação, o que ela representa?
Uma sociedade, um grupo social, com suas crenças, valores, culturas, e que se expressa,
deixa marcas na natureza e a transforma- novas funções e estruturas. Se a paisagem é
representação, o sujeito pode ser um grupo social ou uma sociedade (representante) e o
objeto pode ser o espaço (social) em sua dinâmica- praticas sociais e meio físico
(representado). Esta representação, como Lefebvre (2006) aponta, engloba obra - forma e
conteúdo.
Sobre este aspecto, o espaço (social) também é uma representação, pois entende que o
espaço por si é uma construção mental do homem e é dessa forma que Lefebvre irá tratar em
sua obra "La production de L'espace". Nesta, o autor discute sobre uma postura histórica de
sempre se intelectualizar a produção do espaço; existe uma forte corrente ideológica, de
poder, que teoriza, concebe os espaços, mas que existe um espaço social, do imprevisto, do
espontâneo, que foge do planejamento, do conhecimento. Assim, ele conceitua como "teoria
unitária do espaço", decorrente de um novo espaço social, onde prevalece uma
simultaneidade entre o mental e o social, a cientificidade e a espacialidade, numa relação
dialética entre eles.
Dessa forma, tem-se uma aproximação entre os mundos da "ordem distante" (concepção do
Estado e representado pelos especialistas e tecnocratas) e da "ordem próxima" (o vivido, o
espontâneo, o cotidiano da sociedade). Estas ordens não se justapõem, mas se interpõem e
se superpõem. Ainda, que para se obter uma apreensão mais aprofundada dos elementos
que constituem este espaço social, deve-se considerar a multiplicidade de representações
específicas de uma tripla interação das relações sociais de reprodução, definidas pelas
'práticas sociais','representações do espaço' e pelos 'espaços de representação'.
Nigro (2010) destaca que os trabalhos de Henri Lefebvre ganharam relevância a partir dos
anos 80, tendo em vista que ele buscou recuperar as dimensões simbólicas e culturais sobre
o espaço, dentro de uma visão mais marxista, quando na geografia crítica predominava uma
visão mais estruturalista do marxismo. "Através dos estudos sobre espaço vivido e espaço
concebido, Henri Lefebvre tem trazido importantes contribuições para a Geografia".(Nigro,
2010, p.64).
Evidentemente que Lefebvre não se detém no estudo sobre paisagem mas a identifica, assim
como a uma cidade, como obra, representação. Ele estuda o espaço (social), e seus
trabalhos tem sido até hoje considerados atuais, contemporâneos, muito discutidos e
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utilizados entre diversos pesquisadores de diversas especialidades e linhas de pensamento
filosóficas. Mas, pelo que foi exposto até o presente momento, para Lefebvre (1974; 2006),
tanto espaço (social), como paisagem podem ser consideradas representações.
Para Milton Santos, no entanto, não existe esta mediação entre o sujeito e o objeto - a
representação. Por isso, este autor analisa o espaço, a paisagem, a região como objetos,
produtos da ação humana, cada um com suas especificidades, níveis, escalas, etc. Milton
Santos ainda propõe uma diferenciação entre espaço e paisagem.
Tanto para Lefebvre como para Milton Santos o espaço e o tempo são categorias principais
para caracterização e compreensão das relações sociais. Suas definições sobre espaço são
inclusive bem semelhantes. Para Santos (1996), "o espaço é resultado da ação dos homens
sobre o próprio espaço, intermediados pelos objetos, naturais e artificiais" (SANTOS, 1996,
p.71).
Enquanto Lefebvre (1974), ao discutir o 'espaço', inicialmente o caracteriza como 'espaço
social' pois compreende que o espaço por si não existe, é uma criação humana, e conceitua o
espaço social como 'um produto social' onde se relacionam as práticas sociais, os espaços de
representação e as representações do espaço. Ele afirma: "O conceito de espaço reúne o
mental e o cultural, o social e o histórico. Reconstituindo um processo complexo: descoberta
(de espaços novos, desconhecidos, (...)- produção (da organização espacial própria a cada
sociedade)- criação (de obras: a paisagem, a cidade como a monumentalidade e o décor)"
(LEFEBVRE,1974, p. 6). Ambos procuram manter-se dentro da abordagem do materialismo
histórico dialético, mas há uma sutil diferença entre estes conceitos: enquanto para SANTOS
(1996; 2008), o espaço é o próprio produto social, que contém a materialidade e as práticas,
para LEFEBVRE (1974), o espaço é uma representação do produto social.
Quando Milton Santos (1996) expõe suas análises sobre paisagem, entende que em algumas
situações, esta se iguala a categoria espaço, caracterizando que "tanto a paisagem quanto o
espaço resultam de movimentos superficiais e de fundo da sociedade, uma realidade de
funcionamento unitário, um mosaico de relações, de formas, funções e sentidos"
(SANTOS,1996, p.61); enfim poderíamos assim entender, que se trata de uma representação
do que constitui a identidade de um grupo social ou uma sociedade, com seus valores e
conflitos, formada por volumes, cores, movimentos, sons, odores, cuja apreensão depende do
ponto de vista do observador, sua localização, sua percepção. Alerta, no entanto, que o
estudo da paisagem deve ultrapassar a fase da percepção que é superficial, para alcançar a
fase de compreensão do seu significado, ou seja que relações, funções, valores que estão
representados, retratados na paisagem. Também destaca que a paisagem é heterogênea,
pois, além da diversidade de funções que o homem realiza, pela diversidade de atores sociais
e atividades que imprimem formas diversas no espaço, é heterogênea também porque nela
fica registrada as heranças de sucessivas relações entre o homem e a natureza. “a paisagem
é história congelada, mas que participa da história viva” (SANTOS, 2008, p.181).
Dessa feita, será, no entanto abordada a paisagem à luz de Lefebvre, que considera a
representação um "fenômeno da consciência", seja individual ou coletivo, que acompanha
(temporariamente) uma sociedade e conceitua um dado objeto ou conjunto de objetos, como
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por exemplo, uma arquitetura pode representar uma sociedade, uma curva pode representar
um fenômeno físico ou ainda uma paisagem representar um espaço produzido e apropriado
por um determinado grupo social (LEFEBVRE, 1974).
A apropriação é reconhecida como um processo de territorialização e Hasbaert (1997)
complementa que a apropriação reúne uma dimensão concreta, de caráter funcional
(político-institucional) e uma dimensão afetiva (religioso, ideológico).
A forma de apropriação de um território envolve aspectos históricos, políticos, econômicos e
sociais e culturais. A partir do 'espaço abstrato', um espaço concebido pelos interesses
econômicos e políticos do Estado, um determinado grupo social, irá recriar o espaço abstrato,
recriando determinadas lógicas inicialmente propostas, criando outros fluxos e espaços,
resultando assim em espaços diferenciais. Deste momento, tem-se a apropriação e a
territorilização. (LEFEBVRE, 1974).
O geógrafo Rogério Haesbaert, em função dos seus trabalhos anteriores sobre território,
propõe uma discussão sobre os movimentos de territorizalização e reterritorialização.
(HASBAERT, 1997). O território, portanto, é uma categoria primordial para o desenvolvimento
da identidade social. Dentro da geografia, as maneiras de se definir e estudar o território
variam, mudando de acordo com a área e com o período histórico. O território pode ser
definido desde uma concepção mais concreta, de uma determinada porção geográfica
apropriada por grupo social para o estabelecimento de suas relações de sobrevivência
material e social, até um recorte geográfico mais abstrato, jurídico, como o do Estado-Nação.
Em sua outra obra, Haesbaert (2004) aprofunda a discussão sobre o conceito de território,
percebendo uma expansão deste conceito, antes restrito basicamente ao ponto de vista
materialista, em função de sua origem vinculada ao espaço físico, à terra ou ainda como base
material para o estabelecimento das relações econômicas e hoje, reportando-se a uma nova
dimensão que ele denomina de idealista (simbólica e cultural) e integradora (material e ideal;
natureza e sociedade; econômica, política e cultural). A discussão de território se faz
necessária para conceituar as identidades territoriais e social. Faz uma diferenciação entre
identidade social e identidade territorial, afirmando que toda identidade territorial é uma
identidade social definida fundamentalmente através do território, ou seja, dentro de uma
relação de apropriação que aquele grupo produz tanto no campo das idéias quanto no espaço
geográfico.
Castells (1999) caracteriza a identidade como "o processo de construção de significado com
base em um atributo cultural, ou ainda um conjunto de atributos culturais inter-relacionados,
os quais prevalecem sobre outras fontes de significado" (CASTELLS, 1999, p. 22). Ou seja, a
construção de uma identidade, quer seja individual ou social, receberá sempre a influência da
cultura na qual o indivíduo está imerso ou das culturas com as quais ele convive.
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Segundo Stuart Hall (1999) uma identidade cultural enfatiza aspectos relacionados a nossa
pertença a culturas étnicas, raciais, linguísticas, religiosas, regionais e/ou nacionais. Ao
analisar a questão, este autor focaliza particularmente as identidades culturais referenciadas
às culturas nacionais. Para ele, a nação é além de uma entidade política – o Estado –, ela é
um sistema de representação cultural (grifos do autor). Noutros termos, a nação é
composta de representações e símbolos que fundamentam a constituição de uma dada
identidade nacional. Segundo Hall (1999), as culturas nacionais produzem sentidos com os
quais podemos nos identificar (grifo do autor) e constroem, assim, suas identidades. Esses
sentidos estão contidos em estórias, memórias e imagens que servem de referências, de
nexos para a constituição de uma identidade da nação. Mas, esta identidade não é uma
identidade natural, geneticamente herdada, ela é construída. Hall assim a define: “uma cultura
nacional é um discurso – um modo de construir sentidos que influencia e organiza tanto
nossas ações, quanto a concepção que temos de nós mesmos” (HALL, 1999, p.50)
As identidade cultural, é também denominada por Castells (1999) como grupo de resistência
mediante o poder de um grupo de legitimadores. Este grupo, ao adaptar-se na terra
apresentada, com sua "bagagem histórico-cultural" reorganizou-se socialmente neste novo
espaço, construindo novas relações sociais, econômicas e políticas com outros moradores
vizinhos, com outros municípios e com o próprio estado, vindo a constituir o que Hall (1997)
denominaria uma identidade cultural e Hasbaert (1999), de uma identidade transterritorial.
A globalização traz uma nova forma de ver, sentir e se apropriar do mundo. As facilidades e
velocidades alcançadas pelas diversas formas de mobilidade, de acesso e emissão de
informações, proporcionaram o que Santos (2008) denominou de “corporeidade” – os lugares
passam a ser percebidos como o intermediário entre o mundo e o indivíduo. E são nestas
dimensões, ou seja, no local e no cotidiano que, como também aponta Lefebvre (1991),
acontecem os impactos, as recriações das relações sociais. É através da experiência do
cotidiano que será possível observar o fenômeno da globalização-fragmentação, pois como
também diz Lefebvre (1991) “a análise da vida cotidiana envolve concepções e apreciações
na escala da experiência social em geral” (LEFEBVRE,1991, p.28). Mais do que isso, como
Lefebvre analisou muito bem, é através do conhecimento do cotidiano dos lugares que se
conhecem seus valores, conhecimentos, rituais e ritmos. São estas as características que
enriquecem uma cidade (ou uma determinada região) e as diferenciam das demais: a
especificidades.
Este ponto de vista, coincide com a leitura de Lefebvre (1974) sobre o espaço social, onde
estão representadas as práticas sociais, as representações do espaço criadas pelos poderes
legitimadores (estado, poderes econômicos) e os espaços de representação (manifestações
do cotidianos, relações sociais do imprevisto, da festa, da religiosidade). Destas relações o
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espaço diferencial emerge, sendo definido pela combinação destas lógicas, onde espaços
são apropriados ou não. Entende-se que surge um campo de tensões, ocasionada pela
existência de dois mundos - o global e o local - que por vezes não se cruzam, ou quando se
cruzam, é na tentativa de submetimento de um sobre o outro.
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