G, Jí. Êpunaeon - Faculdade Teológica Nacional

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G, Jí. Êpunaeon
UM,
Em 1865 Spurgeon inaugurou a “ Conferência Anual” do Colégio de
Pastores, a qual foram convidados todos os pastores que haviam sido
preparados no Colégio. Essa reunião anual estava destinada a oferecer
um laço de união permanente entre eles. Durante toda sua vida, Spurgeon
pronunciou vinte e sete palestras presidenciais na Conferência; doze delas
foram reimpressas após sua morte, das quais seis estão neste livro.
Se havemos de entender atualmente porque o testemunho evangélico
chegou a um nível tão baixo, é necessário que retrocedamos ao século
dezenove e descubramos o que ocorreu. Este volume nos concede bastante
luz adicional neste assunto, com as observações do famoso pregador sobre
a mudança de ênfase na pregação do evangelho, acerca dos aspectos da
“ obra m issionária” moderna, no que se refere ao descuido da doutrina da
soberania de Deus e a respeito da decadência geral da pureza doutrinária.
“ Para serem pregadores eficazes devem ser teólogos autênticos.”
UM MINISTÉRIO IDEAL
Volume 1
C onferências a ministros e estudantes
C. H. Spurgeon
fes
PUBLICAÇÕES EVANGÉLICAS SELECIONADAS
Caixa Postal 1287 - 01059-970 - São Paulo, SP
www.editorapes.com.br
Título original:
An Ali Round Ministry
Primeira edição em português:
1991
Segunda edição em português:
2005
Tradução do inglês:
Edgard Leitão
Revisor:
Antonio Poccinelli
Cooperador:
Luís Christianini
Capa:
Wirley dos Santos Corrêa
Impressão:
Imprensa da Fé
MAZINHD
RO D RIG U ES
INTRODUÇÃO
Em bora C. H. Spurgeon seja ainda lem brado como
pregador popular, geralmente se esquece que a influência
exercida por ele sobre ministros e estudantes de teologia foi
um fator ainda mais importante, talvez, do que o seu próprio
ministério. Hoje é pouco conhecido o fato de que ele organi­
zou uma instituição teológica, supervisionou a preparação
de mais de 800 estudantes, presidiu uma conferência anual
de ministros, e considerou tudo isso como “O labor e deleite
de minha vida, em relação ao qual o resto do meu trabalho
não é senão a plataforma; deleite superior ainda ao que
me oferece meu êxito ministerial” (Autobiografia, vol.3, p. 127).
Os pontos de vista de Spurgeon quanto ao m inistério,
especialmente com referência à educação teológica, têm
recebido pouca atenção desde a sua m orte, em 1892. A
primeira vista é difícil explicar tal coisa, quando recordamos
que durante 37 anos Spurgeon pregou semana após semana
a uma congregação de cerca de 5.000 pessoas. Será que em
nossos dias, de tão evidente decadência no poder da pregação
e freqüência às igrejas, as opiniões de um homem como ele
não valem a pena ser conhecidas?
A melhor ilustração dos pontos de vista de Spurgeon
quanto à preparação para o ministério é a história do seu
próprio colégio teológico. Quase desde o início do seu
ministério em Londres, em 1854, para as vastas multidões,
ele sentiu a carga da necessidade de muito mais pregadores
de enérgica posição evangélica. Sabia, como tantas vezes
repetia, que os seminários sempre haviam tido papel vital no
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UM MINISTÉRIO IDEAL, Vol. 1
provimento de tais homens. “Honorato e Columba nos dias
antigos, e também Wycliffe, Lutero e Calvino na época da
Reforma, prepararam os exércitos do Senhor para sua missão.
As escolas dos profetas são fator primário se se trata de manter
vivo e propagar o poder da religião num país” (Ibid. p. 137).
“Falamos de Lutero e Calvino nos tempos da Reforma,
mas devemos recordar que esses homens chegaram a ser o
que eram devido, em grande parte, a seu poder para gravar a
sua imagem e sua influência sobre outros homens com os
quais entraram em contato. Se alguém fosse a Würtemburg,
não via apenas Lutero, mas também o colégio de Lutero, os
homens a seu redor, todos os estudantes que estavam sendo
formados em outros Luteros sob sua direção. O mesmo
ocorria em Genebra. Quanto deve a Escócia ao fato de
Calvino ter instruído João Knox! Quanto benefício têm
alcançado outras nações, advindo da pequena república da
Suíça devido ao fato de que Calvino teve o bom senso de
perceber que um só homem não podia esperar influenciar
uma nação inteira a menos que se multiplicasse e estendesse
seus pontos de vista, escrevendo-os sobre as tábuas de carne
dos corações de homens jovens e fervorosos! As igrejas
parecem ter esquecido disso. A Igreja deveria tornar o
colégio teológico o objeto principal dos seus cuidados”
(Vida e Obra de C. H. Spurgeon, G.H. Pike, vol. 4, p.356).
Informa-nos Spurgeon que pouco depois de haver inici­
ado seu ministério em Londres, “vários jovens zelosos foram
trazidos ao conhecimento da verdade; e entre eles alguns
cujas pregações ao ar livre foram abençoadas por Deus para
a conversão de almas”. O prim eiro destes foi um moço
chamado Medhurst. Certos membros da igreja disseram ao
pastor que o mencionado jovem não estava preparado para
tal trabalho. Spurgeon então entrevistou o moço e recebeu a
seguinte memorável resposta: “Sr. Spurgeon, eu tenho que
pregar, e continuarei pregando - a menos que o senhor me
Introdução
degole”. Isso induziu a Spurgeon à decisão prática de fazer
algo a fim de preparar tais homens para o ministério. Assim,
no ano de 1855 (quando Spurgeon tinha apenas 21 anos e
havia mil pessoas que davam provas seguras de conversão e
desejavam ser admitidas na sua capela) M edhurst começou
a freqüentar cada semana a casa de seu pastor, para receber
várias horas de instrução teológica. Em 1857 surgiu outro
estudante. Pouco tempo depois o número aumentou para 8;
a seguir 20 e finalmente 70 a 100 alunos, que recebiam um
curso de dois anos no que chegou a ser conhecido como o
“Colégio dos Pastores”. Em 1891 haviam sido preparados 845
homens. Deles, muitos abriram novos campos e formaram
novas igrejas na Inglaterra, porém muitos outros levaram o
evangelho aos confins da terra.
Pode-se interrogar porque Spurgeon formava um novo
colégio quando já havia tantas instituições de formação
teológica não conformista. Muitos criam ser tal iniciativa
desnecessária e divisionista. A resposta dele era, essencial­
mente, por não haver um sem inário que satisfizesse às
necessidades conforme ele percebia a situação. Além disso,
ele se distinguia das demais organizações existentes nos
quatro seguintes aspectos:
Primeiro, quanto ao ingresso dos estudantes - Spurgeon
possuía a convicção de que não devia aceitar um homem
que não estivesse apto para pregar e, até onde fosse
possível discernir, vocacionado por Deus. Nem a capacidade
mental nem os méritos universitários podiam compensar
a ausência desses requisitos. “O grau inferior de piedade, a
falta de entusiasmo, o fracasso na devoção particular e a
ausência de consagração” eram fatores negativos intole­
ráveis em homens que aspirassem ser servos de Cristo.
Categoricamente ele afirmou: “Nossa instituição tenciona
im pedir que ocupem o encargo sagrado os que não são
vocacionados para ele. Constantemente estamos rejeitando
UM MINISTÉRIO IDEAL, Vol. 1
candidatos por duvidarmos de sua aptidão; nesse caso, nada
lhes aproveita educação, dinheiro ou intercessão de parentes
ou amigos”.
Segundo, no que se refere ao plano de estudos da prepara­
ção teológica, havia ênfase especial à teologia bíblica. George
Rogers, escolhido por Spurgeon para diretor do Colégio de
Pastores, afirmou: “Dia a dia cresce a convicção de que a
teologia deve ser a matéria principal numa instituição teo­
lógica.” Spurgeon era cuidadoso ao declarar o que entendia
por teologia bíblica. “Afirmamos sem rodeios que a teologia
do Colégio é puritana. Nossa experiência e leitura das
Escrituras nos confirmam na crença das doutrinas da graça,
tão pouco em moda; minhas opiniões sobre o evangelho e o
modo de preparar os pregadores são peculiares. Pregadores
das grandes e antigas verdades, do evangelho, m inistros
adequados para transmiti-las às massas, podiam ser encontra­
dos mais facilmente numa instituição onde a pregação e a
teologia eram as matérias principais - e não os diplomas e
outras láureas da erudição humana.”
Embora o próprio Spurgeon não tenha recebido uma
educação universitária normal, desde a infância recebera na
granja de seu avô um sólido fundamento de teologia calvinista,
e quando iniciou sua pregação em Londres, demonstrou
novamente - o que a maioria havia esquecido desde os dias
de Whitefield - que nessa teologia reside o verdadeiro poder
de um ministério evangélico. Ele sempre entendia haver
uma relação, muito mais íntima do que os homens crêem,
entre a pregação de um ministro e a sua teologia. O que o
levou a pôr a antiga teologia em lugar proem inente no
plano de estudos do seu colégio não era mero interesse
teórico nas doutrinas. “Para serem pregadores eficazes devem
ser teólogos autênticos” era o axioma que constantemente
repetia aos alunos.
Terceiro, quanto à maneira como devem ser preparados
10
Introdução
os estudantes, Spurgeon sustentava com firmeza que a instru­
ção deve ser m inistrada de forma definida e dogmática.
Os professores não devem ensinar de modo vago e liberal,
apresentando diferentes “pontos de vista”, deixando ao aluno
a escolha do que lhe convier; pelo contrário, precisam decla­
rar de maneira convincente e inconfundível a mente de Deus
e dem onstrar predileção resoluta pela teologia antiga,
evidenciando-se saturados dela e dispostos a morrer por ela.
Falando em nome de Spurgeon, George Rogers, diretor
do Colégio de Pastores declarou: “A teologia calvinista deve
ser ensinada dogmaticamente. Não usamos essa palavra no
sentido ofensivo do termo, e sim como o ensino indiscutível
da Palavra de Deus. Não simpatizamos com nenhuma das
modernas distorções das grandes verdades do evangelho.
Preferimos a teologia puritana à moderna”.
Spurgeon, porém, defendia que além do ensino ser
verdadeiro, também devia ser fervoroso. “Que espécie de
homens devem ser os ministros?” Precisam trovejar quando
pregam, e relampejar quando conversam; devem arder na
oração, brilhar na vida e consumir-se no espírito. Se não são
assim, que poderiam realizar? Se não forem Sansões espiritu­
ais, como poderão vencer o leão rugidor? Como podem as
portas do inferno ser levantadas dos seus gonzos?
“Entretanto, mesmo conhecendo a verdade e estando
confirmados nela pela graça divina, não é trabalho fácil
difundir o tesouro celestial. Comunicar aos outros o ensino
de Deus é serviço delicado e difícil. Temos de conhecer
primeiro a verdade em nossa própria alma a fim de transmiti-la eficazmente. Precisam os tam bém viver no desfrute
cotidiano dela. Só quando o Espírito inunda a mente de
um homem pode esse influir noutras mentes de forma cor­
reta. O espírito do evangelho deve estar nele tanto quanto a
sua doutrina.”
Quarto, a posição de Spurgeon referente à preparação
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UM MINISTÉRIO IDEAL, Vol. 1
teológica divergia bastante do ensino convencional pre­
dominante. Conforme o seu entender, o objetivo que devia
controlar tudo era a formação de pregadores poderosos.
Defendia ardorosamente ser indispensável tornar cada aluno
da instituição teológica eficiente no púlpito. Ele combateu o
que denominou “idolatria do intelecto”. Na sua época havia
exagerado destaque ao prestígio acadêmico e à respeitabili­
dade cultural; muitos demonstravam ganância por alcançar
diplomas universitários, havendo por isso uma invasão do
espírito m undano na Igreja, em prejuízo da verdadeira
finalidade da preparação ministerial. Embora reconhecendo
o valor e o devido lugar do cultivo da mente, Spurgeon
declarou: “Há uma erudição que é essencial para um
ministério eficiente, a saber, a erudição de toda a Bíblia;
conhecer a Deus pela oração e a experiência da Sua mise­
ricórdia”. Ainda que contrariasse as opiniões de muitos, ele
acrescentou em termos inconfundíveis: “Nossos homens não
buscam diplomas universitários, nem títulos honoríficos,
embora muitos pudessem alcançá-los, mas pregar com eficácia,
chegar ao coração das massas, evangelizar os perdidos; essa
é a ambição deste colégio; isso, e nada mais. O desígnio do
Colégio de Pastores desde o princípio tem sido ajudar aos
pregadores, e não formar eruditos. Que o mundo eduque os
homens para os seus próprios propósitos, e que a Igreja
instrua aos obreiros para o seu serviço especial. Aspiramos
auxiliar aos homens a proclamar a verdade de Deus, a expor
as Escrituras, a atrair os pecadores e a edificar os santos”.
Em 1865, Spurgeon inaugurou a “Conferência Anual”
do Colégio de Pastores. Ele considerava a semana da Confe­
rência como uma das mais importantes do ano; dedicava
muito tempo, pensamento, cuidado e oração ao preparo das
mensagens que dirigia às centenas de pastores e estudantes
que na ocasião se reuniam, vindos de toda parte do país.
Os últimos trinta anos do século 19 presenciaram uma
12
Introdução
triste decadência do evangelismo, como escreveu Spurgeon
em 1887: “Está descaindo a uma velocidade vertiginosa”.
Apesar de pronunciadas há mais de um século, estas
mensagens apresentam verdades que jamais envelhecem. Os
fatores espirituais necessários a um m inistério poderoso
são tão independentes do tempo como o eram nos dias de
Crisóstomo, Latimer ou Whitefield.
Numa hora em que estamos presenciando um crescente
retorno à doutrina da Reforma, há necessidade imperiosa de
que os m inistros e estudantes reconsiderem como esta
mensagem deve ser pregada outra vez, com energia capaz de
converter as massas. Dificilm ente poderia haver m elhor
guia nesse assunto do que C. H. Spurgeon.
Abril de 1960
Iain Murray
13
1
AVANTE
O tema básico desta mensagem se encontra nas palavras
de Deus a Seu servo Moisés: “Dize aos filhos de Israel que
marchem.” “Para a frente” é a nossa palavra de ordem. “Avante,
eleitos de Deus!” A vitória está diante de vocês; sua própria
segurança está nessa direção. Retroceder é perecer. Conhecem
a história do jovem que, numapovoação americana, escalou o
muro da famosa Ponte Natural, gravou seu nome na rocha
acima das iniciais dos seus companheiros, e repentinamente
observou a impossibilidade de descer. Ouviam-se vozes que
gritavam: “Não olhe para baixo; trate de subir!” Sua única
esperança consistia em subir até alcançar o ponto mais ele­
vado. Subir era terrível, mas descer significava perecer.
Irmãos, também nos encontramos em situação semelhante.
Pela ajuda de Deus, já temos chegado a certas posições frutí­
feras; descer significa a morte. Para nós avante quer dizer
até em cima; portanto avancemos. Temo-nos comprometido
irrevogavelmente. Fizemo-lo de todo o coração quando
pela prim eira vez pregam os o evangelho e declaramos
publicamente: “Sou do Senhor, e Ele é meu”. Então lança­
mos a mão ao arado; graças a Deus, ainda não olhamos para
trás, e jamais devemos fazê-lo. O caminho aberto para nós é
arar em linha reta até terminar o sulco, e não pensar nunca
em abandonar o campo até que o Senhor nos chame à Sua
presença. Vocês resolveram dedicar-se ao trabalho do Senhor;
não consultaram carne e sangue, mas sem vacilação renun­
ciaram a tudo por Jesus; a menos que sejam reprovados, se
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UM MINISTÉRIO IDEAL, Vol. 1
alistaram em Seu serviço para o resto de suas vidas. São os
servos selados de Cristo, e levam em seus corpos as Suas
marcas. Não são livres para servirem a outro; são soldados
juramentados do Crucificado. Avançar é seu único caminho;
estão obrigados a percorrê-lo. Não têm armadura para suas
costas; qualquer que seja o perigo que enfrentarem , na
retaguarda têm outros dez mil. Trata-se de prosseguir ou ser
desonrados; avançar ou morrer.
Companheiros de armas: somos poucos e temos uma
luta acirrada em perspectiva; portanto é necessário que cada
um produza o máximo e se esforce até ao lim ite da sua
resistência. E mister que sejam a elite da Igreja, e mais ainda,
do universo inteiro, pois nossa era exige os tais; portanto,
estou especialm ente interessado em que sejam os que
avançam. E preciso que tenham feito progresso nas aptidões
pessoais e estejam crescendo nos dons e na graça, em capaci­
dade para a obra de Deus, e em semelhança à imagem de
Jesus. Os pontos que comentarei serão em ordem ascendente.
I. Primeiramente, havemos de crescer EM NOSSAS
CONQUISTAS INTELECTUAIS. Nunca será bom que
nos apresentemos diante de Deus de modo indigno. Ainda
que nos acheguemos a Ele com nossas melhores obras, não
merecemos que Ele nos ouça; mas, de qualquer maneira, que
a oferta não seja m utilada e nem deslustrada por nossa
ociosidade. “Amarás ao Senhor teu Deus com todo o teu
coração” é, talvez, mais fácil obedecer do que amá-10 com
toda a nossa mente; por certo, devemos dar-Lhe nossas
mentes tanto quanto nossos afetos, e essas mentes devem
estar bem equipadas, para que não Lhe ofertemos vasos
vazios. Nosso ministério exige intelecto. Não insistirei na
frase tão repetida em nossos dias: “as luzes da época”; entre­
tanto, é bem certo que existe muito progresso educacional
em todas as classes, o qual aumentará ainda mais. Passou a
16
Avante
época em que era suficiente que o pregador soubesse falar,
mesmo que fosse com pouca gramática. Até entre um povo
onde segundo a tradição “ninguém sabe nada”, o professor
escolar é competente e experimentado e a falta de preparo
porá impedimentos que antes não existiam no serviço do
pregador, pois quando o pregador deseja que os ouvintes
recordem o evangelho, eles se lembrarão das suas expressões
pouco gramaticais, e as repetirão como motivo de zombaria,
quando o que desejaríamos é que repetissem aos outros o
ensino de Cristo com fervor solene.
Amados irmãos, precisamos nos tornar cultos até onde
nos for possível. Antes de tudo, esforcemo-nos para adquirir
informação, especialmente dosfatos bíblicos. Não devemos limitar-nos a um só tópico de estudo, pois assim não exercitaríamos
toda a nossa capacidade mental. Deus fez o mundo para o
homem, e formou o homem com uma mente destinada a
ocupar e a usar o mundo todo; o homem é o arrendatário, e
a natureza é por certo tempo sua casa; por que abster-se de
entrar em alguma das suas dependências? Por que negar-se
a saborear algum dos manjares limpos que o grande Pai pôs
sobre a mesa? Nosso negócio principal continua sendo estudar
as Escrituras. A tarefa principal do ferrador é ferrar cavalos;
que procure aperfeiçoar-se em fazê-lo, pois ainda que pudesse
cingir a um anjo com um cinto de ouro, fracassaria em seu
ofício se não soubesse fazer e colocar uma ferradura. Pouco
importa que saibam escrever as mais brilhantes poesias, se
não podem pregar um sermão convincente que produza o
efeito de consolar aos santos e convencer aos pecadores.
Estudem a Bíblia a fundo, usando todos os recursos que
possam obter. Lembrem-se de que os meios que agora estão
ao alcance dos cristãos são muito mais abundantes do que no
tempo dos nossos pais, e portanto é preciso que sejam eruditos
bíblicos se desejam enfrentar devidamente os seus ouvintes.
Familiarizem-se com toda espécie de conhecimentos; mas
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UM MINISTÉRIO IDEAL, Vol. 1
acima de tudo, meditem dia e noite na lei do Senhor.
Sejam bem instruídos em teologia, e não façam caso do
desprezo dos que zombam dela porque a ignoram. Muitos
pregadores não são teólogos, e disso resultam os erros que
com etem . Em nada pode prejudicar o mais dinâm ico
evangelista o ser também um bom teólogo; pelo contrário,
pode ser o meio que o livre de cometer enormes disparates.
Hoje em dia ouvimos alguém extrair do seu contexto uma
frase isolada na Bíblia e clamar: “Eureka!” como se tivesse
descoberto uma nova verdade; no entanto, não achou um
diamante, mas um pedaço de vidro quebrado. Se comparasse
o espiritual com o espiritual, se entendesse o significado
da fé, ou estivesse familiarizado com a santa erudição dos
grandes estudiosos da Bíblia em épocas anteriores, não se
apressaria tanto em jactar-se de seus maravilhosos conhe­
cimentos. Estudemos as grandes doutrinas da Palavra de
Deus, e sejamos poderosos na exposição das Escrituras.
Estou certo de que nenhuma pregação durará tanto tempo ou
edificará uma igreja de modo tão excelente como a expositiva.
Renunciar inteiramente os discursos exortativos para limitarse aos expositivos seria adotar extremos desnecessários,
porém posso assegurar-lhes sem fervor excessivo que se seu
ministério há de ser útil durante um longo período, têm de
ser expositores. Para tal, têm de entender a Palavra por si
mesmos, e assim poder comentá-la de modo que o povo seja
edificado por ela. Irmãos, saturem-se da Bíblia; familiarizem-se completamente com os escritos dos profetas e dos apóstolos.
“Habite ricamente em vós a Palavra de Cristo.”
Conscientes desta prioridade, não descuidem de nenhum
campo de conhecimento. A presença de Jesus na terra santificou
a natureza; não considerem imundo aquilo que Deus santi­
ficou. Tudo o que seu Pai fez é seu, e devem aprender dEle.
Podem ler o diário de um naturalista, ou a narração que um
viajante faz das suas experiências, e achar proveito. Até um
18
Avante
manual de botânica ou de alquimia pode, à semelhança do
leão morto por Sansão, dar-lhes mel. Há pérolas nas ostras,
e frutos doces nas matas de espinhos. Os caminhos da verda­
deira ciência, especialmente a história natural e a botânica,
destilam gordura. A geologia, até onde se ocupa dos fatos, e
não da ficção, está cheia de tesouros. A história, com as
maravilhosas visões que faz desfilar diante de vocês, é
eminentemente instrutiva; certamente todas as áreas dos
domínios de Deus na natureza transbordam de preciosos
ensinos. Familiarizem-se com todo tipo de conhecimentos,
segundo o tempo, a oportunidade e as capacidades pessoais
de que dispõem; não vacilem em fazê-lo por recearem que
possam educar-se demasiadamente. Quando acompanhada
de graça abundante, a erudição jamais os tomará soberbos,
nem prejudicará sua simplicidade no evangelho. Sirvam a
Deus com a instrução que possuem, e Lhe dêem graças por
soprar através de vocês, mesmo sendo um chifre rústico;
contudo, se há possibilidade de que cheguem a ser uma
trombeta de prata, escolham o melhor.
E preciso aprender a discernir sempre entre as coisas que
diferem. Hoje é necessário insistir muito enfaticamente neste
ponto. Muitos correm atrás das novidades, encantados com
todas as coisas novas. Aprendam a julgar entre a verdade e as
falsificações da mesma, e não serão levados aos extravios. O
que pede ao Senhor a visão clara por meio da qual possa
perceber a verdade e entender seu sentido, e que por meio do
constante exercício das suas faculdades obtém um discer­
nimento exato, está preparado para ser líder no exército do
Senhor. Todavia nem todos os ministros estão qualificados
até este grau. E lamentável que muitos abraçam qualquer
causa que lhes é apresentada fervorosamente. Eles trazem os
medicamentos de qualquer charlatão espiritual que possui
cinismo suficiente para parecer sincero. Repito as palavras
de Paulo aos coríntios: “Não sejais meninos no entendimento”;
19
UM MINISTÉRIO IDEAL, Vol. 1
ponham à prova tudo que a sua fé aspira. Supliquem ao
Espírito Santo que lhes dê a habilidade para discernir
entre o bem e o mal, de modo que possam conduzir a seus
rebanhos longe dos prados venenosos e os levar a pastos
livres de perigos.
Mas se vocês têm o poder de adquirir conhecimentos,
também de discernir, busquem em seguida a capacidade de
reter e preservar firmemente o que aprenderam. E lamentável que
há homens que se gloriam de ser como cata-ventos; nada
sustentam. Creram ontem, mas não crêem naquilo hoje, nem
o crerão amanhã. Estão mudando constantemente. Podem
ser sinceros como afirmam ser, mas qual é a sua utilidade?
Sejam abertos para receber mais verdade, porém muito
cautelosos em subscrever a crença de que foi descoberta uma
luz melhor do que a do sol.
Q uanto aos que sempre m udam, o que geralm ente
necessitam é ser m udados no sentido mais enfático. O
“pensam ento m oderno” é representado por pessoas que
causam danos incalculáveis às almas dos homens. Milhares
caminham para a perdição enquanto tais homens persistem
formando suas teorias. Os que deviam anunciar as “boas novas”
da salvação persistem “seguindo novas linhas de pensamento”.
Os refinados assassinos das almas descobrirão que sua
pretendida “cultura” não terá desculpa no dia do Juízo. Por
amor a Deus, proclamemos como podem ser salvos os homens,
e dediquemo-nos à obra. E hora de estarmos seguros do que
devemos ensinar; do contrário, renunciemos à nossa função.
“Cada semana dou forma a meu credo”, foi a confissão de um
desses teólogos. A que são semelhantes tais inconstantes? Não
se parecem com aquelas aves de Constantinopla, das quais
se afirma que estão sempre voando, e nunca repousam? Os
nativos as chamam de “almas perdidas”, buscando descanso
sem achá-10. Os homens que não possuem descanso pessoal
na verdade, se são salvos, é improvável que se tornem meios
20
Avante
de salvação para outros. Irmãos, exorto-os a que procurem
saber, e, sabendo, que discriminem; e havendo discriminado,
aconselho-os a que procurem “reter o bem.”
II.
Também necessitam os de PROGREDIR EM
CAPACIDADES ORATÓRIAS. Estou com eçando de
baixo; mas todas estas coisas são importantes, pois é lasti­
mável se os pés desta imagem são ainda de barro. Nada é
de pouco importância se pode ser de utilidade para nossa
grandiosa meta. Só por falta de um cravo, o cavalo perdeu a
ferradura, tornando-se assim inútil para a batalha; aquela
ferradura era apenas uma insignificante camba de ferro
que tocava ao solo, mas o corcel cheio de vida torna-se inútil
sem ela. Um homem pode falhar irremissivelmente quanto
à utilidade espiritual, não por falha de caráter, e sim por
um lapso mental ou oratório; portanto, insisto novamente
em que devemos melhorar a maneira de expressar-nos.
Nem todos podem falar como alguns, e ainda estes
poucos não conseguem falar conforme idealizam. Se alguém
julga que sabe pregar tão bem quanto deveria, eu o aconselho
a abandonar a tarefa. Se o fizesse, agiria com a mesma prudên­
cia do pintor famoso que quebrou a palheta e disse à esposa:
“Terminei meus dias de pintor, pois estou satisfeito com o que
fiz, e portanto estou seguro de que perdi o talento”. O que
acredita haver alcançado a perfeição na oratória confunde
a volubilidade com eloqüência e a verborréia com argumen­
tação. Não podem ser verdadeiramente ministros eficazes se
não são “aptos para ensinar”. Vocês conhecem ministros que
erraram sua vocação e que evidentemente não possuem dons
para a pregação. Há irm ãos no m inistério cujo falar é
intolerável; se alguns fossem sentenciados a ouvir os seus
próprios sermões, seria um justo juízo para eles; logo clama­
riam como Caim: “Grande é m inha iniqüidade para ser
perdoada”. Não caiamos em semelhante condenação por
21
UM MINISTÉRIO IDEAL, Vol. 1
algum defeito da nossa pregação a qual possamos corrigir.
Irmãos, temos âe cultivar um estilo claro. Quando alguém
não me faz entender o que quer dizer, é porque ele mesmo
não sabe o que pretende transmitir. O ouvinte mediano que
não pode seguir o curso dos pensamentos de quem fala, não
deve preocupar-se, mas deve lançar a culpa sobre o pregador,
o qual tem a responsabilidade de apresentar as coisas
claramente. Se olharem num poço, e está vazio, parecerá
muito profundo; mas se contém água, verão seu brilho. Creio
que se muitos pregadores são “profundos”, é simplesmente
que se assemelham a poços nos quais nada há senão folhas
secas, algumas pedras, e talvez um ou dois gatos mortos. Se há
água da vida em sua pregação, poderá ser muito profunda,
porém a luz da verdade lhe dará claridade. Seja como for,
esforcem-se em ser simples, de modo que as verdades que
ensinam possam ser facilmente recebidas pelos ouvintes.
E preciso que cultivemos um estilo convincente bem
como um estilo claro; é necessário que sejamos poderosos.
Alguns imaginam que isso consiste em falar com voz forte,
mas eu lhes asseguro que estão equivocados. As tolices não se
transformam por pronunciá-las aos gritos. Deus não exige
que gritemos como se falássemos a três milhões de pessoas
quando nos dirigimos a apenas trezentas. Sejamos impetuosos
devido à excelência do nosso assunto e à energia do espírito
que possuímos ao pronunciá-lo. Numa palavra, que nosso
falar seja natural e vivo. Renunciemos aos truques dos orado­
res profissionais, ao esforço em alcançar efeitos, o clímax
estudado, a pausa premeditada, a afetação teatral, o falar
sofisticado e tantas coisas mais que observamos em certos
teólogos pomposos que ainda sobrevivem na face da terra.
Oxalá tais pregadores cheguem a ser uma espécie extinta dentro
de breve tempo, e que todos nós aprendamos uma maneira
viva, natural e simples, de pregar o evangelho, pois estou
persuadido de que é provável que Deus abençoe tal estilo.
22
Avante
Entre muitas outras coisas, temos de cultivar a persuasão.
Alguns têm grande influência sobre os homens; entretanto,
outros com m aiores dons carecem dela. Não parecem
aproximar-se das pessoas, não podem influenciá-las e fazer-lhes sentir algo. Há pregadores que dão a impressão de
tom ar os ouvintes um a um pela gola e introduzem a
verdade em suas almas, enquanto outros generalizam tanto
e se mostram tão frios que parecem estar falando aos habi­
tantes de algum planeta distante, cujos assuntos não lhes
importam muito. Aprendam a arte de argüir com os homens.
Isso os fará bem se contemplarem ao Senhor constantemente.
A antiga história clássica nos informa que, quando um soldado
estava a ponto de matar a Dario, seu filho, mudo desde a
infância, exclamou, subitamente surpreendido: “Não sabe que
ele é o rei?” Sua língua silenciosa se desprendeu por amor
ao pai, e é bem possível que a nossa língua fale fervorosa­
mente quando vemos o Senhor crucificado pelo nosso pecado.
Se há palavras em nós, isso as despertará. O conhecimento do
“temor do Senhor” deve também animar-nos a persuadir aos
homens. Não podemos fazer outra coisa senão instar com
eles para que se reconciliem com Deus. Observem aqueles
que ganham os pecadores para Jesus, busquem seu segredo,
e não descansem até que possam alcançar o mesmo poder.
Se, por outro lado, escutam a um pregador muito admirado
e descobrem que não há almas convertidas para a salvação
sob a influência do seu ministério, decidam: “este estilo não
é para mim, porquanto não busco ser grande, mas verda­
deiramente útil”.
Que sua oratória, portanto, melhore constantemente em
clareza, força lógica, naturalidade e persuasão. Tratem de
conseguir um estilo de oratória que se adapte aos seus ouvin­
tes. Muito depende disso. O pregador que se dirigisse a um
auditório instruído com o linguajar que usaria a um grupo de
vendedores ambulantes, demonstraria ser néscio; por outro
23
UM MINISTÉRIO IDEAL, Vol. 1
lado, o que pregasse aos m ineiros em pregando termos
teológicos técnicos e frases de salão, agiria como insensato. A
confusão das línguas em Babel foi mais completa do que
imaginamos. Não resultou apenas em diferentes idiomas
para as grandes nações, mas fez com que a linguagem de
cada classe variasse das demais. Ora, já que o vendedor
ambulante não pode aprender a linguagem de universi­
dade, que o universitário aprenda a maneira de expressar-se
como o ambulante. “Usamos a linguagem do mercado”, dizia
Whitefield, e isso o honrava muito; no entanto, quando estava
nos salões aristocráticos, seu discurso fascinava aos nobres
infiéis porquanto adotava outro estilo. Sua linguagem era
adequada aos ouvintes, embora não usasse as mesmas pala­
vras exatamente. Nosso modo de falar precisa ser “tudo
para com todos”. O maior mestre de oratória é o que pode
dirigir-se a qualquer classe de pessoas de maneira apropriada
à sua condição, a fim de que seus corações sejam alcançados.
Que ninguém nos supere quanto à nossa capacidade de
oratória, ou nos sobrepuje no domínio da nossa língua ma­
terna. Companheiros de armas: nossas línguas são as espadas
fornecidas por Deus para usá-las para Ele, como se afirma
sobre o Senhor: “De sua boca saía uma espada aguda de dois
fios”. Que estas espadas sejam realmente agudas. Cultivem o
poder de oratória, e fiquem na primeira fila no campo da
expressão falada. Aperfeiçoem-se nessa maneira de falar
correta e ousadamente.
III. Irmãos, devemos ser ainda mais fervorosos para
PROGREDIR EM QUALIDADES MORAIS. Devemos
elevar-nos até ao tipo de ministério mais sublime. Ainda que
alcancemos as capacidades mentais e oratórias já menciona­
das, fracassaremos se não possuirmos também qualidades
morais elevadas. Há males dos quais devemos desprender-nos,
como Paulo sacudiu a víbora da mão, energicamente, e há
24
Avante
virtudes que precisamos conquistar a qualquer preço. A
autocomplacência tem ferido seus milhares. Mais vale que
temamos para que jamais pereçamos às mãos dessa Dalila.
Que nossas paixões e nossos hábitos estejam sob o devido
controle; se não somos donos de nós mesmos não estamos
aptos para ser líderes na Igreja de Cristo.
Precisamos também renunciar a toda noção de nossa
própria importância. Gloriar-se, ainda que seja na obra do
Espírito Santo em suas vidas, é aproximar-se perigosamente
da auto-adulação. “Louve-te o estranho, e não a tua boca” e
fiquem satisfeitos quando esse estranho tenha o bom senso
de ficar calado.
Devemos também controlar devidamente nosso temperamento.
Um caráter violento não é um mal em si. Os homens que são
muito acomodatícios, geralmente valem pouco. Nunca lhes
diria: “Sejam homens de caráter”, mas: “Se o têm, controlem-no cuidadosamente”. Dou graças a Deus quando vejo um
pastor com gênio suficiente para indignar-se ante a injustiça
e para ser firme pela justiça; mas por certo o gênio é uma
ferramenta de dois gumes e às vezes corta o que a maneja.
Se algum irmão tem a tendência de indignar-se com demasi­
ada frequência, considere que não alcança nenhum benefício
disso.
E preciso que dominemos nossa tendência pela leviandade.
Há uma enorme diferença entre a alegria santa, que é virtude,
e a leviandade geral, que é um vício. Há uma leviandade que
não tem a suficiente jovialidade para causar risos, mas joga
com tudo; é caprichosa, vazia, irreal. Uma boa gargalhada
não é mais leviandade do que o pranto do coração. Refiro-me
àquelas aparências religiosas com m uita pretensão mais
frágeis, superficiais, pouco sinceras no tocante às coisas de maior
importância. A piedade não é um gracejo, nem tão pouco
mera aparência. Cuidado para não se tornarem comediantes.
Nunca dêem às pessoas sérias a impressão de não falar
25
UM MINISTÉRIO IDEAL, Vol. 1
seriamente, e que são meros profissionais. Possuir lábios
ardentes e alma gelada é um sinal de reprovação. Deus nos
livre de sermos excessivamente finos ou superficiais; que
jamais sejamos os insetos do jardim de Deus.
Ao mesmo tempo, devemos evitar tudo que se assemelhe
à ferocidade do fanatismo. Ao nosso redor há homens que,
nascidos de mulher, parecem ter sido amamentados por
lobas. Guerreiros desse tipo têm poder para fundar dinastias
de pensamento; mas a bondade e o amor fraternal harmoni­
zam m elhor com o reino de Cristo. Não devemos estar
sempre em busca de heresias nem tão confiados em nossa
própria infalibilidade que preparemos fogueiras eclesiás­
ticas para queimar os que diferem de nós, usando lenha de
prejuízos extremados e suspeitas cruéis.
Há maneirismos e atitudes contra os quais devemos
lutar, pois muitas vezes os pequenos defeitos se tomam a
origem do fracasso, e livrar-nos deles talvez seja o segredo da
eficiência. Devemos adquirir certas faculdades e hábitos
morais, ao mesmo tempo em que renunciemos o que lhes é
oposto. O que não possui integridade de espírito nunca fará
muito para Deus. Se formos levados pela ambição ou se
existe algum tipo de ação que não seja reto, logo naufraga­
remos. Resolvam, queridos irmãos, a pensar que podem ser
pobres, podem ser depreciados, podem mesmo perder a
vida, mas não devem jamais ser desonestos. Que a única
política para vocês seja a honradez.
Que possam possuir também a grande característica moral
da bravura. Não me refiro à impertinência, à insolência ou à
presunção; mas à intrepidez verdadeira para fazer e dizer
tranqüilamente o mais apropriado, e para ir ao encontro de
todos os perigos, ainda que não haja ninguém que os ajude
com uma palavra de ânimo. Assombra-me o número de
cristãos que receiam dizer a verdade aos irmãos. Agradeço a
Deus por poder afirmar que não há membro da igreja, oficial
26
Avante
eclesiástico ou qualquer pessoa no mundo a quem eu tema
dizer no rosto o que diria em sua ausência. Graças a Deus,
e com Sua ajuda, devo m inha posição em m inha própria
igreja à falta de toda a política, e ao hábito de dizer sempre a
minha opinião. O plano que consiste em tornar todas as coisas
sempre agradáveis para todos, é perigoso e ao mesmo tempo
maligno. Se você afirma uma coisa a alguém e outra coisa a
outro, um dia compararão as duas afirmativas e lhe julgarão
contraditório e será depreciado. O homem dúbio será, mais
cedo ou mais tarde, objeto do desprezo dos demais, e com
justiça. Assim, pois, sobre todas as coisas, evitem isso. Se
tiverem algo que julguem necessário dizer acerca de alguém,
que a medida do que hão de dizer seja: “Quanto me atreveria
a dizer na sua presença?” Não podemos nos permitir nenhu­
ma palavra além disso, quando censuramos a outrem. Se
adotarem este princípio, seu denodo os salvará de mil
dificuldades, e os concederá um respeito duradouro.
Possuindo a integridade e a bravura, desejaria que fossem
dotados de zelo invencível. Que é zelo? Como posso descrevê-lo? Possuam-no e saberão o que é. Sejam consumidos pelo
amor por Cristo, e que a chama arda continuamente; não
ardendo nas reuniões públicas e apagando-se no rotineiro
trabalho cotidiano. Necessitamos de perseverança indomável,
zelo obstinado e uma combinação de teimosia santificada,
abnegação, mansidão sagrada e coragem invencível.
Destaquem-se também naquele poder que é tanto mental
quanto moral, a saber, o poder de concentrar todas as suas forças
no trabalho a que são chamados. Reunam seus pensamentos,
unam todas as suas faculdades, acumulem as suas energias e
enfoquem as suas capacidades. Dirijam todos os fluxos da
sua alma até um canal, fazendo que avancem na forma de
uma corrente unificada. Alguns homens precisam dessa ha­
bilidade. Diversificam-se e por isso fracassam. Convoquem
os seus batalhões e lancem-se sobre os inimigos. Não tratem
27
UM MINISTÉRIO IDEAL, Vol. 1
de ser grandes nisto ou naquilo, de ser “tudo no princípio
e nada durante m uito tem po”; mas perm itam que suas
personalidades completas sejam levadas em cativeiro por
Jesus Cristo, e ponham tudo aos pés dAquele que padeceu
e morreu por vocês.
IV. Acima de tudo isso, precisamos PROGREDIR EM
QUALIFICAÇÕES ESPIRITUAIS, as graças que devem ser
produzidas em nós pelo Espírito Santo. Estou certo de que
isso é o principal. Outras coisas são preciosas, mas esta não
tem preço.
Inicialmente, necessitamos de conhecer-nos a nós mesmos.
O pregador deve familiarizar-se com a ciência do coração, a
filosofia da experiência interna. Há duas escolas de experiên­
cia, e nenhuma delas se contenta com apenas aprender da outra;
disponhamo-nos, pois, a aprender de ambas. Uma destas
escolas fala do cristão como daquele que conhece a profunda
depravação do seu coração, que entende algo da sua natureza
pervertida e que diariamente experimenta que na sua carne
não existe o bem. “Um homem não tem a vida de Deus em
sua alma dizem os que seguem esta escola - se não sabe e
reconhece isso, se não o experimenta amarga e dolorosamente
dia a dia.” É inútil falar-lhes de liberdade e gozo no Espírito
Santo; não querem possuí-los. Contudo aprendemos da
unilateralidade destes. Sabem muito do que precisa saber-se, e ai do ministro que ignore seu sistema de verdades!
Lutero costumava dizer que a tentação é o melhor mestre
para um pastor. Este aspecto da questão contém sua parte
de verdade.
Os crentes da outra escola têm em grande estima, o que é
justo e benéfico, a gloriosa atuação do Espírito Santo. Crêem
no Espírito de Deus como poder purificador, fonte de bênção
para a alma ao torná-la templo de Deus. Mas freqüente­
mente falam como se houvessem cessado de pecar ou de ser
28
Avante
acossados pela tentação; gloriam -se como se a batalha
já estivesse term inada e a vitória alcançada. Entretanto,
aprendamos o que for necessário destes irmãos; conheçamos
toda a verdade que nos puderem ensinar. Familiarizemo-nos com os pontos principais da salvação e da glória que
resplandecem neles: os Herm ons e os Tabores, de onde
podemos ser transfigurados como o Senhor. Não temam
chegar a ser excessivamente santos ou demasiadam ente
cheios do Espírito Santo.
Eu gostaria que fossem sábios em tudo e capazes de saber
tratar aos homens tanto em seus conflitos como em suas
alegrias, sendo experientes em ambas as coisas. Conheçam
onde os deixou Adão, mas também onde os pode colocar o
Espírito Santo. Não se apeguem a uma destas coisas de modo
tão exclusivo que esqueçam a outra. Creio que se existem
pessoas que devem clamar: “Miserável homem que eu sou!
Quem me livrará?” serão sempre os ministros evangélicos,
porque necessitamos ser tentados em todas as coisas, para
podermos consolar aos outros. Certa vez vi, num vagão de
trem, um pobre homem com a perna apoiada sobre o assento.
Um empregado que o viu naquela posição, observou: “Estas
almofadas não foram feitas para alguém pôr as botas sujas
em cima”. Logo que o funcionário se distanciou; o homem
a colocou novamente no banco, dizendo-me: “Estou certo
de que ele nunca quebrou a perna em dois lugares, pois
nesse caso não seria tão grosseiro para comigo”. Quando
ouço irm ãos que vivem com odam ente, desfrutando de
privilégios, condenando outros que estão enfrentando ter­
ríveis provas, compreendo que agem assim porque ignoram
o que seja suportar as dores das quebraduras que alguns
enfrentam durante toda a sua peregrinação.
Conheçam o homem em Cristo e fora de Cristo. Estudem-no
no seu melhor aspecto e também no pior; conheçam sua
anatomia, seus segredos e suas paixões. Tal conhecimento não
29
UM MINISTÉRIO IDEAL, Vol. 1
se obtém nos livros; é indispensável o contato pessoal com os
indivíduos se desejam ajudá-los em sua múltipla experiência
espiritual. Só Deus pode conceder-lhes a sabedoria de que
necessitam para tratar prudentemente com eles, mas Ele o
fará em resposta à oração de fé.
Entre as aquisições espirituais, conhecer aquele que é o
remédio certo para todas as enfermidades humanas é a coisa
mais necessária. Conheçam a Jesus. Sentem-se aos Seus pés.
Considerem Sua natureza, Sua obra, Seus sofrimentos, Sua
glória. Deliciem -se na Sua presença, desfrutem da Sua
comunhão dia após dia. Conhecer a Cristo é entender a mais
excelente de todas as ciências. Não podem deixar de ser
sábios se mantiverem comunhão com a Sabedoria Encarnada;
não podem carecer de fortaleza se estão em constante con­
tato com Deus. Vivam em Deus; não se trata de ir a Ele às
vezes, mas de habitar nEle. Dizem que onde o sol não penetra,
precisa de entrar o médico. Onde Jesus não resplandece, a
alma está enferma. Banhem-se nos Seus raios e se tornarão
vigorosos no serviço do Senhor.
“Ninguém conhece o Filho senão o Pai.” Os que vão a
Cristo e põem sua confiança nEle, passam a conhecê-la um
pouco. Há santos com sessenta anos de experiência que têm
andado com Ele cada dia, os quais estão crescendo nesse
conhecim ento; mesmo os espíritos perfeitos, que têm
permanecido ante o Seu trono adorando-0 perpetuamente,
ainda não O conhecem plenamente. E tão glorioso, que só o
Deus - infinito possui o perfeito conhecimento dEle, e por
isso não há limites para nosso estudo, nem pobreza em nossa
linha de pensamento, se fazemos do Senhor Jesus o grande
objeto de todos os nossos pensamentos e investigações,
Portanto, se tencionamos ser homens fortes, como resultado
deste conhecimento, convém que nos tornemos semelhantes a
nosso Senhor. Bem-aventurada a cruz na qual sofremos, se
nela padecemos para sermos feitos à semelhança de Jesus.
30
Avante
Se alcançamos tal semelhança, teremos uma unção mara­
vilhosa em nosso ministério; e, sem ela, que vale o nosso
labor? Em resumo, devemos esforçar-nos para alcançar
santidade de caráter. Que é santidade? Não é retidão de caráter?
Um estado equilibrado em que não falta nem sobra nada.
Não é moralidade, estátua fria e sem vida; santidade é vida.
Precisamos ter santidade; e, mesmo que lhes faltem capaci­
dades mentais (embora espero que não), e ainda que tenham
poucas faculdades oratórias (também espero que não), podem
estar seguros de que uma vida santa é em si mesma um
poder maravilhoso, e compensará muitas deficiências. E, por
certo, o melhor sermão que o melhor dos homens poderia
pregar. Resolvamos ter toda a santidade que se possa alcançar,
toda a pureza que for possível possuir, e toda a semelhança
a Cristo que consigamos atingir neste mundo de pecado,
confiando na obra eficaz do Espírito Santo. Que o Senhor
nos levante a todos a uma plataforma mais elevada e Ele
será glorificado.
V.
A inda não term inei a m ensagem , porque devo
acrescentar: PROGRIDAM TRABALHANDO REAL­
MENTE. Seremos conhecidos mais pelo que fizemos do
que pelo que dissemos. A semelhança dos apóstolos, espero
que nosso monumento seja o dos nossos atos. Há no mundo
inúmeros bons irmãos que são muito pouco práticos. A
doutrina da segunda vinda os empolga de tal modo que
perm anecem contem plando o infinito e por isso devo
adverti-los: “Varões, por que estais olhando para o céu?” O
fato de que Jesus há de voltar não é razão para estar se
mirando o firmamento, mas incentivo para que trabalhe­
mos no poder do Espírito Santo.
Desejamos fatos; ações realizadas, almas salvas. E inte­
ressante escrever ensaios; mas que almas estão procurando
salvar do inferno? Interessa-me a excelente administração
31
UM MINISTÉRIO IDEAL, Vol. 1
da sua escola; mas, quantos alunos foram levados a fazer
parte da igreja sob a sua influência? Alegramo-nos ao ser
informados da realização de reuniões especiais; mas quantos
realmente foram nascidos de novo pela influência delas? São
os santos edificados? São convertidos pecadores? Deus nos
livre de viver comodamente enquanto os milhares estão
perecendo. Viajando pelas estradas nas montanhas da Suíça,
verão constantemente os sinais das perfuradoras; assim na
vida dos ministros deve haver a demonstração do rude labor.
Aconselho-os, irmãos: façam algo; FAÇAM ALGO. Enquanto
comissões gastam tempo redigindo resoluções, façam algo.
Enquanto as Sociedades e as Uniões estão preparando cons­
tituições, ganhemos almas. Com demasiada freqüência
discutimos, consideramos e ponderamos, enquanto satanás
está rindo dissimuladamente de nós. Rogo-lhes a todos que
sejam homens de ação. Mãos à obra e desenvolvamo-nos
como homens. Compartilho da idéia que o antigo coman­
dante possuía a respeito da guerra: “Avançar e ao ataque!
Nada de teorias! Ataquem! Formem colunas! Fixem as
baionetas e atirem diretamente contra o centro do inimigo”.
Nosso único objetivo é salvar pecadores, e não devemos
somente falar sobre isso, mas efetuá-lo no poder de Deus.
VI. Finalmente, e agora tocarei num aspecto da mensa
gem que me oprime, AVANCEM QUANTO A ESCOLHA
DA SUA ESFERA DE ATIVIDADE. Agora passo a
interceder em favor daqueles que não podem rogar por si
mesmos, a saber, as grandes massas do exterior, do mundo
pagão. Os púlpitos existentes já estão razoavelm ente
supridos, mas necessitamos de homens que queiram edificar
em novos fundamentos. Quem irá? Somos, como grupo de
homens fiéis, limpos em nossas consciências em relação aos
pagãos? Há milhões que ainda não ouviram falar do nome
de Jesus. Centenas de milhões só viram um missionário
32
Avante
apenas uma vez na vida, e nada sabem a respeito do nosso
Rei. Deixaremos que pereçam? Podemos dormir tranqüi­
lamente em nossos leitos enquanto a China, a índia e o
Japão e outras nações estão indo para a perdição? Estamos
limpos do sangue deles? Não têm nenhum direito sobre
nós? Podemos raciocinar assim: em vez de dizer: “Posso
demonstrar que deveria ir?”, deveria dizer: “Posso provar
que não deveria ir?” Quando alguém pode honradamente
argumentar que não deveria ir, então está limpo, mas não
de outro modo. Que respondem? Interrogo um a um. Não
lhes estou desafiando num assunto no qual não me tenho
sinceramente incluído a mim mesmo. Se alguns dos nossos
principais ministros dessem o primeiro passo, teria um grande
efeito como estímulo para nossas igrejas, e me interrogo a
mim se devo ir. Mas após analisar todos os ângulos da
questão, me convenço que devo permanecer onde estou, e
milhares de cristãos confirmam a minha decisão.
No entanto, estou certo de que iria ao estrangeiro fácil,
voluntária e alegremente se não estivesse convicto de ficar
aqui. Façam vocês mesmos a experiência. Temos de evangelizar
os pagãos; Deus tem milhares e milhares dos Seus eleitos
entre eles, e urge que os alcancemos, de um ou outro modo.
Muitas dificuldades já foram superadas; muitas terras estão
abertas e as distâncias se encurtaram. Não possuímos o dom
de Pentecoste, mas os idiomas são aprendidos com relativa
rapidez, e a imprensa é um equivalente satisfatório para
substituir o dom perdido. Os perigos próprios das missões
não deveriam reter a nenhum homem sincero, mesmo que
fossem grandes entraves; mas agora estão reduzidos ao mínimo.
Há centenas de lugares onde a cruz de Cristo é desconhecida,
aos quais nos podemos dirigir sem risco. Quem irá?
Deveriam ir os irmãos jovens de boa capacidade que
ainda não assumiram os cuidados de uma família. Cada
aluno do Colégio dos Pastores deve considerar o assunto, e
33
UM MINISTÉRIO IDEAL, Vol. 1
entregar-se à obra a menos que haja razões concludentes
para não fazê-lo. Tem sido difícil encontrar obreiros dispostos,
mas não deveria ser assim. Deve haver entre nós espírito de
sacrifício e alguns de nós que estejam prontos para exilar-se
por Jesus. A obra missionária se enfraquece por falta de
homens. Se estes se dispõem, a liberalidade das igrejas
suprirá suas necessidades. Até que vejamos os companheiros
lutando por Cristo em todas as terras, na vanguarda do
conflito, não teremos cumprido nosso dever. Creio que se
Deus os mover a ir, serão os melhores missionários, porque
farão da pregação do evangelho a grande característica de
seu trabalho, e esta é a maneira segura em que Deus mostra
o Seu poder.
Quando serão nossas igrejas abnegadas e ativas? Obser­
vem os morávios, como cada homem e cada m ulher se
transforma num missionário e quanto realizam pelo Senhor
por isso. Captemos seu espírito. E um proceder correto?
Então é certo que o possuamos. Não basta afirmar: “Esses
morávios são maravilhosos”. Nós deveríamos também ser
m aravilhosos. Cristo não os adquiriu de m aneira mais
completa do que a nós; eles não têm o dever de sacrificar-se mais do que nós. Quando lemos a respeito de homens
heróicos que tudo entregaram por Jesus, não devemos
apenas admirá-los,mas imitá-los. Quem os imitará agora?
Os irmãos vêem a im portância da questão? Não haveria
alguns entre vocês que estejam dispostos a dedicar-se
totalmente ao Senhor? “Avante!” E o apelo de hoje. Não
há espíritos audazes para assumir as vanguardas? Oremos
para que durante este Pentecoste (esta conferência) o Espírito
possa ordenar: “Separai-me a Barnabé e a Saulo para a obra
a que os tenho convocado”.
Subam e voem mais além nas asas do amor.
2
UM NOVO COMEÇO
Amados com panheiros no serviço de Cristo, nosso
trabalho requer que estejamos no melhor estado possível
em nosso coração. Quando estamos na melhor das condições,
ainda somos bastante débeis; portanto, não desçamos do
nível mais elevado. Como instrumentos devemos toda nossa
capacidade de trabalho à mão divina; já que os instrumentos
devem ser conservados sempre em ordem, precisamos ter o
espírito isento de ferrugem e nossa mente afiada e anelante
para corresponder à vontade do Mestre. Como nem sempre
estamos à altura dos nossos privilégios, nosso tema é “Um
Novo Começo”, ou, noutras palavras, uma renovação, um
avivamento, um recomeço, um retorno ao nosso primeiro
amor, o amor de nossos esponsais, quando nossa alma se
ligou à obra do nosso Redentor.
O assunto é de extrema necessidade para todos, porque
o processo de decadência é muito fácil. Decair não exige esforços;
pode conseguir-se sem mesmo desejar; pode até vir em
oposição aos nossos desejos; podemos decair sem sequer
perceber, e muito mais facilmente quando nos imaginamos
ricos e prósperos. Mediante uma lei à qual não temos que
contribuir, gravitamos até um nível inferior. Não dêem corda
ao relógio e logo as peças deixarão de funcionar, e o dinâ­
mico objeto se tornará inútil, imóvel e silencioso, morto
como um ataúde encostado na parede. Adm inistrar bem
uma chácara requer labor constante e atenta vigilância, mas
abandonar a terra até que não possa alimentar nem uma
35
UM MINISTÉRIO IDEAL, Vol. 1
ave é coisa fácil, coisa que qualquer preguiçoso pode realizar.
Basta deixá-la e os campos férteis se tornarão estéreis e o
jardim se transformará em deserto. Assim acontece conosco.
Deixem simplesmente de dar corda à alma com a oração, e
logo decairão; descuidem somente o cultivo do coração, e os
espinhos e urzes crescerão sem ajuda. Descuidem da sua
vida espiritual e todo o ser se ressentirá.
Que eu o saiba, não podemos esperar ver energias contí­
nuas em sua plenitude em nenhum de nós. Imagino que
mesmo aquele que arde como um serafim, experimenta
momentos em que a chama diminui. O próprio sol nem
sempre é igualmente poderoso; assim o homem cuja luz
brilha mais até ser dia perfeito, não demonstra sempre o
mesmo fulgor, nem está sempre em meio- dia. A natureza não
mantém sempre o mar em maré alta; vem a maré baixa e o
oceano atravessa uma fase antes de volver à plenitude das
suas forças. O mundo vegetal tem seu inverno, e desfruta de
um prolongado sono sob um leito de neve. Nem a maré baixa
nem o inverno são tempo desperdiçado; a maré alta e o verão
muito devem à maré baixa e às geleiras. Em face da nossa
afinidade com a natureza, também teremos nossas mudanças
e não permanecemos sempre na mesma altura. Não há ne­
nhum homem cuja vida seja todo clímax. Não desesperemos
quando estivermos em maré baixa; a preamar da vida chegará
como sempre, inclusive alcançará um ponto mais elevado.
Quando estamos sem folhas e aparentem ente sem vida,
chegando nossa alma a ser como árvore de inverno, não
imaginemos que o machado nos derribará, porquanto a
substância permanece em nós, mesmo que tenhamos perdido
as folhas, e dentro em pouco chegará a época em que os pássa­
ros cantam, sentiremos o calor cordial da primavera e nossas
vidas serão novamente cobertas de flores e carregadas de frutos.
Não é de estranhar que haja pausas e declínios em nosso
trabalho espiritual, pois o mesmo ocorre nos negócios
36
Um Novo Começo
humanos. Apesar da atividade e dos esforços do comerci­
ante, há períodos quando os negócios estacionam. Há anos
de grande prosperidade e outros de decadência; as vacas
magras devoram as vacas gordas. Se os homens não fossem
o que são, poderia haver constantemente um progresso uni­
forme, mas é evidente que ainda não chegamos a este ponto.
Em assuntos religiosos, a história nos mostra que as
igrejas têm seus dias de abundância, seguidos por fases de
seca. A Igreja Universal é rodeada destas circunstâncias; teve
seus Pentecostes, suas Reformas, seus Avivamentos; mas
nos intervalos chegam pausas penosas, quando há mais
m otivos para lam entação do que para gozo, quando o
miserere é mais adequado que a aleluia. Portanto, que nenhum
irmão se condene a si mesmo por estar consciente de não
possuir toda a vivacidade da juventude: é possível recuperá-la. É natural que o agricultor anseie pela primavera, mas
não se desespere por causa do frio atual; espero que lamentem
todo tipo de decadência, mas nunca desanimem. Se alguém
anda em trevas e não vê nenhuma luz, confie em Deus e
espere nEle até que envie dias mais luminosos.
Receio que m uitos de nós não m antem os a devida
elevação, mas decaímos mais do que o normal. Há causas
que concorrem para isso, e convém considerá-las. Certo
grau de abatimento de espírito pode ser puramente físico,
e proceder da evaporação do vigor juvenil. Alguns possuem
todas as forças do início da virilidade; andam como os
servos, com movimentos rápidos como as aves; mas outros,
de cabelos grisalhos, a idade os tornou sóbrios. Os olhos não
se apagaram, nem se extinguiram as forças naturais, mas o
fulgor e a chama da mocidade se foram e na maneira de
falar e de agir já não se nota o orvalho da manhã que era a
glória das folhas jovens da vida.
Por mim, se fora possível, permaneceria sempre jovem.
Mas isso não concorreria para meu progresso, de modo
37
UM MINISTÉRIO IDEAL, Vol. 1
algum. Meus dias de vôo se transformaram em dias de car­
reira, e esta está diminuindo para converter-se num passo
ainda mais lento. E motivo de alento que as Escrituras
parecem indicar que isto é progresso, pois é a ordem prescrita
para os santos: “Levantarão as asas como águias”; perdem-se
de vista, pela distância que atingem. Em seus primeiros
sermões, como levantavam as asas! Seus primeiros esforços
evangelísticos, que vôos de águias eram! Depois disso,
diminuíram a marcha, e, por certo, seu passo melhorou;
tornou-se mais firme, e talvez mais vagaroso, como está
escrito: “Correrão, e não se cansarão; caminharão e não se
fatigarão”. Deus queira que não nos fatiguemos; e se nossos
dias de correr já term inaram , que caminhemos com Ele
como Enoque o fez, até que o Senhor nos conduza para o lar.
Outra coisa que freqüentemente leva ao abatimento é a
ausência dos primeiros êxitos. Não quero dizer que seja sempre
assim; mas, em geral, quando um obreiro se dirige a um novo
campo há muitas porções sem colher, e recolhe grande colheita,
porém essas depois vão se escasseando. Se pesca num pequeno
tanque, não pode alcançar tantos peixes como a princípio.
Se estamos num grande metrópole, que se assemelha a um
oceano, podemos estender as redes quanto queiramos; mas
se vivermos numa cidade pequena, logo podemos concluir
a tarefa de conversão direta se o Senhor abençoar muito, e
depois de certo tempo são raros os frutos porque é limitado o
número dos incrédulos que vêm à pregação. E possível que
Deus já tenha concedido ao irmão todos quantos determinou
salvar na localidade e é preferível ir pescar noutras águas.
Nem todos os dias trazemos a rede cheia de peixes, mas
experimentamos tristes intervalos de esforços infrutuosos e,
então, não é de se admirar que o espírito se torne fatigado.
O desgaste natural de uma vjda ativa tende também a
abater-nos. Muitos pensam que temos pouco ou nada a fazer
além de subir ao púlpito e derramar uma torrente de palavras
38
Um Novo Começo
duas ou três vezes por semana; mas deveriam saber que, se
não passássemos muitas horas de estudo diligente, ouviriam
sermões muito pobres. Ouvi falar de um irmão que confia no
Senhor e não estuda, mas me acrescentaram que os membros
da sua igreja não confiam nele; desejam que vá para outra
parte com seus “discursos inspirados”, afirmando inclusive que,
quando estudava, seus sermões ainda deixavam muito a
desejar, mas agora que lhes dá aquilo que primeiro vem aos
lábios, são totalmente insuportáveis. Se alguém quer pregar
como deve, seu trabalho lhe exige mais do que qualquer outra
atividade debaixo do céu. Se nos concentramos em nosso
trabalho e vocação, mesmo entre poucas pessoas, haverá atrito
de alma e desgaste do coração que afeta mesmo o mais forte.
Estou falando como quem sabe, por experiência, o que é sentir-se totalmente esgotado no serviço do Mestre. Não importa
quão bem-dispostos estejamos em espírito, a carne é débil; e
Aquele que defendeu carinhosamente a Seus servos ador­
mecidos no jardim, conhece a nossa constituição e recorda que
somos pó. Necessitamos que o Senhor nos diga de vez em
quando: “Vinde à parte ao lugar deserto, e repousai um pouco”.
Além disso, somos propensos a abater-nos quando nosso
dever se torna em rotina, devido à sua monotonia. Se não
vigiarmos, muito provavelmente diremos a nós mesmos:
“Na terça-feira à noite tenho de estar novamente aqui a fim
de dar uma mensagem no culto de oração; na quinta-feira
deverei pregar, mesmo que não tenha assunto; no domingo
de manhã e à noite, pregar de novo. Também, os compromissos
especiais; sempre pregar, pregar, pregar. Quão cansativo!”
Pregar deveria ser um gozo, mas, sem dúvida, pode trans­
formar-se em pesada tarefa. A pregação contínua deveria
produzir uma satisfação constante, mas quando o cérebro está
fatigado a alegria desaparece. Perguntamos: como conservar
o entusiasmo? E difícil produzir tanto com tão pouco tempo
para a leitura; é quase tão embaraçoso quanto fabricar tijolos
39
UM MINISTÉRIO IDEAL, Vol. 1
sem palha. Nada pode m anter a nossa disposição sem a
unção do Espírito Santo.
Não admira, pois, que alguns irmãos estejam abatidospor
falta de associação com outras pessoas de coração ardente e espírito
congênere. Irmãos, não podemos viver isolados; por certo,
uma das nossas provas mais penosas é a terrível solidão em
nossos serviços mais elevados. Quão agradável encontrar um
espírito gêmeo com quem manter comunhão! O pior é que,
se poucos nos concedem novas forças com sua conversação,
muitos nos cercam com as suas tagarelices, e quando deseja­
mos elevar-nos com temas mais sublimes, somos arrastados à
triste murmuração de uma aldeia. Não é de estranhar que em
tal ambiente, percamos as forças e nos sintamos abatidos.
Sem dúvida, nada disto serve de escusa para cair num
estado de desânimo e é possível que verdadeiramente nossa
decadência mental seja o resultado da nossa pobre situação espiritual.
Talvez tenhamos deixado o nosso primeiro amor, nos afastado
da sim plicidade da nossa fé, apostatado no coração e
entristecido o Espírito Santo, de modo que Deus caminha
numa direção contrária a nós, porque estamos andando de
modo errado. Talvez a chuva não vem por não haver oração,
e os ventos celestiais deixaram de soprar por termos sido
muito indolentes no estender as velas. Acaso não tem havido
incredulidade que impede a bênção? Habitualmente falamos
de incredulidade como se fora uma aflição da qual devemos
compadecer-nos, em vez de um crime que devemos condenar.
Ao fazermos mentiroso Aquele que nos revelou os segredos
do Seu coração, e Se tem agastado em abençoar-nos de modo
tão extraordinário, tem que produzir dor no coração do Pai.
Talvez sentimos menos amor a Jesus do que outrora, menos
zelo na realização da Sua obra, e menos angústia pelas almas
dos demais; se isso ocorre, não admira que desfrutemos menos
da presença de Deus, e logo nos sintamos abatidos. Se a raiz
não é forte, como podem florescer os ramos?
40
Um Novo Começo
Porventura a negligência teria se unido à incredulidade?
Temos atendido a carne em seus desejos? Perdemos a in­
timidade com Jesus, a qual noutro tempo desfrutávamos?
Dim inuím os o fervor com que iniciamos? Nesse caso, o
egoísmo anulará a força e destruirá a capacidade, do serviço.
Fato terrível é que às vezes estes abatimentos terminam em
catástrofe. Após a apostasia secreta vem um pecado que é
divulgado publicamente, e muitos clamam: “Que vergonha!”
Entretanto, o mais triste não é este pecado, e sim o estado
geral do coração daquele homem. Nada se torna mau de
repente. Por certo o raio matou a sua vítima; mas a descarga
não haveria caído sem que houvesse uma prévia conjugação
de elementos que provocassem a tormenta. Quando ouvimos
falar de um homem que arruinou o caráter num ato de
loucura surpreendente, podemos concluir, em regra geral,
que sua maldade não foi senão o jorro de enxofre procedente
de um terreno minado de fogo vulcânico; ou, mudando de
figura, um leão rugidor que saiu de uma cova cheia de
feras. Se desejam clamar, dia e noite, de joelhos, que não
lhes aconteça nenhum desastre moral, previnam-se contra
o pecado que conduz a ele; onde não existe a causa, não
aparece o efeito. O Senhor nos preservará se constantemente
clamamos a Ele que limpe o nosso caminho.
Existe um mal debaixo do sol que é tão terrível quanto
uma catástrofe pública - na realidade, é pior para a igreja, num
sentido mais amplo - e é quando o ministério é carcomido pelas
larvas espirituais.
Um ancião hindu me descreveu como os móveis podem
ser devorados pelos cupins. Estes insetos entram na casa e
devoram tudo, mas aparentem ente nada foi tocado. As
estantes e demais objetos permanecem exatamente onde
estavam; à simples vista, tudo está igual; porém quando se
loca nos móveis, eles se despedaçam, pois os cupins os
comeram por dentro. De igual modo, alguns homens seguem
41
UM MINISTÉRIO IDEAL, Vol. 1
o m inistério, contudo a alma dos mesmos já não existe.
Têm nome de que estão vivos, mas estão mortos. Pode haver
algo pior? Quase seria melhor que houvesse uma explosão e
tudo acabasse, do que ver homens preservando a forma de
religião depois que a piedade vital desapareceu, espalhando
a morte ao redor, mas tentando manter o que se chama uma
posição respeitável. Deus nos guarde tanto de uma coisa
como de outra.
Quando os homens chegam a este estado, costumam adotar
algum procedimento para ocultá-lo. A consciência sugere
que algo vai mal, e o coração enganoso atua para encobrir
ou disfarçar a realidade. Alguns o fazem distraindo-se com
passatempos em vez de pregar o evangelho. Não podem fazer a
obra do Senhor; então passam a ocupar-se de obra pessoal.
Não possuem a suficiente honradez para confessar que
perderam o poder evangélico, de modo que adotam um
passatempo; e esse mal não parece tão grave quando eles se
contentam com coisas secundárias, as quais não possuem
outro defeito senão o de afastar-se do essencial.
O pior é quando um homem decai de tal modo no seu
coração e espírito que não lhe restam princípios, e não crê mais
em coisa alguma. Não é fanático; promete não ofender a
ninguém. Mantém certos pontos de vista, mas o principal é
assegurar um pastorado e o que mais o atrai é o salário.
Orgulha-se de possuir um coração largo e uma receptividade
do espírito. Sua alma está sendo carcomida! Essa é a realidade
que procura encobrir com esses enganos. Tais pessoas recor­
dam o anúncio de certa escola na França, cujo parágrafo final
era: “Ensina-se aos alunos a religião que os pais escolherem”.
E algo abominável quando os ministros chegam a ensinar
qualquer doutrina que os líderes determinarem; ao iniciar o
ministério num novo campo, o pastor interroga: “Peço que
me informem se a igreja prefere um calvinismo avançado
42
Um Novo Começo
ou o arminianismo”. É o que ocorria com aquele propagandista que, num mercado, exibia um quadro da batalha de
Waterloo, o qual, quando interrogado: “Qual é Wellington, e
qual Napoleão?”, respondia: “O que vocês quiserem, amigos;
paguem e escolham”. Esses mestres liberais estão dispostos
a ministrar qualquer ensino conforme a demanda.
Quando o coração se acha deformado e a vida espiritual
decai, os homens logo adotam erros doutrinários, não tanto
porque a mente não funciona bem, mas porque o íntimo está
em más condições. Os desvios da fé sucedem pouco a pouco.
Iniciam dizendo o mínimo a respeito da graça. Administram
doses homeopáticas do evangelho; é maravilhoso que um
pequeno glóbulo do evangelho salve uma alma, e é grande
misericórdia que assim seja^ pois do contrário poucos se
salvariam. Mas essas migalhas do evangelho e o pregador que
as dá, nos recordam o famoso cão do Nilo, do qual os antigos
diziam que temia tanto os crocodilos que ele bebia no rio
com muita pressa e se afastava imediatamente. Estes prega­
dores têm tanto medo dos crocodilos críticos que enquanto
apressadamente tocam na água da vida do evangelho fogem
em seguida. Suas dúvidas são mais fortes do que suas crenças.
E o pior é que, não só nos dão muito pouco evangelho, mas
acrescentam muito que não é evangelho. Nisto são semelhantes
aos mosquitos, dos quais afirmo que não me importa que me
roubem um pouco de sangue, mas os combato por causa do
veneno que me introduzem. E coisa prejudicial que alguém
me prive do evangelho, porém que me sature com doutrinas
venenosas, é intolerável.
Quando os homens perdem todo o amor ao evangelho,
tratam de com pensar a perda de sua atração m ediante
invenções próprias de certo brilho. Imitam a vida com o fulgor
artificial da cultura. E tristemente lamentável que qualquer
idéia que alguém propague atualmente logo encontre pessoas
para apoiá-la. Se um erudito escreve algum disparate, logo
43
UM MINISTÉRIO IDEAL, Vol. 1
terá aceitação; não há opinião, por absurda que seja, que não
será crida em determinados setores, sobretudo se tem o apoio
dos chamados cientistas. Pessoalmente, observo o esforço dos
novelistas em teologia e tenho procurado extrair o que for
possível dos seus livros, mas fico surpreendido pelos resulta­
dos, notavelmente ínfimos, das suas teorias. Muitos jovens
m inistros se m ostram néscios por abandonar a pesca
apostólica e unir-se a esse desperdício de esforços mentais. Que
fizeram esses profissionais da dúvida, desde que o mundo
iniciou? Que farão? Que podem fazer? Apenas introduzir-se
nas igrejas para semear o joio nos púlpitos outrora ocupados
por ortodoxos.
Deus nos impeça que jamais tratemos de encobrir a
decadência do coração com inventos de nosso amor-próprio.
Espero que quando o nosso ministério começar a perder o
poder, sejamos levados a cair de joelhos ante o nosso Deus a
fim de que Ele nos avive novamente pelo Seu bom Espírito.
Talvez tenha falado muito extensamente a respeito da
primeira parte do meu tema; proponho-me agora considerar
a necessidade da graça renovadora. Se algum de nós desceu das
alturas, é hora de voltarmos a elas. Se caímos do primeiro
amor, é sumamente necessário que renovemos o ardor da
juventude. Se retrocedemos, mesmo em pequena medida,
convém que peçamos ajuda para recuperar o perdido.
E necessário para nosso próprio gozo. Qualquer irmão cujo
coração esfriou, cuja fé está se debilitando e em cujo espírito
mantém dúvidas, torna-se infeliz. Só experimentamos o
gozo verdadeiro quando andamos com Deus. Afastados de
Cristo, os “chamados para ser santos” são condenados à des­
dita. Se em qualquer medida se afastaram dEle e se os cerca
a neblina ou sentem frieza, apressem-se a voltar ao brilho
do Sol. Em Cristo podem repousar cheios de gozo; nEle
encontrarão toda a bênção e consolo. Digam às suas almas:
44
Um Novo Começo
“Posso ver o bendito lugar do meu descanso, e a seguir
voltarei a ele” . Este é o bom conselho aos que estão
conscientes de haver perdido o consolo ao abandonar o
antigo bom caminho.
Estou certo de que não podemos permitir-nos estar num
estado de decadência porque nunca estivemos demasiadamente
vivos. Nossos defeitos e limitações, mesmo no melhor dos
casos, são mais que suficientes para ensinar-nos o que seria­
mos se fôssemos piores. Posso im aginar alguns homens
perdendo parte da sua bravura e ainda perm anecendo
valentes; mas se uma pequena porção da m inha bravura
se evaporasse eu seria um verdadeiro covarde; se perdesse
alguma medida de fé, seria um lamentável incrédulo, pois
não me sobraria nada dela.
Irmãos, acaso já alcançamos nossa devida posição quando
comparada com nosso primeiro ideal do que esperávamos ser?
Lembrem-se do objetivo tão elevado que haviam proposto
ao ingressar no ministério? Fizeram bem em escolher uma
meta elevada, pois, se miram a lua dispararão mais alto do
que o fariam se atirassem numa sarça. Agiram bem em adotar
um ideal elevado, mas não farão bem se não o atingirem.
Entretanto, quem consegue alcançar seu próprio ideal? Não
lhes vêm desejos de esconder o rosto quando se comparam
com o Senhor? Salvou aos outros, e por isso não pode salvar-Se a Si mesmo; nós, porém, somos zelosos em guardar-nos
a nós mesmos e sem pre agimos como se o instinto de
conservação fosse a lei suprema da natureza, Ele sofreu
grande contradição dos pecadores contra Si mesmo, enquanto
nós nos sentimos provocados se alguém nos contraria no
mínimo. Ele amou as Suas ovelhas e as acompanhou quando
se extraviaram; mas nós temos diminuta compaixão mesmo
para com os que se reúnem no nosso aprisco. Estamos
m uitíssim o abaixo da verdadeira glória do Bem-Amado,
e nem sequer alcançamos o pobre ideal que dEle temos.
45
UM MINISTÉRIO IDEAL, Vol. 1
Nunca em Suas orações particulares, nem em público na
Sua vida, ou em Seu ministério ou ensinos, nos aproximamos
tanto dEle como devíamos; e sem dúvida o não alcançar o
alvo de assemelhar-nos a Ele nos deveria envergonhar e
fazer-nos chocar. Assim, pois, não devemos permitir-nos a
decadência.
Por certo, ainda que não nos comparemos com o nosso
Mestre, senão somente com alguns dos nossos irmãos ministros
(pois alguns deles realizam notável obra para Cristo)
chegaremos à mesma conclusão. Diversos companheiros têm
resistido grandes desalentos, servindo fielmente ao Senhor;
outros têm conquistado almas para Cristo e cada uma lhes
tem custado enorme abnegação. Poderia sentar-me com deleite
aos pés desses irmãos dedicados e, contemplando-os, render
graças a Deus por eles. Encontram-se entre homens de capa­
cidade inferior, de escasso poder, de aptidões insignificantes;
no entanto, como têm trabalhado, e de que modo têm orado,
a ponto de serem tão abençoados por Deus! E possível que
alguns, possuindo dez vezes sua capacidade e oportunidade,
não realizam algo semelhante ao que eles têm empreendido.
Não choraremos por causa disso? Podemos perm itir-nos
a decadência?
Amados irmãos, não podemos permitir-nos permanecer
num estado inferior ao ótimo; do contrário, nossa tarefa não
será bem feita. Houve tempo em que pregávamos com todas
as forças. Ao iniciarmos o ministério, que pregação, no que
se refere ao zelo e à vida! Nossa própria humilhação deve
aumentar ao percebermos que no passado éramos mais reais
e mais intensos do que o somos agora. Pode alguém afirmar
que no presente pregam os m elhor porquanto há mais
pensamentos ou mais exatidão nas mensagens ou que usamos
mais eloqüência que em tempos anteriores; todavia, onde
estão as lágrimas do início do nosso ministério? Onde está
o coração quebrantado de nossos primeiros sermões? Onde
46
Um Novo Começo
estão a paixão, a negação própria que constantemente sentíamos
quando derram ávam os a própria vida em cada sílaba
pronunciada? As vezes vamos ao púlpito resolvidos a fazer
como dantes, à semelhança de Sansão ao tentar as mesmas
proezas de outrora, ignorando que o Senhor se apartara dele,
o que o fizera tornar-se tão débil como qualquer outro
homem. Irmãos, que ocorreria se o Senhor se apartasse de
nós? Ai de nós e do nosso ministério!
Nada pode fazer-se sem a atuação do Espírito Santo, nem
ao menos intentar-se algo de bom. Admiro-me de que muitos
evitam pregar o evangelho ao mesmo tempo que declaram estar
pregando-o. Usam um texto que deveria entrar na consciên­
cia, mas conseguem falar de tal modo que nem despertam aos
negligentes nem afligem aos que confiam em si mesmos.
Jogam com a espada do Espírito como se fossem malabaristas
de circo, em vez de lançar a espada de dois fios aos corações
dos homens, à semelhança dos soldados quando entram em
combate. O imperador Galiano, contemplando um homem
que arremetia várias vezes contra um touro sem alcançá-lo
enquanto o povo o vaiava, chamou-o à parte e, colocando um
laurel sobre a cabeça, disse: “E um mérito especial que tenha
conseguido errar um alvo tão grande tantas vezes.” Que
prêmio daremos aos pregadores que nunca alcançam os
corações, jamais condenam os pecados dos homens, nunca
conseguem que o fariseu abandone a própria justiça, nunca
influenciem ao culpado a ponto de se lançar aos pés de Jesus
como pecador perdido? Talvez um dia possam aspirar a ser
coroado de vergonha por tal crime. Entretanto, cinjam suas
frontes com a sombra da noite. Sejamos como os canhotos de
Benjamim, que “sabiam lançar pedras com grande precisão”.
Isso não podemos alcançar a menos que a vida abundante
de Deus permaneça em nós.
Cada um deve cuidar-se como homem, por causa de si
mesmo e da sua casa; mas, como ministro, precisa de muito
47
UM MINISTÉRIO IDEAL, Vol. 1
maior zelo devido aos que estão sob os seus cuidados. Certo capitão,
nos mares do Sul, tomava, segundo alguém observou, uma
rota mais larga porém mais segura para entrar no porto.
Quando alguém comentou que ele era demasiadam ente
cuidadoso, respondeu: “Levo tantas pessoas a bordo que não
posso perm itir-m e correr risco algum”. Quantas almas a
bordo dos nossos barcos! Quantos seres de valor incalculável,
imortais, entregues ao nosso cuidado! Desde que sobre o
nosso ministério pesam coisas eternas - a vida e a morte, o
céu e o inferno - que classe de pessoas devemos ser? Quão
cuidadosamente devemos ser em referência à nossa saúde
espiritual! Como deveríamos estar sempre em nosso melhor
nível! Se eu fosse um cirurgião e tivesse que operar um
paciente, jamais tomaria o bisturi ou tocaria em seu corpo
quando me sentisse irritado ou tímido; não quisera encon­
trar-me noutra condição senão a mais tranqüila, serena e
segura, quando a menor diferença poderia significar atingir
um ponto vital e pôr term o a uma vida preciosa. Que
Deus ajude a todos os médicos de almas a estarem sempre
em sua melhor forma.
Creio que a marcha da causa de Deus no mundo depende de
que nos achemos em excelentes condições. Assim como em dias
passados o Senhor levantou homens notáveis para enfrentar
a batalha em prol do avanço da Sua causa, fazendo que
Sua luz brilhasse por toda a parte, creio que temos de
estar em sucessão direta como defensores da forma mais
pura da verdade evangélica. Foi-nos ordenado transmitir às
gerações, vindouras o evangelho eterno que nossos veneráveis
patriarcas nos transmitiram. Há um futuro para qualquer
igreja que conserva fielmente as ordenanças de Deus e se
mantenha resoluta em ser obediente à Cabeça do pacto, em
todas as coisas. Não temos prestígio, nem riqueza nem o
Estado que nos apoie, porém possuímos algo melhor do que
tudo isso.
48
Um Novo Começo
Quando se perguntou a um espartano acerca dos limites
do seu país, esse replicou: “Os lim ites de Esparta estão
marcados pelas pontas “das nossas lanças.” Algo idêntico
ocorre em referência à extensão das nossas igrejas; mas
nossas armas não são carnais. Aonde quer que vamos, prega­
mos a Cristo crucificado, e Sua Palavra de solene proclamação:
“O que crê e for batizado, será salvo.” Disseram ao espartano:
“Não tem m uralhas em Esparta”. “Não”, replicou, “as
muralhas de Esparta são os peitos dos seus filhos.” Não temos
defesas especiais para nossas igrejas, nem leis que nos
amparem, nem credos vigentes; mas temos os corações
regenerados, os espíritos consagrados dos hom ens que
resolveram viver e morrer a serviço do Rei Jesus, e que agora
têm sido suficientes, nas mãos do Espírito, para preservar-nos de atrozes heresias. Não vejo como começou tudo isso,
pois a batalha da verdade iniciou há muito tempo; e não
vejo o fim, exceto a volta do Senhor e a vitória eterna. Se são
dignos da sua vocação, irmãos, serão independentes e valo­
rosos e não se apoiarão demasiadamente em ajuda alheia.
Esparta não poderia ser defendida por uma raça de covardes
armados com lanças sem pontas; de igual modo, moços tímidos
jamais podem empreender algo para Deus. E preciso que
adotem o heroísmo se desejam enfrentar as exigências do
presente. Que Deus faça com que os fracos entre vocês sejam
como Davi, e a casa de Davi como o anjo de Jeová (Zac. 12:8).
Antes de concluir, tenho de fazer uma proposição: que esta
seja a hora da renovação para cada um de nós. Que cada um
busque um avivamento pessoal através do Espírito divino.
Veremos a oportunidades consideramos nossa própria nação.
Busquemos uma situação em que haja respeito pela justiça e
pela verdade, e não para orgulho, ambições e vantagens. Que
não sejamos influenciados por idéias falsas a respeito dos
genuínos interesses, mas pelos grandes princípios da justiça,
49
UM MINISTÉRIO IDEAL, Vol. 1
do direito e da hum anidade. Fiquemos ao lado dos que
defendem a retidão, o amor e a paz.
R endam os graças a Deus porque as escolas estão
instruindo o povo. Ainda que a educação não salve as pessoas,
pode tornar-se um meio para esse fim; pois quando todos os
nossos patrícios saibam ler a Bíblia, podemos esperar que
sem dúvida Deus abençoará Sua própria Palavra. É preciso
que hom ens piedosos possam oferecer-lhes bons livros,
alimentando assim seus novos apetites com alimento sadio.
Toda a luz é boa, e nós que acima de tudo amamos a luz da
revelação, estamos ao lado de toda espécie de luz verdadeira.
Deus está levantando o povo, e creio que chegou a hora
de aproveitarmos o progresso; e já que nosso negócio é
anunciarmos a Jesus Cristo, quanto mais nos dediquemos
à tarefa, melhor, porquanto a verdadeira religião é a força de
uma nação, e o fundamento de todo governo justo.
Tudo que seja honesto, verdadeiro, amável, humano e
moral deve contar com a nossa ajuda. Somos a favor da
temperança e portanto nos aliamos ao combate de qualquer
vício que arruina nosso povo; combatemos a crueldade con­
tra os animais. Somos decididos defensores da paz e lutamos
fervorosamente contra a guerra, crendo que o cristianismo
significa “basta de espadas, de canhões e de derramamento
de sangue”. Estejamos sempre ao lado da justiça.
Por certo estarão de acordo em que nossa santa comunhão
nesta hora feliz deve ajudar a todos nós a subir para um nível
mais elevado. Contemplar a muitos dos nossos irmãos anima
e estimula. Ao recordar a santidade de alguns, a profundeza
da sua piedade, sua perseverança, me sinto consolado na
crença de que se o Senhor tem fortalecido a outros, Ele
reserva igualmente uma bênção para nós. Que esta “Festa
dos Tabernáculos” seja o momento da renovação de nossos
votos de consagração ao Senhor nosso Deus.
Iniciemos com o arrependimento por todos os nossos erros e
50
Um Novo Começo
defeitos, Q ue cada um o faça por si. Recordem como o antigo
gigante lutou contra Hércules e o herói não podia vencê-lo,
porque toda vez que caía tocava na mãe-terra, e recebia novas
forças. Caiamos também sobre os nossos joelhos, a fim de
poderm os levantar cheios de vigor. Volvamos à nossa
primeira fé simples, e recuperemos as forças perdidas. Como
o enfermo que clamava: “Levem-me aos meus ares nativos, e
logo me recuperarei”, é salutar para a alma voltar aos dias da
sua fé primitiva; isso a ajudará a renovar a sua juventude;
parece simplória, mas é a única maneira.
Prosseguindo, renovemos nossa consagração. Pensem no
servo israelita, cujo tempo havia terminado, mas preferia
permanecer no serviço porque amava ao Senhor. Amamos ao
Senhor e à Sua causa; portanto dediquemo-nos cada vez à
tarefa. Gostaríamos que pregássemos os mesmos sermões; quero
dizer com a mesma força, o mesmo entusiasmo com que
iniciamos a carreira, anunciando aos pecadores quão adorá­
vel Salvador havíamos encontrado. O povo dizia: “Este jovem
não sabe muito, mas ama a Jesus Cristo, e não fala de outra
coisa”. Eu gostaria de pregar de novo como no princípio, e
ainda muito melhor; cria intensamente em todas as palavras
que pronunciava, sem perguntas e dúvidas que agora nos
atacam, e são sempre perdas lamentáveis para qualquer um.
Voltem à prática anterior da leitura da Bíblia, Este livro,
quando examinado, desperta muitas recordações em mim;
suas páginas resplandecem com uma luz que não posso
descrever, pois estão incrustadas de estrelas que nas minhas
horas sombrias se tomam a luz da minha alma. Não lia este
volume sagrado para achar um texto, mas para ouvir a voz do
Senhor falando-me ao coração; então não era como Marta,
preocupada com os afazeres, mas como Lázaro, sentado com
Jesus à mesa.
Que Deus nos conceda também um avivamento dos
primeiros objetivos da nossa carreira espiritual. Então não
51
UM MINISTÉRIO IDEAL, Vol. 1
pensávamos em agradar a homens, pois nosso objetivo era
tão somente agradar a Deus e ganhar almas. Éramos sufici­
entemente enérgicos para não cuidar de outra coisa senão do
cumprimento da nossa missão. E assim agora? Agora sabemos
pregar, não é certo? Cremos que somos eficientes em nossa
arte. Seria melhor que não nos sentíssemos tão bem preparados.
Creio que é melhor subir ao púlpito em fraqueza, mas em
oração, do que ir na força que confia em si mesmo. Quando
gemo: “Que néscio sou!” abaixo do púlpito, após o sermão,
envergonhado de minha pobre tentativa, estou certo de que
é melhor para mim do que quando me sinto satisfeito com
o que fiz. Que senso da responsabilidade tínham os em
nossos primeiros cultos! Conservamos aquela solenidade
de espírito? Orávamos então acerca da escolha dos hinos e
da maneira de ler as Escrituras; nada fazíamos descuidada­
mente pois nos agonizávamos em grande ansiedade. Sempre
lia a Bíblia cuidadosamente em casa, e procurava entendê-la antes de lê-la perante a congregação, e assim formei um
hábito que jamais abandonei. Alguns dizem: “Passei o dia
todo fora de casa, e tenho de pregar à noite, mas posso fazê-lo.”
Sim, mas não agradará a Deus que Lhe ofereçamos aquilo
que não nos custa nada. Outros têm uma provisão de sermões,
e pouco antes de subir ao púlpito examinam seus preciosos
manuscritos, escolhem um que parece conveniente, e sem outra
preparação, o lêem como mensagem de Deus ao povo. Que
o Senhor nos livre de um estado de ânimo em que nos
atrevamos a pôr sobre a mesa da proposição o prim eiro
pão que nos venha à mão. Não, sirvamos ao Senhor com
crescente cuidado e reverência.
Seria bom que muitos volvessem às suas primeiras orações
e vigílias e a tudo o mais que convém.
Seria possível fazê-lo? Sim, irmãos, é possível. Podem ter
toda a vida que tiveram antes, e mais ainda pela bênção do
Espírito Santo. Cada um pode ser tão intenso como jamais
52
Um Novo Começo
tenha sido. Já vi cavalos velhos que vão ao pasto e voltam
fortes e vigorosos. Conheço um lugar onde o corcel esgotado
pode ir alimentar-se e voltar para ser atrelado ao carro do
evangelho com forças restauradas. Senhor, renova Tuas
misericórdias antigas, e, como Fênix, nos levantaremos das
nossas cinzas!
Talvez lhes custe muito para serem restaurados de novo.
Bunyan relata que quando o peregrino perdeu o diploma,
teve de procurá-lo, de modo a voltar três vezes ao mesmo
trecho do caminho, e o sol se pôs antes de alcançar o abrigo.
Mas, custe o que custar, é preciso que nos hum ilhem os
diante de Deus. Talvez tenham os de renunciar aquela
esplêndida teoria, desse amor à popularidade, a retórica ou
ambição, mas uma vez totalm ente submissos, Deus nos re­
compensará com muito mais do que a luta pode custar-nos.
Lamento dizer que o material de que sou feito exige
que o Senhor tenha de castigar-me freqüentemente e com
energia. Sou como uma pena de ave que não escreve a
menos que seja afiada constantem ente, e por isso sinto
muitas vezes na minha carne essa disciplina; todavia, não
lamentarei minhas dores e minhas cruzes, contanto que o
Senhor me use para escrever nos corações dos homens. Esta
é a causa de aflições de muitos ministros; são necessárias
para nossa obra. Em alguns há uma medida tão pequena
de graça, que necessitam muitas enfermidades e aflições
para fazer com que seus dons sejam utilizáveis. Contudo, se
recebemos a graça suficiente para produzir frutos sem sermos
podados continuamente, tanto melhor.
D oravante, irm ãos, que subamos a um ponto mais
elevado. O Senhor tem razão de esperá-lo, quando recorda­
mos o que Ele fez por nós. Após vitórias alcançadas, ninguém
deve pensar em render-se. Em vista do que temos recebido
pela misericórdia do Senhor, jamais devemos arrear a ban­
deira ou dar as costas no dia da batalha. Quando temiam que
53
UM MINISTÉRIO IDEAL, Vol. 1
Sir Francis Drake fosse naufragar no Tâmisa, ele disse: “Como!
Já atravessei o mundo, e agora iria afogar-me num canal?
Nunca”. De igual modo afirmo: já temos enfrentado águas
tem pestuosas; vamos afundar num tanque de aldeia?
Estamos agora em melhor forma para lutar, pois os golpes
anteriores nos tornaram rijos.
M uitos de vocês têm passado provas, tribulações e
aflições, e depois de permanecer tanto tempo nas fileiras,
haverão de ceder, fugindo como covardes? Deus não permita
tal coisa! Ao contrário, que Ele lhes conceda o prazer, não
só de ganhar almas para Cristo, mas de ver outros alcança­
dos por sua instrum entalidade prepararem-se para lutar
por Jesus melhor do que vocês conseguiram fazer. Recordo
um exemplo da história antiga. Diágoras de Rodes ganhou
em seus bons tempos notáveis lauréis nos jogos olímpicos.
Tinha dois filhos, os quais educou para a mesma profissão.
Chegou o dia em que as suas próprias forças diminuíram e
não podia mais lutar pessoalmente, mas acompanhava os
filhos nas lutas e se alegrava ao presenciar as vitórias deles.
Oxalá, irmãos, tenham filhos espirituais que alcancem
grandes vitórias para o Senhor, e que possam viver para
testem unhar desses triunfos; então poderão dizer como
Simeão: “Agora, Senhor, despedes o teu servo em paz”.
No nome do Senhor ergamos novamente os estandartes.
Nosso lema é vencer. Nosso ideal é participar da vitória do
evangelho do Senhor Jesus Cristo. Tanto podemos atacar
como resistir aos ataques que nos são lançados. Pela graça
divina, nos são concedidos energia e paciência; podemos
agir e podemos esperar. Que a vida de Deus em nós produza
suas forças mais poderosas, e nos faça resistentes até ao
máximo das possibilidades humanas, e então alcançaremos
a vitória e daremos toda a glória dela ao nosso Capitão
onipotente. Amados, que o Senhor seja com vocês!
54
3
LUZ, FOGO, FÉ, VIDA, AMOR
Faz anos, um juiz excêntrico e bem idoso, chamado
Foster, saiu para fazer uma viagem durante um verão sufo­
cante; num dos dias mais tórridos daquela estação se dirigiu
ao grande jurado de Worcester nestes termos: “Cavalheiros
do juri: faz muito calor e estou muito velho; conhecem
muito bem seus deveres; vão e cumpram-nos”. A ação é melhor
do que os discursos. Se eu lhes falasse durante uma hora,
dificilmente poderia dizer algo mais prático do que isso:
“Conhecem seus deveres; vão e cumpram-nos”. “A Inglaterra
espera que cada um cumpra o seu dever”, foi a ordem pro­
clamada por Nelson em Trafalgar; preciso relembrar-lhes
que o Senhor espera que cada um dos Seus servos ocupe
seu posto até que o Mestre volte, e portanto que seja um
servo fiel? Vão, irmãos, e cumpram a elevada missão que
Ele lhes confiou, e que o Espírito de Deus opere em vocês
a boa vontade do seu Senhor!
Os que servem a Deus em verdade recebem o privilégio
de experimentar cada vez mais intensamente que “a vida é
real, a vida é fervorosa” se realmente é a vida em Cristo. Nas
horas de grandes dores, fraquezas e depressões, ocorre-me o
pensamento que, se me recuperasse novamente, seria mais
intenso do que nunca; se eu tivesse o privilégio de subir os
degraus do púlpito de novo, tomaria a resolução de abando­
nar toda figura de retórica em meus sermões, não pregar
senão a verdade atual e urgente e transmiti-la à congregação
com todas as minhas forças, vivendo intensamente e gastando
55
UM MINISTÉRIO IDEAL, Vol. 1
toda a energia de que seria capaz o meu ser. Julgo que tam­
bém o sentiram quando lhes acometeu a prostração. Ou
disseram: “Terminou o tempo de brincar; é preciso pôr mãos
à obra. Basta de desfiles; agora chegou a guerra. Urge que não
percamos um só instante, mas que possamos remir o tempo
porque os dias são maus.” Quando observamos a agressiva
atividade dos agentes satânicos, e quantas coisas realizam,
deveríamos ficar envergonhados de nós mesmos por fazer
tão pouco para o nosso Redentor, e esse pouco é às vezes
tão mal feito que exige o dobro de tempo para corrigir o que
fora realizado. Irmãos, deixemos de lamentar e busquemos
progredir, avançar.
Afirmou notável filósofo alemão que a vida é apenas um
sonho. Parece-me que alguns que estão n o ministério devem
ser discípulos dessa filosofia, pois estão sonolentos e seu
espírito é sonhador. Vivem para Cristo de modo tão displicente
como nunca o faria uma pessoa que ambiciona ganhar
dinheiro ou alguém que pretende obter um diploma na
universidade. Ouvi a respeito de um certo ministro: “Se eu
agisse em meus negócios como ele no seu ministério, iria à
falência em três meses”. É lamentável que haja homens que
se denominam ministros de Cristo, aos quais nunca lhes
ocorre que estão obrigados a demonstrar a máxima operosi­
dade e zelo. Parecem esquecer que lidam com almas que
podem perder-se ou ser salvas para sempre, almas que custa­
ram o preço do sangue precioso do Salvador. Não parecem
ter entendido a natureza da sua vocação, nem haver captado
a idéia de embaixador de Cristo.
Há ministros que demonstram o máximo de vivacidade
quando praticam algum esporte, tomam parte numa excursão
ou tratam de seus próprios negócios. Muitos dormem em
referência às realidades e estão despertos para as coisas
efêmeras. Considerem o que Deus terá de dizer aos servos que
fazem bem os seus afazeres particulares e fazem mal os dEle.
Luz, Fogo, Fé, Vida, Amor
Que será do homem que empregou grande energia em suas
atividades ou distrações, mas foi descuidado em seu cultivo
espiritual, ativo em seu ofício, e displicente no serviço de
Deus? Aquele dia o declarará! Despertemo-nos, para que
a nossa fidelidade seja a m aior possível, lutando para
ganhar almas de tal modo como se tudo dependesse de nós,
embora, em fé, repousemos no glorioso fato de que tudo
depende do Deus eterno.
Que estejamos despertos e ativos na busca dos perdidos;
fervorosos no espírito como pastores e evangelistas cuja
comida e bebida seja executar a vontade do Senhor. Mas
importa que almejemos crescer mais, realizar melhor. Quem
entre nós não poderia alcançar maior êxito se tivesse mais
disposição para obtê-lo? Quando Nelson servia às ordens do
almirante Hotham, e certo número de barcos inimigos foram
capturados, disse o comandante: “É preciso que estejamos
contentes; alcançamos grande êxito”. Mas Nelson, que não
tinha a mesma opinião, replicou: “Se tivéssemos capturado
dez naves e perm itido que a décima prim eira escapasse,
sendo possível capturá-la, não consideraria êxito”. Mesmo
que tenhamos trazido muitos a Cristo, não devemos atrever
a jactar-nos, pois nos humilha o pensamento de que muito
mais poderia ter sido feito, caso fôssemos instrumentos mais
aptos para ser usados por Deus.
Alguém pode pensar: “Fiz tudo que podia”. Talvez haja
realizado suficiente quantidade de reuniões ou determinado
número de sermões, porém poderia ter feito num melhor
espírito os cultos e os sermões. Alguns ministros poderiam
realizar muito mais se não se projetassem tanto. A qualquer
irmão que diga: “Não sei como pregar mais do evangelho,
pois o anuncio constantemente”, replicaria: “Não necessita
pregar maior número de vezes; põe mais evangelho em seus
sermões.” O Senhor, nas bodas de Caná, ordenou: “Enchei
essas vasilhas d’água”; imitemos os servos, dos quais lemos:
57
UM MINISTÉRIO IDEAL, Vol. 1
“E as encheram até em cim a”. Que nossas mensagens
estejam repletas - sãs, condensadas e cheias de graça. Dêem
à congregação muito o que pensar, muita doutrina bíblica,
sólida, e façam-no cada vez melhor, cada dia, cada ano, para
que Deus seja mais glorificado e os pecadores aprendam
mais claramente o caminho da salvação.
Para o seu aperfeiçoamento no ministério, encomendo-lhes cinco elementos que devem estar de modo crescente em
vocês. Não precisam limitar a quantidade de nenhum deles.
São cinco, de modo que podem contar nos dedos; seu valor é
inestimável, por isso convém recolher e gravá-los no coração:
luz, fogo, fé, vida, amor.
I.
R ecom endo-lhes fervorosam ente a aquisição e
distribuição de luz.
Para esse fim precisamos obter a luz (Prov. 4:7). Adqui­
ram luz, mesmo do tipo mais comum, pois toda luz é boa. A
instrução em coisas comuns é valiosa e aconselho aos que
desperdiçam o seu tempo, a que se dediquem a essa tarefa.
No Seminário aprendemos a estudar com todas as nossas
faculdades. E útil ao ministro iniciar a vida pública em lugar
pequeno, onde pode dispor de tem po e calma para ler
constantemente; sábio é o homem que aproveita esta excelente
oportunidade. Não só devíamos pensar no que podemos
fazer agora para o Senhor, mas no que conseguiremos realizar
se nos aperfeiçoarmos. Ninguém devia supor que sua educa­
ção está completa. Há obreiros muito idosos que prosseguem
nos estudos com esforço e dedicação invejáveis. Se alguém diz:
“Estou perfeitamente equipado para meu trabalho, e não
necessito de aprender mais; vim para cá após trabalhar três
anos no lugar onde exercia o ministério, e tenho boa provisão
de sermões, de modo que não preciso ler mais”, eu lhe diria:
“Amigo, que o Senhor lhe dê cérebro, pois você fala como
um deficiente neste aspecto”. O cérebro precisa muito de
58
Luz, Fogo, Fé, Vida, Amor
alimento, e quem o possui deve alimentá-lo por meio de
leituras e pensamentos, do contrário se atrofiará. Como a
sanguessuga, ele está sempre clamando: “Mais, mais” e não
devemos deixá-lo morrer de fome. Se não experimentam
esse tipo de fome então é porque não possuem grande
capacidade mental.
Procurem ter em alto grau a luz suprema. Acima de todas
as coisas, devem ser estudantes da Palavra de Deus, pois este
é um dos aspectos mais importantes da sua vocação. Se não
estudamos as Escrituras e os livros que nos ajudam a entender
a teologia, estamos gastando o tempo em outras investigações.
Seria néscio o indivíduo que está se preparando para ser
médico se passasse o tempo estudando astronomia. Poderá
haver certa relação entre as estrelas e os ossos humanos, mas
ninguém aprenderá muito de cirurgia estudando as cons­
telações de Arcturo ou de Orion. Há, por certo, uma ligação
entre todas as ciências e a religião, e aconselho a vocês que se
esforcem para adquirir conhecimentos gerais, no entanto a
cultura universal será má substituta para o estudo especial e
devocional das Escrituras e das doutrinas contidas na revela­
ção de Deus. Temos de estudar os homens e o nosso próprio
coração; deveríamos sentar-nos como discípulos nas escolas
da experiência e da providência. Alguns progridem porque
o grande Mestre os disciplina severamente, com disciplina
santificada; mas outros nada aprendem por experiência, vão
indo de erro em erro, e nada aprendem das suas dificuldades
exceto na arte de criar outras. Sugiro a todos a oração dum
famoso puritano, que, durante um debate, conforme outros
observaram, estava absorto escrevendo. Os amigos pensavam
que ele tomava notas durante o discurso do oponente; mas
quando viram o papel, só encontraram estas palavras: “Mais
luz, Senhor! Mais luz, Senhor!” Oxalá tenhamos mais luz do
grande Pai das luzes!
Que esta luz não seja somente a do conhecimento, mas
59
UM MINISTÉRIO IDEAL, Vol. 1
procurem: também a luz do gozo e do bom humor. Há poder
num ministério feliz. Um rosto lúgubre, uma voz lastimosa,
maneiras lânguidas, não são coisas que nos recomendam aos
ouvintes; especialmente atraem muito pouco aos jovens. Há
mentes estranhas que acham a felicidade na suma tristeza,
porém não são numerosas. Não creio que esse tipo de minis­
tério da amargura atraia bom número de almas. Os filhos
da luz preferem o gozo do Senhor, pois já provaram que Ele
Se tornou a sua fortaleza.
Adquiram abundância de luz, e quando a tiveram obtido,
espalhem-na. Não aceitem o conceito que o mero fervor sem
conhecimento bastará, e que as pessoas hão de ser salvas
simplesmente por nosso zelo. Receio que somos mais eficientes
em calor que em luz; mas o fogo que não tem luz é de natureza
suspeita e não vem de cima. Os pecadores são salvos pela
verdade que penetra no entendimento, alcançando assim sua
consciência. Como pode o evangelho salvar quando não é
entendido? O pregador talvez utilize saltos, gritos, golpes e
súplicas; porém o Senhor não está no vento nem no fogo; a
voz mansa e delicada da verdade é indispensável para pene­
trar no entendimento e alcançar o coração. A congregação deve
ser ensinada. Devemos “ir e doutrinar as nações”, fazendo
discípulos entre elas; e não conheço maneira alguma para
salvar os homens senão que os ensinemos e eles aprendam.
Alguns pregadores, embora sabendo muito, ensinam
pouco porque usam uma linguagem elevada. Lembremos
que nos dirigimos a pessoas que precisam ser orientadas
como crianças; mesmo adultos, a maior parte dos ouvintes
está ainda na infância no que concerne às coisas de Deus.
Para receberem a verdade, tem de ser apresentada de modo
simples, de maneira fácil de assimilar e guardar na memória.
Acaso não têm ouvido sermões que são peças de oratória, e
nada mais? Contudo quando termina, o discurso não satisfez
a mente, porque a retórica não alegra a alma. É preciso que
60
Luz, Fogo, Fé, Vida, Amor
não façamos da oratória o nosso objetivo. Alguns são eloqüen­
tes por natureza, e não lhes é possível ser de outro modo, como
os rouxinóis não podem evitar de cantar docemente; portanto,
não os censuro, mas os admiro. Não é dever do rouxinol
baixar a voz ao mesmo tom que o pardal. Que cante com
doçura, se o faz naturalmente. Deus merece a melhor oratória,
a melhor lógica, a melhor metafísica, o melhor de tudo;
entretanto, se alguma vez a retórica embaraça a instrução do
povo, seja anátema. Que jamais alguma capacidade ou aptidão
educacional ou mesmo algum dom natural que possuamos
seja estorvo à compreensão do povo naquilo que transm i­
timos. Que Deus não permita que a nossa erudição ou estilo
obscureça a luz; pelo contrário, que sempre usemos a
linguagem singela de modo que o evangelho resplandeça
livremente em nosso ministério.
Há grande necessidade atual de transmitir luz porque há
muitas tentativas ferozes de apagá-la e obscurecê-la. Há muitos
que espalham as trevas por toda a parte. Portanto, irmãos,
mantenham a luz ardendo em suas igrejas e em seus púlpitos,
e ergam-na diante dos homens que amam as trevas porque
favorecem seus objetivos. Ensinem à congregação toda a
verdade. Há ladrões de ovelhas que rondam à noite, e se
conseguem seduzir alguns do nosso povo é porque não
conhecem os princípios do cristianismo. Nossos ouvintes
têm uma idéia geral dessas coisas, mas não o suficiente para
proteger-se dos enganadores. Estamos rodeados, não apenas
dos céticos, mas de certos homens que devoram os fracos.
Não deixem que os seus filhos sejam privados de um santo
conhecimento, pois há sedutores ao redor que tentam desviar
os incautos. Começam chamando-os de “queridos” e terminam
afastando-os daqueles que os conduziram a Cristo. Se têm de
perder algum dos seus ouvintes, que o seja à luz do dia e não
por ignorância deles. Tais seqüestradores deslumbram os
olhos débeis com o brilho de novidades e transtornam as
61
UM MINISTÉRIO IDEAL, Vol. 1
mentes fracas com descobertas maravilhosas ou doutrinas
surpreendentes, as quais tendem à divisão, à amargura e à
exaltação da própria seita. Esforcem-se por manter a luz da
verdade ardendo, e os ladrões não se atreverão a saquear
suas casas.
Feliz a igreja de crentes em Jesus que sabem porque
crêem nEle; pessoas que crêem na Bíblia e conhecem o seu
conteúdo; crêem nas doutrinas da graça e conhecem o alcance
de tais verdades; sabem onde estão e o que são, e portanto
vivem na luz e não podem ser enganadas pelo príncipe das
trevas! Lutem, caros irmãos, para que haja muito ensino em
seu ministério. Alimentem sempre o rebanho com conhe­
cimento e compreensão, e que a sua mensagem seja sólida,
contendo alimento para o faminto, cura para o enfermo e luz
para os que estão nas trevas.
II. Suplico-lhes que em seu ministério recebam e usem
abundantemente o fogo celestial. Sobre este particular, tenho
de falar com cautela, pois temos visto os danos causados pelo
fogo incontrolado, e os perigos do fogo estranho. Embora
lamentando os prejuízos dos excessos, nenhum dos supostos
males do fogo iguala aos da tibieza. Inclusive o fanatismo é
preferível à indiferença. Eu me arriscaria aos perigos de um
adepto de excitação religiosa antes que ver o ar estacionando
por causa de um formalismo morto. E muito melhor que as
congregações sejam demasiadamente ardentes que mornas.
“Oxalá foras frio ou quente!”, continuam sendo as palavras
de Cristo, aplicáveis tanto ao pregador como aos demais.
Quando um homem está muito frio nas coisas de Cristo,
sabemos onde se encontra, mas se outro é considerado dema­
siadamente entusiasta, percebemos em que esfera está vivendo.
Imagino o que ocorreria se um anjo com um termômetro
visitasse nossas igrejas, porque me parece que encontraria
grande parte das mesmas nem totalm ente quentes nem
62
Luz, Fogo, Fé, Vida, Amor
excessivamente frias, porém entre os dois estados. Alguns se
desculpam: “Bem, não sou o mais quente de todos, mas
também não sou o mais frio”. Tenho suspeitas quanto à
temperatura desses, mas deixo o assunto ao discernimento de
cada um, observando apenas que jamais vi um fogo que fosse
moderadamente quente. Outros dizem que não convém ser
extremado, e nisso o fogo é certamente culpável, pois não só
é intensamente quente como também, tem a tendência de
consumir e destruir sem limites. Quando atinge uma área,
transforma tudo em cinzas e não há maneira de contê-lo.
Oxalá Deus nos conceda graça para sermos extremados em
Seu serviço! Que sejamos cheios de um zelo incontido
pela Sua glória! Que o Senhor nos responda com fogo, e
que esse fogo se derrame primeiramente sobre os ministros
e depois sobre as congregações! Peçamos a verdadeira chama
de Pentecoste, e não as chispas acesas pela paixão humana.
Nossa necessidade é a brasa acesa do altar, e nada pode,
substituí-la; mas é indispensável que o tenhamos, pois do
contrário nosso ministério será em vão.
Irmãos, antes de tudo, temos que nos empenhar para
que o fogo arda em nossas próprias almas. Poucos pregadores
são absolutamente frios; temos que ser aquecidos até ferver,
se desejamos atuar como convém. A vida sempre produz
determinada quantidade de calor com a possibilidade de
aum entar; já que possuím os vida, possuím os tam bém
probabilidade de aquecer-nos mais e mais.
Seria horrível escutar um sermão que desse a sensação
de estar sentado sobre a neve ou abrigado num a casa de
gelo. Pode ser bem planejado e bem distribuído, mas a
falha é que contém madeira, porém falta o fogo. E preferí­
vel um sermão em que haja menos talento ou ausência
de profundidade de pensam ento, o qual dá a impressão
de ter saído de um forno, e como metal derretido abre
seu cam inho ardendo, pois provavelm ente não será
63
UM MINISTÉRIO IDEAL, Vol. 1
esquecido, porquanto nada detém o fogo.
A energia continua sendo essencial, seja o que for que
tenha mudado na oratória desde os tempos antigos. Quando
interrogaram a Demóstenes sobre o que é mais importante
na oratória, sua resposta não foi “ação”, e sim “energia”. Qual
a segunda coisa em importância? - ”energia”. E a terceira
coisa? - “energia”. Estou convicto também de que a energia
é o elemento principal da pregação, no aspecto humano.
Como os sacerdotes do altar, nada podemos fazer sem fogo.
Irmãos, falem porque crêem no evangelho de Jesus; falem
porque sentem o seu poder; falem sob a influência da verdade
que estão apresentando; falem com o Espírito Santo enviado
do céu; e o resultado não será duvidoso.
Recordem-se cuidadosamente que nossa chama há de ser
acesa do alto. Nada mais desprezível que um mero fogo pin­
tado, ou seja, o fervor fingido. Que o fogo seja aceso pelo
Espírito Santo, e não por paixão psicológica, desejo de obter
honras, o elogio dos demais ou emoção de presenciar grandes
auditórios. Que o terrível exemplo de Nadabe e Abiú afaste
para sempre o fogo estranho dos nossos incensórios. Ardam
por haver estado em solene comunhão com Deus.
Lembrem-se também que o fogo de que necessitamos nos
consumirá se o possuímos verdadeiramente. “Cuidado”! Talvez
sussurrem os amigos; mas quando este fogo arde não fare­
mos caso de conselhos. Se nos consagramos totalmente à
obra de Deus, não podemos retroceder. Desejamos ser ofertas
queimadas e sacrifícios completos para Deus, e não ousamos
evitar o altar. “Se o grão de trigo caindo na terra não morrer,
permanece; mas se morrer, produz muito fruto.” Só pode­
mos produzir vida em outros à custa do desgaste do nosso
próprio ser.
Muitos ministros, fervorosos ficam esgotados até que o
coração e o cérebro chegam ao limite de suas forças. Todos os
homens eminentemente úteis experimentam sua debilidade
64
Luz, Fogo, Fé, Vida, Amor
no máximo grau. Quando Deus nos visita com poder para
salvar almas, é como se uma chama devoradora baixasse do
céu e viesse morar em nosso seio. Herodes foi destruído por
vermes, amaldiçoado por Deus; mas ser consumido por
Deus para Seu próprio serviço é ser abençoado até o máximo.
Podemos escolher entre as duas coisas, ser consumidos por
nossas próprias corrupções ou pelo zelo da casa de Deus. Nada
de vacilar; a escolha de cada um é ser do Senhor, inteiramente;
servos do Senhor, com ardor, paixão e veemência, custe o que
custar. Nossa única esperança de honra, glória e imortalidade
está no tamanho de nossa consagração a Deus; como objetos
consagrados, é preciso que sejamos consumidos pelo fogo, ou
rechaçados. Afastar-nos da obra da nossa vida a buscar distin­
ção noutra parte, é loucura extrema; a seca nos ameaçará, em
nada teremos êxito, senão em buscar a glória de Deus mediante
o ensino da Sua Palavra. “Formei este povo, declara Deus, para
proclamar o meu louvor”, e se não o fizermos, faremos menos
do que nada. Para isso fomos criados; e se não o realizarmos,
viveremos em vão.
Como servo de Deus, o obreiro é honrado; mas se passa
a envolver-se noutros ofícios ou busca seu próprio
engrandecimento, cessa de ser admirável e passa a viver
insatisfeito. Estão destinados unicamente a Deus; portanto,
rendam-se totalmente, consagrando-Lhe seu tempo, seus
bens, seu ser. Que o fogo da completa consagração se levante
sobre vocês, e assim resplandecerão como a prata derretida.
Não nos submetamos jamais à vergonha e eterno desprezo
que serão o destino dos que abandonam o serviço do Redentor
pela escravidão do egoísmo. Jesus exigiu dos discípulos:
“Negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me”.
III.
O elemento seguinte da nossa meditação é a fé
Podemos dizer que é o primeiro e o último assunto. “Sem
fé é impossível agradar a Deus.” Se agradamos a Deus, não
65
UM MINISTÉRIO IDEAL, Vol. 1
é por nosso talento, e sim por nossa fé.
A tualm ente necessitam os de m uita fé na forma de
crença fixa. Devemos saber mais do que antes; procuramos
desenvolver, mas não como alguns, pois não pertencemos à
escola liberal daqueles que crêem pouco ou nada com
convicção, porque desejam crer em tudo. Alguns não têm
credo, ou se o possuem, o alteram tão freqüentem ente que
não lhes serve para nada. Variadas são as crenças e as
incredulidades de alguns, um aglomerado de conceitos
filosóficos, teorias científicas, resíduos teológicos e invenções
heréticas.
Quando tais “eruditos” se referem a nós, manifestam
grande desprezo e demonstram crer que somos estúpidos por
natureza. Pode ocorrer que alguém esteja se mirando num
espelho quando julga estar contemplando o vizinho pela
janela. Atrevo-me a dizer que não devemos temer ante a
perspectiva de medir forças com os seguidores do “pensamento
moderno”. Seja assim ou não, a nós nos compete crer. Cre­
mos que quando o nosso Deus fez uma revelação, sabia o que
queria e pensava, e Se expressou da maneira melhor e mais
sábia, em linguagem que pode ser entendida pelos que são
sinceros e desejosos de aprender. Portanto cremos que não
necessitamos de nova revelação, e que a idéia que há de
surgir outra luz é praticamente incredulidade segundo a luz
que já recebemos, visto que a luz da verdade é una. Embora
a Bíblia tenha sido distorcida e posta a ridículo por mãos
sacrílegas, continua sendo a revelação infalível de Deus. O
aspecto mais importante da nossa religião é aceitar humilde­
mente o que Ele tem revelado. Talvez a forma mais elevada
possível de adoração é a submissão de todo o nosso ser
mental e espiritual ante o pensamento revelado de Deus, o
entendimento prostrado, ante aquela sagrada presença, cuja
glória faz com que os anjos cubram os rostos. Aqueles que
desejarem , adorem a ciência, a razão ou seus próprios
66
Luz, Fogo, Fé, Vida, Amor
raciocínios; contudo nosso deleite é prostrar-nos ante o
Senhor Deus e dizer: “Este Deus é o nosso Deus para sempre;
Ele será nosso guia até à morte”.
Reunam-se em torno do antigo estandarte. Lutem até à
morte pelo evangelho imutável, pois é a sua vida. Que a cruz
de Cristo esteja sempre em proeminência, e que todas as
benditas verdades que a cercam sejam mantidas com todo
o coração.
Precisamos ter fé - não só na forma de credo fixo - mas
também na forma de constante dependência de Deus. Se me
perguntasse qual a mais agradável disposição de ânimo
dentro de toda a gama dos sentimentos humanos, não falaria
do poder da oração, ou da abundância de revelação, ou de
gozos arrebatados ou vitória sobre os espíritos maus;
mencionaria como o mais estranho deleite do meu ser, o
estado em que se experimenta uma consciente dependência
de Deus. Freqüentem ente esta experiência tem vindo
acompanhada de enormes dores físicas e profundas hum i­
lhações do espírito, mas é inexplicavelmente agradável cair
passivamente nas mãos do amor e morrer absorvido na vida
de Cristo. E um deleite chegar à compreensão de que você
não sabe, mas seu Pai celestial sabe; você não pode falar,
porém “temos um advogado”; quase não pode levantar a
mão, mas Ele opera todas as coisas em você. A absoluta sub­
missão das nossas almas ao Senhor, o pleno contentamento
do coração ante a vontade e os caminhos de Deus, a segura
confiança do espírito quanto à presença e ao poder do
Senhor; isto é o mais próximo ao céu que pode ocorrer
conosco. E melhor que o êxtase, pois qualquer um pode
permanecer nessa experiência sem esforço ou reação.
“Ah, não ser nada, nada;
apenas permanecer aos Seus pés. ”
67
UM MINISTÉRIO IDEAL, Vol. 1
Não é uma sensação tão sublime como voar em asas de
águia; quanto à doçura no entanto ela é profunda, misteriosa,
indescritível e insuperável. E uma bem-aventurança na qual
se pode pensar, um gozo que nunca parece ser roubado; pois
não resta dúvida de que um pobre e frágil filho de Deus tem
direito indiscutível a depender do Pai, direito a não ser nada
na presença dAquele que o sustém. Gratifica-me pregar nesse
estado de ânimo, como se não fora pregar, mas esperar que o
Espírito Santo fale por mim. Presidir dessa m aneira as
reuniões de oração e da igreja, e toda a espécie de atividades,
redundará em sabedoria e gozo para nós. G eralm ente
cometemos nossos maiores erros nos assuntos mais fáceis,
achando tudo tão simples que não pedimos a Deus que nos
guie e julgando que nossa própria capacidade será suficiente.
Todavia, as graves dificuldades, essas nós levamos a Deus.
Bondosamente Ele dá aos jovens prudência e aos simples
conhecimento e discrição por meio delas. A dependência de
Deus é a fonte inesgotável da eficácia. Aquele verdadeiro santo
de Deus, Jorge Müller, me surpreende sempre, por ser uma
pessoa que depende tão simples e puerilmente de Deus; mas,
lamentavelmente, a maioria de nós se julga demasiadamente
grande para que Deus nos use. Sabemos pregar tão bem que
fazemos um sermão de qualquer coisa... e fracassamos.
Cuidado, irmãos, pois se julgamos que podemos fazer algo
por nós mesm os, tudo que obterem os de Deus será a
oportunidade de prová-lo. Deste modo, Ele nos examinará, e
nos permitirá ver nossa incapacidade. Certo alquimista, que
servia ao papa Leão X, declarou que havia descoberto como
transformar os metais vís em ouro. Esperava receber grande
soma de dinheiro por seu invento, mas Leão não era tão
bobo; deu-lhe tão somente uma enorme bolsa para que
guardasse o ouro que fizesse. Nesta resposta havia tanto
sabedoria como sarcasmo. Isto é precisamente o que Deus faz
com os orgulhosos; permite-lhes ter a oportunidade de fazer
68
Luz, Fogo, Fé, Vida, Amor
o que se jactavam de poder fazer. Jamais soube de alguma
moeda de ouro que tenha chegado a cair na bolsa de Leão;
estou certo de que vocês jamais serão espiritualmente ricos
pelo que podem fazer com as próprias forças. Despojem-se
das suas próprias vestimentas, e então Deus poderá comprazer-Se em revestir-lhes de honra, mas nunca antes.
É essencial que demonstremos fé em forma de confiança
em D eus. Seria grande calamidade que alguém afirmasse de
vocês: “Tem um excelente caráter moral e dons notáveis, mas
não confia em Deus”. Necessidade im portante é a fé. O
apóstolo recomenda: “Tomando sobretudo o escudo da fé”.
Pena é que alguns vão à luta deixando o escudo em casa. Terrí­
vel é pensar num sermão que tivesse todas as qualidades que
um sermão precisa possuir e, no entanto, constatar que o
pregador não confiasse no Espírito Santo para abençoá-lo de
modo a converter almas. Tal mensagem seria vã. Nenhum
sermão será o que deveria ser se lhe faltar a fé; eqüivale a
dizer que um corpo está sadio quando a vida já se extinguiu.
É admirável ver alguém humildemente consciente da sua
própria fraqueza e ao mesmo tempo bastante confiante no
poder divino para atuar por meio das suas limitações. Se
intentamos fazer grandes coisas, não nos excederemos na
tentativa; esperando notáveis feitos, não cairemos desenga­
nados em nossas esperanças. Alguém interrogou a Nelson
se não eram perigosos determinados movimentos de seus
navios, e a resposta foi: “Pode ser perigoso, mas em assuntos
navais nada há impossível ou improvável”. Atrevo-me a
asseverar que, no serviço de Deus, nada é impossível e nada
é improvável. Em preendam grandes coisas em nome de
Deus; arrisquem tudo, confiados em Sua promessa, e conforme
a sua fé lhes será feito.
A norma comum em muitas igrejas é a de uma grande
prudência. Em geral, não intentamos nada acima das nossas
forças. Calculamos os meios, medimos as possibilidades
69
UM MINISTÉRIO IDEAL, Vol. 1
com exatidão econômica. Logo concedemos ampla margem
para os imprevistos, e uma porcentagem ainda maior para
nosso comodismo, de modo que realizamos muito pouco
devido não termos o propósito de fazer muito. Oxalá tivéssemos
mais coragem, mais ânimo, mais “garra”. Intentemos grandes
coisas, porque os que confiam no Senhor vencem acima de
todas as esperanças. Este é o tipo de fé da qual necessitamos
cada vez mais; confiar em Deus de tal maneira, que em Seu
nome ponhamos a mão no arado. E ocioso passar o tempo
fazendo planos e modificando-os, sem nada fazer; o melhor
plano para executar a obra de Deus é realizá-la. Irmãos, se não
crêem em mais ninguém, confiem em Deus sem reservas.
Creiam plenamente. Crer na Palavra de Deus é o mais razoá­
vel que temos a fazer; é seguir o caminho mais simples que
devemos tomar; é a norma menos perigosa que podemos
adotar, inclusive quanto ao cuidado de nós mesmos, pois Jesus
declara: “Qualquer que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á;
mas o que perder sua vida por m inha causa, a achará”.
Exponhamo-nos a tudo, confiados na fidelidade absoluta de
Deus, e jamais seremos envergonhados ou confundidos.
Vocês precisam ter fé em Deus na forma de expectativa.
Aguardando muitos frutos, pregadores reservam um lugar
onde pessoas possam ocupar-se com os novos convertidos.
Porventura iniciaremos a semeadura, sem providenciar um
celeiro? Cristo nos ensina que devemos esperar colher
peixes em nossas redes, e ajuntar frutos em nossos campos.
“Abre bem a tua boca e ta encherei”, ordena o Senhor. Orem
e preguem de tal maneira que, se não houver conversões,
ficarão atônitos, surpreendidos e quebrantados. Busquem a
salvação dos seus ouvintes com tanta intensidade como o
anjo que tocará a últim a trom beta buscará o despertamento dos mortos. Creiam na sua própria doutrina! Confiem
no seu onipotente Salvador! Contem com o poder do Espírito
Santo que habita em vocês! Dessa maneira verão cumprido
70
Luz, Fogo, Fé, Vida, Amor
o desejo dos seus corações, e Deus será glorificado.
IV. Passo a falar-lhes do quarto elemento, a saber, a vida
O pregador deve ter vida; é indispensável que tenha vida em
si mesmo. Você está bem vivo, irmão? Como ministro, está
completamente vivo? Se existe no corpo humano um osso
que não está vivo, logo se transforma em foco de enfermidade;
um dente estragado pode causar mais dano do que se imagina.
Num sistema vivo, uma porção morta está fora de lugar, e mais
cedo ou mais tarde, provocará dores intensas.
Alguns irmãos nunca parecem estar inteiramente vivos.
Suas cabeças vivem, são inteligentes e estudiosos; mas é uma
lástima que seus corações estejam inativos, frios, insensíveis.
M uitos não percebem novas oportunidades, pois dão a
impressão de que a morte selou os seus olhos; suas línguas
estão apenas meio despertas porque vacilam e tropeçam,
produzindo em torno deles um ambiente de sono. Disseram-me que se certos pregadores dessem um golpe ou agitassem
um lenço de vez em quando, ou ao menos realizassem algo
diferente do habitual, seria um alívio para a congregação.
Espero que nenhum de vocês se torne mecânico e monótono;
desejo que sejam plenamente vivos dos pés à cabeça, vivos de
cérebro e de coração, de língua e de mãos, de olhos e de ouvidos.
O Deus vivo deve ser servido por homens vivos.
Esforcem-se para ser vivos em todos os seus deveres. Bradford,
o mártir, costumava dizer: “Nunca me afasto de nenhum lugar
do serviço do Senhor até que me sinta inteiramente vivo e
perceba que o Senhor está ali comigo”. Pratiquem esta regra
conscientemente. Ao confessar o pecado, prossigam con­
fessando até que lhes pareça que suas lágrimas estão lavando
os pés do Salvador. Ao buscar o perdão, continuem buscando
até que o Espírito Santo dê testemunho da sua paz com Deus.
Ao preparar um sermão esperem no Senhor até que tenham
comunhão com Cristo, até que o Espírito Santo os faça sentir
71
UM MINISTÉRIO IDEAL, Vol. 1
o poder da verdade que têm de apresentar. “Filho do
homem, come este rolo.” Antes de tentar transmitir a Palavra
aos outros, que ela penetre em vocês. Acaso não há demasiada
oração morta, pregação morta e atividade religiosa morta,
por todo lado? Através de observações e tristes experiências,
tenho chegado à conclusão que o comodismo de nada serve
na obra do Senhor.
Irmãos, cada um de nós há de possuir uma vida mais
abundante, e esta precisa manifestar-se em todos os deveres
do nosso cargo; a vida espiritual fervorosa se revela na oração,
no cântico, na pregação, e até no aperto de mão e na boa
palavra após o culto. Não posso suportar longas reuniões
cujo objetivo é apenas discutir assuntos de ordem, emendas e
regimentos, onde se gastam horas do precioso tempo em
disputas acaloradas, como se o destino do mundo inteiro e
do céu estrelado dependesse de tais debates. E sublime coisa
estar continuamente renovando a juventude, sem cair jamais
na rotina, mas traçando novos caminhos. Alegra-me ver a
vivacidade do jovem associada à gravidade do pai; porém,
acima de tudo mais, me regozijo ao contemplar um homem
piedoso que conserva o entusiasmo, o gozo e o fervor do seu
primeiro amor. E crime permitir que nosso fogo arda com
tão diminuta chama quando a experiência nos oferece cada
vez mais abundância de combustível.
Transbordem vida em todo o momento e que essa vida seja
vista em sua conversação comum. E um surpreendente estado
de coisas aquele que faz com que as pessoas boas digam: “Nosso
m inistro desfaz no vestíbulo o que realiza no púlpito;
prega muito bem, mas sua vida não coincide com os seus
sermões”. O Senhor Jesus ensinou que fôssemos perfeitos
como o Pai celeste. Todo cristão deve ser santo; nós temos,
porém uma obrigação sete vezes m aior de sê-lo: como
poderemos esperar a bênção divina se não for assim? Que
Deus nos ajude a viver de tal maneira que possamos ser
72
Luz, Fogo, Fé, Vida, Amor
exemplos dignos do nosso rebanho!
Nesse caso, a nossa vida fluirá para outros. O homem que
Deus usa para o despertamento é aquele que é pessoalmente
despertado. Que nós e a nossa comunidade sejam como as
fontes ornamentais que temos visto viajando pelo estrangei­
ro: a água salta como repuxo e cai numa concha; quando a
concha está cheia a cristalina corrente transborda em meio
de cintilações e cai noutra concha, e o processo é repetido
muitas vezes de modo que o resultado encanta a vista. Que
em nosso ministério, irmãos, as águas vivas se derramem
sobre nós até que milhares recebam bênçãos e as comu­
niquem a outros. Isto é o que o Senhor deseja: “O que crê
em mim, como diz a Escritura, rios de água viva correrão do
seu ventre”. Que Deus nos encha até transbordar. Isso é
essencial; precisamos ter vida. Se há irmãos sonolentos ou
que executam o serviço de modo mecânico e rotineiro, que
despertem. Nossa obra requer que sirvamos ao Senhor com
todo o nosso coração, com toda a nossa mente, com todas
as nossas forças. Não é lugar de fazer as coisas parcialmente.
Que os mortos vão e sepultem seus mortos, mas o trabalho
entre homens vivos exige vida, vida intensa e vigorosa. Um
cadáver entre as hostes angélicas não estaria mais fora de
lugar do que um homem sem vida no ministério evangélico.
Deus não é Deus de mortos, e sim de vivos!
V. A última, mas certamente não a menos importante
entre todas as coisas de que tenho de falar, é o amor. Sem dúvida,
temos de desenvolver em amor. Para alguns pregadores é
algo difícil saturar e perfumar seus sermões com amor; suas
naturezas são duras, frias, ásperas, egoístas. Nenhum de nós
é tudo o que deveria ser, porém alguns são paupérrimos
quanto ao amor. Não possuem “amor natural” pelas almas
dos homens, como diz Paulo. A todos, mas especialmente
aos mais “difíceis”, gostaria de dizer: sejam duplamente
73
UM MINISTÉRIO IDEAL, Vol. 1
fervorosos em amor santificado, pois sem isso não serão
mais do que “metal que ressoa ou címbalo que retine”. O
amor é poder. O Espírito Santo na maior parte das vezes
atua por meio dos nossos afetos. A fé pode muito, mas
amem aos homens para conduzi-los a Cristo, porque o amor
é o instrumento que a fé usa para alcançar seus desejos em
nome do Senhor do amor.
Amem seu trabalho. Nunca pregarão bem a menos que
estejam enamorados disso; jamais prosperarão em qualquer
cargo especial, a menos que amem a congregação, e quase diria
ao povoado e ao templo. Gostaria que estivessem convenci­
dos de que a sua aldeia fosse a pérola da comarca. Sua
capela, com toda a sua simplicidade, deve encantar vocês. Seu
local tem capacidade somente para trezentos e vinte pessoas;
porém no seu entender é o maior número que um homem
só pode pastorear com esperança de êxito; pelo menos repre­
senta uma responsabilidade suficiente para você. Quando
o amor de uma mãe a leva a crer que os seus filhos são os
melhores da localidade, a faz cuidar melhor da sua limpeza
e das suas roupas; se os julgasse feios e maus, descuidaria
deles; estou convencido de que até que amemos de coração
nosso trabalho e nossa gente, não faremos algo importante. E
uma regra sobre a qual não conheço exceção: para prosperar
em qualquer atividade é indispensável que se sinta entusias­
mo por ela.
Devem também sentir um intenso amor pelas almas dos
homens, se desejam influenciá-los para o bem. Nada há que
possa compensar a ausência disso. Ganhar almas há de ser
a sua paixão, têm que senti-lo como coisa inata; é preciso
que seja seu alimento, a única coisa pela qual considerem a
vida como digna de ser vivida. Urge que vamos à busca das
almas do modo como o caçador persegue a caça porque
essa atividade se apoderou dele e o impulsiona.
Acima de tudo mais, é necessário que sintamos wm.
74
Luz, Fogo, Fé, Vida, Amor
intenso amor a Deus. Um poder especial nos reveste quando
ardemos de amor a Deus. O que falta à maioria dos homens
é o amor. A graça santificada do amor deve ser mais pregada
entre nós e mais experimentada por nós. Oxalá vivêssemos
em termos de grande intim idade com o Bem-Amado, e
sentíssemos sempre o Seu amor em nosso íntimo! O amor
de Deus ajudará ao ministro a perseverar em seu serviço
quando de outro modo o abandonaria. “O amor de Cristo
nos constrange”, disse alguém cujo coração pertencia
inteiramente ao Senhor.
Se estamos cheios de amor pela nossa obra, amor às
almas, e amor a Deus, suportaremos alegremente a abnega­
ção, que de outro modo se tomaria insuportável. Sentimo-nos
orgulhosos de que haja tantos homens que devido pregarem
o evangelho, estão dispostos a renunciar profissões bem
remuneradas e a suportar privações. Não obstante as prova­
ções, permanecem fiéis a Cristo. Toda a honra a esses mártires
que aceitam rigorosos sofrimentos por Cristo e Sua Igreja!
Ouvi dizer que o diabo, em certa ocasião, aproximou-se de
um cristão e lhe disse: “Tu te chamas um servo de Deus, mas,
que fazes mais do que eu? Orgulhas-te de jejuar, mas também
eu o faço, pois nem como nem bebo; não cometes adultério;
tão pouco eu”. E prosseguiu, mencionando uma longa lista
de pecados dos quais é incapaz, pelo qual podia declarar
estar isento deles. Mas o crente por fim lhe respondeu: “Faço
uma coisa que nunca fizeste: eu me nego a mim mesmo”. Nisso
se revela o cristão; nega-se a si mesmo por Cristo. Crendo em
Jesus, “considera todas as coisas como perda pela excelência
do conhecimento de Cristo Jesus, seu Senhor”. Irmãos, não
deixem o pastorado porque o salário é pequeno. Sua humilde
congregação há de ser atendida por alguém. Não desesperem
quando os tempos se tomam difíceis; dias melhores virão;
entretanto, seu Pai celestial sabe das suas necessidades.
O uvim os de hom ens que perm aneceram em cidades
75
UM MINISTÉRIO IDEAL, Vol. 1
assoladas por epidemias, porque podiam ser úteis aos enfer­
mos. Sejam tão fiéis a Deus como outros que têm demonstrado
persistência em sua filantropia. Se de alguma maneira podem
suportar a presente aflição, fiquem ao lado do seu povo. Deus
lhes ajudará e recompensará, se confiarem nEle. Que o Senhor
confirme a sua firmeza e lhes console na tribulação.
Avante, irmãos; prossigam pregando o mesmo evangelho;
mas preguem-no com mais fé, proclamem-no cada dia melhor.
Não retrocedam; seu posto está à frente. Preparem-se para
esferas mais amplas, os que servem em lugares pequenos;
porém não descuidem dos seus deveres por buscar melhor
posição. Estejam preparados para a oportunidade quando
surgir, tendo a certeza de que o cargo virá àquele que é apto
para ele. Não somos de tão pouco valor que tenhamos de
oferecer-nos em todos os mercados; as igrejas estão sempre
em busca de obreiros eficientes; há enorme demanda de
homens capazes e úteis.
Não podem colocar a lâmpada sob o alqueire, nem é
possível m anter alguém realm ente hábil num a posição
insignificante. O cargo quase não tem importância; a aptidão
para a obra, a graça, a capacidade, o fervor, o ânimo afável,
cedo levam o indivíduo a ocupar seu devido, lugar. Deus guiará
o Seu servo à posição certa, se possui a fé para confiar
inteiramente nEle. Faço esta declaração no final da mensa­
gem porque não ignoro o desalento que se apossa de muitos.
Não temam trabalhar duramente por Cristo; terrível será
o momento de dar contas para aqueles que passam comoda­
mente o ministério; mas está reservada uma grande recompensa
aos que tudo suportam por am or aos escolhidos. Não
lamentarão a pobreza quando Cristo voltar e convocar os
Seus servos. Será algo gratificante o morrer dia a dia no seu
posto, sem afastar-se impelido por ambições, correndo de um
lugar para outro em busca de vantagens, mas persistindo
no local que o Senhor determinou.
76
Luz, Fogo, Fé, Vida, Amor
Irmãos, consagrem-se novamente a Deus. Tragam novas
ligaduras e amarrem uma vez mais o sacrifício ao altar. Ainda
que lutem para escapar do cutelo ou temam o calor do fogo,
amarrem-no com cordas no ângulo do altar, pois até à morte
e após a morte somos do Senhor. Que nosso lema constante
seja rendição completa de todas as coisas a Deus. E que Ele
aceite o sacrifício vivo, pelo amor de Jesus Cristo, nosso Senhor!
Amém.
4
FORTALEZA NA FRAQUEZA
Diletos irmãos, devido ter passado por uma crise de
saúde física, extraí meu tema para esta ocasião das palavras
de Paulo, em 2 Cor. 12: 10 - “Quando sou fraco, então sou
forte.” Não quero dizer nada novo sobre o assunto, nem pode­
rei afirmar algo conclusivo a seu respeito. O lado débil da
experiência será exposto diante de vocês; o que possa fazer é
orar para que o lado forte não fique oculto. Meus próprios
sentimentos me oferecem um comentário sobre o texto, e
essa é toda a exposição que me proponho fazer. Nosso texto
não está tão-somente inscrito na Bíblia, mas nas vidas dos
santos. Embora não sejamos apóstolos e jamais possamos
alegar possuir a inspiração de Paulo, é verdade que neste
aspecto particular estamos tão instruídos quanto ele, pois
temos aprendido por experiência que “quando sou fraco,
então sou forte.” Esta frase se transformou num provérbio
cristão; é um paradoxo que já não deixa perplexo a nenhum
filho de Deus; é, ao mesmo tempo, uma advertência e um
consolo que exorta aos fortes a considerar a fraqueza do
poder, e apresenta ante os fracos o poder da fraqueza.
Fique entendido, desde o início, que NOSSO TEXTO
NÃO É CERTO EM TODOS OS SENTIDOS EM QUE
PODERIA SER LIDO. Alguns irmãos são fracos enfati­
camente e sempre; mas nunca descobri que foram fortes,
cxceto no sentido de serem teimosos e obstinados. Se a teimo­
sia é poder, são campeões; e se a presunção é força, são gigantes;
79
UM MINISTÉRIO IDEAL, Vol. 1
todavia não são fortes em nenhum outro aspecto.
Muitos são fracos, mas não fortes. Ao nos referirmos a eles,
temos de alterar o texto: “Quando são fracos, são a fraqueza
mesma”. Há um tipo de fraqueza que convém temermos, a
qual pode introduzir-se insensivelm ente entre nós; no
entanto não vem acompanhada de poder, nem de honra, nem
de virtude; é um mal, somente um mal, e o é continuamente.
E seguida de incapacidade para o serviço nas coisas santas, e
de falta de eficácia; e a menos que a graça divina impeça a
calamidade, nascerá dela o fracasso do caráter e a derrota na
vida. Que nunca cheguemos a conhecer a fraqueza de Sansão
após ter revelado o seu segredo e perdido o vigor! Ele não
podia dizer: “quando sou fraco, então sou forte”, pois ao
ouvir: “Sansão, os filisteus vêm sobre ti”, já não conseguiu
feri-los; não tinha mais força para proteger-se nem guardar
os seus olhos e alcançar a própria liberdade. Cego, trabalha
penosamente no moinho; o herói de Israel se transformara
em escravo dos incircuncisos. Sem dúvida, assim foi, e algo
semelhante pode ocorrer conosco. “Exulta, faia, porque o
cedro caiu!” Irmãos, é preciso que lutemos contra toda a
fraqueza que leve ao pecado, caso que alguma Dalila seja
também nossa destruição. Os longos cabelos de Sansão
denotavam sua consagração, e se alguma vez chegamos a ser
fracos por falta de consagração, esta fraqueza será fatal para
o verdadeiro serviço. Se o que tinha “nada em si e tudo em
Deus” descer até desejar “algo do eu e algo de Deus”, sua
condição é deplorável. Depois de haver vivido para ganhar
almas, se agora vive para juntar prata e ouro, seu dinheiro
perecerá com ele; se o que foi famoso por sua devoção ao
Senhor se tomar senhor de si mesmo, será infame; pois estou
convicto de que, embora não façamos nada de mal aos olhos
dos homens, é grande mal decair de servir a Deus de todo o
coração. Isso é o que faz rir aos demônios e aos anjos admirar-se: um homem de Deus vivendo como um homem do mundo!
80
Fortaleza na Fraqueza
Até mesmo o Senhor se detém a perguntar: “Que fazes
aqui, Elias?” Os santos e os zelosos se afligem quando
observam um ministro de Cristo ministrado a sua própria
ambição. Só somos fortes ã proporção que nossa consagra­
ção seja perfeita. A menos que vivamos inteiramente para
Deus, nossa fortaleza sofrerá grandes perdas, e nossa fraqueza
será do tipo que degrada o crente até o ponto de os ímpios
perguntarem com desprezo: “Você também é fraco como
nós? Ficou semelhante a nós?”
Amigos, há outro sentido em que jamais devemos nos
tomar fracos: em nossa comunhão com Deus. Davi descuidou
da sua comunhão com Deus, e satanás o venceu por meio
de Bate-Seba; Pedro seguiu a Jesus de longe, e logo negou a
seu Senhor. A comunhão com Deus é o braço direito da nossa
força, e, se se rompe, somos como água. Sem Deus, nada
podemos fazer; e nos arruinamos em proporção ao nosso
intento de viver sem Ele. Coisa lastimável é que o homem que
contemplou o rosto do Forte e se fez poderoso, pudesse
esquecer de onde vem sua grande potência e assim ficar
enfermo e enfraquecido! O que interrompe suas visitas à sala
do banquete da comunhão santificada estará desnutrido e terá
de exclamar: “Que fraqueza!” O que não anda com o Amado
logo será um Mefibosete nos pés e um Bartimeu nos olhos;
tímido no coração e trêmulo nos joelhos. Se somos débeis
na comunhão com Deus, nos tomamos fracos em tudo.
Há outro tipo de fraqueza que jamais devemos cultivar,
a qual parece estar muito em moda atualmente: a fraqueza
da fé. Isso porque quando sou fraco na fé, não sou forte no
Senhor. Quando alguém duvida de seu Deus, debilita-se.
Alguns julgam as pessoas cheias de incredulidade e
desconfiança como possuidoras de profunda experiência,
porém a incredulidade nunca pode ser considerada como
condição à eminência em santidade. A fé é a nossa arma de
guerra; ai do guerreiro que a esquece! Portanto, procuremos
81
UM MINISTÉRIO IDEAL, Vol. 1
discernir entre fraqueza e fraqueza; a fraqueza que é sinal
de poder e a fraqueza na fé, pois essa é indicação de de­
cadência espiritual.
Oxalá jamais sejamos fracos no amor, e sim, à semelhança
de Basílio, possamos nos tomar “colunas de fogo”. O amor é
o maior poder que o coração humano pode abrigar. Não devo
comparar o amor com outras virtudes, de modo a vir depre­
ciar qualquer delas; mas de todas as forças ativas o amor é a
mais potente, pois mesmo a fé opera pelo amor. A fé não
vence os corações humanos para levá-los a Jesus até que use
essa maravilhosa arma, e então amorosamente os conduz a
Cristo. Quanto necessitamos de amor intenso, amor que seja
pura chama ardente e consumidor! Que tão sagrado fogo
arda no íntimo de nosso ser! Que amemos a Deus intensa­
mente e à nossa congregação por amor dEle! Irmãos, sejam
fortes nisso. Podem estar certos de que se deixarem de amar
a congregação à qual pregam e à verdade que foram ordenados
proclamar, o estado da igreja será como um porta-bandeira
derrotado.
Desejamos - e com que anelo! - ser libertos de toda
fraqueza da vida espiritual. Desejamos deixar para trás a
fraqueza natural em nós, como recém-nascidos em Cristo,
para que possamos ser jovens fortes; ainda mais, necessi­
tamos ser homens maduros em Cristo Jesus, “fortalecidos
no Senhor e na força do Seu poder”. Se somos fracos neste
aspecto, em nada seremos fortes. Como ministros, deveríamos
cobiçar toda a fortaleza espiritual que Deus está disposto a
outorgar. Tomara que o Santo Espírito que habita em nós
nada encontre que O impeça ou diminua Suas influências!
Oxalá se m anifestasse tanto a plenitude da deidade do
Espírito bendito em nossos corpos mortais à semelhança
de como agiu na segunda Pessoa da Trindade no passado!
Quisera que nossa natureza, como a sarça de Horebe,
ardesse plenamente com a presença de Deus. Não importa
82
Fortaleza na Fraqueza
que a sarça seja consumida; é bom ser consumido se o
Espírito mora em nós e manifesta o Seu poder.
Como vêem , há sentidos em que contradizem os
diretamente ao texto, e com isso destruímos seu verdadeiro
significado. Se fosse certo que todos os que são fracos são
fortes, poderíamos achar diretamente um ministério vigo­
roso invadindo os hospitais, alistando um exército em nossos
manicômios e convocando a todos que tem deficiência
mental. Não, não é dado aos tímidos e aos incrédulos, aos
néscios e aos frívolos, pretender que sua fraqueza mental,
m oral e espiritual seja uma plataform a adequada para
a revelação do poder divino.
Antes de entrar plenamente no meu assunto é preciso
haver um a segunda observação: PO D E-SE DAR AO
TEXTO OUTRA FORMA QUE É CLARAMENTE VER­
DADEIRA. “Quando sou forte, então sou fraco. ” Isso é certo,
quase tão certo quanto a declaração paulina: “Quando sou
fraco, então sou forte”; admitimos que não é certo em todos
os sentidos, mas tão correto que eu recomendaria sua aceita­
ção como provérbio digno de ser citado com o texto mesmo.
Observem o principiante que inicia a pregar num salão
humilde ou numa missão rural, e vejam a ilimitada confi­
ança que ele sente em seu próprio poder. Ele reuniu algumas
ilustrações e metáforas significativas e as apresenta como se
fora a Suma Teológica, a própria essência da sabedoria. E
volúvel e enérgico, ainda que não há nada no que diz. Vejam
como dá golpes com os pés e como cerra os punhos. Muitos
o consideram um fenômeno, pois não vêem causa suficiente
para a confiança em si mesmo que ele exibe. Depois vem
para um centro maior, e se apresenta na convicção de que
um homem notável está pisando o solo: os habitantes em
breve serão informados de que há um profeta entre eles. Logo
surgem comentários a seu respeito, mas ele não é apreciado;
83
UM MINISTÉRIO IDEAL, Vol. 1
seus irmãos não querem “alegrar-se por um pouco com a sua
luz”; querem apagá-lo. Já ouvi um tal pregador que por
longo período falou sem dizer nada. Contudo, quão perfei­
tam ente satisfeito restava consigo mesmo! Outros mais
capacitados estão chorando seus defeitos e limitações, en­
quanto esse pobre infeliz se gloria de seus triunfos imaginários.
Ele julga que suas capacidades são transcendentais e vastos
os seus conhecimentos. No entanto, pouco a pouco vai
perdendo seu presumido poder. Por outro lado, nos alegramos
ao encontrar o jovem tímido que precisa ser animado, um
espírito humilde a quem, no devido tempo, o Senhor exalta.
A medida que se dava conta de sua fraqueza, adquiria poder
e descobria que quando era forte em sua opinião, era fraco
em muitos aspectos.
Eu imagino ver outro homem que se julga forte. Em
seu gabinete, lê as publicações mais recentes, procurando
absorver os pensamentos modernos. Está em busca de um
texto. Qualquer que seja, o entende perfeitamente. Ele pro­
cura interpretá-lo sem consultar o que disseram os homens
de Deus do passado, pois pertenceram a uma época de
ignorância, ao passo que ele vive no “século das luzes”, neste
mundo de maravilhas, região de sabedoria, flor e glória de
todos os tempos. Quando o culto teólogo sai do gabinete é
como gigante cujas forças se renovaram com vinho novo.
Não recebeu o orvalho do Espírito de Deus, nem o necessita;
bebe de outras fontes. Fala com assombroso poder, sua dic­
ção é soberba, seu pensamento é prodigioso. Contudo, é tão
débil quanto refinado, tão frio quanto presunçoso; santos e
pecadores ao mesmo tem po percebem sua fraqueza, e
paulatinam ente os bancos vazios o confirmam. É exces­
sivamente poderoso para buscar ser fortalecido pelo Senhor,
e portanto demasiadamente fraco para trazer bênçãos à
congregação. Ele busca outra esfera de serviço, e outra e
outra; mas em nenhum lugar é poderoso porquanto se julga
84
Fortaleza na Fraqueza
bastante forte em si. Sua pregação é como fogo pintado, que
a ninguém aquece nem alarma.
Temos conhecido outros homens, não tão “poderosos”,
que reconheciam que nem sequer podiam entender a Palavra
de Deus sem a iluminação divina, e que se dirigiam ao
grande Pai das Luzes em busca de compreensão. Tímidos
e assustados, suplicavam ajuda a fim de transm itir os
pensamentos de Deus, e não os seus próprios; e Deus realmente
falava através deles e os tomava instrum entos poderosos.
Sentiam-se fracos, porque temiam que suas idéias obstruís­
sem o caminho dos pensamentos de Deus, receavam de que
sua mente obscurecesse a Palavra de Deus; então foram feitos
verdadeiramente poderosos, e pessoas humildes os escutavam,
testificando que o Senhor falara por meio deles. Pecadores
iam ouvi-los, humilhando-se e por fim entregando-se a Cristo.
Na verdade, Deus atuava mediante aqueles homens.
Conheci pregadores muito fracos, e, contudo, têm sido
usados pelo Senhor. D urante m uitíssim os anos, m inha
própria pregação me era extremamente dolorosa em face
dos temores que me assaltavam quando havia de subir ao
púlpito. Em muitas ocasiões defrontar-me com a congregação
tem sido algo esmagador. Mesmo a sensação física que
produz essa emoção mental me causa sofrimento; mas esta
fraqueza se tomou instrutiva para mim. Há muito tempo
escrevi ao meu venerável avô, relatando muitas coisas que
me ocorriam antes de pregar: distúrbios físicos, temores
terríveis, os quais constantemente me faziam adoecer. O
ancião respondeu: “Há setenta anos que prego, e ainda
experimento grandes temores. Fique contente de que seja
assim; pois quando desaparecer a emoção, é porque o poder
já foi embora”. Quando prega-mos sem dar-lhe importância,
a congregação do mesmo modo não lhe dá importância, e
Deus nada faz por meio dessa pregação. A sensação aterra­
dora de fraqueza não deve ser considerada um mal, porém
85
UM MINISTÉRIO IDEAL, Vol. 1
aceita como útil para o verdadeiro ministro de Cristo.
Observem o pregador que não tem fardos. Ele leva o sermão
no bolso, e nada mau pode ocorrer senão o perigo de algum
ladrão roubá-lo; ensaia todos os movimentos, é tão seguro
quanto um autômato. Não precisa orar para que o Espírito o
oriente na pregação; embora utilize as formas, os ouvintes
interrogam o que pode significar aquele discurso. Contempla
a congregação com a complacência de um jardineiro que
observa um ramalhete de flores. Tem algo a dizer, e sabe o que
será palavra por palavra, e portanto fala comodamente, e atrás
do púlpito está plenamente satisfeito consigo mesmo, tanto
quanto o poderia desejar; a noção de temor é totalmente
estranha para ele, não é tão fraco para isso. Observem outro,
aquele pobre irmão, forçando a mente, lutando de joelhos e
com o coração sangrando; está bastante assustado por temer
falhar no meio do sermão e não atingir os corações dos ouvin­
tes; mas se propõe intentar o que for possível com a ajuda de
Deus. Podem estar seguros de que alcançará a congregação e
o Senhor lhe dará conversões. Ele depende de Deus, posto
que se reconhece muito frágil em si mesmo. Já sabem qual
dos dois pregadores desejariam ouvir, e distinguem quem é
realmente o mais forte; o fraco é forte e o forte é fraco.
Certo teólogo americano afirmou que a melhor prepara­
ção para pregar é descansar bem à noite e tomar uma boa
refeição. Segundo a sua opinião, uma boa disposição se torna
ajuda eficaz à pregação. Se não sabe o que é dor de cabeça, e
não conhece o que significa um coração dolorido, e nunca
permite que nada estorve o equilíbrio de sua mente, pode
esperar chegar a ser um ministro eficiente. Talvez seja assim.
Não quero depreciar a saúde, o apetite, o espírito ágil, e as
vantagens de dormir bem no sábado à noite; entretanto estas
coisas não são tudo, nem sequer são muito. Se possível, mens_,
sana in corpore sano (mente sadia em corpo sadio); mas quando
isso é a base da nossa confiança, se traduz em sermões formosos
86
Fortaleza na Fraqueza
e sensacionais; duvido porém que a próxima geração diga que
há resultados frutíferos em ensinos espirituais que alimentem
a alma ou comovam a consciência. Muitos dos mais nobres
exemplos da nossa literatura hom ilética procedem de
homens que foram capazes de sofrer pacientemente. Os que
demonstraram sentimento mais penetrante, espiritualidade
mais elevada, discernimento mais maravilhoso das coisas
profundas de Deus, muitas vezes têm conhecido pouco da
saúde corporal. Calvino trabalhou em meio a penosos
sofrimentos físicos, e, porventura, conheceremos alguém
semelhante a ele? Robert Hall raramente estava livre de
dores, mas quem falou jamais tão gloriosamente quanto ele?
Conhecemos irmãos que se tornam ainda mais afáveis à
proporção que se vão debilitando, e que passam a ver ainda
mais claramente à medida que os seus olhos se obscurecem.
Irmãos, as forças físicas não são nosso poder, e ainda podem
tornar-se nossa fraqueza. A saúde é desejável, e convém
preservá-la cuidadosamente quando a possuímos; mas se a
perdemos, podemos sentir gozo, aguardando o momento de
exclamar com Paulo: “Quando sou fraco, então sou forte”. E
preciso que sejamos provados de uma forma ou de outra. O
pregador que não tem uma cruz a levar, o profeta do Senhor
que está sem fardo, é um servo inútil e um peso para a igreja.
Seria coisa horrível ser pastor sem ter cuidados. O
obreiro vive sobrecarregado de responsabilidade e oprimido
pelos pesares. Talvez o pequeno tamanho do seu rebanho seja
para vocês um problema diário. Não peçam para deixar de ser
afligidos. O pastor que pode sempre ir para a cama em horas
regulares, e que costuma dizer: “Não tenho muitas dificuldades
com meu rebanho”, não é homem que mereça inveja. O que
afirma friamente: “No inverno passado morreram tantos
cordeiros; era de esperar. Algumas ovelhas morreram de
fome; é natural, porque faltou pasto, e não podia evitá-lo”, é
um tipo de pastor que mereceria ser devorado pelo lobo
87
UM MINISTÉRIO IDEAL, Vol. 1
mais próximo. Por outro lado, o homem que pode exclamar
como Jacó: “De dia me consumia o calor, e de noite a geada”,
é o verdadeiro pastor. E muito irregular em seu descanso;
o único regular nele é seu esforçado labor acompanhado
dos desenganos, e, contudo, a fé o torna um homem feliz.
Se cresce a sua fraqueza como pastor e a carga o oprime
por completo, não se assuste por tal fraqueza, pois então
estará na plenitude do poder; mas quando, como pastor,
se sente forte e diz: “Creio que o ministério é coisa fácil”,
pode estar bem certo de que você é fraco.
Permitam-me acrescentar que quando um homem chega a
ser tão “forte” que se refere constantemente à sua própria santidade,
então também é fraco. Jamais constatei que a pessoa que
possui graça para fabricar bandeiras tenha alcançado mais
vitórias como conseqüência. Quanto a mim, necessito de toda
a graça que possuo para construir uma espada; preciso de
todas as forças para poder realmente lutar; porém quanto a
um estandarte para arvorar diante dos homens, nem cheguei
a isso, de fato tenho de adotar uma posição bastante humilde
entre os servos de Deus. Algumas vezes tenho-me defrontado
com um homem “perfeito”, e o calor dos seus ânimos me
revelou que embora haja se aproximado da perfeição entre
seus próprios amigos, não havia atingido essa posição elevada
ao ser exposto a um juízo mais sereno e imparcial entre
estranhos. Jamais me entusiasmo com aquele tipo de perfei­
ção que fala de si mesma. Há pouca virtude na beleza que
procura chamar atenção para si; a beleza modesta é a última
a exaltar seus próprios encantos. Certo número de pessoas,
em certa ocasião, estavam gloriando-se nas suas virtudes e
aptidões, e apenas um irmão permaneceu calado. No final,
alguém o interrogou: “Não tem santidade?” “Sim”, respon­
deu ele, “mas nunca com que jactar-me.” Tenhamos toda a
santidade possível, e prossigamos até à perfeição; porém
recordemos o fato de que, quando somos fortes, então somos
Fortaleza na Fraqueza
fracos; se julgamos ter alcançado a perfeição, está brotando
um pouco de orgulho. Se fizéssemos inspeção mais profunda
de nós mesmos, encontraríamos alguma falta de que nos
arrepender ou algum mal contra o qual devemos lutar.
Havendo feito até agora rodeios preparatórios em torno
do texto, aproximemo-nos agora dele: “Quando sou fraco,
então sou forte”.
I. Observamos primeiramente UMA EXPERIÊNCIA
DEPRIMENTE: “Quando sou fraco”. Quando ocorre isso?
Na verdade sempre o somos. Existe algum momento em que
o cristão mais poderoso não seja comparativarriente fraco?
Sem dúvida há determinadas ocasiões em que somos
conscientemente fracos. Tomemos o caso de Paulo com o
ilustração. Havia sido arrebatado ao terceiro céu; todavia
não podia suportar as revelações tão bem como João, o qual
recebeu suficientes para encher um livro, ainda que nunca
se deixou envaidecer por elas.
Paulo, porém, não tinha tantas aptidões para ser um
vidente, pois entendia mais de argumentos do que de visões;
e portanto, quando recebeu uma visão, sentiu-se muito
importante. Guardou o segredo por catorze anos; mas para
ele foi algo tão notável e tão extraordinário, que estava
inclinado a “exaltar-se desmedidamente pela grandeza das
revelações”; portanto o Senhor enviou, não a satanás, mas
um “mensageiro de satanás” - um espírito inferior e despre­
zível - não para lutar contra ele com espada e escudo, e sim
para “esbofeteá-lo”, como fazem os m eninos com os
companheiros de jogos. Vocês tiveram alguma vez algo que
os perturbou como uma mosca que zune ao seu redor?
Não sentiram que a prova estava intensam ente aguda, e
ao mesmo tempo de somenos importância? Teriam sido
capazes de enfrentar um leão; mas este problema era simples
ganido de cão e os irritava até ao máximo, e os fazia sofrer.
89
UM MINISTÉRIO IDEAL, Vol. 1
Paulo não descreve sua prova como ferida de espada; era
diminuto espinho que penetrara na carne e a irritava.
Esta era a preocupação de Paulo, e lhe foi enviada para
mantê-lo humilde. Poderia ter-se gabado de lutar contra o
diabo, porém este “aguilhão na carne” era assunto depri­
mente. Lutar com denodo contra uma grande tentação e
lançá-la por terra é de tal grandeza que inspira a qualquer
um; todavia é bem diferente quando se é assaltado por uma
coisa tão pequena que nós nos depreciamos por fazer-lhe
caso, no entanto ela nos irrita mesmo. Você diz a si mesmo:
“Como sou fraco! Por que estou tão perturbado? Se outra
pessoa reclamasse metade do que eu reclamo devido um
pequeno aguilhão, eu diria: “Você é um tolo!”; no entanto,
aqui estou, um pregador do evangelho posto à prova por
uma bobagem, e rogando três vezes ao Senhor que a retire de
mim porque não posso suportá-la!” Porventura não nos
encontramos alguma vez em condição idêntica? Que em tais
ocasiões confessemos nossa desprezível fraqueza e nos
coloquemos nas mãos de Deus, e então seremos feitos fortes.
Tal tipo de incômodo de aguilhão inflamatório não aflige
a todos nós, porque nem todos temos visões celestiais; todavia
muitos servos de Deus aprendem a reconhecer sua fraqueza
de outro modo: mediante um sentido opressor da responsabilidade.
Não me entendam mal. Espero que sempre sintam sua
responsabilidade perante Deus, mas não sejam levados
demasiadamente longe por seus sentimentos. Podemos sentir
tão profundamente nossas responsabilidades que chegue­
mos a ser incapazes de carregá-las; podem anular nosso gozo
e tornar-nos escravos. Não exagerem do que o Senhor espera
de vocês. Ele não lhes censurará por não fazer o que estiver
acima das suas forças mentais e sua resistência física. Exige-se
que sejam fiéis, mas não estão obrigados a alcançar grandes
êxitos. Têm de ensinar, porém não podem obrigar as pessoas
a aprender. Têm de apresentar as coisas com simplicidade,
90
Fortaleza na Fraqueza
mas não podem transmitir a homens carnais a compreensão
de coisas espirituais. Não somos o Pai, nem o Salvador, nem
o Consolador da Igreja. Não podemos tomar a responsa­
bilidade do universo sobre os nossos om bros. Se nos
perturbamos com obrigações oriundas da fantasia, podemos
descuidar da nossa verdadeira carga. Poderia sentar-me a
meditar até sentir o peso de toda a cidade de Londres sobre
os meus ombros, e isto me tomaria incapaz de cuidar da
minha própria igreja. Qual o resultado prático de tomar-se
um homem responsável pelo trabalho de vinte? Realizaria
mais ou faria melhor o seu próprio serviço? Se fosse posta
a carga de três cavalos sobre um só, ele se esforçaria
demasiadamente até ficar exausto. Melhor seria dividir o
peso com outros. Trata-nos porventura o Senhor dessa
maneira? Não! Somos nós os que nos sobrecarregamos.
Angustiamo-nos como se a salvação do mundo dependesse
de que nos esforcemos até morrer de cansaço. Observem:
não desejo que deixem de sentir a devida m edida de
responsabilidade; mas ao mesmo tempo, levemem conta que
não são Deus, nem ocupam o lugar de Deus; não governam a
providência, e nem foram eleitos administradores exclusivos
do pacto da graça; portanto, não atuem como se fossem.
Irmãos, havendo dito o que antecede como esclarecimento
e para que ninguém caia em desespero, agora pergunto: temos
sentido plenamente a medida de nossa responsabilidade?
Não temos feito o que devemos, nem o que podemos, nem o
que convinha fazer; nem tampouco o que no poder de Deus
queremos fazer. Talvez tenhamos feito tudo o que de nós se
esperava em quantidade; porém que diremos da qualidade?
Talvez tenhamos promovido certo número de reuniões e
pregado muitos sermões, no entanto, tem sido feito isto dia e
noite em espírito apostólico e com lágrimas, advertindo aos
homens e pleiteando com eles como diante de Deus? Quando
sentidas plenamente, nossas responsabilidades nos esmagam,
91
UM MINISTÉRIO IDEAL, Vol. 1
e então somos deveras fracos; contudo esta fraqueza é o
caminho do poder. “Quando sou fraco, então sou forte.”
Acaso não nos sentimos muitas vezes fracos no sentido de
total indignidade para ser ministros por causa da nossa própria
pecaminosidade? Referindo-se à sua chamada ao ministério,
Paulo disse: “A i de mim, se não pregar o evangelho!” Também
podemos afirmar isso; no entanto, algumas vezes sentimos o
desejo de nunca mais falar de Cristo, e silenciaríamos se não
fosse que a Sua Palavra é como fogo em nossos ossos, o qual
não nos deixa conter-nos. Então pensamos em ir até ao
extremo ocidente para alguma cabana de troncos ensinar a
uns poucos meninos o caminho da salvação, por não nos
sentirmos aptos para algo mais elevado. Nossos defeitos e
nossos fracassos se levantam diante de nós e nos sentimos
dolorosamente fracos; entretanto também este é o caminho
que conduz à força. “Quando sou fraco, então sou forte.”
As vezes estamos deprimidos e débeis porque nossa esfera
de trabalho nos parece acentuadamente difícil. Não é este o
momento para divertir-nos quando tratamos das provações
típicas do ministério. Fatos relatados, e que nos deixam
atônitos, constituem fardos que obreiros têm de carregar dia
e noite. Vejam quanto outros irmãos que lutam em outros
campos têm de suportar! Não conseguem comover auxiliares
da igreja nem influir sobre suas congregações, tendo de pre­
gar muitas vezes com o coração oprimido a templos vazios.
Se pudéssemos colocar certos homens em posições que seus
irmãos ocupam fielmente cercados de grandes desalentos,
chegariam a conhecer-se melhor a si mesmos e deixariam de
orgulhar-se, e em vez de apontar defeitos se maravilhariam
de que seus irm ãos conseguem fazer tanto em tais
circunstâncias. Também desse modo somos feitos; quando
Deus nos faz entender que nosso ministério é impossível sem
Sua ajuda, somos impulsionados a confiar no Seu poder.
Alguns se sentem completamente sós em relação à comunhão
92
Fortaleza na Fraqueza
dos com panheiros. Esta é uma privação extrem am ente
penosa, e que em muitos casos deprime. Outros experimen­
tam extrema pobreza, enfrentando sérias dificuldades para
o sustento da família. Sei que a pobreza torna o homem
extremamente débil, por sentir-se forçado a presenciar as
humilhantes privações pelas quais passam a sua esposa e os
seus filhos, e isso lhe quebranta o coração.
Além disso, é possível que venham críticas imerecidas.
Pode ser forjada uma escandalosa história contra você,
procedente do pai da mentira, e que seja totalmente incapaz
de defender-se. Você teme que ao tentar apagar a mancha,
pode inutilizar a página. Há corações rotos devido a tais
coisas. Quão débeis nos sentimos nessas ocasiões! Talvez
nos sintamos meio culpados depois de ouvir as acusações
repetidas tantas vezes, o que pode arrasar qualquer um.
Sejamos firmes no Senhor nesses momentos!
As vezes nos sentimos completamente secos, por achar difícil
encontrar algo novo para os sermões. Tendo pregado tantas
vezes, cada vez mais se torna mais pesada a tarefa de produ­
zir outras mensagens. “Onde achar o material para a nova
pregação?” - é a pergunta que constantemente nos chega, e
então reconhecemos a nossa extrema fraqueza, mas também
isso se constitui o caminho do poder. Assim, reconheçamos
a nossa debilidade, hum ilhem o-nos diante do Senhor,
suplicando-Lhe que nos revista da Sua fortaleza.
II.
Term ino m encionando A BÊNÇÃO DESTA
EXPERIÊNCIA: “Quando sou fraco, então sou forte”. Como
é, e como pode ser?
Primeiramente, é quando sou fraco que por certo me
apresso a dirigir-me para Deus em busca de socorro. Os
coelhinhos m encionados nas Escrituras eram criaturas
insignificantes, mas derrotavam ao caçador. Aprendam a lição
deles: “Os coelhos, povo não poderoso, constroem suas casas
93
UM MINISTÉRIO IDEAL, Vol. 1
nas rochas” (Prov. 30:26). Irmãos, já que não sei pensar, me
escondo atrás de uma doutrina que Deus já pensou por
mim, e como não sei inventar hipóteses, deixo descansar
minha alma num fato evidente por si mesmo; em vista de
não conseguir sequer ser coerente comigo, mesmo, oculto-me atrás do simples ensino do texto, e ali me firmo. E
m aravilhoso quão forte se sente em tal esconderijo. E
quando pode começar a edificar para Deus, pois Ele o
fará coadjutor com Ele, sua fraqueza será unida ao poder
eterno, a muralha se levantará rapidamente.
Prosseguindo, direi que somos fortes quando somos
fracos, porque obtemos nossa força mediante a oração, e nossa
fraqueza é o melhor argumento que podemos usar na súplica. Jacó
nunca venceu até que coxeou, ou melhor, até que caiu. Quando
o tendão se contraiu, o suplicante triunfou. Se você se entrega
à oração estribado no seu poder, nada obterá; então apresente
sua fraqueza, e prevalecerá. Não há melhor argumento ante
o amor divino do que a fraqueza e a dor; nada pode prevale­
cer de tal maneira com o grande coração de Deus como o
seu coração desmaiado. O homem que se põe a orar até às
lágrimas e experimenta a agonia, e tem a contínua sensação
de não poder orar, mas sentindo a necessidade de fazê-lo,
este é o homem que verá o desejo de sua alma. Não seria
certo que as mães demonstram mais cuidado pelo filho
menor ou pelo que está mais enfermo? Certamente nossa
fraqueza contém o poder de Deus, e O induz a enviar Sua
onipotência para socorrer-nos.
Existe outro poder na fraqueza que convém possuirmos.
Creio que quando pregamos conscientes de nossa fraqueza, uma
força maravilhosa se une às palavras que pronunciamos. Quando
um famoso evangelista saiu a distribuir porções bíblicas
entre soldados, havia entre eles um ímpio que disse aos
companheiros: “Hoje vou desfazer a mania desse homem
que nos vem visitar com seus livretos”, de forma que ao
94
Fortaleza na Fraqueza
aproximar-se o pregador, o blasfemador o insultou com
juramentos horríveis. Escutando aquelas palavras profanas
o ministro começou a chorar, externando o quanto anelava
pela salvação daquele homem. Anos depois se encontrou
com o soldado, que lhe confessou: “Nunca fiz caso dos
seus tratados, nem de nada que o senhor disse; mas quando
o vi chorar como criança, não pude suportá-lo, e entreguei
meu coração a Deus”. Quando dizemos a nossas congregações
quão embaraçados estamos e o quanto almejamos a salvação
de suas almas, quando lhes pedimos que desculpem nossa
linguagem imperfeita, pois é a expressão de nossos corações,
então crêem na nossa sinceridade, pois observam como nosso
interior está quebrantado, e se comovem pelo que dizemos.
O homem que propaga conhecimentos teológicos não tem
poder sobre as pessoas; o auditório necessita de pregadores
que saibam sentir, homens de coração, fracos e débeis que
sejam capazes de simpatizar-se com os tímidos e afligidos.
E uma bênção que o obreiro possa abrir cam inho para
as almas à força de lágrimas, ou mesmo alcançar o íntimo
dos ouvintes através dos sentimentos. Assim, não temam ser
fracos, mas alegrem-se em poder afirmar com o apóstolo:
“Quando sou fraco, então sou forte”.
Além disso, há outra forma de poder que procede da
fraqueza, pois por meio dela se educa nossa compaixão. Quando
somos fracos e estamos deprimidos em espírito, e até nossa
alma passa pelo vale da sombra da morte, isso acontece
muitas vezes por causa de outros. Certo domingo de manhã
preguei sobre o texto: “Meu Deus, meu Deus, por que me
abandonaste?” Mesmo sem afirmá-lo, preguei minha própria
experiência, ouvindo minhas cadeias soar enquanto falava a
companheiros de prisão em trevas, não podendo explicar a
razão daquela situação tão espantosa pela qual me culpava
a mim mesmo. No dia seguinte, procurou-me um homem
com todos os sinais de desespero no rosto; os cabelos eriçados
95
UM MINISTÉRIO IDEAL, Vol. 1
e os olhos quase a saltar das órbitas. Depois de breve intro­
dução, ele me disse: “Nunca antes em minha vida ouvi falar
de alguém que parecesse conhecer meu coração. Enfrentei
um caso terrível, mas ontem pela manhã o senhor me retratou
de corpo inteiro, e falou como se houvesse estado dentro da
minha alma”. Pela graça de Deus, salvei àquele infeliz do
suicídio, conduzindo-o à luz e à liberdade do evangelho.
Conto este fato porque talvez às vezes vocês não cheguem a
compreender sua própria experiência, e os “perfeitos” podem
condenar-lhes por ter tal experiência, porém que sabem eles
dos servos de Deus? Temos de sofrer muito por causa da
congregação que está a nosso cargo. As ovelhas de Deus se
afastam muito, e temos de ir atrás delas; às vezes os pastores
vão onde não poriam os pés se não estivessem buscando ovelhas
perdidas. Não fiquem surpresos de ser debilitados para que
possam consolar os débeis, e assim chegar a ser mestres em
Israel, em discernimento dos demais; enquanto em sua própria
opinião sejam menos que o menor de todos os santos.
Mais ainda, creio que meu texto é certo quando um homem
se faz fraco por amor ao lugar especial em que está chamado a
trabalhar. Suponhamos o caso de um irmão colocado no meio
de uma população densa e pobre, o qual sente a responsabi­
lidade do seu trabalho e a miséria das pessoas que o rodeiam,
e as sentem até o ponto de não poder mais afastar-se dali.
Ele tenta pensar em temas mais alegres, mas não consegue
livrar-se do pesadelo da pobreza e do pecado daquela gente.
Acompanha-o de dia, e não o larga à noite; ouve o clamor
dos meninos e os gemidos das mulheres; percebe o suspirar
dos homens e os lamentos dos enfermos e m oribundos,
tornando-se quase monomaníaco em seu desesperado zelo
correspondente ao grande campo de serviço. E possível que
tal homem morra de ansiedade; no entanto, é evidente que
se trata de um obreiro a quem Deus enviou para abençoar
aquele povo. Ele persistirá pensando, orando e planejando,
96
Fortaleza na Fraqueza
até que, por fim, descobre um método que os demais podem
julgar tão extravagante quanto ele mesmo; mas o porá em
execução e toda a comunidade será beneficiada com ele.
Que bênção, quando Deus coloca um homem piedoso
no meio de uma massa de misérias e o mantém ali! Talvez não
seja agradável para ele, mas no final lhe trará uma recompensa
enorme. Alegro-me de que Howard sentiu a necessidade de
passar pelas prisões da Europa. Tinha um lar confortável, mas
se lançou numa meritória tarefa através de vários países,
aproximando-se dos prisioneiros e familiarizando-se com
horrores inimagináveis da vida nas masmorras, e enfrentando
febres nos ambientes infectos dos cárceres. Ele volta a casa e
escreve um livro sobre o tema favorito. Logo depois, reinicia
a sua luta e morre como m ártir pela causa que abraçara;
porém valeu a pena ser um Howard que soube viver e
morrer resgatando seus semelhantes. Howard era forte por
ser tão fraco a ponto de sofrer pelos encarcerados, executando
reformas enquanto outros apenas falavam a respeito delas.
Irmãos, oxalá sejamos fracos de modo semelhante, quase
loucos devido à resolução incansável de ganhar almas. Se se
lançarem de m aneira absurda e fizerem abalar o frio
formalismo, e desprezarem a imbecilidade, vocês me darão
grande alegria. Pouco me importa tudo mais se se fizerem de
néscios por causa de Cristo. Quando nossa fraqueza se apro­
xima do fanatismo, tanto mais poder é possível que tenha.
Necessitamos mais dessas mensagens que procedem de um
coração ardente como lavas que procedem de um vulcão.
Quando a verdade nos vence, venceremos pela verdade.
Igualmente, a fraqueza é poder porque muitas vezes a
sensação de fraqueza em alguém desperta todo o seu ser; o que
há nele aparece então, fazendo-o ser intenso em todo o seu
ser. Certos animais pequenos são muito mais temíveis na
luta que as grandes feras, por serem ativos e ferozes e por
morderem rapidamente. As pequenas criaturas são tão vivazes
97
UM MINISTÉRIO IDEAL, Vol. 1
e concentradas no ataque, que lutam com todo o corpo; garras
e dentes funcionam ao mesmo tempo, e assim são fortes
devido à sensação de debilidade que os faz usar todos os
átomos de forças que possuem. Porventura nunca viram um
grande homem, afamado, do qual vocês têm pensado quão
poderoso é? Todos reconhecemos sua força; mas o que ele
consegue? Alguém m uito inferior, revestido de graça e
ardor, e desperto para a obra de Deus, realiza muito mais. A
limitação consciente o faz viver intensamente para com Deus.
“Quando sou fraco, então sou forte.” Sei que não posso
fazer muito, portanto farei tudo o que posso. Sei que possuo
pouco poder, e por isso usarei todo o que tenho. Acaso não
dizem os comerciantes que “é melhor uma moeda ativa do
que três ociosas?” Estou seguro de que assim é. A experiência
de nossa fraqueza pode mover-nos a uma valentia que do
contrário não teríamos conhecido. Afastem-se, poderosos,
porque não são fortes. Aproxim em -se, os fracos, para
receberem a ajuda do Senhor contra os poderosos, porquanto
vocês são “firmes no Senhor e na força do Seu poder”.
Finalmente, eis a razão de sermos fortes quando somos
fracos: ou seja,porque o sacrifício está sendo consumado. Quando
foi Cristo mais forte do que nunca, a não ser quando foi mais
fraco? Quando fez estremecer o reino das trevas, senão quando
foi cravado na cruz? Quando expiou o pecado do Seu povo,
senão ao ser traspassado o Seu coração? Quando venceu a
morte e derrotou o antigo dragão, senão quando Ele mesmo
enfrentou a morte? Sua vitória ocorreu no paroxismo de
Sua fraqueza, isto é, na própria morte; e há de ser assim com
Sua trêmula Igreja. Esta não possui poder; é preciso que
padeça, é necessário que seja difamada e escarnecida; então o
Senhor triunfará por meio dela. O signo vencedor continua
sendo a cruz. Por ela, irmãos, sejamos completamente felizes
em dim inuir até ao fim, para que o nosso Senhor e Rei
possa crescer gloriosamente dia a dia.
98
5
O QUE ASPIRAMOS SER
À proporção que nos tornam os mais amadurecidos,
chega-nos a convicção de que, se temos de fazer algo pelo
Senhor Jesus, é preciso que o realizemos com urgência. Não
nos sobra tempo para folgar, nem mesmo para comodidades.
A eternidade parece tão próxim a que não há desculpas
para atrasos. “Agora ou nunca” soa suavemente nos ouvidos.
Nunca relembro meu próprio passado sem sentir pesar. Conto-me
entre os mais favorecidos dos servos do Senhor, humilhando-me até ao pó enquanto o reconheço com gozo. Não tenho
queixas para apresentar ao meu Deus, mas tenho muitas a
dirigir contra mim mesmo. Parece-me que naquilo em que
pela graça divina tenho tido êxito, poderia ter alcançado em
escala muito maior se eu tivesse sido um homem melhor.
A falta de fé da minha parte pode haver estorvado e impe­
dido a meu Senhor. Se alim entei aos santos de Deus,
poderia ter exercido tão sagrado m inistério com m aior
honra para o Senhor, se fora mais apto para o uso do Seu
Santo Espírito. Como poderia comprazer-me com vangloria
no pouco realizado, quando ante os olhos vejo uma massa
incomensurável de possibilidades que não aproveitei?
Isso seria sentimento saudável para os mais jovens, os
quais se entusiasmam com as primeiras vitórias. No entanto,
que subam a um nível mais elevado de esperança, para que
não cheguem a ficar satisfeitos consigo mesmos, impedindo
assim a perspectiva de uma vida grandiosa. A medida que os
anos nos dão sobriedade, percebemos cada vez mais nossas
99
UM MINISTÉRIO IDEAL, Vol. 1
imperfeições e nos sentimos cada vez menos inclinados a
m aravilhar-nos com a nossa própria atuação. O olhar
retrospectivo significa um salmo de cordial louvor e um
profundo suspiro de pesar. Glória ao Senhor para sempre;
mas para mim, vergonha e confusão de rosto.
Mas, de que nos serve o pesar, a menos que por ele nos
elevemos a um futuro melhor? Os suspiros que não nos
levantam para um nível mais alto eqüivalem desperdícios de
alento vital. Purifiquem-se, pois, mas não se desalentem. Re­
colham as flechas que anteriormente caíram longe da meta;
não as destruam em paixão desesperada, mas procurem
atingir o alvo com melhor pontaria e forças mais concentradas.
Utilizem as derrotas para alcançar suas vitórias; aprendam a
obter êxitos aproveitando os fracassos; busquem sabedoria
utilizando os desatinos cometidos. Pela graça, se já prospera­
mos um pouco, prosperemos mais. Nosso conhecimento de
Deus será ainda maior a fim de que, estando em harmonia
com Ele, nossa vida seja mais vivida de acordo com os Seus
propósitos. E possível que o remédio para estes dias maus
esteja próxima de nossa própria restauração. Quando nossas
próprias tochas produzirem menos fumaça e mais luz celes­
tial, a noite poderá tornar-se menos escura.
PERSPECTIVAS
Quanto às perspectivas que temos diante de nós, talvez
me denominem profeta de males; mas não o sou. Lamento as
terríveis falhas dos que se afastam da verdade, deserções que
se tornaram demasiadamente numerosas para pensar em
detalhá-las; no entanto, não estou inquieto, e muito menos
desesperado. A nuvem desaparecerá como tantas outras. Creio
que as perspectivas são melhores que antes. Não creio que o
diabo seja melhor; nunca esperei tal coisa; mas está mais velho.
Irmãos, não sei se isso é para o bem ou para o mal. Todavia, o
100
O
Que Aspiramos Ser
certo é que o arquiinimigo já não é novidade entre nós. Já
não ficamos tão assustados ante essa forma particular de
diabolismo que faz furor, pois começamos a perceber sua
natureza. O desconhecido parecia ser terrível, mas a fami­
liaridade elim inou a sensação de alarme. A princípio, o
“pensamento moderno” parecia semelhante a um leão; mais
de perto, o enorme rei dos animais se assemelhava a uma
raposa, e agora compará-lo a um gato selvagem seria demasi­
ada honra. A religião científica é conversa vã que nem contém
religião nem ciência. Cedo o “pensamento avançado” será
mencionado apenas por alguns ignorantes ou por jovens
ministros independentes. Há de declinar gradativamente,
até ao ponto de tornar-se mercadoria desvalorizada.
Observo mudança de maré; isso não me importa muito,
pois a rocha sobre a qual edifico jamais será afetada pelas
mudanças da filosofia humana. Os que se envolveram com
as dúvidas m odernas viram como suas congregações se
desvaneciam sob o peso destruidor das mesmas; por isso
elas já não os fascinam como outrora. É momento de efetuar
mudança; os cristãos observam que esses homens “avançados”
não têm sido notáveis por abundância de graça, inclusive
chegando a pensar que seus pontos liberais quanto à doutrina
se identificam com um afastamento religioso. A falta de
pureza na fé costuma ser ocasionada pela ausência de conver­
são. Se tais homens tivessem experimentado o poder do
evangelho em suas almas, não o teriam abandonado tão
facilmente para ir em busca das fábulas.
Amantes da verdade eterna, vocês não têm nada a temer!
Deus está com os que estão com Ele e Se revela aos que
crêem na Sua revelação. Não marchamos de um lado para
outro, e sim sempre à frente até à vitória. Surgirão outros
inimigos, como os amalequitas, os heveus, os jebuseus e os
demais que se levantaram contra Israel; mas, em nome do
Senhor, passaremos a possuir a herança prometida.
101
UM MINISTÉRIO IDEAL, Vol. 1
A PROPOSTA
Por enquanto, convém que sigam os trabalhando
tranqüilam ente. Nossas quimeras term inaram : não con­
verteremos o mundo à justiça, nem a Igreja à ortodoxia.
Recusamos de assumir responsabilidades que não são nossas,
pois os nossos verdadeiros encargos são mais que suficientes.
Certos irmãos sábios desejam ardentemente reformar sua
denominação. Saem à batalha marcialmente. Que o êxito os
acompanhe! Geralmente são mais sábios quando regressam.
Confesso sentir grande admiração por meus irmãos qui­
xotescos, mas gostaria que pudessem demonstrar o resultado
de seu valor. Receio que tanto a Igreja como o mundo
ultrapassam as nossas capacidades; é preciso que nos con­
tentemos com esferas mais reduzidas. Cada denominação há
de seguir seu próprio caminho. Somos apenas responsáveis
dentro dos limites das nossas forças e será prudente usá-las
visando aquilo que possamos realizar. Além disso, não nos
preocupemos com o que está à margem das nossas ativida­
des. Não importa se não podemos destruir todos os espinhos
e cardos que flagelam a terra; talvez possamos limpar bem
nossa pequena propriedade. Se não podemos transformar o
deserto em pastagens, esforcemo-nos para cultivar duas ou
três folhas de grama onde antes só havia uma, e isso já será
alguma coisa.
Consideremos cuidadosamente nossa firmeza na fé e nosso
andar em santidade perante Deus. Creio que este não é um
conselho egoísta, como alguns julgam , mas um amor
prudente e prático, que nos leva a considerar nosso próprio
estado espiritual. Almejando fazer o m elhor possível e
utilizando os próprios recursos da maneira mais conveniente,
o coração leal luta por estar, em todos os aspectos, em posição
correta diante do Senhor. O que aprende a nadar, adquire
um amor-próprio louvável, pois com isso pode ajudar aos
102
O Que Aspiramos Ser
que se afogam. Pensando em beneficiar os demais, almeja­
mos para nós as melhores bênçãos.
A AMBIÇÃO PESSOAL
Desejo alcançar o máximo proveito de mim mesmo.
Talvez nem sequer saiba ainda a maneira de ser otimamente
útil, mas gostaria de descobri-lo sem demora. Honestamente
afirmo que se me convencesse de ser mais útil fora do púlpito
do que sobre ele, imediatamente o abandonaria. Se houvesse
uma esquina onde eu trabalhasse como engraxate e ali tivesse
a garantia de que Deus poderia ser mais glorificado do que
enquanto dou testemunho perante uma grande congregação,
agradeceria a notícia e a obedeceria imediatamente. Alguns
jamais podem fazer alguma grande coisa para Deus do modo
que prefeririam, porque não foram feitos para tal obra. As
corujas nunca competiriam com os falcões de dia; mas os
falcões fracassariam na empresa de caçar ratos nos celeiros. As
pessoas serão muito boas quando estão no seu próprio lugar,
realizando a função que lhes é própria; fora desse local,
podem tornar-se um estorvo. Cada um, pois, seja fiel a seu
próprio destino! Por que não seguir a tendência natural? Que
cada homem esteja onde deve estar; infelizmente, alguns
preferem perm anecer onde não devem estar. Procuremos
descobrir o que Deus deseja de nós, e então, que o façamos
integralmente. De que maneira poderei dar maior glória a
Deus e ser mais útil à Sua Igreja enquanto estou aqui?
Resolvam esta questão, e passem à parte prática.
MAIOR GRAÇA
Algo é indiscutível: glorificarem os mais ao Senhor
se alcançarmos dEle graça abundante. Se possuo muita fé,
de modo a apresentar a Deus a palavra que Ele me deu; se
103
UM MINISTÉRIO IDEAL, Vol. 1
possuo muito amor, de modo que o zelo de Sua casa me
consuma; se muita esperança, a ponto de ter a segurança de
colher os frutos dos meus esforços; se muita paciência, de
modo a suportar as dificuldades por causa de Cristo, então
honrarei em grande maneira o meu Senhor e Rei. Oxalá eu
dem onstre m uita consagração, estando todo o meu ser
totalmente absorto em Seu serviço; então, ainda que meu
talento seja diminuto, farei que minha vida arda e resplan­
deça com a glória do Senhor. Este caminho da graça está
aberto a todos nós. Ser santo está ao alcance de todo cristão, e
é o método mais seguro de honrar a Deus. Mesmo que o
pregador não reúna mais que cem pessoas no templo, é possí­
vel que seja um homem de Deus de forma a que sua pequena
igreja se torne semente seleta, cada indivíduo digno de ser
pesado em ouro. Talvez o obreiro não seja apreciado por seu
trabalho nas estatísticas que apresentam as coisas por dúzias
ou centenas; mas naquele outro livro que ninguém pode
alterar, onde os feitos são pesados em vez de contados, sua
folha de serviço honrará de modo admirável a seu Mestre.
NECESSIDADE CONSTANTE
DE SERMOS CUIDADOSOS
Meu desejo é fazer tudo da melhor maneira quando é para
o Senhor. Todos nos preocupamos em realizar muito para
Ele, porém há um caminho mais excelente. Com ruidosa
atividade pomos mãos à obra e edificamos um muro em
torno da cidade em seis meses, o qual cairá após seis dias.
Seria bem melhor fazer mais por fazer menos. O trabalho
feito com cuidado é infinitamente preferível ao superficial.
E bom trabalhar para Deus de modo microscópico; cada
porção da obra é capaz de resistir à mais minuciosa inspeção.
A atividade da Igreja precisa ser efetuada de modo perfeito;
sem dúvida seus defeitos serão vistos exageradamente dentro
104
O Que Aspiramos Ser
de pouco tempo. Os pecados de hoje serão os pesares dos
anos seguintes. Um ligeiro desvio da direção a seguir pode
implicar mais tarde em esforço penoso. Que o Senhor nos
faça obreiros que não têm do que se envergonhar, manejando
bem Sua Palavra. Vivamos ante os olhos dos séculos, passados
e futuros; sobretudo, que possamos viver como vendo o
Invisível.
DESPERTAMENTO
Acaso eu necessitaria de lhes apelar afetuosamente,
irmãos, para que despertem o dom que há em vocês? Cultivem
suas aptidões naturais e graciosas para o ministério. O pastor
sabe muito mais do que quando deixou o Seminário; teria
aprendido tudo o que devia aprender nesse intervalo? Muitos
dos nossos irmãos chegam a ser mais sábios que seus mestres,
e a conhecer melhor ao Senhor. Não estou tão certo a respeito
daqueles que afoitamente asseveram tais coisas sobre si
mesmos. O verdadeiro progresso deve ser calculado pela
medida da humildade. O que mais sabe é o que reconhece
saber pouco. Todos temos necessidade enorme de estudar
laboriosamente a fim de que nosso ministério seja eficaz.
O que deixa de aprender também cessa de ensinar. O que
não semeia no estúdio nada poderá colher no púlpito.
PESCADORES DE ALMAS
Meu desejo mais intenso é que todos nós sejamos real­
mente pescadores de homens. Todo pregador deve esforçar-se
ao máximo a fim de ser sempre um instrum ento para a
salvação dos seus ouvintes. A recompensa mais genuína do
nosso trabalho é trazer à vida os que estão mortos. Anelo ver
almas trazidas a Cristo cada vez que prego; o meu coração se
romperia se não visse ocorrer isso. Os homens passam tão
105
UM MINISTÉRIO IDEAL, Vol. 1
rapidam ente para a eternidade que é preciso que sejam
salvos com urgência. Não abrigamos qualquer esperança
secreta que permita perder as oportunidades atuais. De todas
as congregações deve subir profundo clamor a Deus, a menos
que se vejam contínuas conversões. Se nossa pregação não
salva nem uma alma, não glorificaríamos melhor a Deus
como agricultores ou comerciantes? Que honra pode receber
o Senhor de ministros inúteis? A menos que almas sejam
vivificadas, o Espírito não está atuando em nós nem somos
usados por Deus para Seus propósitos graciosos. Irmãos,
podemos suportar ser ineficazes? Podemos estar satisfeitos
em permanecermos estéreis?
Lembrem-se que, se queremos pescar almas, é preciso
que atuemos em conseqüência, e que nos dediquemos a tal
objetivo. Homens não pescam peixes sem deliberar fazê-lo,
nem salvam pecadores sem um determ inado alvo. Deus
opera utilizando meios adaptados a Seus fins; sendo assim,
como poderá abençoar alguns sermões? Como, em nome da
razão, podem almas ser convertidas mediante sermões que
fazem o auditório dorm ir; pregações que contêm meras
frivolidades, que insinuam a dúvida e conduzem à falta de
crença em toda a verdade revelada? Pedir a bênção divina
sobre aquilo que nem os homens bons podem recomendar
é algo impróprio. O que não procede do mais íntim o do
nosso ser e não é para nós mensagem do Espírito Santo, não
é provável que mova os corações dos outros, ou seja, para
eles a voz do Senhor.
MESTRES
Irmãos, anelo que todos sejamos “aptos para ensinar”. A
Igreja nunca tem em demasia lábios que “alimenta a muitos”.
Deve ser ambição nossa tornar-nos “bons despenseiros da
multiforme graça de Deus”. Conhecemos certos ministros
106
O Que Aspiramos Scr
capacitados que são expositores da Palavra e instrutores dos
crentes. Sempre recebemos muito ao ouvi-los. Empenham-se
com coisas de grande preço; sua mercadoria é de ouro de
Ofír. Citam passagens das Escrituras, as quais recebem nova
luz. Especialidades da experiência cristã são descritas e
explicadas. Concluídas tais mensagens, saímos na convicção
de que estivemos numa boa escola. Irmãos, desejo que cada
um de nós exerça um m inistério assim edificante. Oxalá
tenhamos a experiência, a iluminação e o esforço necessários
para vocação tão elevada! Oh, quanto precisamos de mais
sermões ricos em instrução! Analisem muitos dos sermões
modernos que fogo, que fúria! Quanto brilho e quanta
velocidade! Que é tudo isto? Qual o propósito de tal exibição?
As vezes nos deparam os com serm ões que são como
caleidoscópios, de beleza maravilhosa; mas, que contêm?
Observem, eles contêm alguns cristais coloridos, um ou
dois pedaços de espelho, e outras bagatelas, tudo posto num
tubo. Como cintilam! Que maravilhosas combinações! Quão
fascinadoras transformações! Ora, que estão contemplando?
Mas após vinte exibições, nada mais terão visto do que viram
na primeira vez, pois na verdade tudo já foi visto. Alguns
pregadores se destacam por citações poéticas; outros são
excelentes na linguagem burilada, ou na originalidade das
suas divisões. Muito eloqüente tudo, e muito sensacional;
sob a direção da graça, útil em sua própria medida; porém
quando se trata de salvar almas e de alimentar os salvos, o
lugar proeminente deve ser ocupado por algo mais sólido.
E necessário alimentar o rebanho de Deus. Devemos ocupar-nos das verdades eternas, alcançando o coração e atingindo a
consciência. Devemos, de modo efetivo, viver para instruir
uma raça de santos, nos quais o Senhor Jesus será refletido
como em mil espelhos.
107
UM MINISTÉRIO IDEAL, Vol. 1
PROGENITORES
Com verdade diz o apóstolo Paulo: “Ainda que tenhais
dez mil aios em Cristo, não tendes muitos pais.” Aos mestres
do tipo geral os chama pedagogos, e afirma que possuímos
miríades deles; mas não temos muitos “pais”. Ninguém tem
mais de um pai natural, e num sentido mais estrito cada
um de nós tem um só pai espiritual - somente um. Quão
singularmente certas são as palavras do apóstolo na hora
atual! Ainda temos falta de pais espirituais. Somos pais no
sentido de ter ao nosso redor convertidos que são nossos
filhos no Senhor. Temos ouvido os clamores penitenciais e as
orações de fé dos que são nascidos de Deus através da nossa
pregação. Muitos de nós podemos regozijar nos que o Senhor
não nos tem deixado sem testemunho. Nosso ministério tem
sido imperfeito e débil; mas Deus tem concedido vida a
muitos através de nossas palavras.
A relação entre pais e filhos exige muito de nós. O pai deve
ser um homem estável e provado. Espera-se que seja de valor
sólido e de discernimento substancial. Há muitos pregadores
que não podem ser chamados de “pais”; pareceria ridículo. O
que dissipa o tempo, o que tem muitas linhas de pensamento,
o homem de espírito iracundo, são desclassificados quando
estamos à procura de pais. Para corresponder à idéia de um
pai são necessários elementos como autoridade, afabilidade,
dignidade, constância, caráter respeitável. As grandes verda­
des lhe são muito preciosas, pois experimentou o seu poder
por muitos anos. Quando algum dos filhos lhe diz que está
ultrapassado, sorri ao ver a sabedoria superior deles. De vez
em quando, trata de mostrar-lhes que ele tem razão, ainda que
seja difícil convencê-los. Os adolescentes crêem que os pais
são néscios; os pais não crêem que os adolescentes o sejam,
não há necessidade disso. Os verdadeiros pais são pacientes;
não esperam achar cabeças maduras sobre ombros imaturos.
108
O Que Aspiramos Ser
Sabem esperar até amanhã, pois o tempo traz consigo muitos
ensinamentos; tal procedimento pode demonstrar o verda­
deiro e desmascarar o falso. O pai não é arrastado daqui para
lá por todo vento de doutrina, nem corre atrás de qualquer
novidade propagada pelos céticos ou fanáticos. O pai sabe
o que sabe, apega-se ao que está comprovado, arraigado e
fundado na fé.
No entanto, apesar de sua maturidade e firmeza, o pai
espiritual transborda ternura, manifesta intenso amor pelas
almas dos homens. Sua teologia doutrinária não o impede
jamais de ser humano. Nasceu com o propósito de sentir
interesse pelos outros, e seu coração não descansa até que
demonstre tal simpatia. Em certos lugares da nossa costa não
há portos; mas noutros pontos há baías às quais os barcos se
dirigem rapidam ente em casos de tempestade. Algumas
pessoas oferecem um porto natural aberto às almas afligidas;
as amam instintivamente, e confiam nelas sem reservas; elas,
por sua vez, agradecem essa confiança e se põem à disposição
em benefício delas. A natureza as equipou com acentuada
compaixão humana, e isso foi santificado pela graça, de modo
que sua vocação é instruir, consolar, socorrer, e, de inúmeras
maneiras, ajudar aos espíritos mais débeis. São esses os homens
de estirpe real que chegam a ser pais amantes na Igreja. Paulo
afirma a respeito de Timóteo: “A ninguém tenho de igual
sentimento, que sinceramente cuide dos vossos interesses”.
Esta natural solicitude pode ilustrar-se com os sentimentos
das aves para com seus filhotes. Observem como trabalham
diligentemente em favor deles, e quão valentemente os de­
fendem. A galinha com os pintinhos sob as asas configura a
própria valentia. Transforma-se numa ave feroz na defesa de
seus pequeninos; seria capaz de lutar contra um exército com
o objetivo de protegê-los. O homem de Deus, que experimenta
a força da paternidade sagrada, faria qualquer coisa, possível
ou impossível, pelos seus filhos espirituais; de boa vontade
109
UM MINISTÉRIO IDEAL, Vol. 1
se sacrifica por eles. Mesmo que quanto mais ame seja
menos amado, pela potência da energia espiritual se vê
impulsionado a esse labor abnegado.
Algum irmão poderá exclamar: “gostaria de ocupar o
posto de pai na minha igreja, a fim de governá-la”. Este é
um motivo lamentável, o qual o decepcionaria. O pai de
fam ília cedo descobre que sua preeminência é a de uma
abnegação superior; mais do que uma auto-afirmação. Os melhores
pais orientam realmente, mas nunca discutem a questão:
“Quem é o senhor?” Numa casa bem ordenada, “o nenê é o
rei.” Vocês não têm visto como todas as coisas ocupam lugar
secundário por causa dele? A palavra mais carinhosa é reser­
vada ao pequenino personagem, e os movimentos da casa
dependem das necessidades dele. Que significa isso? Significa
que a pessoa mais pobre, defeituosa, débil e sensível de toda
a Igreja deve governar-lhe, se é um verdadeiro pai. Estudará a
mais rebelde, e renunciará ao seu prazer pessoal em benefício
do mais defeituoso. Coisas aparentemente absurdas pertencem
à família do amor. Nossos assuntos domésticos devem parecer
ilógicos aos estranhos que não nos apreciam. Saúdo aos
absurdos do amor sagrado. O pequenino é rei; o mais débil
deve governar nossos corações. O passo do rebanho inteiro
diminui a fim de que os cordeirinhos não fiquem para trás.
Procuramos dirigir de forma que ninguém pise o mais fraco,
e dando exemplo de total abnegação própria. Aquele que não
percebe que esta é a lei imperativa do amor, e o verdadeiro
segredo da força, não é apto para ser pai. Deixemos que os
homens passem por cima de nós, se dessa maneira podem
chegar a Cristo.
Nossa posição é a de servo de todos. O pai ganha o pão
de cada dia, o traz para casa e o reparte. Nós somos pai e
mãe simultaneamente, e nos dispomos a desempenhar todas
as funções necessárias a favor dos que estão a nosso cargo.
Se você, irmão, almeja ser um pai na Igreja a fim de obter
110
O Que Aspiramos Ser
esta honra especial, veja o caminho: trata-se de abnegação,
paciência, indulgência, amor, zelo e diligência. “Quem deseja
ser o maior dentre vós, seja o vosso servo.” Um pai deve
possuir sabedoria. Nisso se enganam muitos, pois aspiram a
posição honrosa por motivos duvidosos, e assim se tomam
néscios. Irmão, se possuísse sabedoria, que faria com ela?
Porventura a usaria para dem onstrar superioridade aos
demais? Nesse caso, você não possui sabedoria suficiente. A
sabedoria de um ministro revela-se em ser sábio para com
outros, e não astuto para si mesmo. Alguns usam a sua sabedoria
de modo imprudente, e são uma praga para a Igreja onde
deveriam ser uma bênção. Você desejaria ficar à frente da
igreja para consertar a todos e assim demonstrar sabedoria.
Tal pensamento muitas vezes significa grande loucura. Faz-me lembrar de alguém que afirmava: “Não tenho o menor
temor de que os ladrões penetrem na minha casa. Se notasse a
presença de um deles, apertaria um botão e num instante a
corrente elétrica faria explodir a dinamite escondida na saleta,
a qual destruiria o ladrão e toda a casa”. Talvez haverão de rir
ante o raciocínio, mas conheço ministros que têm agido dessa
forma. Lamento conhecer um irmão que já realizou tal façanha
em várias igrejas. Enquanto ele julga haver um membro,
sobretudo um oficial, trilhando maus cam inhos, põe a
dinamite, fazendo voar tudo pelos ares, chamando isso de
fidelidade. Mas essa não é a maneira prudente de um pai
atuar. Se possuímos sabedoria, procuraremos manter a paz
e nos esforçaremos para efetuar mudanças com a suavidade.
Os pais não matam os filhos por serem pouco filosóficos,
por não se aprofundarem muito em teologia ou se tornarem
até certo ponto desobedientes.
Se aspiramos a ser pais, é preciso que desejemos atingir
um alto grau de santidade. E comum a pergunta: “E possível
para os crentes ser perfeitamente santos na terra?” Certo
dia encontrei um homem descalço e vestido de farrapos.
111
UM MINISTÉRIO IDEAL, Vol. 1
Suponhamos que ele me perguntasse se eu cria que lhe era
possível chegar a ser milionário; teria respondido que melhor
seria que ele trabalhasse para conseguir o dinheiro do
pagamento da dormida à noite e depois economizasse a fim
de adquirir um traje decente. Assim os que discutem acerca
da perfeição fariam m elhor em procurar que suas vidas
correspondessem à profissão cristã. Irmãos, podemos ser
muito mais santos do que somos. Alcancemos prim eira­
mente aquela santidade sobre a qual não há controvérsias. Não
ousamos pôr limites ao poder da graça divina e afirmar que
um crente pode atingir certo nível de graça, porém não
pode passar daquilo. Se é possível uma vida perfeita, esforcemo-nos por alcançá-lo. Se podemos possuir uma fé que jamais
vacila, procuremo-la. Se podemos andar com Deus como
Enoque através de uma longa existência, não descansemos
até consegui-lo. Não devemos limitar o Senhor neste aspecto;
se de algum modo há limitação, é em nós mesmos. Aspiremos
a santidade de caráter e de espírito. Estou persuadido que a
maior influência que podemos ter sobre nossos semelhantes,
é a influência que procede da consagração e da santidade.
Há mais olhos fixos em nossa vida diária do que imaginamos,
tanto no lar, como na igreja e no mundo. Se afirmamos ser
ministros do Senhor, não estranhemos de ser continuamente
observados; mesmo quando julgamos não haver nenhum
observador perto de nós. Nossas vidas devem ser tais que
os homens possam imitá-las sem perigo.
Já conhecem a tremenda responsabilidade de um pai para
com os filhos; tal é a nossa. Não creio que algum de nós se
atreva a dizer à congregação: “Siga-me em todas, as coisas”.
No entanto, a tendência é imitar o pastor. Nessa tendência
jaz a base da influência para o santo, e um terrível poder
prejudicial para o mal. Os filhos inicialmente obedecem aos
pais, e assim aprendem a lei do Senhor, e por certo muitos
do tipo mais débil aprendem o caminho da santidade através
112
O Que Aspiramos Ser
do exemplo dos guias espirituais. Os estranhos podem falar
sem pensar no que dizem, mas os pais são conscientes da
grande responsabilidade quanto aos filhos. Se a família não
está bem ordenada, o pai prudente começa a emendar seus
próprios caminhos. Se nossa congregação se descuida ou se
afasta do bom caminho, humilhemo-nos e tomemos sobre
nós mesmos a culpa. Se fôssemos melhores, por certo os
membros da nossa igreja seriam melhores. De pouco serve
irritar-nos; o mais prudente é prostrar-nos diante de Deus
e descobrir a razão pela qual nosso m inistério não está
produzindo melhores resultados.
Acho que posso dizer muito mais, tão grande é o peso
que me oprime. Acrescentaria que, como o pai terreno ocupa
o lugar de Deus diante dos filhos, assim nós, como pais
espirituais, em grande medida. M uitas pessoas fracas e
ignorantes nos colocam numa posição da qual desejaríamos
escapar, se possível, pois detestamos tudo que se asseme­
lha a clericalismo. Lamentamos que haja almas simples
que esquecem ver o pensamento do Senhor revelado nas
Escrituras, mas nos contemplam como seus guias e mestres.
Admito haver superstição maligna nisso, mas isso ocorre, e
não o podemos negar. Sem dúvida, em muitos casos, através
de seu agradecido respeito, os membros da nossa congregação
aprendem lições tanto do que fazemos como do que dizemos,
e isso nos deve m anter muito cuidadosos, por tem er de
influenciá-los para o mal. Sejamos santos, para que outros
sejam santos.
Precisamos ser amáveis e cortezes, pois até algo insignificante
como apertar a mão ou assentir com a cabeça tem a sua
influência. Um membro da nossa igreja revelou que várias
vezes tentou cumprimentar-me à porta do templo, muito
antes de entrar para ouvir-me. O gesto de amabilidade e a
atenção recebida o fez recordar de mim e o impulsionou a
voltar a fim de escutar o pregador. Afirmou-me que este
113
UM MINISTÉRIO IDEAL, Vol. 1
simples incidente foi o primeiro laço entre ele e a religião. Era
bêbado, afligido e ímpio; mas por um feliz acontecimento
chegara a tornar-se amigo de um ministro de Cristo, e esse
encontro se tornou o prim eiro passo para melhores dias.
Nunca sejam rígidos e orgulhosos. Sejam compassivos e
amáveis. Os filhos desejam encontrar bondade no pai; não
os decepcionemos. Compete-nos ser tudo para com todos a
fim de salvar alguns.
Mesmo em relação aos que estão fora, devemos mostrar
carinhosa atenção . Precisamos demonstrar carinho ilimitado
ainda àqueles que desprezam o evangelho. Deve encher-nos de
profunda tristeza o fato de que os homens rejeitam o Salvador,
e seguem o caminho da destruição. Se persistem a arruinar-se, é preciso que choremos por eles em secreto. Se após
haver-lhes pregado a mensagem com amor eles não se
arrependem, devemos quebrantar os nossos corações por não
haver podido quebrantar os deles. Se Absalão está na iminên­
cia de perecer, que acompanhemos a Davi até à câmara ao
lado a fim de prantear amargamente, clamando: “Meu filho,
meu filho! - quem me dera morrer por ti, meu filho!” Já
choraram alguma vez por seus ouvintes, como o que chora
pelo ente querido que partiu? Poderiam suportar a idéia
deles comparecerem diante do juízo sem perdão? Poderiam
resistir à idéia da sua condenação? Não sei como é possível
a um pregador ser muito abençoado por Deus se não sente
agonia quando teme que alguns dos seus ouvintes passem
para a eternidade impenitentes, na incredulidade.
Por outro lado, observem a cena de um pai que contempla
o filho voltando para casa ao renunciar os seus maus caminhos.
O Novo Testamento apresenta o retrato divinamente retratado.
Quando o pródigo ainda estava à grande distância, o pai o
avistou. Oxalá tenhamos olhos abertos para perceber os que
são despertados. O pai correu a seu encontro. Que nos
esforcemos em ajudar aos que têm esperança! Abraçou-o e o
114
O Que Aspiramos Ser
beijou. Que nossos corações transbordem de amor, regozijando-se pelos que O buscam! Precisamos ser como aquele
pai; cheios de amor, sempre na expectativa. Nossos olhos,
ouvidos e pés hão de ser para os arrependidos. Nossas lágri­
mas e braços abertos devem estar prontos para eles. O pai
espiritual é o que dispõe da melhor veste, de anéis e sandálias;
recorda estas provisões da graça porque se move de amor
para os que regressam. O amor é um teólogo prático, e
cuida de aplicar praticamente todas as bênçãos do pacto, e
todos os mistérios da verdade revelada.
Visto que vocês são filhos de Deus, sejam também pais
em Deus! Que esta seja a paixão ardente de suas almas.
Convertam-se em líderes e campeões. Deus lhes conceda a honra
da maturidade, a glória do poder! Então esperem valorosa­
mente que Ele ponha sobre vocês a carga que tal poder pode
suportar. Necessitamos que vocês se comportem varonilmente.
Nos dias maus, quando se aproxima o choque da batalha, terá
que ser sustentado pelos pais, ou não o será. Nossos irmãos
jovens e pouco maduros são valiosíssimos como tropas ligei­
ras, abrindo caminho e avançando em território inimigo;
mas as colunas sólidas, que resistem firmemente à fúria do
ataque, hão de estar compostas principalmente pela velha
guarda. Vocês que têm experiência nas coisas de Deus, vocês
os experimentados que lutaram na batalhas do Senhor em
inúmeras ocasiões, precisam estar firmes e, tendo feito tudo,
ainda terão que resistir. Apelo para vocês, pais, para que
defendam o fortim até que o Senhor volte. Vocês devem
persistir firmes, inabaláveis, “sempre crescentes na obra do
Senhor. Se fracassarem, a quem poderemos recorrer? Será
como um “porta-bandeira derrotado”.
Caso que vocês se tornem satisfeitos em desejar tão
elevada honraria, imaginando que a simples aspiração se
cumprirá, permitam-me lembrar-lhes como viveu o Salvador.
Jamais Se deteve nos desejos e nas resoluções, mas Se dedicou
115
UM MINISTÉRIO IDEAL, Vol. 1
a um serviço constante. Ele afirmou: “Minha comida é fazer
a vontade daquele que me enviou, e realizar a sua obra”.
Pescar almas há de ser comida e bebida para nós. Realizar
a obra do Senhor Jesus deve ser tão necessária para nós
quanto os alimentos. A obra do Seu Pai é a mesma na qual
estamos empenhados, e nada podemos fazer melhor do que
imitar o Mestre. Digam-me, pois, como a realizou o Senhor
Jesus. Projetou a construção de um enorme tabernáculo,
organizando uma gigantesca conferência, publicando um
grande livro, tocando uma trombeta diante dEle ou proje­
tando algo sensacional? Buscava a popularidade ou aspirava
tornar-se famoso? Não! Chamou aos discípulos, um a um, e
os instruiu com cuidadosa paciência. Para ter um exemplo
típico, do Seu método, observem-nO fazendo uma pausa
durante o calor do dia. Sentou-Se junto ao poço, e Se
dirigiu a uma mulher que não era contada entre as mais
distintas. Isso parecia trabalho lento e ação muito rotineira.
No entanto, sabemos que foi um passo justo e sábio.
Aquele tão simples auditório, Ele não falou de máximas
engenhosas, como as de Confúcio, nem discorreu sobre
filosofias profundas como a de Sócrates; mas falou simples
e puramente, com devotado fervor, acerca da vida dela, suas
necessidades pessoais, e da água da vida por meio da qual
podiam ser supridas tais necessidades. Conquistou o coração
dela, e da mesma maneira a muitos outros; mas o fez de um
modo que não impressionaria a muitos. Ele estava acima das
mesquinhas ambições de nossos corações orgulhosos. Não
ambicionava uma grande congregação; nem sequer pediu
um púlpito. Desejou ser o pai espiritual daquela mulher;
para isso, tinha que passar por Samaria, e apesar de grande
cansaço, devia falar-lhe da água da vida. Irmãos, repudiemos
a vaidade. Tornemo-nos mais simples, naturais e paternais à
medida que vamos amadurecendo; sejamos absorvidos de
maneira cada vez mais completa na obra de nossa vida.
116
O Que Aspiramos Ser
De conformidade com a ajuda do Senhor, ponhamos
nosso tudo sobre o altar e vivamos só para Ele. Uns são
convocados para servir no exterior e outros terão de procla­
m ar o evangelho nos confins da terra. Nem todos nós
podemos fazer isso; mas todos devemos viver para o Senhor
e dedicar nossas vidas a serviço de nossos irmãos. Todos os
campos precisam ter seus obreiros consagrados e presenciar
um heroísmo genuíno. Pelo fato de pertencermos a Cristo, o
zelo da casa do Senhor deve devorar-nos.
Gostaria de ter-lhes falado com toda a minha energia,
porém é possível que minha fraqueza seja usada por Deus
com propósitos mais im portantes. M inhas dores físicas
limitam meus pensamentos, os distúrbios orgânicos emba­
raçam o melhor funcionamento mental; mas as idéias estão
acesas, pois meu coração permanece fiel ao Senhor e dedicado
ao evangelho - como também a vocês. Que Ele use a cada
um até ao máximo da nossa capacidade para sermos úteis
de modo que possamos glorificá-la através da saúde ou da
enfermidade, na vida ou na morte. Amém.
117
6
MORDOMOS
“Que os homens nos considerem ministros de Cristo e mordomos
dos mistérios de Deus. Requer-se dos mordomos, que cada um seja
achado fiel” - 1 Cor. 4:1-2.
O apóstolo anelava ser tido pelo que era, e tinha razão;
pois os ministros nem sempre são apreciados corretamente.
Geralmente muitos se gloriam neles, outros os depreciam. No
início de nosso ministério, quando o que dizemos é novidade
e nossas energias transbordam, quando ardemos e lançamos
faíscas, passamos muito tempo em preparar fogos de artifício,
as pessoas são propensas a considerar-nos seres maravilhosos;
então é necessária a palavra do apóstolo: “Ninguém se glorie
nos homens” (1 Cor. 3:21). Não é certo, como insinuam os
aduladores, que em nosso caso os deuses hajam descido em
semelhança de homens; e seriamos idiotas se acreditássemos
nisso. A seu devido tempo, as ilusões estúpidas serão subs­
tituídas pelos desenganos, e então ouviremos a desagradável
verdade mesclada de censuras injustas. Cedo ou tarde, o
tempo produz o desencanto, e transforma nossa posição no
apreço do mundo. Passaram os dias da primavera, e chegou o
tempo das ortigas. Concluída a época em que as aves cantam,
aproxima-se a estação dos frutos; mas as crianças não ficam
tão contentes conosco como quando passeavam por nossos
exuberantes prados, fazendo coroas e grinaldas com nossas
flores. Talvez não estejamos percebendo. O homem maduro
é sólido e lento, enquanto o jovem cavalga nas asas do
vento. É evidente que alguns têm idéias exageradas do que
119
UM MINISTÉRIO IDEAL, Vol. 1
nós somos; outros têm idéias de modo demasiadamente
mesquinho; seria muito melhor se todos eles pensassem
sobriamente que somos “ministros de Cristo”. A Igreja lucraria,
nós seriamos beneficiados e Deus seria glorificado, se nos
colocassem no lugar exato e nos mantivessem ali, sem apreciar-nos em demasia, nem censurar-nos injustam ente, mas
considerando-nos em relação ao Senhor e não em nossas
próprias personalidades. “Que os homens nos considerem
como ministros de Cristo.”
Somos MINISTROS. Esta palavra soa de modo respeitá­
vel. Ser ministro é a aspiração de muitos jovens. Talvez se a
palavra do original fosse traduzida de outro modo, esfriaria
a ambição deles. Os ministros são servos: não são convidados,
mas criados; não são senhores, mas servidores, A mesma
palavra tem sido traduzida “remadores”, exatamente os que
movem os remos do banco inferior. Remar numa galera
sempre era trabalho duro; aqueles movimentos rápidos
esgotavam as forças vitais dos escravos. Havia três fileiras de
remadores: os do banco superior tinham a vantagem do ar
fresco; os que ficavam abaixo deles estavam mais escondidos;
mas suponho que os trabalhadores do remo inferior, além de
exaustos pelo esforço penoso, estavam sujeitos a desmaiar
devido ao calor. Irmãos, contentemo-nos em gastar nossas
vidas ainda que seja na pior das posições, se através do nosso
serviço possamos ser instrumentos para que o nosso grande
Capitão apresse Sua volta e que possamos ajudar o avanço
da embarcação da Igreja que Ele conduz. Estejamos dispostos
a movimentar o remo e a trabalhar durante toda a vida para
que Seu navio singre as ondas. Não somos capitães nem
proprietários do barco, mas apenas remadores de Cristo.
Recordemos que somos servos na casa do Senhor. “O
maior dentre vós seja vosso servo.” Estamos dispostos a ser o
tapete à porta de entrada do nosso Mestre. Não busquemos
120
Mordomos
glória para nós, mas ponham os honra nos vasos mais
frágeis mediante nossos cuidados. Que os pobres, os débeis
e os afligidos tenham o lugar de honra na Igreja do Senhor, e
nós que estamos fortes levemos suas fraquezas. Quem se
humilha é exaltado; e o que se faz menos que o mais inferior,
é o maior. “Quem enferma, que eu não enferme?”, interroga
o apóstolo. Se há algum escândalo a suportar, melhor sofrê-lo do que permitir que ele aflija a Igreja de Deus. Uma vez
que somos, por nossas funções, servos num sentido especial,
suportemos alegremente a parte principal de abnegação e
os trabalhos penosos dos santos.
Entretanto, o texto não nos designa simplesmente servos
ou ministros, mas acrescenta “de Cristo”. Não somos servos
dos homens, e sim do Senhor Jesus. Amigo, se'você crê que
devido contribuir para meu sustento, estou obrigado a seguir
suas opiniões, está equivocado. E certo que somos “vossos
servos por Jesus”; contudo, no sentido mais elevado possível,
nossa única responsabilidade é perante Aquele a quem
chamamos Mestre e Senhor. Obedecemos ordens superiores;
mas não podemos ceder aos caprichos dos nossos companhei­
ros de serviço, por mais influentes que sejam. Nosso serviço
é glorioso, porque pertence a Cristo; sentimo-nos honrados
pelo privilégio de servirmos Aquele cujos sapatos não somos
dignos de desatar.
Afirma-se também que somos MORDOMOS. Que é ser
mordomo? Esta é a nossa função. Que se requer de um
mordomo? Este é o nosso dever. Estamos falando agora de
nós mesmos; portanto, façamos uma aplicação pessoal de
tudo que for dito.
1.
Primeiramente, um mordomo é apenas um servo. Talve
nem sempre se percebe, mas é algo lamentável que o servo
comece a pensar que é o amo. E uma lástima que os servos,
quando passam a ser honrados pelos seus mestres, começam
a inchar-se. Quão ridículo pode chegar a ser mordomo! Não
121
UM MINISTÉRIO IDEAL, Vol. 1
me refiro a mordomos ou lacaios, e sim a nós mesmos. Se
nos engrandecemos a nós mesmos, chegaremos a ser depreciáveis; nem honramos à nossa função nem exaltamos ao
Senhor. Somos servos de Cristo, e não senhores sobre a
herança dEle.
Os ministros são para as igrejas, e não as igrejas para os
ministros. Trabalhando para as igrejas, não poderemos ter a
ousadia de considerá-las como propriedades a explorar em
benefício próprio, nem jardins a cultivar segundo nosso
próprio gosto. Alguns falam da forma liberal de governo na
sua igreja. Que sejam liberais com o que lhes pertence;
porém que o mordomo de Cristo se orgulhe de ser liberal
com os bens de seu Mestre, é coisa bem diferente. Como
mordomos, somos apenas servos de categoria; que o Senhor
mantenha em nós um espírito de plena obediência! Se não
temos cuidado em conservar-nos em nosso devido lugar, o
Mestre não deixará de admoestar-nos e de humilhar nosso
orgulho. Quantas de nossas aflições, fracassos e depressões
procedem de que nos sentimos demasiadamente orgulhosos!
Estou convicto de que nenhum dos que têm sido honrados
por Deus publicamente desconhece os castigos administra­
dos em secreto, os quais impedem que a carne soberba se
exalte indevidamente. Quantas vezes tenho orado: “Não me
retires do Teu serviço, Senhor!”, pois o mordomo despedido
é objeto de comiseração entre os servos do Senhor. Noutros
tempos era grande e poderoso, cavalgando o melhor cavalo;
mas depois de afastado, tom a-se m enos que o m ais
insignificante vaqueiro. Vejam quão contente ele se mostra
em ser recebido, como agradecido hóspede, nas humildes
casinhas daqueles que outrora o admiravam com especial
respeito, quando representava a seu Senhor! Cuidado para
não serem exaltados demasiadamente, caso contrário serão
aniquilados.
2. O mordomo é um servo de tipo especial, pois tem de
122
Mordomos
supervisionar os demais servos, que é tarefa difícil. Antigo
amigo meu, já com o Senhor, me disse em certa ocasião:
“Sempre tenho sido pastor. Durante quarenta anos fui pastor
de ovelhas, e por outros quarenta, pastor de homens, e o
segundo rebanho era m uito mais pusilânim e do que o
primeiro.” Tal testemunho é verdade. Creio ter ouvido dizer
que a ovelha tem tantas enfermidades quantos os dias do
ano; mas o outro tipo de ovelha é capaz de ter dez vezes
mais doenças. O trabalho do pastor é excessivamente pesado.
Nossos companheiros de serviço são assediados por toda
espécie de dificuldades; e é deplorável que os mordomos
pouco sábios causam muitas outras desnecessárias, devido
exigirem dos demais aquela perfeição que eles mesmos não
possuem. Além disso, nossos conservos foram sabiamente
selecionados. Aquele que os pôs em Sua casa sabia o que
estava fazendo; são escolhidos do Senhor, e não nossos. Não
nos compete achar defeitos nos eleitos do Senhor. Entre
alguns é hábito comum injuriar a Igreja; mas uma vez que
a Igreja é a noiva de Cristo, é bastante perigoso criticar à
amada do Senhor. Nesse aspecto, procuro imitar Davi na sua
atitude em relação a Saul: não me atrevo levantar a mão contra
o ungido do Senhor. M uito m elhor é que descubramos
nossos próprios defeitos antes que censuremos as falhas alheias.
Além disso, os membros da nossa igreja são seres huma­
nos, e mesmo o melhor deles é apenas humano, ainda que
no melhor sentido. Dirigir, instruir, consolar e ajudar a tantas
pessoas diferentes, sem dúvida não é tarefa simples. O que
governa entre os hom ens, em nom e de Deus, deve ser
homem; mais do que isso, precisa ser homem de Deus. Deve
estar dotado da graça, ser de estirpe real, e destacar-se dos
demais em vários aspectos. Os homens acatarão a verdadeira
superioridade, mas não as pretensões oficiais. A posição
superior há de estar sustentada por atitudes superiores. O
mordomo precisa saber mais do que o lavrador e o peão.
123
UM MINISTÉRIO IDEAL, Vol. 1
Possuir inteligência superior à do vigia e do carreteiro, e um
caráter mais eficiente do que a das pessoas comuns às quais
tem de transmitir ordens. Como mordomos, é indispensável
que tenhamos graça abundante, pois do contrário não cum­
priremos nossos deveres nem alcançaremos promoções.
Os demais servos se regerão pelo que fazemos. O mordomo
apático, inerte e lento sempre terá a seu redor uma equipe
de trabalhadores lentos, resultando em sérios prejuízos nos
negócios do Senhor. Um ministro logo se verá rodeado de
pessoas semelhantes. Oxalá sejamos sempre atentos e fervoro­
sos no serviço do Senhor Jesus, para que nossa congregação
também seja consagrada. Li de um teólogo puritano que
demonstrava tal entusiasmo que sua igreja afirmava viver
como se alimentasse de coisas vivas. Que de igual modo
nossa vida seja sustentada pelo Pão vivo!
A menos que sejamos nós mesmos cheios da graça de
Deus, não seremos bons mordomos na orientação de nossos
companheiros de serviço. Devemos ser para eles exemplo de
zelo e ternura, constância, esperança, energia e obediência. É
preciso que pratiquemos constante abnegação e aceitemos
como nossa parte no trabalho o mais difícil e mais humilhante.
Seremos elevados acima dos companheiros através de um
desinteresse superior. Encarreguemo-nos de ir à frente das
empresas perigosas e de levar as cargas mais pesadas. Precisa­
mos realizar algumas das tarefas mais penosas na Igreja, e
servir nos lugares mais duros. Por que não havemos de estar
dispostos a ocupar essas posições? O Senhor exaltará aos que
não escolhem por si mesmos, mas estão dispostos a fazer
qualquer coisa e ir a todo lugar. O que vence o medo na hora
do perigo terá como recompensa o privilégio de poder
demonstrar ainda maior coragem. O que é fiel no pouco, será
designado para um setor de trabalho de maior importância
e prova mais severa; este é o progresso a que aspiram os
servos leais do nosso Rei.
124
Mordomos
3.
Prosseguindo, lembremos que os mordomos são serv
sob as ordens mais imediatas do grande Mestre. Temos de ser como
o mordomo que diariamente se dirige à presença do Senhor
a fim de receber ordens. O simples lavrador nunca vai à casa
do patrão, mas o mordomo não pode deixar de comparecer
ali. Se falhasse em consultar ao seu senhor, logo cometeria
erros e se envolveria em graves complicações. Como deve­
ríamos repetir constantemente: “Senhor, que queres que eu
faça?” Deixar de buscar a Deus a fim de descobrir e pôr em
prática Sua vontade, seria abandonar nossa verdadeira posição.
Que se fará ao mordomo que nunca se comunica com o amo?
Ora, fazer as contas e despedi-lo! O que faz a própria vontade
e não a do senhor não pode exercer a função de mordomo.
É preciso que estejamos continuam ente esperando
ordens de Deus. É indispensável cultivar o hábito de buscá-la
à procura de orientação. Quão gratos devíamos ser pelo fato
do Amo estar sempre atento à nossa voz! Ele guia a Seus servos
com os olhos; e junto com a direção Ele concede também o
poder necessário. Ele tornará nossos rostos brilhantes perante
os companheiros quando mantemos comunhão com Ele.
Nosso exemplo há de influir a outros para estar às ordens do
Senhor continuamente. Se nossa ocupação é transmitir-lhes
os pensamentos de Deus, então estudemos cuidadosamente
os Seus pensamentos. Que ninguém se descuide no cultivo
do hábito de ir ao trabalho sem antes estar em comunhão
com o Senhor. Se o mordomo não demonstra interesse pelos
assuntos do amo, e se torna obstinado, chegando a inverter
as ordens do seu senhor; se de algum modo se intromete em
negócios impróprios, então os servos que estão sob sua liderança
aprenderão a ser desleais. O Mestre breve voltará, e ai do
mordomo que ao prestar contas for julgado infiel!
4.
Os mordomos estão constantemente prestando contas. Sua
contas são dadas à proporção que marcham. Um proprietário
cuidadoso exige a conta de receitas e despesas cada dia. E
125
UM MINISTÉRIO IDEAL, Vol. 1
importante considerar as próprias falhas e defeitos. Isso nos
levará a utilizar melhor o tempo em constantes esforços no
serviço do Amo a fim de aumentar os Seus bens. Cada um
deve interrogar-se a si mesmo: “O que estou conseguindo
com a minha pregação? Seria do tipo certo? Estaria dando
ênfase àquelas doutrinas que o Senhor deseja que apresente
de preferência? Acaso dedico às almas o interesse que Ele
quer que eu demonstre?” E proveitoso analisar assim todas as
áreas da vida, e considerar: “Será que gasto o tempo suficiente
com a oração em secreto? Será que estudo as Escrituras tão
intensamente quanto devo? Vou correndo a muitas reuniões;
mas estaria em tudo isso cumprindo às ordens do meu Mestre?
Não seria possível que procuro satisfação para mim mesmo
com a aparência de realizar muito, enquanto na realidade eu
faria mais se fosse mais cuidadoso na qualidade do serviço
do que na quantidade?” Oxalá recorramos constantemente
ao Senhor e tenhamos sempre corretas e claras nossas contas
com Ele!
5.
Destaquemos o ponto principal: o mordomo é o deposi
tário e administrador dos bens do seu senhor. Tudo o que ele tem
pertence ao senhor, e ele é guarda de tesouros especiais, não
para que faça deles o que desejar, mas para que cuide deles. Os
dons de conhecimento, raciocínio, fala e influência não nos
pertencem para que nos gloriemos deles, mas os temos em
depósito a fim de administrá-los para o Senhor. O dom que
ganha outros cinco é Seu.
Deveríamos aumentar o capital. Todos estariam fazendo
isso? Estariam crescendo em capacidade e desenvolvendo os
dons? Irmãos, cuidem de vocês mesmos. Noto que alguns
crescem, mas outros estacionam e se transformam em anões,
sem desenvolvimento. Lamento que tantos jovens destroem
nossas esperanças; tornam-se extravagantes nos gastos; casam
irrefletidamente, tornam-se presa do mau humor, buscam
opiniões modernas, cedem à preguiça ou ao relaxamento, ou
126
Mordomos
deixam de progredir de alguma maneira. Considero o esforço
mais necessário e proveitoso o que dedicamos a nos melhorar
mental e espiritualmente. Seja qual for a sua atividade, acima
de tudo cuidem de vocês mesmos e da doutrina. Os que
negligenciam a meditação a fim de viver continuamente
tagarelando, são muito néscios; assemelham-se a mordomos
que nada fazem na granja, mas falam demasiadamente do
que deveria ser feito. Os cães mudos não podem latir, mas os
cães prudentes não estão sempre a latir. Estar continuamente
dando de si e nunca recebendo, leva à vacuidade.
Irmãos, somos “mordomos dos mistérios de Deus”; foi-nos “confiado o evangelho”. Paulo se refere ao glorioso
evangelho do Deus bendito que lhe foi confiado. Espero que
nenhum de vocês tenha jamais a infelicidade de ser feito
administrador da fé. E uma função ingrata. Ao desempenhá-la, há pouca margem para a originalidade; vemo-nos obri­
gados a administrar nosso depósito com rigorosa exatidão.
Alguém deseja receber mais dinheiro, outro pretende alterar
uma cláusula da escritura; mas o fiel administrador se apega
ao documento, e o obedece. Mesmo pressionado, responde:
“Sinto m uito, mas não redigi o documento; sou apenas
administrador de um depósito, e estou obrigado a cumprir
as cláusulas”. O evangelho da graça de Deus, dizem alguns,
necessita de grandes reformas; porém sei que não é da minha
conta reformá-lo; o que me cabe fazer é agir conforme ele
afirma. Sem dúvida muitos gostariam de fazer uma reforma
na Pessoa de Deus, apagando-0 da face da terra, se pudessem.
Reformariam a expiação até que desaparecesse. Exigem de
nós grandes transformações, em nome do “espírito do século”.
Asseveram que o próprio conceito de punição do pecado é
uma relíquia bárbara da Idade Média; convém modificá-lo,
bem como a doutrina da substituição, além de muitos outros
dogmas que caíram de moda. Nada nos afetam essas exigências;
nosso dever é anunciar o evangelho tal como o recebemos.
127
UM MINISTÉRIO IDEAL, Vol. 1
Como depositário, se alguém discute meu proceder,
atenho-me à letra da escritura legal; se alguns discordam, que
apresentem suas reclamações ao tribunal correspondente,
pois não tenho poderes para alterar o texto. Somos simples
administrador; se não nos permitem atuar, encaminharemos
todo o assunto à chancelaria celeste. A disputa não é entre
nós e o pensamento moderno, mas entre Deus e a sabedoria
humana. Dizem: “Mas é absurdo continuar repisando esta
história antiguíssima!” Não nos importa a sua antigüidade;
ela veio de Deus, e a repetimos em Seu nome. Seja qual for
o conceito que tenham sobre ela, encontra-se no Livro do
qual tiram os nossa autoridade. Os m ordom os têm de
apegar-se às ordens recebidas, e os administradores precisam
cumprir as condições que lhes foram impostas.
Irmãos, nesta hora presente “fomos postos para a defesa
do evangelho”. Se há homens convocados para esse cargo,
somos nós. Vivemos em tempos de insegurança; muitos
levantaram as âncoras e estão sendo levados por ventos e
correntes de vários tipos. Precisamos estar bem firmados.
Talvez raciocínios céticos me hajam arrastado noutros tem­
pos, mas não agora. Sugerem os inimigos que guardemos as
espadas e cessemos de lutar pela fé antiga? Respondemos
como os gregos replicaram a Xerxes: “Venham, e tomem-nas”.
Até pouco tempo, pensadores avançados tentavam derrubar
os ortodoxos para lançá-los no pó; mas até agora temos s
obrevivido a seus assaltos. São uns vaidosos que não conhecem
a vitalidade das verdades evangélicas. Não, o glorioso
evangelho não perecerá jamais. Se havemos de morrer,
morreremos lutando. Se temos de desaparecer pessoal­
mente, novos evangelistas pregarão sobre os nossos túmulos.
As verdades evangélicas farão surgir outros hom ens
completamente equipados para a batalha. O evangelho vive
pela morte. Seja como for, nesta lida, se não somos vitoriosos,
pelo menos seremos fiéis.
128
Mordomos
6.
O trabalho do mordomo consiste em distribuir os bens de seu
amo, segundo o objetivo a que estão destinados. Há de retirar coisas
novas e coisas velhas, há de oferecer leite aos pequeninos e
carne sólida aos amadurecidos, repartindo a cada um sua por­
ção oportunamente. Receio que nalgumas mesas os homens
fortes fiquem aguardando a carne por muito tempo e haja
pouca esperança de que apareça, pois o que há em quantidade
é leite com água. No domingo anterior alguém foi escutar
certo pregador, e se queixou de que não pregou sobre Cristo;
outro explicou que talvez não era m omento adequado.
Respondo que o momento adequado de se pregar sobre
Cristo é cada vez que se pregue. Os filhos de Deus estão
sempre famintos, e não existe nada que os satisfaça, senão o
que desce do céu.
O mordomo prudente há de manter a proporção exata.
Apresentará sempre coisas novas e coisas velhas; nem sempre
doutrina, nem sempre prática, nem sempre experiência. Nem
sem pre pregará o conflito, nem sem pre a vitória. Não
apresentará um só aspecto da verdade, mas uma espécie de
visão estereoscópica que fará com que a verdade se destaque
por evidência. Grande parte da preparação dos alimentos
espirituais consiste na correta proporção dos ingredientes.
Apresentemos boa porção de experiência, sem esquecer
aquela vida superior que consiste numa crescente hum il­
dade espiritual. D em onstrar a fundo nosso m inistério
requer muita habilidade, pois a falta de proporção no que
se prega tem causado graves danos a muitas igrejas. A vereda
da sabedoria é tão estreita como o gume de navalha e para
scgui-la necessitamos da iluminação divina. Não se toca
harpa usando apenas uma corda. Os servos do nosso Amo
haverão de murmurar se lhes damos somente coelho quente
c- coelho frio. Temos de retirar da despensa do Mestre grande
variedade de alimentos apropriados para o desenvolvimento
da virilidade espiritual. O excesso numa direção e escassez
129
UM MINISTÉRIO IDEAL, Vol. 1
noutra, podem produzir muito mal; portanto, usemos o
peso e a medida, e busquemos direção.
Irmãos, tomem o cuidado de usar seus talentos para seu
Amo, e só para Ele. Desejar ser pescadores de almas só
para que pensem que o somos, é deslealdade ao Senhor. E
infidelidade ao Senhor, mesmo se pregarmos boa doutrina
com o objetivo de sermos considerados corretos, ou orarmos
fervorosamente com o desejo de sermos conhecidos como
homens de oração. Temos de buscar a glória do Senhor com
simplicidade e de todo o coração. É preciso que usemos o
evangelho do Senhor, a congregação do Senhor, e os talentos
do Senhor, para Ele e para mais ninguém.
7. O mordomo deve ser também o guarda da família do seu
amo. Cuidem dos interesses de todos os que estão em Cristo,
e que todos sejam tão preciosos para vocês como seus pró­
prios filhos. Nos tempos antigos os criados se sentiam tão
ligados à família, e de tal modo integrados nos assuntos de
seus amos, que se referiam à nossa casa, nossas terras, nossos
cavalos, nossos filhos. Assim é como o Senhor espera que nos
identifiquemos com Seus negócios santos, e especialmente
deseja que amemos a Seus escolhidos. Nós, mais do que
ninguém, devemos entregar nossas vidas por nossos irmãos.
Devido pertencerem a Cristo, os amamos por causa dEle.
Espero que cada um possa dizer de coração:
“Não há cordeiro em Teu rebanho
que eu recusaria apascentar”.
Irmãos, amemos de coração a todos aqueles a quem Jesus
ama. Tratem carinhosamente os que estão sendo provados e
sofrendo. Visitem os órfãos e as viúvas. Cuidem dos fracos e
desanimados. Suportem os tristes e desesperados. Atendam
a todos os da casa, e assim serão bons mordomos.
8. Terminarei este quadro afirm ando que o mordomo.
130
Mordomos
representa o seu amo. Quando o amo está longe, todos vêm
ao mordomo para receber ordens. O que representa um
Senhor como o nosso necessita portar-se bem. O mordomo
deve agir com muito maior cuidado e prudência quando
fala por seu senhor do que quando o faz por conta própria. A
menos que seja precavido no que diz, o senhor pode ver-se
obrigado a declarar: “Você faria melhor em falar por sua
conta; não posso permitir-lhe que me represente de maneira
imprópria”. Amados irmãos e companheiros de serviço, o
Senhor Jesus é mal representado por nós se não observamos o
Seu caminho, declaramos Sua verdade e manifestamos Seu
Espírito. Pelo criado os homens deduzem quem é o amo;
não seria justo que assim o façam? Não deveria agir o
mordomo à maneira do seu amo? Não podem separá-los,
nem ao amo de seu m ordom o, nem ao senhor do seu
representante. Quando disseram a um puritano que ele era
demasiadamente cuidadoso, replicou: “Sirvo a um Deus
cuidadoso”. Nós temos de ser bondosos, pois representamos
o bondoso Jesus; precisamos ser zelosos, pois representamos
Alguém que Se vestia de zelo como de um manto. Nosso melhor
guia,quando estivermos inseguros sobre o que havemos de
fazer, se achará na resposta à pergunta: “Que faria Jesus?”
Imitem a Jesus, que não falava de Seus próprios pen­
samentos porém dos do Pai. Assim, atuarão como deve fazer
um mordomo. Nisso se firmam sua sabedoria, seu consolo
e seu poder. Mesmo se nos acusarem de loucos, estamos
certos de estar observando às ordens do Senhor. Os queixosos
não podem acusar ao mordomo: ele age conforme a deter­
minação de seu superior. Nossa consciência está limpa e
nosso coração permanece em repouso, se nos certificamos de
haver tomado a cruz e seguido as pegadas do Crucificado. A
obediência é melhor do que a originalidade, e a capacidade
para ser ensinado mais desejável do que o gênio. A revelação
de Jesus Cristo durará mais do que as especulações humanas.
131
UM MINISTÉRIO IDEAL, Vol. 1
Damo-nos por satisfeitos, e mais ainda, almejamos não ser
considerados como pensadores originais e hom ens de
imaginação; nossa tarefa é dar a conhecer os pensamentos
de Deus e terminar a obra que Ele está efetuando poderosa­
mente em nós.
A segunda parte desta mensagem tratará de NOSSAS
OBRIGAÇÕES COMO M ORDOM OS. “Requer-se dos
mordomos, que cada um seja achado fiel.” Não se exige que
cada um seja engenhoso, agradável aos associados, nem
sequer que seja eficiente. Tudo o que se requer é que seja
achado fiel; e na verdade não é coisa de pouca importância.
Será necessário que o Senhor mesmo Se torne nossa sabe­
doria, e nosso poder, pois do contrário fracassaremos. Muitas
são as maneiras em que podemos falar neste ponto, por
muito simples que nos pareça.
1.
Podemos deixar de ser fiéis quando atuamos como
fôssemos chefes em vez de subordinados. Surge na Igreja uma
dificuldade que poderia ser solucionada facilmente com
tolerância e amor, mas “nos firmamos em nossa dignidade”
e então exageramos nossa importância. Podemos ser muito
elevados e poderosos se desejamos; e quanto menor somos,
tanto mais facilmente nos inchamos. Não há galo mais
imponente na briga do que o nanico; não existe ministro
mais disposto a lutar por sua dignidade do que aquele que
não a possui. Que coisa tão insensata é quando nos fazemos
“grandes”! O mordomo crê que não tem sido tratado com o
devido respeito e se esforça para fazer com que “os criados
reconheçam a quem ele é”. Um dia o senhor da casa foi,
insultado por um inquilino zangado e não fez caso, pois
possuía bastante bom senso para não perturbar-se ante
um assunto insignificante; mas o mordomo não passa nada
por alto, e se irrita por tudo. Deveria ser assim? Parece-me
ver o bondoso patrão pôr a mão sobre o ombro do servo
132
Mordomos
furioso e ouvir-lhe dizer: “Não pode suportá-lo? Eu já tenho
suportado muito mais!”
Irmãos, o Senhor “sofreu tal contradição dos pecadores
contra si mesmo”, e nós nos cansaremos e desmaiaremos em
nossos espíritos? Como podemos ser mordomos do bondoso
Senhor Jesus se nos portamos altivamente? Não nos demos
demasiada importância, nem tratemos de exercer domínio
sobre a herança de Deus; pois Ele não deseja isso, e não
podemos ser fiéis se cedemos ao orgulho.
Também fracassaremos em nossos deveres como mordo­
mos se começamos a especular com o dinheiro do Senhor.
Talvez possamos dispor do nosso, mas não dos recursos do
Senhor. Não nos ordenou que especulemos, mas que nos
“ocupemos” até que Ele volte. Não penso em especular com
o evangelho do meu Senhor, sonhando que posso melhorá-lo por meio dos meus próprios e profundos pensamentos
ou tentando voar na companhia dos filósofos. Tratando-se
de salvar almas, não vamos falar de outro tema senão do
evangelho. A inda que pudesse gerar grande comoção
transmitindo novidades, repilo tal pensamento. Promover
um avivamento suprimindo a verdade é agir falsamente;
significa fraude piedosa, e o Senhor não aprova nenhum
benefício advindo de tais transações. Nosso dever é usar de
modo simples e honrado os talentos do Senhor, e devolver-Lhe os lucros resultantes dos negócios justos.
Somos mordomos, e não senhores, e por isso é preciso
que negociemos em nome do nosso Amo, e não no nosso
próprio. Não temos que fabricar uma religião, mas sim
proclamá-la, e mesmo essa proclamação há de fazer-se, não
por nossa autoridade, mas baseada na do Senhor. Somos
“coadjutores juntamente com Ele”. Não tratemos de atuar
por nossa própria conta, mas conservemos o nosso posto
próximo do Chefe em toda a humildade espiritual.
2. E possível que cheguemos a ser desleais ao que nos
133
UM MINISTÉRIO IDEAL, Vol. 1
foi encomendado se agimos para agradar aos homens. Se o
m ordomo estuda o modo de agradar ao lavrador ou de
satisfazer aos caprichos da empregada, as coisas vão neces­
sariamente mal, pois está fora de lugar. Influímos uns sobre
os outros, e também somos influídos de modo recíproco. Os
maiores são inconscientemente afetados em certa medida
pelos mais insignificantes. O ministro deve ser influído de
modo poderoso pelo Senhor, de forma que as demais
influências não o afastem da fidelidade. Temos de recorrer
constantemente ao Quartel-General, e receber a Palavra da
boca do próprio Senhor, a fim de sermos continuamente
guardados na retidão e na verdade; do contrário, logo nos
tornaremos parciais, ainda que não percebamos. Não temos
de tocar certa nota para obter a aprovação de tal partido, nem
silenciar uma doutrina im portante para evitar ofender a
determinado grupo. Não pode haver reservas com o objetivo
de agradar a alguém, nem a mínima concessão para satis­
fazer, mesmo que seja a comunidade inteira. Que temos a
ver com os ídolos, mortos ou vivos? Se vocês idealizam
satisfazer a todo o mundo, enorme esforço lhes aguarda. É
preciso que não adulemos aos homens. Se agradamos aos
homens, não agradaremos a Deus, de modo que o êxito na
tarefa a que nos dedicamos seria fatal para os nossos inte­
resses eternos. Ao tentarmos satisfazer aos homens, nem
sequer conseguiremos agradar a nós mesmos. Ainda que nos
pareça muito difícil, é mais fácil agradar ao Senhor do que
aos homens. Mordomo, mira somente ao seu Amo!
3. Não seremos julgados mordomos fiéis se somos ociosos
e desperdiçamos o tempo. Vocês conhecem ministros preguiço­
sos? Tenho ouvido falar deles; contudo, quando os vejo, meu
coração os aborrece. Se intentam ser indolentes, há muitos
setores profissionais que lhes rejeitarão; mas acima de tudo
não há lugar para vocês no ministério cristão. O homem
que considera o ministério uma vida fácil, há de deparar-se
134
Mordomos
depois com uma morte difícil. Se não somos laboriosos, não
somos verdadeiros mordomos; temos de ser exemplos de
diligência para a casa do Rei. Aprecio o preceito de Adam
Clarke: “Matem-se trabalhando e depois ressuscitem-se pela
força da oração”. Jamais cumpriremos nossos deveres para
com Deus e para com os homens se somos folgazões.
No entanto, alguns que sempre estão atarefados podem,
apesar disso, ser infiéis, se tudo que fazem é feito de modo
desleixado e leviano. Temos de ser sérios como a morte em
trabalho tão solene. Há certos pregadores que sempre estão
gracejando. Eu gosto muito de rir; o verdadeiro hum or
pode ser santificado, e os que conseguirem levar outros a
sorrir são capazes de movê-los a chorar. Mas este poder tem
limites que o néscio pode ultrapassar. Por certo não falo
agora do excêntrico convencido. Os homens aos quais me
refiro são os sarcásticos e críticos. Um irmão fervoroso comete
um lapso de gramática, e observam com desprezo; outro
colega devoto se engana em uma citação, e isso lhes propor­
ciona enorme prazer. Para eles, o evangelho nada é; seu ídolo
é a inteligência. Quanto a si mesmos, sua preocupação
principal é descobrir como podem ser mais honrados. Não
têm convicções nem crenças, mas apenas gostos e opiniões, e
tudo isso é um jogo do princípio ao fim. Rogo-lhes que não
se acheguem a esse tipo de escarnecedores nem do assento
dos que dissipam o tempo. Sejam seriamente fervorosos. Vivam
como homens que possuem algo pelo qual viver; e preguem
como os que julgam a pregação a mais sublime atividade
do seu ser. Nosso trabalho é o mais importante que existe
debaixo do céu, ou do contrário, é pura falsidade. Se vocês
não são fervorosos em obedecer às instruções do seu Senhor,
Ele transferirá Sua vinha para outro; não tolera aos que
transformam Seu serviço em algo sem importância.
4. Quando fazemos mau uso do que pertence ao nosso Amo,
somos desleais ao que nos foi confiado. Foi-nos entregue
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UM MINISTÉRIO IDEAL, Vol. 1
certo grau de talento, força e influência; temos de usar este
depósito com uma única finalidade. Nosso objetivo é fomen­
tar a honra e a glória do Mestre e Senhor. Temos de buscar a
glória de Deus, e nada mais. Nenhum ministro tem direito
de usar sua influência para fins políticos; a temperança
é algo m eritório, mas qualquer movimento jamais deve
ocupar o lugar do evangelho. Em hipótese alguma pode o
obreiro empregar sua capacidade para divertir ao povo.
Fomos enviados para ganhar almas. Tudo que nos ajuda
a alcançar esse alvo deve ocupar nossa atenção e despertar
nosso interesse.
Não usem os bens do seu Amo indevidamente, a fim de
que não sejam culpados de abuso de confiança. Se sua
consagração é verdadeira, todos os seus dons pertencem ao
Senhor, e seria uma espécie de desfalque empregá-los para
outro fim, em vez de usá-los para Ele. Não têm de fazer
fortuna para vocês mesmos; não creio provável que o façam
no ministério. Não podem ter uma segunda intenção, nem
qualquer outro objetivo. “Só Jesus” há de ser o motivo e o
lema da sua carreira vitalícia. O dever do mordomo é consa­
grar-se totalmente aos interesses do patrão; e se esquece isso
por causa de outro objetivo, por mais louvável que possa
ser, não é fiel. Não podemos perm itir que nossas vidas
corram por dois canais; não temos forças vitais suficientes
para um duplo objetivo. E preciso que sejamos de coração
simples. Temos de pôr em prática o lema: “Uma coisa faço.”
Em todas as áreas e detalhes da vida, há de notar-se o sinal
da consagração, e não devemos permitir que seja ilegível.
Virá o dia em que todos os detalhes serão examinados na
audiência final; compete-nos como mordomos ter em conta
o julgamento do Senhor em todos os aspectos da nossa
atividade.
5.
Se desejamos ser fiéis como mordomos, é preciso que
não descuidemos a nenhum da família, nem qualquer parte da
136
Mordomos
vinha. Interrogo-me se observamos pessoalmente os nossos
ouvintes. Temos de fazer visitas pessoa por pessoa. Certos
indivíduos só podem ser alcançados através de contato
pessoal. Se tivesse diante de mim certa quantidade de garrafas
e tivesse de enchê-las com uma mangueira, muita água se
perderia; se de fato quero enchê-las, preciso tomá-las uma a
uma e derramar o líquido cuidadosamente. Temos de velar
pelas nossas ovelhas uma por uma. Isso deve ser feito não só
mediante a conversa pessoal, mas através da oração pessoal.
Certo crente piedoso, enfermo, dedicou-se à fervorosa
intercessão, e mesmo sem poder dar um passo, visitava as
famílias, orando constantemente por todos os lares. Assim
devemos percorrer o campo e visitar as congregações, sem
esquecer a ninguém, sem desanimar-se de nenhum, levando-os todos no coração perante o Senhor. Lem brem o-nos
especialmente dos fracos, desalentados, os que caíram ou vivem
mais distantes. Que nossos cuidados cerquem todo o rebanho.
Vamos aos pontos mais afastados, lutando para que nenhuma
localidade permaneça sem os meios da graça, e sim que todos
os terrenos recebam a chuva da influência do evangelho.
6.
Existe algo que não deve ser esquecido: é preciso qu
jamais tenhamos conivência com o mal. Muitos têm a impressão
de que podar a árvore significa cortá-la. Outros custam a
aprender o que seja o equilíbrio das virtudes; não sabem
matar um rato sem incendiar o celeiro. Será que ouvi alguém
dizer: “Fui fiel; não posso compactuar com o mal”? Está
bem; mas não ocorrerá que pelo seu mau gênio você chegue
a causar um mal maior do que aquele que destruiu? Imagi­
nemos que a mãe recomende à enfermeira que faça calar a
criança, e a seguir ela jogue o menino pela janela. Obedeceu à
senhora, silenciando eficazmente o garoto, mas por certo não
será elogiada. Se num impulso im prudente vocês dão “o
merecido” à congregação por não ser o que desejam que fosse,
então considerem o seguinte: “Somos o que deveríamos ser?”
137
UM MINISTÉRIO IDEAL, Vol. 1
Se pela graça de Deus tenho ocupado posição elevada na
Sua Igreja, a alcancei pelo poder da afabilidade e do amor, e
procuro usar minha influência para o bem e o progresso da
comunidade. Mas torno a dizer: não devemos permitir que o
pecado persista sem correção. Cedam, irmãos, em todos os
assuntos pessoais, mas mostrem firmeza no que toca à verdade
e à santidade. Precisamos ser fiéis, para não incorrer na
transgressão e no castigo de Eli. Sejam honestos para com os
ricos e influentes, firmes para com os vacilantes; pois seu
sangue lhes será requerido. Necessitarão de toda a sabedoria e
graça que possam alcançar para cumprir suas responsabili­
dades pastorais. Parece que certos pregadores carecem de
habilidade para governar aos homens, habilidade substituída
pela capacidade de tocar fogo numa casa, pois espalham
brasas e carvões acesos por onde vão. Não sejam como eles.
Não combatam contra a carne e o sangue; todavia não façam
acordos amistosos com o pecado.
7. Alguns descuram das suas obrigações como mordomos
de Cristo, esquecendo que o Senhor vem. “Ainda não”, sussur­
ram alguns; “há m uitas profecias a serem cum pridas”,
raciocinam outros. E dizem: “inclusive, é possível que nem
sequer venha; no sentido corrente do termo, não há pressa
especial.” Irmãos, é o servo infiel quem diz: “O Senhor tarda
em vir.” Esta crença o fará retardar a execução dos trabalhos.
O escravo não limpará a casa como obrigação diária, porque
o senhor está distante; e o servo de Cristo pensa que poderá
buscar uma boa limpeza, em forma de avivamento, antes que
o Senhor chegue. Se cada um de nós lembrasse que qualquer
dia pode ser seu último dia, todos nós seriamos mais intensos
em nossos labor. Enquanto pregamos o evangelho, qualquer
atividade pode ser interrompida pelo som da trombeta e o
clamor: “Eis o noivo; saí a seu encontro!” (Mat. 25:6).
Tal esperança concorrerá para acelerar nossos passos.
Os dias são curtos; Cristo está às portas; é preciso que
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Mordomos
trabalhemos com todas as nossas forças. Fico impressionado
pela rapidez como corre o tempo, a veloz aproximação da
audiência final. Breve estaremos dando contas da nossa
mordomia; uns sobrevivem ainda algum tempo, enquanto
outros vão sendo chamados a reunir-se ao Senhor. Convém
que prossigamos trabalhando cada hora com a atenção
voltada para a audiência a que nos dirigimos, a fim de não
sermos envergonhados quanto ao registro dos nossos feitos
no volume do livro.
Devemos orar muito acerca desta fidelidade no serviço,
pois o castigo da infidelidade será terrível. Triste será a condição
do m ordom o reprovado. Será infindável sua desgraça;
sofrerá vergonha eterna e desprezo por trair ao Redentor.
Não podemos sondar o abismo de terror das palavras de
Cristo, referindo-Se ao servo infiel: “cortado ao meio, sua
parte será com os hipócritas”.
A recompensa de todos os mordomos fiéis é sobremaneira
grande.^ Aspiremos a ela. O Senhor fará com que aquele que
foi fiel em poucas coisas seja posto sobre muitas coisas. É
extraordinária a passagem na qual o Senhor afirma: “Bem-aventurados os servos, os quais quando ele vier, achar
velando: de certo vos digo, que se cingirá, e fará que se
sentem à mesa, e passando os servirá”. É maravilhoso que
Ele nos tenha servido; mas, como podemos entender que vá
servir-nos novamente? Pensem no Senhor Jesus levantando-Se do Seu trono para servir-nos! “Olhem!”, exclama Ele,
“aqui está um servo que Me serviu fielmente na terra; abri-lhe
caminho, vocês anjos, domínios e potestades. Este é o homem
a quem o Rei se deleita em honrar!” E, com surpresa de nossa
parte, o Rei Se cinge e nos serve. Então nos disporemos a
clamar: “Não seja assim, Senhor”. Mas Ele deve e quer
cumprir. Sua palavra. Esta honra inefável será concedida a
Seus verdadeiros servos. Feliz o homem que, depois de ter
sido o mais pobre e depreciado dos ministros, é agora servido
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pelo Rei dos reis! Oxalá sejamos do núm ero “dos que
seguem ao Cordeiro onde quer que vá”! Irmãos, podem
perseverar em sua firmeza? Beberão do Seu cálice e serão
batizados com o Seu batismo? Recordem que a carne é fraca.
As provas da época atual são especialmente sutis e graves.
Clamem ao Forte pedindo fortaleza e ponham-se nas mãos
do Seu amor onipotente.
Amados irmãos, é preciso que avancemos, custe o que
custar, pois não podemos retroceder; não temos armaduras que
cubram nossas costas. Cremos ter sido convocados para este
ministério, e não podemos ser desleais ao chamado. As vezes
somos acusados de proferir coisas terríveis a respeito do
inferno. Não vamos justificar todas as expressões usadas,
todavia não temos ainda descrito uma desdita tão profunda
como a que espera ao ministro infiel. O futuro dos perdidos
ultrapassa qualquer conceito humano, quando considerado
à luz das expressões usadas pelo próprio Senhor Jesus
Cristo. As figuras quase grotescas utilizadas por Dante e os
horrores descritos pelos pregadores medievais, não excedem
à realidade ensinada pelo Senhor ao referir-Se ao verme
que nunca morre e ao fogo que jamais se apaga. Ser lançado
nas trevas exteriores, suspirar em vão por uma gota d’água
fria ou ser cortado pelo meio, são horrores sem igual. E os
homens correm esse risco! Sim, é mil vezes lastimável que
qualquer m inistro se arrisque desse modo; que qualquer
ser mortal suba ao pináculo do templo e dali se arroje no
inferno! Se hei de ser uma alma perdida, que o seja como
ladrão, blasfemo e assassino, e não como um mordomo
infiel ao Senhor Jesus Cristo. Isso é ser um Judas, um
filho da perdição.
Ninguém é forçado a ser ministro, nem obrigado a escolher
tão sagrado ofício. Na juventude aspiramos ao santo minis­
tério e nos sentimos felizes por alcançar o desejo. Se nos
proponhamos ser infiéis a Cristo, não havia necessidade de
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Mordomos
subir a essa rocha sagrada com o objetivo de multiplicar os
horrores de uma queda final. Poderíam os perecer
suficientemente nos caminhos ordinários do pecado. Que
necessidade haveria de obter maior condenação? Terrível
seria o resultado se isso é tudo que ganhamos de nossos
preparativos e grandes esforços para adquirir conhecimen­
tos. Meu coração e minha carne tremem enquanto considero
a possibilidade de algum m inistro entre nós ser culpável
de traição ao que nos foi confiado e de deslealdade a seu
Rei. Que nosso bondoso Senhor esteja de tal maneira conosco
que, finalmente, sejamos limpos do sangue de todos. Será
glorioso ouvir ao Mestre exclamar: “Bem está, servo bom e
fiel”. Amém.
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