MONOGRAFIA WILSON LUIZ PIMMEL

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UNIJUÍ - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO
GRANDE DO SUL
WILSON LUIZ PIMMEL
A CONTRIBUIÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS
PARA A CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA NO BRASIL
Santa Rosa (RS)
2014
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WILSON LUIZ PIMMEL
A CONTRIBUIÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS
PARA A CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA NO BRASIL
Trabalho de conclusão do Curso de
Graduação em Direito objetivando a
aprovação no componente curricular Trabalho
de Curso - TC. UNIJUÍ - Universidade
Regional do Noroeste do Estado do Rio
Grande do Sul. DCJS - Departamento de
Ciências Jurídicas e Sociais.
Orientador: MSc. Luiz Paulo Zeifert
Santa Rosa (RS)
2014
3
Dedico este trabalho à minha família, pela
compreensão, incentivo e confiança em
mim depositados durante toda esta
trajetória.
4
AGRADECIMENTOS
A Deus, acima de tudo, pela vida, força e coragem.
À minha esposa, Sandra, que sempre esteve presente me incentivando, me dando
forças para que eu pudesse vencer os desafios e as dificuldades surgidas durante todo este
período de estudos.
Aos meus filhos, Gustavo e Gabriela, que foram privados de minha companhia por
vários momentos, mas que certamente continuarão tendo orgulho de minhas conquistas.
Aos meus pais, Tadeu e Arani, pessoas compreensivas, religiosas e acolhedoras,
que foram responsáveis pela formação de meu caráter e que ensinaram valores que têm me
acompanhado até então.
Ao meu professor orientador, MSc. Luiz Paulo Zeifert, pela atenção, disponibilidade
e orientações a mim dispensadas durante esta trajetória.
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“Quem não luta pelos seus direitos não é digno
deles.”
Ruy Barbosa
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RESUMO
O presente trabalho de conclusão de curso apresenta um estudo sobre a
contribuição dos movimentos sociais para a construção da cidadania no Brasil.
Aborda questões referentes à conceituação e aspectos históricos de movimentos
sociais e um estudo sobre essas lutas contemporâneas no país. Conceitua
cidadania, considerando-se seus primórdios no mundo contemporâneo, inclusive no
Brasil, e seus aspectos históricos, os quais mostrarão que nas décadas passadas,
falar em cidadania era uma espécie de engodo e, passados os tempos, percebeu-se
que o termo cidadania trouxe outra visão em seu significado. Trata sobre a cidadania
no Brasil, mostrando o caminho percorrido para sua efetivação, a partir de aspectos
históricos e seus avanços até os dias atuais. Mostra o entendimento sobre cidadania
na visão do escritor Darcísio Corrêa, em que são apresentados os principais
paradigmas da fundamentação do direito, compreendendo-se seu momento
histórico, postura crítica e posicionamentos a serem adotados, sendo feita uma
análise dialética sobre justiça, direitos humanos e cidadania. O autor destaca
questões relacionadas à tarefa da construção da cidadania dentro de um contexto
global voltado para a solidariedade e a reciprocidade, e não excluindo nem
descartando o ser humano da sociedade em que está inserido. Aborda ainda sobre
a contribuição dos movimentos sociais na construção da cidadania em que vai
mostrar os passos dessas lutas para lograr conquistas em prol da constante
construção da cidadania. Finaliza mostrando que os movimentos sociais contribuem
para a construção da cidadania e para a garantia de direitos para a sociedade e que
a luta deve continuar para que os direitos conquistados sejam mantidos.
Palavras-Chave: Movimentos sociais. Sociedade. Construção da cidadania.
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ABSTRACT
This course conclusion work presents a study on the contribution of social
movements to build citizenship in Brazil. Addresses issues related to the
conceptualization and historical aspects of social movements and a study of these
contemporary struggles in the country. Conceptualizes citizenship, considering its
beginnings in the contemporary world, including Brazil, and its historical aspects,
which show that in decades past, talking on citizenship was a kind of bait, and after
time, it was realized that the term citizenship brought another insight into its meaning.
Comes on citizenship in Brazil, showing the path to its realization, from historical
aspects and its progress to the present day. Shows understanding of citizenship in
view of the writer Darcísio Correa, in which are presented the main paradigms of the
grounds of law, understanding its historical moment, critical posture and positions to
be taken, a dialectical analysis of justice being done, human rights and citizenship.
The author highlights issues related to the task of building citizenship within a global
context for solidarity and reciprocity, and excluding neither discarding the human
society in which it is inserted. Also discusses about the contribution of social
movements in the construction of citizenship that will show you the steps to achieve
these struggles achievements in favor of the constant construction of citizenship.
Finish with showing that social movements contribute to the construction of
citizenship and the rights guaranteed to society and that the struggle must continue
for the rights gained are maintained.
Keywords: Social Movements. Society. Construction of citizenship.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 9
1 MOVIMENTOS SOCIAIS ...................................................................................... 11
1.1 O que são os movimentos sociais: conceituação e aspectos históricos .... 11
1.2 Brasil: movimentos sociais contemporâneos................................................ 17
2 CIDADANIA .......................................................................................................... 21
2.1 O que é cidadania: conceituação e aspectos históricos ............................... 21
2.2 A cidadania no Brasil ....................................................................................... 28
3 MOVIMENTOS SOCIAIS E CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA ............................. 31
3.1 O que deve ser entendido por construção da cidadania na visão de Darcísio
Corrêa........................................................................................................................31
3.2 A contribuição dos movimentos sociais na construção da cidadania ........ 43
CONCLUSÃO .......................................................................................................... 52
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 54
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INTRODUÇÃO
O presente trabalho aborda acerca da contribuição dos movimentos sociais
para a construção da cidadania no Brasil e mostra os principais movimentos sociais
contemporâneos no Brasil em seus aspectos doutrinários e na prática efetiva,
buscando entender como os mesmos contribuem para a construção da cidadania no
Brasil. Assim, apresenta definições de movimentos sociais e de cidadania, bem
como seus aspectos históricos.
Os movimentos sociais vêm acompanhando os passos democráticos de
diversas nações, inclusive do Brasil e, nas últimas décadas, estão presentes
constantemente em acontecimentos históricos relevantes, principalmente no âmbito
das conquistas sociais. Na verdade, consistem num mecanismo que os cidadãos
utilizam para reivindicar e ver reconhecidos seus interesses e anseios coletivos. Os
movimentos sociais que vem sendo realizados, em nível de Brasil, expressam as
manifestações de caráter público onde os cidadãos ou as classes sociais se
organizam com o objetivo de chamar a atenção dos órgãos governamentais para
que seus direitos e reivindicações, mesmo já positivados, sejam atendidos.
A história tem mostrado através dos meios de comunicação a busca
incansável dos grupos organizados para que seus anseios e direitos sejam de fato
respeitados. São muitos os movimentos sociais que aconteceram no decorrer dos
tempos e que lograram êxito realçando
que
as lutas coletivas são formas de
organização de fundamental importância para que se consiga de fato conquistas.
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No primeiro capítulo são abordadas questões referentes à conceituação e
aspectos históricos de movimentos sociais e, também, um estudo sobre movimentos
sociais contemporâneos no Brasil.
O segundo capítulo apresenta a temática sobre cidadania, levando-se em
consideração seu conceito e aspectos históricos. Além disso, faz uma abordagem
sobre a cidadania no Brasil.
E o terceiro capítulo mostra o que deve ser entendido por construção da
cidadania na visão de Darcísio Corrêa, bem como um estudo aprofundado sobre a
contribuição dos movimentos sociais para a construção da cidadania no Brasil.
Para a efetivação do presente trabalho foi priorizada a pesquisa do tipo
exploratória, utilizando-se no seu delineamento a coleta de dados em fontes
bibliográficas disponíveis em meios físicos e na rede de computadores. Na sua
realização foi utilizado o método de abordagem hipotético-dedutivo.
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1 MOVIMENTOS SOCIAIS
Neste primeiro capítulo serão abordadas questões referentes à conceituação
e aspectos históricos de movimentos sociais e, também, um estudo sobre
movimentos sociais contemporâneos no Brasil.
1.1 O que são os movimentos sociais: conceituação e aspectos históricos
Os movimentos sociais são agentes importantes de transformação social e
portadores de uma nova visão, pois eles preenchem o vazio em espaços nos quais o
Estado e outras instituições sociais e culturais são incapazes de atuar pelos
interesses de seus membros, ou não querem fazê-lo. Esses movimentos no Brasil
têm suas marcas históricas. Conforme Sartori:
Os movimentos sociais acompanharam os passos democráticos de
inúmeras nações, inclusive do Brasil, nas últimas décadas. Estiveram
presentes constantemente em acontecimentos históricos relevantes,
principalmente no que se refere a conquistas sociais. As vitórias
democráticas tiveram participação decisiva destes atores. (SARTORI, 2006,
p. 74).
Os movimentos sociais se referem a ações coletivas de grupos organizados
que têm como objetivo alcançar mudanças sociais por meio do embate político,
dentro de uma determinada sociedade e de um contexto específico. Fazem parte
dos movimentos sociais, os movimentos populares, sindicais e as organizações não
governamentais (ONGs).
Maria da Glória Gohn define os movimentos sociais como:
Nós os vemos como ações sociais coletivas de caráter sociopolítico e
cultural que viabilizam distintas formas da população se organizar e
expressar suas demandas. Na ação concreta, essas formas adotam
diferentes estratégias que variam da simples denúncia, passando pela
pressão direta (mobilizações, marchas, concentrações, passeatas,
distúrbios à ordem constituída, atos de desobediência civil, negociações
etc.), até as pressões indiretas. (GOHN, 2004, p. 13).
Já o site Wikipédia, 2014, traz como conceito de movimento social:
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Movimento social é uma expressão técnica que designa a ação coletiva de
setores da sociedade ou organizações sociais para defesa ou promoção, no
âmbito das relações de classes, de certos objetivos ou interesses - tanto de
transformação como de preservação da ordem estabelecida na sociedade.
De um modo geral, o conceito de movimento social traz em si referências de
grupos organizados que buscam alcançar mudanças, através de manifestações
sempre visando atingir seus valores e ideologias dentro da sociedade.
Ribeiro salienta que essas mobilizações devem ser muito bem organizadas e
com pessoas engajadas com a luta de forma a contribuir para seus fins. Assim se
refere:
A existência de um movimento social requer uma organização muito bem
desenvolvida, o que demanda a mobilização de recursos e pessoas muito
engajadas. Os movimentos sociais não se limitam a manifestações públicas
esporádicas, mas trata-se de organizações que sistematicamente atuam
para alcançar seus objetivos políticos, o que significa haver uma luta
constante e em longo prazo dependendo da natureza da causa. Em outras
palavras, os movimentos sociais possuem uma ação organizada de caráter
permanente por uma determinada bandeira. (RIBEIRO, 2014).
Para entender o verdadeiro significado dos movimentos sociais na história do
Brasil, é preceito principal focar-se na consolidação da democracia e na garantia de
várias das liberdades que se goza, e também para compreender as ações e efeitos
que vivem o movimento social nos dias de hoje. Scherer afirma que:
Foram incontáveis os movimentos no período da República. Destacando-se
alguns, podemos perceber que eles somados desencadearam muita
evolução político- social, como por exemplo, a conquista do voto secreto, a
democracia, o pluripartidarismo, enfim reivindicações atendidas a pedido do
povo que se organiza e busca a solução e a melhoria das condições de
vida. (SCHERER, 2009, p. 27).
Não é de hoje que o brasileiro vai à luta por seus direitos, por um país mais
democrático e cidadão. Atos como estes já se repetiram, dentre os quais se podem
citar como principais: a Proclamação da República em 1922, o Golpe Militar de
1964, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra a partir de 1980, as Diretas
Já de 1984, Impeachment do cargo de Presidente de Fernando Collor de Mello em
1992 e os vários Protestos e Manifestações no ano de 2013.
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Os movimentos sociais tiveram origem há muito tempo, embora não se tenha
uma data precisa, eles surgiram desde os primórdios da civilização. Muitos
acabaram por desencadear mudanças extremamente significativas no mundo e
também no Brasil, desde sua colonização. Segundo João Batista Moreira Pinto
(1992, p. 20) “Os movimentos sociais, especificamente os populares, enriquecem a
história brasileira.”
As lutas e os movimentos desenvolvidos por parte da população civil são
realizados desde os primórdios pelas camadas mais pobres ou sem poder na
sociedade, lutas estas apresentadas como rebeliões contra a ordem estabelecida.
Podemos assinalar que os movimentos sociais no seu início, século XIX,
reivindicavam as questões operárias, lutas nas questões da escravidão, da posse de
terras, mudança de regime político, de pequenos camponeses, da carestia, entre
outras, e estas abrangiam tanto as zonas rurais quanto as urbanas em muitos
pontos do país, destacando-se algumas. Sobre esse aspecto, Gohn discorre:
Todas as categorias de lutas assinaladas envolviam conflitos que
abrangiam zonas rurais e urbanas, pois dado o sistema produtivo existente,
baseado na hegemonia da monocultura do café, a produção ocorria no
campo, mas a comercialização, do produto e da mão-de-obra, ocorria na
cidade. Essas lutas irromperam-se em diferentes pontos do país. As
relativas à questão dos escravos e à Proclamação da República tornaramse as mais famosas na História, pelo fato de estarem diretamente
relacionadas com os elementos fundamentais do país, ou seja, o sistema
produtivo e o sistema do poder e controle político. (GOHN, 1995, p. 18).
Para melhor compreenderem-se alguns aspectos históricos das lutas e
movimentos ocorridos no século XIX, em prol da independência do povo brasileiro é
necessário situar esses movimentos ocorridos no século XVIII primeiramente. Nesse
século, as lutas tinham por objetivo o desejo de libertação da Metrópole, conforme
Gohn expõe:
Os líderes das rebeliões nesta fase eram “liberais radicais”, inspirados nos
modelos da Revolução Francesa e da Revolução Norte-Americana. Eles
tomavam como bandeira pontos em comum das lutas contra o colonialismo,
a saber: a liberdade de comércio, a liberdade, a igualdade à representação
popular soberana e, em alguns casos, o anti-clericalismo exacerbado.
(GOHN, 1995, p. 19).
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Dentre os principais movimentos ocorridos no século XVIII, e que foram de
suma importância para esse século, destacam-se a Inconfidência Mineira, em 1789,
que tinha por objetivo a independência do Brasil, que até então era colônia de
Portugal e tiveram como causas três dimensões: econômica, política e ideológica.
Teve como líderes basicamente elites intelectuais e mineradores ricos ou
proprietários rurais, além de clérigos e militares e, como principal líder, Joaquim José
da Silva Xavier, o Tiradentes, que foi enforcado e esquartejado.
Outro movimento dessa época foi a Conjuração do Rio de Janeiro (1794 1795), em que escritores fundaram a Academia Científica do Rio de Janeiro e que,
com demais membros, discutiam questões científicas e políticas. Já em 1797, houve
na Bahia o movimento denominado Revoltas Populares de Mulatos e Negros. E em
1798, também na Bahia, aconteceu a Conspiração dos Alfaiates, que politizou a
Conjuração que veio a se tornar um verdadeiro movimento social popular.
Em continuidade a esse período histórico de lutas e movimentos sociais no
Brasil, na primeira metade do século XIX, aconteceram muitos fatos importantes,
considerados revolucionários, pelas dificuldades que a época apresentava, ou seja,
de comunicação em todas as áreas e setores. Esses movimentos e lutas tinham
como características muitas mortes, não haviam projetos delineados, ou se
houvessem, eram modelos importados de outros países. Os protestos giravam em
torno de questões da construção de espaços nacionais, mercado de trabalho dentre
outros. A estrutura da época privilegiava apenas as elites, e o apoio às lutas vinham
do clero, de cidadãos que faziam parte das camadas médias e intelectuais e à
estrutura militar, sendo essas assessorias de grande relevância.
As lutas giravam em torno de vários fatores, porém as organizações tinham
dificuldades de se estabelecer por não terem um projeto que as sustentassem e
assim, tornavam-se sem rumos. A esse respeito, Gohn (1995, p. 24) expõe: “Na
grande maioria dos casos faltava um projeto político-social que fundamentasse as
ações.”
A história mostra também que as massas populares não estiveram excluídas
dos movimentos e das lutas, ao contrário, tiveram bastante participação, porém com
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a falta de clareza, de politização e de projetos claros durante essas lutas foram
reprimidos, mas não desistiram, conforme afirma Gohn (1995, p. 25) "Mas essa
mesma exclusão veio a se constituir no móvel básico motivador de suas rebeliões
durante todo o período imperial de D. Pedro I e na fase da Regência."
Por falta de união, as lutas eram derrubadas e as pessoas mal vistas pelas
elites. Conforme afirma Gohn (1995, p. 25), “A democracia era uma ideia e não uma
prática.”, Assim, a conciliação foi uma das estratégias previstas pelos que detinham
o poder para acalmar os ânimos após as repressões dos movimentos.
Desta forma, muitas lutas e movimentos não sobreviveram, conforme afirma
Gohn:
[...] ricos em táticas e estratégias de resistência e de propostas para a
construção da cidadania nacional, não sobreviveram devido as suas
próprias ambiguidades; os ideais de solidariedade, fraternidade e igualdade
tinham dificuldade para se realizar, não apenas pela força e brutalidade de
seus oponentes, mas também pela incoerência interna de seus objetivos e
propósitos. (GOHN, 1995, p. 26).
Como exemplificação desses movimentos que não conseguiram sobreviver,
citam-se a Luta Sete Povos das Missões e Conspiração dos Suassunas, ambas do
ano de 1801, Proclamação da Independência do Brasil em 1822, Constituição de
1824, que foi a primeira Constituição Brasileira, A Balaiada, Maranhão, Revolta de
negros, (escravos) em 1830-1841, Guerra dos Farrapos, Rio Grande do Sul em
1835-1845, dentre outros.
Já na segunda metade do século XX, as lutas e movimentos geraram em
torno dos escravos, da questão militar e do surgimento do movimento das
sociedades e associações mutualistas. Esse momento histórico veio de um período
turbulento, pois anterior a esse período o Estado se recompôs militar e
politicamente. As lutas ocorreram basicamente em torno das questões dos escravos,
objetivando questões de cidadania, identidade, liberdade humana e questões de
transporte. Também se caracterizou por uma série de fanatismos religiosos. Outro
movimento de relevância foi o “mutualismo” que, conforme afirma Gohn (1995, p. 40)
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“[...] foi uma forma peculiar de associação das classes populares que sobreviveram
até os anos 30 do século XX.”
Dentre alguns desses movimentos mutuais do período entre 1850 a 1900,
pode-se destacar como importante referência o movimento denominado como
Quebra-Quilos que levou a população a uma série de rebeliões ou atos de
desobediência civil contra o sistema de pesos e medidas, o Ronco da Abelha, uma
revolta contra implantação de novas leis no país. Dentre as várias lutas sociais da
população, exemplificam-se a seguir algumas que tiveram repercussão na vida
política social. Segundo Gohn (1995): Guerras na Bacia do Prata e a Lei Eusébio de
Queirós em 1850, Guerra do Paraguai em 1864-1870, A Questão Militar em 18661889 e a Revolta de Canudos em 1874-1897.
No século XX, as lutas sociais no Brasil apresentaram um novo caráter e
surgem as novas categorias de lutas, conforme Gohn:
O caráter urbano passa a ter tonalidade própria, criada a partir de uma
problemática que advém das novas funções que passam a se concentrar
nas cidades. Progressivamente a indústria, e as classes sociais que
ocorrem no meio urbano. (GOHN, 1995, p. 59-60).
Nesse período, segundo Gohn (1995, p. 61), “Todas as lutas têm caráter
histórico, ou seja, são datadas.” Essas lutas aconteceram no decorrer deste século e
ambas tiveram relevância, segundo a conjuntura sociopolítica. O mapeamento
dessas lutas é apresentado pela escritora em seis etapas, a seguir:
1ª) Primeira República: até 1930; 2ª) Revolução de 1930 e Estado Novo:
1930-1945; 3ª) Populismo: 1945-1964; 4ª) Regime Militar, 1ª fase: 19641974; 5ª) Regime Militar, 2ª fase: 1974-1984; 6ª) Nova República e
Restauração Democrática: 1984-1995. (GOHN, 1995, p. 61).
Os inúmeros movimentos desse período podem ser exemplificados com os
seguintes: a Revolta da Vacina e a Revolta Militar em 1904 no Rio de Janeiro, Greve
Geral, em São Paulo, em 1914, Coluna Prestes em 1925-1927, Marcha da Fome em
1931, a Nova Constituição de 1934, A Constituição do Estado Novo em 1937, o Fim
do Estado Novo de 1945, Movimentos Político-Partidários em 1945, Movimento Pró
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Constituinte e Nova Constituição em 1946, Greve geral em 1953, Movimentos
Estudantis em 1957-1964, A Constituição do Golpe de 64 em 1967, Criação do
Movimento dos Sem-Terra em 1979, Criação da CUT em 1983, Movimento dos
Caras-Pintadas em 1992, dentre outros. (GOHN, 1995).
1.2 Brasil: movimentos sociais contemporâneos
Os movimentos sociais se evidenciam como importantes atores na cena
política brasileira, como consequência das organizações, das mobilizações dos
setores excluídos das conquistas que lograram. Tais movimentos se manifestam
contra os constantes ataques do capital aos direitos sociais, e como estratégias
combinam ações de resistência e de enfrentamento como protestos e passeatas
onde se aglutinam diversos segmentos ou categorias de classe, que contam com o
apoio e a solidariedade de amplos setores organizados da sociedade, como por
exemplo, o Fórum Social Mundial.
Os movimentos sociais no Brasil têm sua história marcada pelos grandes
embates realizados contra os governos autoritários, sobretudo ainda nas lutas pela
liberdade e democracia na década de 70, e parte da década de 80 é considerada
como inspiração no que diz respeito à ideologia que movia mentes e corações
desses movimentos sociais. De acordo com Gohn,
O fato inegável é que os movimentos sociais dos anos 1970/1980, no Brasil,
contribuíram decisivamente, via demandas e pressões organizadas, para a
conquista de vários direitos sociais, que foram inscritos em leis na nova
Constituição Federal de 1988. (GOHN, 2011, p. 342).
No início da década de 80 viveu-se um período denominado como a volta da
democracia. Muitos foram os movimentos e lutas que demarcaram a transição
histórica na área política e social, conforme afirma Gohn:
A década de 80 foi extremamente rica do ponto de vista das experiências
político-sociais. A luta pelas Diretas-Já em 1984 e pela implantação de um
calendário político que trouxesse de volta as eleições para a Presidência do
país, a luta pela redução do mandato presidencial, o processo Constituinte,
o surgimento das Centrais Sindicais (CONCLAT, CGT, CUT, USIS, FORÇA
SINDICAL), a criação de entidades organizativas amplas do movimento
popular (ANAMPOS, CONAM, PRÓ-CENTRAL), o surgimento de inúmeros
movimentos sociais em todo o território nacional, abrangendo diversas e
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diferentes temáticas e problemáticas, como das mulheres, negros, crianças,
meio ambiente, saúde, transportes, moradia, estudantes, idoso,
aposentados, desempregados, ambulantes, escolas, creches etc., todos,
em seu conjunto, revelavam a face de sujeitos até então ocultos ou com as
vozes sufocadas nas últimas décadas. Os anos 80 são fundamentais para a
compreensão da construção da cidadania dos pobres no Brasil, em novos
parâmetros. (GOHN, 1995, p. 123-124).
Nos anos 90 o Brasil se encontrava no auge do Neoliberalismo, que tinha
como influência diretamente por Ronald Reagan e Margareth Thatcher que foi tido
como berço das lutas contra os governos FHC, do sucateamento de todos os
aparelhos estatais, das “privatarias”, do desrespeito aos trabalhadores e às
trabalhadoras do Brasil e de todos os traços básicos de um governo que não
dialogava com os movimentos sociais, pois estava ao lado das elites brasileiras e
internacionais em nome do capital privado, sem levar em consideração o povo que
vivia à margem da “democracia” então vivida.
Nos anos 90 as reivindicações dos movimentos sociais passam ao plano
econômico e moral, buscando e alcançando um novo plano econômico, uma nova
moeda juntamente com a estabilidade econômica com o estancamento da inflação.
Há também um crescimento acentuado das ONGs e de políticas de parceria pelo
poder público, com ênfases nas políticas sociais contemporâneas voltadas aos
países industrializados do Terceiro Mundo, Gohn (1995, p. 125-126). Destacam-se
ainda, de acordo com Gohn, novas formas de organização popular:
A partir de 1990, ocorreu o surgimento de outras formas de organização
popular, mais institucionalizadas – como os Fóruns Nacionais de Luta pela
Moradia, pela Reforma Urbana, o Fórum Nacional de Participação Popular
etc. [...] Todos atuam em questões que dizem respeito à participação dos
cidadãos na gestão dos negócios públicos. (GOHN, 2011, p. 342).
Muitos movimentos de grande importância contribuíram com a história nesta
década de 90. Um deles foi o movimento relacionado à ética na política, que levou à
deposição, via processo democrático, de um presidente da República por atos de
corrupção, fato até então inédito no país. Também, esse movimento ressurgiu o
movimento estudantil com novo perfil de atuação, os “caras-pintadas”. Assim pode
ser afirmado que um movimento social normalmente vem de condições adversas,
pois dos piores períodos é que nascem as grandes mobilizações, fruto da angústia e
da falta de condições básicas para o povo sobreviver.
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Atualmente o povo brasileiro está num período de transição positiva, em que
o Brasil consegue aliar crescimento, democracia, participação popular e conseguir
destaque mundial na política e na economia, e deste modo o movimento social
passa a agir de outra forma, começando a pautar o Governo a partir de mobilizações
pontuais e da apresentação de propostas que agora são bem recebidas, pois os
grandes embates antigos vinham dos momentos em que o diálogo era esvaziado, e
atualmente onde há diálogo, o embate não é considerado a principal ferramenta de
solução.
A população se organiza e expressa suas demandas de várias formas.
Atualmente, segundo Gohn as redes sociais são uma delas:
Na atualidade, os principais movimentos sociais atuam por meio de redes
sociais, locais, regionais, nacionais e internacionais ou transnacionais, e
utiliza-se muito dos novos meios de comunicação e informação, como a
internet. Por isso, exercitam o que Habermas denominou de o agir
comunicativo. A criação e o desenvolvimento de novos saberes, na
atualidade, são também produtos dessa comunicabilidade. (GOHN, 2011, p.
335-336)
A análise dos movimentos sociais no Brasil revela forte enfoque vinculado ao
espaço urbano e/ou rural. Tais movimentos, quando se referiam ao espaço urbano
possuíam um leque amplo de temáticas como, por exemplo, as lutas por creches,
por escola pública, por moradia, transporte, saúde, saneamento básico etc. Quanto
ao espaço rural, a diversidade de temáticas expressou-se nos movimentos de bóiasfrias (das regiões cafeeiras, citricultoras e canavieiras, principalmente), de posseiros,
sem-terra, arrendatários e pequenos proprietários. Cada um dos movimentos
possuía uma reivindicação específica, no entanto, todos expressavam as
contradições econômicas e sociais presentes na sociedade brasileira.
Concomitante às ações coletivas que tocam nos problemas existentes no
planeta (violência, por exemplo), há a presença de ações coletivas que denunciam a
concentração de terra ao mesmo tempo em que apontam propostas para a geração
de empregos no campo, a exemplo do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra
(MST); ações coletivas que denunciam o arrocho salarial (greve de professores e de
operários de indústrias automobilísticas); ações coletivas que denunciam a
depredação ambiental e a poluição dos rios e oceanos (lixo doméstico, acidentes
com navios petroleiros, lixo industrial); ações coletivas que têm espaço urbano como
lócus para a visibilidade da denúncia, reivindicação ou proposição de alternativas.
20
As passeatas, manifestações em praça pública, difusão de mensagens via
internet, ocupação de prédios públicos, greves, marchas entre outros, são
características da ação de um movimento social. A ação em praça pública é o que
dá visibilidade ao movimento social, principalmente quando este é focalizado pela
mídia em geral. Os movimentos sociais são sinais de maturidade social que podem
provocar impactos conjunturais e estruturais, em maior ou menor grau, dependendo
de sua organização e das relações de forças estabelecidas com o Estado e com os
demais atores coletivos de uma sociedade. Desta forma fica evidente que os
movimentos sociais, quando bem organizados têm grande probabilidade de atingir
os objetivos almejados efetivando na grande maioria das vezes direitos já
positivados.
21
2 CIDADANIA
No presente capítulo serão feitas abordagens conceituais sobre cidadania,
considerando-se seus primórdios no mundo contemporâneo, inclusive no Brasil, e
seus aspectos históricos, os quais mostrarão que nas décadas passadas, falar em
cidadania era uma espécie de engodo e, passados os tempos, percebeu-se que o
termo cidadania trouxe outra visão em seu significado. Antes, porém, será
apresentado o conceito sobre o que é ser cidadão, termo esse essencial para um
melhor entendimento sobre cidadania. Posteriormente será tratado sobre a
cidadania no Brasil, mostrando o caminho percorrido para sua efetivação, a partir de
aspectos históricos e seus avanços até os dias atuais.
2.1 O que é cidadania: conceituação e aspectos históricos
Primeiramente, antes de conceituar-se o termo Cidadania, faz-se necessário
uma aproximação sobre o que é ser cidadão, uma vez ocupam posições diferentes
na sociedade, onde alguns têm acesso a vários bens e direitos, enquanto outros,
nada ou pouco têm. Assim, o termo cidadania remete a uma gama diferenciada de
significado e, o que pode ser para uns, não serve para outros. Para Covre, ser
cidadão significa:
ter direitos e deveres, ser súdito e ser soberano. Tal situação está descrita
na Carta de Direitos da Organização das Nações Unidas (ONU), de 1948
que tem suas primeiras matrizes marcantes nas cartas de Direito dos
Estados Unidos (1776) e da Revolução Francesa (1789). Sua proposta mais
funda de cidadania é a de que todos os homens são iguais ainda que
perante a lei, sem discriminação de raça, credo ou cor. E ainda: a todos
cabe o domínio sobre seu corpo e sua vida, o acesso a um salário
condizente para promover a própria vida, o direito à educação, à saúde, à
habitação, ao lazer. E mais: é direito de todos poderem expressar-se
livremente, militar em partidos políticos e sindicatos, fomentar movimentos
sociais, lutar por seus valores. Enfim, o direito de ter uma vida digna de ser
homem. (COVRE, 1991, p. 9).
Também, dentro desta mesma linha, Covre observa sobre os deveres do
cidadão, assim especificando-os:
Ele também deve ter deveres: ser o próprio fomentador da existência dos
direitos a todos, ter responsabilidade em conjunto pela coletividade, cumprir
as normas e propostas elaboradas e decididas coletivamente, fazer parte do
22
governo, direta ou indiretamente, ao votar, ao pressionar através dos
movimentos sociais, aos participar de assembleias – no bairro, sindicato,
partido ou escola. E mais: pressionar os governos municipal, estadual,
federal e mundial (em nível de grandes organizações internacionais como o
Fundo Monetário Internacional – FMI). (COVRE, 1991, p. 9).
O cidadão, entretanto, nem sempre teve essas propostas efetivadas com
facilidade, pois quem detém o poder atenta aos seus interesses próprios, e não ao
de todos no geral, sendo necessário recorrer à Constituição de seu país para lograr
conquistas, já que têm pouco poder; precisa reivindicar para tê-los assegurados, não
somente suas necessidades básicas, mas abrangente, no geral, no seu papel
enquanto homem no Universo. Com relação à prática de reivindicar, Covre assim
discorre:
Só existe cidadania se houver a prática da reivindicação, da apropriação de
espaços, da pugna para fazer valer os direitos do cidadão. Neste sentido, a
prática da cidadania pode ser a estratégia, por excelência, para a
construção de uma sociedade melhor. (COVRE, 1991, p. 10).
Segundo Pinsky, ser cidadão é:
ter direito à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade perante a lei: é,
em resumo, ter direitos civis. É também participar no destino da sociedade,
votar, ser votado, ter direitos políticos. Os direitos civis e políticos não
asseguram a democracia sem os direitos sociais, aqueles que garantem a
participação do indivíduo na riqueza coletiva: o direito à educação, ao
trabalho, ao salário justo, à saúde, a uma velhice tranquila. Exercer a
cidadania plena é ter direitos civis, políticos e sociais. (PINSKY, 2003, p. 9).
.
Assim, pode-se destacar que o cidadão tem muitos direitos e, também
deveres, e estão previstos em lei, conforme se pode apresentar o que diz a
Constituição Federal, no caput do Art. 5º, que trata Dos direitos e deveres individuais
e coletivos dos indivíduos:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, se
garantido aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade.
Para que haja um maior entendimento sobre o tema cidadania, faz-se
necessário apresentar sua conceituação e resgate histórico sobre o mesmo. O tema
23
Cidadania passou a integrar o mundo contemporâneo, dos contextos políticos,
inclusive no Brasil, sendo alvo nas falas dos mais diversos ramos da sociedade: de
quem detém o poder (políticos, capitalistas etc.), nas produções intelectuais e nos
meios de comunicação, e também pelas camadas da população mais desprovidas
(através de movimentos sociais com reivindicações diversas). Entretanto, o assunto
Cidadania nem sempre esteve em evidência, sobre o que Covre discorre:
Nas décadas de 60 e 70, esse tema não exercia o mesmo apelo. Ouvíamos
então falar de mudança social, do modelo revolucionário russo ou do
chinês. Naquela época, cidadania tinha uma conotação pejorativa, espécie
de engodo a “la democracia americana”, que não levaria a nada. Hoje,
aqueles modelos revolucionários, tais como foram encaminhados
inicialmente, mostram-se falidos. Novas propostas, de certa forma,
relacionadas ao tema cidadania, passaram sobre eles. Bons exemplos são
a perestroika e a glasnost enquanto reforma econômica e abertura política
na União Soviética e países congêneres. (COVRE, 1991, p. 7-8).
A história da humanidade mostrou os diversos entendimentos sobre cidadania
em diferentes momentos – Grécia e Roma da Idade Antiga e Europa da Idade
Média. Entretanto, sua denominação conhecida hoje se insere no contexto do
surgimento da Modernidade e da estruturação do Estado-Nação. O termo cidadania
vem etimologicamente do latim, civitas, que significa cidade, ou seja, o
pertencimento do indivíduo a uma comunidade politicamente organizada que lhe
atribui um conjunto de direitos e obrigações sob a vigência da constituição. Ao
contrário dos direitos humanos, a cidadania moderna, embora influenciada por
concepções mais antigas, possui duas categorias: formal e substantiva; sobre essas,
Carvalho descreve:
A cidadania formal é, conforme o direito internacional, indicativo de
nacionalidade, de pertencimento a um Estado-Nação, por exemplo, uma
pessoa portadora da cidadania brasileira. Em segundo lugar, na ciência
política e sociologia o termo adquire sentido mais amplo, a cidadania
substantiva é definida como a posse de direitos civis, políticos e sociais.
(CARVALHO, 2001, p. 219-220).
Sendo a categoria substantiva uma questão de extrema relevância, Carvalho
assim relata sobre ela:
A compreensão e ampliação da cidadania substantiva ocorrem a partir do
estudo clássico de T.H. Marshall – Cidadania e classe social, de 1950 – que
descreve a extensão dos direitos civis, políticos e sociais para toda a
população de uma nação. Esses direitos tomaram corpo com o fim da 2ª
Guerra Mundial, após 1945, com aumento substancial dos direitos sociais –
24
com a criação do Estado de Bem-Estar Social (Welfare State) –
estabelecendo princípios mais coletivistas e igualitários. Os movimentos
sociais e a efetiva participação da população em geral foram fundamentais
para que houvesse uma ampliação significativa dos direitos políticos, sociais
e civis alçando um nível geral suficiente de bem-estar econômico, lazer,
educação e político. (CARVALHO, 2001, p. 219-220).
Com relação aos direitos civis, político e social acima referidos, segundo T. H.
Marshall (apud CARVALHO, 2001, p. 219-29) nos países ocidentais, a cidadania
moderna só é plena se constituída por esses direitos e assim os especifica:
1. Civil: direitos inerentes à liberdade individual, liberdade de expressão e
de pensamento; direito de propriedade e de conclusão de contratos; direito
à justiça; que foi instituída no século 18;
2. Política: direito de participação no exercício do poder político, como eleito
ou eleitor, no conjunto das instituições de autoridade pública, constituída no
século 19;
3. Social: conjunto de direitos relativos ao bem-estar econômico e social,
desde a segurança até ao direito de partilhar do nível de vida, segundo os
padrões prevalecentes na sociedade, que são conquistas do século 20.
Em continuidade à conceituação e aos aspectos históricos, os primeiros
pensadores que buscaram uma definição sobre cidadania inspirou-se em certas
realidades do mundo greco-romano através de manuscritos do Ocidente, que assim
a definia: “a ideia de democracia, de participação popular nos destinos da
coletividade, de soberania do povo, de liberdade do indivíduo.” (PINSKY, 2003, p.
29). Porém, era uma definição idealizada e falsa, não condizia com a realidade.
O termo cidadania teve origem na Grécia clássica:
Sendo usado então para designar os direitos relativos ao cidadão, ou seja, o
indivíduo que vivia na cidade e ali participava ativamente dos negócios e
das decisões políticas. Cidadania pressupunha, portanto, todas as
implicações decorrentes de uma vida em sociedade. Ao longo da história o
conceito de cidadania foi ampliado, passando a englobar um conjunto de
valores sociais que determinam o conjunto de deveres e direitos de um
cidadão. (CIDADANIA..., 2009, p. 1).
Reportando-se aos primórdios, em torno do século IX a. C. as organizações
comunitárias, então chamadas de cidades-estado, começaram a organizarem-se,
tinham suas regras para aceitação de novos membros nas comunidades que
formavam associações de proprietários privados de terra. Tiveram sua identidade
formada ao longo do tempo, por várias etnias e raças distintas, inclusive, “A
cidadania antiga transmitia-se, idealmente, por vínculos de sangue, passados de
25
geração em geração.” (PINSKY, 2003, p.34). Mas percebe-se nessa época também
a existência do processo de exclusão, pois havia toda uma vida cotidiana para
permanecer-se nessas comunidades, as pessoas participavam do processo, e no
fechamento de uma cidade-estado, abria-se outra, e os incluídos eram considerados
não-cidadãos, conforme Pinsky ressalta: “Eles participavam da sociedade com seu
trabalho e recursos, mas não se integravam ao conjunto de cidadãos.” (PINSKY,
2003, p. 35).
Essa não inclusão de cidadãos percorreu toda a formação dessas
comunidades, as quais cresceram em poder e complexidade social, com muitos
interesses em conflito, em que mulheres eram membros menores, sem vez e voz,
havia distinção entre jovens e velhos, em que esses os dominavam, questões de
propriedade privada de terras e relações de trabalho no interior das comunidades,
em que havia diferenciação de poder, porém a luta era coletiva em prol da
comunidade, ou seja, conforme o autor “... embates, por assim dizer, comunitários,
mediados pelo pertencimento à cidade-estado.” (PINSKY, 2003, p. 38).
Trazendo uma compreensão da história da cidadania antiga, ela percorreu um
longo caminho que culminou no Império Romano. Assim Pinsky relata essa
trajetória:
De pertencimento a uma pequena comunidade agrícola, a cidadania tornouse, com o correr dos tempos, fonte de reivindicações e de conflitos, na
medida em que diferentes concepções do que fossem as obrigações e os
direitos dos cidadãos no seio da comunidade se entrechocaram. (PINSKY,
2003, p. 45).
Muitos foram os conflitos travados pelo conjunto das cidades-estado na
conquista do poder, da igualdade jurídica e econômica em prol de uma cidadania
comunitária reivindicatória, até que um poder maior, dominante, marcasse o fim
dessas conquistas, ou seja, a incorporação do império monárquico, o qual deu novo
sentido a esses conflitos. Cidadania assim é definida pelo autor: “... implica
sentimento comunitário, processos de inclusão de uma população, um conjunto de
direitos civis políticos e econômicos e significa também, inevitavelmente, a exclusão
do outro.” (PINSKY, 2003, p.46). Reforça-se, ainda, nessa época, que a essência da
26
cidadania residia no caráter público, impessoal, com situações sociais, desejos e
interesses.
A cidadania entre os romanos também teve em sua história momentos
de luta entre seus grupos, ou seja, entre os detentores de poder, a nobreza, e o
restante da população. Conceituando-se cidadania a partir da Revolução Francesa
(1789), destaca-se que, segundo Pinsky, ela é um “... conjunto de membros da
sociedade que têm direitos e decidem o destino do estado.” (PINSKY, 2003, p. 49).
Ainda, conforme esse autor, naquela época cidadania significava: “... uma
abstração derivada da junção dos cidadãos e, para os romanos, cidadania, cidade e
Estado constituem um único conceito – e só pode haver esse coletivo se houver,
antes, cidadãos.” (PINSKY, 2003, P. 49).
Muitos foram os legados de Roma para a cidadania moderna, ou seja, para o
conceito moderno de democracia, apesar das divergências de alguns estudiosos ao
fazer comparativos com a política romana, em primeiro plano considerado uma
época negativa, corrupta, aristocrata, e posteriormente comprovou-se o contrário,
servindo inclusive de modelo para outros estados, conforme Pinsky afirma:
Para muitos estudiosos o século XX, a República romana foi encarada
como uma oligarquia corrupta, uma aristocracia endinheirada, comparada
negativamente com a Atenas democrática do século V a. C. Nas últimas
décadas, entretanto, estudiosos têm mostrado que a vida política romana
era menos controlada pela aristocracia do que se imaginava e, de certa
maneira, Roma apresentava diversas características em comum com as
modernas noções de cidadania e participação popular na vida social.
(PINSKY, 2003, p. 76).
Ressalta-se assim que os romanos tinham um conceito mais fluído e aberto
de cidadania que se aproximava do conceito moderno de forma decisiva.
Já a Revolução Inglesa, Idade Moderna, traz o respeito aos direitos dos
indivíduos, em que uma nova visão de mundo se impôs de forma progressiva, em
que o homem passou não apenas a traçar o seu destino, mas também a ter total
capacidade de explicá-lo. O homem passou a desenvolver uma consciência histórica
27
das desigualdades, a qual leva a importantes transformações na trajetória da
humanidade. Pode ser destacada aqui a cidadania liberal, assim descrita por Pinsky:
A cidadania liberal foi, pois, uma cidadania excludente, diferenciadora de
“cidadãos ativos” e “cidadãos passivos”, “cidadãos com posses” e “cidadãos
sem posses”. A cidadania liberal, no entanto, foi um primeiro – e grande –
passo para romper com a figura do súdito que tinha apenas e tão somente
deveres a prestar. Porém, seus fundamentos universais (“todos são iguais
perante a lei”) traziam em si a necessidade histórica de um complemento
fundamental: a inclusão dos despossuídos e o tratamento dos “iguais com
igualdade” e dos “desiguais com desigualdade”. (PINSKY, 2003, p. 131).
Posteriormente, por uma liberdade positiva, nos próximos séculos a luta por
igualdade política e social continuou pelas forças democráticas e socialistas, não
cessando até o tempo presente.
A Independência dos Estados Unidos da América também traz em sua
história grandes contribuições nos conceitos de cidadania e liberdade, estados
esses inseparáveis; dialeticamente, uma cidadania inclusiva para alguns e
excludente para muitos. Segundo Pinsky “Cada época produziu práticas e reflexões
sobre cidadania muito distintas [...] em todos os lugares nos quais surgiram, os
conceitos citados transformaram-se muito ao longo do tempo.” (PINSKY, 2003, p.
136).
A Revolução Francesa, ocorrida no século XVIII, deu início a um importante
processo de construção do homem como sujeito de direitos civis que se estendeu
pelos séculos XIX e XX, até os dias de hoje, conforme Pinsky ilustra:
É ainda no século XVIII que o homem começa a tomar consciência de sua
situação na história. A consciência histórica que vai se formando não será
exclusiva do intelectual, mas também da classe ascendente, a burguesia,
que percebe sua importância nas transformações sociopolíticas,
econômicas e mesmo culturais que estão sucedendo. (PINSKY, 2003, p.
160).
Pode-se dizer que a valorização do trabalho foi o primeiro marco para a
existência da cidadania, e as revoluções trouxeram as leis que regulamentaram
direitos iguais a todos os homens acenando o fim das desigualdades a que os
mesmos sempre foram relegados. Colabora nesse sentido Covre:
28
Assim, diante da lei, todos os homens passaram a ser considerados iguais,
pela primeira vez na história da humanidade. Esse fato foi proclamado
principalmente pelas constituições francesa e norte-americana e
reorganizado e ratificado, após a II Guerra Mundial, pela Organização das
Nações Unidas (ONU), com a Declaração Universal dos Direitos do Homem
(1948). (COVRE, 1991, p. 17-18).
Diante do contexto histórico da cidadania, pode-se dizer que sua construção
deu-se ao longo dos anos e que não se pode deixar cair no esquecimento as
conquistas que foram obtidas e que ainda hoje fazem a diferença para a sociedade.
É uma história que ainda se escreve. Conforme afirma Pinsky: “Tem um grande
passado, mas esperamos que tenha ainda um maior e melhor futuro.” (PINSKY,
2003, p. 168).
2.2 A cidadania no Brasil
Após a ditadura militar em (1964-1985) a construção da democracia no Brasil
tomou impulso, colocando em destaque a cidadania, onde políticos, jornalistas e
vários outros segmentos da sociedade, inclusive simples cidadãos, a adotaram.
Literalmente a cidadania caiu na boca do povo, substituindo-o, virou gente e no auge
de todo este entusiasmo cívico, a Constituição de 1988 foi chamada de Constituição
cidadã.
Na época, todo esse entusiasmo garantiu a liberdade, a manifestação do
pensamento livre, da ação política, sindical e de participação também livre. Pensavase também que o direito de eleger prefeitos, governadores e presidente da
República seria a garantia dessa liberdade, da participação, da segurança, do
desenvolvimento, do emprego, da justiça social. Porém, em outras áreas a situação
não caminhou dessa forma, conforme Carvalho expõe:
Já 15 anos passados desde o fim da ditadura, problemas centrais de nossa
sociedade, como a violência urbana, o desemprego, o analfabetismo, a má
qualidade da educação, a oferta inadequada dos serviços de saúde e
saneamento, e as grandes desigualdades sociais e econômicas ou
continuam sem solução, ou se agravam, ou, quando melhora, é em ritmo
muito lento. (CARVALHO, 2003, p. 7-8).
Como consequência, o não atendimento a estes anseios do povo, faz com
que as eleições, os partidos, o Congresso e os políticos acabam se desgastando e
29
perdendo a confiança perante aos cidadãos. No entanto, a população não sendo
atendida de imediato nessas áreas, em nenhum momento teve saudosismo em
relação ao regime militar, do qual a nova geração nem ao menos se recorda,
também, nem a democracia foi posta em perigo.
No entanto as inquietações continuaram, pois não se tinha perspectivas de
melhoras nas condições sociais e a crescente dependência do país com relação à
economia internacional levava ao sofrimento humano, pelo medo de retrocesso das
conquistas feitas. Essa complexidade é apresentada por Carvalho:
O exercício de certos direitos, como a liberdade de pensamento e o voto,
não gera automaticamente o gozo de outros, como a segurança e o
emprego. O exercício do voto não garante a existência de governos atentos
aos problemas básicos da população. Dito de outra maneira: a liberdade e a
participação não levam automaticamente, ou rapidamente, à resolução de
problemas sociais. (CARVALHO, 2003, p. 8-9).
Essas e outras questões acarretam em problemas de cidadania, pois ela
deveria ser plena, com várias dimensões, no entanto umas estão presentes sem as
outras. Esse ideal, desenvolvido no Ocidente, talvez inatingível, precisa ser visto
como parâmetro para o julgamento da qualidade da cidadania em cada país e em
cada momento histórico. No Brasil as grandes conquistas referentes à cidadania não
foram suficientes para que de fato ela fosse concretizada, pois há muito a se
conquistar, conforme Carvalho expõe:
O triunfalismo exibido nas celebrações oficiais dos 500 anos da conquista
da terra pelos portugueses não consegue ocultar o drama dos milhões de
pobres, de desempregados, de analfabetos e semi-analfabetos, de vítimas
da violência particular e oficial. Não há indícios de saudosismo em relação à
ditadura militar, mas perdeu-se a crença de que a democracia política
resolveria com rapidez os problemas da pobreza e da desigualdade.
(CARVALHO, 2003, p. 219).
A cidadania traz consigo muitas conquistas, estando em construção
permanente, através da busca de direitos, liberdade e melhores garantias individuais
e coletivas. Porém, as pessoas não acreditam mais que a democracia é a solução
para os problemas da pobreza e da desigualdade; isso se deve ao fato de as coisas
terem acontecido ao inverso, conforme afirma Marshall, em que se sobressaíram os
direitos sociais, civis e depois os políticos e que Carvalho assim ressalta:
30
Aqui, primeiro vieram os direitos sociais, implantados em período de
supressão dos direitos políticos e de redução dos direitos civis por um
ditador que se tornou popular. Depois vieram os direitos políticos, de
maneira também bizarra. (...) Finalmente, ainda hoje muitos direitos civis, a
base da sequência de Marshall, continuam inacessíveis a maioria da
população. A pirâmide dos direitos foi colocada de cabeça para baixo.
(CARVALHO, 2003, p. 220).
Sobre esse aspecto o autor Cremonese ressalta em seu artigo a
compreensão de Marshall sobre os direitos civis, políticos e sociais:
Os Direitos Civis, dentro da tradição descrita por Marshall, estão ligados aos
direitos fundamentais do homem, como o direito à vida, à liberdade, à
propriedade, e à igualdade perante a lei. Já os Direitos Políticos se referem
à participação do cidadão no governo da sociedade. Seu exercício é
limitado a uma reduzida parcela da população e consiste na capacidade de
fazer demonstrações políticas, formar e participar de agremiações políticas,
organizar partidos, votar e ser votado. Em geral, quando se fala de direitos
políticos, é do direito do voto que se está falando. Por fim, aparecem os
Direitos Sociais, que garantem a participação no governo da sociedade, e
na riqueza coletiva. Eles incluem o direito à educação, ao trabalho, ao
salário justo, à saúde e à aposentadoria (CARVALHO, 2002, p.10). É a
soma desses direitos (civis, políticos e sociais) que garantem a
emancipação humana e a justiça social. (CREMONESE, [s.d.], p. 7-8).
Como destacado a cidadania esteve e ainda está ligada à conquista de
direitos tanto civis, quanto políticos e sociais. A própria história comprova esse
aspecto, desde as civilizações clássicas, durante a modernidade, com as conquistas
dos direitos naturais da sociedade liberal burguesa, até a difícil construção da
cidadania no Brasil.
Conceituar cidadania no Brasil é bastante frágil, sua consolidação foi e
continua sendo um desafio, pois ela possui características peculiares, com uma
construção social e histórica permanente, o que descarta a criação de um conceito
definitivo sobre esse objeto. Fazendo uma breve retrospectiva, a cidadania antiga
teve seu aspecto limitador, elitista e excludente, pouco semelhante com o
entendimento dos nossos dias.
31
3 MOVIMENTOS SOCIAIS E CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA
Neste capítulo primeiramente será abordado o entendimento sobre cidadania
na visão do escritor Darcísio Corrêa, em que serão apresentados os principais
paradigmas da fundamentação do direito, compreendendo-se seu momento
histórico, postura crítica e posicionamentos a serem adotados, sendo feita uma
análise dialética sobre justiça, direitos humanos e cidadania. No decorrer das
reflexões serão destacadas questões relacionadas à tarefa da construção da
cidadania dentro de um contexto global voltado para a solidariedade e a
reciprocidade, e não excluindo nem descartando o ser humano da sociedade em
que está inserido. Num segundo momento a abordagem recai sobre a contribuição
dos movimentos sociais na construção da cidadania procurando-se mostrar os
passos dessas lutas para lograr conquistas em prol da constante construção da
cidadania.
3.1 O que deve ser entendido por construção da cidadania na visão de Darcísio
Corrêa
Segundo o autor em estudo, para se entender melhor o processo de
construção da cidadania faz-se necessário uma contextualização tendo-se em vista
de que historicamente a sociedade traz modelos excludentes de organização do
modo de produção social da vida material. Corrêa explicita algumas categorias
teóricas que objetivam a compreensão da sociedade de forma científica.
Primeiramente, Kelsen (1984) para sustentar uma teoria pura do direito, divide
as ciências da natureza das ciências sociais, subdividindo estas últimas em sociais
causais (mundo do ser) e sociais normativas (mundo do dever ser), pondo o objeto
da ciência jurídica inacessível, ou seja, com normas prontas, desprezando o contato
com o mundo do ser, a cidadania, convicções, sendo proibido emitir juízos de valor.
Porém, segundo Corrêa, o segmento que deve ser dado seria o oposto a Kelsen, e
assim descreve:
É preciso estudar o direito como parte efetiva da realidade social, o que não
significa abandonar a análise de sua especificidade. Fazer ciência
compreensiva do direito significa abordar interdisciplinarmente à
32
juridicidade, desvendando seus condicionamentos, seus fundamentos éticopolíticos, sua não-neutralidade no processo de construção da globalidade
das relações sociais. (CORRÊA, 2002, p. 22).
Desta forma, o autor segue o estudo sobre a construção da cidadania a partir
de abordagens teóricas sobre definições de ideologia e utopia, sendo essas
categorias críticas e necessárias de análise social.
As definições de ideologia e utopia mostradas por discursos jurídicos
historicamente elaborados mostram posicionamentos diferenciados de teóricos, que
trazem desde o fato de as ideias serem o motor da vida real, o de sentido crítico,
pejorativo e negativo, de vinculação aos interesses de classe, uma ideologia total
que previa um conjunto estrutural e orgânico de ideias e pontos de vista vinculados
às posições sociais de grupos e classes, até ser subdividida em ideologia e utopia.
Sobre o que Löwy descreve:
As visões sociais de mundo poderiam ser de dois tipos: visões ideológicas,
quando servissem para legitimar, justificar, defender ou manter a ordem
social do mundo; visões sociais utópicas, quando tivessem uma função
crítica, negativa, subversiva, quando apontassem para uma realidade ainda
não existente. (LÖWY, 1985, p. 14 apud CORRÊA, 2002, p. 23).
Numa sequência da filosofia crítica do direito, ideologia e utopia são vistos
como categorias de análise critica da realidade social e jurídica. A ideologia como
categoria crítica, enquanto legitimação da formação dos grupos sociais específicos é
usada por indivíduos ou esses próprios grupos para imporem suas ideias. Assim,
ideologia é inerente à sociedade, porém o ponto negativo nisso tudo é o fato de os
indivíduos serem manipulados por aqueles que detêm os meios para isso em virtude
de uma organização social e política, as quais interferem no comportamento
humano; assim, surge uma primeira característica da ideologia.
As relações humanas são conflitivas, pois grupos sociais estabelecem
interesses em seu próprio benefício, impondo-os sobre os menos favorecidos.
Dessa forma a ideologia tem importante função segundo Corrêa:
Para que as decisões políticas, que atendem apenas interesses de parte do
grupo social, sejam aceitas por todos ou, ao menos, pela maioria num
processo democrático, os grupos dirigentes precisam justificar suas ações
através de um discurso legitimador do poder decisório que exercem. Para
tal, passam a imagem, com certeza não de todo verdadeira, de que as
políticas adotadas, que discriminam parcelas consideráveis da população,
33
usualmente as maiorias economicamente desfavorecidas, visam em última
instância ao interesse geral. (CORRÊA, 2002, p. 26).
Partindo disso fica evidente que a ideologia, enquanto forma de exploração e
manipulação das classes menos favorecidas, em nome de uma ordem social,
defende interesses particulares dos grupos e das classes dominantes; ainda
conforme teóricos, prega um discurso de unidade em uma sociedade dividida. Em
síntese, Corrêa assim define ideologia:
Ideologia é o conjunto orgânico de ideias, representações, teorias, crenças
e valores, orientados para a legitimação ou reprodução da ordem
estabelecida, expressando os interesses vinculados aos grupos ou classes
dominantes, através de um discurso dissimulador das contradições e
antagonismos sociais, em nome de uma pretensa unidade social.
(CORRÊA, 2002, p. 29).
Por mais que a ideologia seja vista como um instrumento de dominação, os
segmentos sociais excluídos conseguem seus espaços formais de atuação através
de suas lutas, resistências e pressões e essas se dão também a nível teórico de
discurso, uma contra-ideologia, expressa pelo termo utopia.
Teóricos citados por Darcísio trazem historicamente definições de utopia
como sendo portadora de um projeto abstrato e imaginário de um Estado, de uma
sociedade mais justa e igualitária e também como forças subversivas e
transformadoras da ordem histórico-social existente; já em oposição a isso, vem o
conceito de utopia concreta, ou seja, como sonhos e projeções imaginárias que
possam ser vistas como perigosa sublimação da aspiração de mudança social.
Utopia vista desta forma, seria uma aspiração a uma ordem social que
inexiste e que está em contradição com a ordem estabelecida, mas poderá existir se
houver luta pela sua concretização. Corrêa assim reafirma esse conceito: "Enquanto
consciência antecipadora do amanhã vê o pensamento utópico como „o grande
motor das Revoluções‟." (CORRÊA, 2002, p. 31-32).
Assim, utopia pode ser vista como uma contraposição à ideologia, mas para
que tenha progresso "é preciso transformar as aspirações em militância, a
esperança em decisão política. "Sobre esses aspectos, Corrêa reforça que "A
34
dialética ideologia/utopia é um dos ingredientes do processo de construção da
cidadania que não pode ser relegado, sob pena de não se compreender de todo a
realidade atual."
A construção da cidadania como um processo de inclusão social aconteceu
dentro de parâmetros de produção da vida social, porém a justiça e o direito nas
Idades Antigas e Médias mostram que as construções jurídicas historicamente
surgidas têm tudo a ver com a concreta organização de modo de produção de vida
material, e que essas construções levavam em conta necessidades políticas e
sociais do modo de produção dominante.
Uma concepção básica de direito dessa época antiga e medieval fala de um
direito natural ou jusnaturalismo, o que, segundo o autor:
Por jusnaturalismo se entende uma doutrina segundo a qual existe e pode
ser conhecido um "direito natural" (ius naturale), ou seja, um sistema de
normas de conduta intersubjetiva diversa do sistema de normas fixadas pelo
Estado (direito positivo). Segundo tal corrente de pensamento, existe um
direito superior e anterior às normas positivas da sociedade, servindo de
fundamento e inspiração para as normas concretas de regulamentação da
convivência humana e seus sistemas de direito. (CORRÊA, 2002, p. 34).
Reportando-se ao direito natural da mitologia grega, vê-se que a justiça
estava ligada à vontade divina e que o justo se identificava e obedecia a vontade
dos deuses. Nesse sentido havia uma identificação entre direito e justiça. Assim, “...
podemos afirmar que a lógica presente na mitologia grega exclui a cidadania como
um processo humano em construção dos seus espaços de sobrevivência".
(CORRÊA, 2002, p. 36).
O direito e a justiça na época dos filósofos gregos tiveram conotações
diversas. Primeiramente os sofistas defenderam que o direito não era uma obra da
divindade e sim fruto do trabalho dos homens, respaldando-se no poder e nas
convenções aceitas. A concepção platônica de justiça marca um pensamento
conservador e aristocrático, com uma convivência entre os desiguais dentro de uma
hierarquia, com poder de mando aos superiores.
35
Já em Aristóteles a justiça é vista como distributiva, dando a cada o que lhe é
devido em virtude de seu próprio mérito e é considerada justa toda forma de
organização social, porém é do pensamento desse filósofo o fato de que uns
nasceram para mandar e outros para obedecer. Ressalta-se que esse pensamento
ainda hoje é visto como um paradigma, conforme afirma Corrêa:
Nota-se que no pensamento clássico da Grécia antiga o conceito de
cidadania possui parâmetros muito específicos, de difícil aceitação numa
concepção moderna de cidadania. Embora se tenha avançado a concepção
mitológica, transferindo-se da vontade dos deuses para a polis a tarefa da
distribuição da justiça, permanece o fundamento essencial do direito-justiça:
a natureza. Nesse sentido, quem determina os patamares do acesso à
cidadania é a própria ordem universal, seja ela física ou social. (CORRÊA,
2002, p. 4).
O direito e justiça na Idade Média continuou sendo um dado posto pela
natureza, porém de cunho teológico segundo autores. Para Tomás de Aquino havia
três tipos de leis, as quais se baseavam na divindade, não alcançável pela razão e
esforço humano, a lei natural, em que o justo era considerado bom pelo fato da
natureza física e social serem criadas por Deus e por fim, a lei humana, produto do
homem em sociedade, inspirada na lei natural e que, para ser justa, não deveria
contrariar a natureza. Nesse sentido o autor afirma:
o acesso à cidadania dependia muito mais da misericórdia divina, melhor,
da misericórdia dos intérpretes da suposta vontade de Deus, do que uma
construção comunitária com base em um status universal da própria
condição do ser humano. (CORRÊA, 2002, p. 44).
O Humanismo Renascentista como berço da cidadania moderna traz uma
ruptura dos paradigmas anteriores, mantém a natureza como fundamento do direito
do homem, mas deixa de lado referenciais da divindade; o significado da palavra
direito e seu fundamento mudaram, conforme descreve o autor:
mudou o significado da palavra direito: não mais justiça mas regra (lei).
Mudou também seu fundamento: não mais a natureza enquanto ordem
universal (incluídas nela as instituições sociais e políticas), mas a natureza
humana, abrindo a perspectiva do enfoque individualista da modernidade.
(CORRÊA, 2002, p. 47).
Percebe-se que o homem pela primeira vez consegue se organizar em
sociedade, e ter suas vontades legitimadas por um acordo, um pacto social, mas
36
esse ordenamento continua sendo chamado de direito natural. Apesar dos demais
posicionamentos dos pensadores, pela primeira vez firmou-se uma concepção de
cidadania, vendo os homens como juridicamente iguais.
Posteriormente o autor faz referência à dimensão simbólica do discurso do
direito natural moderno em que trata da função utópica do processo revolucionário
da época, pois apesar da decadência do feudalismo medieval, que era a classe
dominante em que a cidadania não tinha padrão comum nem direitos
compartilhados por todos, a tomada do poder pela burguesia trouxe uma promessa
moderna na busca de uma sociedade livre e igualitária, só que a situação de
exclusão ainda permanecia. Sobre esse aspecto Corrêa aborda:
se por um lado a teoria do direito natural foi um agente de libertação no que
diz respeito à opressão e à desigualdade institucionalizada do Antigo
Regime, fazendo a revolução contra o estado feudal em nome de uma
utopia emancipatória, por outro, após a consolidação do Estado liberalburguês, serviu como representação simbólica de caráter ideológico,
ocultando e mascarando a realidade de um sistema excludente, que não
permite a universalização dos valores fundamentais da modernidade.
(CORRÊA, 2002, p. 82).
Assim, o direito natural cumpre com sua função prático-social em favor das
transformações sociais (função utópica) ou sendo como mecanismo legitimador de
grupos detentores do poder (função ideológico-conservadora).
O autor Darcísio Corrêa faz uma abordagem histórica que traz a noção
moderna da construção da cidadania vinculando-a ao direito, ou seja, com um
discurso jusnaturalista de contexto libertário e revolucionário da época.
O projeto social burguês tinha como status a cidadania civil, as discussões
basearam-se no lado urbano da cidadania, onde o autor Marx também pensou a
sociedade civil basicamente como sociedade urbana, pelo fato de ter se destacado a
distinção entre o público e o privado, sendo fatores esses indispensáveis para se
pensar em cidadania.
O autor, assim, ressalta outra noção da origem da cidadania:
37
está estreitamente vinculada à noção dos direitos humanos, por se falar em
direitos de cidadania. O projeto de cidadania burguesa do século XIII surge
sob a forma de direitos civis. E o direito mais fortemente presente é o de
liberdade. (CORRÊA, 2002, p. 211).
Sob esse aspecto o indivíduo conquistou um status, pois tinha a liberdade de
escolha no direito civil do trabalho, sendo essa uma característica do emergente
capitalismo moderno. Dentro deste contexto o autor afirma:
Surge assim o primeiro sentido histórico atribuído ao conceito de cidadania
no contexto da modernidade: a cidadania enquanto igualdade humana
básica da participação na sociedade, concretizada através da aquisição de
direitos. (CORRÊA, 2002, p. 212).
Nessa sociedade todos aqueles que são membros integrais de uma
comunidade, possuem status iguais, com direito aos direitos e obrigações. No
entanto o capitalismo se caracteriza como um sistema de desigualdades. Ao referirse a esse sistema, há uma constatação que se precisa ter pessoas ganhando pouco
para que a concorrência entre si torna-se necessária, além de tudo quem detém o
poder possa fazer escolha de quem e de quantos precisará para os atendê-los.
Diante dessa situação Corrêa enfatiza:
No capitalismo aceita-se a pobreza como necessária, mas se deplora a
indigência, não se duvidando da justiça do sistema de desigualdade como
um todo, uma vez que se poderia deixar de ser pobre: riqueza como mérito
e pobreza como fracasso. Procura-se diminuir a influência das classes, mas
sem atacar o sistema de classes, no intuito de torná-lo menos vulnerável.
(CORRÊA, 2002, p. 212).
No contrato moderno os homens eram vistos como livres e iguais num modelo
uniforme de cidadania sob o qual se construiu a desigualdade do sistema. Os
direitos civis nessa condição histórica do capitalismo e sua economia de mercado
continuaram sendo necessários para o desenvolvimento e competição, mas os
direitos civis de lutar pelo objeto desejado não garantiam sua posse. Nesse ponto
reside a insuficiência da cidadania.
Segundo o autor Marshall o desenvolvimento da cidadania vem ligado a três
fases dos direitos humanos: civil, político e social. Desta forma, os direitos civis e
político tiveram seu reconhecimento no decorrer da história, mas "foi apenas no
século XX que os direitos sociais foram compreendidos e assumidos como parte do
38
status da cidadania.” (CORRÊA, 2002, p. 214), porém uma compreensão que traz a
desigualdade, pois tinha o privilégio desse status de cidadania a classe
economicamente forte.
O autor traz a questão da cidadania na era varguista, em que uma fração dos
excluídos teve seus direitos sociais reconhecidos enquanto cidadania, mas sem
seus direitos políticos; foi uma cidadania regulada e controlada pelo poder. Nesse
sentido assim se apresenta:
Em síntese, a cidadania no século XX, ligada aos direitos sociais, conflui
para a seguinte questão central: como incorporar à cidadania as pessoas
economicamente dependentes, ou: como incorporar a classe operária a
uma democracia de origem burguesa? Trata-se da relação conflitiva entre
liberdade política e igualdade social, ou a relação entre cidadania enquanto
princípio básico de igualdade e a desigualdade material própria do sistema
capitalista. (CORRÊA, 2002, p. 216).
Conceituando, assim, cidadania, os autores trazem uma indefinição referente
ao termo cidadania, uma vez que o conceito vem mais ligado ao direito ou aos
direitos, havendo confusão entre o referente direitos humanos, e ainda coloca que
isso se deve a grande história de lutas por direitos civis na conquista de espaços em
momentos libertário e revolucionário.
A colaboração através dos movimentos sociais para a construção de uma
sociedade mais cidadã fica evidenciado nos ensinamentos do autor Darcísio Corrêa
que nos destaca:
A cidadania enquanto vivência dos direitos humanos é uma conquista da
burguesia: direitos de cidadania são os direitos humanos, que passam a
constituir-se em conquista da própria humanidade. A cidadania, pois,
significa a realização democrática de uma sociedade, compartilhada por
todos os indivíduos ao ponto de garantir a todos o acesso ao espaço público
e condições de sobrevivência digna, tendo como valor fonte a plenitude da
vida. Isso exige organização e articulação política da população voltada
para a superação da exclusão existente. (CORRÊA, 2002, p. 217).
A dimensão jurídica da cidadania segundo o autor trata do "... vínculo jurídico
da pessoa com o Estado e sua titularidade de direitos políticos: a cidadania reduzida
à nacionalidade..." (CORRÊA, 2002, p. 217). Também chama atenção ao que se
refere à cidadania civil/passiva, ou seja, o pertencimento à nação via laços jurídicos,
39
independentemente de possuir ou não bens e rendas, e a cidadania ativa/política
pertence aos detentores de bens e rendas. Há, então, a divisão dos direitos do
homem e do cidadão respectivamente.
Houve nesse momento um grande avanço histórico em que todos são
considerados iguais perante a lei, estendendo-lhes os vínculos jurídicos da
cidadania, apesar do efetivo exercício da representação da nação e tomadas de
decisão serem direcionadas aos cidadãos políticos representantes do poder
econômico.
Já a dimensão política da cidadania ressalta que a nacionalidade não pode
ser elemento essencial da cidadania, mas sim a condição humana básica está em o
direito a ter direitos, pertencer a algum tipo de comunidade organizada
juridicamente, um espaço público legalizado. A esse respeito o autor coloca: "A
própria vivência dos direitos humanos exige um espaço público, cujo acesso pleno
se dá por meio da cidadania, sendo esta o primeiro direito humano do qual derivam
todos os demais." (CORRÊA, 2002, p. 220-221)
Logo, na acepção geográfica de localização e delimitação, espaço público é
um conceito jurídico e político e não um território. A partir disso, o autor mostra uma
definição sobre cidadania:
Portanto a cidadania é fundamentalmente o processo de construção de um
espaço público que propicie os espaços necessários de vivência e de
realização de cada ser humano, em efetiva igualdade de condições, mas
respeitadas as diferenças próprias de cada um. Por fim, tal processo de
construção do espaço público, devido às contradições do sistema
capitalista, se dá de forma conflitiva. (CORRÊA, 2002, p. 221).
Assim, o processo político de construção de cidadania visou oportunizar o
acesso equilibrado ao espaço público para que homens integrantes de uma
comunidade política pudessem viver e sobreviver.
É sabido que se vive numa sociedade capitalista, assim o Estado tem que
oferecer uma política que ofereça teorias (Constituição) e estratégia de luta a favor
40
da construção da cidadania. Numa primeira definição de estado, segundo o autor
tem que haver o seguinte entendimento:
A compreensão plena do Estado capitalista contemporâneo exige que seja
visto também em sua dimensão simbólica, como representação idealizada
(nem sempre concretizada) do espaço público. Como parte desse Estadodiscurso devem ser entendidos os direitos humanos. Em outros termos,
significa dizer que a formulação teórica do Estado e do direito não pode
prescindir dos valores presentes nas relações sociais, uma vez que tanto
Estado como direito são construções histórico-culturais, de que fazem parte
dos direitos humanos e a cidadania. (CORRÊA, 2002, p. 222)
.
Num segundo momento de definição do Estado capitalista, porém, o autor
mostra que essa representação simbólica do espaço público traz um duplo sentido,
sendo que pode estar a serviço da dominação como da libertação, ou seja, "tanto
serve de ideologia justificadora do status quo como de utopia subversiva e
emancipatória." (CORRÊA, 2002, p. 222). Isso indica que a organização está a
serviço dos grupos dominantes, em que o discurso se mostra a favor dos oprimidos
do sistema, sendo algo utópico.
O autor reforça que os movimentos históricos em prol dos direitos humanos
embora nem sempre concretizados e universalizados contribuíram com as lutas
simbólicas na construção do espaço público-estatal como importantes no exercício
da cidadania.
Assim, num diálogo entre direitos humanos e Estado, esse como
representação idealizada do espaço público, assume forma jurídica. É legitimada,
então, a constituição que dá direitos aos trabalhadores, mas sua efetiva
concretização depende de embate de classes e forças sociais organizadas. Pode-se
notar que a forma jurídica mostra uma duplicidade de função que o discurso dos
direitos humanos pode ter numa sociedade de classes:
por um lado legitima ideologicamente o sistema capitalista através de uma
roupagem humanista constitucionalmente assumida sem, no entanto,
quebrar a lógica perversa do lucro pela mais-valia. Por outro, a forma
jurídica também consagra na Constituição o marco positivo, uma referência
de sentido para os trabalhadores lutarem dentro da legalidade pela
efetivação de tais direitos formalmente garantidos (CORRÊA, 2002, p. 224)
41
Num terceiro momento de definição operacional de Estado capitalista o autor
aborda sobre seus diversos aparelhos para que o espaço público tenha
materializado de maneira concreta sua forma jurídica, afirmando que:
o esboço simbólico do espaço público só tem sentido enquanto se
materializar em medidas concretas, em políticas públicas estabelecidas não
meramente de cima para baixo, mas resultantes da relação de forças dos
diversos poderes em conflito. (CORRÊA, 2002, p. 224)
Porém, o autor ressalta que tal organização material do Estado não tem poder
próprio, o que leva as classes e poderes sociais organizados a embates para
usufruir de direitos que lhe são conferidos por Leis. Logo, em termos de direitos
humanos, sua concretização depende de uma relação de poderes e vontade política,
bem como há uma necessidade de articulação dos excluídos para que os avanços
não sejam somente setorizados, pois assim serão facilmente desestabilizados pelo
poder dominante.
O autor cita as ideias de Arendt em que "a cidadania como pressuposto da
condição humana da atualidade, como via de acesso ao espaço público, é uma
questão eminentemente política." (CORRÊA, 2002, p. 225), ou seja, o homem
tomado como sujeito político deve preocupar-se em propor projetos e soluções para
superação de questões estruturais do sistema gerador de contradições, deve valerse da forma dever-ser jurídico, um sujeito com direitos e obrigações, um cidadão
com direito a ter direitos, logo, um sujeito político.
Avançando nessa reconceituação do Estado e do direito com relação à
dimensão política da nacionalidade e da cidadania, o autor explicita ideias de
teóricos, chegando-se a um novo sentido de cidadania:
O que deve ser ressaltado aqui é o fato de que, na sociedade capitalista, o
exercício da cidadania se dá de forma conflitiva na relação capital/trabalho,
caracterizando-se avanços e recuos em termos de direitos sociais de
acordo com a relação de forças das classes e poderes sociais dentro dos
aparelhos do Estado. (CORRÊA, 2002, p. 229).
O Estado passa a ser a representação idealizada do espaço público; nessa
dimensão analítica do Estado contemporâneo, num sistema capitalista, direitos
sociais, civis e políticos têm vinculação jurídica para redimir conflitos dentre as
42
classes. Logo a sociedade enquanto construtora conflitiva do espaço público-estatal
busca nos direitos humanos uma valorização que norteia o embate político.
Partindo desse pressuposto, o autor faz uma análise das relações sociais:
Não se pode mais reduzir o Estado a comitê dos interesses de um só grupo
ou classe social, ou seja, a uma função meramente repressiva. Também
não se pode reduzi-lo a uma função de patrão benevolente a distribuir
"direitos" e favores aos setores oprimidos do sistema. Entendemos que o
Estado e o direito são hoje componentes indispensáveis no processo de
materialização do espaço público. (CORRÊA, 2002, p. 230).
No entanto, nesse sistema capitalista, a construção plena do espaço público
não acontece em virtude do binômio capital/trabalho e a consequente perspectiva de
classes. Há uma dissociação entre a dimensão simbólica e concreta dos direitos
humanos. Para que haja dignidade humana, os direitos humanos têm que ser
valorizados e para que aconteça essa concretização é necessária uma relação de
forças dos poderes sociais em jogo na construção do espaço público.
Segundo o autor, em países capitalistas periféricos como o Brasil, há uma
imensa dificuldade de se fazerem cumprir os direitos. Para melhor entendimento
nesse sentido o autor assim colabora:
Os grupos econômicos dominantes em praticamente toda a história
brasileira marcaram a ocupação do espaço público-estatal com uma política
autoritária, paternalista e excludente. Daí falar-se em cidadania regulada,
em luta por uma cidadania plena dos trabalhadores e segmentos
discriminados. (CORRÊA, 2002, p. 230)
A partir disso o autor apresenta uma conclusão referente à questão da
construção do espaço público-estatal a favor do cidadão brasileiro, expondo que
esse só terá êxito quando tomar consciência de sua força, através dos movimentos
populares emancipatórios, e lutar contra aqueles que ditam as regras e detém o
poder/capital. O autor reforça ainda que falar em direitos humanos e cidadania tem
sentido desde que signifiquem mudanças na luta política pela ocupação desse
espaço, contribuindo, assim, de forma significativa com mais uma conclusão: "O que
estamos sugerindo como conclusão é que a universalização tanto dos direitos
humanos como da cidadania depende da superação das contradições fundamentais
do sistema." (CORRÊA, 2002, p. 231).
43
Desta forma, é perceptível concluirmos que o autor coloca que os direitos
humanos são vistos como um potencial simbólico em termos de ocupação do
espaço público pelo exercício da cidadania, cujas conquistas do indivíduo
continuarão sendo feitas dependendo das mobilizações das forças sociais em
embate. Ou seja, segundo o autor significa:
enquanto houver sociedade de classes haverá violação de direitos, ou seja,
as desigualdades materiais do sistema condicionarão uma ocupação
desigual do espaço público-estatal, seja qual for sua representação
simbólica. (CORRÊA, 2002, p. 232)
Já na dimensão utópica a luta política pela conquista do espaço públicoestatal coloca os direitos humanos como um horizonte que poderá transformar o
sistema. Esses direitos aqui referidos, na ótica dos excluídos, se concretizarão no
momento em que se unirem contra os mantenedores da forma capitalista e só
obterão êxito ao se articularem politicamente de forma a abraçar mais
pessoas/classes, caso contrário os avanços serão somente setorizados e, assim,
facilmente derrubados pelos grupos hegemônico-dominantes.
Para concluir, o autor reforça que os excluídos, os oprimidos e discriminados
em geral são os sujeitos políticos que, de forma organizada, articulada e consciente
são os responsáveis pela reconstrução do espaço público-estatal com um novo
horizonte de sentido no campo do simbólico, acompanhado de um novo projeto
político que supere o dialético das contradições vigentes. "Eis o grande desafio para
os que ainda acreditam ser possível a construção de uma cidadania capaz de
oportunizar a todos o acesso ao espaço público." (CORRÊA, 2002, p. 232).
3.2 A contribuição dos movimentos sociais na construção da cidadania
Ao longo da história das sociedades, em especial aqui, da sociedade
brasileira, as lutas sociais desenvolvidas pelas classes populares foram e têm sido
fatores importantes que contribuem para a construção da cidadania. Para dar
continuidade aos estudos, serão apontados inicialmente dois conceitos de
movimentos sociais, em que se apresenta a ideia da autora:
44
Nós os vemos como ações sociais coletivas de caráter sociopolítico e
cultural que viabilizam distintas formas da população se organizar e
expressar suas demandas. Na ação concreta, essas formas adotam
diferentes estratégias que variam da simples denúncia, passando pela
pressão direta (mobilizações, marchas, concentrações, passeatas,
distúrbios à ordem constituída, atos de desobediência civil, negociações
etc.), até as pressões indiretas. (GOHN, 2004, p. 13).
Essas lutas são mecanismos utilizados pelos cidadãos para reivindicar e ver
reconhecido seus direitos, cuja ideia é reforçada por Avritzer:
os movimentos sociais constituem aquela parte da realidade social na qual
as relações sociais ainda não estão cristalizadas em estruturas sociais,
onde a ação é a portadora imediata da tessitura relacional da sociedade e
de seu sentido". (AVRITZER, 1994, p. 189-190 apud AZEVEDO)
Partindo desses princípios e referenciando o acompanhamento histórico
dessas lutas, a seguir exemplificado, pode-se dizer que muitas conquistas sociais
dependeram de organizações e mobilizações da sociedade civil, assim, vê-se que os
movimentos sociais vêm acompanhando os passos democráticos de diversas
nações visando à cidadania.
Há registros de movimentos sociais no Brasil desde o primeiro século da
colonização até nossos dias. Esses movimentos demonstram que os que viviam e
os que vivem no Brasil nunca foram passivos e sempre procuraram, de uma ou de
outra forma, lutar em defesa de suas ideias e interesses. A história do Brasil agrega
esses movimentos, conforme DIAS mostra em seu texto:
A história do Brasil é plena de movimentos de resistência da população aos
padrões de dominação do colonizador europeu, desde as populações
nativas aos escravos negros africanos e brasileiros, aos mestiços e mulatos,
mão-de-obra explorada pelos donos dos meios de produção. E no final do
século XVIII, com o agravamento da crise do sistema colonial brasileiro,
sucessivas rebeliões, insurreições, revoltas, conspirações, motins,
distúrbios, quilombos - com a participação da população livre, pobre e
mestiça e dos escravos - ocorrem no Brasil, como as insurreições mineira,
baiana e carioca, a revolução nordestina de 1817, a Confederação do
Equador em 1824, as revoltas provinciais como a Sabinada na Bahia,
Balaiada no Piauí e Maranhão, a Cabanagem no Pará, a Cabanada e a
Praieira em Pernambuco e a Farroupilha no Rio Grande do Sul, para citar
apenas as maiores manifestações, sem falar das pequenas sedições do
cotidiano e os quilombos da população negra. (DIAS, 2003)
Resgatando esse quadro de movimentos, durante o período colonial (15001822) os movimentos sociais mais significativos foram os dos povos indígenas, que
45
lutaram para não serem escravizados e para manterem suas terras e seu modo de
vida, pois, segundo Pinsky:
Desde o seu descobrimento, os que hoje se intitulam brasileiros,
começaram a construção dessa nação, ignorando a "nacionalidade dos que
aqui já viviam, o seu direito sobre essas terras e, principalmente sobre suas
vidas, a cultura, a organização social e política e seus entendimentos
mesmo que ocultos, sobre cidadania. Era um misto de culturas com línguas
próprias e mais de seiscentos povos, totalizando cerca de cinco milhões de
índios só no Brasil. (PINSKY, 2003, p. 420).
Muitos índios foram mortos, "Os índios brasileiros foram rapidamente
dizimados. Calcula-se que havia na época da descoberta cerca de 4 milhões de
índios. Em 1823 restava menos de 1 milhão." (CARVALHO, 2003, p. 20), e os
poucos sobreviventes foram politicamente submissos, socialmente inferiorizados e
tiveram sua cultura transfigurada. Além dessa triste realidade de usurpação da
cidadania dos índios pela dominação de seu território, também, os escravos
africanos que foram trazidos pelos portugueses, não tiveram o reconhecimento de
sua cultura e crenças, foram escravizados, construíram com sua mão-de-obra essa
nação, rendendo riquezas incalculáveis a seus senhores, sem terem nenhum
benefício e ainda viviam em condições de vida subumanas nas senzalas; assim
rebelaram-se, cuja principal forma de resistência era as revoltas localizadas e a
formação de quilombos: "O fator mais negativo para a cidadania foi a escravidão."
(CARVALHO, 2003, p. 19). Também nesse quadro de movimentos sociais
significativos da época, está o de independência em relação a Portugal: a
Inconfidência Mineira (1789-1792) e a Conjuração Baiana (1796-1799).
Na fase do Brasil colônia foi grande o período em que esse modelo
prevaleceu em que, só após trezentos anos de escravidão, os negros africanos
obtiveram sua primeira vitória com a Lei do Ventre Livre, em 28 de setembro de
1871. Após, tendo em vista pressões externas, principalmente da Inglaterra, que
tinha por objetivo a viabilidade de um maior número de consumidores para seus
produtos, foi conquistada a abolição, considerada utópica, conforme Gohn aborda:
Os abolicionistas propunham aos escravos que se transformassem em
cidadãos, sujeitos de direito; isto implicava a constituição de trabalhadores
livres e assalariados. Mas vários estudos sobre o período demonstram que
aquelas propostas eram utópicas e que, de fato, após a abolição, vários
46
escravos tornaram-se trabalhadores servis e, na cidade, permanecerem
desempregados. (GOHN, 1995, p. 198).
Alforriados, à margem da sociedade e sem condições de subsistência,
aglomeraram-se, formaram quilombos e chegaram até formar vilarejos, como foi o
caso do Quilombo dos Palmares, que antes servia de refúgio à escravidão.
Chegaram a refugiar-se nas cidades, em imensos cinturões, o que os levou à luta
por melhores condições. Foi desse ponto que começaram as lutas do povo brasileiro
pela construção e obtenção de direitos e igualdades sociais, totalizando inúmeros
movimentos, rebeliões de norte ao sul do Brasil, em busca de uma sociedade mais
cidadã. Primeiramente, lutou-se pela independência:
A luta pela cidadania no período colonial teve sua expressão maior na luta
pela independência política da nação. Tratava-se da construção da
cidadania coletiva de um povo que, ao reivindicar e lutar pela sua libertação
política construiu as bases para o surgimento de uma identidade nacional,
ou seja: um território, uma língua, uma religião, sob a égide da soberania
local. (GOHN, 1995, 197).
Dentre inúmeras ações nessa fase do Brasil Colônia, as lutas visaram à
busca de uma cidadania em que as temáticas eram o "ser nacional" e o
"positivismo", momentos em que os cidadãos procuraram, dentre outras ações,
demarcar espaços e ter condições mínimas de trabalho nas terras da Metrópole,
bem como protegerem-se da exploração de Portugal. Nessa fase a cidadania obtida
legou ao território brasileiro o reconhecimento internacional, abrindo caminhos para
mais reivindicações.
No Período Imperial (1822-1889), ocorreram movimentos pelo fim da
escravidão e contra a monarquia, objetivando a instauração de uma república no
Brasil ou a proclamação de repúblicas isoladas. Ocorreram ainda movimentos em
que se lutou por questões específicas, contra as decisões vindas dos governantes,
percebidas como autoritárias. A partir de 1850, dois grandes movimentos sociais
alcançaram
âmbito
nacional:
o
movimento
abolicionista
e
o
republicano.
Desenvolvidos paralelamente, e com composições diferentes, esses movimentos
foram fundamentais para a queda do império e a instauração da república no Brasil
momento em que as lutas predominaram na área da democracia, basicamente na
área política:
47
A cidadania construída com o advento da República trouxe fatos novos.
Apesar de se ter instaurado uma nova ordem, as raízes oligárquicas e
elitistas predominantes, que vieram a dar origem às políticas dos
governantes, restringiram o perfil dos sujeitos a ter o direito à cidadania
política. Assim, em 1891, o campo da cidadania ativa foi limitado pela
decisão da Comissão Institucional, de excluir as mulheres, os mendigos, os
soldados e os religiosos, além de vedar o voto também aos analfabetos,
que constituíram a maioria da população brasileira. (GOHN, 1995, p. 199).
Assim, o povo, praticamente sem direitos à participação e decisões, ficou nas
mãos de uma elite, apesar de muito pequena, detinha o poder aquisitivo, elegia e
governava. O movimento republicano foi dominado pelos segmentos mais ricos da
sociedade. A organização buscava uma nova forma de acomodar os grupos que
desejavam o poder sem a presença do imperador e da monarquia. Participaram
desses movimentos liberais que defendiam uma república democrática, mas eles
foram afastados e os conservadores se apossaram do poder.
De Canudos à Coluna Prestes, os movimentos que ocorreram entre o fim do
século XIX e o início do século XX revelavam um caráter político e social marcante.
Dois deles podem ser lembrados pela denúncia da miséria, da opressão e das
injustiças da República dos Coronéis: a Guerra de Canudos e a Guerra do
Contestado.
A Guerra de Canudos (1893-1897), na Bahia, liderados por Antônio
Conselheiro, sertanejos baianos estabeleceram-se em Canudos. Ali, cerca de 30 mil
habitantes viviam em sistema comunitário, no qual não havia propriedade privada e
todos os frutos do trabalho eram repartidos. Guerra do Contestado (1912-1916),
Paraná e Santa Catarina, seus integrantes eram sertanejos revoltados com as
condições de opressão impostas pelos coronéis locais, posseiros expulsos de suas
terras pela empresa britânica Brazil Railway Company e ex-empregados que haviam
sido demitidos sumariamente dessa companhia. Após anos de resistência e muitas
batalhas, os participantes desses movimentos foram massacrados pelo Exército
nacional.
Outros movimentos sociais, de caráter urbano, marcaram as primeiras
décadas do século XX. As greves operárias, mesmo proibidas por lei, tomaram
48
conta das fábricas no Sudeste do país e denunciavam as péssimas condições de
vida dos trabalhadores. No Rio de Janeiro e em São Paulo, eram comandadas
principalmente por imigrantes italianos com forte influência anarquista. Também
nesse século a luta por novos direitos políticos começou a se delinear, uma vez que
as lutas tinham por objetivos eleições mais limpas e extensão dos direitos políticos à
grande massa popular que até então não participava do processo político. O
processo de construção da cidadania através dos movimentos sociais sempre teve
momentos bons e ruins:
O processo de construção da cidadania nunca foi linear. Ao contrário,
sempre foi cheio de avanços e recuos, de fluxos e refluxos. Houve períodos
em que ocorreram perdas, retrocessos e até mesmo a supressão de direitos
básicos, como nos golpes de Estado, nos estados de sítio e nos períodos
de ditadura militar. Estes casos ocorreram no século XX, entre 1930 e 1945,
com o ex-presidente civil Getúlio Vargas; e entre 1964 e 1984, com o
regime militar. (GOHN 1995, p. 201).
Desta forma ressalta-se que a República varguista, no período de 1930 a
1945 foi marcada por um forte controle do Estado sobre a sociedade. Mesmo assim,
dois movimentos buscaram alcançar o poder, o Movimento da Ação Integralista
Nacional, de tendência fascista, foi liderado por Plínio Salgado, que tentou um golpe,
fracassado, em 1938 e a Aliança Nacional Libertadora (ANL), movimento liderado
por Luís Carlos Prestes, tinha tendência socialista. Em 1935, a ANL foi proibida por
Vargas e tentou dar um golpe militar, mas fracassou.
No período de 1946 a 1964 eclodiram vários movimentos populares e sociais
no Brasil, em que se destaca: “O petróleo é nosso” (1948-1953), campanha de
cunho nacionalista que culminou na criação da estatal Petrobras; movimentos
grevistas, em 1962, quando ocorreu a primeira greve nacional contra o custo de
vida, pela realização do plebiscito para o retorno ao presidencialismo e por reformas
de base; movimentos agrários denunciavam as condições precárias da população
rural, bem como a estrutura da propriedade rural no Brasil. Apesar da violenta
repressão pelos militares, surgiram os movimentos armados de contestação ao
regime. Nas cidades, os sequestros e os roubos a bancos foram as ações mais
utilizadas. No campo, foram montados movimentos de guerrilheiros – o mais
conhecido é a Guerrilha do Araguaia.
49
Após o governo de Ernesto Geisel, foram organizados grandes movimentos
políticos pela democratização da sociedade: movimento pela Anistia (1978-1979);
movimento pelas eleições diretas – Diretas Já (1983-1984); movimento pela
Constituinte (1985-1986). Reforça-se que a partir do final da década de 70
movimentos sindicais e estudantis também ganharam força.
Nesse período, outros movimentos também foram importantes: Movimentos
grevistas no ABC paulista, no qual questionavam as condições salariais e de
trabalho, e a legislação que não permitia a livre organização e manifestação de
trabalhadores, e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) que
questionava da estrutura da propriedade da terra no Brasil e a situação dos
trabalhadores rurais.
É na década de 1980 que os movimentos sociais vão incluir parcelas mais
amplas da sociedade. Surgem os movimentos ecológicos, que
transcendiam a divisão política entre direita e esquerda e, também, o
movimento em defesa dos direitos do consumidor. Já na década de 90,
surge no Brasil, um tipo de organização inexistente até então, as
organizações não-governamentais (ONGs) para designar as entidades da
sociedade civil, em referência a todo movimento de cunho social. (PINSKY,
2003 apud AZEVEDO, 2010, p. 215).
De 1988 aos dias atuais, observa-se uma série de movimentos pela
efetivação dos direitos existentes e pela conquista de novos direitos. Os movimentos
dos negros, das mulheres, dos indígenas, dos ambientalistas, dos sem-terra e dos
sem-teto, da classe dos professores, dentre tantos outros, por exemplo, não têm a
preocupação de alcançar o poder do Estado. Procuram construir espaços políticos
públicos nos quais possam ser debatidas as questões importantes para uma
sociedade politizada.
Assim analisa os movimentos sociais Azevedo:
A influência dos movimentos sociais vai muito além dos efeitos políticos
produzidos por eles, pois suas ações determinam a modificação de
comportamentos e de regras por parte do sistema político. E, além do mais,
há uma dimensão simbólica muito mais complexa sobre a qual os
movimentos sociais exercem grande impacto que é a transformação social.
Hoje, a partir dessas novas mobilizações, os cidadãos e as sociedades
conjugam a gramática da igualdade de gênero, preocupações ecológicas,
conservação do meio ambiente, direitos dos nascituros, impensáveis antes
50
da emergência de movimentos sociais com essas novas agendas.
(AZEVEDO, 2010, p. 215).
No entanto, estudiosos mostram que as lutas (movimentos sociais) foram
mais acirradas nas décadas de 70 e 80, e que esse protagonismo todo, a partir dos
anos 90, começou a perder visibilidade política no cenário urbano, reduzindo-se
parte de seu poder de pressão direta que haviam conquistado nos anos 80. O
governo passou a implementar políticas neoliberais que geraram desemprego,
pobreza e violência urbana e rural, fechando as portas a negociações, pois esse
visava o capital. Sob esse aspecto, mais uma vez, viu-se reforçado o lado de quem
o governo estava, ou seja, legitimador do capital. Mas os movimentos sociais se
rearticularam para dar continuidade às demandas necessárias sociais ao poder
público:
Apesar do enfraquecimento dos movimentos sociais e da rearticulação do
papel destes na sociedade, é imprescindível considerarmos a sua grande
relevância no processo democrático brasileiro, mediante sua atuação
voltada à reivindicação dos direitos, até então, não disponibilizados aos
cidadãos. Desta forma, as lutas desencadeadas na sociedade civil, são
absolutamente essenciais num processo de efetiva transformação social, a
caminho da emancipação humana. (AZEVEDO, 2010, p. 217).
Desta forma é perceptível concluir que as lutas sociais que a sociedade
brasileira tem empreendido ao longo da história do país, em especial as
desenvolvidas pelas classes populares, lograram êxito e que as principais
conquistas sociais dependeram de organizações e mobilizações da sociedade civil.
Os movimentos sociais tiveram e tem relevância nos processos democráticos, em
que, através de interesses coletivos, a sociedade consegue, de certo modo, lograr
seus objetivos por uma vida mais cidadã, diante da lógica do capital, opondo-se ao
domínio deste:
Os movimentos sociais, nas suas lutas, transformaram os direitos
declarados formalmente em direitos reais. As lutas pela liberdade e
igualdade ampliaram os direitos civis e políticos da cidadania, criaram os
direitos sociais, os direitos das chamadas "minorias" - mulheres, crianças,
idosos, minorias étnicas e sexuais - e, pelas lutas ecológicas, o direito ao
meio ambiente sadio. (VIEIRA, 2004, p. 39-40).
É louvável ressaltar a grande contribuição que os movimentos e as lutas
sociais tiveram na construção da cidadania, mostrados nesta respectiva história,
51
construída por sujeitos preocupados e inconformados com as situações que lhes
eram apresentadas. Essas lutas prevalecem ainda hoje, porém faz-se necessário
que haja uma maior preocupação por parte da sociedade brasileira para que tudo o
que foi conquistado seja mantido e que não haja acomodações. Salienta-se ainda o
grande aliado que a sociedade tem hoje, que são as redes sociais, cujas
ferramentas abrangem parcelas grandes de pessoas em que, num curto espaço de
tempo, as mobilizações atingem um enorme número de cidadãos.
52
CONCLUSÃO
O
presente
trabalho
mostrou
que
os
movimentos
sociais
realizados
historicamente expressam as manifestações de caráter público onde os cidadãos
(ou classes sociais) se organizam com o objetivo de chamar a atenção dos órgãos
governamentais para que seus direitos e reivindicações, mesmo já positivados,
sejam atendidos.
A história mostrou, através dos meios de comunicação, a busca incansável
dos grupos organizados para que seus anseios e direitos fossem de fato
respeitados. Foram muitos os movimentos sociais que aconteceram no decorrer dos
tempos e que lograram êxito realçando que as lutas coletivas são formas de
organização de fundamental importância para que se consigam de fato conquistas.
Os estudos evidenciam que para garantir a todos o acesso à cidadania, ou
seja, acesso ao espaço público com condições de sobrevivência digna, com
plenitude de vida é necessária organização e articulação política da população
visando a superação da exclusão existente.
No Brasil, a história mostrou que houve uma evolução lógica na questão da
cidadania em que, na ótica dos movimentos sociais, travados desde seu
descobrimento até os dias atuais, a obtenção de liberdade e de direitos é uma luta
constante para a garantia de sua concretização.
Conclui-se ainda que os movimentos sociais contribuíssem de forma
significativa para a construção da cidadania por darem vida a novos conflitos, que
53
levam à formulação de novas alternativas políticas as quais põem em xeque
supostas ideologias dominantes.
54
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