“COMPORTAMENTO SEXUAL E DE RISCO PARA A INFECÇÃO PELO HIV E OCORRÊNCIA DE DST ENTRE FUNCIONÁRIOS DA UNISUL TUBARÃO” Bruna Jacobowski; Gustavo Simiano Jung; Dra Fabiana S. Trevisol (Orientadora). Introdução Comportamento sexual humano é definido como um complexo conjunto de comportamentos, atitudes e posicionamentos que estão em constante transformação com o passar das gerações, sendo determinado por uma combinação de vários fatores como os relacionamentos, circunstâncias de vida e a cultura na qual o indivíduo vive. É um processo contínuo que se inicia na concepção e que percorre por todo o ciclo da vida, recebendo influência direta e constante de múltiplos fatores, tais como o biológico, fisiológico, emocional, social e cultural1. Hoje, devido principalmente ao avanço das pesquisas da área médica e da educação sexual, a sexualidade é tratada de forma científica, sem interferências diretas de crenças ou religiões, e está sendo mais esclarecida e orientada para o controle da gravidez precoce em adolescentes, planejamento familiar consciente e prevenção de doenças sexualmente transmissíveis (DST)2,3. A sexualidade de um indivíduo define-se como sendo as suas preferências, predisposições ou experiências sexuais, na experimentação e descoberta da sua identidade e atividade sexual, num determinado período da sua existência. A sexualidade humana transcende o mero componente biológico, gera prazer independentemente do ciclo reprodutivo, sendo o sentimento a principal diferença entre o comportamento sexual de animais irracionais e o dos humanos4. A sexualidade ultrapassa a necessidade fisiológica e tem relação direta com a simbolização do desejo. Não se encontra no reino animal outros seres cuja aproximação se dê pelo sentimento de amor, independente da atração sexual. Vergonha e culpa também são sentimentos exclusivos dos seres humanos, devido à posicionamentos culturais variantes, adotados há séculos ou milênios de desenvolvimento cultural. Há milhares de anos os humanos praticavam o ato sexual sem discriminação ou medo. Entretanto, a evolução da socialização sucedeu-se de tal forma que, em alguns períodos, o comportamento e a liberdade sexual foram castigados e duramente reprimidos, principalmente em relação às mulheres e aos homossexuais. Durante o século XX, foi marcada por crescente interferência da medicina neste domínio, principalmente por intermédio do desenvolvimento das tecnologias reprodutivas (contraceptivas e conceptivas)5 e a liberdade sexual foi ampliada e revista sob novos conceitos. Tanto a homossexualidade quanto a sexualidade feminina passaram a ser mais respeitadas na sociedade moderna6. A evolução técnico-científica também foi responsável por diagnosticar algumas doenças associadas à relação sexual, como forma de transmissão, especialmente entre indivíduos com multiplicidade de parceiros sexuais. Contudo, as DST foram minimizadas com a introdução da antibioticoterapia e as gestações indesejadas diminuíram com a utilização de diferentes métodos anticoncepcionais. No entanto, o surgimento da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) e da infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) trouxe, sem dúvida, nova onda de intranqüilidade e preocupação. Com o avanço da epidemia da AIDS, as práticas sexuais tornaram-se importante forma de transmissão da infecção, o que implica maior número de casos entre os que apresentam comportamento sexual de risco7. A epidemia da AIDS, atualmente, é um grave problema de saúde publica em quase todos os países. Estima-se que em 2007 havia em todo mundo 33 milhões de pessoas portadoras de HIV. No mesmo ano, o número de novas infecções girou em torno de 2,7 milhões e 2 milhões de óbitos foram relacionados a tal doença8. No Brasil, de 1980 a junho de 2008, foram identificados 506.499 novos casos de AIDS, sendo que no ano de 2006 foram identificados 35.459 casos novos, representando taxa de incidência de 19,0/100.000 2 habitantes, sendo principalmente atribuída às relações sexuais sem preservativos9.. A AIDS foi conhecida como uma “epidemia da imoralidade” já que inicialmente estava associada a pessoas com comportamentos considerados desviantes, como profissionais do sexo e usuários de drogas10. Neste sentido, a história moral da AIDS permitiu a construção da noção de que essa seria uma “doença da rua”, dos “outros”. Mas o tênue limite entre o “eu” e o “outro” emerge a partir do momento que a infecção ultrapassa os limites do público e privado, alcançando a sacralidade da família e do casamento,11,12 tornando-se uma preocupação entre os casais com união estável11,13 Nos dias atuais, os casamentos acontecem mais tardiamente, o início da vida sexual mais precocemente e a troca de parceiros sexuais, ou relações sexuais com múltiplos parceiros simultaneamente, são fatos muito frequentes na sociedade atual. Por esse motivo, há aumento da infecção pelo HIV entre casais heterossexuais, mesmo em relações estáveis e fiéis. Desta forma, medidas preventivas acabam não sendo adotadas por esses indivíduos que não se consideram integrantes de grupo de risco14-16. Além disso, a infidelidade é fato importante para ser considerado quanto à prevenção da AIDS e outras DST. Estudos revelam que a relação conjugal não é tida como perigosa por ser a relação sexual lícita, que está sob proteção da casa, sendo o uso do preservativo apenas utilizado quando vinculado à contracepção. Já as relações extraconjugais são cercadas de cuidados, que incluem desde a seleção do parceiro (a) até o uso de preservativos nas relações extraconjugais17. Entretanto, recente pesquisa do Ministério da Saúde (dados ainda não publicados), avaliou o comportamento, atitudes e práticas relacionadas às DSTs e AIDS da população brasileira, mostrou que cerca de 7,1 milhões (16%) de homens e mulheres (dos 43,9 milhões que vivem com companheiros) admitiram fazer sexo fora do casamento. Desses, 63% admitem não usar preservativos nas relações extraconjugais18 Muitos trabalhos mostram que o uso de preservativos masculinos nas relações estáveis leva a uma situação de desconfiança entre o casal por funcionar como um elemento questionador de fidelidade, sentimento importante, definidor e idealizador do casamento11, 17. Além disso, a literatura nos mostra que intervenções com o intuito de prevenção contra DST/AIDS tendem a ser menos efetivas com parceiros fixos do que com ocasionais15, 19. Contudo, as formas de prevenção mediante o uso de preservativos em todas as relações sexuais ainda são os agentes mais eficazes e preconizados para o controle da disseminação da doença por via sexual15, 20. Sua utilização remete a uma necessária mudança na vida sexual dos indivíduos, já que a sua maioria não tem o hábito de utilizá-la16, 21. Atualmente sabe-se que não existem “grupos de risco” e sim indivíduos com comportamento de risco que propiciam a infecção pelo HIV ou ocorrência de DST. Pode-se considerar comportamento de risco: relação sexual sem uso de preservativo, uso de álcool 15,22,23 e drogas, promiscuidade e multiplicidade de parceiros sexuais, prática sexual anal e durante período menstrual7. Além disso, há outras fontes de infecção pelo HIV, hepatites virais B e C e outras doenças que, além de transmissão sexual, podem ocorrer por outras formas, tais como: contato com material biológico contaminado, pessoas que fizeram tatuagens, piercings ou que compartilham objetos de higiene pessoal, além das que fizeram transfusão de sangue antes da inserção de triagem sorológica para controle de qualidade de sangue e derivados23, 24. Palavras-chave Comportamento Sexual, População em Risco, Doenças Sexualmente Transmissíveis. Métodos Foi realizado estudo epidemiológico com delineamento transversal. A amostra foi composta por funcionários da UNISUL e terceirizados que exerçam as funções de guardanoturno, responsáveis pela limpeza, cozinheiras, manutenção, auxiliar de serviços gerais e afins. 3 Para o processo amostral, foram convidados todos os funcionários da UNISUL Tubarão que preencham os critérios de inclusão, fazendo parte da amostra os indivíduos que aceitarem participar do estudo. Para fazer parte do estudo, os funcionários deveriam estar contratados pela UNISUL, ou prestar serviço de forma terceirizada, ativos como funcionários no momento da pesquisa, sendo feita verificação por meio de listas obtidas com a direção da instituição que tenham, no máximo, ensino médio completo. Foram excluídos os funcionários que se recusarem a participar do estudo. Os dados foram coletados na Universidade do Sul de Santa Catarina, campus Tubarão, na cidade de Tubarão durante o período de durante segundo semestre de 2010. As variáveis pesquisadas foram: idade, gênero, religião, situação conjugal, consumo de bebida alcoólica e/ou drogas associado ou não a relações sexuais, idade da 1ª relação sexual, comportamento sexual, práticas sexuais já realizadas, número de parceiros, frequência do uso de preservativos, presença de relações extraconjugais, presença e/ou sintomas relacionados a algum tipo de DST, métodos anticoncepcionais utilizados, número de filhos, presença de tatuagens ou piercings, uso compartilhado de material de higiene pessoal, transfusão de sangue, teste de HIV, vacina Hepatite B. Os dados foram obtidos utilizando-se questionário auto-aplicável, elaborado pela proponente, para aplicação entre os funcionários da UNISUL. O questionário (apêndice A) semi-estruturado foi composto apenas por questões fechadas, as quais foram agrupadas e codificadas. Os questionários foram entregues pelo pesquisador a cada indivíduo por convite e entrega individual. O aceite foi dado mediante assinatura do termo de consentimento (apêndice B), que é claro quanto aos objetivos propostos e a confidencialidade dos dados. Os questionários não possuem identificação nominal dos sujeitos. Para proporcionar total anonimato em relação às respostas da pesquisa, caixas lacradas foram distribuídas nos locais de trabalho desses funcionários para a coleta dos questionários sendo entregues e arquivados separados dos termos de consentimento, com o intuito de manter o sigilo quanto à identificação dos sujeitos, para que os participantes respondessem de forma sincera às perguntas. Aspectos éticos Este projeto foi enviado para aprovação do CEP Unisul, respeitando os preceitos éticos da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. Os participantes que aceitaram participar do estudo tiveram a anuência mediante assinatura do termo de consentimento. Os dados de identificação do sujeito serão mantidos em sigilo. A análise e processamento dos dados foi realizados com auxílio do programa Statistic Package for the Social Sciences (SPSS), versão 16.0. As variáveis foram descritas pela epidemiologia descritiva. Para se verificar associação entre as variáveis de interesse foi utilizado teste de qui-quadrado com intervalo de confiança de 95%. Resultados de discussão Participaram do presente estudo 34 funcionários e apenas 0,5% recusaram-se a participar. Entre os participantes 88,2% eram mulheres. Do total 70,6% se declararam católicos, e a maioria era casada (47,1%) e tinha filhos (69,1%). A tabela 1 apresenta as características sexuais e comportamentais dos participantes do estudo. Características Situação conjugal Solteiro Casado Mora com companheiro Separado ou divorciado Outros Comportamento sexual Heterossexual n = 34 04 16 07 06 01 34 4 Homossexual Bissexual Práticas sexuais Sexo vaginal Vaginal e oral Todos Não respondeu Parceiro sexual Fixo Casual Ambos Relação sexual por mês Nenhuma 1-4 5-8 >8 Parceiros sexuais no último ano Nenhum 1 2 3 ou mais Parceiros sexuais na vida 1 2-5 6-10 >10 Relação extraconjugal (n=33) Sim Não 12 7 7 8 33 1 07 11 05 11 07 26 01 12 12 03 07 26 27 Quanto ao consumo de álcool 41% afirmaram o uso, sendo que 40% responderam consumir socialmente e 42% dos entrevistados afirmaram consumir antes das relações sexuais. O consumo de outras drogas foi afirmado por 14,7% dos participantes, sendo as mais frequentemente reportadas o cigarro (60%), maconha (20%), cocaína, sendo que 60% continuavam utilizando essas substâncias atualmente. Quando questionados sobre infidelidade, 18% afirmaram já ter tido relações sexuais extraconjugais, sendo que 6% responderam que já tiveram alguma(s) vez(es) no passado e12,1% afirmaram ter relações extraconjugais raramente. Nas relações conjugais 14,7% utilizavam preservativo em todas as relações sexuais, e nas extraconjugais esse percentual subiu para 57%. Foi questionado sobre história pregressa de sinais e sintomas na esfera genital, e 41% já apresentaram algum tipo de manifestação clínica, 64% tiveram algum tipo de corrimento vaginal, 7% prurido vulvar, 21% afirmaram dor e 7% mau cheiro. Também foi questionado sobre comportamentos e práticas que possibilitem infecção por doenças de transmissibilidade parenteral, além da via sexual. Os dados relativos a essas informações são apresentadas na tabela 2. Fatores de risco Compartilha objetos pessoais Sim Não Transfusão de sangue n = 34 06 28 5 Sim 18 Não 16 Tatuagem ou piercing Sim 33 Não 01 Acidente com perfurocortante Sim 07 Não 27 Testagem sorológica para HIV Sim 03 Não 03 Não sei 29 Vacina da hepatite B Sim 04 Não 20 Não fiz todas as doses 10 Quando questionados a respeito do motivo de realizar a triagem para HIV, 2,9% foi por acompanhamento pré-natal, 23% após acidente com perfurocortante, e 73% para conhecer o status sorológico por exposição de risco Conclusões: Com base no exposto, sugere que a população em estudo apresenta a mesma susceptibilidade em relação à população geral ou outras populações com conhecimento diferenciado. Os fatores de risco associados a essa susceptibilidade são: baixa adesão aos preservativos, principalmente durante relações extraconjugais, práticas sexuais de risco, como sexo anal, uso de álcool antes do coito, sexo com múltiplos parceiros, baixas taxas de vacinação contra o vírus B, e alta prevalência de acidentes com perfurocortante. Referências 1. Gir E, Nogueira MS. Sexualidade humana na formação do enfermeiro. Rev Lat Am Enfermagem 2000; 8(2):33-40. 2. Trevisol FS, Silva MV. HIV frequency among female sex workers in Imbituba. Braz J Infect Dis. 2005; 9(6):500-5. 3. Guilhem D. Escravas do Risco: bioética, mulheres e Aids. Brasília: Editora UnB/Finatec; 2005. 4. Silva GM. The meaning of fidelity and Aids prevention strategies among married men. Rev Saude Publica 2002; 36(4):40-9. 5. Freitas D, Guilhem D, Maia C. Vulnerability to HIV/AIDS in married heterosexual people or people in a common-law marriage. Rev Saude Publica 2008; 42(2):242-8. 6. Knauth DR. 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