A INFLUÊNCIA DO N-DROP EM APRENDIZES DE INGLÊS COMO L2 Renato Augusto Vortmann de Barba1 Karina Veronica Molsing2 RESUMO: O N-drop, fenômeno muito frequente em português, ocorre quando um sintagma apresenta uma elipse nominal, ou seja, quando um substantivo não é abertamente realizado mas o seu conteúdo pode ser recuperado através de marcas de concordância de gênero e número encontradas em adjetivos ou determinantes que se encontram dentro do mesmo sintagma. O mesmo não ocorre na língua inglesa, na qual é necessário utilizar o pronome one para que a sentença permaneça gramatical no caso da omissão do substantivo. O presente trabalho tem como foco analisar se o nível de proficiência de inglês como L2 influencia a percepção de aprendizes quanto à agramaticalidade do fenômeno N-drop na língua inglesa. Para tanto, informantes divididos em dois níveis de proficiência foram testados através de uma tarefa de julgamento de aceitabilidade na qual deveriam analisar diversas frases e corrigir as que julgassem não-aceitáveis de acordo com o seu conhecimento da língua inglesa. Os aprendizes com maior nível de proficiência tiveram maior facilidade em identificar e corrigir as frases agramaticais, ao passo que os aprendizes com menor nível de proficiência apresentaram maiores dificuldades na identificação dos problemas. Os resultados demonstram, portanto, que o nível de proficiência influencia no reconhecimento da agramaticalidade do N-drop em inglês. PALAVRAS CHAVE: N-Drop. SLA. Transferência. 1. Introdução O presente trabalho apresenta resultados de um estudo piloto que tem como foco diferenças entre português e inglês com relação ao fenômeno conhecido como elipse nominal, ou N-drop. Embora explicitamente ensinado em aulas de inglês, aprendizes brasileiros rotineiramente utilizam frases agramaticais sem um núcleo nominal, estrutura possível em sua língua nativa. A teoria de Acesso Total Transferência Total (SCHWARTZ & SPROUSE, 1996) é uma tentativa de explicar a influência da primeira língua (L1) na segunda (L2), postulando que aprendizes trazem parâmetros da L1 para a sua interlíngua para eventualmente reconfigurá-los. Para analisar esse processo, uma tarefa foi idealizada, na qual participantes deveriam analisar frases e corrigí-las caso as considerassem agramaticais. Na sessão a seguir, é feita uma rápida revisão das teorias utilizadas para formular a hipótese desse estudo. Em seguida, a metodologia (participantes e tarefa utilizada) é descrita e os resultados da tarefa são apresentados, seguidos de uma discussão a respeito dos mesmos. 2. Fundamentação teórica De acordo com a teoria de Princípios e Parâmetros de Chomsky (1981), a Gramática Universal consiste em princípios linguísticos universais, que devem ser seguidos por todas as línguas, e parâmetros, que apresentam diferentes possibilidades e, portanto, podem ter diferentes configurações em cada língua. Segundo White (2003), a GU seria um diagrama da linguagem que determina como uma língua pode ou não se comportar, o que permite que crianças possam adquirir uma língua, configurando os parâmetros específicos desta, baseadas em exposição. 1 2 Mestrando pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Professora Doutora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul 772 Em se tratando de aquisição de uma língua adicional (L2), segundo a teoria de Transferência Total Acesso Total de Schwartz & Sprouse (1996), o estado inicial é a L1 em sua totalidade, uma cópia que pode ser modificada sem afetar o original (Transferência Total). No entanto, aprendizes não estão limitados a representações baseadas na L1, a L2 pode desencadear mudanças na gramática através de acesso à GU (Acesso Total). No caso de parâmetros, estes estarão inicialmente configurados de acordo com a L1, mas podem ser eventualmente modificados como resposta a estímulos da L2. De acordo com White (2003), o desenvolvimento da L2 é restringido pela GU, porém a gramática de aprendizes pode não necessariamente ser como a gramática de nativos. Segundo Iverson (2009a), traços são as menores unidades estruturais que expressam propriedades gramaticais. Traços-φ são um grupo de traços que expressam gênero, número e/ou pessoa em elementos tais como substantivos, pronomes e flexões verbais. Traços de uma determinada categoria podem variar entre línguas. Um exemplo disso é o fato de que, embora tanto o português quanto o inglês expressem número em substantivos, apenas português marca gênero. Ainda segundo Iverson (2009a), substantivos em português são gramaticalmente descritos como sendo masculinos ou femininos. Geralmente, substantivos e adjetivos masculinos acabam em –o, enquanto substantivos e adjetivos femininos acabam em -a. Gênero gramatical é uma propriedade inerente do substantivo e pode ser abertamente marcado ou não. Alguns substantivos animados alternam entre masculino e feminino (exemplo (1)), dependendo do referente em questão. Determinantes e adjetivos exibem concordância de gênero e número com o substantivo ao qual estão ligados (exemplos (2) e (3)). (1) gato x gata (2) O carro branco (3) A casa branca Segundo Cabrelli-Amaro et al (2009), o N-drop é um fenômeno no qual o núcleo nominal pode ser omitido em contextos onde os traços-φ, marcados nos determinantes e adjetivos restantes, fornecem informação suficiente para que a referência seja resgatada e não crie ambiguidades, conforme exemplo (4). No entanto, enquanto o português permite o N-drop, o inglês exige a inserção do pronome one para que a frase seja gramatical, conforme exemplo (5). (4) Não quero o gato branco; vou comprar o preto. (5) I don’t want the white cat; I’ll buy the black one. Cabrelli-Amaro et al (2009) e Iverson (2009a, 2009b) conduziram estudos com falantes nativos de inglês durante o processo de aprendizagem de línguas que apresentassem o fenômeno. O presente estudo é uma tentativa de utilizar a mesma metodologia, com o objetivo de observar se aprendizes de inglês cuja L1 permite a elipse nominal estão cientes de que a língua alvo não permite o mesmo processo. De acordo com Iverson (2009a), o fenômeno N-drop pode acontecer em, pelo menos, três contextos distintos: sintagmas adjetivais (AP), sintagmas preposicionais (PP), e sintagmas complementizadores (CP), conforme exemplos abaixo, de Iverson (2009b). (6) Qual brinquedo você quer? (6a) AP: Quero o vermelho. ‘I want the red one’ (6b) PP: Quero o da Itália. ‘I want the one from Italy’ (6c) CP: Quero o que late. ‘I want the one that barks’ 773 Para testar o conhecimento dos participantes a respeito do fenômeno, um teste de julgamento de aceitabilidade, baseado em Iverson (2009a), foi idealizado. Através dele, espera-se que, dependendo do grau de proficiência, aprendizes estejam mais ou menos cientes das diferenças entre português e inglês com relação a esse fenômeno em particular. Alunos com maior nível de proficiência em inglês deveriam reconhecer as frases agramaticais como não-aceitáveis e corrigí-las, inserindo o pronome one. Alunos com um grau de proficiência mais baixo, ao contrário, talvez não identifiquem problema algum nas frases e, portanto, julguem as frases agramaticais como aceitáveis. 3. Metodologia 3.1. Participantes Um total de 12 participantes que estavam fazendo curso preparatório para TOEFL em uma escola de inglês localizada na cidade de Porto Alegre (RS) fizeram parte deste estudo. Os participantes foram divididos em dois grupos de acordo com seus resultados no teste simulado de TOEFL IBT aplicado ao final do curso. Os aprendizes foram classificados de acordo com as notas de corte do Quadro Comum Europeu de Referência para Línguas (CEFR) para o TOEFL IBT (PAPAGEORGIOU et al, 2015): participantes que atingiram uma nota superior a 72 foram considerados como nível B2 (intermediário alto), enquanto que aqueles com resultados inferiores foram considerados como nível B1 (intermediário). Ambos os grupos consistiam em seis participantes. A idade média dos participantes foi de 27.5 anos, com o participante mais novo tendo 20 e o mais velho 41. Todos os participantes possuíam escolaridade de nível superior, quatro ainda estavam na graduação e seis em programas de pós-graduação. A maioria dos participantes começou a estudar inglês no ensino fundamental ou médio, mas nenhum antes de idade escolar. De todos os participantes, apenas um nunca havia saído do país, e quatro já haviam morado em outros países, de língua inglesa ou não. Todos os participantes mencionaram utilizar inglês durante seu tempo de lazer. Sete participantes mencionaram utilizar inglês para trabalho ou estudos. Todos os participantes têm contato com outras línguas, das quais o espanhol é a mais comum, com onze participantes tendo algum tipo de contato. A segunda língua mais mencionada foi o francês, com cinco participantes. Apenas dois participantes mencionaram o italiano. Nenhum participante foi eliminado pelo contato com espanhol, francês ou italiano, visto que o fenômeno N-drop também acontece nestas línguas (mesmo que de maneira mais ou menos reduzida) em todas. 3.2. Tarefa Os participantes foram instruídos a responder uma tarefa de julgamento de aceitabilidade com correção, baseada em Iverson (2009a). Dentre dezoito frases, havia seis frases teste, divididas em três pares, de acordo com a posição sintática na qual o fenômeno N-drop poderia ocorrer. Cada par consistia em uma frase gramatical e uma agramatical. As doze frases restantes eram distratoras, relacionadas a outros contextos sintáticos, também divididas em pares gramaticais e agramaticais. Os participantes deveriam classificar as frases como aceitáveis ou não-aceitáveis, em uma escala de -2 a +2, e corrigir as frases que fossem consideradas não-aceitáveis. Para a análise dos resultados, foi utilizada a correção das frases como maneira de averiguar se a aceitação ou não das frases pelos participantes estava realmente relacionada ao fenômeno. Por esse motivo, frases que foram classificadas como não-aceitáveis pelos participantes mas tiveram correções em partes da frase que não tinham relação com o N-drop 774 foram contabilizadas como aceitáveis na análise dos resultados, visto que a ocorrência do fenômeno não foi rejeitada pelos participantes. 4. Resultados 4.1. Contexto AP (7) Contexto AP gramatical: I need to buy some pens, but the store doesn't have many color options, so I, have to buy the blue ones. Nenhum dos participantes rejeitou a presença de one na frase: cinco participantes consideraram a frase como aceitável e sete participantes consideraram a frase como nãoaceitável, porém nenhuma das correções era relacionada ao fenômeno. (8) Contexto AP agramatical: I wanted to buy some pillows but I only took the green because they were all very expensive. Sete participantes corrigiram a frase de maneira apropriada, inserido o pronome one onde era esperado. Cinco participantes não corrigiram a frase de maneira apropriada. Dois participantes disseram que a frase era não-aceitável porém não corrigiram o fenômeno, corrigindo diferentes partes da frase, enquanto que três participantes disseram que a frase era aceitável e não necessitava de nenhuma correção. Dos participantes que corrigiram a frase de maneira adequada, cinco eram do grupo B2 e dois do grupo B1. Apenas um participante do grupo B2 não corrigiu a frase de maneira apropriada. Imagem 1: Resultado das correções do contexto AP agramatical 4.2. Contexto PP (9) Frase gramatical: I don't want to wear the bracelet made of gold today; I prefer the one made of silver. Oito participantes consideraram a frase como aceitável. Quatro participantes consideraram a fase como não-aceitável, com correções não relacionadas ao fenômeno. (10) Frase agramatical: This chair is much stronger than the made of wood that you bought before. Todos os participantes disseram que a frase era não aceitável, no entanto apenas sete participantes fizeram correções adequadas. Destes, seis inseriram o pronome one e um repetiu o substantivo chair. Os cinco participantes restantes não corrigiram a frase de maneira apropriada, corrigindo partes da frase sem relação com o fenômeno. Dos participantes que corrigiram a frase de maneira adequada, cinco eram do grupo B2 e dois do grupo B1. Apenas um participante do grupo B2 não corrigiu a frase de maneira apropriada. 775 Imagem 2: Resultado das correções do contexto PP agramatical 4.3. Contexto CP: (11) Frase gramatical: My sister wants a car that has two doors, but I want one that has four. Dez participantes consideraram a frase como aceitável. Dois participantes consideraram a frase como não-aceitável, com correções não relacionadas ao fenômeno. (12) Frase agramatical: I didn’t have a car before, but my parents lent me that my sister used. Onze participantes consideraram a frase como não-aceitável, no entanto apenas sete participantes corrigiram a frase de maneira apropriada. Quatro participantes não corrigiram a frase de maneira apropriada, corrigindo partes não relacionadas ao fenômeno. Um participante considerou a frase como aceitável. Todos os participantes do grupo B2 corrigiram a frase de maneira adequada. Apenas um participante do grupo B1 corrigiu a frase de maneira adequada. Imagem 3: Resultado das correções do contexto CP agramatical 5. Discussão Conforme esperado, o nível de proficiência dos aprendizes parece estar altamente relacionado à identificação do fenômeno. Participantes que possuíam nível de proficiência mais elevado em inglês foram capazes de identificar e corrigir as frases de maneira apropriada, em quase todos os casos utilizando o pronome one para substituir o substantivo original, enquanto que aprendizes com nível de proficiência mais baixo foram distraídos por outras partes da frase e 776 corrigiram partes que não necessitavam de correção ou simplesmente julgaram as frases como aceitáveis. Pode-se concluir que, já que o português permite o fenômeno N-drop, aprendizes que não corrigiram as frases de maneira apropriada podem estar fazendo uso da sintaxe da sua L1 para analisar as frases em inglês, cuja sintaxe não permite o N-drop. Estes resultados corroboram com a teoria de Transferência Total, visto que participantes do grupo B1 foram fortemente influenciados pela sintaxe de sua língua nativa. Além disso, o fato de que alguns participantes estavam cientes da não-aceitabilidade do fenômeno aponta um possível Acesso Total à GU para reconfigurar os parâmetros relacionados ao fenômeno na interlíngua. 6. Considerações finais Como um estudo piloto para um projeto potencialmente maior, o presente estudo apresentou resultados satisfatórios, pois demonstrou que é possível testar o aprendizado de uma língua adicional com relação ao fenômeno N-drop quando a L1 permite tal fenômeno e a L2 não. O fenômeno N-drop é tão sutil em português e outras línguas latinas que falantes aparentemente não percebem que estão omitindo um substantivo quando utilizam tais estruturas em suas línguas nativas. Se for esse o caso, então este é um processo tão internalizado e automatizado que dificulta a percepção dos aprendizes de que não é possível duplicar as mesmas estruturas em inglês. Em estudos futuros, o número de frases teste pode ser aumentado para testar não apenas a ocorrência do fenômeno, mas também se diferenças em número e gênero dos substantivos pode afetar a percepção dos participantes quanto à aceitabilidade das frases. Espera-se que um grupo maior de participantes, com níveis de proficiência além do intermediário, provavelmente permita uma variedade maior nos resultados. Referências CABRELLI-AMARO, J.; IVERSON, M.; JUDY, T. Informing adult acquisition debates: N-Drop at the initial state of L3 Brazilian Portuguese. Minimalist Inquiries Into Child and Adult Language Acquisition: Case Studies Across Portuguese, v. 35, p. 177-195, 2009. CHOMSKY, N. Lectures on Government and Binding. Dordrecht: Foris, 1981. IVERSON, M. Knowledge of noun-drop across various lexical and functional categories in heritage Spanish bilinguals. Proceedings of GALANA, v. 3, p. 98-106, 2009a. ______, M. Competing SLA hypotheses assessed: Comparing heritage and successive Spanish bilinguals of L3 Brazilian Portuguese. Minimalist inquiries into child and adult language acquisition: Case studies across Portuguese, v. 35, p. 221-243, 2009b. PAPAGEORGIOU, S.; TANNENBAUM, R. J.; BRIDGEMAN, B.; CHO, Y. The Association Between TOEFL iBT® Test Scores and the Commom European Framework of Reference (CEFR) Levels (Research Memorandum No. RM-15-06). Princeton, NJ: Educational Testing Service, 2015. SCHWARTZ, B. D.; & SPROUSE, R. A. L2 cognitive states and the full transfer/full access model. Second language research, v. 12, n. 1, p. 40-72, 1996. WHITE, L. Second language acquisition and universal grammar. Cambridge University Press, 2003. 777