Cidadão informado, mundo transformado Gabriel Mateus

Propaganda
N.º40 Abr-Jun 2016 Pág. 36-44
Gabriel Mateus
Presidente da Associação Projeto Safira
Professor na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologia
Cidadão informado, mundo transformado
Palavras‑chave: Informação de saúde; Medicina integrativa; Estilo de vida;
Doença crónica; Prevenção; Dieta sustentável
Resumo
O acesso facilitado a informação de
saúde faz de nós hoje cidadãos mais exigentes e críticos, o que tem implicações na
relação entre médico e doente. O doente
deverá hoje ocupar uma posição ativa na
decisão de tratamento médico em parceria
com o profissional de saúde. Essa aliança
deve estar centrada na pessoa, conjugando todos os esforços complementares
de forma a recuperar a saúde e integridade
do doente em todas as suas dimensões
humanas.
Por outro lado, as necessidades coletivas de saúde pública, num cenário em que
as doenças crónicas são a principal causa
de morte em todo o mundo, urge que se
promova cada vez mais uma Medicina de
Estilo de Vida. O estilo de vida enquanto
instrumento de prevenção, é uma das mais
poderosas armas que temos contra as doenças que mais afligem as nossas sociedades.
Além disso, através do estilo de vida podemos contribuir para o equilíbrio social e
ambiental. Dessa forma, ao investirmos na
prevenção com base numa eficaz informação de saúde, temos a possibilidade não só
de melhorar a saúde, mas também de transformar o mundo.
36
Introdução
Reza a lenda que na China Antiga o
médico servia as populações locais, as
quais, em retorno, proviam todos os bens
necessários à sua subsistência. No momento
em que algum desses cidadãos adoecesse, o
médico deixaria de receber qualquer apoio,
uma vez que tinha fracassado a sua mais
central função: evitar que aquelas pessoas
adoecessem. Esta história pode bem servir como ponto de partida para uma reflexão sobre o real papel do médico e um dos
pilares fundamentais sobre o qual assenta
o próprio processo de intervenção terapêutica: a relação médico/doente.
De paciente a participante
A relação médico/doente é porventura
uma relação delicada e complexa e nem
sempre bem conseguida. Desde logo, porque existe um desequilíbrio natural e inevitável entre quem se encontra numa situação de fragilidade e vulnerabilidade e a
outra parte da qual se espera que tenha a
solução para resolver os seus problemas.
Além disso, existem vários condicionamentos naturais, mas também sociais e culturais que favorecem uma atitude passiva por
parte do doente.
Um desses condicionamentos passa por
existir um pressuposto implícito de que o
doente não tem a capacidade de entendimento e conhecimento que lhe permita ter
uma opinião válida para a decisão de tratamento. Por outro lado, as relações que
estabelecemos com figuras de autoridade
ou responsabilidade na nossa cultura é historicamente uma relação de quase reverência e submissão. É‑nos por isso muito difícil
assumirmos uma atitude crítica e descomplexada na relação com essas figuras.
Isso talvez possa ser explicado em parte
pelo facto de não termos acompanhado
inteiramente as grandes reformas culturais
que aconteceram na Europa a partir do séc.
XVI com o Humanismo e a Reforma mais a
norte da Europa, onde as autoridades religiosas eram postas em causa, e o questionamento crítico sobre os assuntos do mundo
passaram a ser mais evidentes.
Foi nesse período, por exemplo, que a
Bíblia começou a ser traduzida para as línguas comuns a partir do latim, dando assim
pela primeira vez a oportunidade, a quem
assim o quisesse, de ler os textos sagrados
e desenvolver uma opinião pessoal e crítica sobre os mesmos. Até lá, as fórmulas
religiosas de salvação eram passadas sem
que ninguém soubesse muito bem porquê
ou para quê. Restava uma confiança cega
naqueles que funcionavam como intermediadores absolutos e inquestionáveis entre
a criatura e Deus, entre a condenação e a
salvação da alma.
Por vezes ainda podemos encontrar
reminiscências dessa estrutura na relação
médico/doente. O profissional de saúde
acaba por ocupar uma posição semelhante
de intermediário absoluto, não mais da salvação da alma, mas da cura do corpo. É
por isso muito comum que se instale uma
grande assimetria nessa relação, em que o
monopólio da decisão passa quase exclusivamente pelo médico e para a qual muitas vezes o doente não é convidado a participar. Esta condição tem o potencial de
reforçar no doente a sua própria fragilidade
por não lhe passar a mensagem de con-
fiança e dignidade necessárias para fazer
face à doença. Isso aliás está bem refletido
na palavra «paciente», que transmite uma
ideia de passividade.
Hoje temos acesso às «escrituras» científicas de uma forma quase instantânea, o
que faz de nós pessoas mais críticas e exigentes. Essa é uma realidade incontornável
e para a qual é necessário encontrar novos
modelos de relação médico/doente na qual
ambos deverão ser parceiros e colaborar
ativamente na decisão médica. Ter uma
voz ativa no seu próprio tratamento poderá
inclusive ter consequências para a recuperação do doente, se levarmos em consideração aspetos subjetivos e emocionais e a sua
relação com a saúde física.
Seria por isso altamente desejável que
ao invés de uma relação passiva, marcada
por uma grande distância hierárquica, se
estabelecesse então uma parceria dinâmica entre ambas as partes. Num consultório encontram‑se dois cidadãos que se
empenham para em conjunto encontrarem
a melhor solução para um deles que está
doente. É afinal necessário reduzir todos
os papéis sociais à unidade mais essencial
de uma cultura e sociedade: o cidadão. Esta
unidade primeira deve ser em todas as circunstâncias reforçada.
Informar para consentir
Um profissional de saúde ocupa uma
posição nobre. Não porque esteja em situação privilegiada e por isso possa deliberar sobre outros concidadãos, mas porque
tem a possibilidade de contribuir com o seu
conhecimento para a saúde inteira do seu
doente. É aquele que, para além de prescrever medicamentos e aplicar protocolos, poderá reforçar esta unidade inteira de
cidadania e de todas as funções, orgânicas
e sociais que o definem. Convidar à participação por parte do cidadão doente representa uma das vias para reforçar a sua condição humana (e por isso com competências
para decidir) e devolver‑lhe uma dignidade
37
N.º40 Abr-Jun 2016 Pág. 36-44
que muitas vezes fraqueja na doença. Essa
aliás poderia bem ser a primeira e prioritária responsabilidade do médico.
Este paradigma, no qual a decisão é partilhada por ambas as partes está de resto
já parcialmente contemplado na instância
do consentimento informado. À luz deste
preceito, o doente deverá ser devidamente
esclarecido relativamente à sua condição,
de forma a participar na sua solução através
do consentimento, o qual deverá ser concretizado formalmente
Logicamente, o ato de consentir tem
outro como implícito e adjacente: o de não
consentir. Esse é um direito que assiste a
todos. Este direito assenta num exercício
básico de liberdade de escolha entre tratamentos. Parte do princípio que não é possível ser‑se portador de uma verdade absoluta e que, portanto, apenas se poderão
fazer propostas e buscar o consenso.
Medicina integrativa
Um dos modelos emergentes atualmente
em diversos contextos médicos tem sido
designado como Medicina Integrativa, o
qual coloca a pessoa inteira no centro da
atenção médica, contemplando todos os
meios complementares que possam assegurar um tratamento eficaz, assim como dar
suporte a todas as suas dimensões humanas: física, emocional, mental, social e espiritual.
Isso exige uma capacidade de diálogo e
entendimento ainda longe de ser uma realidade comum. Esta relação de qualidade
assenta numa responsabilidade partilhada
e naquilo que poderíamos definir como a
«ética do cuidador», na qual este deverá
antes de tudo desenvolver a competência da
empatia, ou seja, a capacidade de se colocar
no lugar do outro.
Esse deslocamento da atenção para fora
de nós mesmos é porventura um dos maiores desafios para quem ocupa uma posição
de cuidador. Nem sempre as escolhas refletem esse estado, e por vezes correm mesmo
38
o risco de serem feitas tendo em conta mais
a sua auto‑preservação do que propriamente os reais interesses do doente.
Tal fenómeno manifesta‑se por vezes
naqueles momentos em que o profissional de saúde se sente ameaçado quando
confrontado com dúvidas, ou informações
obtidas por iniciativa própria pelo doente
e sentidas como uma afronta ou ameaça,
gerando assim uma resposta em conformidade, por vezes demasiado reativa.
O profissional de saúde tem hoje de lidar
com uma realidade na qual a informação
está ao alcance do utente de uma forma que
não acontecia antes. Não teve por isso ainda
muito tempo para se adaptar a esta nova
condição e de certa maneira ainda atua, por
vezes, como se não existisse.
Nesse sentido, será talvez necessário que
a sua formação hoje contemple a aquisição
de novas competências na relação com o
utente informado, o que faz com que a literacia em saúde seja uma realidade bilateral:
por um lado dever‑se‑á hoje procurar que
a informação chegue ao cidadão de forma
a que este possa desenvolver competências
cognitivas e sociais, no que toca à sua saúde
e à saúde dos outros; por outro lado o próprio profissional de saúde deveria desenvolver competências que o permitam conhecer
e lidar melhor com um utente informado
na forma de uma parceria dinâmica, em
que este é levado em consideração, promovendo e até auxiliando a procura de conhecimento.
E tal como no exemplo do médico da
China Antiga, o profissional de saúde poderia ter um papel de suporte e de empoderamento do cidadão antes mesmo da doença
se manifestar, funcionando como um
agente de saúde a quem o utente se pode
dirigir para dar suporte nas suas escolhas,
de forma a manter‑se saudável.
Medicina de estilo de vida
A literacia em saúde faz ainda mais sentido quando está ao serviço da prevenção.
Esta Medicina de Estilo de Vida é uma das
maiores urgências para os tempos de hoje.
Precisamos de reunir esforços entre todos
para conseguir dar resposta aos desafios
impostos pelo nosso estilo de vida ocidental, caracterizado por excessos alimentares e sedentarismo, condições associadas
a muitas das doenças não‑transmissíveis
que hoje representam a principal causa de
morte em todo o mundo1.
Figura 2
Prevenção de doenças crónicas
Figura 1
Causas de mortalidade no mundo
Não existe de facto nenhum medicamento atualmente disponível que consiga
esses mesmos efeitos para a saúde. O estilo
de vida é esse medicamento (Figura 3).
Figura 3
Balanço de diversos fatores sobre a saúde
A região onde existem mais mortes
devido a doenças não‑transmissíveis é a
Europa, onde as doenças crónicas são responsáveis por cerca de 86% de todas as
mortes2. Em pouco mais de 20 anos, passámos de uma situação na qual os problemas
de subnutrição e higiene representavam os
principais fatores de risco associados ao
maior número de mortes em todo o mundo,
para outra na qual os fatores de risco associados à sobrealimentação passaram para o
primeiro lugar1.
O que isto significa é que uma grande
parte das doenças que mais matam em todo
o mundo são em larga medida evitáveis. Na
realidade, cerca de 80% de todas as doenças crónicas poderiam ser evitadas se: não
fumássemos, fizéssemos uma dieta saudável (de base vegetal), fizéssemos exercício
físico regular e mantivéssemos um peso
corporal saudável3,4 (Figura 2).
Existe por isso um enorme potencial
para reduzirmos muito significativamente
muito do sofrimento humano, com todas as
consequências sociais que daí advêm, caso
nos empenhássemos todos em assumir um
papel proativo na prevenção e investíssemos em saúde baseada em estilo de vida.
Para tal, será necessário um compromisso
coletivo e individual para com esse objetivo,
assente numa melhor comunicação entre
todas as partes que compõem o problema:
cidadão, profissional de saúde, indústria e
governo.
39
N.º40 Abr-Jun 2016 Pág. 36-44
Essa convergência nem sempre é bem
conseguida, como podemos constatar,
por exemplo, na relação entre a indústria
dos alimentos, que pouca atenção presta à
saúde dos consumidores, e a indústria da
saúde, que pouca importância dá aos alimentos e ao seu potencial preventivo. A
literacia em saúde deverá, portanto, desenvolver estratégias e métodos que consigam
aproximar todas estas realidades umas das
outras, reduzir esse fosso que os separa, e
colocá‑las ao serviço do bem comum e dos
interesses universais do bem‑estar, saúde e
felicidade.
Estilo de vida e sociedade
O investimento na saúde proativa, leia‑se
prevenção, tem aliás muitas outras dimensões que podem beneficiar com essas medidas e que estão todas interligadas. Já não
se pode falar apenas de saúde humana sem
contemplar a dimensão social e ambiental
de um estilo de vida saudável. O impacto
social de um estilo de vida ocidental, obesogénico, é grande, se pensarmos no que isso
representa em custos de saúde com doenças
em grande medida evitáveis.
A fatura financeira dos custos associados
a doenças crónicas é muito elevada, representando em média cerca de 70 a 80% do
orçamento de saúde nos países da União
Europeia, o que significa cerca de 700 mil
milhões de euros a serem gastos por ano5–7
em gastos com saúde devido a essas doenças. Só com as doenças oncológicas, por
exemplo, em 2009 foram gastos cerca de
2048 milhões de euros em Portugal com
custos diretos e indiretos8.
Por outro lado, de acordo com a OCDE,
os investimentos em prevenção e promoção
de estilos de vida saudáveis representam
em média, apenas cerca de 3% dos orçamentos anuais dos países da Europa, em
comparação com os 97% gastos em tratamentos e cuidados de saúde9,10 (Figura 4).
40
Figura 4
Orçamento de saúde anual na União Europeia
(UE)
PREVENÇÃO
3%
TRATAMENTOS
97%
Existe claramente um défice de atenção e
investimento naquela que parece ser a área
da saúde mais importante e capaz de proteger os cidadãos de sofrimento desnecessário, assim como proteger a sociedade de
custos com saúde evitáveis. Nesse sentido,
dar ao cidadão os instrumentos necessários
para diminuir a incidência de doenças crónicas, é um ato não só eticamente desejável,
como financeiramente necessário.
Esses instrumentos deverão passar por
iniciativas de literacia para uma saúde
proativa, contínua e presente em todas as
fases da vida, assim como em diversos contextos sociais, tais como: ambiente escolar, meios de comunicação, profissionais de
saúde, formações, entre outros.
Além disso, poderá ser recomendável
acompanhar essas iniciativas de medidas concretas que envolvam, por exemplo,
implementar taxas sobre alimentos considerados pouco saudáveis e facilitar o acesso
a outros que fazem parte de um padrão alimentar saudável. A própria Organização
Mundial de Saúde (OMS) sugere que se utilizem medidas fiscais para reforçar e promover estilos de vida saudáveis11–13. Alguns
países já introduziram medidas deste tipo,
tais como: México (refrigerantes e junk
food), Dinamarca (gorduras saturadas)14,
Hungria (alimentos ricos em gordura e açúcar) e França (refrigerantes)15.
As medidas adotadas na Dinamarca, por
exemplo, que consistiram em taxar as gorduras saturadas, contribuíram para uma redução de 4% no consumo de gorduras saturadas e um aumento no consumo de vegetais e
fibra em 7,9% e 3,7%, respetivamente16.
Estilo de vida e ambiente
Outra das dimensões indissociáveis de um
estilo de vida saudável e de uma saúde proativa encontramos no impacto ambiental que
têm as nossas escolhas alimentares. Estamos
hoje todos debaixo da sombra dos problemas
associados ao aquecimento global.
As alterações climáticas em curso, poderão facilmente comprometer o equilíbrio
dos nossos ecossistemas e consequentemente o futuro das próximas gerações.
Cabe‑nos a cada um de nós por isso perguntar: que legado queremos deixar para os
nossos filhos e netos?
Na tentativa de conter as consequências
dessas alterações, estabeleceu‑se um consenso global de não atingir um aumento de 2
graus centígrados na temperatura média do
planeta17. Parte dos esforços para atingir esse
objetivo estão centrados nas emissões de
dióxido de carbono devido aos combustíveis
fósseis e à desflorestação. No entanto, focar
apenas nestes dois fatores poderá ser insuficiente se não levarmos em conta as emissões
associadas à produção de alimentos.
A produção e consumo de alimentos
contribui com cerca de 19‑29% de todas
as emissões de gases com efeito de estufa
(GEE)18. A agropecuária representa cerca
de 14,5% de todas as emissões de GEE, das
quais a produção de carne de vaca e leite
contribuem em 41% e 20%, respetivamente;
a produção de carne de porco e de galinha
e ovos, contribuem em 9% e 8%, respetivamente19.
Por outro lado, os alimentos de origem
vegetal estão associados a emissões bastante mais baixas. Por exemplo, se compa-
rarmos leguminosas com carnes de ruminantes, estas têm 250 vezes mais emissões
de GEE por grama de proteína, do que as
primeiras. Além disso, 20 porções de vegetais estão associadas a menos emissões do
que 1 porção de bife de vaca20.
O que isto significa é que se continuarmos com esta trajetória, na qual o consumo
de produtos de origem animal aumenta
progressivamente em todo o mundo, poderemos chegar a um aumento de 80% nas
emissões de GEE em 2050. Se em vez disso,
alterássemos os nossos padrões alimentares poderíamos diminuir essas emissões
em: 30%, com uma dieta Mediterrânica;
45% com uma dieta pescetariana; e 55%
com uma dieta vegetariana20 (Fig 5).
Figura 5
Diminuição de GEE em 2050 de acordo com o
padrão alimentar
GEE – Emissão de gases de estufa
30%
45%
55%
De acordo com análises disponíveis, se
não reduzirmos em cerca de 50% o consumo de carne de ruminantes na Europa,
não será possível atingir os objetivo dos
dois graus centígrados21.
Quando associamos aos objetivos
ambientais os benefícios para a saúde
humana, então observamos que dietas de
base vegetal representam a melhor estratégia para garantirmos um futuro sustentável.
41
N.º40 Abr-Jun 2016 Pág. 36-44
De acordo com um estudo recente, uma
dieta saudável está associada a 5,1 milhões
de mortes evitadas e 29% menos emissões
em 2050; uma dieta vegetariana está associada a 7,3 milhões de mortes evitadas e
45‑55% menos emissões; uma dieta vegana
está associada a 8,1 milhões de mortes evitadas e 63‑70% menos emissões22 (Figura 6).
Figura 6
Mortes evitadas e diminuição de GEE em 2050
de acordo com o padrão alimentar
GEE – Emissão de gases de estufa
Mortes evitadas em 2050 (Milhões)
Redução de GEE em 2050
8,1
a segurança dos alimentos e nutricional
assim como para uma vida saudável para a
presente e futuras gerações. As dietas sustentáveis são protetoras e respeitadoras da
biodiversidade e ecossistemas, culturalmente aceitáveis, acessíveis, economicamente justas e baratas; nutricionalmente
adequadas, seguras e saudáveis; além de
otimizar os recursos humanos e naturais.»23 (Figura 7).
Figura 7
Dietas sustentáveis e biodiversidade unidas
contra a fome ‑ Simposium FAO, Roma‑201223
70%
7,3
55%
5,1
29%
O mesmo estudo estima que, caso se adotasse um padrão alimentar saudável, seria
possível poupar cerca de 735 mil milhões
de dólares por ano em 2050 com custos de
saúde. Caso se adotasse uma dieta vegetariana, seria possível poupar cerca de 973
mil milhões de dólares por ano e no caso de
se adotar uma dieta vegana, esses valores
poderiam chegar aos 1067 biliões de dólares por ano22.
Tudo isto leva‑nos a concluir que o estilo
de vida que adotamos tem implicações
profundas para a nossa saúde, a sustentabilidade do nosso sistema financeiro e o
ambiente. De certa maneira parece claro
que aquilo que é saudável para as pessoas, é
também para o planeta.
É nesse âmbito que, mais do que falar
de dietas saudáveis, parece mais adequado
falarmos hoje de dietas sustentáveis, tal
como são definidas pela FAO: «dietas sustentáveis são aquelas com um impacto
ambiental baixo e que contribuem para
42
Essa noção já nem sequer é assim tão
nova: na emblemática obra de Platão, A
República, na qual o filósofo nos apresenta
um modelo de cidade ideal, Sócrates descreve uma cidade onde se faz uma dieta de
base vegetal, sem excessos, justificando que
uma cidade de excessos é uma cidade inflamada, o que dá origem a doenças, injustiça
e guerras. Além disso, acrescenta o filósofo,
um estilo de vida «inflamado» vai necessitar de mais médicos, terreno para os animais e território para os humanos, o que
leva à guerra.
Alguns países, tais como a Suécia24, Brasil , Reino Unido26 ou Holanda27, por estarem atentos a essa realidade, já incluem nos
seus programas de recomendações alimentares essas preocupações e fazem recomendações para a população tendo em conta
o impacto conjunto para a saúde e para o
ambiente.
25
Informar para transformar
Levando em consideração tudo o que
referimos antes, uma literacia para a saúde
já não pode contemplar apenas preocupações centradas na saúde humana sem
incluir todas as outras dimensões subjacentes. Quando assumimos o modelo de
uma Medicina Integrativa, então não podemos deixar de colocar a pessoa no centro,
reforçando as suas competências cognitivas e empoderando‑a de forma a ocupar um
papel ativo na sua própria recuperação ou
manutenção.
A expressão «Integrativa» deve assim ser
entendida de duas maneiras: por um lado
o profissional de saúde vê o doente como
uma pessoa multidimensional e é capaz de
recorrer a diferentes abordagens compatíveis e complementares entre si, de forma a
tratar e dar suporte a todas essas dimensões; por outro, a sua prioridade deverá ser
preservar e recuperar, na melhor medida
do possível, a integridade física e psicológica do doente.
Quando olhamos a mesma questão a
partir de uma referência de Medicina de
Estilo de Vida, então o enfoque deveria ser
colocado na manutenção da saúde de forma
continuada e simultaneamente incluindo
dimensões mais abrangentes do que apenas
a saúde humana, nomeadamente o equilíbrio social e do ambiente.
Em todas estas perspetivas uma informação de saúde dinâmica, legível, integradora e eficaz é uma condição essencial para
que cada cidadão seja capaz de se responsabilizar pelo seu próprio processo de saúde,
em parceria com os profissionais de saúde,
em particular investindo na saúde proativa,
ou prevenção. Para tal ser possível, a relação entre médico e pessoa doente deverá ser
capaz de integrar essa dinâmica assente no
respeito, dignidade e capacidade de se colocar no lugar do outro.
Além dessa responsabilização pessoal,
é inevitável que preocupações mais abrangentes como a sustentabilidade social e
ambiental estejam cada vez mais presentes, ou seja, um cidadão informado pode (e
deve) conduzir a um mundo transformado.
A informação em saúde (nessa perspetiva
multidimensional que falámos) deveria por
isso estar ao serviço da transformação da
pessoa, da sociedade e do mundo.
43
N.º40 Abr-Jun 2016 Pág. 36-44
Referências
1.
GBD 2013 Risk Factors Collaborators. Forouzanfar MH, Alexander L, Anderson HR, Bachman VF,
Biryukov S, et al. Global, regional, and national comparative risk assessment of 79 behavioural, environmental and occupational, and metabolic risks or
clusters of risks in 188 countries, 1990‑2013: a systematic analysis for the Global Burden of Disease
Study 2013. Lancet. 2015; 386:2287‑323
2. Busse R, Blümel M, Scheller‑Kreinsen D, et al.
Tackling chronic disease in Europe: strategies,
interventions and challenges. 2010. Copenhagen:
World Health Organization on behalf of the European Observatory on Health Systems and Policies.
3. Ford ES, Bergmann MM, Kröger J, et al. Healthy living is the best revenge: findings from the
European Prospective Investigation Into Cancer
and Nutrition‑Potsdam study. Arch Intern Med.
2009;169:1355–62.
4. Ford ES, Bergmann MM, Boeing H, et al. Healthy lifestyle behaviors and all‑cause mortality
among adults in the United States. Prev Med.
2012;55:23–7.
5. Responding to the Growing Cost and Prevalence of
People With Multiple Chronic Conditions. [citado
30 de Maio de 2016]. Obtido de: http://www.oecd.
org/health/health‑systems/48245231.pdf
6. The 2012 Ageing Report. [citado 30 de Maio de
2016]. Obtido de: http://ec.europa.eu/economy_
finance/publications/european_economy/2012/
pdf/ee‑2012‑2_en.pdf
7. Regional high‑level consultation on noncommunicable diseases. 2010 [citado 30 de Maio de
2016]. Obtido de: http://www.euro.who.int/en/
media‑centre/events/events/2010/11/regional‑high‑level‑consultation‑on‑noncommunicable‑diseases
8. Luengo‑Fernandez R, Leal J, Gray A, et al. Economic burden of cancer across the European Union:
a population‑based cost analysis. Lancet Oncol.
2013;14(12):1165–74.
9. Together for Health: A Strategic Approach for the
EU 2008‑2013 [Internet]. [citado 30 de Maio de
2016]. Obtido de: http://ec.europa.eu/health/
ph_overview/Documents/strategy_wp_en.pdf
10. Reflection Process on Chronic Diseases. [citado
30 de Maio de 2016]. Obtido de: http://ec.europa.
eu/health/major_chronic_diseases/docs/reflection_process_cd_en.pdf
11. EU Action Plan on Childhood Obesity 2014‑2020.
[citado 30 de Maio de 2016]. Obtido de: http://ec.europa.eu/health/nutrition_physical_activity/docs/
childhoodobesity_actionplan_2014_2020_en.pdf
12. 2008‑2013 Action Plan for the Global Strategy for
the Prevention and Control of Noncommunicable
Diseases. [citado 30 de Maio de 2016]. Obtido
44
13.
14.
15.
16.
17.
18.
19.
20.
21.
22.
23.
24.
25.
26.
de: http://www.who.int/nmh/publications/ncd_
action_plan_en.pdf
World Health Assembly, World Health Organization, editores. Global strategy on diet, physical
activity, and health. Geneva, Switzerland: World
Health Organization; 2004.
Smed S. Financial penalties on foods: the fat tax
in Denmark. Nutr Bull. 2012;37:142–7.
Mytton OT, Clarke D, Rayner M. Taxing unhealthy food and drinks to improve health. BMJ.
2012;344:e2931.
Smed S, Scarborough P, Rayner M, et al. The
effects of the Danish saturated fat tax on food and
nutrient intake and modelled health outcomes:
an econometric and comparative risk assessment
evaluation. Eur J Clin Nutr. 2016; 70(6):681‑6
UNFCCC : Cancun Agreements. [citado 30 de Maio
de 2016]. Obtido de: http://cancun.unfccc.int/
Vermeulen SJ, Campbell BM, Ingram JSI. Climate Change and Food Systems. Annu Rev Environ Resour. 2012;37:195–222.
Gerber P, Steinfeld H, Henderson B, Mottet A,
Opio C (Ed). Tackling climate change through
livestock: a global assessment of emissions and
mitigation opportunities. 2013. Rome: FAO.
Tilman D, Clark M. Global diets link environmental sustainability and human health. Nature.
2014;515:518–22.
Bryngelsson D, Wirsenius S, Hedenus F, Sonesson U. How can the EU climate targets be met?
A combined analysis of technological and
demand‑side changes in food and agriculture.
Food Policy. 2016;59:152–64.
Springmann M, Godfray HCJ, Rayner M, Scarborough P. Analysis and valuation of the health and
climate change cobenefits of dietary change. Proc
Natl Acad Sci U S A. 2016;113:4146‑51
Burlingame B. Sustainable diets and biodiversity
‑ Directions and solutions for policy research and
action Proceedings of the International Scientific
Symposium Biodiversity and Sustainable Diets
United Against Hunger. 2012. Rome: FAO.
Find your way to eat greener, not too much and
be active. [citado 30 de Maio de 2016]. Obtido de:
http://www.fao.org/3/a‑az854e.pdf
Guia Alimentar para a População Brasileira. [citado 30 de Maio de 2016]. Obtido de:
http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/publicacoes/guia_alimentar_populacao_brasileira.pdf
The Eatwell Guide. [citado 30 de Maio de 2016].
Obtido de: https://www.gov.uk/government/
uploads/system/uploads/at tachment _data/
file/510366/UPDATED_Eatwell‑23MAR2016_
England.pdf
27. Homepage Voedingscentrum [citado 30 de Maio
de 2016]. Obtido de: http://www.voedingscentrum.nl/nl.aspx
Download