N.º40 Abr-Jun 2016 Pág. 36-44 Gabriel Mateus Presidente da Associação Projeto Safira Professor na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologia Cidadão informado, mundo transformado Palavras‑chave: Informação de saúde; Medicina integrativa; Estilo de vida; Doença crónica; Prevenção; Dieta sustentável Resumo O acesso facilitado a informação de saúde faz de nós hoje cidadãos mais exigentes e críticos, o que tem implicações na relação entre médico e doente. O doente deverá hoje ocupar uma posição ativa na decisão de tratamento médico em parceria com o profissional de saúde. Essa aliança deve estar centrada na pessoa, conjugando todos os esforços complementares de forma a recuperar a saúde e integridade do doente em todas as suas dimensões humanas. Por outro lado, as necessidades coletivas de saúde pública, num cenário em que as doenças crónicas são a principal causa de morte em todo o mundo, urge que se promova cada vez mais uma Medicina de Estilo de Vida. O estilo de vida enquanto instrumento de prevenção, é uma das mais poderosas armas que temos contra as doenças que mais afligem as nossas sociedades. Além disso, através do estilo de vida podemos contribuir para o equilíbrio social e ambiental. Dessa forma, ao investirmos na prevenção com base numa eficaz informação de saúde, temos a possibilidade não só de melhorar a saúde, mas também de transformar o mundo. 36 Introdução Reza a lenda que na China Antiga o médico servia as populações locais, as quais, em retorno, proviam todos os bens necessários à sua subsistência. No momento em que algum desses cidadãos adoecesse, o médico deixaria de receber qualquer apoio, uma vez que tinha fracassado a sua mais central função: evitar que aquelas pessoas adoecessem. Esta história pode bem servir como ponto de partida para uma reflexão sobre o real papel do médico e um dos pilares fundamentais sobre o qual assenta o próprio processo de intervenção terapêutica: a relação médico/doente. De paciente a participante A relação médico/doente é porventura uma relação delicada e complexa e nem sempre bem conseguida. Desde logo, porque existe um desequilíbrio natural e inevitável entre quem se encontra numa situação de fragilidade e vulnerabilidade e a outra parte da qual se espera que tenha a solução para resolver os seus problemas. Além disso, existem vários condicionamentos naturais, mas também sociais e culturais que favorecem uma atitude passiva por parte do doente. Um desses condicionamentos passa por existir um pressuposto implícito de que o doente não tem a capacidade de entendimento e conhecimento que lhe permita ter uma opinião válida para a decisão de tratamento. Por outro lado, as relações que estabelecemos com figuras de autoridade ou responsabilidade na nossa cultura é historicamente uma relação de quase reverência e submissão. É‑nos por isso muito difícil assumirmos uma atitude crítica e descomplexada na relação com essas figuras. Isso talvez possa ser explicado em parte pelo facto de não termos acompanhado inteiramente as grandes reformas culturais que aconteceram na Europa a partir do séc. XVI com o Humanismo e a Reforma mais a norte da Europa, onde as autoridades religiosas eram postas em causa, e o questionamento crítico sobre os assuntos do mundo passaram a ser mais evidentes. Foi nesse período, por exemplo, que a Bíblia começou a ser traduzida para as línguas comuns a partir do latim, dando assim pela primeira vez a oportunidade, a quem assim o quisesse, de ler os textos sagrados e desenvolver uma opinião pessoal e crítica sobre os mesmos. Até lá, as fórmulas religiosas de salvação eram passadas sem que ninguém soubesse muito bem porquê ou para quê. Restava uma confiança cega naqueles que funcionavam como intermediadores absolutos e inquestionáveis entre a criatura e Deus, entre a condenação e a salvação da alma. Por vezes ainda podemos encontrar reminiscências dessa estrutura na relação médico/doente. O profissional de saúde acaba por ocupar uma posição semelhante de intermediário absoluto, não mais da salvação da alma, mas da cura do corpo. É por isso muito comum que se instale uma grande assimetria nessa relação, em que o monopólio da decisão passa quase exclusivamente pelo médico e para a qual muitas vezes o doente não é convidado a participar. Esta condição tem o potencial de reforçar no doente a sua própria fragilidade por não lhe passar a mensagem de con- fiança e dignidade necessárias para fazer face à doença. Isso aliás está bem refletido na palavra «paciente», que transmite uma ideia de passividade. Hoje temos acesso às «escrituras» científicas de uma forma quase instantânea, o que faz de nós pessoas mais críticas e exigentes. Essa é uma realidade incontornável e para a qual é necessário encontrar novos modelos de relação médico/doente na qual ambos deverão ser parceiros e colaborar ativamente na decisão médica. Ter uma voz ativa no seu próprio tratamento poderá inclusive ter consequências para a recuperação do doente, se levarmos em consideração aspetos subjetivos e emocionais e a sua relação com a saúde física. Seria por isso altamente desejável que ao invés de uma relação passiva, marcada por uma grande distância hierárquica, se estabelecesse então uma parceria dinâmica entre ambas as partes. Num consultório encontram‑se dois cidadãos que se empenham para em conjunto encontrarem a melhor solução para um deles que está doente. É afinal necessário reduzir todos os papéis sociais à unidade mais essencial de uma cultura e sociedade: o cidadão. Esta unidade primeira deve ser em todas as circunstâncias reforçada. Informar para consentir Um profissional de saúde ocupa uma posição nobre. Não porque esteja em situação privilegiada e por isso possa deliberar sobre outros concidadãos, mas porque tem a possibilidade de contribuir com o seu conhecimento para a saúde inteira do seu doente. É aquele que, para além de prescrever medicamentos e aplicar protocolos, poderá reforçar esta unidade inteira de cidadania e de todas as funções, orgânicas e sociais que o definem. Convidar à participação por parte do cidadão doente representa uma das vias para reforçar a sua condição humana (e por isso com competências para decidir) e devolver‑lhe uma dignidade 37 N.º40 Abr-Jun 2016 Pág. 36-44 que muitas vezes fraqueja na doença. Essa aliás poderia bem ser a primeira e prioritária responsabilidade do médico. Este paradigma, no qual a decisão é partilhada por ambas as partes está de resto já parcialmente contemplado na instância do consentimento informado. À luz deste preceito, o doente deverá ser devidamente esclarecido relativamente à sua condição, de forma a participar na sua solução através do consentimento, o qual deverá ser concretizado formalmente Logicamente, o ato de consentir tem outro como implícito e adjacente: o de não consentir. Esse é um direito que assiste a todos. Este direito assenta num exercício básico de liberdade de escolha entre tratamentos. Parte do princípio que não é possível ser‑se portador de uma verdade absoluta e que, portanto, apenas se poderão fazer propostas e buscar o consenso. Medicina integrativa Um dos modelos emergentes atualmente em diversos contextos médicos tem sido designado como Medicina Integrativa, o qual coloca a pessoa inteira no centro da atenção médica, contemplando todos os meios complementares que possam assegurar um tratamento eficaz, assim como dar suporte a todas as suas dimensões humanas: física, emocional, mental, social e espiritual. Isso exige uma capacidade de diálogo e entendimento ainda longe de ser uma realidade comum. Esta relação de qualidade assenta numa responsabilidade partilhada e naquilo que poderíamos definir como a «ética do cuidador», na qual este deverá antes de tudo desenvolver a competência da empatia, ou seja, a capacidade de se colocar no lugar do outro. Esse deslocamento da atenção para fora de nós mesmos é porventura um dos maiores desafios para quem ocupa uma posição de cuidador. Nem sempre as escolhas refletem esse estado, e por vezes correm mesmo 38 o risco de serem feitas tendo em conta mais a sua auto‑preservação do que propriamente os reais interesses do doente. Tal fenómeno manifesta‑se por vezes naqueles momentos em que o profissional de saúde se sente ameaçado quando confrontado com dúvidas, ou informações obtidas por iniciativa própria pelo doente e sentidas como uma afronta ou ameaça, gerando assim uma resposta em conformidade, por vezes demasiado reativa. O profissional de saúde tem hoje de lidar com uma realidade na qual a informação está ao alcance do utente de uma forma que não acontecia antes. Não teve por isso ainda muito tempo para se adaptar a esta nova condição e de certa maneira ainda atua, por vezes, como se não existisse. Nesse sentido, será talvez necessário que a sua formação hoje contemple a aquisição de novas competências na relação com o utente informado, o que faz com que a literacia em saúde seja uma realidade bilateral: por um lado dever‑se‑á hoje procurar que a informação chegue ao cidadão de forma a que este possa desenvolver competências cognitivas e sociais, no que toca à sua saúde e à saúde dos outros; por outro lado o próprio profissional de saúde deveria desenvolver competências que o permitam conhecer e lidar melhor com um utente informado na forma de uma parceria dinâmica, em que este é levado em consideração, promovendo e até auxiliando a procura de conhecimento. E tal como no exemplo do médico da China Antiga, o profissional de saúde poderia ter um papel de suporte e de empoderamento do cidadão antes mesmo da doença se manifestar, funcionando como um agente de saúde a quem o utente se pode dirigir para dar suporte nas suas escolhas, de forma a manter‑se saudável. Medicina de estilo de vida A literacia em saúde faz ainda mais sentido quando está ao serviço da prevenção. Esta Medicina de Estilo de Vida é uma das maiores urgências para os tempos de hoje. Precisamos de reunir esforços entre todos para conseguir dar resposta aos desafios impostos pelo nosso estilo de vida ocidental, caracterizado por excessos alimentares e sedentarismo, condições associadas a muitas das doenças não‑transmissíveis que hoje representam a principal causa de morte em todo o mundo1. Figura 2 Prevenção de doenças crónicas Figura 1 Causas de mortalidade no mundo Não existe de facto nenhum medicamento atualmente disponível que consiga esses mesmos efeitos para a saúde. O estilo de vida é esse medicamento (Figura 3). Figura 3 Balanço de diversos fatores sobre a saúde A região onde existem mais mortes devido a doenças não‑transmissíveis é a Europa, onde as doenças crónicas são responsáveis por cerca de 86% de todas as mortes2. Em pouco mais de 20 anos, passámos de uma situação na qual os problemas de subnutrição e higiene representavam os principais fatores de risco associados ao maior número de mortes em todo o mundo, para outra na qual os fatores de risco associados à sobrealimentação passaram para o primeiro lugar1. O que isto significa é que uma grande parte das doenças que mais matam em todo o mundo são em larga medida evitáveis. Na realidade, cerca de 80% de todas as doenças crónicas poderiam ser evitadas se: não fumássemos, fizéssemos uma dieta saudável (de base vegetal), fizéssemos exercício físico regular e mantivéssemos um peso corporal saudável3,4 (Figura 2). Existe por isso um enorme potencial para reduzirmos muito significativamente muito do sofrimento humano, com todas as consequências sociais que daí advêm, caso nos empenhássemos todos em assumir um papel proativo na prevenção e investíssemos em saúde baseada em estilo de vida. Para tal, será necessário um compromisso coletivo e individual para com esse objetivo, assente numa melhor comunicação entre todas as partes que compõem o problema: cidadão, profissional de saúde, indústria e governo. 39 N.º40 Abr-Jun 2016 Pág. 36-44 Essa convergência nem sempre é bem conseguida, como podemos constatar, por exemplo, na relação entre a indústria dos alimentos, que pouca atenção presta à saúde dos consumidores, e a indústria da saúde, que pouca importância dá aos alimentos e ao seu potencial preventivo. A literacia em saúde deverá, portanto, desenvolver estratégias e métodos que consigam aproximar todas estas realidades umas das outras, reduzir esse fosso que os separa, e colocá‑las ao serviço do bem comum e dos interesses universais do bem‑estar, saúde e felicidade. Estilo de vida e sociedade O investimento na saúde proativa, leia‑se prevenção, tem aliás muitas outras dimensões que podem beneficiar com essas medidas e que estão todas interligadas. Já não se pode falar apenas de saúde humana sem contemplar a dimensão social e ambiental de um estilo de vida saudável. O impacto social de um estilo de vida ocidental, obesogénico, é grande, se pensarmos no que isso representa em custos de saúde com doenças em grande medida evitáveis. A fatura financeira dos custos associados a doenças crónicas é muito elevada, representando em média cerca de 70 a 80% do orçamento de saúde nos países da União Europeia, o que significa cerca de 700 mil milhões de euros a serem gastos por ano5–7 em gastos com saúde devido a essas doenças. Só com as doenças oncológicas, por exemplo, em 2009 foram gastos cerca de 2048 milhões de euros em Portugal com custos diretos e indiretos8. Por outro lado, de acordo com a OCDE, os investimentos em prevenção e promoção de estilos de vida saudáveis representam em média, apenas cerca de 3% dos orçamentos anuais dos países da Europa, em comparação com os 97% gastos em tratamentos e cuidados de saúde9,10 (Figura 4). 40 Figura 4 Orçamento de saúde anual na União Europeia (UE) PREVENÇÃO 3% TRATAMENTOS 97% Existe claramente um défice de atenção e investimento naquela que parece ser a área da saúde mais importante e capaz de proteger os cidadãos de sofrimento desnecessário, assim como proteger a sociedade de custos com saúde evitáveis. Nesse sentido, dar ao cidadão os instrumentos necessários para diminuir a incidência de doenças crónicas, é um ato não só eticamente desejável, como financeiramente necessário. Esses instrumentos deverão passar por iniciativas de literacia para uma saúde proativa, contínua e presente em todas as fases da vida, assim como em diversos contextos sociais, tais como: ambiente escolar, meios de comunicação, profissionais de saúde, formações, entre outros. Além disso, poderá ser recomendável acompanhar essas iniciativas de medidas concretas que envolvam, por exemplo, implementar taxas sobre alimentos considerados pouco saudáveis e facilitar o acesso a outros que fazem parte de um padrão alimentar saudável. A própria Organização Mundial de Saúde (OMS) sugere que se utilizem medidas fiscais para reforçar e promover estilos de vida saudáveis11–13. Alguns países já introduziram medidas deste tipo, tais como: México (refrigerantes e junk food), Dinamarca (gorduras saturadas)14, Hungria (alimentos ricos em gordura e açúcar) e França (refrigerantes)15. As medidas adotadas na Dinamarca, por exemplo, que consistiram em taxar as gorduras saturadas, contribuíram para uma redução de 4% no consumo de gorduras saturadas e um aumento no consumo de vegetais e fibra em 7,9% e 3,7%, respetivamente16. Estilo de vida e ambiente Outra das dimensões indissociáveis de um estilo de vida saudável e de uma saúde proativa encontramos no impacto ambiental que têm as nossas escolhas alimentares. Estamos hoje todos debaixo da sombra dos problemas associados ao aquecimento global. As alterações climáticas em curso, poderão facilmente comprometer o equilíbrio dos nossos ecossistemas e consequentemente o futuro das próximas gerações. Cabe‑nos a cada um de nós por isso perguntar: que legado queremos deixar para os nossos filhos e netos? Na tentativa de conter as consequências dessas alterações, estabeleceu‑se um consenso global de não atingir um aumento de 2 graus centígrados na temperatura média do planeta17. Parte dos esforços para atingir esse objetivo estão centrados nas emissões de dióxido de carbono devido aos combustíveis fósseis e à desflorestação. No entanto, focar apenas nestes dois fatores poderá ser insuficiente se não levarmos em conta as emissões associadas à produção de alimentos. A produção e consumo de alimentos contribui com cerca de 19‑29% de todas as emissões de gases com efeito de estufa (GEE)18. A agropecuária representa cerca de 14,5% de todas as emissões de GEE, das quais a produção de carne de vaca e leite contribuem em 41% e 20%, respetivamente; a produção de carne de porco e de galinha e ovos, contribuem em 9% e 8%, respetivamente19. Por outro lado, os alimentos de origem vegetal estão associados a emissões bastante mais baixas. Por exemplo, se compa- rarmos leguminosas com carnes de ruminantes, estas têm 250 vezes mais emissões de GEE por grama de proteína, do que as primeiras. Além disso, 20 porções de vegetais estão associadas a menos emissões do que 1 porção de bife de vaca20. O que isto significa é que se continuarmos com esta trajetória, na qual o consumo de produtos de origem animal aumenta progressivamente em todo o mundo, poderemos chegar a um aumento de 80% nas emissões de GEE em 2050. Se em vez disso, alterássemos os nossos padrões alimentares poderíamos diminuir essas emissões em: 30%, com uma dieta Mediterrânica; 45% com uma dieta pescetariana; e 55% com uma dieta vegetariana20 (Fig 5). Figura 5 Diminuição de GEE em 2050 de acordo com o padrão alimentar GEE – Emissão de gases de estufa 30% 45% 55% De acordo com análises disponíveis, se não reduzirmos em cerca de 50% o consumo de carne de ruminantes na Europa, não será possível atingir os objetivo dos dois graus centígrados21. Quando associamos aos objetivos ambientais os benefícios para a saúde humana, então observamos que dietas de base vegetal representam a melhor estratégia para garantirmos um futuro sustentável. 41 N.º40 Abr-Jun 2016 Pág. 36-44 De acordo com um estudo recente, uma dieta saudável está associada a 5,1 milhões de mortes evitadas e 29% menos emissões em 2050; uma dieta vegetariana está associada a 7,3 milhões de mortes evitadas e 45‑55% menos emissões; uma dieta vegana está associada a 8,1 milhões de mortes evitadas e 63‑70% menos emissões22 (Figura 6). Figura 6 Mortes evitadas e diminuição de GEE em 2050 de acordo com o padrão alimentar GEE – Emissão de gases de estufa Mortes evitadas em 2050 (Milhões) Redução de GEE em 2050 8,1 a segurança dos alimentos e nutricional assim como para uma vida saudável para a presente e futuras gerações. As dietas sustentáveis são protetoras e respeitadoras da biodiversidade e ecossistemas, culturalmente aceitáveis, acessíveis, economicamente justas e baratas; nutricionalmente adequadas, seguras e saudáveis; além de otimizar os recursos humanos e naturais.»23 (Figura 7). Figura 7 Dietas sustentáveis e biodiversidade unidas contra a fome ‑ Simposium FAO, Roma‑201223 70% 7,3 55% 5,1 29% O mesmo estudo estima que, caso se adotasse um padrão alimentar saudável, seria possível poupar cerca de 735 mil milhões de dólares por ano em 2050 com custos de saúde. Caso se adotasse uma dieta vegetariana, seria possível poupar cerca de 973 mil milhões de dólares por ano e no caso de se adotar uma dieta vegana, esses valores poderiam chegar aos 1067 biliões de dólares por ano22. Tudo isto leva‑nos a concluir que o estilo de vida que adotamos tem implicações profundas para a nossa saúde, a sustentabilidade do nosso sistema financeiro e o ambiente. De certa maneira parece claro que aquilo que é saudável para as pessoas, é também para o planeta. É nesse âmbito que, mais do que falar de dietas saudáveis, parece mais adequado falarmos hoje de dietas sustentáveis, tal como são definidas pela FAO: «dietas sustentáveis são aquelas com um impacto ambiental baixo e que contribuem para 42 Essa noção já nem sequer é assim tão nova: na emblemática obra de Platão, A República, na qual o filósofo nos apresenta um modelo de cidade ideal, Sócrates descreve uma cidade onde se faz uma dieta de base vegetal, sem excessos, justificando que uma cidade de excessos é uma cidade inflamada, o que dá origem a doenças, injustiça e guerras. Além disso, acrescenta o filósofo, um estilo de vida «inflamado» vai necessitar de mais médicos, terreno para os animais e território para os humanos, o que leva à guerra. Alguns países, tais como a Suécia24, Brasil , Reino Unido26 ou Holanda27, por estarem atentos a essa realidade, já incluem nos seus programas de recomendações alimentares essas preocupações e fazem recomendações para a população tendo em conta o impacto conjunto para a saúde e para o ambiente. 25 Informar para transformar Levando em consideração tudo o que referimos antes, uma literacia para a saúde já não pode contemplar apenas preocupações centradas na saúde humana sem incluir todas as outras dimensões subjacentes. Quando assumimos o modelo de uma Medicina Integrativa, então não podemos deixar de colocar a pessoa no centro, reforçando as suas competências cognitivas e empoderando‑a de forma a ocupar um papel ativo na sua própria recuperação ou manutenção. A expressão «Integrativa» deve assim ser entendida de duas maneiras: por um lado o profissional de saúde vê o doente como uma pessoa multidimensional e é capaz de recorrer a diferentes abordagens compatíveis e complementares entre si, de forma a tratar e dar suporte a todas essas dimensões; por outro, a sua prioridade deverá ser preservar e recuperar, na melhor medida do possível, a integridade física e psicológica do doente. Quando olhamos a mesma questão a partir de uma referência de Medicina de Estilo de Vida, então o enfoque deveria ser colocado na manutenção da saúde de forma continuada e simultaneamente incluindo dimensões mais abrangentes do que apenas a saúde humana, nomeadamente o equilíbrio social e do ambiente. Em todas estas perspetivas uma informação de saúde dinâmica, legível, integradora e eficaz é uma condição essencial para que cada cidadão seja capaz de se responsabilizar pelo seu próprio processo de saúde, em parceria com os profissionais de saúde, em particular investindo na saúde proativa, ou prevenção. Para tal ser possível, a relação entre médico e pessoa doente deverá ser capaz de integrar essa dinâmica assente no respeito, dignidade e capacidade de se colocar no lugar do outro. Além dessa responsabilização pessoal, é inevitável que preocupações mais abrangentes como a sustentabilidade social e ambiental estejam cada vez mais presentes, ou seja, um cidadão informado pode (e deve) conduzir a um mundo transformado. A informação em saúde (nessa perspetiva multidimensional que falámos) deveria por isso estar ao serviço da transformação da pessoa, da sociedade e do mundo. 43 N.º40 Abr-Jun 2016 Pág. 36-44 Referências 1. GBD 2013 Risk Factors Collaborators. 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