do artigo

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Rev Bras Cardiol. 2013;26(1):26-32
janeiro/fevereiro
Artigo
Original
2
Souza Neto et al.
Risco Cardiovascular na Terapia Antirretroviral
Artigo Original
Dislipidemia e Risco Cardiovascular na Terapia Antirretroviral:
o manejo dos fatores modificáveis
Dyslipidemia and Cardiovascular Risk in Antiretroviral Therapy: management of modifiable factors
Aureliano Inácio de Souza Neto1, José Maria Peixoto1, Alexandre Sampaio Moura1,2, Palmira de Fátima Bonolo3
Resumo
Abstract
Fundamentos: A terapia antirretroviral (TARV) utilizada
na infecção pelo HIV trouxe impacto na redução da
morbidade e mortalidade. Entretanto as drogas utilizadas
na TARV tendem a elevar os níveis lipídicos, redistribuir
a gordura corporal e apresentar resistência insulínica.
Espera-se que a incidência de doenças cardiovasculares
prematuras aumente devido ao perfil de risco
cardiovascular elevado e ao aumento da esperança de
vida dos doentes infectados com HIV.
Objetivo: Analisar a associação da terapia antirretroviral
com o perfil lipídico e o risco cardiovascular entre
indivíduos vivendo com HIV e AIDS.
Métodos: Estudo observacional retrospectivo, incluindo
42 prontuários de pacientes acompanhados pelo Centro
de Especialidades Médicas Norte UNIFENAS BH e
Hospital Eduardo de Menezes (HEM MG) com
diagnóstico de HIV/AIDS. Foi realizada análise evolutiva
dos lipídeos séricos e do risco cardiovascular durante o
primeiro ano de terapia antirretroviral.
Resultados: Maioria da população estudada constituída
por homens (76,2%), média de idade de 43±10,50 anos.
Os níveis séricos médios de LDL passaram de
106,3±33,06 mg/dl para 129,9±38,40 mg/dl após 12
meses de terapia (p=0,007) e os de colesterol de
178,5±42,20 mg/dl para 204,7±49,03 mg/dl (p=0,040).
O risco cardiovascular médio passou de 5,2±1,41% para
7,8±1,35% (p=0,028). Considerando-se que fossem
tratados todos os fatores de risco modificáveis dos
pacientes com médio/alto risco, 88,9% retornariam para
a classificação de baixo risco.
Conclusão: Houve incremento dos níveis séricos do CT
e do LDL-c, bem como do risco cardiovascular, ao longo
Background: Antiretroviral therapy (ART) used for
HIV infection has helped lower morbidity and
mortality rates. However, ART drugs tend to increase
lipid levels and redistribute body fat, with increased
insulin resistance. The incidence of premature
cardiovascular diseases is expected to rise, due to this
high cardiovascular risk profile and increased life
expectancy among patients infected with HIV.
O b j e c t i v e : To a n a l y z e a s s o c i a t i o n s b e t w e e n
ant iret roviral t herapy and lipid profiles and
cardiovascular risks among people living with HIV
and AIDS.
Methods: A retrospective observational study based
on 42 medical records of HIV/AIDS patients
monitored at the North Medical Specialties Center,
UNIFENAS BH and the Eduardo de Menezes Hospital
(HEM MG) was conducted through a progressive
analysis of serum lipids and cardiovascular risks
during the first year of antiretroviral therapy.
Results: Most (76.2%) of the population in this study
were men, with a mean age of 43±10.50 years. The
mean LDL serum levels rose from 106.3±33.06 mg/dl
to 129.9±38.40 mg/dl after 12 months of therapy
(p=0.007), with cholesterol up from 178.5±42.20 mg/dl
to 204.7±49.03 mg/dl (p=0.040). The average
cardiovascular risk rose from 5.2±1.41% to 7.8±1.35%
(p=0.028). If all the modifiable risk factors were treated
for medium to high risk patients, 88.9% of them would
drop to a low risk rating.
Conclusion: There was an increase in TC and LDL-C
serum levels and cardiovascular risks during the first
year after starting antiretroviral therapy.
Faculdade de Ciências Médicas - UNIFENAS BH - Belo Horizonte, MG - Brasil
Departamento de Infectologia - Hospital Eduardo de Menezes - FHEMIG - Belo Horizonte, MG - Brasil
3
Departamento de Ciências Médicas - Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) - Ouro Preto, MG - Brasil
1
2
Correspondência: Palmira de Fátima Bonolo
E-mail: [email protected]
Campus Morro do Cruzeiro, s/n - Bauxita - 35400-000 - Ouro Preto, MG - Brasil
Recebido em: 09/09/2012 | Aceito em: 30/10/2012
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Souza Neto et al.
Risco Cardiovascular na Terapia Antirretroviral
Artigo Original
Rev Bras Cardiol. 2013;26(1):26-32
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do primeiro ano após o início da terapia antirretroviral.
P a l a v r a s - c h a v e : D i s l i p i d e m i a s ; H I V; Te r a p i a
antirretroviral
Keywords: Dyslipidemias; HIV; Antiretroviral therapy
Introdução
UNIFENAS BH e ambulatório do Hospital
Eduardo de Menezes – HEM MG.
As alterações metabólicas como dislipidemia e
resistência insulínica são efeitos secundários à terapia
antirretroviral (TARV) e constituem fatores de risco
para as doenças cardiovasculares1,2.
Já está bem documentado que a dislipidemia ocorre
após a instituição da TARV, especialmente em
pacientes que usam inibidores de protease e inibidores
da transcriptase reversa. Em estudo realizado na
cidade de Belo Horizonte, envolvendo 692 pacientes,
foi encontrada uma prevalência de dislipidemia três
vezes maior nos pacientes após o início da TARV, e
estava associada com a duração do tratamento3.
Estima-se que a incidência de doenças cardiovasculares
prematuras aumente devido ao perfil de risco
cardiovascular elevado e ao aumento da sobrevida
dos pacientes infectados com HIV4. Estudo francês
mostrou que as doenças cardiovasculares são a quarta
causa de morte (7%) entre os pacientes infectados pelo
HIV5. Por isso, a estimativa do risco cardiovascular e
o manejo de fatores de risco para as doenças
cardiovasculares, em pacientes portadores do HIV,
devem fazer parte da abordagem do tratamento desses
pacientes.
O monitoramento dos efeitos metabólicos do
tratamento apresenta-se assim como um desafio para
os serviços de referência, exigindo abordagem por
equipe multidisciplinar, envolvendo: infectologistas,
endocrinologistas, cardiologistas, nutricionistas,
dentre outros6.
Os objetivos deste estudo foram: analisar o impacto
da terapia antirretroviral sobre o perfil lipídico e o
risco cardiovascular de pacientes infectados pelo HIV;
e estimar o impacto do manejo dos fatores de risco
modificáveis.
Métodos
Estudo observacional retrospectivo, incluindo a
revisão de 42 prontuários de pacientes atendidos
em dois serviços de referência para
acompanhamento de pessoas com diagnóstico de
HIV positivo e AIDS, no ambulatório de
infectologia do Centro de Especialidades Médicas
Norte da Faculdade de Ciências Médicas da
Foi utilizada uma amostra de conveniência na qual os
prontuários eram consecutivamente avaliados no
atendimento de rotina dos pacientes nos ambulatórios.
Os pacientes incluídos no estudo tinham pelo menos
um ano completo de terapia antirretroviral (TARV),
sendo necessário ter resultados de dosagem de
colesterol total (CT), triglicérides (TG), HDL-colesterol
(HDL-c) e LDL-colesterol (LDL-c) no momento da
primeira prescrição dos antirretrovirais e, pelo menos,
uma dosagem aos seis ou 12 meses de terapia. Os
pacientes foram acompanhados durante o primeiro
ano após o início da terapia antirretroviral.
Foram anotadas as características sociodemográficas
(sexo, situação conjugal, etnia e idade), características
clínicas (primeiro esquema antirretroviral utilizado,
tempo entre o primeiro teste anti-HIV e a primeira
prescrição de antirretrovirais) e os fatores de risco
cardiovascular (tabagismo, diabetes melittus, pressão
arterial e dislipidemia), obtidos a partir do registro
médico no prontuário.
Dislipidemia foi definida como a presença de pelo
menos uma dosagem de lipídeos séricos alterados
de acordo com os valores de referência da IV
Diretriz Brasileira Sobre Dislipidemias e Prevenção
da Aterosclerose7. Realizou-se a análise evolutiva
dos valores dos lipídeos séricos no momento da
primeira prescrição, seis e 12 meses após o início
da terapia. Os valores dos lipídeos séricos foram
expressos em mg/dl.
O principal desfecho estudado foi o risco cardiovascular
estimado pelo escore de Framingham. As variáveis
que o compõe são: idade, sexo, tabagismo, diabetes
melittus, LDL-c, HDL-c, CT e pressão arterial8.
Para estimativa do potencial impacto no risco
cardiovascular no manejo dos fatores de risco
modificáveis, considerou-se que esses fatores tivessem
sido tratados ou eliminados, alcançando valores que
resultassem na menor pontuação possível no escore
de Framingham (CT<160 mg/dl, LDL-c<100 mg/dl,
HDL≥60 mg/dl, ausência de tabagismo e pressão
arterial <130x85 mmHg) 8 . Foram considerados
pacientes de médio/elevado risco aqueles que
apresentassem risco cardiovascular estimado pelo
escore de Framingham ≥10% em 10 anos.
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Testes estatísticos pareados (teste t pareado e teste
McNemar) foram utilizados para a comparação entre
os valores de lipídeos séricos e o risco cardiovascular
no momento zero, seis meses e 12 meses pós-terapia.
As análises foram realizadas pelo programa SPSS®
versão 16 e foi o utilizado o software Paradox® versão
9.0 para a manutenção do banco de dados. Foi
considerado como estatisticamente significativo um
valor de p≤0,05 e intervalo de confiança de 95%.
O estudo foi aprovado pelos Comitês de Ética em
Pesquisa do Hospital Eduardo de Menezes e da
Faculdade de Ciências Médicas - UNIFENAS BH sob
o nº 270/2009.
Resultados
Tabela 1
Prevalência dos fatores de risco cardiovascular no
momento da primeira prescrição da terapia
antirretroviral
Fatores de risco cardiovascular
n
Hipertensão 4
9,8
Tabagismo 14
36,8
Dislipidemia
27
67,5
Idade > 40 anos
24
57,1
0
0
32
76,2
Diabetes melittus
Sexo masculino
Tabela 2
Nível médio dos lipídeos séricos (mg/dl) segundo o
momento da terapia
Lipídeos
Foram analisados 42 prontuários de pacientes, sendo
76,2% homens (relação homem/mulher de 3:1), com
idade variando de 27-64 anos, sendo a média igual a
43,2±10,5 anos e mediana de 42 anos. Dos que tinham
cor relatada (n=25), 68% eram não brancos. Cerca de
70% (n=23) eram solteiros, divorciados ou viúvos e
66,7% tinham menos de oito anos de escolaridade
formal. O tempo médio entre a primeira sorologia
anti-HIV positiva e a primeira prescrição de
antirretroviral foi igual a 531,8±1231,9 dias e a mediana
foi 99 dias. No momento da primeira prescrição, 71,4%
dos pacientes já tinham apresentado alguma doença
definidora de AIDS e/ou contagem de linfócitos T
CD4 <200 cels/mm 3. O esquema mais usado na
primeira prescrição foi o zidovudina associada à
lamivudina e efavirenz (73,8%) e a grande maioria dos
pacientes (88%) manteve o esquema inicialmente
prescrito ao longo dos primeiro 12 meses de
acompanhamento.
%
Prescrição 6 meses
HDL-c
p*
12 meses p*
46,0
50,1
0,653
49,4
0,092
CT
178,5
203,0
0,017
204,7
0,004
LDL-c
106,3
130,3
0,001
129,9
0,007
TG
151,1
146,8
0,712
153,8
0,559
*Teste t pareado, IC95%; HDL-c=HDL-colesterol; CT=colesterol
total; LDL-c=LDL-colesterol; TG=triglicerídeos
terapia (p=0,001 e p=0,007), respectivamente. Os
níveis de colesterol total na prescrição, após seis e 12
meses de terapia foram 178,5±42,20 mg/dl,
203,0±46,60 mg/dl e 204,7±49,03 mg/dl,
respectivamente (p<0,017 e p<0,04). Não houve
alteração significativa dos níveis de triglicerídeos e
HDL-c. As médias dos lipídeos séricos no momento
da primeira prescrição, seis e 12 meses após primeira
prescrição estão descritos na Tabela 2.
Dentre os fatores de risco cardiovascular modificáveis,
aproximadamente 70% apresentavam dislipidemia no
momento da primeira prescrição e 9,8% tinham
hipertensão arterial. A prevalência dos fatores de risco
cardiovascular, no momento da primeira prescrição,
está apresentada na Tabela 1.
A média do risco cardiovascular no momento inicial
da terapia, após seis e 12 meses está apresentada na
Tabela 3. No início da terapia, 12,5% dos pacientes
tinham risco cardiovascular médio/alto risco
(Tabela 3); com seis e 12 meses esta proporção era de
22,9% e 26,5%, respectivamente. Essa diferença foi
significativa na comparação entre os valores basais e
os 12 meses após a primeira prescrição (p<0,031).
A análise do perfil lipídico e risco cardiovascular
( v a l o re s m é d i o s ) m o s t ro u : L D L p a s s o u d e
1 0 6 , 3 ± 3 3 , 0 6 mg/dl para 130,3±38,40 mg/dl e
129,9±42,20 mg/dl, em seis meses e 12 meses de
Considerando-se que fossem tratados todos os fatores
de risco modificáveis dos pacientes com médio/alto
risco, 88,9% retornariam para a classificação de baixo
risco. Na simulação do tratamento da dislipidemia
Tabela 3
Risco cardiovascular segundo o momento da terapia
Escore de Framingham
Risco cardiovascular (em 10 anos)
Risco cardiovascular (médio e alto risco)
* Teste t pareado ** Teste de McNemar
28
Prescrição
6 meses
p
12 meses
p
5,2%
7,1%
0,022*
7,8%
0,028*
12,5%
22,9%
0,375**
26,5%
0,031**
Souza Neto et al.
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Artigo Original
com dieta, atividade física e estatinas, haveria redução
do LDL-c e CT, com 77,8% desses pacientes passando
para a classificação de baixo risco. Se entre os pacientes
com médio/alto risco fosse realizada a abordagem
visando à cessação do tabagismo e esta fosse efetiva,
33,3% se tornariam de baixo risco apenas com a
eliminação desse fator. Em relação aos níveis
tensionais, 44,4% dos pacientes se tornariam de baixo
risco apenas com o controle dos níveis pressóricos a
níveis considerados ideais. Na amostra estudada não
houve pacientes com diabetes melittus.
Discussão
Houve predominância do sexo masculino nos
pacientes acompanhados pelos serviços de referência
da UNIFENAS BH e HEM MG (3:1), destacando-se da
tendência nacional que mostra uma relação homem/
mulher de 1,9:1 9.
Observa-se alta prevalência de alguns fatores de
risco modificáveis nessa população, como
dislipidemia e tabagismo. Embora se tenha uma
amostra pequena neste levantamento, as
características de maior risco se assemelham aos da
população do estudo DAD10. Comparando os dados
deste estudo, há semelhança quanto à mediana de
idade (39 anos no DAD vs. 42 anos), quanto à
proporção de homens (75,9% no DAD vs. 76,2%),
presença de diabetes melittus (2,8% vs. 0%) e
hipertensão arterial (7,2% vs. 9,8%), mas houve
diferença quanto ao tabagismo (56,2% vs. 36,8%)10.
No entanto, a prevalência de tabagismo foi
semelhante ao estudo de Abreu et al.11
Quanto ao perfil lipídico, houve elevação significativa
do CT e do LDL-c após início da TARV. A literatura é
unânime na demonstração da elevação do colesterol
total sérico com o uso de antirretrovirais, podendo
ocorrer elevação concomitante de triglicérides e
redução dos níveis de HDL-c1-3,6,10-13.
Abreu et al.11 conduziram um estudo observacional
retrospectivo, em 2006, no hospital da UFRJ no qual
analisaram o CT no tempo zero, seis e 12 meses da
primeira prescrição de TARV, comparando esquema
com inibidores de protease e esquema sem
inibidores. Os resultados mostraram que houve
incremento significativo do CT em relação aos
valores basais apenas com seis meses de terapia,
tanto no esquema com quanto no sem inibidor de
protease11.
Também no Rio de Janeiro, Rimolo et al.6 realizaram
estudo observacional descritivo de pacientes HIV em
tratamento antirretroviral por seis meses, os quais
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foram submetidos a exames para avaliar o perfil
metabólico, enzimas hepáticas, função tireoidiana e
renal, CV e CD4+ e leucograma, além de ECG,
ecocardiograma e Doppler de carótidas. Os resultados
mostraram aumento dos triglicerídeos e do CT,
diminuição do HDL-c, aumento da glicemia de jejum,
do teste oral de tolerância à glicose, além de alterações
de repolarização difusa ao ECG, aumento de VE e
hipocinesia ao ecocardiograma, Muitas dessas
alterações não cederam após tratamentos específicos,
sendo necessário substituir a medicação antirretroviral6.
Tomazic et al.13 demonstraram, em estudo de casocontrole para estimar a prevalência de lipodistrofia e
alterações metabólicas em pacientes em tratamento
antirretroviral, que a dislipidemia foi a alteração
metabólica mais encontrada, com 72% dos pacientes
tendo aumento do CT e 49% com hipertrigliceridemia.
No grupo tratado com pelo menos seis meses de
terapia foi observada prevalência de 36% de
lipodistrofia, 38% de resistência insulínica (com 27%
tendo glicemia de jejum alterada e 7% o diabetes).
O presente estudo evidenciou que os pacientes
acompanhados pelos serviços apresentaram aumento
significativo do risco cardiovascular já com seis meses
de terapia. Com um ano de terapia, a proporção de
pacientes com risco cardiovascular médio/alto mais
que dobrou. O primeiro trabalho que mostrou a relação
da terapia com o aumento do risco cardiovascular foi
o estudo DAD 10, um estudo amplo prospectivo,
internacional, envolvendo 11 coortes em 20 países. Na
ocasião, os antirretrovirais foram associados ao
aumento do risco de infarto do miocárdio (RR: 1,26)
por ano de exposição durante os primeiros 4-6 anos.
Com essa pesquisa ficou bem documentado que
fatores de risco como idade, tabagismo, sexo, diabetes
melittus e colesterol total estavam associados com
hipertrigliceridemia e infarto do miocárdio10.
Em estudo norueguês, comparando 219 pacientes em
tratamento, 64 pacientes iniciando o tratamento e 438
pacientes-controle HIV negativo, 11,9% dos pacientes
apresentavam risco cardiovascular médio >20%,
comparado com 5,3% do grupo- controle (p<0,01). Os
principais contribuintes para esse aumento do risco
foram tabagismo, aumento do CT e baixo HDL-c. Nos
pacientes em início da terapia, a prevalência do risco
cardiovascular foi similar aos pacientes-controle HIV
negativo13.
Com base nos tratamentos hipotéticos dos fatores de
risco cardiovascular realizados neste estudo ficou
demonstrado que é possível amenizar o impacto da
terapia sobre esse risco, fazendo com que os pacientes
sejam classificados de acordo com os fatores não
modificáveis, por exemplo, sexo e idade.
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Um dos mais importantes fatores de risco em pacientes
recebendo TARV é o tabagismo. Pesquisa realizada
por Bergensen14 mostrou que a cessação do tabagismo
por meio de grupos terapêuticos ocorreu para 50%
dos pacientes e 32% se mantiveram abstinentes nos 12
meses seguintes. O médico pode prescrever os
adesivos de nicotina e bupropiona, pois não são
contraindicados para pacientes recebendo a terapia14.
De acordo com o presente estudo, se ocorresse a
cessação do tabagismo em pacientes de médio/alto
risco, 33,3% se tornariam de baixo risco.
A introdução de uma dieta saudável isolada mostra
que ocorre uma pequena diminuição dos níveis de
lipídeos séricos nos pacientes dislipidêmicos recebendo
TARV, mas em combinação com exercícios físicos
podem reduzir o colesterol total, a resistência
insulínica e a gordura visceral15,16. Na simulação do
tratamento da dislipidemia com dieta, atividade física
associada a estatinas, no presente estudo haveria
redução do LDL-c e CT, com 77,8% dos pacientes se
tornando de baixo risco. Em pacientes que já
apresentam dislipidemia no momento da primeira
prescrição, devem ser priorizados os esquema
terapêuticos com baixo poder de causar dislipidemia.
Entretanto essas escolhas devem ser individualizadas
e seguir as recomendações de tratamento de acordo
com os consensos nacionais 17. Os benefícios dos
medicamentos anti-hiperlipêmicos nos pacientes
dislipidêmicos associados à dieta saudável estão
c o m p ro v a d o s n o s p a c i e n t e s c o m d o e n ç a s
cardiovasculares, diabetes melittus ou risco
cardiovascular >20% em 10 anos18. Ahipertrigliceridemia
é um problema comum em pacientes em uso de
antirretrovirais.
O estudo DAD10, em sua análise multivariada, mostrou
que os níveis séricos de triglicérides foram um fator
de risco independente para as doenças
cardiovasculares10. Nesse caso deve-se iniciar um
programa de exercícios físicos, dieta rica em fibras,
pobre em gorduras saturadas, cereais integrais, e usar
medicamentos se a terapia não medicamentosa falhar.
Dentre os medicamentos destacam-se os óleos de peixe
(ômega 3) e os fibratos 19. Para o tratamento da
hipercolesterolemia, pode-se usar os inibidores da
HMG-CoA redutase, por exemplo, pravastatina e
atorvastatina, pois já está provado que são seguros
quando usados concomitante aos antirretrovirais; a
sinvastatina está contraindicada devido às
interações17,20,21. Assim como na hipertrigliceridemia,
deve-se associar atividade física, dieta, estatinas e
fibratos para atingir as metas lipídicas.
Na amostra estudada não havia pacientes com
diabetes melittus, mas mesmo assim os níveis
glicêmicos devem ser monitorados nos pacientes em
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Souza Neto et al.
Risco Cardiovascular na Terapia Antirretroviral
Artigo Original
terapia, especialmente quando se usam classes que
alteram o metabolismo glicêmico. Dentre as classes
utilizadas, o indinavir (inibidor da protease) se mostra
capaz de induzir a resistência insulínica22. Os autores
do estudo DAD 10 concluíram que não há risco
aumentado de diabetes entre os pacientes recebendo
a terapia quando comparado aos pacientes que não
estavam em tratamento, mas mesmo assim considerase o diabetes um fator de risco independente para
infarto agudo do miocárdio10. A primeira linha de
tratamento em pessoas com diabetes melittus tipo 2 é
a metformina associada ou não à sulfonilureia. Essas
duas classes podem interagir com os antirretrovirais
e causar uma acidose lática, mas na prática clínica é
muito incomum. Uma nova classe de antidiabéticos
orais (glitazonas) indica resultados promissores em
pacientes com diabetes e alterações lipodistróficas23.
Quanto à terapia de hipertensão arterial, os protocolos
de tratamento utilizados para a população em geral
podem ser aplicados aos indivíduos portadores de
HIV e AIDS. Entretanto, alguns efeitos colaterais como
o aumento de lipídeos séricos podem ocorrer quando
se utilizam determinadas classes de antirretrovirais
como, por exemplo, os diuréticos tiazídicos ou
betabloqueadores 21 . Quando a hipertensão é
diagnosticada em pacientes diabéticos deve-se
pesquisar a proteinúria e estimar o clearance de
creatinina (fórmula de Crockoft-Gault) para avaliar as
lesões em órgãos-alvo e corrigir a dose
medicamentosa24,25. As classes de anti-hipertensivos de
escolha em pacientes diabéticos com proteinúria são
os inibidores de enzima conversora de angiontensina
ou os bloqueadores dos receptores de angiotensina II,
melhorando não só a hipertensão, mas também a
função renal26. Na presente análise, 44,4% dos pacientes
se tornariam de baixo risco apenas com o controle dos
níveis pressóricos a níveis considerados ideais.
Os fatores de risco devem ser identificados no
momento da primeira consulta, antes de iniciar a
terapia, como a dosagem dos lipídeos séricos, glicemia,
pressão arterial, índice de massa corpórea,
eletrocardiograma e informações como tabagismo,
etilismo, histórico familiar para doenças
cardiovasculares, doenças prévias e uso de medicações.
Pacientes com dislipidemia, alterações de glicemia ou
hipertensão devem iniciar uma dieta saudável,
praticar exercícios físicos e cessar tabagismo quando
for o caso. A escolha do antirretroviral nesses casos
deve ser individualizada, mas de acordo com as
recomendações brasileiras para tratamento do
paciente com HIV27. Contudo, o mais importante é o
médico identificar e acompanhar os fatores de risco
modificáveis com uma abordagem multiprofissional
para se obter maior impacto e sustentabilidade pela
adesão do paciente ao longo do tempo.
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Risco Cardiovascular na Terapia Antirretroviral
Artigo Original
O presente estudo apresenta algumas limitações. A
principal foi o número pequeno de pacientes
analisados. Também devido ao fato de o estudo se
basear em análise de prontuário, sujeito à qualidade
do registro das informações pelo profissional
médico. Por fim, por não terem sido analisadas
variáveis como adesão à terapia antirretroviral,
realização de atividade física, hábitos alimentares
ou mesmo histórico familiar de doenças
cardiovasculares.
Conclusão
Houve incremento dos níveis séricos do CT e do
LDL-c, bem como do risco cardiovascular, ao longo
do primeiro ano após o início da terapia antirretroviral.
Os achados reforçam a necessidade do delineamento
de estratégias de acompanhamento e controle não só
da infecção pelo HIV como também da dislipidemia
e do risco cardiovascular desses pacientes.
Agradecimentos
Os autores agradecem ao Programa de Bolsas de Iniciação
Científica (PROBIC) da Faculdade Ciências Médicas
(UNIFENAS) a concessão de apoio financeiro para este
estudo.
Potencial Conflito de Interesses
Declaramos não haver conflito de interesses
pertinentes.
Fontes de Financiamento
O presente estudo foi financiado pelo PROBIC/
UNIFENAS.
Vinculação Acadêmica
Este estudo faz parte do projeto de Iniciação Científica,
intitulado “Dislipidemia associada à terapia antirretroviral
em indivíduos vivendo com HIV/AIDS: o manejo dos riscos
cardiovasculares”, desenvolvido em dois serviços de
referência: ambulatório de infectologia do Centro de
Especialidades Médicas Norte da Faculdade de Ciências
Médicas da UNIFENAS BH e do ambulatório do Hospital
Eduardo de Menezes – FHEMIG.
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à terapia anti-retroviral em pacientes com AIDS. Rev
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