dislalia e alterações funcionais orofaciais speech disorder

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DISLALIA E ALTERAÇÕES FUNCIONAIS OROFACIAIS
SPEECH DISORDER AND ORO-FACIAL FUNCTIONAL
DISORDERS
Cejana Baiocchi Souza*
n RESUMO
Este artigo busca tornar compreensível um tema complexo envolvendo fala, linguagem e alterações funcionais orofaciais. A pesquisa foi realizada levantando-se referências teóricas sobre o tema proposto.
A falta de clareza quanto ao que é linguagem, ao que é fala e como estas áreas se relacionam com a motricidade oral,
pode conduzir a terapias confusas e a resultados pouco efetivos.
Toda e qualquer alteração da fala pode ser entendida como um distúrbio de linguagem, uma vez que a fala corresponde à realização motora da linguagem. Os distúrbios da fala podem ser decorrentes de alterações no Sistema Estomatognático, já que a fala é considerada uma das funções deste sistema.
Classificar o distúrbio de fala, proposto neste artigo como dislalia, parece-nos incoerente. De acordo com ZORZI
(1998), a dislalia refere-se aos desvios fonológicos, ocorrendo na ausência de alterações das estruturas envolvidas no ato
da fala. O distúrbio de fala aqui sugerido corresponde a um desvio fonético, segundo o autor, decorrente de alterações
musculoesqueletais.
UNITERMOS: dislalia, linguagem, fala.
n SUMMARY
This paper attempts to clarify a rather complex involving speech, language and oro-facial function disorders. The research was done in the light of theoretical references about the theme.
The lack of clarity for what are language and speech and how these areas relate to Stomatognatic System may lead to
confusing therapies and unfavorable results.
Speech corresponds to the motor execution of language. Hence, every and any speech disorder could be perceived as a
language disorder. And alterations in the Stomatognatic System can impair the production of the sounds of speech, because this system involves the speech.
The speech disorder related in this research can’t be classified as a “phonological” disorder. To ZORZI (1998), this kind
of disorder is a “phonetic” alteration caused by disorders in the structure of muscles and bones involved in speech.
KEY WORDS: speech disorder, language, speech.
* Fonoaudióloga Formada pela Universidade Católica de Goiás. Especialista em Linguagem e Aperfeiçoamento em Fonoaudiologia Hospitalar pelo CEFAC — Centro de Especialização em Fonoaudiologia. Professora convidada da Universidade Católica de Goiás.
Orientação: Profa. Dra. Mirian Goldenberg.
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DISLALIA E ALTERAÇÕES FUNCIONAIS OROFACIAIS
n INTRODUÇÃO
fala e Sistema Miofuncional Oral que propomos desenvolver neste artigo. Sugerimos, inicialmente, que o distúrbio
de fala relacionado às alterações miofuncionais orais corresponde à dislalia.
“A fala é uma atividade motora dinâmica e complexa
através da qual expressamos nossas idéias, conceitos e sentimentos”, segundo ZORZI (1998). MURDOCH (1997) conceitua a fala correta como sendo aquela produzida pela
regulação da corrente aérea exalada dos pulmões para a
atmosfera. A regulação desta corrente é promovida pelos
movimentos da mandíbula, lábios, língua, palato mole,
faringe e pregas vocais.
Já o Sistema Estomatognático é conceituado por
MARCHESAN (1993) como sendo um conjunto de estruturas bucais que desenvolvem funções comuns, tendo como
característica constante a participação da mandíbula. Deste sistema fazem parte os músculos, ossos, dentes, articulações, glândulas, mucosas e o suporte neurovascular correspondente. São consideradas Funções Estomatognáticas: sucção, respiração, mastigação, deglutição, fonação e
articulação.
Alguns autores relacionam a fala com o Sistema Miofuncional Oral, como se propõe neste artigo. CANONGIA
(1988) relaciona a fala à maturação das funções vitais,
essencialmente relacionadas à alimentação (sucção, mastigação, deglutição) e à respiração. MARCHESAN (1993) considera que a articulação depende da posição e movimentação da língua, da presença e posição dos dentes, da movimentação dos lábios e das bochechas, reafirmando a relação proposta entre fala e Sistema Miofuncional Oral.
São muitas as alterações orofaciais que podem provocar
distúrbios de fala, como as fissuras, a paralisia facial, a ressecção da língua, dentre outras. No entanto, as alterações
orofaciais às quais nos referimos neste artigo dizem respeito
às alterações dentárias ou de base óssea. Estas alterações são
consideradas anatômicas, mas levam a adaptações funcionais
da musculatura envolvida no ato da fala. Por este motivo, as
consideramos alterações funcionais orofaciais.
De acordo com MARCHESAN (1993) e BIANCHINI (1998),
as alterações dentárias ou esqueléticas as quais podem
causar alterações de fala são relacionados com:
Este artigo pretende ser o reflexo do caminho que percorremos na Fonoaudiologia Clínica.
Temos encontrado, com freqüência, um grande número de indivíduos com distúrbios de fala sendo portadores
de alterações no Sistema Estomatognático sem, no entanto, apresentarem lesões ou malformações no mesmo.
Considerando a fala como uma das funções estomatognáticas, torna-se possível estabelecer uma íntima relação
entre a mesma e o Sistema Miofuncional Oral.
Acredita-se que muitas das alterações de fala estão
associadas às alterações miofuncionais orais, as quais
modificam os pontos articulatórios dos fonemas. É importante classificarmos os tipos de distúrbios de fala, já que
existe uma confusão quanto ao tipo de alteração que possa
estar ocorrendo.
Este trabalho foi realizado através de um levantamento
bibliográfico visando levantar questões envolvendo linguagem, fala e motricidade oral.
n DISCUSSÃO TEÓRICA
Considerando a linguagem como uma capacidade que
envolve a aquisição ou domínio de uma série de aspectos
lingüísticos comunicativos, sendo a fala um deles, fazer
uma distinção entre distúrbios de fala e distúrbios de linguagem torna-se difícil.
A linguagem, mais especificamente, envolve fatores
pragmáticos, gramaticais - sintaxe, morfologia, fonologia
- e semânticos, sendo estes últimos ligados ao conteúdo,
de acordo com ZORZI (1998). Já a fala se refere à produção
dos fonemas, à realização adequada dos sons da linguagem. Toda e qualquer alteração da fala pode ser considerada como um distúrbio da linguagem, já que a fala corresponde à etapa do processamento motor da linguagem,
envolvendo a programação motora e a execução neuromuscular, segundo o autor.
Tradicionalmente, encontramos distinções entre distúrbios de fala e distúrbios de linguagem. Os distúrbios de
fala dizem respeito às alterações que afetam os padrões de
pronúncia ou articulação dos sons da língua. Já “as alterações de linguagem referem-se às dificuldades que podem
se refletir no uso da mesma com fins comunicativos, em
alterações na produção de enunciados gramaticalmente
estruturados e/ou semanticamente apropriados”, como
propõe ZORZI (1998). Esta distinção é fundamental, uma
vez que diagnósticos confusos podem conduzir a terapias
com resultados pouco favoráveis.
Quando nos referimos às alterações comunicativas
decorrentes de alterações no Sistema Miofuncional Oral,
estamos diante de um distúrbio de fala. É esta relação entre
I. Padrões Faciais Verticais (embora não sejam considerados alterações, serão citados por também provocarem
adaptações na musculatura envolvida na produção da
fala):
❑ face curta (ou braquifacial) - caracteriza-se por
padrão de crescimento facial horizontal, terço inferior de face reduzido, mordida profunda, ângulo
goníaco fechado, arco dentário alargado. Sua musculatura é forte, especialmente os músculos masseteres. Este padrão favorece o vedamento labial.
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REVISTA CEFAC: ATUALIZAÇÃO CIENTÍFICA EM FONOAUDIOLOGIA
vos inferiores. Os fonemas /t/, /d/, /l/, /n/ podem ser
articulados com a parte medial da língua em contato
com a papila.
Devido à mordida profunda, é comum haver um deslize mandibular, principalmente na articulação dos
fonemas sibilantes /s/, /z/. Ao anteriorizar a mandíbula, ocorre um espaçamento excessivo dos dentes
posteriores verticalmente, por onde a língua pode
escapar bilateralmente, ocupando o espaço encontrado (caracterizando o ceceio lateral).
❑ face longa (ou dolicofacial) - caracteriza-se por
padrão de crescimento facial vertical, terço inferior
de face aumentado, ângulo goníaco aberto, arco
dentário estreito. Pode apresentar dificuldade de
vedamento labial, língua mais anteriorizada, musculatura débil e respiração bucal (via aérea superior
mais estreita).
Quanto à articulação da fala podem ocorrer: enfraquecimento dos fonemas bilabiais /p/, /b/, anteriorização da língua nos fonemas línguo-alveolares /t/,
/d/, /n/, /l/, interposição anterior de língua nos sibilantes /s/, /z/ e imprecisão na articulação dos fonemas /k/, /g/ caso o palato duro esteja muito alto.
II. Alterações Verticais
❑ mordida aberta anterior - caracteriza-se por ausência de trespasse vertical dos dentes anteriores, dificuldade de vedamento labial e postura de língua
mais anteriorizada.
É comum encontrarmos ceceio anterior e anteriorização da língua nos fonemas línguo-alveolares /t/,
/d/, /n/, /l/.
❑ mordida aberta posterior - caracteriza-se por ausência de contato oclusal dos dentes posteriores,
podendo haver escape lateral da língua ou do ar no
espaço encontrado.
III. Alterações Ântero-Posteriores
❑ classe I, divisão primeira (Angle) - o sulco mesiovestibular do primeiro molar permanente inferior
oclui posteriormente à cúspide mesiovestibular do
primeiro molar permanente superior. Pode apresentar lábio superior em hipofunção, lábio inferior
evertido, dorso de língua mais elevado e mentoniano hipertônico.
Os fonemas bilabiais podem ser produzidos como
labiodentais.
❑ classe III (Angle) - o sulco mesiovestibular do primeiro molar permanente inferior oclui anteriormente à
cúspide mesiovestibular do primeiro molar permanente superior. Os indivíduos com este tipo de desproporção podem apresentar hipotonia do lábio
inferior, hiperfunção do lábio superior ocluindo
com os incisivos inferiores tanto em repouso quanto em funções e língua no soalho da boca.
Os fonemas labiais e/ou labiodentais podem ser efetuados com o lábio superior ocluindo com os incisi-
Nas discussões preliminares deste artigo, a dislalia é
relacionada às alterações funcionais orofaciais, as quais
correspondem aqui às alterações dentárias ou esqueléticas. No entanto, quando levada em consideração a classificação de ZORZI (1998) quanto aos tipos de distúrbios da
fala, por demonstrar maior clareza e coerência comparada
à classificação de outros autores, o termo dislalia aplicado
neste artigo torna-se incoerente.
Os distúrbios da fala, segundo ZORZI (1998), são classificados em Distúrbios Neurogênicos, Alterações de Origem
musculoesqueletais e Desvios Fonológicos. Os distúrbios
neurogênicos são aqueles decorrentes de problemas neurológicos que afetam a programação motora ou a execução
neuromuscular (correspondem às disartrias e às apraxias).
Os distúrbios de origem musculoesqueletais são os provocados por alterações nas estruturas ósseas e/ou musculares
envolvidas na produção da fala. Se enquadram neste grupo
as fissuras, as lesões ou remoções de partes ósseas ou musculares e as alterações de forma e/ou tamanho destas mesmas estruturas. Os desvios fonológicos, também conhecidos como dislalia ou distúrbio articulatório funcional, segundo o autor, referem-se às alterações de fala na ausência
de problemas orgânicos tais como deficiência auditiva,
anormalidades anatômicas ou neurofisiológicas. Não são
encontradas alterações nas estruturas responsáveis pelo
ato da fala. O que existe é uma dificuldade na combinação
dos traços fonêmicos.
Concluímos, com base na classificação de ZORZI
(1998), que as alterações dentárias ou esqueléticas descritas neste artigo podem causar alterações da fala classificadas como desvios fonéticos, enquadradas nas alterações
de origem musculoesqueletais. Portanto, a dislalia (ou desvio fonológico) não poderia estar relacionada às alterações
miofuncionais orais aqui propostas, uma vez que existem
alterações nas estruturas envolvidas no ato da fala.
Para que haja um planejamento terapêutico claro e
objetivo e resultados satisfatórios, torna-se necessário não
só distinguir distúrbios de fala dos distúrbios de linguagem, mas também diagnosticar o tipo de alteração de fala
que possa estar ocorrendo, ao relacioná-la com alterações
musculoesqueletais orofaciais.
n CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para muitos fonoaudiólogos, nem sempre fica claro
qual tipo de dificuldade, em termos comunicativos, a criança possa apresentar.
Este artigo vem levantar a relação existente entre distúrbios de fala e alterações funcionais orofaciais, envolven-
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DISLALIA E ALTERAÇÕES FUNCIONAIS OROFACIAIS
do a relação entre fala e linguagem para uma maior clareza
de diagnóstico.
A primeira conclusão a que se chega, a partir deste
trabalho, diz respeito à veracidade da relação proposta
entre fala e Sistema Miofuncional Oral. Segundo MARCHESAN (1993), a articulação dos sons da fala irá depender da presença, postura e movimentação dos órgãos
fonoarticulatórios.
A outra conclusão refere-se à dislalia como o distúrbio
de fala relacionado com alterações musculoesqueletais. De
acordo com ZORZI (1998), dislalia ou distúrbio articulatório funcional, corresponde aos desvios fonológicos, descartando anormalidades anatômicas (alterações musculoesqueletais), dentre outras. O distúrbio de fala em questão,
decorrente de alterações musculoesquelatais por alterações de forma e/ou tamanho destas mesmas estruturas,
constitui, segundo ZORZI (1998), um desvio fonético e não
uma dislalia (ou desvio fonológico), como levantamos inicialmente.
Indivíduos com distúrbios de fala devem ser avaliados
quanto às suas estruturas bucais, mesmo na ausência de
evidências orgânicas. O tratamento do distúrbio proposto
alcançará êxito com uma atuação interdisciplinar nas alterações miofuncionais, dentárias ou de base óssea envolvidas no ato da fala. O sucesso terapêutico dependerá da clareza do diagnóstico.
n BIBLIOGRAFIA
BIANCHINI, E. M. G. A cefalometria nas alterações miofuncionais orais — diagnóstico e tratamento fonoaudiológico. São
Paulo, Pró-Fono, 1998.
CANONGIA, M. B. Manual de terapia da palavra. Rio de Janeiro,
Rio Medsi Livros Ltda., 1988.
MARCHESAN, I. Q. Motricidade oral. São Paulo, Pancast, 1993.
MURDOCH, B. E. Desenvolvimento da fala e distúrbios da linguagem. Rio de Janeiro, Revinter, 1997.
ZORZI, J. L. Diferenciando alterações da fala e da linguagem.
Mímeo, 1998.
Endereço:
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