EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUÍZA DE DIREITO DA VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE DE XXXXX, ESTADO DO TOCANTINS. O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO TOCANTINS, por sua agente signatária junto à 2ª Promotoria da Infância e Juventude da Capital, no uso de suas atribuições legais, e com base no disposto nos artigos 3º e 4º, 7º, 11 inciso I, da Lei nº 8.069/90 e Artigos 4º e 9º da Lei 10.216-01, e, em face da legitimidade conferida pelo artigo 201, inciso V e VIII, do referido diploma legal e 127 e 129, III e 227, caput e § 1º inciso II da Constituição Federal, vem, respeitosamente, apresentar PEDIDO DE INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA da criança XXXXXXXXXXXXX, e, cumulativamente, AÇÃO CIVIL PÚBLICA NA OBRIGAÇÃO DE FAZER COM PEDIDO DE LIMINAR, em desfavor do Município de XXXXX, pessoa jurídica de direito público interno, com CNPJ nº 24.851.511/0001-85, a ser citado na pessoa do Sr. Prefeito Municipal ou na do Advogado Geral do Município, respectivamente, na Prefeitura Municipal e na Advocacia-Geral do Município, sediadas na 502 Sul, Paço Municipal, Palácio dos Girassóis, nesta Capital, pelos fatos e fundamentos jurídicos seguintes: DOS FATOS: Desde Novembro de 2004, a criança XXXXXXXXXXXXXXX, menor impúbere, filho de XXXXXXXXXXXXXXXXXXXX, vem sendo acompanhado pelo Conselho Tutelar-Região Sul da Capital, e segundo narrativa daquele colegiado, desde tenra idade XXXXXX teve seus direitos fundamentais desassistidos, especialmente por ação/omissão de sua genitora, que o abandonou nas mãos de um casal de Pirinópolis-GO, e, com a morte destes, o mesmo foi encaminhado para Taquarassu-TO, passando a viver em companhia de sua tia-avó Maria. Acionados para atender uma denúncia de maus-tratos, o Conselho Tutelar dirigiu-se à família da tia-avó Maria, nada sendo constatado à respeito da acusação, contudo, naquela oportunidade Dona XXXXX recusou-se a continuar a criação de XXXXXX, face ao já acentuado comportamento agressivo do referido. Após a localização de sua genitora, que já havia constituído outra família, XXXXXX foi-lhe entregue para guarda, contudo, em menos de três dias, XXXXX XXXXX procurava uma outra família para criá-lo, e, como não encontrou, abandonou-o nas ruas. Em face deste fato, o Conselho Tutelar aplicou medida de proteção consistente em tratamento psicológico à mãe e ao filho, passando o infante ao convívio com sua tia-avó até que se restaurasse a relação mãe-filho, contudo, a genitora só foi a uma sessão e depois mudou de endereço a fim de ocultar-se da obrigação do pátrio poder. XXXXXX chegou a iniciar o tratamento, mas por falta de acompanhamento familiar e em razão da natureza do diagnóstico, foi encaminhado para tratamento psiquiátrico. Em face da situação de risco pessoal e social que apresentava, em data de 11 de Outubro de 2005 aquele colegiado determinou seu abrigamento na Casa Abrigo Raio de Sol, todavia, ante a ausência de um tratamento diferenciado para abrigado que apresente algum tipo de transtorno psiquiátrico, se tornou inviável seu atendimento em convívio com os demais abrigados naquela entidade, inclusive, em face de suas constantes fugas, indisciplina e resistência à ingestão dos medicamentos receitados, tais condutas repercutiram no comportamento dos demais abrigados que também apresentavam transtornos psíquicos, a exemplo das crianças XXXXXXXXXXXXX e XXXXXXXXXXXXXXXX (segundo relato verbal da Assistente Social). O histórico de abandono, rejeição e discriminação porque viveu XXXXXX repercutiu na regressão do seu desenvolvimento psicológicocognitivo, apresentando-se acentuadamente agressivo, indisciplinado às regras da entidade de abrigo (fugas constantes, resistência a submissão do tratamento terapêutico...) e um risco à sociedade, eis que enveredou pela prática de furto e dano do patrimônio alheio. Mesmo recebendo os cuidados da entidade abrigadora, pela personalidade e comportamento de XXXXXX (foge, usa drogas ilícitas e não adere ao tratamento receitado) não foi possível uma reversão deste quadro, ao contrário, só tem se agravado, tanto que no dia xx/xx/06, na última recaptura, o mesmo foi apreendido quebrando computadores de um comércio e tentou se jogar da janela do veículo que o conduzia de volta ao abrigo, dizendo a todo instante que iria matar uma criança abrigada na Casa Raio de Sol. Neste sentido, se XXXXXX seguir esta trajetória, evoluirá a gravidade de sua conduta, podendo inclusive, praticar atos violentos contra as pessoas e a si próprio, além de agravar seu estado clínico, o qual tende a conduzi-lo para a morte precoce. Discorrendo sobre estas falácias, o médico psiquiatra que acompanha XXXXXX, atesta que: “Do ponto de vista nosológico, é portador do diagnóstico de “Transtorno de Conduta”, e, ao completar a maioridade, fatalmente, será enquadrado na classificação de “transtorno de personalidade Disssocial”. O menor apresenta, portanto, comportamento que traz risco de morte para si e para outros, necessitando de tratamento psiquiátrico intensivo, integral, institucionalizado, por tempo indetermidado.” DO DIREITO A promoção da saúde de crianças e adolescentes portadores de deficiência é dever do Estado. O atendimento devido a essas crianças e adolescentes deve ser duplamente prioritário, ou seja, constitui prioridade absoluta, ante a ocorrência simultânea de duas circunstâncias que, sozinhas, já assegurariam tratamento diferenciado, vale dizer, a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento e a existência de deficiência. Dispõe a Constituição Federal em seu artigo 227, caput: "É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda a forma de negligência, discriminação, violência, crueldade e opressão"; Além disso, o Estatuto da Criança e do Adolescente no art. 4° repete a norma constitucional e define a garantia de prioridade: “Art. 4°. É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, á saúde... Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende: a) a primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias: b) precedência no atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; Estabelece, ainda, o mesmo diploma no art. 11 “Art. 11 - É assegurado o atendimento integral à saúde da criança e ao adolescente, através do Sistema Único de Saúde, garantindo o acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção e recuperação da saúde. §1°A criança e o adolescente portadores de deficiência receberão atendimento especializado. ... Quanto aos remédios jurídicos ora utilizados (AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PARA INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA e AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO LIMINAR) e a legitimidade ativa do Ministério Público para propor a presente medida, estão estampados no art. 20l, inc. V e VIII, os quais menciona: Art. 201 - Compete ao Ministério Público: ... V- promover o inquérito civil a ação civil pública para a proteção dos interesses individuais, difusos ou coletivos relativos á infância e à adolescência, inclusive os definidos no art. 220, § 3º. Inciso II, da Constituição Federal"; ... VIII- zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias legais assegurados às crianças e adolescentes, promovendo as medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis; Com o advento da Lei Federal 10.216, 06 de Abril de 2001, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redirecionamento do modelo assistencial em saúde mental, vê-se que a internação é medida excepcional, só determinada quando se mostrarem insuficientes os recursos extra-hospitalares e mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos, levando-se em conta ainda as condições de segurança do estabelecimento, quanto à salvaguarda do paciente, dos demais internados e funcionários. A referida lei estabelece que a promoção e assistências de ações de saúde aos portadores de transtornos mentais, serão prestadas em estabelecimento de saúde mental, assim entendidas as instituições ou unidades que ofereçam assistência em saúde aos portadores de transtornos mentais, sendo vedada a internação em instituições com características asilares, ou seja, aquelas desprovidas dos recursos mencionados no §2º do Artigo 4º e que não assegurem aos pacientes os direitos enumerados no § único do artigo 2º da prefalada lei. Vejamos: Art. 2o Nos atendimentos em saúde mental, de qualquer natureza, a pessoa e seus familiares ou responsáveis serão formalmente cientificados dos direitos enumerados no parágrafo único deste artigo. Parágrafo único. São direitos da pessoa portadora de transtorno mental: I - ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às suas necessidades; II - ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na família, no trabalho e na comunidade; III - ser protegida contra qualquer forma de abuso e exploração; IV - ter garantia de sigilo nas informações prestadas; V - ter direito à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade ou não de sua hospitalização involuntária; VI - ter livre acesso aos meios de comunicação disponíveis; VII - receber o maior número de informações a respeito de sua doença e de seu tratamento; VIII - ser tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis; IX - ser tratada, preferencialmente, em serviços comunitários de saúde mental. ... Art. 4o A internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes. § 1o O tratamento visará, como finalidade permanente, a reinserção social do paciente em seu meio. § 1o O tratamento visará, como finalidade permanente, a reinserção social do paciente em seu meio. § 2o O tratamento em regime de internação será estruturado de forma a oferecer assistência integral à pessoa portadora de transtornos mentais, incluindo serviços médicos, de assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer, e outros. DA LIMINAR INAUDITA ALTERA PARTE Encontram-se presentes todos os pressupostos que autorizam, na forma do art. 12, caput, da Lei 7347-85, art. 273, caput, do CPC e artigo 213, § 1º do ECA, o deferimento da medida antecipatória de tutela. Com efeito, o periculum in mora reside nos prejuízos que a postergação do início do tratamento – cuja necessidade é descrita em laudo técnico (doc.anexo) – poderá acarretar à criança. Observe-se que a criança já foi bastante prejudicada durante toda sua vida pregressa e em face da tardia inserção em tratamento psiquiátrico, em regime de internação, em clínica especializada. De fato, conforme ensinam a medicina e a psicologia, quando mais cedo inicia o tratamento destinado a minorar deficiências em crianças e adolescentes, melhores são os seus resultados. A demora, aqui, acarreta, necessariamente, uma diminuição do nível de sucesso, com reflexos negativos ao desenvolvimento individual. O fumus boni iuris está solidamente demonstrado documentalmente nos autos do expediente, em especial no laudo técnico e nas manifestações do Conselho Tutelar. Diante disso, justifica-se o pedido de tutela antecipada, no sentido de que seja determinado ao Município de XXXXX que arque com os custos do atendimento integral da saúde mental da criança xxxxxx xxx xxxx, a ser prestado em Hospital ou Clínica Psiquiátrico Infantil, na rede pública ou privada, nesta ou noutra unidade da federação, que atendam as normas contidas na Lei. 10.216-01. DO PEDIDO Pelo exposto, restando demonstrada a necessidade de internação compulsória da criança xxxxxxxx, requeiro seja determinada a autorização judicial da medida pleiteada, e, em face do mesmo está, atualmente, em lugar incerto e não sabido, eis que evadido da casa de abrigo Raio de Sol, nesta Capital, requeiro ainda a expedição do mandado de busca e apreensão para captura do mesmo, em salvaguarda aos seus interesses; No mesmo sentido, estando evidente a violação aos direitos e interesses da infância e da adolescência do Município de XXXXX, pela omissão do município em não promover as políticas públicas de saúde mental, no caso, especificamente, em prover o município de estabelecimento de saúde mental, em regime de internação, segundo as diretrizes da Lei 10.216-2001, requeiro: A- Considerando a relevância dos fundamentos da presente demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, dado que a não internação da criança pode acarretar prejuízo no restabelecimento de sua saúde mental, senão irreversível, requer-se a concessão de tutela liminar, inaudita altera parte, para compelir o Município requerido, no prazo de 72 horas, indique o estabelecimento a ser encaminhada a criança, na forma pleiteada (Hospital ou clínica psiquiátrico infantil), e, após localizado xxxxxx, encaminhe-o, in continenti, ao local apontado, com aquiescência deste juízo, com todas as despesas às custas do requerido. B- A citação do requerido, na pessoa de seu representante legal, para contestar, querente, a presente ação, no prazo que lhe faculta a lei, cientificando-lhe que a ausência de defesa implicará revelia e reputar-se-ão como verdadeiros os fatos articulados nesta inicial. C-Que sejam intimados a genitora do infante, a guardiã (Casa Raio de Sol) e o Conselho Tutelar-Região Sul e adjacências, informando-os da medida aplicada e do local encaminhado. D. Em sendo necessário, o concurso de membros do Conselho Tutelar/Polícia Militar/Comunitária no encaminhamento do infante à entidade de internação; E. Após internado o infante, que seja oficiado à entidade de internação para fornecer laudos mensais sobre o estágio clínico da criança e à possibilidade de retorno ao convívio social, caso em que, desde já, requeiro seja RECOMENDADO ao município de XXXXX-TO, sobre: 1) a necessidade de implementação de Casa-Lares ou Residências Terapêuticas para receber crianças e adolescentes que apresentem transtorno mental e estejam em situação de abandono ou risco pessoal e social, no prazo de 06 (seis) meses; e 2) Consolidação do Centro de Atenção Psicossocial Infantil (CAPSi) na Capital, fundamental para mudança de paradigmas da assistência à saúde mental da infância e adolescência, requisitando resposta à recomendação proposta. Pede Deferimento. XXXXX-TO, 16 de Janeiro de 2006. Flávia Souza Rodrigues Promotora de Justiça