PEF- IF-UFRJ Renders Duit Section C2, Learning and understanding key concepts of electricity from: Connecting Research in Physics Education with Teacher Education An I.C.P.E. Book © International Commission on Physics Education 1997,1998 All rights reserved under International and Pan-American Copyright Conventions APRENDIZAGEM E COMPREENSÃO DE CONCEITOS CHAVE EM ELETRICIDADE Reinders Duit Institute for Science Education at the University of Kiel, Germany Christoph von Rhöneck Pädagogische Hochschule Ludwigsburg, Germany Introdução Este capítulo tem dois objetivos principais: primeiro, resumir rapidamente resultados nas concepções pré e pós-instrucionais no campo da eletricidade e em seu duplo papel em processos de ensino e de aprendizagem, especificamente por impedirem a aprendizagem e também por serem os tijolos necessários para os processos de construção da compreensão dos estudantes. Em segundo lugar, empregar o exemplo de dificuldades de aprendizagem na eletricidade para apontar para os aspectos mais gerais do papel de concepções pré e pós instrucionais na aprendizagem em física. A eletricidade é uma das áreas básicas de física que são importantes em todos os níveis do ensino da física. No nível fundamental as crianças novas já ganham experiência com circuitos elétricos simples. Nos níveis seguintes, a eletricidade é ensinada sistematicamente, e é um tópico significativo em todos os tipos de educação escolarizada. Devido à descrição comprimida, esta revisão não focalizará na evolução de concepções dos estudantes com a idade e nos diferentes níveis de educação. Em vez disso, as concepções diferentes serão listadas e descritas numa seqüência não rígida. As concepções dos estudantes sobre corrente, voltagem e resistência Significados cotidianos de corrente As conversas cotidianas a respeito de eletricidade e dispositivos elétricos são bastante diferentes da conversa sobre eletricidade na física; os termos básicos de eletricidade, corrente, tensão e resistência, por exemplo, são usados também na conversa cotidiana, mas com significados significativamente diferentes dos da física. Como há algumas diferenças entre linguagens no que diz respeito aos significados dados, por exemplo, aos termos básicos mencionados da eletricidade, não é possível fornecer uma conclusão que seja válida em todas as linguagens. Mas é possível afirmar que o significado das parlavras para as línguas européias atuais está geralmente mais próximo do significado usado na Física de energia do que do de corrente. Em outras palavras, o termo corrente na linguagem cotidiana inclui um amplo espectro de signifcados com alguma dominância de idéias de energia. A incompreensão em 1 PEF- IF-UFRJ Renders Duit aulas de física, portanto, é provável, se o professor não estiver consciente das diferenças nas maneiras de falar a respeito de fenômenos elétricos do professor e dos estudantes. O efeito linear causal entre baterias e lâmpadas Para crianças de escola fundamental que não receberam nenhuma instrução formal, é sugestivo perguntar a respeito de uma circunscrição de seus conceitos de processos elétricos. Mas é possível analisar como as crianças lidam com baterias e lãmpadas e que explanações elas dão com relação a suas ações, como foi feito por Tiberghien e Delacôte (1976). O resultado deste estudo é que as crianças usam explanações muito gerais para o funcionamento de um circuito elétrico simples. Geralmente, estabelecem uma conexão causal entre a bateria e a lâmpada e explicam que há um agente que se move entre a bateria e a lâmpada. O agente pode ser chamado de eletricidade ou de corrente elétrica. A eletricidade ou corrente é armazenada na bateria e pode “descansar” nos fios. O agente é consumido na lâmpada, isto é, não há nenhuma idéia de conservação da eletricidade entre estas crianças. O efeito causal linear entre a bateria e a lâmpada não implica em um circuito fechado. Um número significativo de crianças especificamente pensa que basta um fio entre a bateria e a lâmpada, e que o segundo fio encontrado em circuitos com os quais lidam na vida cotidiana serve simplesmente para trazer mais corrente para a lâmpada. Há algumas observações que dois tipos de corrente movem-se da bateria para a lâmpada; algumas vezes são chamadas de correntes “mais” e “menos” (veja abaixo). No lãmpada há uma combinação das duas correntes, uma noção que tem sido chamada “corrente combinada” (Osborne, 1983), ou que há algum tipo de reação (química) que leva à luz que a lâmpada fornece. A pesquisa mostrou que a idéia de consumo da corrente não desaparece com a instrução formal. Esta idéia e outras concepções dos estudantes podem ser discutidas por meio de um teste que foi administrado em cinco países europeus a mais de 1200 estudantes do início do ensino médio após a instrução em escolas secundárias (Shipstone et al, 1988). O resultado global deste teste é que, apesar dos diferentes sistemas escolares e linguagens, aproximadamente o mesmo padrão de dificuldades de aprendizagem é encontrado nestes países. Consumo de corrente A concepção que a corrente é consumida permanece atraente para os estudantes mesmo após a instrução. O consumo compreende os dois aspectos: desvalorização e diminuição da corrente elétrica. Em uma das tarefas que se referiam à idéia de consumo, três afirmações são apresentadas aos estudantes (em relação a uma lâmpada que, conectada a uma bateria, fica acesa), e pede-lhes que indiquem se são verdadeiras ou falsas. O resultado foi que somente uma minoria da amostra inteira concordou com a conservação da corrente (afirmação 3): 1: "A lâmpada usa toda a corrente elétrica. " 2: "A lâmpada usa um pouco da corrente elétrica." 3: "Toda a corrente elétrica que vai da bateria à lâmpada retorna à bateria." Portanto, o consumo da corrente é ainda atrativo, já que para muitos estudantes o conservação da corrente é uma variação no fato que a bateria deve se tornar “vazía”. 2 PEF- IF-UFRJ Renders Duit Em uma outra tarefa (figura 1) pediu-se aos estudantes para comparar as leituras de diversos amperímetros. O resultado foi que somente cerca de 50% dos estudantes deu a resposta correta: I = const = 2A. No circuito desenhado abaixo, as resistências R1 e R2 são diferentes. A2 A 1= 2A A3 A1 R1 R2 A4 Há quatro amperímetros no circuito. A leitura de A1 indica um valor 2A. Escreva em cada um dos outros amperímetros o que você acha que ele vai estar indicando. Figura 1 Raciocínio local O raciocínio local descreve o fato que os estudantes focam sua atenção em um ponto no circuito e ignoram o que está acontecendo no resto. Um exemplo de raciocínio local é que muitos estudantes consideram a bateria como uma fonte constante de corrente e não como uma fonte constante de tensão. A bateria como uma fonte de corrente constante fornece uma corrente constante, independentemente do circuito conectado à bateria. No circuito desenhado abaixo, todas as lâmpadas são do mesmo tipo. I1 I = 1,2 A I2 I3 ⊗ ⊗ ⊗ Complete as correntes I1, I2 e I3 nos fios. Figura 2 Na tarefa da figura 2, o raciocínio local é relacionado ao conceito da corrente. Cerca de 60% da amostra afirma que I1 = 0.6A, e 12 = 13 = 0.3A. As correntes são divididas em cada ponto da junção no circuito em duas porções iguais. Esta divisão não é influenciada pelo que se encontra adiante no circuito. Os estudantes argumentam “a corrente não sabe nos pontos da junção o que acontece mais tarde no circuito”. A representação gráfica incomum dessa tarefa torna claro que muitos estudantes apresentam uma tendência a argumentar baseados apenas em correntes. A corrente em um ramo não é percebida como uma consequência da tensão através da resistência naquele ramo. 3 PEF- IF-UFRJ Renders Duit Voltagem em circuitos fechados Um dos conceitos os mais difíceis na eletricidade básica é o conceito da tensão ou de diferença potencial. Antes da instrução, a voltagem é relacionada à “força de uma bateria” ou da “intensidade ou da força da corrente”. Mesmo após a instrução os estudantes usam o conceito de voltagem como tendo aproximadamente as mesmas propriedades que o conceito de corrente. A tarefa seguinte (figura 3) mostra a falta de diferenciação entre os dois conceitos. Observe o circuito abaixo: 1 2 ⊗ 8V 3 4 Coloque os valores da ddp entre os pontos: 1 e 2: _____ V; 2 e 3: ____ V ; 3 e 4: ____ V Figura 3 Aproximadamente 40% da amostra esperam uma voltagem de 6V entre todos os pares de pontos no circuito e não diferenciam os dois conceitos, tensão e corrente, na situação apresentada. Raciocínio seqüencial Se em um circuito um elemento tal como um resistor for trocado, um tipo especial de raciocínio chamado raciocínio seqüencial torna-se manifesto. Raciocínio seqüencial significa que os estudantes analisam um circuito nos termos de “antes” e “depois” que a corrente “passe” por esse lugar. Uma mudança no “começo” do circuito influencia os elementos após, enquanto que a mudança “no final” não influencia os elementos situados antes. A informação da mudança é transmitida pela corrente elétrica. A corrente em um circuito é influenciada por um resistor quando ela chega a este elemento e transmite esta informação no sentido do fluxo e não no sentido oposto. Uma tarefa para evidenciar o raciocínio seqüencial é apresentada na figura 4. Cerca de um terço da amostra usa o raciocínio seqüencial, também em tarefas similares e mais elaboradas. Mesmo estudantes em nível universitário usam o raciocínio seqüencial em outras situações (Closset, 1983) 4 PEF- IF-UFRJ Renders Duit No circuito desenhado abaixo, a corrente é 0,4 A. R1 =10 Ω i = 0,4 A ⊗ R2 =10 Ω 4 O resistor R1 e em seguida o resistor R2 são trocados por resistores de 20 Ω . Compare a corrente após a primeira troca com a corrente inicial e assinale a resposta correta... Figura 4 Resistência Algumas dificuldades relacionadas ao conceito de resistência podem ser discutidas com uma atividade usando um circuito com dois ramos em paralelo (figura 5). A influência de mudar a resistência R2 sobre as diferentes correntes I1, 12 e I acaba sendo extremamente complicada para a maioria dos estudantes. Apenas 20% detectam que I1 permanece a mesma e que as outras correntes diminuem. 12% deles utilizam uma relação inversa entre o resistor e a corrente e acreditam que um aumento em R2 conduz a um aumento de I2. 20% consideram a fonte como uma fonte de corrente constante e marcam que I2 diminui, I1 cresce e I continua a mesma. Cerca de 10% utilizam o raciocínio seqüencial e prevêem que todas as correntes permanecem as mesmas, já que o resistor R2 está colocado “na extremidade” deste ramo do circuito e que a mudança de R não influencia as correntes “antes” dos resistores. Observe o circuito a seguir. I 4V I1 R1=10 Ω I2 R2=40 Ω O resistor R2 =40Ω será substituído por um resistor de 50Ω. Marque a resposta correta (a)A corrente elétrica I2 aumenta. (b) A corrente elétrica I2 permanece a mesma. ... Figura 5 A mistura complicada de argumentações incorretas na última atividade indica que a instrução geralmente leva não a uma respresentação bem definida dos conceitos usados na física. Freqüentemente, obtemos após a instrução elementos de concepções pré-instrucionais conectados frouxamente a alguns elementos ensinados dos conceitos. Além disso, a pesquisa mostrou em geral que as concepções dos estudantes são específicas do contexto, isto é, dependem da atividade concreta que é apresentada. Se a situação mudar de um primeiro 5 PEF- IF-UFRJ Renders Duit exercício a um exercício similar (do ponto de vista de um físico), os estudantes podem empregar concepções substancialmente diferentes para resolvê-lo. As concepções podem suplantar as evidências empíricas – sobre os vieses da confirmação É um resultado geral bem conhecido da pesquisa sobre as concepções dos estudantes que estas concepções são muito influenciadas pelo que eles de fato vêem nas experiências. Além disso, os estudantes em geral não estão “querendo” mudar suas concepções se suas previsões forem desafiadas em apenas uma experiência (Chinn & Brewer, 1993). Schlichting (1991) forneceu um exemplo impressionante de como os estudantes não vêem o que realmente é para ser visto, e, digamos, vêem o que suas concepções permitem que eles vejam. Ele mostrou o arranjo experimental mostrado na figura 6 a uma turma do início do ensino médio e perguntou onde o fio fino começaria a brilhar quando o circuito fosse fechado. Havia três previsões diferentes. (1) O fio começará a brilhar na esquerda ou à direita, dependendo da hipótese a respeito do sentido de fluxo de corrente utilizada. (2) O fio brilhará primeiro no meio porque dois tipos da corrente (veja acima) chegarão juntas ao meio. (3) O fio brilhará simultaneamente em todos os pontos (a visão correta). Após a previsão, a experiência foi realizada. Quase todos viram o que esperavam. Observe o circuito a seguir. Onde o fio começa a brilhar primeiro quando o circuito for fechado? Figura 6 Como mencionado acima, muitos estudantes acreditam que a corrente é consumida em uma lâmpada, de forma que menos corrente flui de volta para a bateria (de acordo com a visão dos estudantes). Gauld (1989) desafiou essa concepção usando os experimentos mostrados na figura 7. Após um processo difícil e trabalhoso, ele conseguiu convencer sua turma, formada por estudantes de aproximadamente 14 anos, que as deflexões idênticas dos amperímetros podem ser melhor explicadas pelo conceito físico de conservação de corrente. Três meses mais tarde, entrevistou seus estudantes a respeito de suas concepções sobre o fluxo de corrente. A maioria deles não utilizava os conceitos físicos aprendidos. Ao solicitar que um grupo de estudantes fizesse leituras nos amperímetros, a resposta foi que eram diferentes, embora três meses antes todos eles tivessem aceito a observação de que as deflexões do medidor eram iguais. 6 PEF- IF-UFRJ Renders Duit Leitura de amperímetros desafia a idéia de consumo de corrente pelos estudantes (de Gauld, 1989) Figura 7 Os processos de aprendizagem dos estudantes Diversos estudos sobre as concepções alternativas dos estudantes, similares ao levantamento europeu acima relatado (Shipstone e outros, 1988), mostraram que ter sucesso em conseguir, no ensino de física, que os alunos desenvolvam um ponto de vista físico é usualmente limitado (ver a lista de cerca de 280 estudos sobre aprendizagem de eletricidade em Pfundt & Duit, 1994). A maioria destes estudos é feita com dados obtidos após a instrução ou com dados que confrontam resultados obtidos antes e depois da instrução. Mas há também estudos de processos de aprendizagem que permitem acompanhar os processos individuais de aprendizagem dos estudantes (ver as contribuições de Duit, Goldberg, & Niedderer, 1992; para um estudo do processo de aprendizagem no campo da eletricidade, ver Schwedes & Schmidt, 1992, ICPE Book, 2000). Torna-se óbvio nesses estudos que os caminhos que os estudantes seguem no processo de aprendizagem são muito complicados: há idas e voltas, desenvolvimentos em paralelo e também becos sem saída. Em geral, um desenvolvimento no sentido de se atingir o ponto de vista científico torna-se visível apenas após um longo tempo, e o desenvolvimento conceitual no sentido da visão de física, por exemplo na eletricidade, é um processo longo e difícil. Os estudos revelam também que frequentemente o desenvolvimento conceitual se dá no sentido oposto do que aquele que o professor pretendeu. Por exemplo, foi feito um estudo por Niedderer e Goldberg (1995) com um grupo de três estudantes universitários utilizando as idéias físicas dos circuitos elétricos discutidos anteriormente por meio de uma abordagem baseada em investigação. Estes estudantes inicialmente tiveram muita dificuldade para conectar corretamente uma lâmpada a uma bateria. Levaram aproximadamente 30 minutos para resolver a tarefa. A intenção do professor era fornecer aos estudantes experiências concretas que lhes permitissem estabelecer idéias sobre o circuito elétrico. Os estudantes desenvolveram uma concepção bem conhecida a partir dos outros estudos, apresentada anteriormente. Sua visão é que a corrente é um tipo de combustível que flui da bateria para a lâmpada e é consumida nela. Eles utilizaram também seu conhecimento de carga positiva e negativa, já ensinado em aulas de ciências. Juntaram essas duas concepções (a idéia do consumo e a noção de corrente positiva e negativa) de uma forma tal que conseguiram montar uma estrutura que lhes fornecia explanações úteis (produtivas). O professor inicialmente manteve sua estratégia e não reconheceu que as idéias que os estudantes desenvolveram foram no sentido oposto ao pretendido e que esse desenvolvimento adicional escondia o ponto de vista científico. Os estudantes não desejavam e não eram capazes de mudar um ponto de vista que tinha provado ser produtivo e plausível para 7 PEF- IF-UFRJ Renders Duit eles. Ou seja, neste caso a orientação e o apoio dados pelo professor levaram os estudantes a desenvolver concepções que eram impedimentos mais sérios para a aprendizagem posterior do que suas idéias iniciais do dia a dia. O ensino de eletricidade que leva em conta as dificuldades de aprendizagem dos estudantes Naturalmente, a pesquisa sobre aprendizagem de eletricidade não foi restrita ao levantamento das dificuldades de aprendizagem dos alunos, mas também a como enfrentar essas dificuldades a fim melhorar o processo de ensino e aprendizagem. Um bom número desses estudos foram realizados para avaliar novos enfoques de ensino e aprendizagem. Não é possível aqui fornecer aqui uma revisão detalhada dessas abordagens. A seguir apenas algumas observações sobre resultados gerais serão apresentadas (para informações mais detalhadas desses estudos ver Pfundt & em Duit, 1994). Mudança conceitual Aprender, no domínio da pesquisa sob a revisão aqui, é visto geralmente como um processo ativo da construção por parte do aprendiz a partir da sua base de conhecimento já existente. O que o aprendiz sabe já provou ser o fator chave na aprendizagem de qualquer área. Essa visão da aprendizagem é chamada geralmente “contrutivista” (Tobin, 1993), denotando que a aquisição de conhecimento é um processo da construção do indivíduo dentro de um determinado campo social. O termo “mudança conceitual”, que é usado extensamente e está associado freqüentemente às idéias da aprendizagem contrutivista referem-se à ciência da aprendizagem que envolve a reestruturação do conhecimento já existente, prévio à instrução (Vosniadou, 1994). Em outras palavras, o termo significa que geralmente os estudantes possuem, antes da escolarização, idéias do dia a dia sobre os fenômenos da ciência que contrastam frontalmente com os conceitos e os princípios da ciência a serem aprendidos. O termo mudança conceitual não é uma boa escolha porque pode ser interpretado erroneamente. A mudança não diz a respeito à troca (ou mesmo extinção) das concepções existentes pelos conceitos da física. A pesquisa mostrou que essa troca não é possível, e também provou que não é desejável. Como comentado acima, os estudantes em geral aprendem, no melhor dos casos, um tipo de idéia híbrida que funde aspectos de suas concepções pré-instrucionais e pontos de vista da física. Além disso, as concepções préinstrucionais de muitos estudantes se mostraram estruturas poderosas no contexto da vida diária. Isto é verdadeiro, por exemplo, para as concepções da eletricidade apresentadas acima. Para a maioria as experiências da vida diária, elas fornecem orientação suficiente para tratar com dispositivos elétricos e permitem o discurso do dia a dia útil sobre a maioria dos assuntos elétricos. A visão de trocar as concepções do dia a dia pré-instrucionais dos estudantes tem portanto que ser mudada por uma visão de dependência de contexto: uma certa coexistência entre ambos pontos de vista deve ser tolerada; e os estudantes têm que aprender nas aulas de física que a visão científica da física fornece estruturas mais poderosas em determinadas situações e contextos. Mudança conceitual e condições que sustentam a mudança conceitual A mudança conceitual, no sentido acima apontado, isto é, em termos dos caminhos de aprendizagem dos estudantes a partir das suas concepções pré-instrucionais até os conceitos da 8 PEF- IF-UFRJ Renders Duit física, envolve tanto aspectos racionais (lógica) quanto emocionais. Há muitos casos conhecidos na literatura que mostram que os estudantes compreendem o conceito físico mas não acreditam nele (Jung, 1993). A mudança conceitual deve portanto ser inserida em situações que apoiem o desenvolvimento das idéias dos estudantes. Dentre estas, podemos apontar a existência de um clima na sala de aula que permita aos estudantes exprimir suas idéias e trocar seus pontos de vistas com outros estudantes, e onde as idéias dos estudantes são em geral consideradas pelo professor como tentativas sérias de compreensão de um dado fenômeno. Também os interesses e motivação dos estudantes desempenham um papel chave. Em um estudo sobre ensino e aprendizagem dos conceitos básicos da eletricidade (Grob e outros, 1994), o significado dos fatores acima mencionados tornou-se evidente. Observou-se que meninas e meninos usam abordagens diferentes para aprender física. As meninas tendem a distanciar-se da física porque têm pouco interesse. Isso não significa que não aprendam física. No grupo feminino de estudantes que mostra um comportamento de aprendizagem constante a motivação intrínseca é um fator determinante para a aprendizagem de física. A motivação intrínseca independe do conteúdo específico e indica que estas estudantes são em geral estudantes brilhantes. Os rapazes encontram um acesso emocional à física através do seu interesse e se mostram bons e contínuos aprendizes enquanto seu esforço dependa do interesse. Rotas continuas e descontinuas da aprendizagem As concepções intuitivas dos estudantes sobre circuitos elétricos sem dúvida contrastam fortemente com os conceitos correspondentes da física. Muitas das novas estratégias de ensino e aprendizagem apresentadas na literatura começam com o levantamento das idéias dos estudantes e de suas experiências com os fenômenos em consideração. Este é o caso do esquema de ensino construtivista do projeto CLIS (“Children´s Learning in Science”, aprendizagem de ciências das crianças, Driver, 1989), mas em muitas outras abordagens os estudantes realizam experiências (por exemplo, com baterias e lâmpadas), desenvolvem e discutem suas idéias sobre os fenômenos investigados. A partir desta base, o professor tenta guiar os estudantes na direção da visão da física em um processo passo a passo. Desafiar as ideías dos estudantes é uma parte crucial deste período; em outras palavras, conflitos cognitivos desempenham um papel fundamental. A estratégia de Gauld (1988), discutida rapidamente acima, pode ser considerado um exemplo paradigmático. Os conceitos científicos são aplicados depois a novas situações. Muita ênfase é dada também à reflexão dos estudantes sobre seu próprio processo de aprendizagem, para torná-los conscientes que suas idéias intuitivas iniciais são diferentes dos novos conceitos físicos. Estas estratégias podem ser chamadas de descontínuas, pois se apoiam deliberadamente em conflitos cognitivos. As estratégias de conflito cognitivo, embora sejam em geral superiores a enfoques mais tradicionamente orientados (Guzetti & Vidro, 1993), apresentam várias dificuldades. A mais importante é que freqüentemente é difícil fazer que os estudantes reconheçam o conflito. Pode acontecer também que o levantamento das idéias dos alunos e a longa discussão da visão préinstrucional dos estudantes reforcem essas idéias. Portanto, existe a busca de estratégias que evitem o conflito cognitivo, isto é, que utilizem elementos das concepções pré-instrucionais dos estudantes que compartilham ao menos alguns elementos básicos com a visão da física, e a partir deste núcleo de semelhança prosseguir de forma continua na direção da concepção da física. Um tipo dessas estratégias pode ser chamado de “reinterpretação” (Jung, 1986). Grayson (1996) fornece um exemplo para essa estratégia (ela utiliza o termo “substituição conceitual”). Em vez de desafiar a visão dos estudantes a respeito de consumo de corrente, como apresentada acima, ela fornece a seguinte 9 PEF- IF-UFRJ Renders Duit reinterpretação: a noção de que algo é consumido não está totalmente errada – quando enfocada em termos da energia. A energia realmente está fluindo da bateria para a lâmpada, e quando a corrente se estabelece “é consumida”, isto é, transformada em calor e luz. Há outras possibilidades de percorrer caminhos contínuos para desenvolver a visão da fisica dos conceitos de eletricidade. Nesses casos, a instrução inicialmente contorna as concepções pré-instrucionais que os estudantes têm do circuito elétrico, e começa com determinados esquemas mais gerais ou com analogias retiradas dos domínios de conhecimento já familiares para os estudantes. A estratégia mais popular é baseada nas analogias com circuitos de corrente de água de diversos tipos. O problema dessa analogia padrão no ensino de física é que pode levar a graves incompreensões, caso as diferenças não sejam cuidadosamente trabalhadas. A pesquisa já mostrou especificamente que os estudantes possuem basicamente as mesmas concepções (que devem ser consideradas como erradas do ponto de vista da física) tanto para o circuito elétrico como para o circuito da água (ver Schwedes, 1996, para uma abordagem que trata desses problemas). Estrutura orientada para o estudante do conteúdo da ciência Naturalmente, dentro de todas as novas abordagens de mudança conceitual para o ensino e aprendizagem de eletricidade, há tentativas de mudar a estrutura dos conteúdos da física de forma que as dificuldades de aprendizagem reveladas em muitos dos estudos disponíveis possam ser adequadamente tratadas. Parecem existir três preocupações principais: (1) O fluxo de corrente e o fluxo da energia têm que ficar claramente diferenciados desde o início do processo, de forma a atingir a idéia dos estudantes de consumo de corrente, que se mostrou resistente à instrução de uma maneira muito séria. (2) A corrente e a tensão têm que ser diferenciadas logo no início do processo, a fim de permitir que os estudantes tenham uma visão do fenômeno do fluxo de corrente que inclua a idéia de um fluxo de algo em um circuito e a idéia de uma “força” que impulsiona esse fluxo mas que também permita distinguir estes aspectos. (3) Para abordar os raciocínios “local” e “seqüencial”, acima discutidos, que dominam a visão dos estudantes sobre fluxo de corrente, é necessário guiar os estudantes a uma “visão de sistema” do circuito elétrico (Härtel, 1985), a partir do início. Sempre que há alguma mudança em um ponto do circuito há também e simultaneamente outras mudanças em outros pontos dos circuito. Um modelo adequado não estaria baseado no comportamento das cargas individuais (ou partículas) em movimento, e sim numa visão onde todas as partículas estão intimamente interconectadas. Conclusões O tema da eletricidade é o que apresenta a maior quantidade de trabalhos de pesquisa sobre as dificuldades de aprendizagem dos estudantes. Os resultados deste grande corpo de pesquisa mostram claramente que as concepções pré-instrucionais dos estudantes influenciam profundamente ou até mesmo determinam a própria aprendizagem. A maioria das concepções dos estudantes provou ser um impedimento à aprendizagem, pois elas contrastam fortemente com os conceitos da física a serem aprendidos. 10 PEF- IF-UFRJ Renders Duit Como o conhecimento pré-instrucional dos estudantes necessariamente deve ser o ponto inicial de qualquer processo de aprendizagem, os impedimentos tem que ser superados de forma inteligente. Também nisso a pesquisa tem abordagens valiosas que podem conduzir a um ensino e aprendizagem de física mais eficiente e mais agradável no tema da eletricidade e em outros. Muito foi feito até agora, muitas idéias valiosas estão disponíveis, mas ainda há muito a ser feito. Referências Chinn, C.A., & Brewer, W.F. (1993). The role of anomalous data in knowledge acquisition: A theoretical framework and implications for science education. Review of Educational Research 63, 1-49. Closset, J.L. (1983). Sequential reasoning in electricity. In Research on Physics Education. 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