Salários e desenvolvimento Luiz Carlos Bresser-Pereira, Nelson Marconi e José Luís Oreiro Capítulo 2 de Structuralist Development Macroeconimics, Londres: Routledge, a ser publicado. O desenvolvimento econômico só faz sentido se implica elevação dos salários reais e melhoria dos padrões de vida. No curto prazo os salários flutuam de acordo com a oferta e demanda de mão-de-obra e de acordo com a capacidade de barganha dos trabalhadores. Esta, por sua vez, depende da taxa de desemprego e de fatores institucionais que influem sobre as relações de trabalho. No longo prazo, os salários são determinados em um primeiro momento pelo custo de reprodução da força de trabalho enquanto existe oferta ilimitada de mão-de-obra , o qual, por seu turno, era determinado pelas condições sócio-históricas prevalecentes no país, sendo, em larga medida, uma convenção, e não por fatores meramente biológicos.. Foi isto que permitiu que os economistas clássicos, em sua teoria da distribuição, considerassem os salários, dados, e os lucros, o resíduo – o que sobrava depois do pagamento do salário de subsistência. E também lhes permitiu formular a hipótese da tendência à queda da taxa de lucro e à estagnação econômica no longo prazo, não obstante a produtividade do trabalho continuasse a aumentar no seu tempo. Para Ricardo, a estagnação seria causada pela redução da produtividade da terra devido à ocupação de terrenos cada vez menos férteis, e para Marx, devido à redução da produtividade do capital, isto é, da relação produto-capital, causada por um processo de trabalho mais intensivo em capital acompanhado por um tipo de progresso técnico dispendioso de capital. i Mas não foi isto que se verificou historicamente. Não houve redução da produtividade nem da terra nem do capital. Segundo, a partir do momento em que a condição de oferta ilimitada de mão-­‐de-­‐obra desaparece em cada país, verificou-­‐se que os salários passaram a crescer com o aumento da produtividade do trabalho. Terceiro, a taxa de lucro não caiu; continuou a flutuar no ciclo, mas revelou-­‐se constante no longo prazo. Estes fatos levaram Bresser-­‐Pereira (1986) a propor uma nova teoria de distribuição que envolveu a inversão da teoria clássica. Ao invés de serem os salários, é a taxa de lucro que se mantém constante, enquanto os salários crescem com o aumento da produtividade. Tal taxa flutua fortemente durante os ciclos econômicos, mas no longo prazo se mantém em um nível satisfatório para os empresários investirem, porque o progresso técnico deixou de ser dispendioso de capital – deixou de implicar principalmente a substituição de trabalho por capital, para se tornar neutro (relação produto-­‐capital constante) ou mesmo economizador de capital, na medida em que o progresso técnico dominante deixa ser aquele que decorre da “mecanização” (da substituição de trabalho por capital) para ser o progresso técnico poupador de capital, que provém da substituição de máquinas antigas, menos eficientes, por maquinas mais eficientes. Os salários crescem na proporção do aumento da produtividade do trabalho quando o progresso técnico é neutro. Se o progresso técnico for dispendioso de capital, mantida a taxa de lucro, os salários aumentarão menos que a produtividade. Como, no tempo da teoria econômica clássica, os salários estavam no nível de subsistência, não havia como baixá-­‐los em termos reais. Por isso os economistas clássicos previram a estagnação. Já quando o progresso técnico torna-­‐se poupador de capital, os salários podem crescer a uma taxa superior à do crescimento da produtividade sem que a margem de lucro razoável, satisfatória para as empresas investirem, seja afetada. Era o que parecia estar acontecendo nos países ricos, depois da Segunda Guerra Mundial, quando pela primeira vez na história do capitalismo os índices de desigualdade caem de forma consistente por duas ou três décadas. Entretanto, a partir de meados dos anos 1970 os salários reais nesses países passaram a crescer menos que a produtividade e a renda volta a concentrar-­‐se, não obstante o progresso técnico não se caracterizasse mais pela “mecanização” (substituição de trabalho por capital) que é dispendiosa de capital, mas de máquinas menos eficientes por mais eficientes, que caracteriza o progresso técnico poupador de capital.ii A principal explicação para esse fato é exógena aos sistemas econômicos desses países. O aumento dos salários abaixo da produtividade deve-­‐se à pressão sobre eles causada, primeiro, pela nova competição proveniente dos países em desenvolvimento, que, nessa década, passam a exportar bens manufaturados; segundo, pela imigração para os países ricos. Neste capítulo nosso tema é o da relação entre salários, desenvolvimento e industrialização nos países em desenvolvimento. Começaremos analisando a fase inicial de construção de uma base de capital para o país, geralmente através da exportação de commodities que se aproveitam de rendas ricardianas e, em seguida a industrialização substitutiva de importações, que já se beneficia da existência de uma oferta ilimitada de mão-­‐de-­‐obra. Mas essa estratégia é necessariamente limitada, e, uma vez esgotada, mantida a depressão dos salários devido ao excesso de oferta de mão-­‐de-­‐obra, surge o problema da demanda. Que os países mais bem sucedidos resolveram através da exportação de manufaturados e da concentração da renda da classe média para cima, mantido o crescimento dos salários abaixo do crescimento da produtividade. Finalmente demonstramos como, no processo de industrialização, se determinam os salários. Estes crescem na medida em que, de um lado, a mão-­‐de-­‐obra se qualifica tecnicamente, e, de outro, que se transfere mão-­‐de-­‐obra de setores com baixo para setores de alto valor adicionado per capita. Afirmamos, então, que a teria clássica do valor nos ajuda a compreender o aumento dos salários e o desenvolvimento econômico na medida em que os setores econômicos com maior valor adicionado per capita são setores tecnologicamente sofisticados, que exigem mão-­‐de-­‐obra educada no plano técnico e administrativo, mão-­‐de-­‐obra essa cujo custo de reprodução socialmente convencionado torna-­‐se cada vez maior. Fase inicial do desenvolvimento Nos séculos XVIII e XIX, os economistas clássicos tinham como principal objeto de análise os países que primeiro realizaram sua revolução industrial e capitalista (principalmente Inglaterra e França). Viam uma taxa de salários constante no nível de subsistência, e tinham uma explicação geral para isso: a oferta ilimitada de mão-­‐de-­‐obra. De fato, nesses países, a indústria manufatureira que então surgia contava com um grande reservatório de força de trabalho na agricultura de subsistência que caracterizava esses países. Mas, por volta dos anos 1870, esse reservatório de mão-­‐de-­‐obra se esgotou; para controlar o nível de salários sobrou o desemprego cíclico moderno. Que continuou a pressionar os salários para baixo, mas que não logrou impedir que os salários aumentassem na proporção da produtividade, porque isto não impedia que a taxa de lucro se mantivesse satisfatória, e porque os trabalhadores se organizaram em termos sindicais e político-­‐partidários para defender seus interesses. Os países em desenvolvimento tendem a passar pelos mesmos estágios por que passaram os países ricos, mas o estágio de evolução dos salário em nível semelhante ou superior ao da produtividade pode terminar não ocorrendo eles têm que enfrentar o imperialismo industrial dos países que se desenvolveram originalmente, o qual, em relação aos países menos dependentes, pode se expressar pelo exercício da força e, em relação aos países mais dependentes, se limita às pressões e recomendações de políticas econômicas liberais que eles próprios não utilizaram na mesma fase de crescimento. Na verdade, o processo histórico do desenvolvimento econômico ocorre de forma desigual e apenas parcialmente repetitiva, porque os países iniciam suas revoluções capitalistas ou seu desenvolvimento industrial em momentos históricos diferentes. Mas isto não impediu que também em relação aos países em desenvolvimento – e talvez com maior intensidade – tenha se manifestado o problema da oferta ilimitada de mão-­‐de-­‐obra. Os países pobres e os pré-­‐ industriais possuem uma estrutura produtiva em que setores atrasados convivem com outros mais modernos. São sociedades duais, nas quais existem setores atrasados, geralmente concentrados na agricultura de subsistência e nos serviços, e setores mais avançados que se concentram no setor industrial. E, em consequência, Arthur Lewis (1954) identificou neles a existência de oferta ilimitada de mão de obra – uma oferta de trabalhadores do setor atrasado que pode ser alocada no moderno que será tanto maior quanto mais pobre for o país. Nestas economias, a produtividade dos setores atrasados é muito inferior à dos setores modernos; um percentual significativo dos empregados está alocada nos primeiros, ou seja, nos setores agrícola de subsistência e de serviços que não utilizam tecnologias avançadas. Além de a produtividade ser reduzida e a disponibilidade de mão-­‐de-­‐obra ser significativa, os bens ali produzidos requerem pouca qualificação por parte dos trabalhadores; portanto, os salários ali também são baixos. O desenvolvimento econômico geralmente acontece nesses países quando empresários locais ou estrangeiros no setor agrícola ou no de mineração aproveitam a disponibilidade de recursos naturais abundantes e baratos – e as rendas ricardianas que eles proporcionam – para produzir uma commodity de acordo com os padrões internacionais e exportá-­‐la. Entretanto, os salários médios que esse setor paga são muito baixos e não aumentam na mesma proporção da produtividade, porque os empresários se aproveitam da oferta ilimitada de mão-­‐de-­‐obra do setor atrasado. Através da produção de commodities que se beneficiam de rendas ricardianas o país realiza sua acumulação de capital primitiva – aquela que é necessária para que, em seguida, possa haver o desenvolvimento econômico com base no investimento realizado por capitalistas industriais. O Estado, através de impostos sobre a exportação dessas commodities e de investimentos que realiza na infraestrutura do país, participa também da formação dessa acumulação original. A partir de determinado momento, o país passa a ter condições para se industrializar, porque, graças à exportação de commodities, já construiu uma razoável infraestrutura de energia, transportes e comunicações, e porque já começou a estruturar seu mercado interno. A revolução industrial então se desencadeia, comandada por uma combinação de investimentos do Estado e dos empresários industriais. Em uma primeira fase, o problema da demanda é resolvido pela estratégia de substituição de importações, ao mesmo tempo que se concentra a renda, pois a indústria que se instala tem, muitas vezes, um processo produtivo adaptado aos padrões internacionais (pois os bens de capital são importados neste estágio do processo de desenvolvimento), e portanto mais intensiva em capital, como sugere Furtado (1966), o que não elimina a oferta ilimitada de mão-­‐de-­‐obra. Mas essa fase de substituição de importações deve ser curta, porque implica redução da eficiência produtiva na medida em que um número cada vez maior de setores – especialmente os maior economias de escala – são protegidos. Essa estratégia implica a definição de barreiras alfandegárias elevadas para os bens manufaturados, e a contínua diminuição do coeficiente de importações. Assim, a nova indústria manufatureira que surge se beneficiará, do lado da oferta, da mesma oferta ilimitada de mão-­‐de-­‐obra que se beneficiara o setor exportador de commodities. Surge o problema da demanda Mas a industrialização substitutiva de importações é, por definição, limitada, dadas as economias de escala que deixam de ser aproveitadas. Limitadíssima em países pequenos, e ainda muito limitada nos países maiores. Na Coreia do Sul, que desencadeou sua industrialização nos anos 1950, durou pouco mais de 10 anos; no Brasil, país maior que iniciou sua industrialização nos anos 1930, no início dos anos 1960 já havia esgotado suas possibilidades. Esgotada a industrialização substitutiva de importações, surge o problema da insuficiência de demanda. Os empresários podem ter lucros elevados porque pagam salários baixos, mas não têm para quem vender. Para que haja crescimento, é necessário que haja demanda interna, mas essa tende a se manter rebaixada na medida em que permanece existindo uma oferta ilimitada de mão-­‐ de-­‐obra e, também e por consequência, os salários crescem a uma taxa inferior à da produtividade. Na fase inicial da industrialização esse problema não é sentido com tanta força, porque, dadas as expectativas de lucro elevadas, os empresários industriais tendem a investir fortemente, e os investimentos acabam por criar demanda interna – uma demanda que provém não tanto da classe trabalhadora, mas da classe média profissional que surge com a industrialização. Assim, há outra parcela da força de trabalho a considerar: a dos profissionais que estão surgindo em torno da industrialização e do surgimento de grandes organizações empresariais. A oferta de trabalho técnico e administrativo que a classe profissional detém não é ilimitada; pelo contrário, é fortemente limitada, de forma que seus ordenados (salaries) crescem compensando do ponto de vista da demanda o crescimento insuficiente dos salários (wages). A fonte de demanda interna passa para as classes médias atendidas pela produção de consumo de luxo, principalmente automóveis e outros bens duráveis. Mas essa estratégia tem também vida curta, pois requer concentração ainda maior da renda, o que é garantida pela contínua adoção de um processo produtivo baseado em padrões internacionais intensivos em capital. Por outro lado, a capacidade da classe média, e mesmo da mais alta de absorver toda a produção que resultaria da utilização de toda a capacidade produtiva, ou da parcela que seria suficiente para gerar uma receita satisfatória aos empresários, é limitada. O problema da insuficiência de demanda permanece, agora agravado pelo excesso de oferta (ou melhor, pela capacidade produtiva ociosa). A partir desse ponto, o problema de demanda criado pela tendência dos salários crescerem menos do que a produtividade se manifesta com toda a clareza. E se constitui em um obstáculo maior à continuidade do crescimento. As taxas de crescimento caem, a diversificação produtiva perde força. Neste cenário as margens de lucro são elevadas, mas o reduzido patamar da demanda agregada é insuficiente para estimular os empresários a investirem em uma magnitude que viabilize a absorção rápida do excedente de mão-­‐de-­‐obra. Para continuar a crescer e a se industrializar, o país não pode mais contar apenas com a demanda interna protegida. Não tem outra alternativa senão exportar os bens manufaturados cuja tecnologia domine. Foi novamente o que ocorreu nos dois países acima citados, o Brasil e a Coreia do Sul, a partir dos anos 1960. Além disso, o país pode adotar uma política de aumento de salários reais para garantir a demanda interna, principalmente de salário mínimo, mas essa política é limitada pela taxa de lucro dos empresários. E pode aumentar seus investimentos e seus gastos sociais, que implicam aumento indireto dos salários. É uma forma eficiente de melhorar a qualidade de vida das pessoas e criar demanda – mais eficiente que o aumento dos salários. Quando o país logra êxito nessa segunda fase de sua industrialização, agora também exportando bens manufaturados, o país completa sua revolução industrial e capitalista e se torna um país de renda média. Durante algum tempo sua competitividade internacional continua a ser beneficiada pela oferta ilimitada de mão-­‐de-­‐obra que continua a rebaixar os salários. A China e a Índia são, por exemplo, países nessas condições. Mas, em decorrência do processo de industrialização, ocorre a urbanização e a queda da taxa de natalidade, junto com a melhoria dos indicadores de expectativa de vida decorrentes do progresso e do aumento do gasto social. Quando, quinze a vinte anos depois, essa queda repercute na oferta de mão-­‐de-­‐obra, reduzindo-­‐a, o país estará chegando ao “ponto de Lewis” – ao ponto em que se esgota a oferta ilimitada de mão-­‐de-­‐obra, e o crescimento insuficiente da demanda interna devido à tendência dos salários crescerem menos que a produtividade deixa de ser um obstáculo ao desenvolvimento. Foi o que aconteceu no Brasil nos anos 2000. A partir de então os salários passam a crescer com a produtividade, e o mercado interno volta a ter um papel decisivo no desenvolvimento econômico. Entretanto isto não significa que possa voltar ao modelo de substituição de importações. A continuidade do processo de crescimento dependerá de o país continuar a exportar manufaturados, porque continuará inviável do ponto de vista econômico reduzir o coeficiente de importações. O investimento também terá de ser elevado para garantir um aumento da produtividade em sintonia com o dos salários causado pelo esgotamento da oferta ilimitada de mão-­‐de-­‐obra, e assim manter consistente o fortalecimento do mercado interno e garantir a taxa de lucro necessária aos empresários. Determinação dos salários e industrialização A análise realizada até agora supõe que o desenvolvimento econômico se identifica com a industrialização, ou a mudança na estrutura produtiva, e que os salários serão tanto maiores quanto mais o país se industrializar. Isto se deve, essencialmente, ao fato de que, de um lado, a indústria, além de criar demanda para mão-­‐de-­‐obra, geralmente apresenta maior valor adicionado per capita que os demais setores da economia – o setor de produção de bens primários ou commodities e o de serviços não sofisticados tecnologicamente. É claro que se decidirmos pensar em termos puramente abstratos ao invés de em termos históricos, não poderíamos fazer afirmação. Mas ainda teríamos que dizer que o desenvolvimento econômico do lado da oferta ou o aumento da produtividade depende da transferência de mão-­‐de-­‐obra para setores com maior valor adicionado per capita. Alguns setores de serviços, como o de serviços financeiros e os de entretenimento, tem um valor adicionado per capita muito elevado. Quando, portanto, falarmos em industrialização, estamos incluindo no conceito também setores desse tipo, mas sua consolidação também depende das inovações industriais. O argumento clássico a favor da industrialização foi o de Prebisch, relativo à tendência à deterioração do termos de troca dos países exportadores de commodities. Dado que a produtividade tende a aumentar mais rapidamente na indústria que no setor primário, deveria haver, de acordo com a teoria convencional, uma melhoria das relações de troca em favor dos países produtores e exportadores de bens primários. Mas, ao contrário do que afirma essa teoria, quando, nos países ricos, aumenta a produtividade na indústria, o preço dos bens produzidos não cai proporcionalmente, mas é em parte transformado em aumento de salários. Dessa forma, os termos de troca não melhoram, mas apresentam uma tendência secular à queda ou, pelo menos, não apresentam tendência de alta. Uma outra forma de ver o problema é considerar que o aumento dos salários e o desenvolvimento econômico estão associados ao aumento da produtividade que é logrado não tanto através do progresso técnico no mesmo setor e a melhoria da qualidade dos trabalhadores nesse setor, mas através da transferência de mão-­‐ de-­‐obra de setores com menos para setores com mais valor adicionado per capita. Este é o argumento básico a favor da industrialização entendida esta em sentido amplo. Mas, por que alguns setores econômicos apresentam um valor adicionado per capita maior que outros? Por que a indústria manufatureira geralmente apresenta uma produtividade maior do que a produção primária e terciária? O argumento definitivo a respeito é simples, e nos leva de volta à teoria do valor-­‐ trabalho e à teoria clássica dos salários. Já vimos que quando se esgota a oferta ilimitada de mão-­‐de-­‐obra, os salários tendem a crescer de acordo com a produtividade, dado um progresso técnico neutro e uma taxa de lucro constante em um nível satisfatório para os empresários investirem. Se entendermos esse conceito de forma restrita, esse crescimento conflita com a teoria clássica dos salários, segundo a qual estes correspondem ao custo de reprodução da mão-­‐de-­‐ obra. Entretanto, se dermos a essa expressão um sentido mais amplo, entendendo-­‐se por custo de reprodução o custo socialmente convencionado de se formar e manter um trabalhador, não há conflito entre as duas teorias. Podemos entender que neste montante estão incluídas as despesas que garantam sua subsistência, boa saúde, educação, qualificação técnica inclusive superior, e a satisfação de necessidades de consumo correspondentes – despesas que crescem com o desenvolvimento econômico. Podemos, por outro lado, inverter a relação, e entender que as mudanças sociais e culturais que acompanham o crescimento, contribuem, indiretamente, para elevar a produtividade do trabalho. A maior complexidade no processo produtivo demanda trabalhadores mais qualificados. Respondendo a essa demanda, os trabalhadores e as classes médias profissionais investem em sua educação, saúde, cultura, o que aumenta a produtividade do seu trabalho. E, assim, o custo de reprodução da força de trabalho também se eleva à medida que a economia capitalista e a sociedade se desenvolvem. Trabalhadores mais produtivos, demandados pelas empresas em um cenário de crescimento econômico, possuem um custo de reprodução da força de trabalho mais elevado, o que também contribui para explicar a evolução da produtividade em sintonia com a observada para a dos salários. Trabalhadores mais qualificados geram produtos mais sofisticados e diferenciados, para os quais existe demanda, e desta forma o mercado possibilita a prática de preços mais elevados e a manutenção da taxa de lucro em um patamar satisfatório, a diferença sendo recebida por agentes de todo tipo envolvidos na valorização do produto no mercado. No processo de diferenciação do produto vemos bem esse processo. O aumento do valor adicionado per capita e dos salários ocorre em relação a bens e serviços que tecnicamente não apresentam melhoria (improvement), mas que, devido a estratégia de marketing, podem ser vendido a preços mais elevados. Esse é o caso de todas as grifes. Por exemplo, para a produção de um Rolex e de um relógio da mesma qualidade sem marca conhecida e preço muito menor, os trabalhadores e técnicos necessários são da mesma qualidade. Mas em termos monetários, quando levamos em consideração todos os administradores, publicitários, artistas patrocinados, modelos, etc., cujo custo de reprodução social é muito mais elevado, quantidade produzida por trabalhador ou produtividade é mais elevada, de forma que a transferência de mão-­‐de-­‐obra para a produção desses bens e serviços implica desenvolvimento econômico. A partir dessas ideias simples, podemos ver como acontece o aumento da produtividade e o desenvolvimento econômico. A indústria manufatureira é, em geral, sofisticada do ponto de vista tecnológico e administrativo; emprega, portanto, trabalhadores e profissionais com nível de educação maior. Ou, em outras palavras, emprega força de trabalho cujo custo de reprodução é mais elevado. Assim, na medida em que um país transfere sua mão-­‐de-­‐obra para setores cada vez mais sofisticados tecnológica e administrativamente, ele está empregando o pessoal qualificado que ele preparou em suas escolas e universidades – pessoal que recebe maiores salários e, por isso, são mais produtivos. São mais produtivos não em termos de quantidade, mas em termos de valor. É claro que a relação direta entre aumento de produtividade e aumento de salários nem sempre ocorre. Essa proporcionalidade supõe taxa de lucro constante em nível satisfatório para os empresários investirem. Mas os lucros ou as rendas capitalistas sob a forma de juros e aluguéis podem aumentar em prejuízo dos salários. Isto ocorria no período inicial do desenvolvimento econômico, durante a revolução industrial de cada país, porque havia oferta ilimitada de mão-­‐de-­‐obra. E pode não ocorrer em determinados momentos históricos, como foram os anos neoliberais do capitalismo, quando o avanço dos salários é limitado por mudanças institucionais no mercado de trabalho e pelos movimentos migratórios. Mas o alcance do “ponto de Lewis”, conjugado à demanda por mão-­‐de-­‐obra mais qualificada resultante da industrialização, torna a elevação dos salários no mesmo passo da produtividade, uma tendência que só é revertida se a taxa de lucro começar a ser comprimida. Há ainda um último argumento relacionando industrialização com desenvolvimento econômico e salários. Nos serviços altamente sofisticados, relacionados com a revolução da tecnologia da informação e de comunicação, ocorrem retornos crescentes, devido à presença de economias estáticas e dinâmicas de escala, como, por exemplo, o learning-­‐by-­‐doing e as externalidades positivas. No setor primário, contudo, os retornos são decrescentes devido ao fato de que a terra é escassa. Os ganhos de produtividade que ocorrem nesse setor são oriundos da difusão de novos produtos e novos processos produtivos a partir da indústria. Isto ajuda a explicar porque os salários médios na indústria são maiores e crescem mais rapidamente do que no setor primário. O aumento da renda per capita resultante do alcance dos estágios mais adiantados do processo de desenvolvimento modifica o perfil da demanda dos consumidores, que desejam bens e serviços mais sofisticados. Assim, a partir de um determinado estágio de desenvolvimento, tende a ocorrer a desindustrialização -­‐ a redução da participação da indústria no valor adicionado e no emprego, com correspondente elevação da participação dos serviços. Esse fenômeno é, em parte, inevitável, dada a mudança do perfil da demanda, mas é preciso que não nos enganemos a respeito do problema: este processo decorre do alcance de um estágio de desenvolvimento avançado, no qual a renda per capita é suficientemente elevada para determinar a mudança no perfil da demanda na direção de serviços sofisticados. É distinto de um processo de desindustrialização precoce que pode ocorrer quando o país ainda possui um nível de renda baixo ou médio e não completou o seu processo de industrialização, ou ainda não atingiu, mesmo que industrializado, o ponto de Lewis ou os estágios de crescimento que Rostow ( 1960) chamou de caminho para a maturidade e fase do consumo de massa. Mesmo a desindustrialização que decorre do alcance deste último estágio de desenvolvimento, deve ser controlada pelo Estado de forma a evitar uma queda acentuada da participação da indústria; o setor que produz serviços mais sofisticados não possui a mesma capacidade de absorção de mão-­‐de-­‐obra que a indústria, o que pode levar à retomada da tendência de os salários serem corrigidos em variações menores que a observada para a produtividade, e de qualquer forma, frisando novamente, a maior parte da tecnologia e do progresso técnico que será utilizado nos setores de serviços mais sofisticados é gerado na manufatura. Portanto, a elevação dos salários está associada à mudança na estrutura produtiva da economia, mais especificamente à industrialização, que demanda maior quantidade de mão-­‐de-­‐obra e também mais qualificada. É importante que as mudanças estruturais que ocorrem nos estágios mais avançados do processo produtivo não prejudiquem demasiadamente a participação da manufatura no valor adicionado. As políticas públicas, de investimento direto e de incentivo ao investimento privado, devem atentar para esta questão. i Entendemos como progresso técnico o aumento da produtidade do trabalho. Ele ser dispendioso de capital, neutro, ou poupador de capital, conforme implique a a diminuição, constância ou aumento da relação produto-­‐capital ou produtividade do capital. Em países como a Inglaterra e a França, que geralmente servem de parâmetro para análises de longo prazo, o progresso técnico foi neutro entre meados do século XIX e meados do século XX. Surpreendentemente, na segunda parte do século XX o progresso técnico tendeu a se tornar dispendioso de capital, não obstante não fosse mais a substituição de trabalho por máquinas (que caracteriza o progresso dispendioso), mas a substituição de máquinas velhas por máquinas novas, mais eficientes (que caracteriza o progresso poupador de mão-de-obra) deva ter prevalecido. ii Cf. Bresser-Pereira (1986).