Ruído antropogênico: o risco para mamíferos marinhos Conceição Aparecida Dornelasª, Francisco Hélio Rôlab, Mary Lucia Andrade Correiac, Vilena Figueiredo Xavierd, José Udevanier R Silva Juniore, Rodrigo Barbosa de Azevedof, Samille Maria Vasconcellos Ribeirog a,b,d,e,f,g Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil; cCentro de Ciências Jurídicas Universidade de Fortaleza, Fortaleza CE [email protected] RESUMO Ruído antropogênico é o ruído gerado pelas atividades humanas em terra e tem se seguido paralelamente o ruído gerado no mar. Com a demanda crescente energia vinculada a exploração de recursos naturais do oceano sobre a plataforma continental, bem como treinamentos de sonares militares espalhados pelos mares, somados ao crescente aumento de rotas de comercio, turismo e transporte em alto mar, sinalizam para que devemos conhecer para entender e gerenciar os efeitos do som no ambiente marinho. Mamíferos marinhos usam o som para reconhecimento, comunicação individual, evitar predadores, capturar presas, orientar-se, navegar, selecionar seus parceiros e também para a relação da mãe com a cria. Dependendo de sua freqüência, intensidade e duração, sons antropogênicos podem afetar o comportamento dos mamíferos marinhos, mascarar importantes sons naturais dos quais dependem, alterar suas funções fisiológica e física, podendo inclusive levá-los à morte. Muito tem se estudado sobre ruídos antropogênicos como causa de morte em massa de baleias, golfinhos entre outros mamíferos. Apesar das incertezas sobre os efeitos sonoros, os dados revelam a associação entre o ruído antropogênico e muitos prejuízos para os mamíferos marinhos. Acordos internacionais para o controle e vigilância dos mares são as estratégias atualmente utilizadas pelos países objetivando preservação das espécies. 1. INTRODUÇÃO Os mares são definitivamente mais barulhentos do que eram há 50 anos. As fontes de ruídos provenientes de ações humanas vêm aumentando nos últimos anos. A literatura aborda os impactos negativos do sonar, usado principalmente em exercícios militares, cujo início de utilização data da década de 1970, bem como sons provenientes da prospecção de petróleo e exploração de gás, Em ecossistemas costeiros aumentou o nível de ruído antropogênico com efeitos cumulativos sobre as espécies marinhas. Nos Estados Unidos da América (EUA) o Congresso aprovou há alguns anos a MMPA (Marine Mammal Protection Act) [1] esta lei, tentou fornecer instrumentos para coibir riscos e danos de sons, gerados por humanos, para os mamíferos marinhos. Recentemente os EUA desenvolveram um sonar, que pode detectar se um cetáceo está próximo, entretanto o tamanho do Oceano e as dificuldades para se detectar animais de menor porte que também possam ser afetados, são desafios a serem vencidos. Isso sem falar nos interesses econômicos e políticos quando se fala em empresas de prospecção de petróleo, grandes transportadoras marinhas e o sem fim de treinamentos militares. O objetivo desse trabalho é fazer uma revisão da literatura sobre os impactos do ruído provocado pelo homem nas populações de mamíferos marinhos e as estratégias utilizadas para o controle destes impactos. 2. OS RUÍDOS DO HOMEM NO MAR, TRASTORNO PARA MAMÍFEROS Muitos mamíferos ouvem como os seres humanos, e dentro de uma faixa de freqüências semelhantes, mas cetáceos (baleias e golfinhos) comunicam em níveis de som tanto maior e menor do que normalmente pode ouvir. Como resultado, os mamíferos marinhos são afectadas por uma gama mais ampla de sons, e de cada uma das espécies é afetada por sons numa gama audível diferente, por exemplo, sons de 140-180 decibéis (dB) podem causar desconforto para as baleias beluga, enquanto que a exposição a níveis de som de 195 a 210 dB pode danificar os tecidos moles e os tímpanos de baleias [2]. O New York Times publicou que a Marinha americana estima que os fortes barulhos provocados apenas pelos seus dispositivos de escuta subaquáticos, principalmente os sonares, resultam em perda auditiva temporária ou permanente em mais de 250 mil criaturas marinhas todos os anos, um número que está aumentando[3]. Na verdade o que temos hoje é uma expansão sem limites da exploração de recursos do mar com extinção de muitas espécies marinhas nas plataformas continentais. A prospecção de petróleo e o desenvolvimento de rotas de transporte e comércio marinho são outros flagelos que se estendem pelos oceanos e alto mar. Não se sabe ao certo os danos causados pelo ruído antropológico aos mamíferos marinhos, o que se sabe são os muitos relatos de casos e estudos de observação que ligam a morte de mamíferos a fenômenos acústicos produzidos pelo homem. De 1996 a 2002, muitas baleias encalharam na Grécia, Bahamas, Barreira e Canárias após exposição a sons de tático sonar usados pela marinha. A cada ano 1200 a 1600 baleias e golfinhos são encontrados encalhados na costa dos EUA. Alguns investigadores questionam se este fenômeno se deve a perda auditiva dos animais e se é em conseqüência do barulho no Oceano [1]. Observações recentes de encalhe em massa de cetáceos, coincidentes com as emissões de sons antropogênicos, têm levantado preocupações sobre o impacto ambiental do ruído subaquático por algumas alguns pesquisadores [4]. Foram observadas alterações nos movimentos, padrões de mergulhos e outros comportamentos de focas e baleias causados por no Canadá e Alasca. Estudos posteriores na Califórnia descobriram que os comportamentos das baleias podem ser afetados por diversas formas por som associados à exploração de petróleo e gás [4]. Muitos centros de pesquisa se preocupam com estas questões e unem-se com objetivos comuns de monitoramento dos ruídos nos mares e suas conexões com a vida no mar. O Projeto LIDO (Listening to the Deep Ocean Environment) é um destes projetos internacionais que está permitindo o monitoramento em tempo real do ruído em ambiente marinho a longo prazo [5]. Na Europa foi firmado um acordo de cooperação: o ACCOBAMS (Agreement on the Conservation of Cetaceans in the Black Sea, Mediterranean Sea) que visa reduzir as ameaças aos cetáceos em águas do Mar Mediterrâneo e Mar Negro e melhorar nosso conhecimento destes animais e é o primeiro acordo vinculando os países nas duas sub-regiões, permitindolhes trabalhar em conjunto sobre um assunto de interesse geral. Também foi estabelecido o ASCOBANS (Agreement on the conservation of small Cetaceans of the Baltic North East Atlantic Irish an North Seas) um outro acordo sobre a Conservação de Pequenos Cetáceos do Mar Báltico e do Mar do Norte sob os auspícios da Convenção sobre Espécies Migratórias (CMS ou Convenção de Bona) desde 1994. Muitas resoluções e orientações de instâncias internacionais e regionais foram produzidas nos últimos anos que reconhecem a importância do ruído marinho e dos seus potenciais impactos sobre os cetáceos. Os impactos negativos do sonar em baleias, principalmente relacionadas com a utilização de frequência média sonar ativo (1-10kHz), como os utilizados em exercícios militares são citados por alguns autores [6]. Como resultado dos possíveis impactos do sonar, diversas ONGs ambientais têm buscado processos judiciais nos EUA devido a exercicios de navios sonares por causa e sua rica legislação de proteção ambiental tais como: o US National Environmental Protection Act, Marine Mammal Protection Act, Endangered Species Act, Coastal Zone Management Act and other statutes [7]. Nos EUA, tornou-se pública no passado a questão relacionada aos testes militares com sonares para a detecção de navios e submarinos. Entretanto, não se discutiu a mitigação dos danos aos animais marinhos. Somente agora na administração de Obama, as medidas de mitigação para exercícios navais foram revistas em uma tentativa de resolver o conflito entre as partes [7]. Para pesquisar o que a população americana pensa dos sonares militares, um levantamento preliminar público foi realizado em Fairfax, Virginia (Washington, DC na região do Metrô). A maioria do público amostrado acreditava que o sonar naval impacta mamíferos marinhos (51,3%), que a Marinha dos EUA não deverá ser isento de normas ambientais em tempo de paz (75,2%), e que o uso de sonar deve ser moderado se impactar cetáceos (75,8%). Indivíduos que serviram o exército foram os mais propensos a acreditar que a Marinha deverá ser isenta de regulamentos de proteção de mamiferos marinhos [8]. Cientistas recentemente descobriram que as baleias podem diminuir a sensibilidade da audição para proteger ouvidos de ruídos altos. (...) "É o equivalente a colocar um protetor nos ouvidos quando um jato está sobrevoando", disse Paul E. Nachtigall, biólogo marinho da Universidade do Havaí que liderou a equipe que fez a descoberta. (...) "É como um controle de volume." (...) "Temos um problema no mundo", disse Nachtigall sobre os ruídos disparados no oceano. (...) "E nós acreditamos que os animais podem aprender a reagir a ele muito rapidamente"[3]. Do ponto de vista cientifico é um grande feito, mas do ponto de vista biológico uma aberração sem tamanho, ou seja, se os animais que se adaptem ao nosso barulho! Em meados de abril de 2012, três mil golfinhos foram encontrados mortos na costa do Peru. O veterinário Yaipen da ONG Organizacion Cientifica para Conservation de Animales Acuaticos revelou que necrópsias realizadas nestes animais evidenciaram sinais de síndrome descompressiva, semelhante a encontrada nos mergulhadores. Por coincidência estes eventos ocorreram no litoral norte do Peru onde se observa constantes atividades de prospecção e exploração petrolífera marinha. Baixa freqüência de sonar pode produzir vibrações equivalentes a um caça jato decolando. As médias freqüência produzem som igual a de um foguete [9] . A mitigação dos impactos do som produzidos no ambiente se torna premente [10]. Mitigação consiste de um conjunto de ferramentas destinadas a prevenir, reduzir, eliminar ou corrigir os impactos de som introduzidos no ambiente. Para isso é preciso novos procedimentos operacionais, restrições temporais, sazonais e geográficas, remoção ou modificação de potenciais fontes de som, formação de especialistas, educação e extensão [10]. 3. CONCLUSÃO Sem conscientização dos efeitos dos sons antropogênicos, investigação científica rigorosa, controle normativo, fiscalização e punição para os que não obedecerem as leis internacionais, teremos como conseqüência desequilíbrio ambiental, morte e extinção de espécies existentes conhecidas e quem sabe até (pelas dimensões e profundeza dos oceanos) as de outras que ainda sequer foram identificadas pelo homem. Na verdade o homem terá então se tornado algoz e vítima do seu próprio grito. 4. REFERÊNCIAS [1 ] Marine Mammal Commission Report to Congress Disponível em: << http://www.census.gov/ipc/www/usinterimproj/natprojtab01a.pdf >>Acesso em: 08 set 2012. [2] S. O'Connell The death song of the seas. Whales and dolphins rely on sound for communication, to hunt, navigate and mate. Now many marine mammals may be dying because of the racket made by shipping and construction industries and military sonar. Disponível em: <<http://www.sanjida.co.uk/articles/The%20death %20song%20of%20the%20seas.htm.>> Acesso em: 09 set 2012. [3] Baleias sabem lidar com ruídos subaquáticos produzidos pelo homem. Disponível em: http://primeiraedicao.com.br/noticia/2012/08/05/baleias-sabem-lidar-com-ruidos-subaquaticos-produzidos-pelohomem>> Acesso em: 07 set 2012 [4] A. Azzellino, C. Lanfredi , A. D'Amico , G. Pavan , M. Podestà , J. Haun . Risk mapping for sensitive species to underwater anthropogenic sound emissions: model development and validation in two Mediterranean areas, Mar Pollut Bull 63(1-4), 56-70, 2011. [5] M. André , M. van der Schaar , S. Zaugg , L. Houégnigan , A.M. Sánchez , J.V. Castell . Listening to the Deep: live monitoring of ocean noise and cetacean acoustic signals. Mar Pollut Bull 63(14),18-26, 2011. [6] S.J.Dolman, P.G. Evans, G.. Notarbartolo-di-Sciara, H. Frisch Active sonar, beaked whales and European Regional policy, Mar Pollut Bull 63(1-4), 27-34, 2011 [7] K. Zirbel, P. Balint, E.C. Parsons. Navy sonar, cetaceans and the US Supreme Court: a review of cetacean mitigation and litigation in the US. Mar Pollut Bull. 63(1-4), 40-48, 2011. [ 8] K. Zirbel , P. Balint , E.C. Parsons . Public awareness and attitudes towards naval sonar mitigation for cetacean conservation: a preliminary case study in Fairfax County, Virginia. (the DC Metro area), Mar Pollut Bull 63(1-4),49-55, 2011. [9] J.R.D. Guimarães, Ruido e Silêncio. Disponível em: <<http://cienciahoje.uol.com.br/colunas/terra-emtranse/ruido-e-silencio>> Acesso em: 06 set 2012. [10] J. Parvin, J.R. Nedwell and E Harland *Lethal and physical injury of marinemammals, and requirements for Passive Acoustic Monitoring, Mar Pollut Bull 63(1-40), 5-9, 2011.