patrimônio e questões subalternas: narrativas sobre o centro

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PATRIMÔNIO E QUESTÕES
SUBALTERNAS: NARRATIVAS
SOBRE O CENTRO HISTÓRICO
DE SÃO LUÍS DO MARANHÃO*
NAYALA NUNES DUAILIBE**
Resumo: este artigo analisa o Centro Histórico de São Luís-MA a partir da relação conflituosa
entre o dito patrimônio cultural e os estudos subalternos. Desse processo é preciso compreender
em que sentido a dinâmica do Centro Histórico é construída e de que modo os estudos subalternos são empregados para entender as relações de poder eminentes nesse processo. As narrativas
de uma historicidade construída pelo “ de cima” em face ao silenciamento dos “ de baixo”.
Palavras-chave: Estudos subalternos. Centro Histórico. Patrimônio. Silenciamento
E ste ensaio foi construído a partir dos retalhos etnográficos do Centro Histórico de
São Luís-MA cujo objetivo é apresentar um olhar antropológico a partir das muitas questões que envolvem agentes e interlocutores na construção do patrimônio.
Questões subalternas? Pós-colonialismo? “lugar de fala”? São categorias que surgem
nesse contexto em que o conflito entre os que produtores legais do patrimônio e os agentes
sociais que dele produzem sentidos dos mais variados. As ideias aqui propostas partem de
uma tentativa inicial de propor novos direcionamentos às pesquisas, inserindo novos elementos de estudos e também novas formatações ao Centro Histórico.
Numa etnografia onde o “Outro” também faz parte de minha vivência é deveras
complexo fazer a separação. Vejo tal desafio antropológico como forma de também entender
está “alteridade” tão próxima, pois meu lugar de pesquisa é também meu lugar de origem.
Circunscritas num complexo jogo de desconstruções, os ditos estudos subalternos são o enfoque deste ensaio, relacionados à perspectiva do patrimônio cultural edificado de São Luís
do Maranhão.
*
Recebido em: 12.08.2012.
Aprovado em: 27.08.2012.
** Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de Goiás. Graduada em
Ciências Sociais pela Universidade Estadual do Maranhão. E-mail: [email protected]
FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 22, n. 3, p. 241-250, jul./set. 2012.
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O Centro Histórico de São Luís é formado a partir de um conjunto arquitetônico
de origem lusitana dos séculos XVIII e XIX. Agrega cerca de 3.500 edificações dentre as quais:
casas, casarões, prédios comerciais, monumentos administrativos e igrejas. Contradições à parte,
diferentemente do restante do Brasil, o mito de fundação de São Luís está assentado na “descoberta” ultramarina francesa. Fruto de disputas entre europeus, a cidade passa a ser “colonizada”
por portugueses ainda no século XVII. O processo administrativo de “exploração”, “povoamento” e “colonização” do território compunha a utilização de mão-de-obra indígena e africana. Das
longas formatações do território local, a dinâmica da cidade-porto era mantida, até por volta do
século XIX, por meio do comércio e das manufaturas (MEIRELES, 2001; MARTINS, 2000).
Um legado histórico de formação não tão distinto do vivido no restante do litoral
do Brasil. Entre a história descrita e registrada nos livros estão as narrativas vividas, aquelas
que por conta do processo de expropriação europeu apenas descrevem um “passado” escravista sem, contudo, ressaltar o bojo em que se inserem essas contradições. Um colonialismo
presente na tentativa de europeizar e estigmatizar os povos, suas práticas e sua dinâmica. Uma
hegemonia que inclui, entre outras coisas, subalternização do “outro” indígena, do “outro”
negro e do “outro” europeu.
Da colonização à construção do território nacional surge uma “paisagem”, ligada
ao discurso do Estado-nação sob o qual as lentes do europeu se promovem e se constituem
enquanto poder. Para narrar é preciso, pois entender o lugar enquanto carregado de significados criados e/ou atribuídos. Segundo Said (2004), “as próprias nações são narrativas”, dessa
forma, ao construir uma narrativa sobre a identidade coletiva de São Luís me debruço com
questões como: O patrimônio cultural edificado evoca a memória coletiva? De que forma as
narrativas do Centro Histórico de São Luís são construídas no sentido de promover a reprodução de antigas estruturas coloniais? Como os agentes se vêem nessa “paisagem” construída
pelo colonizador?
Nas lentes da Antropologia é possível verificar a luta e apropriações, sobretudo,
num contexto onde os nacionalismos precisam ser constantemente reafirmados (HOBSBAWM, 1998). O conceito patrimônio é aqui tratado como um lugar de poder que segura às
estruturas, ou seja, uma normativa da ideologia dominante. Atua como construção de prática
de memória e ajuda a nação no sentido de perpetuar a ideia de passado “heróico”. A cultura
material torna-se parte da instituição social e garante os fins políticos e também ideológicos.
Elejo como princípio norteador deste ensaio os estudos subalternos e as propostas pós-coloniais (QUIJANO, 2005; SPIVAK, 2003; ZIZEK, 1998) como diretriz para compreender
o problema proposto nas teias de conflitos entre os agentes e os estudos sobre o patrimônio
cultural no Brasil.
O patrimônio é tido como um espaço continuo de negociações e conflitos, fruto do
reforço constante dos discursos do poder público. Nesse sentido, o uso político do conceito
remete ao que Le Goff (1996, p. 476) atribui como memória coletiva onde esta é “não somente uma conquista é também um instrumento e um objeto de poder”. A representação da
memória e do passado edificados são instrumentos do Estado. Nesse contexto, o subalterno
(no sentido de poder “falar” dado pela Spivak (2003) fica encoberto pelas ações do Estado
que, em muitos casos (refiro-me ao patrimônio cultural edificado), atribui sentido e referências ao passados ligados à dita cultura da elite.
O problema de representação como foco uma narrativa que (re)conta a história de
um lugar, um cenário de histórias e estórias com atribuição de significados a memória coletiva
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(HALBWACHS, 2006) e onde as fronteiras são marcadas pela tentativa de anular a diferença.
Mas não um lugar dos livros de história, não a representação centrada na lógica do “de cima”
daquele que explicita a ordem do discurso, mas uma narrativa que etnograficamente representa
uma paisagem “silenciada”. Tal pressuposto demanda não simplesmente apreender as complexas
realidades hoje assentadas, mas tentar compreender que a fronteira, entre a estrutura sócio-cultural de cada uma das posições, é conflituosa e continuamente marcada pela diferença.
ESTUDOS SUBALTENOS: (RE)PENSANDO O SILENCIAMENTO
Os estudos subalternos estão no cerne da discussão sobre a representação do colonizado, ou seja, não se trata apenas em compreender o lugar do dominado, mas entender de que
forma as narrativas históricas são construídas e representadas. Associadas a discussão sobre o
Estado-nação, a identidade histórica e também sobre a hegemonia é possível “estranhar” as
velhas dicotomias entre o colonizador e o colonizado (QUIJANO, 2005; SPIVAK, 2003).
Nos estudos da Antropologia, sobretudo os ditos contemporâneos, estão à revisão
dos métodos, a (des) construção do texto etnográfico, a ampliação de teorias bem como a
mudança e ampliação do conceito de cultura (CUCHE, 2002). A partir da ampliação do
conceito de cultura existe, neste cenário, um esforço de detectar as artimanhas de um poder
colonial (SAID, 2004).
A partir da década de 1960, os novos direcionamentos do pensamento antropológicos em muito serviram para alavancar novos elementos para compreender/analisar os sujeitos
e as práticas. Novos “locais de fala” também tiveram destaque, o movimento negro, o feminismo, a teoria crítica, serviram de “modelo” para novas leituras das culturas e das sociedades.
Segundo Carvalho (2001, p.109),
Diante desse quadro tão vasto, aberto e fluido [...] de propostas de compreensão do
campo cultural, ganha uma atualidade ainda mais radical a observação feita por Clifford
Geertz, há duas décadas passadas, de que o etnógrafo se move num campo de gêneros
disciplinares difusos, ou imprecisos.
Forjadas no bojo das mudanças de paradigmas e também no momento de (re)pensar o Ocidente e suas propostas, a “nova” representação do sujeito se faz necessária na crítica a
ideologia. O pressuposto de ocidentalização do mundo, mantida pelo colonialismo e reificada
no discurso hegemônico (SPIVAK, 2003). Dessa forma, nos anseios dos trabalhos etnográficos e sob as lentes dos estudos subalternos é possível vislumbrar alternativas de apreender
o sujeito/objeto em abordagens epistemológicas tenho o “outro” como um grande espelho.
As pesquisas sobre os grupos subalternos tomam forma a partir da década de 1970,
quando teóricos vindos dos “mundos periféricos” passam a questionar o lócus de poder projetado a partir dos estudos Ocidentais. Autores como Guha, Chakrabarty, Spivak são alguns
dos nomes que figuram nos Estudos subalternos asiáticos. O debate teórico crítico figura
num cenário de alterações profunda no modo de construção do saber, questionam-se os
grandes “centros do conhecimento” e da mesma forma, postula-se a possibilidade de “fala”
daqueles subalternizados.
O postulado subalterno evidencia um lugar silenciado onde os sujeitos são postos
a partir de uma dita consciência colonial. Dessa forma, a representação hegemônica do doFRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 22, n. 3, p. 241-250, jul./set. 2012.
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minante impera sobre a lógica do dominado transformando-o em uma “antítese necessária”
(SPIVAK, 2003). A dita “consciência colonial” cria uma representação do sujeito do terceiro
mundo, sempre reproduzido e representado dentro do discurso hegemônico “de fora”. As
teorias européias e os grandes centros e conhecimentos passam a ser questionados.
A “antítese necessária” eis a estratégia usada por Spivak (2003) para analisar o local
onde as “falas” sobre o colonizado são produzidas e representadas. Ela questiona a posição
do intelectual na construção de um sistema marcado pela ideia de que as “massas” precisam
de uma voz que as represente. Durante muito tempo essa noção coloca a noção de ideologia
num sistema de cosmologias, segundo a qual as sociedades “do terceiro” mundo precisam ser
“faladas”.
Numa tarefa de alteridade (re)pensada pela Antropologia é preciso compreender
que o olhar sobre o subalterno se consolida a partir de países periféricos, dessa forma:
Nesses domínios não (ou às vezes não inteiramente) ocidentais, os antropólogos se depararam com a tarefa de terem que inscrever-se a si mesmos e a seus nativos objeto de
estudo num espaço existencial que tem sido, pelo menos idealmente, assumido como
comum a ambos: a nova nação a ser consolidada (CARVALHO, 2001, p.111).
Observada a partir da etnografia dos patrimônios é preciso compreender essa
dinâmica dos subalternos na construção dos ditos patrimônios culturais. No âmbito da
formulação da identidade os patrimônios figuram como instrumentos a partir da lógica “de
cima”, desse modo, a tarefa é analisar e compreender quando esse processo torna-se instrumento de dominação. Quanto ao Centro Histórico de São Luís-MA, tido como Patrimônio
Cultural da Humanidade desde 1997, muitas contradições emanam desse processo de construção da memória da identidade. Construções essas que em muito extrapolam uma lógica
colonialista que subalterniza o “outro”.
NARRATIVAS DO PATRIMÔNIO A PARTIR DO CENTRO HISTÓRICO DE SÃO
LUÍS (MA)
Ao tratar as questões referentes ao patrimônio, destacando a dinâmica que ele assume frente às questões do colonialismo e também dos estudos subalternos é possível desvelar
um cenário que em muito está reificado por uma ordem discursiva imperativa nos saberes e
nas práticas. O campo em que as questões do patrimônio se inserem é, se dúvida, um local
de disputas políticas onde os atores sociais vivenciam uma memória “construída” em favor de
uma identidade.
Nesse sentido, a noção de público é entendida como um grande lócus (CHUVA,
2009) com práticas do Estado no sentido de intervir na realidade, tornado-a “lugar de memória”. A categoria patrimônio é envolta por símbolos, significados, dados e vestígios do dito
passado. A discussão em torno do conceito e das práticas que envolvem o processo de revitalização, restauração, conservação e mesmo a coleção permeia inúmeras discussões que envolvem tanto os conceitos de patrimônio quanto os conceitos de cultura, identidade e memória.
Segundo Choay (2001, p. 27), “o projeto de conservação dos monumentos históricos e sua execução evoluíram com o tempo e não podem ser dissociados da própria história do
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conceito. Invenção do Ocidente, dizíamos nós, e bem datada”. A autora destaca que, a partir
da institucionalização de princípios de conservação e preservação do passado os conceitos
foram se alterando e ganhando elementos de complexidade ligados, principalmente as mudanças históricas. Os patrimônios bem como suas “assimilações históricas” sempre estiveram
ligados a uma ideologia dominante, assentada no imperativo de saberes e sob um domínio
colonialista.
Patrimônio ligado a herança, memória, práticas e saberes é deveras complexo de ser
pensando, sobretudo, em uma sociedade marcada pela pluralidade cultural. Os conceitos de
patrimônio, bem como a “categoria de pensamento patrimônio” (GONÇALVES, 2003) é
também fruto de um discurso colonialista cujos contornos estão ligados à construção de processos identitários. “Nesse processo a memória, os lugares da memória, a nossa história, nosso
patrimônio assumiu características que conhecemos: o de legitimidade de uma identidade
coletiva nacional” (ARRUDA, 2009, p.192). Junto a uma lógica nacionalista de retorno ao
passado, de (re)leituras do transpostas num cenário de saudosismo.
Conforme Said (2011, p. 5):
A invocação do passado constitui uma das estratégias mais comuns nas interpretações
do presente. O que inspira tais apelos não é apenas a divergência quanto ao que ocorreu
no passado e o que teria sido esse passado, mas também a incerteza se o passado de fato
é passado, morto e enterrado, ou se persiste, mesmo que talvez sob outras formas. Este
problema alimenta discussões.
O bairro da Praia Grande (Centro Histórico de São Luís) transformou-se no “Reviver”, lócus de encontro de grupos que se dá pela concentração de casas de festas, bares,
restaurantes e moradias populares. A relação com o nome Reviver é tão forte que as pessoas
se utilizam da expressão para fazer referência ao espaço dos Bairros da Praia Grande, Desterro
e Portinho.
O comércio nessa área ganha destaque pela proximidade com o centro comercial de
São Luís (Rua Grande) e o Mercado Central, além da relação direta com o turismo. Além da
dinâmica comercial as moradias populares retomaram a lógica dos antigos cortiços e, muitas
famílias ocupam os casarões comprados pelo Estado durante as ações de restauração do Projeto Reviver no final da década de 1980. Como aponta Simão (2001, p. 59).
A busca por alternativas sociopolíticas e econômicas é fundamental para que essas cidades
alcem ao patamar da viabilidade. Para que novas atividades sejam potencializadas deve ser
considerada a premissa do convívio possível com o patrimônio preservado, valorizando-o
a atribuindo-lhe valor para a fruição e utilização da população.
Por outro lado, é possível visualizar um cenário de crescente abandono, muitos
prédios pertencentes a particulares ou mesmo de responsabilidade do poder público estão em
ruínas. A imagem abaixo apresenta alguns dos espaços “esquecidos” imbricados na lógica das
responsabilidades políticas omissas.
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Figura 1: Casarão abandonado, ruas com problemas, falta de coleta de lixo, esgotos a céu aberto
Nota: foto tirada em 2010 pela autora.
O Centro Histórico de São Luís é um local com alto grau de prostituição, marginalidade, violência. A presença marcante dos “esquecidos sociais”. Existe um contexto de
degradação urbana que, segundo Vargas e Castilho (2009, p. 3), “está ideiafreqüentemente
associado à perda de sua função, ao dano ou à ruína das estruturas físicas, ou ao rebaixamento
no nível do valor das transações econômicas [...]”. O discurso do “patrimônio cultural” não
se mostra interessante nem para a população quanto para os órgãos gestores. Um local de esquecimento fruto de uma memória esvaziada pela falta de educação patrimonial consistente.
A partir da ideia de “selecionar” ou mesmo “invocar” o passado e transportando
isso para a temática de paisagens e “cenários memória” é uma tarefa que englobada a noção
de patrimônio como algo que referencia a propriedade. Um bem coletivo sob o qual as representações são construídas e mantidas na “história” oficial. Para ilustrar a forma como o
subalterno é representado neste “passado” selecionado utilizo a fala de uma senhora de 103
anos. Dona Maria Parga dos Santos1, ou simplesmente Marizinha, conta “resgatando de suas
memórias” a visão que têm da cidade de São Luís.
Ah, minha filha, para uma preta como eu não tem esse negócio de patrimônio não. Eu
nem sei o que é. Quando eu era pequena, meu patrãozinho tinha uma casa no centro da
cidade [...] só quem tinha casa no centro da cidade era gente rica. Era uma casa grande e
minha mãe dizia que todo mundo branco tinha casa no centro da cidade [...]. Naqueles
tempos, gente de cor não estudava, aprendi a ler e escrever meu nome quando me casei
[...] Na minha infância criança não brincava na rua, não tinha essas coisas de estudar
[...] hoje que menino estuda e vira doutor. Minha patroinha me levava para aprender a
ser mulher pra quando eu casar já saber fazer as coisas [...] e sabe, mulher não tinha que
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ficar falando com todo homem na rua [...] igual a essas meninas de hoje. [...] Ah sim!
Minha filha já to ficando velha [...] me lembro que antes tudo se resolvia no bairro da
Praia Grande, os doutor morava lá, as igreja era tudo lá hoje em dia tem muita cidade e
ônibus que leva pra qualquer lugar [...]. hoje tem aquelas casas velhas que tão mais caindo
que esta pobre preta velha (fala sorrindo).
Nas veredas de novos estudos, no questionamento feito por teóricos que fogem
aos grandes centros, a forma como os subalternos é visto emana da noção de um sujeito que
“depende” de outrem. Um sujeito “falado” pela ideologia dominante. Na América Latina esse
processo se deu pela:
A incorporação de tão diversas e heterogêneas histórias culturais a um único dominado
pela Europa significou para esse mundo uma configuração cultural, intelectual, em suma
intersubjetiva, equivalente à articulação de todas as formas de controle do trabalho [...]
Em outras palavras, como parte do novo padrão de poder mundial, a Europa também
concentrou sob sua hegemonia o controle de todas as formas de controle da subjetividade,
da cultura, e em especial do conhecimento, da produção do conhecimento (QUIJANO,
2005, p.110).
A colonialidade do saber é impactada pela lógica do discurso econômico, político,
cultural e ideológico. O poder hegemônico fomentado no discurso: das raças, do imperialismo, da incapacidade criativa, das cosmologias “primitivas”. Segundo Spivak (2003, p.324),
para “el ‘verdadero’ grupo subalterno, cuya identidad es su diferença, no hay sujeito subalterno
irrepresentable que pueda conocer y hablar por si mesmo: la solución del intelectual no es absternerse de la representación”.
Na lógica colonialista um sujeito do terceiro mundo sempre se coloca em condição
de silêncio. Dessa prerrogativa também partem as críticas a importação de modelos de conhecimento, que em si já carregam o discurso de formação de uma consciência colonial que
ressalta segundo Spivak (2003) um terceiro mundo criando a partir do primeiro.
Pode se dizer ainda, que dentro do contexto de produção de saber e também de
assimilação a produção do discurso coloca ao subalterno uma mentalidade de colonizado.
Preso as estruturas sociais e aos discursos hegemônicos do colonizador os teóricos dos estudos
subalternos questionam se o subalterno pode romper essa visão e se colocar como “voz atuante do processo”.
Os sujeitos “construídos” nesse processo se processam na noção de identidade, ou seja,
ora essencializados numa estratégia hegemônica, ora como fruto do olhar do “outro”. A identidade ou identificação como fala (HALL, 2009, p. 106) cria um processo de sobredeterminação
onde sempre existe “demasiado” ou “muito pouco”. Nessa prerrogativa é possível perceber
que o subalterno é sempre percebido enquanto o “sujeito da falta”. Seja por meio das narrativas do “lugar exótico”, ou mesmo na revisão dos escritos etnográficos ditos clássicos é possível
perceber essa construção. A alteridade também determinante no sentido de identificar o “outro” a partir da: falta de Estado, da falta da religião, da falta de leis e assim em diante.
No montante do processo de colonização, a incorporação de elementos do dito
mundo europeu nas colônias, cria uma verdadeira violência simbólica, pois é preciso suplantar a lógica do “outro”. Para Spivak (2003) tal prerrogativa cria a noção de um “hibridismo
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identitário” que corre perigo de assimilação e também de representação do subalterno a partir
da “imagem” da hierarquia opressora dominante. O subalterno cuja identidade forjada é reificada, acaba por ser incapaz de ser tornar um agente histórico.
O postulado de um pensamento cartesiano, uma lógica capitalista irreversível e
também um cenário de identidades forjadas mantêm um sistema de crenças na incapacidade
de representação, desse modo, o sujeito problematizado sob a égide do Ocidente é também
um sujeito da homogeneidade, uma constante universalização por assim dizer.
Um patrimônio como um bem coletivo destaca as invenções do passado no sentido
de vangloria, manutenção da ordem, relações de poder, colecionamento e identidade. Ligado à identidade a noção de patrimônio é capaz de criar um tempo sobre o qual é possível
referenciar o imperativo das lembranças com as quais as coletividades devem manter laços.
Um projeto europeu transposto e aplicado nas colônias. Nesse cenário perdura a lógica da
ideologia dominante que:
Para funcionar, la ideologia dominante tiene que incorporar una serie de rasgos em los
cuales la mayoría explotada pueda reconocer suas autênticos anhelos. Em otras palabras,
cada universalidad hegemônica tiene que incorporar por lo menos dos contenidos particulares:
el contenido particular autentico y la distorción creada por las relaciones de dominación
e exploración (ZIZEK, 2008, p. 2).
Selecionar a memória faz parte do direcionamento dado às questões patrimoniais
que, segundo as quais, a narrativa nacional, já complexa e confusa pelos muitos direcionamentos que o “sentido de memória”, Abreu (2007) vislumbra cenários de construção de
instituições como museus com as quais era possível linearmente selecionar o passado. Aos
intelectuais e pensadores da nação ficava a responsabilidade de juntar o novo e o velho nos
contextos das memórias e dos patrimônios.
De um lado aqueles que preservam e conservam a vanguarda da elite, de outro, o
conjunto de modernizadores que extrapolam o sentido de passado e vêem a modernização
como forma de inserção da identidade nacional. Do outro os silenciados desse processo,
aquele de “baixo” que vivenciam as lógicas construídas em favor de outrem. Pessoas como
Dona Maria, que carrega os olhares de quem “aprendeu” as muitas formas de “pertencer” a
esta lógica.
CONSIDERAÇÕES
O cenário passa a mudar quando então a Antropologia coloca novos contornos ao
conceito de cultura. Diversidade, diferença, identidade são elementos marcantes em destaque
e contraponto ao etnocentrismo e ao evolucionismo. Nesse contexto, a alteridade passa a fazer
mais sentido tomando o outro a partir das marcas culturais, tentando não levar o referencial
ocidental como comparativo.
As relações entre o surgimento do Estado-nação e os patrimônios torna necessário discutir quais as relações estabelecidas entre a natureza e o sentimento de identidade na
formação do Estado-nação moderno no Brasil, no processo de identificação do ‘nós’ a
que se remete a noção de patrimônio (ARRUDA, 2009, p.193).
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Muitos dos responsáveis pelos órgãos voltados para o patrimônio passaram a discutir conceitos que ligavam o passado a práticas materiais, mas também imateriais de referencia
dos grupos. Pode-se então perceber o Brasil para além das dinâmicas de preservação de “pedra
e cal”, tomando a pluralidade cultural, as formas de compreender a dinâmica nacional a partir
dos grupos que estão foram da “elite pensante”.
O patrimônio assume vários sentidos, vários contextos e também várias formas
de expressar a memória social. Logicamente isso não tira a categoria dos muitos embates e
conflitos, pois num cenário plural, muitos são os que discordam do que pode selecionar da
memória. O que a outrora chama de nova ordem discursiva emerge juntamente como novas
visões sobre coisas antigas. Elementos esses antes reificadas pelo olhar dos “produtores da memória”, aqueles cujas lógicas se processam na produção e instituição do saber.
Tal proposição não exclui os interesses contraditórios em via de compreender e (de)
limitar o patrimônio cultural. Vários são os grupos que agora reivindicam o que deve ser tido
como patrimônio. Se outrora eram apenas as elites, hoje percebe-se camas da sociedade civil
entre outros.
A tarefa de compreender, analisar, entender novas dinâmicas e velhos conflitos é
árdua, porém necessária, já que é a partir desse processo que se constroem e reconstroem
outras teorias e formas de entendimento. Retalhos dos contextos a partir dos lugares de fala,
como o da Dona Maria Parga são ilustrações de um elemento cujas configurações são complexas e carregas de conceitos. Desconstruir esses conceitos é apreender etnograficamente as
dinâmicas do lugar.
PATRIMONY AND ISSUES SUBALTERN: NARRATIVES ABOUT THE HISTORICAL CENTER OF SÃO LUÍS MARANHÃO
Abstract: this article analyzes the Historical Center of São Luís - in the state of Maranhão - from
the quarrelsome relation between the so-called cultural patrimony and the subaltern studies. It is
necessary to understand in what sense the dynamic of the Historical Center is built of and in what
way the subaltern studies are used to understand the imminent power relations of the process. The
narratives of a historicity built by the ‘upper’ against the silencing of the ‘downers’. Keywords: Subaltern studies. Centro Histórico. Patrimony. Silencing.
Nota
1 Entrevista concedida a Nayala Duailibe por Maria Parga dos Santos em 20/07/2012. Disponível gravação.
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FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 22, n. 3, p. 241-250, jul./set. 2012.
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