ISSN 1677-6704 FIBROMA OSSIFICANTE PERIFÉRICO DE GRANDES PROPORÇÕES: CASO CLÍNICO RELATO DE PERIPHERAL OSSIFYING FIBROMA OF GREAT PROPORTIONS: CASE REPORT João Paulo DE CARLI1 Daniel Galera BERNABÉ2 3 Ellen Cristina GAETTI-JARDIM Norberto Perri MORAES4 Marcelo Macedo CRIVELINI5 6 Soluete Oliveira da SILVA RESUMO: O fibroma ossificante periférico (FOP) consiste em uma lesão proliferativa não neoplásica bucal de etiologia traumática. Neste trabalho é relatado um incomum caso clínico de FOP de dimensões exageradas, localizado na cavidade bucal de paciente economicamente carente e com precárias condições de saúde oral. GMKL, do sexo feminino, com 46 anos de idade, procurou atendimento odontológico apresentando um crescimento tecidual na região maxilar superior direita, medindo aproximadamente 5 cm de diâmetro, cujo tratamento foi realizado com sucesso através de excisão cirúrgica convencional da lesão, extração dos dentes remanescentes próximos à hiperplasia e curetagem do leito cirúrgico. A partir da realização do presente estudo, além de apresentar à classe odontológica um caso de FOP de grandes proporções, ressalta-se a importância dos cuidados básicos com a saúde bucal, tanto por parte do paciente, quanto pelos serviços públicos de saúde. UNITERMOS: Fibroma ossificante; Hiperplasia; Diagnóstico precoce; Tratamento; Saúde Pública. INTRODUÇÃO O termo “fibroma ossificante periférico” foi sugerido por Eversole e Rovin10, sendo que ao longo do tempo, foram surgindo diversas sinonímias para o mesmo na literatura científica. Dentre esses termos, destacam-se: granuloma fibroblástico calcificante 1, fibroma periférico com c a l c i f i c a ç ã o 15 e f i b r o m a o d o n t o g ê n i c o11 cementificante periférico21 . Em 1982, Gardner sugeriu que, das várias denominações mencionadas na literatura, somente o termo “fibroma ossificante periférico” deveria ser empregado. O FOP constitui-se como um crescimento tecidual bucal não neoplásico, classificado como uma lesão reativa hiperplásica inflamatória, oriunda dos fibroblastos do ligamento periodontal ou do periósteo16,20. Segundo De Carli e Silva8, é possível que a excessiva proliferação de tecido maduro relacionado a esta patologia seja uma resposta à injúria gengival por fatores irritantes locais crônicos, destacando-se aqueles oriundos da presença de cálculo dentário ou de corpos estranhos no sulco gengival. Conforme Buchner et al. 3 , o FOP comumente apresenta diâmetros que variam de 0,2 a 3,0 cm e seu tempo de duração na cavidade bucal varia comumente de 2 semanas até 6 meses. Da mesma forma, Neville et al.17 afirmam que, de um modo geral, as lesões medem menos do que 2 cm em seu maior diâmetro e possuem duração que varia desde poucas semanas até vários meses. Diante do exposto, tem-se, com o presente trabalho, o objetivo de relatar um caso clínico de fibroma ossificante periférico de dimensões exageradas, localizado na cavidade bucal de paciente economicamente carente e com precárias condições de saúde bucal. RELATO DO CASO CLÍNICO Paciente GMKL, do sexo feminino, leucoderma, com 46 anos de idade, procurou atendimento odontológico com queixa principal de "carne crescida presente na boca há aproximadamente dois anos”. O exame anamnésico não evidenciou alterações __________________________________________________________________________________________________________________ 1 Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Odontologia (Área de Concentração em Estomatologia) da Faculdade de Odontologia de Araçatuba (FOA/UNESP). Professor das Disciplinas de Diagnóstico Oral, Prótese Total e Prótese Fixa da Faculdade de Odontologia da Universidade de Passo Fundo – RS (FOUPF) 2 Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Odontologia (Área de Concentração em Estomatologia) da Faculdade de Odontologia de Araçatuba (FOA/UNESP) 3 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Odontologia (Área de Concentração em Estomatologia) da Faculdade de Odontologia de Araçatuba (FOA/UNESP) 4 Professor Titular da Disciplina de Estomatologia da Faculdade de Odontologia de Araçatuba (FOA/UNESP) 5 Professor Livre-Docente da Disciplina de Patologia Bucal da Faculdade de Odontologia de Araçatuba (FOA/UNESP) 6 Doutora em Estomatologia Clínica pela PUCRS. Professora Titular das disciplinas de Patologia e Diagnóstico Oral da Faculdade de Odontologia da Universidade de Passo Fundo – RS (FOUPF) Revista Odontológica de Araçatuba, v.28, n.2, p. 45-49, Maio/Agosto, 2007 45 ISSN 1677-6704 sistêmicas dignas de nota. Ao exame físico intrabucal constatou-se, na região maxilar direita, a presença de lesão nodular de aproximadamente 5 cm em seu maior diâmetro, base pediculada, superfície lisa e consistência fibrosa à palpação. O crescimento tecidual se estendia da região do elemento dentário 13 até a região do 16, apresentava limites nítidos, dor durante o ato mastigatório, coloração róseaavermelhada e sangramento ao toque. O diagnóstico diferencial incluiu granuloma piogênico, lesão de células gigantes periférica, tumor marrom do hiperparatireoidismo e fibroma ossificante periférico, e o diagnóstico clínico incluiu lesão de células gigantes periférica (Figura 1). FIGURA 1 – Aspecto clínico inicial em vista vestibular da lesão Radiograficamente, notou-se a presença de raízes residuais, correspondentes aos dentes 13, 14 e 15, as quais estavam subjacentes à lesão e deslocadas de seu sítio normal de implantação (Figura 2), bem como uma erosão do osso alveolar que envolvia estas raízes. interior (Figura 5). FIGURA 3 – Aspecto clínico trans-cirúrgico do caso de FOP denotando a base de implantação pediculada da lesão FIGURA 4 – Peça cirúrgica e restos radiculares (dentes 13, 14 e 15) removidos durante o ato cirúrgico FIGURA 2 – Radiografia panorâmica inicial do caso, indicando restos radiculares (dentes 13, 14 e 15) deslocados de seu sítio na região maxilar direita FIGURA 5 – Aspecto radiográfico da peça cirúrgica evidenciando focos radiopacos internos Como conduta terapêutica, realizou-se biópsia excisional da lesão por meio de uma incisão em sua base (Figura 3), extração das raízes residuais dos dentes envolvidos (13, 14 e 15) e vigorosa curetagem do periodonto, periósteo e osso subjacentes (Figura 4). Ao exame radiográfico isolado da peça cirúrgica, a mesma demonstrou pontos radiopacos em seu O diagnóstico histopatológico foi de fibroma ossificante periférico, visto o quadro microscópico ser caracterizado por um denso estroma de fibras colágenas, entremeado por fibroblastos, trabéculas ósseas e algumas células gigantes (Figura 6). O epitélio que recobria a lesão mostrava-se íntegro, em sua maior parte, evidenciando-se apenas algumas áreas de Revista Odontológica de Araçatuba, v.28, n.2, p. 45-49, Maio/Agosto, 2007 46 ISSN 1677-6704 ulceração, as quais eram recobertas por uma delgada rede de fibrina. FIGURA 6 – Aspecto histopatológico do caso Um controle pós-operatório de dois meses mostrou evolução cicatricial satisfatória, sem indícios de recidiva (Figura 7). Por fim, a paciente foi encaminhada para atendimento odontológico especializado para confecção de prótese parcial removível. FIGURA 7 – Pós-operatório de 60 dias mostrando um processo cicatricial satisfatório DISCUSSÃO No que diz respeito à etiologia da lesão estudada no presente trabalho, provavelmente a mesma está relacionada a fatores irritantes, visto a cavidade bucal da paciente estar em péssimas condições de higiene e conservação dentária, e pelo fato de se ter observado um acúmulo acentuado de tártaro nas raízes dentárias envolvidas com a lesão. Desta forma, concordase com De Carli e Silva8, que afirmam que o FOP se origina a partir de uma resposta à injúria gengival por fatores irritantes locais crônicos, como aqueles oriundos da presença de cálculo dentário ou de corpos estranhos no sulco gengival. Sabe-se que o diagnóstico precoce de uma lesão bucal (benigna ou maligna) influencia Revista Odontológica de Araçatuba, v.28, n.2, p. 45-49, Maio/Agosto, 2007 positivamente no seu tratamento e prognóstico12 . Nesse sentido, o presente relato ressalta o longo período que a paciente levou para procurar / conseguir atendimento odontológico, refletindo o descaso que a população, principalmente a de baixo nível sócio-econômico apresenta com sua saúde bucal. Isto, no entanto, segundo a literatura,2,18é reflexo do baixo nível de informação dos pacientes e da falta de serviços públicos de saúde. Por isso, iniciativas governamentais deveriam ser instituídas para aumentar o acesso da população de baixa renda a serviços de saúde e instrucionais gratuitos e de boa qualidade, tanto no que diz respeito à saúde sistêmica, quanto odontológica. Clinicamente, observou-se uma lesão nodular, bem delimitada, de coloração avermelhada, base pediculada, superfície lisa e consistência fibrosa à palpação, aspectos estes que vêm ao encontro da descrição realizada pela literatura para o FOP 17. Um fato que torna incomum o caso de FOP ora apresentado é seu tamanho de aproximadamente 5 cm no maior diâmetro, pois segundo Buchner et al. 3 , o FOP possui um diâmetro que normalmente varia entre 0,2 e 3 cm. Da mesma forma, Neville et al.17 , afirmam que a maioria dos FOP apresenta-se com menos de 2 cm no seu maior diâmetro. Provavelmente, as dimensões da lesão apresentada foram consideradas grandes devido ao seu longo tempo de evolução (aproximadamente 2 anos) num ambiente hostil e pleno de fatores traumáticos, como era considerada a cavidade bucal da paciente na primeira consulta. Quanto à faixa etária da paciente cuja lesão foi estudada no presente trabalho (5ª década de vida), observa-se uma discordância com os dados reportados por Andersen et al.1 e Buchner et al.3, os quais afirmam ser a 2ª década a mais acometida. Por outro lado, os mesmos autores afirmam que o FOP se localiza mais comumente na região maxilar anterior, fato este que vem ao encontro da localização da lesão no caso ora estudado. Em se tratando do sexo e da raça da paciente cuja lesão foi estudada, concorda-se com os autores consultados, que afirmam serem o sexo feminino e a raça branca os mais acometidos pelo FOP 3,6,14,17. No que diz respeito ao diagnóstico diferencial do FOP, Regezi e Sciubba19 afirmam que as lesões vermelhas ulceradas são comumente confundidas com granulomas piogênicos. Este fato vem ao encontro do diagnóstico diferencial atribuído ao caso estudado, no qual além do granuloma piogênico, foi incluída a lesão de células gigantes periférica, o tumor marrom do hiperparatireoidismo e o fibroma ossificante periférico. Segundo estudos anteriores7-9, das lesões incluídas no diagnóstico diferencial do 47 ISSN 1677-6704 presente caso, a lesão de células gigantes periférica apresenta uma prevalência de 2,05% da população, seguida pelo fibroma ossificante periférico (1,12%), granuloma piogênico (1,01%) e tumor marrom do hiperparatireoidismo (0,55%). Quanto ao aspecto histológico da lesão, nossos achados também vêm se somar aos de Buchner e Hansen4 e Shafer et al.21, visto a análise microscópica do caso ora apresentado revelar um denso estroma de fibras colágenas, entremeado por fibroblastos, trabéculas ósseas e algumas células gigantes, com epitélio de revestimento íntegro em sua maioria, mas com algumas regiões de ulceração. C o m o t r a t a m e n t o , optou-se pela realização de ampla ressecção da lesão, incluindo a curetagem de restos de ligamento periodontal, periósteo e osso adjacente, bem como exodontia das raízes residuais envolvidas. Após um acompanhameto clínico de 2 meses, notou-se um processo cicatricial normal e ausência de episódios de recidiva. O tipo de tratamento utilizado, bem como os resultados obtidos vêm reafirmar os achados de Kendrick e Waggoner13 e de Carrera et al.5, no sentido de que uma extensa ressecção lesional, bem como correção dos fatores etiológicos traumáticos, previnem episódios de recidiva. CONCLUSÕES A partir da realização do presente estudo, infere-se que o fibroma ossificante periférico pode adquirir grandes proporções quando submetido a fatores irritantes locais crônicos por um longo período. Além disso, nota-se a necessidade da implantação, por parte dos órgãos competentes, de um maior número de serviços públicos de saúde, a fim de que a população, principalmente a de baixo nível sócio-econômico, tenha acesso a atendimento médico-odontológico e a instruções sobre saúde bucal e sistêmica. ABSTRACT Peripheral ossifying fibroma (POF) is a prolific lesion, non bucal neoplastic of traumatic etiology. In this work, an uncommon clinical case of exaggerated dimensions is reported. It is located in the bucal cavity of a patient who is economically deprived and with precarious health oral conditions. GMKL, female, aging 46 years old who was looking for dental service, showing tissue growing in the right superior maxilar, measuring nearly 5cm diameter, which treatment was successfully carried out through conventional surgical excision of the lesion, extraction of the remaining teeth closed to the hyperplasia and curettage of the surgical bed. From the accomplishment of the present study, besides presenting to the surgical dental class a case of POF, of great proportions, it is highlighted the importance of the basic cares with bucal health by Revista Odontológica de Araçatuba, v.28, n.2, p. 45-49, Maio/Agosto, 2007 the patient as well as by the public health services. UNITERMS: Ossifying fibrom; Hiperplasy; Precoce diagnosis; Treatment; Public health. REFERÊNCIAS 1 - Andersen L, Fejerskov O, Philipsen HP. Calcifying fibroblastic granuloma. J Oral Pathol Med. 1973; 31(2):196-200. 2 - Barros AJD, Bertoldi AD. Desigualdades na utilização e no acesso a serviços odontológicos: uma avaliação em nível nacional. Ciênc Saúde Coletiva. 2002; 7(4):709-17. 3 - Buchner A, Calderon S, Ramon Y. Localized hiperplastic lesions of gingiva: a clinicopathological study of 302 lesions. J Periodontol. 1977; 48:101. 4 - Buchner A, Hansen LS. The histomorphologic spectrum of peripheral ossifying fibroma. Oral Surg Oral Med Oral Pathol. 1987; 63(4):452-61. 5 – Carrera GF, Cahn CE Jr, Laur JJ. A Bayesian network for diagnosis of primary bone tumors. J Digit Imaging. 2001; 14(2):56-7. 6 - Cuisia ZE, Brannon RB. Peripheral ossifying fibroma: a clinical evaluation of 134 pediatric cases. Pediatr Dent. 2001; 23(3):245-8. 7 - De Carli JP. 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