Quando o luto termina

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QUANDO O LUTO TERMINA?
Uma longa tristeza pelo luto é depressão? Quanto tempo o enlutado pode
permanecer nesse estado de tristeza? Os amigos que tentam colocá-lo para
cima ajudam ou atrapalham? Como falar e contar a nossa história pode ajudar?
Essas e outras perguntas povoam nossa mente diante da morte de alguém
querido ou de um amigo que perdeu alguém.
Não sabemos lidar com a morte e temos um compromisso cultural com a nossa
própria felicidade e com a felicidade do outro. Agimos, instintivamente, na
direção da eliminação da dor da perda de alguém ou da rápida recuperação de
um amigo enlutado. E não sabemos falar sobre o assunto porque não nos
preparamos para isso. Nesta conversa muito esclarecedora, a Dra Elaine
Gomes dos Reis Alves, psicóloga especializada em luto, membro do
Laboratório de Estudos sobre a Morte da Universidade de São Paulo e
fundadora da Prestar Cuidados em Psicologia, nos conta que luto não é
doença, tristeza não é depressão e nem tem tempo cronológico para terminar.
Existe um luto “normal”e um luto “patológico”?
Não usamos mais o termo patológico para classificar o luto porque luto não é e
nem pode ser confundido com doença. A sociedade está entendendo e agindo
como se o luto fosse doença ou , pior, como se a tristeza do luto fosse
depressão. As pessoas dizem sem cerimônia que uma pessoa perdeu o filho
ou o marido e “ficou em depressão”. Ela pode estar muito triste, mas depressão
é outra história. Dizemos que o luto é “complicado” quando ele nos coloca em
risco de desistir de viver ou pode levar a pessoa ao adoecimento.
Como se identifica um luto “complicado”?
O luto prolongado ou complicado não é definido por seu tempo de duração,
mas pelo processo de elaboração sobre a morte da pessoa querida. Trata-se
da compreensão, pelo enlutado, de que a pessoa morreu e que ele tem que
seguir em frente. Esse tempo é interno, um tempo de Kairós, que designa o
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momento certo, e não o tempo de Chronos, que mede a quantidade de dias ou
horas. Para um viúvo que tenha perdido a mulher, digamos, há três anos, o
tempo de luto pode parecer longo demais para os outros mas para ele não é.
No nosso serviço atendemos, por exemplo, situações de luto de pais que
perderam filhos há 10 anos.
Por que nós desejamos abreviar o luto e delimitar um tempo para esse
processo?
Como nós tiramos a morte da vida, nós não sabemos o que fazer com ela.
Todo mundo tem a obrigação de ser feliz. Como as pessoas não sabem o que
dizer sobre a morte, acreditam que se não falarem, vão evitar que o enlutado
sofra. O que eu mais ouço dos meus pacientes é o oposto: não poder
manifestar sua dor é uma agressão. Eles querem falar, ser ouvidos, tem muito
medo de que os mortos queridos sejam esquecidos. Acabam ficando com essa
tarefa, muitas vezes incômoda, de ficar lembrando que a pessoa existiu, que
teve uma história e fez diferença na vida dos outros. Muitas vezes ficam se
sentindo indesejáveis nos seus círculos e acabam se afastando, se sentindo
muito sozinhas. Quando não são afastados, se afastam porque acham que as
pessoas não estão preparadas para dar o suporte de que precisam.
Qual é a importância de se falar sobre o luto ?
As pessoas sempre querem falar, a dificuldade está em serem ouvidas. E falar
é o que vai ajudá-las a elaborar e a sair do luto mais rápido. Toda a pessoa
enlutada precisa falar de quem morreu. Logo que a pessoa morre, o enlutado
conta várias vezes a mesma história, geralmente do último dia em que
estiveram juntos até o momento em que recebeu a notícia da morte. Quantas
vezes você a encontrar, ela vai contar essa história. Esse é o primeiro fator de
afastamento dos amigos. Eles pensam: eu vou lá e ele vai repetir isso. Ou vão
dizer a ele ou a ela que já contaram isso. Mas é exatamente esse contar,
repetidas, inúmeras vezes, que as leva à compreensão. É um recurso muito
positivo, muito saudável. O judeus fazem isso: dentro dos rituais de luto da
religião judaica a pessoa enlutada nunca fica sozinha, tem sempre alguém do
lado dela em silêncio, justamente para ouvir a sua dor. É importante pensar em
como não agüentamos ouvir a dor do outro e como não nos preparamos ou
preparamos nossos filhos para essa atitude diante do sofrimento alheio.
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Existem perdas mais difíceis de ser elaboradas?
Embora todas as mortes de pessoas queridas não possam ser comparadas, as
situações em torno delas podem oferecer mais ou menos conforto para quem
fica. Não existe dor maior ou menor: existe dor. No entanto, há circunstâncias
em que a pessoa que está sofrendo não consegue se amparar em nada. Uma
mãe que perde um filho único, por exemplo. Quando há outros filhos, eles não
vão substituir de forma alguma aquele que se foi, mas talvez obriguem os pais
a continuar a viver. E lhes darão as realizações da maternidade ou
paternidade. Uma pessoa que perde um filho único ou que perde mais de um
filho em um acidente ou ainda tem que lidar com uma separação depois do
trauma pode precisar de muito mais tempo para elaborar tudo isso.
Há formas positivas de preencher o vazio deixado por quem se foi?
Quando uma mãe perde um filho, assim como uma mulher ou um homem
perde seu parceiro afetivo, pode ter o desejo desesperado de adotar ou
engravidar, ou de ter um novo amor. E isso nem sempre ajuda: pode ser só
uma busca desesperada pela pessoa que se foi.
Há diferentes reações diante de uma perda. Existem as pessoas que ficam
muito tristes e também aquelas que se tornam amargas e raivosas. Como lidar
com essas que passam a ter ódio do mundo?
No início a raiva faz parte do processo e é saudável. A pessoa enlutada muitas
vezes está doida por uma briga. Mas a persistência nessa atitude pode se
tornar um luto complicado. Muitas vezes a raiva se prolonga porque a pessoa
não tem espaço para expressá-la. O mundo continua feliz, evitando sua dor, e,
sem acolhimento, se sentem muito sós. Então é normal ficar com raiva desse
mundo que continua feliz e ignora a sua dor. A possibilidade de essas pessoas
desenvolverem um luto complicado e adoecerem é maior. É um círculo cruel:
quanto mais a raiva aumenta, mais ela afasta as pessoas, o que a deixa com
mais raiva. É preciso que tenham sua raiva acolhida e compreendida . As
pessoas em torno podem não endossar o sentimento, mas podem entendê-lo.
Uma paciente me dizia que, depois de perder a filha bebê não conseguia ver
uma mulher grávida sem ter sentimentos negativos. Você pode não concordar
com essa reação mas pode compreender, que é tudo de que ela precisa.
Os amigos que dizem à pessoa enlutada que ela tem que se recuperar, dar a
volta por cima, voltar a ser feliz, não a ajudam a seguir adiante?
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Quem está de fora entende rápido que a pessoa que morreu não vai voltar, e
sente necessidade de “puxar” o enlutado para a vida que segue. Mas não
adianta, não é assim, os amigos precisam entender o tempo daquela pessoa.
No caso de uma viuvez, por exemplo, há sempre o desejo dos amigos de que
se encontre uma outra pessoa, o que é visto pelo enlutado como uma grande
agressão. Imagine alguém chorando porque perdeu o marido ou a mulher.
Chega a ser uma crueldade você dizer que vai encontrar outra pessoa. Ele se
sente traído pelos amigos e se sente traindo a pessoa que morreu. Nós, do
outro lado, não temos paciência para esperar o tempo do outro.
Em que momento o luto acaba?
Hoje não se fala mais em fim do luto. Falamos em final de um processo de sua
elaboração. É quando o enlutado começa a fazer planos sem a pessoa que
morreu. No caso de uma viuvez, por exemplo, isso não significa ter um novo
namorado ou namorada. Mas quando se entende que a pessoa não está mais
lá e se decide seguir em frente. E se permite ser feliz. Essa é uma autorização
muito complicada porque durante o luto há muita culpa. O enlutado se
penitencia por ter esquecido da pessoa amada por um dia, por alguns minutos.
Decidir voltar a ser feliz não é uma traição e essa constatação leva o tempo
interno que cada um necessita.
http://vamosfalarsobreoluto.com.br/post_helping_others/quando-o-luto-termina/
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