a dimensão didático-pedagógica no ensino de sociologia

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A DIMENSÃO DIDÁTICO-PEDAGÓGICA NO ENSINO DE SOCIOLOGIA
Estela Maris Giordani (Universidade Federal de Santa Maria, RS)
Ariane Wollenhoupt da Luz Rodrigues (Universidade Federal de Santa Maria, RS)
A partir da promulgação da Lei n.11684 de 2 de junho de 2008, que tornou obrigatório o
ensino de sociologia nas escolas de ensino médio, gerou o debate de aspectos didáticopedagógicos sobre o ensino de sociologia tais como a formação dos professores, sua atuação
profissional, os materiais didáticos, e a falta de professores formados na área. Esta pesquisa
desenvolveu a análise dos documentos de sociologia atuais no estado do Rio Grande do Sul,
levando em consideração os documentos legais brasileiros e estaduais e o recente lançamento
dos referenciais curriculares estaduais para o ensino médio. Realizou-se a pesquisa
documental e bibliográfica a qual remete a necessidade de direcionar estudos que contemplem
a dimensão didático pedagógica da disciplina, garantindo aos alunos os benefícios formativos
gerados pela implantação da disciplina de sociologia no ensino médio. Após os dois anos de
implantação da sociologia nas escolas brasileiras, percebeu-se as questões tratadas e suas
implicações do ponto de vista das necessidades em pesquisa.
Palavras-chave: Ensino de Sociologia, Didática, Formação de Professores.
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A DIMENSÃO DIDÁTICO-PEDAGÓGICA NO ENSINO DE SOCIOLOGIA
Com a promulgação da Lei n.11684 de 2 de junho de 2008, tanto a sociologia quanto a
filosofia tornaram-se disciplinas obrigatórias nos currículos do ensino médio. A necessidade
da aprendizagem da sociologia já era de certo consenso na comunidade intelectual, cuja
implantação da disciplina foi uma grande conquista histórica. Contudo, ao longo do tempo,
nem sempre essa foi a concepção predominante, porque esta disciplina sofreu constantes
oscilações, sendo em momentos obrigatória, em outros, não. Sempre dependeu da política
educacional de cada período histórico para desenvolver-se em alguns momentos como ensino
secundário e em outros como uma disciplina de suma importância para a educação brasileira.
O que se deve, segundo Silva (2005b), aos contextos histórico-culturais, às relações sociais e
políticas, educacionais e científicas que influenciam na dimensão burocrática e legal do
ensino de sociologia.
Na década de 90, o ensino da sociologia no ensino médio voltou ao debate. A Lei de
Diretrizes e Bases (LDB, Lei n. 9394 de 20 de dezembro de 1996) tornou os conhecimentos
de sociologia juntamente com a filosofia fundamentais ao exercício da cidadania, através do
artigo n. 36, parágrafo 1°, inciso III, que determinava que o educando do ensino médio
deveria demonstrar o “domínio dos conhecimentos de filosofia e sociologia necessários a
cidadania”.
Após mais de 10 anos da LDB, em 2008, houve a promulgação da Lei que tornou a
filosofia e sociologia disciplinas obrigatórias nos currículos do ensino médio. Esta ciência,
antes restrita às universidades, transformou-se em matéria de suma importância para o jovem,
pois segundo as Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, (OCNEM)
aproxima o estudante de uma linguagem especial, quer
[...] sistematizando os debates em torno de temas de importância dados pela
tradição ou pela contemporaneidade. A sociologia, como espaço de realização das
Ciências Sociais na escola média, pode oferecer ao aluno, além de informações
próprias do campo dessas ciências, resultados das pesquisas as mais diversas, que
acabam modificando as concepções de mundo, a economia, a sociedade e o outro,
isto é, o diferente – de outra cultura, “tribo”, país, etc. Traz também modos de
pensar (Max Weber, 1983) ou a reconstrução e desconstrução de modos de pensar. É
possível, observando as teorias sociológicas, compreender os elementos da
argumentação – lógicos e empíricos – que justificam um modo de ser de uma
sociedade, classe, grupo social e mesmo comunidade. Isso em termos sincrônicos ou
diacrônicos, de hoje ou de ontem. (BRASIL, 2006, p. 105).
A afirmativa faz com que a cidadania mencionada na Lei de Diretrizes e Bases,
“ganhe contornos mais objetivos” (BRASIL, 2006, p. 104). Uma das consequências
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originadas do ensino de sociologia compreende a possibilidade de transformação social,
porque
[...] Uma infra-estrutura epistemológica proporcionada pelos conhecimentos
sociológicos pode, certamente, sensibilizar o olhar para a compreensão e atuação
sobre os fenômenos sociais. Pensar sobre e compreender o mundo social é
importante para dar-se conta de situações de opressão, preconceito, injustiça, bem
como visualizar outras possíveis; não significa, no entanto, mudança imediata e
linear da realidade e da própria pessoa que a estuda e interpreta (MOTA, 2005, p.
106).
Estas aprendizagens “da cidadania”, “da liderança”, “da sustentabilidade”, “da paz”,
“das diferenças” dentre outras, estão também presentes nos documentos internacionais para a
educação do futuro. O Relatório da UNESCO (DELORS et al, 2000) ressalta que uma das
quatro aprendizagens pilares necessárias hoje para a educação do futuro é o aprender a viver
juntos, conviver. Nesta direção, cumprindo os objetivos mais amplos da educação, a
sociologia estaria contribuindo para desenvolver a dimensão fundamental do ser humano que
é sua função social, não apenas local, mas nacional e para uma sociedade global.
O exercício da cidadania pode ser atuado apenas quando o indivíduo-pessoa se torne
consciente de sua função no contexto onde vive e interage. Deste modo, pode-se perceber
quais as necessidades em pesquisa sobre o ensino de sociologia atuais no estado do Rio
Grande do Sul, levando em consideração os dois anos da obrigatoriedade da disciplina e os
referenciais curriculares estaduais para o ensino médio, lançados no final de 2009, pela
Secretaria de Estadual de Educação. Este documento orienta as escolas a trabalharem certos
conteúdos em detrimento de outros, propondo uma lista de conteúdos programáticos para o
ensino médio, a fim de dar uma direção ao trabalho dos professores em cada ano de ensino, no
que corresponde ao que é ensinado. O texto traz os conteúdos de sociologia, que os
professores deverão trabalhar no decorrer dos três anos letivos componentes do ensino médio.
FINALIDADES E CONTEÚDOS DO ENSINO DE SOCIOLOGIA
Por que é relevante pensar acerca das finalidades do ensino de sociologia? Porque se
entende, a partir da argumentação proposta pelos autores Silva (2005a-b), Mills (1975) e dos
documentos oficiais, que se pode mapear como serão os desdobramentos pedagógicos da
organização didática desta disciplina. Os modos de pensar, as visões predominantes sobre a
necessidade indicam como a sociologia será trabalhada nos contextos escolares e disso
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decorre uma postura pedagógica e também metodológica, o que interfere diretamente sobre a
visão de organização didática da aula e utilização de materiais pedagógicos.
Levando em consideração a obrigatoriedade do ensino de sociologia a partir de 2008, é
relevante considerar que, quanto à sociologia como disciplina escolar,
[...] existe menos reflexão, estudos e experiências sobre o ensino de sociologia.
Estamos numa fase em que temos que estruturar essa dimensão de nossa ciência, a
dimensão didática, pedagógica e de reprodução de conhecimentos científicos nos
níveis mais básicos da formação humana nas escolas (SILVA, 2005a, p. 3).
Conforme a autora percebe, é preciso, além do desenvolvimento específico do
conhecimento sociológico, a pesquisa, a reflexão e o estudo acerca da dimensão pedagógica,
do como ensinar a sociologia. Neste caso, não mais a sociologia apenas como ciência social,
mas agora como componente formativa, presente na educação dos jovens nos currículos
escolares. Essa dimensão didática, contudo, não pode ser pensada sem revisar as finalidades
da presença da sociologia na educação básica. A autora ainda argumenta que uma das
finalidades do ensino de sociologia seria a de desenvolver a imaginação sociológica (termo
cunhado por Wright Mills em 1959 na obra de mesmo título). Conforme Mills,
A imaginação sociológica capacita seu possuidor a compreender o cenário histórico
mais amplo, em termos de seu significado para a vida intima e para a carreira
exterior de numerosos indivíduos. Permite-lhe levar em conta como os indivíduos,
na agitação de sua experiência diária, adquirem freqüentemente uma consciência
falsa de suas posições sociais. Dentro dessa agitação, busca-se a estrutura da
sociedade moderna e dentro dessa estrutura são formuladas as psicologias de
diferentes homens e mulheres. Através disso, a ansiedade pessoal dos indivíduos é
focalizada sobre fatos explícitos e a indiferença do público se transforma em
participação nas questões públicas. [...] A imaginação sociológica nos permite
compreender a história e a biografia e as relações entre ambas, dentro da sociedade.
Essa é sua tarefa e sua promessa. A marca do analista social clássico é o
reconhecimento delas [...] (MILLS, 1975, p.11-12).
É sobre a biografia dos estudantes e suas experiências sociais que o ensino de
sociologia ganha seu significado, ao fazê-lo compreender de forma diferente sua história de
vida, levando em consideração os condicionantes históricos e sociais que interferem
diretamente em sua individualidade. Também, permite ao estudante, ao pensar em fatos de
sua existência, a distinção entre o que seja individual e o que seja de origem social em sua
vida.
Com essa percepção diferenciada da realidade, é possível intervir também de modo
diverso nesta mesma realidade, porque o conhecimento sociológico faz ver quais os
mecanismos que fazem a vida social ser como é. Deste modo, o jovem, desenvolvendo sua
imaginação sociológica, tem condições de perceber diferentes possibilidades de futuro,
porque somente vendo essas questões e mecanismos é que será possível desfazê-los,
desconstruí-los.
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Meneghetti (2006) indica os alunos desde tenra idade, devem aprender que existe a
sociedade. Esta sociedade que tem suas leis, sua organização, sua cultura, suas instituições,
seu modo de ser, que é materializada e presente em toda e qualquer particular atividade
humana, e que determina concretamente a existência da pessoa.
O conhecer e considerar a sociedade não significa eliminar a possibilidade da
existência singular e criativa do indivíduo no interior do sistema social. Contudo, elimina o
solipsismo e a incapacidade de viver e se realizar no interior do sistema social. Para
Meneghetti (2006), o jovem a fim de crescer precisa apreender a se colocar de modo capaz
frente a existência desta realidade, a sociedade. Precisa aprender que, além de si mesmo,
existem os outros e estes outros já fizeram história e pertencem ao mesmo tempo em que ele a
algo que é comum, é de todos, todos são sócios, são partes de um mesmo inteiro
(MENEGHETTI, 2007). Para o autor trata-se de desenvolver uma educação à
responsabilidade integral da pessoa no sistema social. E, o desenrolar desta consciência não
será possível, sem que o professor pense em que conteúdos que responsabilize-os sobre suas
responsabilidades e deveres frente a sociedade que pertence.
As finalidades do ensino de sociologia com estas discussões estavam postas, contudo,
com a implantação da disciplina da sociologia não havia uma discussão a respeito de um
programa mínimo da disciplina. Os professores, nas escolas, trabalhavam ao seu modo sem
orientações sobre quais os conteúdos curriculares deveriam ser desenvolvidos. No estado do
Rio Grande do Sul, em 2009, a Secretaria de Educação propôs um “Referencial Curricular”
que traz os conteúdos mínimos a serem trabalhados nos três anos de ensino médio, agrupados
nos grandes temas, são eles: Sociologia e Sociedade, Conceitos Fundamentais da Sociologia
Sistemática para o Conhecimento do Cotidiano, Cultura e Sociedade, Cultura e Sociedade no
Brasil, Educação e Cultura: Democratização de Oportunidades, Juventude, Adolescência e
Cultura, Diversidade Cultural e Tolerância, Trabalho e Sociedade, Globalização, Novas
Tecnologias e as Novas Qualificações, Desigualdades Sociais: Conceituação e Formas
Históricas, Desenvolvimento Sustentável Equitativo e Mudanças Sociais, O Estado e a
Questão da Democracia, O Estado Brasileiro e a Democracia, O Jovem e o Adolescente
Hoje (RS/SEDUC, 2009)
Se o problema que tange a um programa mínimo está resolvido, importa pensar na
dimensão didática deste ensino. Quais metodologias seriam capazes e indicadas para atingir as
finalidades destes temas? É importante ressaltar que um ensino calcado na exposição de
conteúdos e técnicas, que não leve o aluno a pensar sobre sua existência e a “estranhar” e
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“desnaturalizar” (BRASIL, 2006) sua própria realidade não é capaz de atender aos objetivos
do ensino de sociologia.
Segundo Silva (2005b), o ensino de sociologia brasileiro passou por 4 tendências
pedagógicas. A primeira denominada clássica-científica se estendeu até 1971, levava em
consideração uma formação humanística, a partir das pesquisas sociológicas existentes, e
figurava como uma disciplina que buscava cientificizar o pensamento sobre a realidade
brasileira, ao trazer aos alunos conhecimentos sobre pesquisas sociológicas.
A segunda compreende o período da ditadura militar, a tendência tecnicista, marcada
pela repressão às “identidades científicas e disciplinares dos diferentes campos do saber”
(SILVA, 2005b, p. 9). Nesta, o professor aprenderia técnicas e ferramentas a fim de transmitir
aos alunos a reprodução de ideologias públicas oficiais.
A terceira tendência é chamada de científica, em pleno movimento de democratização,
buscava a superação de um ensino vazio de significados (tecnicista), por isso retomou as
disciplinas tradicionais. A quarta tendência refere-se ao ensino por competências a partir de
1996. Segundo a autora, as disciplinas são desvalorizadas e em especial a sociologia passa a
figurar em projetos transversais. Neste contexto,
essa noção de competências está ligada à uma reorganização do trabalho no
capitalismo contemporâneo e o quanto os currículos se prendem às necessidades
imediatas da reestruturação do trabalho, da sociedade de consumo e do cotidiano dos
alunos. Isso significa empobrecimento dos conteúdos, simplificações, etc. (SILVA,
2005b, p. 12)
Como visto, a educação, ao longo da história, vem sofrendo diversas transformações
que atingem todos os indivíduos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem. Pode-se
analisá-la pelas tendências pedagógicas, as quais possuem suas características próprias.
Observa-se que nenhuma dessas correntes esgotou-se, uma vez que todas fazem parte do
cotidiano escolar e que de algum modo estão incorporadas nas práticas pedagógicas. Libâneo
diz que “evidentemente tais tendências se manifestam, concretamente, nas práticas escolares e
no ideário pedagógico de muitos professores, ainda que estes não se dêem conta dessa
influência” (2006, p. 21). A partir do entendimento da autora, é preciso na atualidade do
ensino de sociologia considerá-las e definir os princípios didático-pedagógicos da prática do
ensino de sociologia, que implica fazer a análise e reflexão sobre os objetivos da escola e
concomitantemente da educação básica. Sem isso, tende-se a cair no reprodutivismo de
qualquer uma das tendências, sem que se crie algo novo e coerente com o hodierno.
É preciso que a imaginação sociológica esteja presente para desnaturalizar a didática
utilizada em sala de aula, para que se efetive um ensino de sociologia que una o cientificismo
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com as competências. Afinal, competências não se desenvolvem ao léu, mas a partir de
conteúdos e reflexões. Talvez a própria imaginação sociológica possa ser entendida como
uma competência a se desenvolver.
Uma vez que já existem conteúdos mínimos e que estão aparentemente claros os
objetivos da disciplina, resta o questionamento: como desenvolver estes objetivos nos jovens,
que didática utilizar em sala de aula? A seguir serão tratados alguns preâmbulos a respeito da
dimensão didática a partir de documentos oficiais.
OS APONTAMENTOS DIDÁTICOS NOS DOCUMENTOS OFICIAIS
Há dois parâmetros curriculares nacionais, Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN,
1999) e, b) os Parâmetros Curriculares Nacionais + Ensino Médio (PCN+EM, 2002), ambos
surgem visando orientar o professor no seu trabalho em sala de aula.
Quanto à sociologia, eles citam e analisam as competências específicas da disciplina,
ressaltando a importância dos conceitos estruturantes e sua articulação com as competências.
Trazem sugestões acerca da organização de eixos temáticos em sociologia, são eles: indivíduo
e sociedade, cultura e sociedade, trabalho e sociedade, política e sociedade (BRASIL, 2002).
Casão e Quinteiro (2007) criticam os PCNs por serem amplos e não contribuírem com
uma definição mais concreta e coerente com os sistemas de ensino sobre a disciplina de
sociologia. Contudo é importante relembrar o contexto legal em que surgiram, no qual,
segundo a legislação, eram necessários apenas conhecimentos de sociologia no ensino médio.
Deste modo, não se caracterizava a sociologia, nem como área do saber, componente
curricular ou disciplina presente na escola. Ou seja, neste contexto
[...] ter conhecimento de sociologia não significa introduzir a disciplina nos
currículos dos cursos. Bastaria, digamos um professor de matemática discutir com
seus alunos um artigo de jornal que trate do desemprego em São Paulo, por
exemplo, quando entrar na matéria dos percentuais. Ele já estaria “lecionando
sociologia” aos seus alunos ao tecer comentários sobre a situação do desemprego,
concentração de renda, queda de rendimento, etc. (CARVALHO, 2004, apud
CASÃO e QUINTEIRO, 2007, p. 229-230).
Tal concepção foi questionada pelo Parecer CNE/CEB n. 38 de 2006, pois com esta
redação não haveria necessidade de oferta da filosofia e sociologia como disciplinas,
destacando, que, deste modo, tais conhecimentos específicos ficariam relegados em segundo
plano pelas outras disciplinas.
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Sob a égide do “interdisciplinar”, a sociologia foi tratada pelos 12 anos da Lei de
Diretrizes e Bases. Contudo, como afirmam Casão e Quinteiro (2007), em que condições os
temas sociológicos foram trabalhados com os alunos? Foi preservado o que há de específico
no conhecimento sociológico e as competências e objetivos da presença da sociologia no
ensino médio?
Já em 2006, surgiram as Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio
(OCNEM – BRASIL, 2006). Nestas há a indicação dos trabalhos efetivados pelo professor
em sala de aula, as orientações apontam que há três dimensões, no mínimo, que vem sendo
enfocadas pelos professores durante a docência de sociologia. A primeira delas enfatizaria em
detrimento das outras dimensões, uma dimensão explicativa/compreensiva da sociologia, suas
aulas corresponderiam ao estudo de teorias sociológicas (como exemplo, as teorias clássicas
de Durkheim, Weber e Marx). Suas vantagens seriam o conhecimento sobre as diferentes
teorias a respeito de um mesmo tema, e o contato com a história das diversas correntes
sociológicas, já suas desvantagens referem-se ao risco de se desenvolver uma apresentação
formal das teorias, e o educando não percebê-las como explicações sobre a vida.
A segunda dimensão corresponderia aos temas do cotidiano, ao foco na dimensão
empírico/concreta da sociologia, suas vantagens seriam as conexões com a realidade, a
contextualização da disciplina, e permitiria ao aluno o desenvolvimento de um olhar analítico
sobre sua realidade. As desvantagens seriam concernentes a necessidade de o professor ter
uma capacidade analítica desenvolvida para lançar-se a pesquisa e o risco de se efetivar
apenas um recorte de informações sobre notícias sem estudá-las ou compreendê-las além do
senso-comum.
A última dimensão dar-se-ia através de um trabalho pedagógico a partir de conceitos,
valorizando a dimensão lingüístico-discursiva, cuja principal vantagem seria a “alfabetização
científica” (BRASIL, 2006, p. 117) e a capacidade de abstração do educando ao analisar a
sociedade. Suas desvantagens corresponderiam à diversidade de significados para um mesmo
vocábulo, de acordo com a historicidade e teoria, e o risco de um estudo focado apenas de
verbetes desconexos da realidade dos educandos, gerando um ensino formalista.
O documento defende que é preciso um planejamento centrado na articulação dessas
três dimensões ou recortes a fim de aproveitarem-se as vantagens, minimizando as
desvantagens de se focar apenas uma das dimensões. Refletindo acerca das dimensões e
recortes, convém o questionamento acerca de como seria realizada a formação do professor,
licenciado em sociologia? E, por outro lado, enquanto há carência de docentes formados
especificamente com a licenciatura em sociologia, quem está assumindo esta tarefa? Qual é o
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preparo didático pedagógico que possui este professor uma vez que no contexto atual aqui no
estado, o profissional que atua não necessariamente possui curso de licenciatura em sociologia
ou mesmo bacharelado?
No Rio Grande do Sul, conforme o Parecer CEED n. 322 de 2007, em seu parágrafo
31, há uma disposição sobre a docência do componente curricular:
Para o exercício da docência em sociologia, até 2012 é admitida formação em
Bacharelado em Sociologia ou Ciências Sociais com Licenciatura em outra
disciplina; Licenciatura com Pós-Graduação em Sociologia ou Ciências Sociais;
licenciatura em Filosofia; bacharelado em Filosofia, com Licenciatura Plena em
outra disciplina; licenciatura em História; licenciatura em Pedagogia, desde que o
docente comprove no seu histórico escolar, no mínimo, cento e vinte horas cursadas
da disciplina de sociologia. (RS, 2007)
É preciso considerar que a fim de conseguir mesclar as três dimensões do ensino de
sociologia, é preciso que as próprias competências objetividadas na área estejam incorporadas
no professor através dos conhecimentos específicos da sociologia.
Ainda, as OCNEM (BRASIL, 2006), sobre a dimensão didática da disciplina,
ressaltam a importância da pesquisa como elemento do ensino de sociologia, estando presente
junto aos três recortes. Porém esclarece que o professor, fazer uso desse elemento, precisa
oferecer condições mínimas aos educandos para a atividade, como o conhecimento de
metodologias de pesquisa a fim de que os alunos avancem além do senso comum, buscando
um estudo analítico sobre os fatos pesquisados.
E aponta práticas e recursos que podem ser acionados pelo professor no desenvolver
de suas aulas, são eles: aula expositiva, seminários, excursões, visitas a museus e parques
ecológicos, leitura e análise de textos, uso de cinema, vídeo ou DVD e TV, fotografia,
charges, cartuns e tiras.
Porém, no documento, não existem indicações para ajudar o
professor no que se refere a escolha destes materiais, modos de selecioná-los e os critérios
com os quais devem ser tratados.
Convém considerar também que os materiais didáticos dessa disciplina são escassos,
pois somente com a obrigatoriedade, é que começou a pensar nesses recursos. E, as condições
de trabalho dos professores também precisam ser consideradas pois para preparar e selecionar
recursos para suas aulas ele precisa de tempo. Por isso, importa discutir sobre os critérios que
envolvem os recursos didáticos, a fim de selecionar materiais que se coadunem com a postura
pedagógica do docente.
O Rio Grande do Sul criou também uma orientação estadual, lançada em 2009, que
visa orientar os professores das escolas públicas. O Referencial Curricular Lições do Rio
Grande (RS/SEDUC, 2009c) traz informações acerca do currículo objetivado para o estado.
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O documento aponta como princípios a necessidade da aprendizagem constante do
professor, vista como um “processo coletivo” (RS/SEDUC, 2009c, p. 19), com foco no
desenvolvimento das competências – “um conjunto de elementos que o sujeito pode mobilizar
para resolver uma situação com êxito” (RS/SEDUC, 2009c, p. 20) – indissociáveis dos
conhecimentos e conteúdos. O que implica na aprendizagem em contexto de forma
interdisciplinar, já apontada nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio
(DCNEM, BRASIL, 1998). Questiona-se como seria então realizada a articulação
interdisciplinar no currículo que já é formalizado de modo disciplinar? Não se trataria de
pensar então em uma visão de currículo interdisciplinar, sendo assim, mantida a necessidade e
a importância da sociologia na formação do jovem estudante, mas tratado a partir de uma
perspectiva interdisciplinar de conhecimento e de currículo? E nesta perspectiva, como é
pensada a especificidade de cada componente formativo do estudante, em especial, a
sociologia?
Após o estudo do referencial, o documento sugere que as escolas revejam suas
propostas pedagógicas a fim de oferecer uma educação mais coerente com a atualidade,
respondendo às necessidades do mundo contemporâneo. Destaca a necessidade da
organização do tempo escolar sugerindo cargas horárias para as quatro áreas do conhecimento
(a disciplina de matemática, passou a compor uma área específica) tanto na distribuição por
25 ou 30 horas semanais. Importa descrever que a carga horária sugerida para a área de
ciências humanas (composta das disciplinas de história, geografia, filosofia e sociologia) para
o ensino médio é de 5 horas semanais em ambas situações (RS/SEDUC, 2009c, p. 33). Isto
significa que na divisão desta carga horária entre quatro disciplinas, é provável que a
sociologia ocupe o espaço de 1 hora-aula semanal em cada ano do ensino médio.
Neste ponto podemos indagar, não estaria novamente aqui colocada a necessidade de
concepção curricular interdisciplinar, já que, a disciplinaridade não possibilita tratar dos
problemas complexos a partir das múltiplas perspectivas e profundidade que eles
originalmente demandam?
É considerada positiva por nós, a sugestão de reuniões dos professores de áreas iguais
em um dia da semana, através das “horas-atividade” (RS/SEDUC, 2009c, p. 34). Desta
forma, caberia a escola organizar seu tempo para criar a oportunidade de encontro dos
professores, a fim de efetuarem um planejamento em conjunto, uma vez que as disciplinas de
uma mesma área possuem conceitos estruturantes comuns. No caso da área de ciências são
eles: Relações Sociais, Identidade, Ética, Cultura, Trabalho, Poder, Dominação, Espaço e
Tempo.
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O texto relativo à disciplina de sociologia foi escrito por Enno Dagoberto Liedke
Filho, e pode ser encontrado no livro correspondente à área de ciências humanas.
Primeiramente, o autor aponta uma das finalidades da presença do ensino de sociologia, que
seria:
[...] contribuir para a construção da cidadania do educando, enquanto protagonista de
seus direitos e deveres, instrumentalizando-o para a compreensão de seu “estar no
mundo” com os outros e para a compreensão das principais transformações sociais
contemporâneas, tais como o processo de globalização, ou as questões relacionadas
à sociedade do conhecimento, à exclusão social e às políticas públicas – sempre
tratados à luz dos conceitos oferecidos pelas múltiplas abordagens teóricas presentes
neste campo interdisciplinar. (RS/SEDUC, 2009, p. 91)
Com essa perspectiva, o documento (RS/SEDUC, 2009c, p. 92) sugere um trabalho
organizado em temas geradores1, cuja escolha implicaria em tomar por base o conceito de
“desenvolvimento humano sustentável e equitativo”, proposto pela UNESCO. Tal
desenvolvimento somente seria possível se existir de forma concomitante a democracia, a
“cultura da paz” e a equidade quanto às questões de gênero e idade. O referencial ainda busca
a UNESCO para trazer à tona a discussão sobre os desafios da educação ancorada nos quatro
pilares do conhecimento (aprender a ser, a fazer, a conviver e conhecer) que culminariam no
aprender a aprender. Proposta coerente com a sociedade do conhecimento atual.
O texto esclarece as competências a serem desenvolvidas pelo ensino da disciplina,
partindo das três competências básicas: ler, escrever e resolver problemas2, as quais se
articulariam nos três eixos citados nos PCNs: representação e comunicação, investigação e
compreensão e contextualização sócio-cultural (BRASIL, 1999 e BRASIL, 2002).
Retoma a importância dos conceitos estruturadores propostos nos PCN+EM e
acrescenta a necessidade de se trabalhar também conceitos fundamentais da sociologia
sistemática, bem como conceitos trabalhados por sociólogos contemporâneos (como
Habermas e Foucault) e sociólogos brasileiros (Gilberto Freyre, Roberto Damata, Florestan
Fernandes) por isso propõe um quadro relacionando os temas mínimos para o trabalho com
competências e habilidades. Suas unidades desmembram em subtemas as unidades propostas
pelo PCN+EM3, inclusive trazendo temas como o protagonismo juvenil. O exemplo citado se
ancora na perspectiva de possibilitar ao aluno a atuação cidadã, o que seria realizado a partir
1
Termo cunhado pelo educador Paulo Freire. Para ele “os temas geradores, “qualquer que seja a natureza de sua
compreensão, como a ação por eles provocadas, [eles] contêm em si a possibilidade de desdobrar-se em tantos
outros temas que, por sua vez, provocam novas tarefas que devem ser cumpridas” (FREIRE, 1987, p. 93, nota
18 apud RS/SEDUC, 2009, p. 92).
2
Tais competências se originam do Referencial Curricular da Educação Básica do Rio Grande do Sul (2009).
3
Indivíduo e sociedade, cultura e sociedade, trabalho e sociedade, política e sociedade. (BRASIL, 2002, p. 9398)
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da mobilização dos jovens em relação aos estudos da disciplina, que podem, inclusive, tomar
a instituição escolar como objeto de pesquisa, buscando a transformação da mesma.
O documento ainda traz as discussões das OCNEM no concernente aos possíveis
recortes didáticos. Cita um estudo de Marzano4, o qual sugere estratégias didáticopedagógicas coerentes com a proposta de competências para o professor, ainda traz exemplos
de subtemas e estratégias, relacionando-as com as habilidades a serem desenvolvidas e modos
de operacionalização das mesmas.
Do Projeto Lições do Rio Grande fazem parte outros documentos: o Caderno do
Estudante (2009a) e o Caderno do Professor (RS, 2009b), que foram distribuídos diretamente
às escolas no início do ano letivo de 2010.
Como os referenciais apenas apontam competências, habilidades e temas para o
trabalho com sociologia no ensino médio, acreditava-se que o material se aproximava de um
manual didático e que a divisão deste conhecimento em anos do ensino médio ficasse clara
apenas nestes materiais. Porém, no Caderno do Aluno são encontradas 6 aulas-atividades,
divididas em 18 páginas para os três anos do ensino médio.
É preciso mencionar que o material busca contemplar as três dimensões do ensino de
sociologia em suas proposições, contudo tem sido severamente criticado pelos professores por
trazer “material insuficiente” frente a complexidade e quantidade de conteúdos da disciplina.
São indicadas apenas seis aulas para os três anos do ensino médio, abarcando uma pequena
quantidade dos conteúdos da disciplina. O documento serve apenas como indicador de como
podem ser dinamizadas as aulas de sociologia a partir destes seis exemplos.
O Caderno do Professor (RS/SEDUC, 2009b) apenas traz indicações sobre estas aulas,
seus objetivos, problematizações, sua articulação com as competências e habilidades, enfim,
apresenta e explica o que está proposto no Caderno do Aluno.
Convêm mencionar que o material “Lições do Rio Grande” é acompanhado de um
curso para os professores estaduais, realizado parte na modalidade presencial e parte à
distância. O mesmo objetiva auxiliar o professor a compreender esta nova proposta educativa
para o Rio Grande do Sul, e também apresentar esse material didático que será distribuído aos
estudantes para que o professor tenha condições de efetivar um bom trabalho sobre cada
disciplina. Mas, o referido curso, aconteceu até o presente momento em apenas 10
Coordenadorias Estaduais das 30 existentes.
4
MARZANO et AL. O ensino que funciona: Estratégias baseadas em evidências para melhorar o desempenho
dos alunos. Porto Alegre: Artmed, 2008.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Durante a pesquisa, buscou-se entender o contexto em que a disciplina de sociologia
vem sendo tratada, seja nos documentos legais (obrigatórios ou não), nas referências
acadêmicas e junto dos professores. Constou-se que, apesar da implantação legal, a pesquisa
científica em torno da dimensão didático-pedagógica da disciplina não acompanhou o
processo da obrigatoriedade da mesma. Fica assim demonstrada a demanda existente por
pesquisas que contemplem essa dimensão de ensino, sob pena de não se efetivarem ou mesmo
de se perder a própria vitória da implantação.
Este estudo ao questionar os materiais pedagógicos para a disciplina de sociologia,
embora possa parecer precoce, observou a carência no desenvolvimento de saberes didáticos
próprios da área. Segundo Silva (2005a), há muitos estudos sobre o histórico da disciplina, da
luta sobre sua implantação. Contudo, é necessária a dimensão didático-pedagógica, pois
objetiva-se a formação humana, e até o momento, ela está pouco desenvolvida e incorporada
nos processos de implantação da sociologia. Percebe-se que esta dimensão não está clara para
os professores que estão operacionalizando esta proposta. Até mesmo, porque nesse quesito
há sérias carências: faltam profissionais com formação para específica em sociologia, faltam
recursos para a formação contínua destes, faltam linhas de pesquisa nas universidades que
pensem sobre a questão. De modo geral, até mesmo a própria instituição escolar parece não
ter incorporado o próprio sentido da pedagogia, buscando desenvolver o potencial do
indivíduo em todas as suas dimensões.
Também é preciso considerar que os professores que lecionam sociologia, estão
fazendo algum tipo de pedagogia, de didática. Contudo, se esta prática for desprovida de uma
reflexão pedagógica, ela estará repleta de intencionalidade e ideologia, porém quais
intencionalidades e ideologias estariam norteando esse processo? Nesse sentido, novamente o
discurso da implantação pode vir a perder o sentido radical e inovador que as pessoas que
reinvindicaram e lutaram pela implantação sempre pretenderam ou buscaram e a força da
crítica que poderia exercer.
Inclusive, poderia perder a lógica da interdisciplinaridade, porque é disciplinar. Aqui
importa discutir como os professores podem pensar em incorporar a pedagogia
interdisciplinar na sociologia. De que modo desenvolver a prática educativa em sociologia
sem perder aquilo que é a especificidade do conhecimento sociológico no ensino médio (até
porque antes da obrigatoriedade da disciplina, a sociologia era obrigatória e tratada de modo
interdisciplinar, e viu-se como ficou relegada ao segundo plano pelas outras disciplinas e
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como suas discussões não extrapolaram o senso comum). Enfim, essas são questões que ainda
merecem ser levantadas e estudadas em sua necessária complexidade e na operacionalização
desta disciplina nos contextos escolares.
Entende-se que é preciso considerar a relevância da urgente discussão do que seja o
aspecto didático-pedagógico quando se fala em ensino de sociologia, e do quão precários
estão estudos neste quesito, pois questões e dificuldades não faltam tanto ao pesquisador
quanto ao professor.
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