Crime e loucura A transferência de um paciente em medida de

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Crime e loucura
A transferência de um paciente em medida de segurança para Goiânia (caso de
Carlos Eduardo Sundfel Nunes - Cadu, assassino do cartunista Glauco e do filho dele
Raoni), para ficar sob a supervisão do Programa de Atenção Integral ao Louco Infrator
(Paili), trouxe à tona o paradoxo de duas abordagens terapêuticas absolutamente distintas
para o atendimento à pessoa com transtorno mental em conflito com a lei.
De um lado, o manicômio judiciário, instituição onde homens e mulheres com
transtornos mentais são recolhidos e mantidos enquanto não cessar a sua periculosidade.
Como na maioria dos casos o transtorno é crônico, essas pessoas acabam por
permanecer por anos a fio, quando não por toda a vida, internados nesses espaços que
de terapêuticos pouco ou nada têm. De outro lado, o tratamento focado na reinserção
social do paciente, onde a internação é exceção à regra, sendo a liberdade, aliás,
importante instrumento terapêutico para a obtenção da inclusão do paciente à família e à
sociedade.
Assim funciona o Paili na capital goiana. Entretanto, há no senso comum o
pensamento de que o louco infrator deve "pagar pelo que fez", preferencialmente excluído
do convívio social pelo resto da vida, no manicômio judiciário, que seria o seu lugar. Tal
pensamento parte da ideia de que houve uma condenação a ser cumprida no manicômio.
Ledo, porém, fundamental engano. O louco infrator não é um condenado, como o são
aquelas pessoas que cumprem suas penas nas penitenciárias. Pelo contrário, a sentença
do juiz é de absolvição. Sim, o juiz declara inocente o louco justamente por conta da sua
incapacidade de compreender a ilicitude da própria conduta. Acontece que, quando era
tida como legal e normal a internação em manicômios, a absolvição convertia-se, na
prática, em indefinida ou eterna privação da liberdade. Prisão perpétua para uma pessoa
declarada inocente. Daí o entendimento hoje cristalizado no senso comum de que o louco
infrator deve expiar um castigo e cumprir uma sanção penal.
Essa prática da internação em manicômio, todavia, tornou-se ilegal com a edição
da Lei 10.216/2001, não sem razão conhecida como Lei Antimanicomial, que passou a
proibir a internação em unidade com características asilares, dentre outras disposições
que vieram humanizar a atenção em saúde mental no Brasil. Desde então, pois, a prática
costumeira de prender os loucos em manicômios judiciários não mais tem sustentação
jurídica. A internação deixa de ter a periculosidade como fundamento, podendo ser
utilizada, sim, mas apenas quando houver a indicação clínica dessa medida e quando os
recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes, dando-se prioridade para o
atendimento em serviços comunitários de saúde mental, como diz a lei.
Em seis anos de funcionamento, mais de 300 pacientes judiciários acompanhados
e baixíssimos índices de reincidência, sem nenhum caso de novo homicídio praticado por
paciente, muito embora essa possibilidade esteja sempre presente, o Paili mostra que
vale a pena correr o risco de se apostar na liberdade como um excelente recurso
terapêutico.
Haroldo Caetano da Silva é promotor de Justiça
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