Construção certificada em Passo Fundo: a questão habitacional e o mercado imobiliário local (1) José Américo Dal’Conte Júnior; (2) Caliane C. O. De Almeida (1) Especialista em Arquitetura Comercial pela Unisinos. Mestrando do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Arquitetura e Urbanismo da IMED e membro do Grupo de Pesquisa Teoria e História da Habitação e da Cidade (THAC-IMED), Brasil. E-mail: [email protected] (2) Doutora em Arquitetura e Urbanismo pelo Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (IAU-USP). Coordenadora e Docente do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Arquitetura e Urbanismo da IMED. Bolsa de Produtividade da Fundação Meridional e Coordenadora do Grupo de Pesquisa Teoria e História da Habitação e da Cidade (THAC-IMED), Brasil. E-mail: [email protected] Resumo: O presente artigo visa analisar a questão da incorporação habitacional no contexto da sustentabilidade, por meio de um empreendimento coletivo vertical tido como sustentável, ao receber etiqueta A de eficiência energética nos apartamentos e nas áreas condominiais (ENCE Edificação Multifamiliar e ENCE Áreas de Uso Comum), que se encontra em construção na cidade de Passo Fundo-RS, a fim de destacar que ações estão sendo aplicadas no mercado imobiliário. Para tanto, será abordada a questão da sustentabilidade em seu conceito mais amplo, por meio de revisão bibliográfica, bem como acerca da arquitetura sustentável, além da apreciação de dados concedidos pela construtora do empreendimento em questão e visitas in loco. A importância do artigo recai por sobre a socialização de infomarções e iniciativas sustentáveis no campo da construção civil em Passo Fundo, a fim de sensibilizar o corpo técnico e a população em geral para a importância de ações desta natureza não somente para a população que irá residir no edifício, mas também para a cidade de uma maneira geral. Palavras-chaves: Arquitetura sustentável. Construções certificadas. Habitação multifamiliar. Passo Fundo 1. INTRODUÇÃO De maneira geral, a arquitetura está constantemente consonância com a época em que está inserida e é inspirada e sustentada pelas diferentes especificidades técnicas, tecnológicas, sociais, culturais, econômicas e ambientais. Alteram-se as formas, os materiais, as cores, as demandas, necessidades e expectativas, bem como o perfil social e, consequentemente, o público-alvo. Neste processo de constantes transformações, cabe ao arquiteto e urbanista alinhar os novos projetos e construções as particularidades de cada tempo. Atualmente, vive-se um período de latentes preocupações em relação à cultura de exploração dos recursos naturais, como também com as gerações futuras e sua qualidade de vida e habitabilidade. Tais questões se colocam diante do consumo irracional dos recursos naturais, como também da sobressaliência dos aspectos econômicos em relação aos demais, nas construções, sobretudo, habitacionais. Observa-se então, que o mercado de aluguel e de venda de imóveis são regidos pelos aspectos econômicos; o que afeta toda a população. Neste momento, a sociedade volta-se para a cultura sustentável, buscando promover o desenvolvimento de ações desta natureza em todas as esferas sociais, visando à diminuição do impacto ambiental causado pela atual geração em sua forma de utilização/exploração dos recursos naturais. Na arquitetura não é diferente, apesar do processo no Brasil ainda ser de pequena escala. A preocupação com o meio ambiente e com o bem-estar dos cidadãos, além dos impactos dos empreendimentos no entorno no qual são implantados, conformam uma visão de arquitetura de cunho mais inteligente e sustentável, que pode proporcionar benefícios significativos para o planeta e para os cidadãos. Novas tipologias e modelos de edificações com características mais humanas e sustentáveis estão sendo pensadas e solicitadas por contratantes. Na cidade de Passo Fundo/RS, este empreendimento também vem sendo cada vez mais solicitados, a exemplo do Smart Morom Residence. Nesse sentido, o presente artigo objetiva analisar a questão da incorporação habitacional no contexto da sustentabilidade, por meio de um empreendimento coletivo vertical tido como sustentável que se encontra em construção na cidade de Passo Fundo-RS, a fim de destacar que ações estão sendo aplicadas no mercado imobiliário. Para tanto, será abordada a questão da sustentabilidade em seu conceito mais amplo, por meio de revisão bibliográfica, bem como acerca da arquitetura sustentável, além da apreciação de dados concedidos pela construtora do empreendimento em questão e visitas in loco. A importância do artigo recai por sobre a socialização de informações e iniciativas sustentáveis no campo da construção civil em Passo Fundo, a fim de sensibilizar o corpo técnico e a população em geral para a importância de ações desta natureza não somente para a população que irá residir no edifício, mas também para a cidade de uma maneira geral. 2. SUSTENTABILIDADE E ARQUITETURA SUSTENTÁVEL O termo sustentabilidade passou a ser largamente utilizado após, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento – CNUMAD, chamada de Eco’92 e/ou Rio 92. Conferência essa que buscou sensibilizar e alertar a população mundial sobre a capacidade de desevolvimento de modo sustentável ambiental, social e economicamente. Dessa conferência surgiu a Agenda 21, um documento que contêm um programa de ação com 40 capítulos e constitui uma significativa tentativa de promover, em escala planetária, um novo padrão de desenvolvimento, denominado de sustentável (MMA, 2016). A partir de então, outros eventos e estudos importantes abordaram a questão da sustentabilidade, como o Protocolo de Kyoto, também de 1992, que estabeleceu metas para a redução de gases emissores de CO2 na atmosfera. O referido protocolo culminou com um acordo firmado em 1997, entre 197 países que emitem gases à atmosfera responsáveis pelo aumento devastador do efeito estufa. Recentemente, em 2016, os Estados Unidos e a China, ratificaram o Acordo do Clima, assinado no Acordo de Paris, que substituirá o Protocoloto de Kioto em 2020 (PORTAL G1, 2016). Observa-se assim, que sustentabilidade é uma expressão utilizada com muita frequência nos meios de comunicação, no marketing de empresas diversas, em ações sociais e ambientais, dentre outras. No entanto, ainda é pouco aplicada em sua essência. Para a concepção de uma sociedade sustentável requer-se uma verdadeira mudança de paradigma, pois ser sustentável é uma questão cultural, visto que, a população assume e se apropria do termo sustentabilidade. Entretanto a mesma sociedade não é capaz de mudar seu estilo de vida. Desta maneira, assim como as cidades, que estão organizadas e estruturadas com um modelo que não é viver a sustentabilidade, com isso necessita-se também de uma política educacional voltada para a população como um todo, associada às ações tidas como sustentáveis no seu mais amplo conceito. Por outro lado, projetar é propor soluções às demandas da sociedade. Projetar é buscar responder questionamentos sociais, econômicos e ambientais, dos clientes/usuários. Nesse sentido, o Guia Sustentabilidade na Arquitetura afirma que: Por sustentabilidade se pressupõem três dimensões claramente definidas — ambiental, social e econômica —, as quais devem ser devidamente tratadas nos processos de projeto e na produção de edifícios. A arquitetura sustentável é a busca por soluções que atendam ao programa definido pelo cliente, às suas restrições orçamentárias, ao anseio dos usuários, às condições físicas e sociais locais, às tecnologias disponíveis, à legislação e à antevisão das necessidades durante a vida útil da edificação ou do espaço construído. Essas soluções devem atender a todos esses quesitos de modo racional, menos impactante aos meios social e ambiental, permitindo às futuras gerações que também usufruam de ambientes construídos de forma mais confortável e saudável, com uso responsável de recursos e menores consumos de energia, água e outros insumos (GUIA..., 2012, p.14). Assim, a arquitetura sustentável visa economizar recursos e ampliar e disseminar formas de projetar e construir com menor impacto ambiental e maior ganho econômico e social, sendo viável na execução e economicamente. Sobre uma arquitetura ser sustentável, tradições culturais, habilidades artesanais e tecnológicas devem ser consideradas, assim como o aspecto humano, e não somente o aspecto ambiental. É importante colocar que “a sustentabilidade implica não um estilo universal único, mas uma ordem arquitetônica complexa ao redor do mundo, na qual tem de ser levadas em conta as diferenças culturais e sociais de cada meio” (MONTES, 2005, p. 25). Nesse sentido, ao projetar um empreendimento com enfoque sustentável, amplia-se a responsabilidade da profissional frente ao projeto, bem como a sua execução e posterior ocupação, pois será necessário pensar coletivamente e estabelecer diálogo com outras áreas de atuação. E essa ampliação de importância sobre projetar, acabar por exigir maior dedicação intelectual e tecnologia, assim como maior inovação e criatividade, além de maior sensibilidade dos profissionais da construção civil, pois “[...] pela inovação e pelo exercício de análise antevendo o desempenho real da edificação exigirão um profissional mais bem preparado, conhecedor e coordenador das interfaces disciplinares” (GUIA..., 2016, p.14). Desta maneira, a arquitetura efetivamente de cunho sustentável promove um olhar diferenciado sobre a própria arquitetura, como também promove a quebra de paradigma necessária a esta época. Ao criar oportunidades para novas soluções arquitetônicas, indo além de padrões arquitetônicos normalmente utilizados, como também possibilitando novas soluções para velhos problemas, abordando-os por outro viés, um viés de responsabilidade social e ambiental, melhorar-seá a qualidade de vida e de habitabilidade de toda a população. 3. UM EMPREENDIMENTO HABITACIONAL MULTIFAMILIAR SUSTENTÁVEL EM PASSO FUNDO/RS O projetar sustentável vem ganhando força e aliados no mercado, além de alguns adeptos que geram demanda e novas necessidades, ainda que em baixa escala. Tem-se como exemplo, na cidade de Passo Fundo, o Smart Morom Residence; o primeiro edifício do estado do Rio Grande do Sul, com etiqueta A de eficiência energética nos apartamentos e nas áreas condominiais (ENCE Edificação Multifamiliar e ENCE Áreas de Uso Comum). Localizado no centro da cidade de Passo Fundo/RS, o Smart Morom Residence é um empreendimento residencial coletivo vertical de tipologia mista, com unidades com um dormitório e Studios para solteiros, projetado para ser um edifício contemporâneo voltado a pessoas com os hábitos urbanos de grandes centros. O edifício foi planejado em 2015, com diversas estratégias para a redução do consumo de água e de energia elétrica. Nesse sentido, os apartamentos foram concebidos para aproveitar ao máximo a ventilação e iluminação natural. Os chuveiros elétricos foram substituídos por aquecedores de passagem a gás. As torneiras e bacias sanitárias também possuem um menor consumo de água. (LÂNGARO, 2015) Nas áreas de uso comum, por sua vez, foram instaladas lâmpadas condominiais de Led, sensores de presença nos corredores e garagens, fotocélula ou timmer nas lâmpadas externas, torneiras de banheiros e cozinhas com aerador e bacias dualflux de três e seis litros, sanitárias com menor consumo de água, bombas de recalque de água nível A, sistema de coleta da água da chuva e sua armazenagem em cisternas (e o seu reaproveitamento para lavagem de pisos e calçadas e para manutenção de jardins), além de equipamentos do salão de festas (geladeira, fogão) e elevadores com eficiência energética de nível A. O edifício também conta com cores com tonalidades claras que protegem a edificação da forte insolação do verão nas faces oeste dos blocos, aumentando o conforto térmico dentro dos apartamentos. (LÂNGARO, 2015) Legenda: Fachada diurna do Smart Morom Residence Fonte: Lângaro Arquitetura O arquiteto responsável pelo projeto, Fernando Lângaro, afirma que por se tratar de uma novidade no ramo imobiliário da construção civil de Passo Fundo/RS, os consumidores ainda não utilizam a etiquetagem de edificações como determinante na escolha de compra do imóvel. Porém, em um futuro próximo, o parâmetro de escolha na compra de imóveis tende a mudar. As pessoas passarão a pensar no custo de operação da edificação e irão optar por imóveis com maior eficiência energética e que tenham comprovação desta eficiência, bem como com menor impacto ambiental. O ENCE – Etiqueta Nacional de Conservação de Energia – é o processo de etiquetagem de edificações no Brasil, dentro do Programa Nacional de Etiquetagem de Edificações, que surgiu da cooperação mútua entre a Eletrobrás, a Procel e o Inmetro, e tem como objetivo classificar o nível de eficiência energética. Essa etiqueta está sendo implantada de forma voluntária, por enquanto, em empreendimentos habitacionais multifamiliares. Em empreendimentos públicos já é obrigatória a certificação de eficiência energética A. (LAMBERTS; DUTRA; PEREIRA, 2012) De acordo com a Procel (2016), a metodologia para a classificação do nível de eficiência energética dos primeiros edifícios foi publicada em 2009 e revisada em 2010, ano em que também foi publicada a metodologia para classificação dos edifícios residenciais. Conforme expõe a Procel, a etiqueta é concedida em duas situações: na fase de projeto e após a construção do edifício. Podendo um projeto ser avaliado pelo método prescritivo ou pelo método da simulação, enquanto o edifício construído deve ser avaliado por meio de inspeção in loco. Em edifícios residenciais são avaliados a envoltória e o sistema de aquecimento de água, como também os sistemas que existem nas áreas comuns dos edifícios familiares – iluminação, elevadores, etc. O empreendimento Smart Morom Residence recebeu a etiqueta na fase de projeto, com o método prescritivo, com ENCE Edificação Multifamiliar e ENCE Áreas de Uso Comum, com etiqueta A de eficiência energética, sendo o mais eficiente na economia energética se comparado aos outros empreendimentos de habitação multifamiliar. Como já colocado anteriormente, o empreendimento é o único até o momento no estado do Rio Grande do Sul; o que irá ser refletido para os usuários em contas de água e de energia mais baratas, além da opção de viver em uma habitação multifamiliar com cunho sustentável, com menor impacto social e ambiental. Lamberts, Dutra e Pereira (2012) afirmam que um projeto arquitetônico, assim como aconteceu com empreendimento Smart Morom Residence, vale salientar, deveria incluir analises sobre seu desempenho energético, durante o processo de criação e projeto. A cada definição do arquiteto, novas análises de desempenho energético deveriam suceder, de modo que as decisões de projeto fluam de acordo com o desempenho térmico, visual e energético da edificação. Deste modo, “ arquiteto deve considerar a adequação do seu projeto ao clima local utilizando diversas estratégias de uso de luz natural, resfriamento e aquecimento passivo dos ambientes” (LAMBERTS; DUTRA; PEREIRA, 2012, p. 8). 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste momento em que a sociedade se volta para a necessidade de uma cultura sustentável, buscando promover o desenvolvimento de ações sustentáveis, a arquitetura de cunho sustentável promove um olhar diferenciado sobre a atuação do arquiteto e urbanista, e promove oportunidades para novas soluções arquitetônicas, indo além de padrões utilizados, conforme foi exposto na apresentação do empreendimento habitacional Smart Morom Residence que, com um projeto diferenciado, alcançou o selo de eficiência energética A; se tornando um expoente na cidade de Passo Fundo. A arquitetura passa, cada vez mais, a levar em consideração o meio ambiente, o bem-estar dos cidadãos na elaboração e no desenvolvimento de projetos, que podem proporcionar benefícios significativos para o planeta e para os cidadãos. Porém, faz-se necessário ressaltar que, embora a questão do desenvolvimento sustentável não seja um paradigma recente, e haja um consenso em todas as áreas da sociedade que se deve ser e ter uma atitude sustentável, a sustentabilidade não é vista ainda como uma premissa básica e essencial para o desenvolvimento de um projeto arquitetônico e/ou para a venda de unidades habitacionais, como foi visto neste artigo, por exemplo. E isso envolve uma mudança de pensamento e de atitude coletiva, em que o usuário e cliente passem a necessitar e, o mais importante, a almejar investir em um empreendimento de cunho sustentável, com etiquetagens e certificações diversas, gerando uma nova e diferenciada demanda no mercado e a consequente democratização deste tipo de empreendimento, ainda voltado essencialmente às camadas sociais de alta renda. REFERÊNCIAS GUIA Sutentabilidade na arquitetura: diretrizes de escopo para projetistas e contratantes. Org. Grupo de Trabalho de Sustentabilidade AsBEA. São Paulo: Prata Design, 2012. Disponível em: <http://www.sinduscondf.org.br/portal/arquivos/GuiaSustentabilidadenaArquiteturaAsBEA.pdf>. Acesso em: 10 out. 2016. LAMBERTS, Roberto. DUTRA, Luciano. PEREIRA, Fernando O.R. Eficiência energética na Arquitetura. 3. ed. 2012. Disponível em: < http://www.mme.gov.br/documents/10584/1985241/Livro%20%20Efici%C3%AAncia%20Energ%C3%A9tica%20na%20Arquitetura.pdf>. Acesso em: 11 out. 2016. LÂNGARO ARQUITETURA. Informações sobre Smart Morom Residence. [Mensagem pessoal]. Mensagem recebida por [email protected] 03 out. 2016. LANTAR. Disponível em: <http://www.lantar.com.br/empreendimento/2>. Acesso em 11 out. 2016. MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Agenda 21 Global. Disponível em: http://www.mma.gov.br/responsabilidade-socioambiental/agenda-21/agenda-21-global. Acesso em: 10 out. 2016. MONTES, Maria Andrea Triana. Diretrizes para incorporar coneitos de sustentabilidade no planejamento e projeto de arquitetura residencial multifamiliar e comercial em Florianópolis. 2005. 188f. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo). Programa de Pós-Graduação em Arquietetura e Urbanismo, Universidade Federal de Santa Catarina, 2005. Disponível em: < https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/102250>. Acesso em: 11 out. 2016. PORTAL G1. Estados Unidos e China ratificam acordo do clima assinado em Paris. Disponível em: < http://g1.globo.com/natureza/noticia/2016/09/estados-unidos-ratificam-acordo-do-clima-assinadoem-paris.html>. Acesso em: 11 out. 2016.