O bilhete suicida de Joffe a Trotsky e a paixão política

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‘Estados
Operários
Burocraticamente Deformados’?
Por: Aldo Cordeiro Sauda
Assinado entre Joachim Von Ribbentrop e Vyacheslav Molotov,
segundo seu titulo, ele era somente um “acordo comercial de
crédito”. Mesmo assim, em agosto de 1939, o mundo entrou em
estado de alerta. O totalitarismo alemão assinava um pacto com
o Estado (caracterizado então por Christian Rakovsky por
seus resquícios operários e comunistas) dirigido por Joseph
Stalin. Enquanto vastos setores da esquerda eram pegos de
surpresa, a tranquilidade reinava em Coyoacán.
Leon Trotsky, então em seu exílio mexicano e metido em mais
uma das intermináveis disputas internas que marcavam o
surgimento da Quarta Internacional, afirmava profeticamente em
seu primeiro artigo publicado após o tratado, “Em 1933
declarei continuamente na imprensa mundial que o objetivo
fundamental da política externa de Stalin é um acordo com
Hitler”. (TROTSKY, 1973; p 76)
Mesmo assim, ele não deixou de manifestar certo espanto na sua
dura condenação à invasão da Polônia, cometida por Moscou em
comum ação com os nazistas. Sua elaboração sobre a ocupação
soviética é o primeiro estudo cientifico de um desafio
metodológico para o marxismo de então. Precisava-se explicar a
expropriação de uma burguesia nacional – “a expropriação dos
expropriadores” – não pelas organizações da classe
trabalhadora, mas por um exercito sob o controle de um partido
burocrático contrarrevolucionário.
Pacto Molotov-Ribentrof
Assinado dia 19 de agosto de 1939 pelos ministros das relações
exteriores soviético e alemão, Trotsky escreve sobre tais
acontecimentos apenas no dia 2 de setembro. Mostrava pouca
pressa para abordar o tema. Inicialmente intitulado “Trotsky
Escreve sobre a Guerra e o pacto nazi-soviético” o texto foi
rebatizado nas obras completas do dirigente exilado para
“Stalin – o contramestre de Hitler”. Escrito para o jornal
“Socialist Appeal”, periódico do Socialist Workers Party
(SWP), o partido trotskista norte-americano, seu foco era
dimensionar o processo nos marcos da revolução mundial.
Sem revolução a derrubada de Hitler é inconcebível. Um
revolução vitoriosa na Alemanha elevaria o nível da
consciência de classe de amplas massas na União Soviética a
um nível muito alto, tornando impossível a futura
continuidade da tirania de Moscou. O Kremlin prefere o status
quo, em aliança com Hitler (TROTSKY, 1973; p 77)
Olhando inicialmente ao acordo, Trotsky vê em Stalin um ator
coadjuvante na invasão nazista da Polónia. O texto não
transmite que aquele descrito como chapeleiro de Hitler irá,
também, partir à conquista.
O pacto alemão-soviético não é nem absurdo, nem estéril – é
uma aliança militar com divisão de tarefa: Hitler conduz as
operações militares, Stalin age como seu contramestre. E
ainda assim há pessoas que afirmam seriamente que o atual
objetivo do Kremlin é a revolução mundial! (TROTSKY, 1973; p
78)
Já o segundo texto público sobre o tema foi escrito dia 4 de
Setembro de 1939. Sob o título de “A aliança Alemã-Soviética”,
ele foi publicado novamente no jornal norte-americano
Socialist Appeal. Apresentava um Trotsky confiante na força de
sua analise. Dizia ele
Tenho sido perguntado por muitos cantos porque não me
expressei mais cedo sobre o pacto alemão-soviético e suas
devidas consequências. Por conta de uma ocasião pessoal
(doença e uma viagem da Cidade do México a um vilarejo) fui
impedido de escrever. Imaginei, porem, que os eventos eram
tão óbvios em si mesmo que se quer precisavam de comentário.
Mais a realidade provou-se outra: em diferentes países ainda
há pessoas – de fato, em números cada vez menores – que tem a
coragem de descrever a traição do Kremlin como uma virtude
política. (TROTSKY, 1973; p 81)
Após reforçar que desde 1933 vinha defendendo a possibilidade
deste acordo, e cujo prognostico estava presente no inquérito
da comissão Dewy, o ex-dirigente do exercito vermelho dedicou
uma parte do texto para desconstruir a propaganda soviética
que se espalhava pela esquerda mundial.
Alguns dos apoiadores menos inteligentes do Kremlin se
recordaram, de repente (aparentemente eles não sabiam disto
antes) que a Polónia é um “estado semi-fascista”.
Aparentemente, sob a influencia benigna de Stalin, Hitler
iniciou uma guerra contra o “semi-fascismo”. (TROTSKY, 1973;
p 81)
A União Soviética não agia por nenhuma benevolência junto à
Polônia, muito pelo contrario. Intervia, segundo Trotsky, com
uma política externa inconsequente de uma burocracia
contrarrevolucionária que apenas pensava nos seus interesses
imediatos.
Stalin sabe muito bem o que está fazendo. Para atacar a
Polônia e conduzir uma guerra contra a Inglaterra e a França,
Hitler precisa da amigável “neutralidade” da URSS, além das
matérias-primas soviéticas. O pacto político e comercial
garantem ambos para Hitler. (…)
O Kremlin abasteceu com petróleo a invasão italiana da
Etiópia. Na Espanha o Kremlin cobrou o dobro do preço pelas
péssimas armas que vendeu. Agora o Kremlin quer tirar uma boa
quantidade de dinheiro vendendo matérias-primas a Hitler. Os
lacaios do Comintern até neste caso não tem vergonha de
defender as ações do Kremlin. Todo trabalhador honesto
precisa virar suas costas a esta política!
(….) Disse isto muitas vezes ao longo deste ano e repetirei
novamente. O pacto alemão-soviético é uma capitulação de
Stalin diante do fascismo imperialista com o objetivo de
preservar a oligarquia soviética. (TROTSKY, 1973; p 81 – 82)
Entre a assinatura do “Pacto econômico de crédito”, em 19 de
agosto, e a invasão soviética da Polônia, iniciada dia 17 de
setembro, Trotsky escreveu, além dos dois textos acima, o
artigo “Quem é responsável por iniciar a Segunda Guerra
Mundial”, “Moscou se mobilizando” e “Laços de proximidade
entre Hitler e Stalin estão visíveis”. Em nenhum destes textos
o líder da revolução de Outubro deixa a entender que previa
uma invasão russa da Polônia.
Em seu texto escrito as vésperas do ataque da URSS, “Laços de
proximidade entre Hitler e Stalin estão mais visíveis”, quando
já ficava claro que os estalinistas teriam um papel mais ativo
na dissolução da Polónia que o de um “guarda-mestre”, Trotsky
seguiu descartando uma possível ocupação soviética. Segundo
ele, a escalada retórica em denuncias ao governo de Varsóvia
nas paginas do Pravda tinha “dois objetivos simultâneos: 1)
justificar o ataque de Hitler à Polônia; e 2) preparar
cooperação mais ativa do Kremlin em apoio a Hitler”. Em
momento algum Trotsky especula uma invasão propriamente
preparada pela burocracia. (TROTSKY, 1973;
p 89)
Sua reação à conquista soviética da Polônia, portanto, carrega
uma linguagem mais pesada na denuncia que os textos
anteriores. Intitulada “Stalin – Proprietário temporário da
Ucrânia” ela foi redigida no dia seguinte à invasão. A
presença da questão ucraniana, e não polonesa, na capa do
texto, se dá por motivações políticas e geográficas. Segundo
Trotsky,
Agora o Kremlin encobre sua intervenção na Polônia com a
grande preocupação na “libertação” e “unificação” dos povos
russos e ucranianos. (TROTSKY, 1973; p 91)
Os soviéticos faziam isto porque a Polônia ocupava, de forma
brutal, uma região da Ucrânia, cuja outra parte se encontrava
na URSS. Porem, a mera unificação ucraniana pela via da
ocupação militar, mesmo que executada por um regime de origem
operária era algo objetivamente regressivo. Trotsky não deixa
duvidas de sua total oposição à invasão da União Soviética
sobre a Polônia capitalista.
As aspirações de diversos setores da nação ucraniana por sua
libertação e independência são completamente legitimas e tem
grande importância. Mas estas aspirações são também dirigidas
contra o Kremlin. Se a invasão for vitoriosa, o povo
ucraniano não se encontrará “unificado” em sua libertação
nacional, mas no escravismo burocrático. Além do mais, não é
possível achar uma única pessoa honesta que defenderá a
“emancipação” de oito milhões de ucranianos e russos [que lá
habitam], ao preço da escravidão de vinte três milhões de
poloneses (TROTSKY, 1973; p 91)
Mais para frente, Trotsky aprofunda sua reflexão sobre o tema
da “escravidão”, agora expressa na forma de “opressão e
parasitismo burocrático”.
(…) não é uma questão de emancipar um povo oprimido, mas de
expansão territorial para uma área em que a opressão
burocrática e o parasitismo será praticado. (TROTSKY, 1973; p
91)
É importante ressaltar a preocupação central de Trotsky para
denunciar o político, isto é, a “opressão burocrática”, a ser
exercida na arena superestrutural. Não lhe importa, em nenhum
dos textos, discutir sobre a economia e o modo de produção
vigente. Não importava, portanto, se a economia da Polónia
seria nacionalizada e planificada, ou tivesse seu comercio
exterior monopolizado ou não pelo Estado.
Burocratização do mundo
Em uma carta escrita cinco dias antes da invasão russa da
Polónia, Trotsky contatou James Cannon, então dirigente do
SWP, contando-lhe do novo texto que escrevia, intitulado “A
União Soviética na guerra”, que seria publicado no Socialist
Review dia 25 de setembro de 1939. Mais tarde ele viria a
integrar, prefaciado pela carta a Cannon, o primeiro texto da
polemica do “Em defesa do Marxismo”.
Texto voltado para uma disputa na sessão norte-americana da
Quarta Internacional, o centro teórico do “A União Soviética
na guerra” era polemizar com o conceito de “coletivismo
burocrático” elaborado por Bruno Rizzi. A ideia central de
Rizzi, expressa em seu livro “La Bureaucratisation du monde”,
era sobre “uma nova formação social, que está substituindo o
capitalismo em todo o mundo (stalinismo, fascismo, New
Deal etc.)” e que jogava para fora da luta de classes o centro
da dinâmica política mundial. (TROTSKY, 2009) No período
imediatamente anterior à Segunda Guerra tal ideia se fazia
amplamente difundido entre diversos autores marxistas da
época, incluindo Friedrich Pollock, fundador da Escola de
Frankfurt a quem Theodor Adorno e Max Horkheimer dedicam seu
livro “A Dialética do Esclarecimento”.
1987)
(ADORNO & HORKHEIMER,
Em uma parte destacada deste texto, porem, Trotsky retorna à
temática presente em seus últimos artigos. Com o sub-titulo “A
questão dos territórios ocupados” o revolucionário bolchevique
elevava para abstrações teóricas as consequências da invasão
militar de um país capitalista pela União Soviética, que
segundo Trotsky ainda era um estado operário.
(…) provável que nos territórios [poloneses] que foram
planejados para fazer parte da URSS, o governo de Moscou atue
expropriando os grandes proprietários e estatizando os meios
de produção. Esta variante é a mais provável, não porque a
burocracia continue sendo fiel ao programa socialista, mas
porque não deseja e nem é capaz de tomar o poder e os
privilégios que comparte com a velha classe dirigente nos
territórios ocupados. Aqui, é forçosa uma analogia literal. O
primeiro Bonaparte deteve a revolução através de uma ditadura
militar. No entanto, quando as tropas francesas invadiram a
Polônia, Napoleão assinou um decreto: “A servidão está
abolida”.
Tal
medida
foi
adotada,
não
porque Napoleão simpatizasse com os camponeses, e nem por
princípios democráticos, mas pelo fato da ditadura
bonapartista se basear em relações de propriedade burguesa e
não feudais. À medida em que a ditadura bonapartista
de Stalin se baseia na propriedade estatal e não na privada,
a invasão da Polônia pelo exército vermelho levará, por si
só, à abolição da propriedade privada capitalista, da mesma
forma que fará com que o regime dos territórios ocupados
estejam de acordo com o regime da URSS. (TROTSKY, 2009)
Trotsky em momento algum questiona até que ponto irá a
expropriação na Polônia; ela mimetizará, segundo ele, a
formula de planejamento estatal da União Soviética. Mesmo
assim, com a estatização dos setores mais dinâmicos da
economia, com o monopólio do comercio exterior, e com a
planificação da economia, a ocupação da Polônia pela União
Soviética é regressivo no seu sentido mais totalizante. Afirma
Trotsky
Esta medida, de caráter revolucionário – “a expropriação dos
expropriadores” – neste caso é levada a cabo de forma
burocrático-militar. O chamado à ação independe das massas
nos novos territórios – e sem tal chamado, inclusive
formulado com extrema prudência é impossível constituir um
novo regime – seria indubitavelmente esmagado no dia
seguinte, por despiedosas medidas policialescas, visando
assegurar a predominância da burocracia sobre as massas
revolucionárias vigilantes. Este é um lado da questão. Mas
existe o outro. Visando a possibilidade de ocupar a Polônia
através de uma aliança militar com Hitler, durante muito
tempo o Kremlin cansou e continua cansando as massas da URSS
e no mundo inteiro, e com isso, desorganizou completamente as
fileiras de sua própria Internacional Comunista. O critério
político prioritário, não é, para nós, a transformação das
relações de propriedade nesta ou naquela área, por mais
importantes que sejam, mas a mudança na consciência e
organização do proletariado mundial, a elevação de sua
capacidade de defender as conquistas obtidas e conquistar
outras novas. A partir deste único e decisivo ponto de vista,
a política de Moscou, tomada em seu conjunto, conserva
completamente o seu caráter reacionário, e é o principal
obstáculo no caminho da revolução mundial. (TROTSKY, 2009)
É importante destacar que Trotsky em momento algum negou que a
medida anti-capitalista da expropriação da burguesia não era
progressiva. Porem, para Trotsky, o sentido político, e não
econômico, era o que reinava em ultima instancia. Afirma o
dirigente comunista
No
entanto,
nossa
análise
geral
sobre
o
Kremlin
e
o Comintern, não modifica o fato particular de que a
estatização da propriedade, nos territórios ocupados, é em si
mesmo uma medida progressiva. Reconhecemos isso abertamente.
Se amanhã Hitler lançar seus exércitos contra o Leste, para
restaurar a “lei e a ordem” na Polônia Oriental, os operários
avançados defenderão, contra Hitler, estas novas formas de
propriedade estabelecidas pela burocracia bonapartista
soviética. (TROTSKY, 2009)
Trotskismos
Ao analisar as posições de Trotsky frente à eliminação da
burguesia polonesa pelo estalinismo, Isacc Deutscher, o mais
condecorado dos biógrafos do revolucionário bolchevique,
ligou-o diretamente a outra experiência histórica.
Em seu
posfácio do livro “O Profeta Banido”, o ultimo da trilogia
sobre o dirigente marxista, Deutscher lembrou a oposição de
Trotsky, quando comandava o Exercito Vermelho, em invadir
nações capitalistas. Afirma Deutscher
Por convicção teórica e instinto político, Trotsky apenas
sentia desgosto da revolução pela via da conquista. Ele tinha
se oposto às invasões da Polónia e da George em 1920-1,
quando Lenin defendia a realização daquelas ações. Como
Comissário da Guerra, ele categoricamente repudiou
Tukhachevsky, um primeiro expoente do método neo-napolionico
de levar revoluções a países estrangeiros. Vinte anos antes
da segunda guerra ele tinha castigado os missionários armados
do bolchevismo dizendo que preferia que “pendurem um tijolo
no meu pescoço e me arremessem ao mar” a aplicar seus métodos
de guerra. Sua atitude em 1940 foi a mesma de 1920. Ele via a
revolução pela conquista como maior condutor do erro a
afastamento da estrada revolucionária. (DEUTSCHER, 1963; p
420 – 421)
No posfácio de Deutscher, “vitória na derrota”, escrito em
1963, ele discordaria da proposta política de Trotsky,
afirmando, porem, que em ultima instancia ele havia se saído
vitorioso. Para o historiador, a União Soviética, por conta de
sua natureza estrutural de estado operário, poderia cumprir um
papel objetivamente progressivo ao expropriar a burguesia
polonesa. Isto se dava porque a URSS era, apesar da
experiência estalinista, também objetivamente progressiva.
Segundo Deuscher
Esta claro que mesmo sob o estalinismo a sociedade soviética
atingiu imenso progresso em muitas áreas, e esse progresso,
atrelado à economia planificada e nacionalizada, atuou
interrompendo e erodindo o stalinismo por de dentro. (…)
Esta claro que a sociedade soviética tem conseguido, de forma
relativamente vitoriosa, se livrar de debilidades pesadas,
desenvolvendo ganhos herdados da era stalinista. Há muito
menos pobreza na União Soviética, muito menos desigualdade e
muito menos opressão no inicio dos anos 60 que nos anos 30 ou
nos anos 50. (DEUTSCHER, 1963; p 418, 414)
A consequência deste processo sobre a questão da ocupação da
Polônia e subsequente expropriação da burguesia nacional por
Stalin era obvia. A sociedade soviética, ao evoluir
naturalmente, transformaria até a natureza da política externa
da URSS, mesmo que executada de forma burocrática, em algo
objetivamente progressivo.
Entre trotskismo e o stalinismo, quando o internacionalismo
revolucionário se chocou com o isolacionismo bolchevique, não
foi o stalinismo que se saiu bem: o isolacionismo bolchevique
morreu há muito tempo. Por outro lado, a capacidade de
continuar da União Soviética, mesmo isolada, era muito maior
que a imaginada por Trotsky; e, ao contrario de suas
expectativas, não foi o proletariado do ocidente que os tirou
do isolamento. Pela ironia da história, o próprio estalinismo
malgré lui-même [contra a sua vontade] rompeu seu casco
nacional. (DEUTSCHER, 1963; p 418)
A invasão da Polônia, portanto, não era algo necessariamente
regressivo como imaginava Trotsky. Ela poderia ser
interpretada, afinal, como o romper de um “casco nacional”.
Por conta das forças objetivas – essencialmente o
desenvolvimento propiciado pela economia planificada – o
estalinismo precisou expandir o socialismo. O neo-napolionismo
que Trotsky combateu tanto nos anos 20 era na verdade o
retorno do internacionalismo bolchevique nos anos 40.
Mas Deustcher, como admirador de Leon Trotsky, acreditava que
se o revolucionário de Outubro retornasse aos dias de seu
texto, nos anos 60, faria uma autocrítica e possivelmente
defenderia a invasão russa da Polônia. Por Trotsky ser um
homem de ação, Deustcher afirma
A lógica de sua atitude o levaria a aceitar a realidade da
revolução no leste europeu, e a despeito de seu desgosto
pelos métodos estalinistas, reconheceria as “Democracias
Populares” como “estados operários”. (DEUTSCHER, 1963; p 421)
Para o historiador, a invasão da URSS a Polónia, se não em
1939/40, certamente em 1942, era na verdade o estalinismo
aplicando a política do trotskismo, em outras palavras, a
“vitória na derrota”. O estalinismo, portanto, foi um
intervalo ideológico bárbaro na história mais global da União
Soviética, que por pressões “objetivas” retornaria
automaticamente ao bolchevismo clássico, superando um período
de exceção totalitária. O futuro, portanto, pertencia a Leon
Trotsky, e não à burocracia. Os motivos para isto eram claros,
a estrutura da economia planificada gerava contradições
objetivamente progressivas.
Pela
modernização
forçada
da
estrutura
societal,
o
estalinismo trabalhou em direção à sua desconstrução e
preparou o terreno para o retorno do marxismo clássico.
(DEUTSCHER, 1963; p 423)
Tal realidade objetiva, portanto, permitirá o retorno do
trotskismo ao Kremlin, que segundo Deutscher expressava o fio
de continuidade com as ideias de Marx e Engles
Quando ele voltar, será mais que um ato atrasado de justiça à
memória de um grande homem. Por este ato o estado operário
anunciará que finalmente atingiu a maturidade, rompeu com as
correntes da burocracia, e reencontrou-se com o marxismo
clássico que havia sido banido junto a Trotsky. (DEUTSCHER,
1963; p 423)
O mundo pós-restauração
Trotsky, desde 1933, acreditava que a União Soviética iria
fazer algum tipo de acordo com Hitler. Não previa, porem, que
a União Soviética partiria para ocupar e anexar estados
capitalistas, forçando-os a adotar seu modelo de planificação
burocrática. Quando isto ocorreu, foi pego de surpresa. A
burocracia, segundo ele, era anti-internacionalista por
própria natureza. Mesmo que viesse a expropriar uma burguesia
especifica de outra nação, a faria contra os interesses
objetivos e subjetivos dos trabalhadores.
A invasão da Polônia fortalecia politicamente e socialmente o
regime burocrático russo, e por tanto, não era possível reagir
a ela com otimismo. Nesta linha, os textos jornalísticos de
Trotsky para o Socialist Appeal expressam sua preocupação em
se diferenciar da esquerda que reivindica o acordo entre
Hitler e Stalin, e depois, com mais força, a ocupação da
Polónia. Ao contrário dos otimistas, que viam um “regime semifascista” ser substituído por um que se reivindicava
“socialista”, Trotsky não via razão alguma para celebrar o
avanço das relações de produção presentes na URSS para outros
países, essencialmente porque ela era feita pelas mãos da
burocracia.
Foi no pessimismo de Trotsky, e não no otimismo de Deutscher,
que a história se pronunciou. Ao contrario daquilo que
Deutscher imaginava, a Polônia em momento algum evoluiu em
direção ao “estado operário” com que o historiador sonhava ver
Trotsky reconhecer. Os “estados sem burguesia” do leste não
foram em direção a qualquer coisa remotamente similar ao
socialismo da revolução de Outubro, mas, após um hiato
historicamente curto e especifico, retornaram plenamente ao
capitalismo. Isto significou, essencialmente, que o
desaparecimento da burguesia nestes estados foi temporário, um
epifenômeno. A velha-nova burguesia que surge após 1989
localiza-se em diferentes famílias e culturas coletivas que a
burguesia que governava até 1939, mas, e este é o ponto
central, ela retornou como classe dominante à Polônia. A
ausência de burguesia no Estado polonês, portanto, foi apenas
um fenômeno histórico passageiro corretamente denunciado por
Trotsky.
Passada a ocupação militar soviética, que se encerrou em 1989,
a Polônia tornou-se um dos países mais reacionários da Europa,
sob total domínio de sua nova-velha burguesia. Entre os
destaques internacionais mais aviltantes vindos de Varsóvia
está a recusa abertamente racista do governo de extremadireita polonês, contando tragicamente com respaldo popular,
em receber refugiados sírios que se encontram nas fronteiras
da Europa. Eis o destino da sociedade que um dia foi celebrada
como pátria socialista por Deutscher.
Mantendo-nos fiel a Leon Trotsky, vale destacar que a
restauração burguesa na Polônia prova sua tese central sobre a
revolução permanente. Afirmava o revolucionário bolchevique:
É, entretanto, impossível negar categórica e antecipadamente
a possibilidade teórica de que, sob a influência de uma
combinação de circunstâncias excepcionais (guerra, derrota,
quebra financeira, ofensiva revolucionária das massas etc.),
os partidos pequeno-burgueses, incluídos aí os stalinistas,
possam ir mais longe do que queriam no caminho da ruptura com
a burguesia. Em todo caso, uma coisa está fora de dúvida: se
mesmo esta variante pouco provável se realizasse um dia em
algum lugar, e um “Governo operário e camponês”, no sentido
acima indicado, se estabelecesse de fato, ele somente
representaria um curto episódio em direção à ditadura do
proletariado. (TROTSKY, 1937)
A restauração burguesa na Polônia aparenta ter vingado a
Trotsky. Sua “variante pouco provável”, na prática, nunca se
concretizou. Isto porque o suposto “Governo operário e
camponês” da Polônia (1939-1989) não representou “um curto
episódio em direção à ditadura do proletariado”, mas um curto
período em relação a si mesmo. Ao não transitar, na época em
que sua burguesia foi temporalmente expropriada, rumo à
democracia operária e ao socialismo, a expropriação de 1939 se
provou um episódio historicamente secundário e limitado. 1939
não foi, como claramente expunha Trotsky, o inicio da
revolução socialista na Polônia, assim como 1989 no foi,
igualmente, o seu fim.
O mesmo método de analise de Trotsky pode ser aplicado, posta
a restauração burguesa em todo globo, para atualizar a
compreensão das heroicas revoluções anti-capitalistas, que em
países como Cuba ou China, levaram ao poder, de forma
igualmente temporária e epifenomenal, regimes nãocapitalistas. Porem, como assinala o ex-chefe do Exercito
Vermelho, elas nunca deram surgimento a um “governo operário e
camponês” que transitaria para a ditadura do proletariado,
tendo rapidamente sua burguesia retornado a cena. “A mudança
na consciência e organização do proletariado mundial, a
elevação de sua capacidade de defender as conquistas obtidas e
conquistar outras novas” era, ao menos no debate sobre a
Polônia, o centro do pensamento de Trotsky. A questão do “neonapolionismo” impedia o surgimento de qualquer coisa que se
aproximava de uma democracia operária, condição que o
dirigente revolucionário colocava como indispensável para o
socialismo polonês. A revolução por cima, mesmo que vista por
Issac Deutscher como um retorno torto ao internacionalismo
bolchevique, era uma utopia reacionária.
Parece claro o que substanciava Trotsky. O revolucionário,
assim como Rosa Luxemburgo, jamais expressou entusiasmo pela
expansão do socialismo sem a ação direta das massas, nem mesmo
quando chefe do Exercito Vermelho. Talvez por isto que
anunciava a evolução da consciência como “o critério político
prioritário” na analise da questão polonesa, e não “a
transformação das relações de propriedade nesta ou naquela
área, por mais importantes que sejam”.
Bibliografia:
ADORNO, THEODOR; HORKHEIMER, MAX. Dialectic of Enlightenment.
1987, Stanford University Press, Stanford
TROTSKY, LEON; Em Defesa do Marxismo. Proposta Editorial. Rio
de
Janeiro
–
https://www.marxists.org/portugues/trotsky/ano/defesa/index.htm (inclusão: 2009)
TROTSKY,
LEON;
Programa
de
Transição.
1937
–
https://www.marxists.org/portugues/trotsky/1938/programa/cap02.htm
TROTSKY, LEON; Writings of Leon Trotsky, 1939-1940, Pathfinder
Press, New York, 1973
DEUTSCHER, ISAAC; The prophet outcast, Verso books, London,
1963
*Os textos não necessariamente correspondem à posição do blog,
mas sim, do autor
Foto: O Ministro do Exterior da Alemanha, Joachim Von
Ribbentrop (de braços cruzados), o líder soviético, Josef
Stalin (de branco), e o Ministro do Exterior da URSS,
Vyacheslav Molotov (extrema direita), após a ratificação do
Tratado Molotov-Ribbentrop em 23 de agosto de 1939.
Fotografia: autor desconhecido.
O bilhete suicida de Joffe a
Trotsky e a paixão política
que não se pode deixar
Tariq Ali & Adolf Joffe | Trad. Betto della Santa |
Foto: Leon Trotsky e Adolf Joffe conversam em um automóvel
seccional do Comitê Central bolchevique russo.
[O Blog CONVERGÊNCIA edita a seguir uma crônica de Tariq Ali
sobre o bilhete suicida de Joffe, dirigente bolchevique,
diplomata soviético e membro da Oposição de Esquerda, que foi
endereçado a Trotsky, ainda e quando tenha sido interceptado e
seqüestrado pela cúpula da burocracia moscovita. Seu tema fala
de um passado não ultra-passado, e de uma memória que não se
deve perder. Logo abaixo o bilhete de Joffe, traduzido e
publicado pela secção brasileira da Oposição de Esquerda, no
jornal Luta de Classe, em 1930. Desejamos uma boa leitura a
todos.]
“Primeiro é preciso transformar a vida para cantá-la em
seguida / […] Para o júbilo o planeta está imaturo / É
preciso arrancar alegria ao futuro / Nesta vida morrer não é
difícil / Difícil é viver e seu ofício.” (Por Vladimir
Maiakóvski | Trad. Haroldo de Campos)
Há pouco tempo atrás Lucio Magri, um dos mais respeitados
intelectuais de esquerda em toda a Itália, voou para a Suíça,
entrou em uma clínica e bebeu de sua cicuta fatal. No seu caso
isso significou engolir uma pílula mortal. Por mais de alguns
dias a Itália esteve em choque. De repente, Magri estava
por toda parte. O parlamento italiano observou um minuto de
silêncio, o comentário jornalístico foi amplamente simpático,
mas, dentre os seus amigos mais próximos, houve genuíno malestar.
Sua esposa, que morrera após uma longa doença, dois anos
antes, desencorajara Magri de vestir o terno de madeira,
insistindo em que ele terminasse seu livro sobre o destino do
comunismo italiano. Com O Alfaiate de Ulm concluído e
publicado, ele decidiu dizer adeus à vida. A perda de sua
esposa foi o gatilho, mas havia outras razões por detrás. Ele
não sentia-se mais contemporâneo de seu próprio tempo.
O comunismo italiano e aqueles à sua esquerda, eles sim,
haviam cometido suicídio político. Uma camarilha
financeira governava o país, com o apoio incondicional de um
octogenário presidente ex-comunista, a intelligentsia de
esquerda entrara em colapso – então, qual era o sentido em
seguir vivo?
A maioria de seus amigos não ficaram convencidos – até mesmo
sentiram raiva. Eles tentaram falar com ele sobre isso, mas
Magri não se abalou. “Ser verdadeiro, simplesmente
verdadeiro”, Stendhal escreveu uma vez, “é a única coisa que
importa.” Para Magri, a verdade significava dar cabo da
própria vida. Ele não foi nem o primeiro nem o último a sair
de cena desta forma.
Isto me lembrou um pequeno panfleto que eu tinha lido quatro
décadas atrás, As Últimas Palavras de Adolf Abramovich
Joffe (editado pelo Lanka Sama Samaja, no Ceilão, em 1950).
Era um bilhete suicida de 16 de Novembro de 1927, endereçado
a Leon Trotsky. Depois de concluir o bilhete, Joffe, um dos
mais confiáveis ​​dos diplomatas soviéticos, pressionou
a pistola à própria têmpora e apertou o gatilho. O que me
impressionara à época não foi tanto o suicídio em si, mas as
qualidades humanas demonstradas, visíveis logo nos primeiros
parágrafos: “Caro Liev Davidovich: Por toda a minha vida eu
acreditei que o homem político deve saber quando sair de cena
no momento certo, como um ator deixa o palco, e que é melhor
ir mais cedo do que tarde.”
“Por mais de 30 anos eu segui a filosofia de que a vida humana
só tem sentido na medida em que, e enquanto, for vivida a
serviço de algo infinito. E, para nós, a humanidade é o
infinito.”
“O resto é finito, e trabalhar para o resto é, portanto, sem
sentido. Mesmo que a humanidade mesma possa vir a conhecer o
seu próprio fim, o mesmo advirá em um tão remoto futuro que,
para nós, a humanidade pode ser considerada enquanto um
infinito absoluto. É é nisto, e tão-somente nisto, em que eu
sempre encontrei o sentido maior de minha vida.”
“E agora, debruçando o olhar para trás, sobre o meu passado,
dos quais 27 anos foram vividos nas fileiras do nosso partido,
parece-me que tenho o direito de dizer que durante toda a
minha existência consciente eu tenho sido fiel a esta
filosofia de vida. Eu vivi de acordo com este sentido vital:
trabalhar e lutar para o Bem da humanidade. Eu creio que tenho
o direito de dizer que não há um dia de minha vida que tenha
sido sem sentido. Mas agora, ao que parece, chegou o momento
em que a minha vida perdeu todo significado e, em
consequência, sinto-me obrigado a abandoná-la, e levá-la a seu
próprio fim.”
Uma razão pela qual Joffe – um médico por formação – tinha
deixado o palco era sua doença. Seguindo as instruções de
Stalin, os médicos do Kremlin recusaram-se a tratá-lo e o
Politburo se recusou a sancionar a verba necessária para que
fosse ao estrangeiro. Por quê? Porque naqueles tempos caóticos
e desconcertantes Joffe foi um dissidente, um dos principais
membros da Oposição de Esquerda, um grupo da velha guarda
bolchevique-leninista
–
liderado
por
Trotsky,
Zinoviev e Kamenev – que se uniu depois da morte de Lenin para
combater as políticas e práticas stalinistas. Eles foram
manipulados, derrotados e expulsos da direção e, em seguida,
do próprio partido. Repelidos pela fúria de facção
desencadeada contra eles, Joffe, ao contrário de muitos
outros, recusou-se a olhar para o lado e seguir em frente.
Para homens como ele o silêncio nunca foi uma opção. Era
sinônimo de submissão, e a integridade da vida interior de
alguém como ele não poderia permanecer imune às violentas
tempestades lá de fora.
Joffe tinha visto como a Oposição de Esquerda fez negociar,
aceitar concessões e capitular à decisão majoritária do
partido, certa ou errada. Trotsky não tinha, até aquele
momento, acatado à ideia avançada por alguns de seus
partidários: uma ruptura total com a facção de Stalin e o
anúncio de um novo partido. O oposicionista Karl Radek
escreveu em uma carta a seus camaradas que na realidade o que
tinham feito era ter se limitado a escolher “entre duas formas
de suicídio político”: ou ser politicamente isolado do partido
ou capitular e voltar a entrar nos termos de Stalin. Esta
última seria, mais tarde, a própria escolha de Radek, e
outros.
A carta de Joffe reprovava Trotsky, sobretudo, por seu
conciliacionismo:
“Mas você muitas vezes renunciou a sua posição correta em
favor de um acordo, uma concessão, cujo valor fora
superestimado. Isso foi errado […] não tenha medo hoje se
certas pessoas te abandonarem, e especialmente se muitos não
vierem a assumir as posições corretas a seu lado tão
rapidamente quanto desejaríamos. Você está do lado certo da
história, mas a certeza da vitória de sua verdade reside
precisamente em uma estricta intransigência, na rigidez mais
austera, no repúdio a qualquer concessão, exatamente como
sempre foi o segredo mais íntimo das vitórias de Ilich
[Lenin]… Eu sempre quis dizer isso a você, mas só fui impelido
a isso agora, no momento preciso de dizer adeus ao mundo…”.
No mundo de hoje as paixões políticas – e as generosas pulsões
– reveladas na Carta de Joffe lêem-se como se fossem escritas
desde uma submersa Atlântida. Mas é parte de uma história que
dominou o século anterior, e, quando nos aproximamos do
Centenário da Revolução Russa (1917-2017), esta merece ser
lembrada. Sua viúva – Maria Joffe – sobreviveu aos campos, e
depois da morte de Stalin, deixou a União Soviética. Mudou-se
para Israel. Seu livro, Uma Longa Noite [A Tale of Truth],
continua a ser uma das muitas memórias afetivas desta era.
Fonte: ALI, T. A suicide note to Trotsky… [Column]. The
Guardian, 21th August, 2015, p.26.
Leia abaixo, na íntegra, o bilhete suicida de Joffe a Trotsky:
A Leon Trotsky
Caro Liev Davidovich:
Em toda minha vida sempre pensei que o homem político deve
saber ir embora a tempo, como um ator deixa a cena, e que é
melhor fazê-lo cedo demais do que tarde demais. Adolescente,
ainda verde, defendi a correção da conduta de Paul Lafargue, e
sua mulher Laura Marx, quando suicidaram-se, o que tanto
barulho fez nos partidos políticos. E me lembro que repliquei
asperamente a Augusto Bebel, muito revoltado por este suicido,
que só é admissível discutir-se, a idade escolhida pelos
Lafargue (pois não se trata aqui dos anos mas da utilidade
possível do indivíduo), não se pode em caso nenhum contestar o
princípio, para um homem público de deixar a vida no momento
em que tem consciência de não poder ser mais útil à causa que
seria. Há mais de trinta anos que fiz minha desta filosofia a
minha, de que a vida humana só tem sentido na medida e
enquanto está a serviço de um infinito que para nós é a
humanidade, porque, sendo o resto limitado, trabalhar pelo
resto é desprovisto de sentido.
Se mesmo a humanidade deve ter um fim, este sobrevirá então
numa época tal que, para nós, a humanidade pode ser
considerada um infinito absoluto. E se tem como eu, fé no
progresso, pode-se muito bem conceber que, mesmo em caso de
perdição de nosso planeta, a humanidade encontre os meios de
habitar outros mais jovens, e prolongue por conseguinte sua
existência; e então, tudo que for feito em seu bem, em nosso
tempo, se refletirá também nos séculos longínquos, quer dizer,
dará à nossa existência a única significação possível. É
nisto, e nisto somente, que sempre vi o sentido da vida; e
agora, abarcando com o olhar a minha vida passada, dos quais
27 anos nas fileiras do nosso Partido, parece que tenho o
direito de dizer que durante toda a minha vida consciente,
permaneci fiel a esta filosofia, isto é, vivi segundo este
sentido vital; o trabalho e a luta pelo Bem de toda a
humanidade.
Mesmo os anos de prisão e de cárcere quando o homem é afastado
da participação direta na luta a serviço da humanidade, não
podem ser riscados da vida com um sentido, pois, sendo anos de
preparação cultural e de autodidática instrução, contribuíram
para o melhoramento do trabalho ulterior; e por esta razão
podem ser confundidos com os anos de trabalho a serviço da
humanidade, tendo, portanto um sentido. Creio ter o direito de
afirmar que nesta acepção, nem um só dia de minha vida foi
desprovisto de sentido. Mas agora parece, chegou a hora, em
que a minha vida perde o seu sentido e, por conseguinte, surge
a obrigação de deixá-la, de lhe dar um termo. Há vários anos
que a direção atual de nosso Partido, de conformidade com o
seu método geral de não dar trabalho aos comunistas da
Oposição, não me designa nem trabalho partidário nem trabalho
soviético, cuja envergadura e caráter me permitissem ser útil
no máximo de minhas forças.
No último ano, você o sabe, o Bureau Político me pôs, como
oposicionista, completamente de lado de qualquer trabalho
político. Por outro lado, provavelmente em parte devido a
minha doença e em parte devido a razões melhor conhecidas de
você do que de mim – não pude, este ano, participar
praticamente do trabalho e da luta da oposição. Foi com um
forte combate interior e, no começo, a contragosto, que me
resignei a esta forma de atividade que só esperei suportar
tornando-me completamente inválido: o trabalho literário,
cultural e pedagógico. Embora no começo achasse penoso, me
entreguei decididamente a esta tarefa, esperando que ela
continuasse a dar a minha vida a necessidade e utilidade de
que falei acima; só elas a meu juízo podem justificar minha
existência. Porém minha saúde vem piorando cada vez mais.
Por volta de 20 de setembro, por motivo por mim desconhecidos,
a Comissão Médica do Comitê Central me convocou para um exame
de professores especialistas e estes diagnosticaram um
processo tuberculoso ativo nos dois pulmões, uma miocardite,
uma inflação crônica da vesícula biliar, uma colite crônica,
apendicite e polinevrite crônica (inflamação múltipla dos
nervos). Eles me disseram que meu estado de saúde era bem pior
do que eu imaginava, e que nem devia pensar em prosseguir até
o fim nos meus cursos nos estabelecimentos superiores (a
Universidade de Moscou e o Instituto de Orientalismo).
Acrescentaram que pelo contrário que pelo contrário seria mais
razoável renunciar as estes planos e não ficar inutilmente nem
um dia mais em Moscou e nem mais um hora sem tratamento e
partir imediatamente para o estrangeiro, com destino a um
sanatório apropriado.
Como esta viagem não podia ser preparada em dois dias, me
prescreveram certos remédios e tratamento. Para obtê-los tinha
que ir à Policlínica do Kremlin durante algum tempo, até a
minha partida. A minha pergunta direta: “Que possibilidade
tenho de cura no estrangeiro e posso me tratar aqui na Rússia
sem abandonar meu trabalho?”, os professores e os assistentes,
o médico do Com. Central, camarada Abrossov, um outro médico
comunista e o deão do hospital do Kremlin, A. Konseil,
responderam claramente os sanatórios russos não podiam de
nenhum modo curar-me e que eu devia contar com um tratamento
no Ocidente, pois até então nunca me tratara mais de 2 ou 3
meses no estrangeiro; mas que agora eles
para que eu fizesse uma estadia de seis
fixar o máximo. Acrescentaram que,
prescrições deles, não duvidavam que
radicalmente, ao menos me seria dado
período maior.
insistiam justamente
meses no mínimo, sem
conformando-me as
se não me curasse
trabalhador por um
Durante dois meses mais ou menos, nenhuma medida foi tomada
pela Comissão médica do Comitê Central (foi ela entretanto que
por sua própria iniciativa convocou a consulta em questão)
relativo não somente a minha estadia no estrangeiro como do
meu tratamento aqui. Ao contrário, a farmácia do Kremlin que
sempre me fornecera remédios pelas receitas, ficou interdita
de fazê-lo e eu fiquei, de fato, privado, de auxílio gratuito
dos medicamentos que sempre usara. Fui obrigado a comprar os
remédios indispensáveis nas farmácias da cidade (parece que
isto se deu no momento em que o grupo dirigente do Partido
começou a recorrer com os camaradas da oposição, à aplicação
do método: “ferir a oposição no ventre”). Enquanto era
suficientemente válido para trabalhar, quase não prestava
atenção para isto, mas como o meu estado não parou de piorar,
minha mulher começou a trabalhar junto à Comissão Médica do C.
Central, pela minha ida para o estrangeiro, e pessoalmente
junto a N. Semachko, que sempre publicamente quebrou lanças
para realizar a sua fórmula “salvaguardar a velha guarda”.
A questão era entretanto constantemente protelada e tudo o que
pode obter minha mulher foi um resumo da decisão do conselho
dos médicos. Neste resumo, minhas doenças crônicas eram
enumerados e ficava constatado que o Conselho insistia pela
minha partida para o estrangeiro “num sanatorium do tipo prof.
Friedlander” e por um prazo podendo se prolongar até um ano.
No entanto, há nove dias me deitei definitivamente, devido à
acuidade e à agravação (como é sempre o caso) de todas as
minhas doenças crônicas e sobretudo, o mais terrível, da
polinevrite inveterada que tomou de novo uma forma aguda, me
constrangendo a autar um padecimento infernal, absolutamente
intolerável e me tirando até a possibilidade de andar. Com
efeito, há nove dias que estou privado de qualquer tratamento
e a questão de minha viagem ao estrangeiro não foi examinada.
Nem um só dos médicos do Com. Central me veio ver. O prof.
Davidenko e o dr. Levine, chamados à minha cabeceira, me
prescreveram algumas insignificâncias que não puderam me
aliviar em coisa alguma; reconheceu-se então “que não se podia
fazer nada” e que a viagem ao estrangeiro era indispensável e
urgente.
O dr. Levine disse a minha mulher que o negócio não andava
porque a Comissão Médica pensava naturalmente que minha mulher
haveria de querer fazer a viagem comigo e que “assim ficava
muito caro”. (Quando os camaradas que não são da oposição
ficam doentes, são enviados ao estrangeiro, e muitas vezes até
com a família, acompanhados de nossos médicos ou professores,
eu mesmo sei de muitos destes caos e até reconheço que quando
foi de minha primeira crise de polinevrite aguda, fui mandado
ao estrangeiro, em companhia de minha família, mulher e filho,
e do prof. Konabi; então ainda não existiam os costumes
atualmente instaurados no Partido.) Minha mulher respondeu que
apesar do triste estado em que me encontrava ela não pretendia
absolutamente que eu devesse ser acompanhado por ela ou por
alguém. Então o dr. Levine garantiu que nestas condições a
questão seria resolvida rapidamente. Meu estado foi se
agravando e meus sofrimentos se tornaram tão terríveis que
reclamei enfim aos médicos que dessem ao menos um alívio
qualquer.
O dr. Levine me repetiu hoje que os médicos nada podiam fazer
e que a única porta de salvação era a partida imediata para o
estrangeiro. Ora, à noite, o médico do C. Central, camarada
Potiomkine, avisou à minha mulher que a Com. Médica decidira
não me enviar ao estrangeiro e de me tratar mesmo na Rússia. A
razão era que os professores especialistas insistiam por um
tratamento prolongado no estrangeiro, julgando uma certa
estadia inútil e que o Com. Central só consentia em me dar
para a minha cura uma soma máxima de 1000 dólares (2000
rublos) dizendo ser impossível dar mais. Como você sabe, dei
no passado a nosso Partido outra coisa que um milhar de
dólares, em todo o caso, mais do que custei ao Partido, desde
que a revolução me privou de todos os meios e que não posso
mais me tratar às minhas custas. Mais de uma vez, editores
anglo-americanos me propuseram, por pagamentos de “minhas
memórias” (à minha escolha, com a única exigência que
dissessem respeito ao período das negociações importantes)
somas que subiam até a 20.000 dólares. O Bureau Político sabe
perfeitamente que sou bastante experimentado como jornalista e
como diplomata, para publicar uma só palavra sequer
prejudicial ao nosso Partido e ao nosso Estado.
Ele não ignora tampouco que fui muitas vezes censor no
Comissariado dos Negócios Estrangeiros e que na qualidade de
embaixador também o fui para todas as obras russas editadas
nos países onde servia. Há alguns anos pedia ao Bureau
Político a permissão para editar esta memórias, tomando o
compromisso de entregar ao Partido todos os honorários, pois
me custa aceitar do Partido dinheiro para me tratar. Em
resposta, fui prevenido por uma decisão do C. Central, nos
termos da qual “é formalmente proibido aos diplomatas ou aos
camaradas tendo tomado parte no estrangeiro publicar no
estrangeiro suas reminiscências ou fragmentos de memórias sem
exame prévio dos manuscritos pelo colégio do Comissariado dos
Negócios Estrangeiros e o Bureau Político do Comitê Central”.
Sabendo das irregularidades e dos atrasos que seriam
ocasionados por esta dupla censura, resolvi em 1924 declinar
de qualquer proposta. Encontrando-me recentemente no
estrangeiro, recebi uma nova oferta garantindo-me 20.000
dólares de honorários. Sabendo, porém, como entre nós se
falsifica a história de nosso Partido e da Revolução, não
julguei possível emprestar o meu concurso a uma tal
falsificação, não tendo dúvida de que toda a censura do Bureau
Político (e os editores fazem questão do caráter pessoal das
reminiscências, isto é sobre a caracterização dos personagens
que nela desempenharam algum papel) consiste em não admitir
uma justa apreciação dos personagens e de seus atos, nem
destes nem daqueles, isto é nem dos chefes autênticos da
Revolução, nem dos dirigentes atuais elevados a esta
dignidade.
Eu não acho possível editar memórias sem chocar de frente o
Bureau Político e por conseguinte não vejo meio de me tratar
sem receber dinheiro do Com. Central que, por todo o meu
trabalho revolucionário de vinte e sete anos, acha razoável
calcular a minha vida e a minha saúde numa soma não passando
de 2.000 rublos. No estado em que acho atualmente me é
evidentemente impossível realizar um trabalho qualquer. Se, a
despeito de sofrimentos infernais, tivesse a força de
continuar a série de meus cursos, uma situação desta ordem
exigiria sérios cuidados, seria preciso me transportar por
toda parte em “padiola”, me ajudar a procurar nas bibliotecas
e nos arquivos os livros e materiais necessários, etc… No
decorrer de minha última doença, tive a minha disposição todo
o pessoal de uma embaixada: agora, segundo minha “categoria”,
não tenho nem mesmo o direito a um secretário particular. Além
disso, a desatenção para comigo de que se tem dado provas
nestes últimos tempos, por ocasião, das minhas doenças (como
agora; em que estou há dias praticamente sem socorro e em que
o tratamento elétrico prescrito pelo prof. Davidenko não me é
aplicado), mostra que não posso contar nem mesmo com uma coisa
tão elementar como um transporte em padiola.
Mesmo se fosse tratado, se fosse mandado ao estrangeiro, para
a estadia indispensável, minha situação continuaria crítica no
mais alto ponto: a última vez passei mais ou menos dois anos
num estado de polinevrite aguda, sem fazer um movimento; não
tinha então outra doença a não ser esta e no entanto todas as
outras que contraí depois são conseqüências desta; agora já me
descobriram seis. Mesmo se pudesse daqui por diante consagrar
o tempo necessário ao tratamento, é duvidoso que possa contar
com uma prolongação útil de minha vida. Agora então que se
considera impossível tratar-me seriamente (pois o tratamento
na Rússia e, segundo os médicos, sem esperança, e o tratamento
no estrangeiro só por 2 meses também o sendo) minha vida perde
todo o seu sentido, mesmo sem que se leve em conta minha
filosofia esboçada acima. É duvidoso que se possa admitir como
necessária uma vida passada em padecimentos incríveis,
estando-se pregado numa cama sem movimento e sem possibilidade
de realizar um trabalho qualquer. É por isto que digo que o
momento chegou em que é indispensável por um termo a esta
vida. Conheço a opinião geral do partido, contrária ao
suicídio, mas suponho que todos aqueles que ficarem sabendo de
minha situação não me condernarão por isto.
Além do mais, o professor Davidenko acha que a causa da
repetição da minha polinevrite aguda é a emoção destes últimos
tempos… Se estivesse com saúde teria achado em mim a força e a
energia suficientes para lutar contra a situação criada no
Partido, mas no meu estado atual, reputo insuportável uma
situação em que o Partido tolera silenciosamente a sua
exclusão de suas fileiras, apesar de estar absolutamente
persuadido de que, cedo ou tarde, haverá no Partido uma crise
que o obrigará a rejeitar aqueles que o conduziram a uma tal
vergonha… Neste sentido, minha morte é um protesto contra
aqueles que levaram o Partido a uma situação tal que ele não
possa de nenhum modo reagir contra este opróbrio. Se me é
permitido comparar o que é grande com o que é pequeno, direi
que a importância do acontecimento histórico que é a sua
exclusão e a de Zinoviev, expulsão que há de abrir
inevitavelmente um período thermidoriano na nossa Revolução, e
o fato que me reduzem depois de 27 anos de trabalho
revolucionário nos postos responsáveis do Partido, a uma
situação em que nada mais me resta a fazer do que me meter uma
bala na cabeça, estes 2 fatos, torno a dizer, ilustram um só e
único regime do Partido. Talvez que os dois acontecimentos, o
pequeno e o grande juntos, produzirão o abalo que acordará o
Partido e o fará parar no caminho que vai dar em Thermidor.
Sentir-me-ia feliz, se pudesse acreditar, que assim será, pois
saberia então que não iria morrer em vão; entretanto, mesmo
tendo a firme convicção de que a hora do despertar do Partido
virá, não posso estar convencido de que ela já tenha soado
agora… Entretanto, não duvido apesar de tudo de que a minha
morte hoje seja mais útil que do que a prolongação de minha
vida. Caro Liev Davidovitch, estamos ligados por dez anos de
trabalho comum e, ouso, esperá-lo de amizade pessoal, e isso
me dá direito de lhe dizer no momento do adeus, o que em você
me parece ser uma fraqueza. Nunca duvidei da justeza do
caminho traçado por você, que sabe que durante mais de 20 anos
marchei com você, desde a “revolução permanente”. Mas sempre
pensei que faltavam a inflexibilidade, a intransigência de
Lenin, sua resolução de ficar, sendo preciso, sozinho no
caminho que reconheceu como certo, na previsão da maioria
futura, no reconhecimento futuro, por parte de todos, da
exatidão desse caminho. Você sempre teve razão politicamente,
a começar por 1905, e muitas vezes lhe contei ter ouvido, com
os meus próprios ouvidos, Lenin reconhecer que em 1905 não
fora ele mas você que tivera razão. Defronte da morte não se
mente e o repito, agora, de novo…
No entanto muitas vezes você renunciou a sua retidão em favor
de um acordo, de um compromisso, que sobreestimava. É um erro.
Eu o repito, politicamente, você sempre teve razão e, agora,
mais do que nunca. Um dia, o Partido o compreenderá e a
História há de reconhecê-lo. Assim, não receie hoje se alguém
se separar de você, nem sobretudo se muitos não vêm para o seu
lado tão depressa quanto nós todos o desejávamos. Você tem
razão, mas a condição da vitória de sua verdade está
precisamente numa estreita intransigência, na mais severa
rigidez, no repúdio de todo compromisso, exatamente como isto
foi sempre o segredo da vitória de Illich [Lenin]. Por
diversas vezes tive vontade de lhe dizer isto, mas só agora me
decide a fazê-lo, na hora do adeus final. Duas palavras
pessoais. Atrás de mim ficam uma mulher, uma filha doente e um
rapazola mal-adaptados a uma vida independente. Sei que nada
pode você fazer agora por eles. Sob este ponto não posso
contar em cousa nenhuma com a direção atual do Partido. Mas
não tenho dúvidas de que o dia não está longe em que você há
de retomar o lugar que lhe é devido. Então, não se esqueça dos
meus. Eu lhe desejo energia, uma valentia iguais às de que tem
dado provas até o presente, e a mais rápida vitória. Eu o
abraço. Fortemente. Adeus.
Moscou, 16 de novembro de 1927.
A. Joffe.
=
Nota:
A carta que se lê foi escrita pelo camarada A. Joffe, na noite
do 15 para 16 de novembro de 1927 e dirigida a Trotsky. A vida
de Joffe foi toda, até o seu último minuto, consagrada à causa
da libertação da humanidade. Morreu aos 44 anos de idade.
Ocupou no Partido e no Governo Soviético os postos de maior
responsabilidade. Bolchevista desde 1900, foi depois de uma
deportação na Sibéria, Presidente do Conselho Militar
Revolucionário em 1917, depois tomou parte com Trotsky nas
negociações de Brest-Litovsk. Em 1918 foi nomeado Embaixador
dos Soviets em Berlim, dirigiu, com Tchitcherine, a comissão
para as negociações com a Polônia e em seguida a delegação
soviética na Conferência de Gênova. Foi o primeiro embaixador
soviético em Pequim e depois no Japão. Foi quem assinou o
tratado de paz entre o Japão e a União Soviética, quem dirigiu
em Xangai (China) as negociações com Sun-Yat-Sen (o fundador
do Kuomitang) e participou das negociações entre a Inglaterra
e a URSS. Reduzido por uma polinevrite a uma invalidez quase
completa, impossibilitando-o de tomar parte ativa nas lutas
políticas de então Joffe não viu outro meio de ainda servir à
causa da revolução – do que se matar, dando a sua morte uma
significação precisa de protesto contra a exclusão de Trotsky
do Partido e o regime de perseguição pessoal, adotado pela
direção, na sua campanha contra a Oposição. A sua carta foi
encontrada logo após sua morte sobre sua mesa. Não chegou,
porém, às mãos de seu destinatário. Os seus funerais em
Moscou, no dia 19 de Novembro, tiveram um caráter comovedor.
Apesar de realizados nas horas de trabalho, compareceram
milhares e milhares de operários, camaradas do Partido,
delegações do Exército Vermelho. Tchitcherine falou
oficialmente em nome do governo. Depois falaram diversos
camaradas da Oposição, Rakovsky, entre outros, disse sobre seu
túmulo, “ele partiu, quando compreendeu que era esta sua
suprema maneira de servir ao Partido”. Por último, falou
Trotsky, que, no meio de uma emoção brutal e dum silêncio
indizíveis terminou o seu adeus dizendo: “Como tu o fez,
juramos ir até o final – sem fraquejar – sob as mesmas
bandeiras de Karl Marx e de Vladimir Lenin.”
=
Fonte: JOFFE, A. Última Carta para Leon Trotsky | 15 de
Novembro de 1927 | Jornal Luta de Classe, Órgão Central da
Oposição da Esquerda no Brasil, N.º 2, Ano 1, 2 de Junho de
1930.
O
jovem
Trotsky:
entre
menchevismo e bolchevismo
Gustavo Henrique Lopes Machado
|
O pensamento e, sobretudo, as posições políticas de Leon
Trotsky no período que antecede a Revolução Russa foram, desde
muito cedo, objeto de grandes debates e polêmicas. E isto não
se deu sem motivo. Gozando de grande prestígio pela sua
atuação na revolução de 1917 e na direção do Exército
Vermelho, Trotsky foi o alvo prioritário da burocracia
stalinista quando se tornou o porta-voz de sua oposição. Nesse
cenário, as polêmicas e disputas entre Lenin e Trotsky, que se
seguiram desde pelo menos o segundo congresso da Socialdemocracia russa – 1903, quando se deu o seu fracionamento
entre Bolcheviques e Mencheviques–, foram largamente
difundidas. Com particular intensidade as duras críticas de
Lenin à Trotsky realizadas no período entre 1909 e 1912. Não é
preciso remontar aqui o que já fora dito e redito um semnúmero de vezes. É suficiente mencionar que, com auxílio
dessas antigas polêmicas, Trotsky fora convertido em
menchevique e em inimigo número um do bolchevismo.
Não sem razão, os trotskistas e o próprio Trotsky se
dedicaram, desde então, a mostrar o outro lado da moeda.
Particularmente, a mútua admiração que sempre existira entre
os dois principais dirigentes da revolução de 1917, a
confirmação histórica da teoria da revolução permanente
elaborada por Trotsky desde o início do século, seu papel de
destaque na revolução de 1905, suas críticas precoces e
certeiras a visão estapista da história dos mencheviques e
assim por diante. Por outro lado, as diferenças com Lenin
foram, regra geral, expostas do seguinte modo: a revolução de
1917 marcou a aproximação de Lenin da teoria da revolução
permanente de Trotsky e a adesão desse último à concepção de
partido sustentada pelo principal
Bolchevique, reconciliando-os.
dirigente
do
partido
Apesar desta conclusão não ser, em suas linhas mais gerais,
falsa, distante está de dar conta do cerne das diferenças
entre os dois. Em verdade, Lenin raríssimas vezes abordou o
tema da teoria da Revolução Permanente. Trotsky, inclusive,
sustenta, anos depois, que Lenin sequer havia lido seus
escritos sobre o tema. Por outro lado, exceto por um antigo
ensaio denominado Nossas Diferenças Políticas, a questão da
concepção de partido em Lenin encontra-se praticamente ausente
nos escritos conhecidos de Trotsky até a revolução. Qual
seria, então, o motivo central do embate entre Trotsky e Lenin
no período entre a cisão da social-democracia russa e a
revolução de 1917?
Em função das calúnias a que foi sistematicamente submetido,
da identificação caricatural do stalinismo com o leninismo, o
próprio Trotsky não deixou de nuançar a real natureza de suas
divergências com Lenin no período anterior a sua adesão ao
bolchevismo. Tratava-se do conciliacionismo ou do centrismo de
Trotsky que, em todo período precedente, batalhou pela unidade
entre bolcheviques e mencheviques, entre revolucionários e
reformistas. Não foi casual que somente em seu último e
inacabado escrito, a biografia de Stalin, Trotsky dedicou um
espaço considerável a este tema. Por isso, nesse artigo, nos
centramos exclusivamente nesse texto, tendo em vista
esclarecer o conteúdo central da polêmica de então. Sobretudo,
hoje, passados 25 anos do sepultamento definitivo do aparato
stalinista no leste europeu, já é chegada a hora de
reexaminarmos a questão sem a interpenetração das caricaturas
do passado, para dela retirarmos as devidas lições.
O conciliacionismo de Trotsky
É sabido que Trotsky, já na sua juventude, desenvolvera a tese
de que somente o proletariado russo poderia assumir o papel
dirigente em uma futura revolução nesse país. Mais ainda. Tal
revolução, em função da posição social do proletariado,
assumiria tarefas imediatamente socialistas. Sua concepção se
opunha tanto a visão etapista menchevique-plekanoviana da
necessidade de uma longa etapa liberal burguesa na Rússia,
assim como a teoria do próprio Lenin que acenava, ainda que
temporariamente, na direção de um governo operário-camponês
nos marcos de uma República burguesa. Trotsky poderia, nesse
caminho, ainda que grosseiramente, ser caracterizado como à
esquerda dos Bolcheviques. Como explicar, portanto, o fato de
ter batalhado tão persistentemente pela reconciliação entre
bolcheviques e mecheviques?(1).
O próprio Trotsky nos explica: em sua antiga acepção, com o
irromper de uma “nova Revolução, sob pressão das massas
trabalhadoras, as duas frações iriam de qualquer maneira ser
compelidas a assumir uma posição idêntica, como o haviam feito
em 1905” (TROTSKY, 2012, 354). Em outro lugar, assinala o que
seria “calcanhar de Aquiles’ do `trotskismo’: “o
conciliacionismo, associado à esperança de uma reencarnação
revolucionária do menchevismo” (TROTSKY, 2012, 376). Qual
seria o pressuposto teórico dessa visão conciliacionista
propugnada por Trotsky? Em que se baseava sua crença de que o
menchevismo se envergaria para posições revolucionárias sob o
influxo de um processo revolucionário?
Em outra passagem, o revolucionário russo esclarece seus
pressupostos: a “política de conciliação crescia nas esperança
de que o próprio curso dos acontecimentos pudesse proporcionar
a tática necessária” (TROTSKY, 2012, 354). Ou seja, na acepção
do jovem Trotsky, as táticas são “proporcionadas” pelo
movimento, pelos acontecimentos e não em função do objetivo
final, já que este último é engendrado espontaneamente pelo
primeiro. Tratava-se unicamente de fomentar um bloco à
esquerda e, feito isto, a realidade mesma se encarregaria do
resto. Tática e estratégia, meios e fins são separados por um
abismo. Tanto é assim que logo em seguida complementa:
“o otimismo fatalista significa, na prática, não apenas
repúdio a luta fracional, mas da própria ideia de um partido,
porque, se ‘o curso dos acontecimentos’ é capaz de,
diretamente, ditar às massas a política correta, qual a
utilidade de qualquer unificação especial da vanguarda
proletária, da elaboração de um programa, da escolha de
dirigentes, do prepara no espírito da disciplina?” (TROTSKY,
2012, 355).
O raciocínio empírico oculto sobre tal equívoco não é difícil
de deduzir. Com a reação que se abateu a partir de 1909 na
Rússia, a tendência à unidade a todo custo se acirrou nas
fileiras da social-democracia. Como explica Trotsky: a
“contínua fragmentação do Partido em pequenos grupos, que
travam batalhas implacáveis no vácuo, despertou, em muitas
frações, o desejo de acordo, de conciliação, de unidade a
qualquer preço” (TROTSKY, 2012, 354). Parafraseando Bernstein,
como o movimento é tudo e o objetivo final brota
espontaneamente desse movimento, a força das posições
revolucionarias são medidas em função da dimensão quantitativa
do bloco que se contrapõem à classe dominante, independente de
seu programa específico. No entanto, a autocrítica de Trotsky
foi completa. Destaca que certos “críticos do bolchevismo […]
encaram o meu velho conciliacionismo como expressão de
sabedoria. Contudo, o seu erro profundo já foi há muito
demonstrado tanto na teoria como na prática” (TROTSKY, 2012,
354-355). Tal erro profundo consiste basicamente no seguinte:
Uma simples conciliação de frações só é possível ao longo de
uma espécie de linha ‘média’. Mas onde há garantia de que
esta diagonal possa coincidir com as necessidades do
desenvolvimento objetivo? A tarefa da política científica é
deduzir um programa e uma tática de uma análise da luta de
classes, não do paralelogramo [sempre instável] de forças
secundárias e transitórias, como frações partidárias. Na
verdade, a posição da reação era tal que apertava a atividade
política de todo Partido dentro de limites extremamente
estreitos. A esse tempo, poderia parecer que as divergências
não tinham importância e eram, artificialmente, inflamadas
pelos dirigentes emigrados. Contudo, precisamente durante o
período da reação, o partido revolucionário não poderia
forjar os seus quadros sem perspectivas mais amplas”
(TROTSKY, 2012, 354-355).
Como se vê, para o Trotsky pós-1917, a elaboração teórica de
uma política não se baseia na somatória ou justaposição de
partidos ou frações, não se funda em uma linha média tacejada
na somatória de várias organizações de esquerda, mas nas
“necessidades do movimento objetivo”. Por isso se deduz “um
programa e uma tática de uma análise da luta de classes”. É
interessante notar que, segundo Trotsky, é justamente em um
período de reação que um partido precisa forjar seus quadros
em perspectivas mais amplas, isto é, com uma delimitação
programática clara e diferenciação permanente, no presente
caso, com o menchevismo. Evidentemente, a pressão em sentido
oposto foi muito grande. Tanto que, ao tratar da permanência
de Stálin no partido Bolchevique naquele período de vacas
magras, assinala que, durante os anos de reação, Stalin “não
foi um entre as dezenas de milhares que desertaram do Partido,
mas um entre as poucas centenas que, apesar de tudo, lhe
continuaram fiéis” (TROTSKY, 2012, 357). Nessa altura, o
partido Bolchevique que poucos anos antes organizava dezenas
de milhares, se viu reduzido a algumas centenas, talvez menos.
Isto tornou a posição de Trotsky mais razoável? A unidade com
os mencheviques em função do reduzido número de integrantes do
partido Bolchevique que, segundo a metáfora de Lenin, a época
se assemelhava a uma “criança coberta de abscessos”?
Lenin pensava exatamente o oposto. Conforme nos explica
Trotsky, o dirigente bolchevique escreveu em 1911 que, naquele
período, numerosos social-democratas
“mergulharam no
conciliacionismo, partindo dos motivos mais diversos. Mais
consistente que todos era o conciliacionismo expresso por
Trotsky, por isso, foi o único a procurar uma ‘base teórica’
para essa política”. Isto fez Lenin ver em Trotsky “a maior
ameaça para o desenvolvimento de um partido revolucionário”
(TROTSKY, 2012, 355-356). Como se nota, Lenin não apenas
combateu as posições de Trotsky, como viu nela a principal
ameaça para o desenvolvimento de um partido revolucionário.
Mais até que as posições explicitamente reformistas dos
mencheviques. Em que se baseava um juízo tão severo?
Em seguida, Trotsky explica a posição de Lenin. “‘Aprendemos
na época da Revolução’, escreveu Lenin, em julho de 1909, ‘a
falar francês’, isto é, a despertar a energia e o ímpeto
direto da luta de massa”. No entanto, o que fazer quando a
revolução não está na ordem do dia? Lenin prossegue: “agora
precisamos, na fase de estagnação, de reação, de desagregação,
aprender a falar alemão, isto é, a trabalhar lentamente…
conquistando o terreno polegada por polegada” (TROTSKY, 2012,
356). Seria este ‘falar alemão’, este trabalhar lentamente, a
política do conciliacionismo de Trotsky? Da unidade com os
mencheviques no intento de fortalecer o bloco político anticzarista e de colher as migalhas do menchevismo? Absolutamente
não. Esta era, na verdade, a posição de Martov, o principal
dirigente Menchevique à época. Para Martov, continua Trotsky,
“ ‘falar alemão’ significava a adaptação ao semi-absolutismo
russo, na esperança de que, gradualmente, se ‘europeizasse’”.
Por outro lado, para “Lenin, a mesma expressão queria dizer: a
utilização, com ajuda de um partido ilegal, de todas as magras
possibilidades legais, no trabalho de preparo de uma nova
Revolução” (TROTSKY, 2012, 356-357).
Como se vê, para Lenin, mesmo em um período de reação, as
tarefas legais e ilegais são hierarquizadas pelo “trabalho de
preparo de uma nova Revolução” e não em um acumular forças de
modo indeterminado. Para melhor alçarmos o sentido desse
‘falar alemão’ de Lenin, assim como seu rechaço a toda e
qualquer conciliação, é esclarecedor as palavras de Trotsky a
respeito da tática de Lenin frente as eleições da DUMA,
particularmente no que diz respeito a relação entre partido
Bolchevique e Mechevique nesse processo. Feito isso, podemos
distinguir com clareza o abismo entre a concepção que procura
extrair as táticas dos acontecimentos do dia que passa e
àquela que, sem desconsiderá-los, deduz um “programa e uma
tática de uma análise da luta de classes”, isto é, das
“necessidades do desenvolvimento objetivo”.
A posição de Lenin diante das eleições da DUMA
Se Lenin rejeitava a unidade entre bolcheviques e mencheviques
tal como defendera Trotsky, qual seria sua posição diante do
processo eleitoral da DUMA? Nesse caso, seria ele adepto do
bloco eleitoral em função da fragmentação do movimento
revolucionário russo e, particularmente, da drástica redução
numérica do partido Bolchevique? Assim Trotsky resume a
plataforma eleitoral Bolchevique:
Os bolcheviques empenharam-se na luta eleitoral separados dos
liquidadores[mencheviques], e contra eles. Os operários
deviam reunir-se sob a bandeira das três principais palavras
de ordem da revolução democrática: a república, a jornada de
oito horas e a confiscação dos domínios territoriais.
Libertar os pequenos burgueses democratas da influência dos
liberais, arrastar os camponeses para o lado dos operários –
tais eram as principais ideias da plataforma eleitoral de
Lenin. (TROTSKY, 2012, 396)
Mesmo no processo eleitoral, em meio a uma ditadura
autocrática, os bolcheviques não apenas marchavam separados
dos mencheviques, mas contra eles. “Energicamente, combateu
os liquidadores durante a campanha a fim de ter os seus
próprios deputados: tratava-se de assegurar um importante
ponto de apoio” (TROTSKY, 2012, 399). Teria Lenin lutado tão
energicamente contra os mencheviques a fim de conseguir mais
deputados? Sem dúvida, os deputados bolcheviques seriam “um
importante ponto de apoio”, no entanto, “toda a sua política
orientava-se para a educação revolucionária das massas. A luta
da campanha eleitoral nada representava para ele se, após, os
deputados social-democratas, na Duma, permanecessem unidos”
(TROTSKY, 2012, 399). Ou seja, o critério fundamental não era
a eleição de deputados, tampouco a quantidade total de votos,
mas a educação revolucionária das massas, o que apenas pode
ter como centro a clara distinção das posições dos
mencheviques. Em resumo: “procurava proporcionar aos operários
todas ‘as oportunidades – a cada passo, com cada ato – para
convencerem-se de que nas questões fundamentais os
bolcheviques distinguiam-se nitidamente de todos os demais
grupos políticos’ “. (TROTSKY, 2012, 399-400).
Mas existe ainda outro aspecto fundamental, largamente
explorado por Trotsky em sua autocrítica das posições de
juventude em favor das posições bolcheviques. Além de ter
sustentado uma posição conciliacionista, ao pressupor que a
luta conduz por si mesma à posições revolucionárias, Trotsky
não deu o peso devido a base social dos respectivos partidos.
Diz ele que o “bolchevismo contava com a vanguarda
revolucionária do proletariado e ensinou-lhe como arrastar
atrás de si o camponês pobre. O menchevismo contava com a
aristocracia operária e inclinava-se para a burguesia liberal”
(TROTSKY, 2012, 376-377). Muito embora não exista um vínculo
necessário e individualizado entre a composição social e o
programa político, este fator produz inclinações em
conformidade com as próprias características dos setores
sociais envolvidos. Não sem razão, para Lenin, o processo
eleitoral era tratado prioritariamente em função de seu
trabalho na classe operária. Era nesse setor social que os
bolcheviques escolhiam os seus candidatos e avaliavam sua
influência. Tanto é assim que, após a eleição da quarta DUMA,
os “sete mencheviques, quase todos intelectuais, procuravam
colocar os seis bolcheviques, operários com pequena
experiência política, sob seu controle”. Diante disso, a
posição de Lenin foi a seguinte: se “todos os nossos seis são
oriundos dos distritos operários, não devem se submeter em
silêncio a um grupo de siberianos” (TROTSKY, 2012, 398). Os
siberianos se tratavam, como é sabido, predominantemente de
intelectuais.
Por fim, a autocrítica das posições do jovem Trotsky e a
síntese das lições extraídas da atuação dos bolcheviques
naqueles anos entre 1909 à 1912, em que o partido passara de
um restrito agrupamento de militantes a uma forte inserção na
classe operária, é assim resumida:
“Todos grupos hostis ao bolchevismo – os liquidadores, os
renuncistas, todas as matizes de conciliadores – mostraram-se
absolutamente incapazes de lançar raízes na classe operária.
Daí Lenin tirou a sua conclusão: ‘Unicamente no curso da luta
contra tais grupos pode o verdadeiro Partido Social-Democrata
dos operários constituir-se na Rússia’‘ (TROTSKY, 2012, 425)
Considerações finais
Como se vê, apeser do jovem Trotsky estar, desde o começo e em
nossa opinião, correto a respeito do caráter e sujeito social
da revolução russa, apesar de ter escrito uma das mais
brilhantes análises particulares de um processo revolucionário
– A revolução de 1905 –, apesar de ter se revelado muito
precocemente um grande orador de massas, assim como
propagandista; sua posição política se situa entre o
menchevismo e o bolchevismo. Independente da maior ou menor
justeza de várias de suas posições, mesmo em relação aos
bolcheviques, de nada valeriam se, na sua efetividade, se
apresentassem mescladas em uma linha média de um agrupamento
político que congrega em seu seio revolucionários e
reformistas.
É evidente que os bolcheviques tiveram êxito porque
conseguiram corrigir a tempo os limites de um programa que
acenava unicamente na direção de uma república democrática. No
entanto, não teriam sequer a chance de se corrigir, se não
estivessem fortemente enraizados na classe operária, com uma
organização autônoma e programaticamente independente. Não
apenas separados dos mencheviques, mas, sobretudo, “contra
eles”.
NOTAS
Cabe lembrar que, muito embora, formalmente, se tratasse
de frações do Partido Operário Social-Democrata Russo,
na realidade eram partidos diferentes, com seus núcleos
dirigentes e estruturas independentes. Ainda que tenha
ocorrido tentativas de reconciliação manifestas na
realização de congressos em comum e, mesmo, por um curto
período, a criação de um collegium do Comitê Central que
congregava membros de ambas as frações.
REFERÊNCIAS
TROTSKY, Leon; COGGIOLA, Oswaldo. Stalin: Biografia – Estudo
preliminar de Oswaldo Coggiola. Editora Livraria da Fisica,
2012, São Paulo.
Sobre Otimismo & Pessimismo:
Acerca do [Novo] Século 20 |
Por Leon Trotsky
Trad. Betto della Santa
|
Por Leon Trotsky
[E Acerca De Muitas Outras Questões…] | Publicado em 1901
Dum spiro spero! [Enquanto houver vida haverá esperança!](*)…
Se eu fosse um dos corpos celestiais, eu olharia com completo
despojamento para esta miserável pelota de areia e poeira… Eu
brilharia indiferente entre o Bem e o Mal… Mas eu sou um
homem. A história do mundo que para ti, ó desapaixonado
glutão da ciência, ou para ti, ó guarda-livros de toda
eternidade, parece apenas um soslaiável instante no escopo do
tempo, para mim, é tudo! Enquanto ainda respirar eu deverei
lutar pelo futuro, este radiante futuro, no qual o homem –
forte e belo – se tornará enfim demiurgo da corrente flutuante
de sua própria história e irá dirigi-la então para um
horizonte ilimitado de beleza, alegria e felicidade!…
O Séc.19 de muitas formas satisfez e, de ainda mais formas,
ludibriou, às esperanças do otimista… Ele o compeliu a
transferir a maior parte de suas esperanças para o Séc.20.
Sempre
que
o
otimista
se
confrontava
com
um
acontecimento atroz, exclamava ele: –«Como pode isso acontecer
no limiar do Séc.20!». E quando este esboçava maravilhosos
retratos de um futuro harmonioso, era à hora do Séc.20 que tal
expressão do desejo tinha lugar.
E agora o novo século já chegou! O que trouxe, ele, a
seu princípio?
Na França – escuma venenosa de ódio racial(1); na Áustria –
litígio nacionalista…; na África do Sul – agonia de um povo,
pequenino, em assassínio, por um colosso(2); na própria “ilha”
da liberdade – cântico triunfante da laureada ganância de uma
ufanista agiotagem; dramáticas “complicações” ao Leste; muitas
rebeliões de massas plebeias, mortas de fome, da Itália,
Bulgária e Romênia… ódio e morte, carestia e sangue…
Parece até que o novo século, gigante recém-chegado, tenderia
a, no momento mesmo de sua aparição, querer levar o otimista
ao pessimismo absoluto e a um nirvana civilizatório.
– Morte à Utopia! Morte à fé! Morte ao amor! Morte à
esperança!…, trovôa o Séc.20 com salvejadas de fogo ao ar e
sonoro relampejar de armas.
– Renda-se, ó patético sonhador. Aqui estou, tão esperado
Séc.20, sou eu o seu “futuro”.
– Não, responde o imperturbável otimista. – Tu, tu eres tão-só
o presente.
(*) Dum spiro spero! (vide atalho ao lado) é um lema em Latim
que quer dizer, literalmente, “Enquanto eu respirar [spiro],
terei esperança [spero]”. Permaneceu como paráfrase moderna de
ideias antigas a partir de escritores clássicos como
Theocritus e Cicero servindo de leitmotif para propósitos tão
diversos como a insígnia familiar do clã Owen na Inglaterra, o
emblema oficial das forças especiais do Exército Tcheco até,
como vemos, a própria pena do revolucionário ucraniano Leon
Trotsky durante a virada do século.
(1) Affair Dreyfus (vide atalho ao lado).
(2) Guerra dos Bôeres (vide atalho ao lado).
Fonte:
Isaac Deutscher. The Prophet Armed: Trotsky 1879-1921. Verso:
London, 1954/2003, p.45-46 apud Leon Trotsky. Sochinenya, vol.
XX pp.12, 29-31.
TV Brasil: O Assasinato de
Trotsky (parte 2/2)
Waldo Mermelstein
Nada mais adequado, depois de uma semana intensa de lutas e
greves pelo país, que ver a segunda e última parte do
documentário sobre o grande revolucionário León Trotsky, no
exato dia em que se recorda o seu assassinato por um agente de
Stálin, há 75 anos.
As ideias de luta implacável e consciente contra a dominação
capitalista, de crítica à degeneração burocrática da obra que
ele próprio liderou na ex-URSS, seu exemplo de dedicação e
sacrifícios na vida pessoal, assumem uma dimensão
especialmente grande em épocas de crises gerais do sistema
capitalista, como a atual. Novamente, o programa teve altos e
baixos, mas o que fica é que se trata de uma personalidade que
sobreviveu ao tempo, que além de ser um teórico marxista
original e de primeira linha, tinha amplos interesses que
transcendiam ao campo estrito da política, como a arte e a
psicanálise.
Houve algumas afirmações infundadas e gratuitas. O exemplo
mais claro, aberrante, foi de que o tenebroso regime do
Camboja teve algo a ver com as ideias de Trotsky. O Camboja,
após a derrota americana em 1975 na Indochina, viu a ascensão
de um partido com base camponesa que executou uma política de
esvaziamento forçado das cidades e que levou à morte de pelo
menos várias centenas de milhares de pessoas de fome ou
executadas. Em que isso se assemelha ao regime de democracia
dos trabalhadores pregado por Trotsky é um enigma que o
programa não se preocupa em desvendar. Houve várias
explicações muito boas sobre a história dos trotskistas na
década de 30 no Brasil, a referência à sua importância na
criação do PT. Mas, ao se falar de uma corrente política como
o trotskismo brasileiro, pode-se deixar de dar voz às
correntes políticas que o reivindicam nos dias de hoje? De
qualquer forma, ficam na retina as imagens do velho
revolucionário que nos inspira há tanto tempo e o som da
música com que termina o filme, a Internacional. Talvez seja
isto mais o que fique do programa.
TV Brasil: O Assassinato de
Trotsky (parte 1/2)
Waldo Mermelstein
Com depoimentos atuais e ótimas imagens históricas,
o Observatório da Imprensa, programa da TV Brasil, segundo
suas próprias palavras, “recupera o assassinato de Trotsky da
lata de lixo da história”.
O programa tem seus altos e baixos, mas a estatura pessoal e
política de Trotsky, no 75º aniversário de sua morte,
sobressai de forma clara. O ponto provavelmente mais baixo do
programa foi a falta de qualquer explicação histórica sobre o
conflito entre Trotsky e Stálin, cuja apresentação restringiuse as rivalidades pessoais.
Outro ponto negativo foi nem sequer ter sido mencionado
que Trotsky teve uma posição diametralmente oposta à
de Stálin no tema da luta contra o nazismo. O programa, que
dedica toda uma apresentação de Alberto Dine ao tema do ultraesquerdismo stalinista do terceiro período, sequer menciona a
posição de Trotsky na luta pela frente única entre comunistas
e social-democratas. Dado que o programa centrava-se na figura
de Trotsky, mencionar a política do stalinismo que levou à
vitória do nazismo sem lembrar as posições do
revolucionário ucraniano é no mínimo estranho. Ate mesmo
porque a posição mais citada e respeitada de Trotsky nos temas
de política internacional foi a da luta pela frente única dos
trabalhadores contra o fascismo.
É também problemática a opinião de alguns comentaristas, em
particular Milton Temer. Ao longo de sua intervenção, o
dirigente
do
PSOL
deixa
a
entender
que
as
principais polêmicas de Trotsky com Lenin se expressavam na
disputa entre Mencheviques e Bolsheviques, tendo Trotsky muito
mais “pontos de acordo” com os Mencheviques. A afirmação de
Temer, na melhor das hipóteses, é incorreta. Enquanto, de
fato, Lenin e Trotsky polemizaram de forma dura entre si
durante
o
período
que
separa
1905
e
1917,
tais polêmicas centravam-se no tema da democracia interna nos
partidos revolucionários e na natureza da revolução russa
– Trotsky defendendo a fórmula da “revolução permanente” e da
“ditadura do proletariado”, e Lenin, até as Teses de Abril,
reivindicando para a Rússia uma “ditadura democrática dos
operários e camponeses”. Tal debate em nada se relaciona ao
cerne da polêmica entre Bolsheviques e Menchevques, que
defendiam uma revolução democrático-burguesa para a Rússia.
Sem mencionar que Lênin e Trotsky, ao contrário dos
Menchevques,
tiveram
a
mesma
posição
de
combate internacionalista à guerra imperialista de 1914 e
1918.
O programa, porem, também tem seus pontos positivos. A fala
final do Padura dizendo que ninguém ou quase ninguém hoje se
diz stalinista, ao passo que muitos que ele encontra são extrotskistas ou trotskistas, dá uma ideia ainda que difusa da
força de seu pensamento e de sua luta por ideias. Esperemos,
agora, pelo próximo programa sobre os trotskistas brasileiros.
https://www.youtube.com/watch?t=449&v=vWC_JdhfJY0
“Trotsky y la Marilyn” Reseña
del libro de Genaro Arriagada
Herrera
—Acompáñame en un homenaje a mi viejo partido.
¡Salud por la Internacional!
—Por la banca internacional que es la única Internacional que
nos queda –
contestó Alfredo blandiendo la copa desde la que calló un
chorro de licor. […]
—Por la derecha que volverá majestuosa, envuelta en la bandera
de las libertades… de todas las libertades, sin excepción.
—Por el eterno retorno del capitalismo y de los poderes
fácticos
–agregó Alfredo ya cansado de reír.
—Por la muerte de la lucha de clases y la ascensión
a los cielos del poder del dinero.
(pp. 342-343)
Mariano Vega Jara
La presente novela es la primera obra de un cientista
político, militante de la Democracia Cristiana (DC), el cual
ha mostrado una versatilidad en su vida profesional como
cuadro político de la elite chilena, siendo uno de los
artífices de la transición pactada a la dictadura militar,
como secretario ejecutivo del Comando del NO en el Plebiscito
de 1988 y de la Concertación de Partidos por la Democracia.
Abogado, académico, Ministro de Estado, Embajador, columnista
y ensayista de opinión sobre la política interior y exterior
chilena. Sin embargo, en una faceta impensada para un hombre
de dicha elite, se sumerge en la historia política reciente
del país para narrar los cambios sociopolíticos desde el golpe
de Estado de 1973 hasta las Jornadas de Protesta Nacional en
la década de los ’80 de siglo XX.
La obra está divida en tres partes que se interrelacionan por
los personajes y las historias que estructuran una narrativa
en torno a militancias políticas de izquierda o centro,
resistencia a la dictadura militar, exilio militante,
pacificación y normalización de la vida pública-privada,
cambios en la oligarquía chilena (de terrateniente e
industrial a banquera y financiera) producto del
neoliberalismo, y los beneficios económicos de la burguesía
chilena ante la recuperación patrimonial y las nuevas
inversiones en el mercado de las finanzas.
En la primera parte, el acontecimiento biográfico que
estructura el grueso de la obra es el golpe de Estado y las
consecuencias para la izquierda chilena. De manera
retrospectiva, el autor, evoca las dudas, temores y discursos
políticos prefabricados de los militantes de izquierda sobre
la viabilidad cierta de un presunto golpe de Estado y el
quiebre de las Fuerzas Armadas (FFAA) entre un bando golpista
y un bando constitucional. Aquel discurso prefabricado sería
el desencadenante de poner en práctica algún tipo de
resistencia al golpe militar, la acción hacia el terreno
militar que la izquierda había declamado públicamente durante
el gobierno de Salvador Allende si se daba un golpe de estado.
“¿Y las armas?, ya vendrían y sería tarea de los cordones
industriales repartirlas”, relata Arriagada.
Sin embargo, el discurso militante de la izquierda no
respondería a la realidad post-golpe, las capacidades de
resistencia armadas serían ínfimas y las FFAA no sufrirían un
quiebre en la verticalidad del mando. Las acusaciones entre la
izquierda sobre la culpabilidad del golpe ahondarían las
diferencias entre ellas y evitarían cualquier tentativa de
unidad para hacer frente a las FFAA. Así, la novela refleja la
tensión entre el Partido Comunista y el Movimiento de
Izquierda Revolucionaria sobre las vías de la revolución
chilena: “socialismo legal” o “revolución por camarada
máuser”. Ambas lógicas militantes verían desestructuradas sus
discursos prefabricados y pasarían a buscar la mejorar manera
de resistir a la dictadura militar, siendo el exilio o la
resistencia armada las vías según cada organización política.
En una segunda parte dos ámbitos son destacables en la
narrativa del autor, lo que da muestra de su retrospectiva de
experiencia y memoria para estructurar un relato marcadamente
por la tragedia y la derrota de la izquierda, no sin dejar su
cuota de “pragmatismo centrista” sobre los juicios hacia ésta.
En primer lugar, Arriagada presenta una heteromirada hacia la
izquierda y el centro político; en la izquierda, el militante
comunista es caracterizado a partir de considerar a marxismo
como filosofía, la supremacía del partido como organización,
la validez de su estrategia (etapista), el rol ascético
individual y colectivo, el rechazo al individualismo romántico
y el culto al héroe, el aventurerismo y la supremacía del ego
en alusión hacia el MIR. Su contraparte, el militante mirista
aparece como un romántico y ultraizquierdista, movido por
sensaciones y deseos más que por política, un “guerrillero
heroico de embriaguez romántica”, de una “revolución
imaginaria” y una “mitomanía armada”. Del centro político dirá
que es un militante racional, escéptico, desencantado, al cual
el autor no identifica con alguna militancia partidaria,
abriendo una hipótesis en entorno a dicho personaje se mueva
entre la social-democracia y la Democracia Cristiana, ya que
los juicios políticos y la narrativa inclinan a vislumbrar la
experiencia personal de Arriagada llevada a novela.
A pesar de aquellas heteromiradas, las relaciones sociales de
amistad entre los personajes y militantes de izquierda y del
centro político son resguardadas en lo físico, siendo las
visiones opuestas expresadas en el exilio (PC), la resistencia
armada (MIR) y el eclecticismo (DC) ante los militares. Mas,
lo central dentro de la heteromirada es la narrativa en torno
al pesimismo, la derrota, la desmoralización, el repliegue y
la ausencia de resistencia, derrotada por los militares en los
primeros años de la dictadura.
En un segundo lugar, la heteromirada hacia la burguesía
chilena y las reestructuraciones en su composición de clase.
En una hoja de ruta ejercida por los militares, las redes
políticas de la burguesía trastocarían la formación social y
la economía nacional al pasar de una oligarquía terrateniente
y una burguesía industrial, conservadores y políticos, a una
burguesía financiera empresarial en relación directa con los
militares como asesores técnicos de la economía dictatorial.
Es la “revolución conservadora” del neoliberalismo y los
Chicago Boy’s y su darwinismo económico que desplazó a la
vieja élite política capitalista por una nueva burguesía
moderna. Así, la propiedad privada de la tierra ya no genera
renta, es un lastre que atenta contra la dinamización del
capital financiero y la circulación del dinero. La nueva
tendencia los préstamos por medios de los bancos para la
inversión tanto de empresarios como trabajadores. Mas, tal
revolución objetiva descansaría en una subjetividad indolente
sobre la negación y silencio de las violaciones a los derechos
humanos, siendo su mecanismo para invisibilizarlo de la
realidad: “No preguntar, no hablar”. Aún así, tal revolución
capitalista llevaría a una crisis del propio sistema
financiero cuando el precio del petróleo y la imposibilidad de
pago de créditos extranjeros derriba el mercado bancario,
colapsando la economía neoliberal y la propia nueva burguesía
se desplazaría entre sí en búsqueda del Estado quien salvó
finalmente sus negocios al asumir la deuda con la banca
internacional.
Finalmente, dentro de esta segunda parte, el exilio militante
se presenta en su complejidad más dura. Previamente, el hecho
de la tortura en el militante inquiere ¿hasta dónde resistir?
¿Hablar y delatar?, aquello sería traición para el partido.
¿Suicidarse?, morir sin hablar como resistencia y liberación
de los apremios físicos y síquicos: una opción. El militante,
llevado a una soledad abyecta, despojado del partido-cuerpo
que lo cobija se ve enfrentado a la batalla entre la
supremacía de su ser individual y/o familiar o el partido y
sus compañeros militantes. El exilio no es más que la
constatación de la derrota, del desarraigo e inacción según
Arriagada, para el militante comunista es el destierro porque
enfila hacia el “socialismo real”, la República Democrática de
Alemania (RDA).
En este punto, el autor presenta el exilio comunista marcado
por el pesimismo, la vida gris y fría en la vida cotidiana del
socialismo real. La imposición de una vida austera en el
ámbito familiar-doméstico, consecuencia de la proletarización
forzada en fábricas industriales como retribución del
“internacionalismo proletario” al derecho de asilo. Una
familia de profesionales universitarios comunistas es
presentada bajo el ascetismo social y la tendencia e igualdad
salarial, sin vida cultural en las calles y depósitos de ropa
estatales. A ello se uniría la vigilancia constante de la
policía política hacia los exiliados y sus familias.
Indirectamente aquella cultura política comunista en el exilio
de Alemania Oriental, Arriagada da muestras del “stalinismo”
soviético más allá del Estado y el partido. Una cultura
política marcada por la imposibilidad de tener derechos
democráticos de representación popular, ausencia de libertad
sindical y de libre pensamiento, censura política y nulo
acceso a informaciones no oficiales del régimen soviético,
control policial de la vida privada y la inviabilidad de
deliberación democrática en los órganos del PC en el exilio.
La proletarización se convertía en la forma de proscribir,
prevenir y anular el debate interno sobre las causas de la
derrota chilena. Así, la mentalidad comunista derivaría en
profundizar el derrotismo por inactividad militante en la
resistencia contra la dictadura militar. El desánimo
estructura al militante comunista para invertir su opción
política y preferir el exilio en Europa Occidental, en el país
del “revisionista Bernstein o el renegado Kautsky”. Sin poder
contrarrestar tal marco objetivo de la realidad, la vida
familiar se resquebrajaría, las complejidades del matrimonio
se disociarían por la infidelidad masculina, peor aún, el PC
se enteraba de las críticas de “derecha” hacia el socialismo
real y de su infidelidad atentatoria contra la moral
comunista; normativa de “ideal revolucionaria” intachable.
“Todo dentro de la revolución, nada fuera de la revolución”.
Ante la disyuntiva dada por la jerarquía del PC, entre optar
por el autoexilio en la Europa capitalista o enmendar su vida
marital y responder al modelo de militante comunista ideal, la
negativa a esta última provocaría la expulsión del partido del
militante comunista y su consecuente salida de la RDA. En
esta, al decir del autor, moría el sentido militante y la
pasión por el socialismo.
Por último, el tercer tema que el autor sobrepone es la
(in)viabilidad de las protestas nacionales en la década del
’80 como mecanismo de derribar a la dictadura y Pinochet. Las
califica como un movimiento espontáneo e incontrolable, donde
los dirigentes sociales y políticos “hacen como que mandan y
los manifestantes como que obedecen”. Lo central de su
narrativa es expresar el derrotismo histórico del ciclo
quebrado en la UP y un eclecticismo pesimista ante aquellas
“liturgias” de marchas, paros y protestas nacionales. En este
lugar, lo que presumiría dos visiones opuestas de la salida
política al régimen militar entre un militante DC y un
militante PC, convergen en criticar, para el autor, el
voluntarismo, ultraizquierdismo y pérdida de la realidad
objetiva en caracterizar la situación pre-revolucionaria y la
insurrección por medio de la “Política de Rebelión Popular de
Masas” (PRPM) del PC.
Los años de la dictadura militar significarían para la DC un
posibilismo que varió entre apoyo, crítica y rechazo al
régimen para maniobrar en sus redes políticas con los
militares. La continuidad de la lucha y la resistencia social
y armada expresaría nuevamente un idealismo individualista,
romanticismo y heroísmo. Lo pragmático y realista más allá de
todo ideologismo sería la convergencia por el Acuerdo
Nacional, la unidad de la oposición anti-dictadura, la
negociación y la colaboración con libertades democráticas
vigiladas o democracia restringida. Un minimalismo expresado
en un programa mínimo de la oposición: “Habeas Corpus, Estado
de derecho, elecciones y democracia”, es decir, el programa de
la DC. Para el militante comunista, la crítica mordaz hacia su
dirección política por lo errado de la PRPM y la creación de
un aparato armado, el Frente Patriótico Manuel Rodríguez
(FPMR) como traición a la línea histórica del PC, la línea
reformista y política de más de medio siglo. Ante tal crítica
a la rebelión popular, nuevamente la expulsión del partido
sería decretada en la narrativa del autor por “atentar contra
el partido, su unidad, la revolución y la clase obrera”. La
crítica dentro del PC sería considerada inviable porque
destrozaría el monolitismo, la disciplina y la viabilidad de
la revolución como hecho histórico. Toda crítica, para el
autor, la reseña como “trotskismo”, atentatorio contra la
infabilidad del Secretario General y el Comité Central. En
pocas palabras, la cultura política stalinista.
En síntesis, la obra de Arriagada es un discurso invectivo
contra la historia de la izquierda durante la dictadura
militar y su resistencia social, popular y/o armada. Dicha
crítica estructura un relato a partir de la experiencia y la
memoria personal de la visión demócratacristiana a la realidad
de la época. La memoria desde el presente condiciona el pasado
para decretar la inviabilidad del sentido de la militancia
política de la izquierda. Negación de la necesidad de la caída
de Pinochet y de la revolución social, el enfoque principal
del autor es basarse en hechos reales para potenciar la
actuación de lo que estimó y sucedió históricamente. La salida
de Pinochet fue por negociación hacia una democracia
restringida en una transición pactada. La política
posibilista, minimalista o “realista” sería garantía de
continuidad del orden social, es decir, el modelo capitalista
neoliberal.
Mas, porque el título de la obra hace referencia a Trotsky
cuando secundariamente figura el líder del Ejéricto Rojo.
Textualmente, el diálogo entre militantes de izquierda y
centro entorno a dos cuadros fotográficos, uno de Trotsky y
otro de Marilyn, que se miran entre sí, separados por un
pasillo: “—A ver, a ver, ¿cuál es el mensaje revolucionario
que va entre la pera de Trotsky y las piernas de Marilyn?. –Me
cago en Trotsky—y, riéndose mientras esparcía camarones en los
platos de los comensales agregó—: pero esa huevadita de la
revolución permanente, aunque sea la pura frase me suena a
melodía”. (p. 22).
La tesis que se puede desprender de esta cita previa tiene
directa alusión a la narrativa de la obra y al actual contexto
socio-político. Abierto un nuevo ciclo político con las
movilizaciones estudiantiles desde el 2011 a la fecha, la
transición pactada subjetivamente se ha dado por finalizada.
Las amplias alamedas, al decir de Allende, nuevamente han sido
copadas y la ruptura de franjas de la sociedad, los
estudiantes en particular, han emergido la crítica al modelo
capitalista neoliberal y su capilaridad dentro del conjunto de
los explotados y oprimidos. En ese sentido, la referencia a
Trotsky en Arriagada es para deslegitimar una de las últimas
figuras con raigambre histórica en la izquierda mundial, a la
cual una nueva generación puede llegar a conocer por medio de
la crisis de los partidos de la Concertación, la derecha y el
propio Partido Comunista. Asimismo, tal deslegitimación va
hacia dos factores; un proselitismo anti-revolucionario por su
obra contra la viabilidad de la revolución y el socialismo, y
la potenciación del discurso posibilista y minimalista de la
DC, es decir, la transición pactada, en torno a los acuerdos y
negociaciones como medios de resolución de conflictos en la
sociedad civil.
La metáfora a la melodía de la revolución permanente como
discurso, voz, sin acción y el sarcasmo e ironía de la cita
introductoria, obedece a la legitimar la reconversión
militante y política hacia y en el capitalismo neoliberal de
quienes alguna vez abrazaron la idea de la revolución
socialista. Aquel “mensaje revolucionario” de Trotsky y
Marilyn reflejaría las contradicciones ideológicas emergentes
en sujetos de carne y hueso que terminan por sopesar
pragmáticamente, según el autor, la defensa de la transición
pactada por viejos líderes de izquierda reconvertidos en
administradores de los negocios de la elite política, a pesar
de las tibias críticas y reglamentación al “Dios Mercado”.
Para el autor, la revolución es una epopeya heroica, una lucha
armada y “bosques de banderas”. Un “deseo erótico”, un
“onanismo” sutilente a satisfacer el yo interior como
perfección moral. Un “acto estético” carente de racionalidad y
discusión sobre el tipo de socialismo. La revolución habría
fracasado en la Unidad Popular, pero aún así, para el autor,
siempre es válido recordar hacia el presente aquel discurso y
praxis de la burguesía: la revolución es imposible. El nuevo
ciclo político en Chile y sus diversos sujetos sociales podrán
decir lo contrario.
Bibliografía:
HERRERA, Genaro Arriagada. Trotsky y la Marilyn, JC Sáez
Editor, 2014, Santiago de Chile.
Literatura e Revolução
Diego Braga
Eram os anos de 1922 e 1923 na Rússia. Travavam-se as
primeiras lutas contra a burocratização stalinista do partido
bolchevique e da própria URSS, em meio à ainda escassa
produção agrícola e industrial e à periclitante situação da
ditadura do proletariado. Durante suas férias militantes neste
momento decisivo, o incansável Leon Trotsky recusou o cargo de
vice-presidente do Conselho de Comissários do Povo oferecido
por Lênin e se retirou para o interior da Rússia… para
escrever sobre literatura!
Trotsky escreveu os ensaios que compõem a coletânea publicada
com o nome de Literatura e Revolução como uma série de artigos
para o Pravda (jornal bolchevique da época). Não pretendia
produzir um livro, apenas um prefácio para um dos volumes de
seus escritos a ser publicado pela editora do Estado. Ocorre
que a reflexão sobre literatura se foi revelando como um dos
terrenos fundamentais no combate que se iniciava. Os ensaios
se expandiram e se transformaram em um livro à parte.
Se o fato de o ter escrito nas férias mostra que a cultura e a
literatura, como o próprio Trotsky deixa claro no livro1, têm
importância em certa medida complementar, postergável e
dependente, refletindo a construção das bases materiais e
políticas do socialismo mais que constituindo tais bases,
também é preciso atentar para o detalhe de que tais textos
sobre literatura e cultura foram redigidos num dos períodos
mais críticos, o da ascensão do stalinismo, o que evidencia o
quão decisiva era a questão da cultura na compreensão de
Trotsky acerca das tarefas revolucionárias do recém-fundado
Estado Operário. A cultura esteve sempre como um dos cavalos
de batalha na linha de frente da luta contra a burocracia.
Aprofundar e ampliar o acesso, a consciência, a compreensão e
a sensibilidade em relação à cultura tanto nas massas como no
partido era decisivo para evitar a degenerescência. Afinal, a
elevação do nível cultural era a precondição da participação
das massas na política, um dos ingredientes da argamassa que
daria solidez ao edifício revolucionário contra a intempérie
que acabou rachando por dentro sua estrutura antes que o
concreto secasse.
O problema, para os bolcheviques, era que a luta pelo avanço e
pela universalização culturais não dependia apenas de uma
decisão votada em congresso, de uma posição teórica ou
política, muito menos de uma canetada de comissário. Também a
caneta que assina um poema, um artigo científico ou um tratado
de filosofia não pode criar as bases econômicas, sociais e
políticas que permitem o surgimento de poemas, artigos ou
tratados, apenas ratificar sua existência e identificar sua
autoria. Por importantes que fossem as atitudes dos
bolcheviques em favor do avanço da cultura, tal avanço estava
atrelado ao desenvolvimento material da sociedade como um
todo, tal como uma biblioteca móvel na caçamba de um caminhão
não chega aos lugares mais remotos de um país atrasado se não
houver, primeiramente, um motor possante, combustível
abundante, estradas e um piloto competente para o caminhão. E
o decisivo: é necessário que todos trabalhem menos – maior
produtividade do trabalho – para que haja mais tempo livre
para ler. A revolução na cultura não depende apenas, portanto,
de posições estéticas ou filosóficas, nem somente de
resoluções políticas. Esta talvez seja a tese cultural
principal de Trotsky em Literatura e Revolução.
A burocracia tinha uma concepção distinta. Para a camarilha
que começava orbitar em torno a Stalin, tal como seria
possível construir o socialismo num só país atrasado e
devastado, era também viável – e desejável – a existência de
cultura “proletária”, mesmo com uma classe trabalhadora
inculta e materialmente carente. A cultura, como a política,
sob a burocracia, tornava-se não apenas determinada do alto
para baixo como também um campo administrativo gerenciado com
os métodos de escritório, mas cujas decisões se impõem com os
da repressão. Baixada qual decreto pela burocracia, de
proletária, a cultura sob o stalinismo tinha apenas o nome. O
processo de controle burocrático da cultura, que culmina com a
implementação do Realismo Socialista, é parte da stalinização
da URSS e do partido. Portanto, ao escrever sobre literatura
defendendo posições contrárias à produção artificial de
“cultura proletária” e ao controle da cultura pelo Estado sob
critérios administrativos (e não revolucionários), Trotsky
estava travando parte importante do combate contra a
burocracia.
Entre 1917 e 1928 havia pouco controle da cultura pelo
partido.
A
censura
bolchevique
a
periódicos
contrarrevolucionários era rigorosíssima, mas para os livros,
que tinham apelo de massa menor, era mais branda. A postura de
Trotsky a respeito da questão no âmbito da arte fica clara
em Literatura e Revolução: “(…) [o partido] não repudia a
priori qualquer grupo literário, mesmo composto unicamente de
intelectuais, por menos que este se esforce em aproximar-se da
Revolução e reforçar um dos seus laços (um laço é sempre um
ponto fraco) com a cidade ou com a aldeia, entre os membros do
Partido e os sem partido ou entre a intelligentsia e o
proletariado”2. Respeitando este critério, porém, “O Partido
orienta-se por critérios políticos e repele, na arte, as
tendências nitidamente venenosas ou desagregadoras. É verdade,
contudo, que a frente da arte está menos protegida que a da
política. Não ocorre o mesmo com a da ciência?”3. Enfim, “(…) O
Partido, evidentemente, não se pode entregar ao princípio
liberal do laissez-faire, laissez-passer, mesmo na arte, nem
por um só dia. A questão é saber quando deve intervir, em que
medida e em que caso”4.
Depois da Guerra Civil, editoras e organizações culturais
relativamente independentes floresceram. Inúmeros movimentos
artísticos não-socialistas refletiam o espírito da NEP, muitos
inclusive com viés crítico. Apesar de pobre e, em suas
realizações mais artisticamente acabadas, produzida por
círculos não-operários, a cultura durante a revolução viveu
uma explosão de criatividade a despeito dos poucos recursos.
Dados a necessidade de diálogo com as massas iletradas e seu
caráter de encenação e de mobilidade, o teatro foi o que mais
floresceu imediatamente após a revolução. A literatura, centro
das atenções do livro de Trotsky, demorou um pouco mais a
brotar, mas seria marcada também pela pluralidade e a
independência em relação ao partido, como no caso dos
movimentos futurista, formalista, imagista, etc.
Houve também uma cultura diretamente atrelada às tarefas da
revolução. Durante a Guerra Civil, carros com trupes teatrais
seguiam na retaguarda do exército vermelho. O teatro
soviético dos primeiros anos da Revolução Russa encontrou duas
vertentes: a primeira, uma teatralização da vida em que
acontecimentos eram convertidos em encenações, não como
dramaturgia. Eram comemorações da vitória do proletariado por
otimismo no futuro comunista, com comícios gigantescos,
canções em coro e tiros de canhão. Grupos treinados
de Agitprop que incluíam profissionais de teatro organizavam
os eventos culturais do Partido nas capitais e no interior. O
auge destas manifestações dos primeiros anos da Revolução foi
a encenação da Tomada do Palácio de Inverno, dirigida por
Nikolai Evreinov em Petrogrado, a novembro de 1920, quando a
vitória na Guerra Civil já era iminente. 15 mil participantes
incluindo soldados e atores apresentaram, para uma plateia
estimada de 100 mil pessoas, fanfarras, luzes, tiros e uma
grande estrela vermelha. Nesta celebração de Outubro à tomada
do palácio, entre fogos de artifício e o coro da
Internacional, seguiu-se uma encenação da Guerra Civil, com
uma plataforma branca e outra vermelha como palcos da vitória
esmagadora do proletariado, cena ovacionada pelas massas.
A outra vertente que floresceu no teatro soviético foi a
da teatralização do teatro, ou seja, encenações que se
empenhavam por construir a cena não como ilusão de realidade
ou expressão de fantasias, mas como declarações do caráter
“construído” do teatro e do mundo, construção que poderia e
deveria contar com a participação do público. Meyerhold e
Vakhtângov foram os precursores do teatro como obra aberta –
as massas deveriam atuar e criar. Como se vê, alguns dos
trilhos principais em que correriam os trens do teatro de
vanguarda no século XX foram colocados pioneiramente, apesar
dos parcos recursos, no contexto vitória do proletariado
russo. Ainda em 1925, após a morte de Lenin, é feita uma
declaração de neutralidade do partido frente a movimentos
artísticos concorrentes. Lunatchárski, Comissário do Povo para
Instrução que logo iria capitular à burocracia, ainda defende
liberdade à arte que não é abertamente oposta à revolução.
Em 1928 vem o decreto do Comitê Central: a literatura da URSS
deve servir ao partido. Enviam-se escritores a canteiros de
obras para produzir literatura enaltecendo o mundo do
trabalho. Em 1932 o stalinismo impõe tendências nacionalistas
frente ao ‘proletarismo’ da Rapp (Associação de Escritores
Proletários), substituída pelo Sindicato dos Escritores
Soviéticos, controlado por Stalin, ao qual se deveria estar
filiado para poder publicar. Por fim, em 1934, o Congresso dos
Escritores Soviéticos sanciona a adoção oficial do Realismo
Socialista (de Stalin, Gorki – que antes defendia liberdade
artística – e Zhdanov): o artista deveria então retratar a
realidade concreta, enaltecendo o progresso revolucionário
para educar os trabalhadores na ideologia oficial da
burocracia, sempre em tom otimista e teor heroico. Não poderia
haver muitos conflitos nos romances e dramas, porque a
sociedade soviética seria livre de lutas que justificassem
relações conflituosas. O objetivo era criar uma ideologia de
passividade no proletariado, para que ele não ousasse reclamar
o poder usurpado pela burocracia de volta para os soviets. É
contra as primeiras manifestações do que viria a ser esta
contrarrevolução cultural que, ainda em 1922 e 1923, Trotsky
escreve Literatura e Revolução.
O primeiro dos pontos de vista centrais combatidos no livro
diz respeito à tentativa de criar uma cultura artificial
supostamente proletária. Nesta questão, coincidia totalmente
com Lenin, que era inclusive partidário de medidas mais
radicais de repressão contra o Proletkult. Para Trotsky, estas
propostas de criação de cultura em cartório surgiam tanto da
incompreensão da visão do materialismo dialético sobre a
cultura quanto da demagogia que procura celebrar a penúria
cultural do proletariado imediatamente após a revolução com
denominações vazias que servem, inclusive, como desculpa para
retardar o necessário processo de sua aculturação. Como o
avanço cultural do proletariado era uma das artilharias que
poderia evitar ou repelir o avanço da burocratização, é
natural que a demagogia da “cultura proletária” fosse adotada
pela burocracia, que também não era muito
materialismo dialético, senão ao vulgar.
afeita
ao
Contrariamente às que o precederam, o proletariado é a única
classe que pretende que sua ditadura seja um “breve período de
transição”. É duvidoso que o proletariado possa criar uma
cultura própria neste intervalo de tempo, não apenas por ser
ele curto, mas também por ser ocupado sobretudo com a defesa
da sua ditadura contra a burguesia, com o desenvolvimento
econômico e com a luta pela revolução mundial. Será o período
em que o proletariado manifesta o auge de seu caráter de
classe. Por outro lado, quanto menos se preocupar com a defesa
de seu regime e com o desenvolvimento das bases econômicas do
socialismo, mais fraco se mostrará o caráter de classe do
proletariado. Assim, Trotsky diz que “(…) quanto mais
favoráveis se tornarem as condições para a criação cultural,
tanto mais o proletariado irá se dissolver na comunidade
socialista, se libertar de suas características de classe,
isto é, deixar de ser proletariado”, e conclui que “(…) não
haverá cultura proletária. E, para dizer a verdade, não existe
motivo para lamentar isso. O proletariado tomou o poder
precisamente para acabar com a cultura de classe e abrir
caminho a uma cultura da humanidade”5. “Não se pode criar uma
cultura de classe à revelia da classe”6, de modo que “A tarefa
principal da intelligentsia proletária para o futuro imediato
não está (…) na abstração de uma nova cultura – cuja base
ainda falta -, e sim no trabalho cultural mais concreto:
ajudar de forma sistemática, planificada e crítica as massas
atrasadas a assimilar os elementos indispensáveis da cultura
7
já existente” .
A segunda tese cultural defendida por Trotsky versa sobre a
relação do partido com a produção cultural. A postura de
Trotsky, muitas vezes classificada injustamente de anarquista
ou de liberal (o que costuma dar quase sempre na mesma), é
contrária ao controle burocrático da cultura pelo partido e
pelo Estado, como já mencionamos acima. No entanto, as
elaborações de Trotsky vão além. Numa postura genial acerca da
polêmica entre arte engajada ou arte livre, Trotsky mostra que
a contradição entre liberdade e engajamento político deve ser
superada dialeticamente. Primeiramente, reconhece, em última
instância, contra a estética burguesa, a teleologia da arte:
“A arte, mesmo a mais pura, é totalmente teleológica: se rompe
com os grandes fins, quer o artista tome consciência disso ou
não, degenera numa simples confusão. A teleologia encarna-se
na política. E a Revolução é a política condensada que lança
na ação massas de vários milhões de homens” 8 . Em seguida,
contra as ideias de que a arte deva ser apenas engajada, um
martelo para moldar a realidade, ao contrário de um espelho
para refleti-la, Trotsky declara: “Ensina-se o manejo do
martelo com o auxílio do espelho (…). Se não se pode dispensar
o espelho, mesmo para barbear-se, como construir ou
reconstruir a vida sem o espelho da literatura? Ninguém
certamente pede à nova literatura que tenha a impassibilidade
de um espelho. Quanto mais profunda a literatura, quanto mais
imbuída do desejo de modelar a vida, tanto mais dinâmica e
significativamente poderá pintar a vida”9. O mesmo se deveria
dizer do repúdio futurista à penetração psicológica e à
questão da vida quotidiana. Trotsky questiona: se a arte se
nega a fazer o homem se conhecer, penetrar em seu mundo
interior, como pode querer transformar o mundo? A revolta da
literatura contra o realismo burguês é muito justa porque este
limita a existência ao quotidiano burguês, mas o realismo que
liga a arte à vida para além dos círculos burgueses não deve
ser repudiado por isso, a menos que, como se subentende no
futurismo, se tenha uma concepção em última análise burguesa
de realidade, apesar da sincera simpatia de Maiakovksi pela
revolução.
Literatura e Revolução, enfim, abre um dos fronts fundamentais
de combate à burocratização, colocando a luta pelo avanço
cultural do proletariado e pela liberdade de criação, livre de
demagogias e antecipações cartoriais, e em seu devido patamar,
tantas vezes secundarizado por organizações revolucionárias e,
outras, supervalorizado por um suposto marxismo culturalista
pós-modernizante. A ideia central que salta das páginas desta
reflexão de Trotsky é que a arte mais livre e criativa não é
aquela que traz mais invencionices formais – por mais que
Trotsky reconheça a importância da pesquisa formal e da
técnica artística -, nem a mais individualista – ainda que
aponte a individualização do estilo enquanto expressão social
como caráter do amadurecimento artístico. Genuinamente livre e
criativa é a arte mais comprometida com a criação da liberdade
universal. Que a arte da classe trabalhadora, hoje em grande
parte privada da participação ativa no que há de melhor na
cultura, será, de fato, não uma arte de classe, mas uma arte
sem classes: arte socialista, seria mais correto dizer, em vez
de proletária.
Cabe ressaltar ainda a extrema beleza, comum nos textos de
Trotsky, aliada a um humor devastador – cujo sentido é
principalmente crítico – que, em seus melhores momentos,
provoca gargalhadas nos leitores. Sua extrema familiaridade
com a cultura Russa especificamente e com a cultura universal
como um todo é impressionante, quando não realmente
assustadora. Sua penetração crítica, profundamente realista e
dialética, não entra em contradição com passagens de brilhante
de imaginação utópica – no bom sentido – que inspiram e
emocionam:
“A sociedade futura irá se destacar da áspera e embrutecedora
preocupação do pão de cada dia. Os restaurantes coletivos
prepararão, à escolha de cada um, comida boa, sadia e
apetitosa. As lavanderias públicas lavarão bem as roupas.
Todas as crianças serão fortes, alegres, bem alimentadas e
absorverão os elementos fundamentais da ciência e da arte,
10
como a albumina, o ar e o calor do sol” , Assim, “(…) as
paixões liberadas irão se voltar para a técnica, para a
construção, inclusive da arte, que naturalmente se tornará
mais geral, madura, forte, a forma ideal de edificação da vida
em
todos
os
terrenos.
A
arte
não
será
simplesmente
11
aquele belo acessório sem relação com qualquer coisa” , e o
próprio corpo humano “(…) será mais harmonioso, seus
movimentos mais rítmicos, sua voz mais melodiosa. As formas de
sua existência adquirirão qualidades dinamicamente dramáticas.
A espécie humana, na sua generalidade, atingirá o talhe de um
Aristóteles, de um Goethe, de um Marx. E sobre ela se
levantarão novos cumes” 1 2 .
Referências Bibliográficas
TROTSKY, Leon. Literatura e Revolução. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2007.
1“A Revolução salvou a sociedade e a cultura, mas por meio da
cirurgia mais cruel. Todas as forças ativas concentram-se na
política, na luta revolucionária. O resto passa para segundo
plano, e a Revolução esmaga sem piedade tudo o que a ela se
opõe” [p. 153]. “Toda a nossa atividade econômica e cultural
hoje não passa de uma reordenação de nossos pertences entre
duas batalhas, duas campanhas” [p. 154].
2p. 74.
3p. 74.
4p. 75.
5p. 150.
6p. 156.
7p. 155.
8p. 95.
9p. 114.
10p. 152.
11p. 180-1.
12p. 196.
A propósito do regime interno
dos bolcheviques: a visão de
Trotsky
Enio Bucchioni
As divergências internas a um Partido significam
necessariamente o reflexo da existência de pressões de classe
em seu interior, ou seja, numa discussão interna uma das alas
é a “proletária, revolucionária” e as outras são pequenoburguesas ou pró-burguesas?
Buscando debater com estes questionamentos, o texto a seguir
narra, nas mais diversas situações e em anos distintos, seja
no interior do partido bolchevique, seja posteriormente na IV
Internacional, a compreensão de Trotsky sobre o regime interno
das organizações leninistas. Não se pretende, nem seria
possível, encerrar por aqui a concepção de regime interno de
um partido desse tipo. Nosso objetivo, portanto, é fornecer
informações para que todos os interessados no tema possam
conhecer, aprofundar e meditar sobre as palavras, idéias e
concepções desse grande revolucionário.
A burocracia stalinista reflete qual interesse de classes?
É muito comum a adjetivação de classe em relação aos
adversários numa luta política com o objetivo de
desqualificação dos oponentes, às vezes até mesmo de caráter
pessoal. Em vez de argumentos, fatos e análises, tenta-se
imprimir um rótulo desqualificativo para, na luta interna,
ganhar militantes com pouca ou nenhuma formação marxista. A
afirmação mecânica de que diferentes tendências em um partido
representam diferentes frações de classe, porém, era estranha
a Trotsky. Ao narrar uma de suas polemicas internas no partido
bolchevique, ele afirmava
“Por outra parte, não há de se entender de maneira
demasiadamente simplista o pensamento de quem sustenta que as
divergências no Partido e, com maior razão, os
reagrupamentos, não são outra coisa do que uma luta de
influências de classes opostas. Em 1920, a questão da invasão
da Polônia suscitou duas correntes de opiniões, uma que
preconizava uma política mais audaz, e outra que predicava a
prudência. Estas duas correntes diferentes constituíam
tendências de classes? Não creio que se possa afirmar isso.
Tratava-se somente de divergências na apreciação da situação,
das forças e dos meios. O critério essencial era o mesmo para
ambas as partes.
Acontece com frequência que o Partido está em condições de
resolver um problema por diferentes meios. E, se nesse caso,
se produzem discussões, é apenas para se saber qual desses
meios é o melhor, o mais eficaz, o mais econômico. Segundo o
problema em discussão, essas divergências podem interessar a
setores consideráveis do Partido, porém isso não quer dizer
necessariamente que exista uma luta entre duas tendências de
classe”.[1]
Muitas vezes, uma maioria de uma direção partidária que
caracteriza qualquer dissidência de desvios “pequenoburgueses”, considere-se “revolucionária e proletária e
sempre com a linha correta”. Como ficou comum em organizações
stalinistas, elas tendem a se transformar numa burocracia
permanente, numa fração majoritária que ‘toma o poder’ dentro
do Partido. Em geral, há interesses materiais nesse tipo de
agrupamento, mas há também o que se chama de “pequeno poder”,
principalmente no interior de organizações muito pequenas. É
a conquista do prestígio e a tentação de preservá-lo ad
eternum, seja como for possível.
Esse “pequeno poder” é bem real, pois tende a alinhar ao seu
redor os bajuladores desejosos de participar desse círculo.
Dentro de tal corte, é muito comum que surjam os ataques mais
raivosos contra todos aqueles que discrepam da linha oficial,
com o objetivo de afastá-los do Partido. Isso é feito, muitas
vezes, através da “auto exclusão”, ou seja, o(s) que está (ão)
em minoria acaba (m) por se afastar “voluntariamente” da
organização.
Assim se referia
stalinista:
Trotsky
sobre
o
poder
da
burocracia
“Todo desvio pode, no curso de seu desenvolvimento, se
converter na expressão dos interesses de uma classe hostil ou
semi-hostil ao proletariado. Dito isto, o burocratismo é um
desvio, e um desvio nada saudável; esperamos que esta
afirmação não seja polemica. No momento que isso ocorre, ela
ameaça desviar o partido de sua linha justa, de sua linha de
classe; é aí que reside o perigo. Porém (e esse é um fato
muito instrutivo e também um dos mais alarmantes) os que
afirmam com maior nitidez, com maior insistência, e até
brutalmente, que toda divergência de critérios, todo grupo de
opinião, ainda que seja temporário,são uma expressão dos
interesses das classes inimigas do proletariado, não querem
aplicar esse critério à burocracia”.[2]
O centralismo democrático para Trotsky
No livro Em Defesa do Marxismo Trotsky fazia a perfeita
relação entre o regime interno do Partido com seus militantes,
com as tendências e frações provisórias. Deve-se assinalar que
a única fração permanente foi a fração da burocracia
incrustrada nas entranhas dos aparatos do Partido e do Estado
soviético, e, por seus interesses como camada social, acabou
por exterminar todas as outras tendências e frações. Todo
burocrata que se preze não larga jamais a direção do seu
partido, qualquer que seja a política e a linha do mesmo.
Segundo Trotsky
“O regime interior do partido bolchevique se caracteriza
pelos métodos da centralização democrática. A concordância
dessas duas noções não implica nenhuma contradição. O partido
velava para que suas fronteiras estivessem sempre
estritamente delimitadas, porém entendia que todos os que
pertencessem a essas fronteiras tivessem o direito de
determinar a orientação de sua política. A liberdade crítica
e a luta de ideias formavam o conteúdo intangível da
democracia do partido. A doutrina atual que proclama a
incompatibilidade do bolchevismo com a existência de frações
está em desacordo com os fatos. É um mito da decadência. A
história do bolchevismo é, em realidade, a da luta de sus
frações. Como uma organização autenticamente revolucionária
que se propõe a mudar por completo o mundo e reúne sob suas
bandeiras aos negadores, aos sublevados, aos combatentes de
toda temeridade, poderia viver e crescer sem conflitos
ideológicos, sem agrupamentos, sem formações fracionais
temporais?. A clarividência da direção do partido conseguiu
atenuar e abreviar várias vezes as lutas fracionais, porém
não pode fazer mais que isso. O Comitê Central se apoiava
nessa base efervescente de onde extraia a audácia de decidir
e ordenar. A perfeita justeza de sua linha lhe conferia uma
alta autoridade, precioso capital moral da centralização”.[3]
Há quem pense, seja nas ideologias de direita, seja nos meios
de esquerda, que o conceito de centralismo-democrático
significa pura e simplesmente a submissão dos militantes
partidários às decisões da cúpula dirigente. Assim, caberia
tão somente aos adeptos do partido implementar, executar as
diretrizes da toda poderosa direção partidária. Tal afirmação,
porem, se choca com o trotskismo de Trotsky
“Os problemas de organização do bolchevismo estão intimamente
ligados aos de programa e tática (…)
Sabemos que que o regime se baseava nos princípios do
centralismo democrático. Se supunha, desde o ponto de vista
teórico, (e assim foi, desde o começo, na prática) que esses
princípios implicavam a possibilidade absoluta para o partido
de discutir, de criticar, de expressar seu descontentamento,
de eleger, de destituir, ao mesmo tempo que permitia uma
disciplina de ferro na ação, dirigida com plenos poderes
pelos órgãos dirigentes eleitos e removíveis. Se se entendia
por democracia a soberania de todo o partido sobre todos os
organismos, o centralismo correspondia a uma disciplina
consciente, ajuizadamente estabelecida, que pudesse garantir
de certo modo a combatividade do partido (…)
No decorrer dos últimos anos, temos visto os representantes
de maior responsabilidade da direção do partido fazer toda
uma série de novas definições da democracia no partido, que
se reduzem, no fundo, a dizer que a democracia e o
centralismo significam simplesmente a submissão aos órgãos
hierárquicos superiores (…)
Não se pode conceber a vida ideológica do partido sem grupos
provisórios no terreno ideológico. Até
descobriu outra maneira de proceder”[4]
agora
ninguém
Naturalmente, os grupos são um “mal” necessário, tanto como as
divergências de opiniões. Porém, esse mal constitui um
componente tão necessário da dialética da evolução do partido
com as toxinas com relação á vida do organismo humano.
Trotsky, as frações internas e as frações públicas
Em fins da década de 1930 e começos dos anos 1940, houve uma
imensa luta interna no Socialist Workers Party (SWP) norteamericano. A discussão, em essência, era sobre a defesa ou não
da União Soviética, das conquistas da revolução de Outubro
face à guerra mundial que se avizinhava e a possibilidade da
União Soviética vir a ser derrotada pelo imperialismo.
Era uma questão de princípio, numa realidade bastante
complexa, pois Stalin acabara de fazer um pacto com Hitler e,
em consequência, o exército vermelho e os nazistas invadiram a
Polônia e a ocuparam meio a meio.
A forte minoria, uns 40% do SWP, não defendia a União
Soviética por causa da existência da burocracia stalinista e
pela invasão da Polônia. Trotsky e a maioria do SWP defendiam
as conquistas de Outubro e, em consequência, a luta mortal
contra os imperialismos que ameaçavam invadir a União
Soviética e esmagar aquelas conquistas colossais do
proletariado mundial. Ao mesmo tempo, propugnavam a mais
impiedosa luta pela revolução política contra o stalinismo.
A dimensão da democracia interna, nas palavras e propostas de
Trotsky, assume uma preponderância extraordinária e é levada à
máxima potência com o intuito de preservar a unidade do SWP
até as últimas instâncias. No entanto, ao mesmo tempo, ele é
totalmente inflexível na argumentação política contra a
minoria.
Em meio a calorosas disputas com a minoria, Trotsky viria, em
uma carta a Joseph Hansen, relembrar seus partidários da
importância de garantir o mais amplo e livre debate como
instrumento para preservar o partido. A importância política
da disputa exigia flexibilidade democrática. Afirma Trotsky
“Alguns dos dirigentes da oposição estão preparando uma
cisão; para isso apresentam a oposição, no futuro, como
minoria perseguida. E muito característico de sua
mentalidade. Creio que devemos responder-lhes mais ou menos
da seguinte forma:
‘Vocês já estão preocupados com as nossas futuras repressões?
Prometemos garantias mútuas para a futura minoria,
independentemente de quem possa ser essa minoria, vocês ou
nós. Estas garantias podem ser formuladas em quatro pontos:
1) Não proibição de frações;
2) Nenhuma restrição à atividade fracional, além das ditadas
pela necessidade da ação comum;
3) As publicações oficiais devem, evidentemente, representar
a linha estabelecida pelo novo Congresso ;
4) A futura minoria pode ter, se assim desejar, um boletim
interno destinado aos membros do partido, ou um boletim comum
de discussão com a maioria.’
A continuação dos boletins de discussão depois de uma larga
discussão e um Congresso não é, evidentemente, uma regra,
mais sim uma exceção, aliás, deplorável. Mas não somos, de
modo algum, burocratas. Não temos regras imutáveis. Também no
terreno organizativo somos dialéticos. Se temos no partido
uma minoria importante que não está satisfeita com as
decisões do Congresso, é incomparavelmente preferível
legalizar a discussão depois do Congresso, do que ter uma
cisão.
Se for necessário, podemos inclusive ir mais longe e proporlhes publicar, sob a supervisão do novo Comitê Nacional,
resumos especiais da discussão, não só para os membros do
partido, como também para o público em geral. Devemos ir o
mais longe possível neste aspecto, com o fim de desarmar as
suas queixas, que são no mínimo prematuras, colocando-lhes
obstáculos que impeçam a preparação de uma ruptura.
De minha parte, acredito que, nas atuais condições, o
prolongamento da discussão, se canalizada com boa vontade
pelas duas partes, só pode servir para a educação do
partido”.[5]
Parlamentarismo, sindicalismo e o regime interno
A burocratização dos partidos revolucionários, principal
responsável pela morte dos debates internos, se relaciona a
diversos fatos. Muitas vezes, nas democracias-burguesas mais
estáveis, à adaptação ao regime liberal-burguês é o principal
responsável por isto.
Nestes casos, corre-se o risco do partido sofrer pressões
eleitoreiras. Também é um fato que sempre existiram
organizações que queriam mais e mais parlamentares achando que
o socialismo poderia vir através de uma maioria no Parlamento
e/ou fazendo alianças com setores “progressistas“ da
burguesia. Esse perigo existe.
Deve-se relembrar, no entanto, que a falência da II
Internacional há um século não foi apenas pela adaptação ao
Parlamento e aos governos de seus respectivos países. Os
poderosíssimos
sindicatos
dominados
pela
antiga
socialdemocracia também tiveram papel central nessa adaptação.
Tanto os ambientes parlamentares como os sindicais refletem
ideologicamente no interior de qualquer partido e podem criar
correntes e agrupamentos reformistas, ainda que camuflados por
uma verborragia superradical.
“Seria uma imbecilidade pensar que a ala proletária do
partido é perfeita. Os trabalhadores só alcançam gradualmente
uma clara consciência de classe. Os sindicatos sempre criam
um caldo de cultivo para desvios oportunistas.
Inevitavelmente teremos que enfrentar essa questão numa das
próximas etapas. Mais de uma vez o partido terá que recordara
seus próprios militantes sindicais que uma adaptação
pedagógica às camadas mais atrasadas do proletariado não deve
se transformar numa adaptação política à burocracia
conservadora dos sindicatos. Toda nova etapa de
desenvolvimento, todo aumento nas fileiras do partido e a
complexificação dos métodos de seu trabalho, não somente
abrem novas possibilidades como também engendra novos
perigos. Os operários nos sindicatos, ainda que educados na
mais revolucionária das escolas, frequentemente desenvolvem a
tendência a se liberar do controle do partido”[6]
Trotsky, a juventude e o regime interno
Entre os instrumentos para garantir a vida sadia no partido,
Trotsky via na rebeldia justa dos jovens um potente aliado. O
espirito questionador, dinâmico e não-conformista da Juventude
seriam importantes barreiras à burocracia.
No artigo sobre o “Novo Curso”, assim Trotsky entendia a
juventude estudantil na sociedade pós-revolucionária e no
interior do Partido, relacionando-os com o regime partidário e
o processo de burocratização em curso:
“Esta última (a juventude estudantil) como temos visto, reage
de maneira particularmente vigorosa contra o burocratismo.
Justamente Lenin havia proposto, para combater o
burocratismo, recorrer decididamente aos estudantes. Devido à
sua composição social e suas vinculações, os jovens
estudantes são um reflexo de todos os grupos sociais do nosso
partido, assim como seu estado de ânimo. Sua sensibilidade e
seu ímpeto os levam a imprimir imediatamente uma força ativa
a esse estado de ânimo. Como estudam , eles se esforçam para
explicar e generalizar. Isso não quer dizer que todos os seus
atos e estados de ânimo reflitam tendências sadias. Se assim
ocorresse, significaria, e não é esse o nosso caso, ou que
tudo marcha bem no partido ou que a juventude já não é o
reflexo do partido.
Em princípio, é justo afirmar que nossa base não são os
estabelecimentos de ensino, mas os núcleos de fábrica. Porém,
ao dizer que a juventude é nosso barômetro, designamos um
valor não essencial às suas manifestações políticas, mas algo
sintomático. O barômetro não cria o tempo, apenas se limita a
registrá-lo. Na política, o tempo é formado na profundeza das
classes e nos terrenos onde essas classes entram em contato
entre si….
(…) Além disso, um setor considerável de nossos novos
estudantes são comunistas que tiveram uma experiência
revolucionária bastante importante. E os partidários mais
obstinados do “aparato” se equivocam enormemente ao desprezar
essa juventude que é nosso meio de autocontrole, que deverá
tomar nosso lugar e a quem pertence o futuro”.[7]
Assim
era
o
regime
interno
para
Trotsky,
em
perfeita
continuidade com o partido bolchevique e com Lenin, o grande
artífice e criador do partido e do regime interno.
Assim era o regime interno da IV Internacional enquanto viveu
o seu maior dirigente.
Assim deve ser o regime para todos os que aderiram ao legado
desses dois dos nossos maiores mestres.
Referências bibliográficas:
TROTSKY, Leon. Textos sobre o Centralismo Democrático. Buenos
Aires: Antídoto, 1992.
TROTSKY, Leon. Em Defesa do Marxismo. São Paulo: Proposta,
s.d.
Notas:
[1] Trotsky, 1923, p 29
[2] Trotsky, 1923, p 28
[3] Trotsky, 1937
[4] Trotsky, 1923, 47-48
[5] Trotsky, 1940
[6] Trotsky, 1940
[7] Trotsky, 19
Contra o que os trotskistas
lutaram?
Alvaro Bianchi
O jornal Correio da Cidadania publicou recentemente um artigo
de certo Gilvan Rocha intitulado “Aos trotskistas”. Apesar do
título não se trata de uma carta ou de uma tentativa de
discussão e sim de um ataque a Trotsky e ao trotskismo, mal
informado e baseado em erros historiográficos primários.
Dentre outros aterradores achados o notável articulista afirma
que os trotskistas estiveram ausentes na “revolução boliviana,
de 1952” e no “Maio francês”, contrariando toda a
historiografia existente (toda, sem exceção). Obviamente Rocha
nunca ouviu falar das teses de Pulacayo, de Guillermo Lora e
Hugo Moscoso e também não deve conhecer o livro de Libório
Justo. Quem dirá de Henri Weber, Daniel Bensaïd, Jacques
Sauvageot, Alain Krivine e das dezenas, senão centenas de
estudos sobre o movimento estudantil francês que relatam o
protagonismo
maoístas.
dos
trotskistas
ao
lado
de
anarquistas
e
Livros não parecem ser o forte de Rocha. Ele também afirma que
“os trotskistas se empenham em esconder a sua obra ‘Nossa
Tarefa Política’”. Essa obra não existe. O livro foi publicado
na França com o título Nos tâches politiques [Nossas tarefas
políticas] (TROTSKY, 1970), traduzido pelo trotskista Boris
Fraenkel e com avant-propos de Marguerite Bonnet. O mesmo
livro, publicado pela editora trotskista New Park, na
Inglaterra recebeu o título de Our political tasks [Nossas
tarefas políticas] (TROTSKY, 1979). A editora New Park também
publicou o Report of the Siberian delegation (TROTSKY 1979a).
Ambas as versões encontram-se no site marxists.org. Traduzir e
publicar o livro, todos devem concordar, não é uma boa maneira
de escondê-lo.
Já dizia o renomado filósofo argentino Luis Landriscina que a
ignorância é uma condição social, mas a burrice é patrimônio
próprio. Que alguém não conheça a história da revolução russa
ou a luta contra o stalinismo é perfeitamente compreensível.
Que decida escrever sobre o tema, tornando pública essa
ignorância em um artigo, aí já é coisa bem diferente. Que
encontre cúmplices para tal, é escandaloso. Os editores do
Correio da Cidadania precisam explicar porque decidiram
divulgar tamanha ignorância. (Neste caso, como as alternativas
são ignorância, burrice ou má-fé, o melhor seria reconhecerem
logo a ignorância.)
Antonio Gramsci aconselhava a, na luta ideológica, enfrentar
sempre os adversários mais fortes e as teses mais resistentes.
Seu argumento era pleno de bom senso. Na luta políticomilitar, romper as linhas adversarias atacando o elo mais
fraco fazia sentido. Mas no debate e ideias, destruir os
auxiliares e suas fracas ideias não teria efeito algum. Não se
pretende aqui desprezar esse conselho. De fato, gastar tempo
com a burrice alheia é coisa para quem o tem de sobra. Mas
apesar do artigo de Rocha ser primário e
repleto de
contradições ele pode servir como pretexto para discutir o
fenômeno stalinista e debater algumas teses. O ponto de
partida é o parágrafo-síntese de seu artigo, o qual espreme
exóticas teses:
“O trotskismo, como produto subjacente da contrarrevolução
vitoriosa, na medida em que não assumiu a derrota e não
rompeu com as resoluções políticas aprovadas no X Congresso
do PC russo, em 1921, particularmente com o monolitismo, o
ultra-centralismo burocrático e o conceito de “partido da
revolução”, consagrou-se como uma indiscutível corrente
stalinista, embora dissidente da Terceira Internacional.”
Neste artigo pretende-se discutir apenas duas das exotéricas
teses presentes nesse parágrafo: a) a ideia de que o
“trotskismo” é um produto subjacente da contrarrevolução
vitoriosa e b) a afirmação de que o “trotskismo” não propôs a
revogação das resoluções organizativas aprovadas pelo X
Congresso. Em outra oportunidade discutir-se-á o conceito de
stalinismo tão mal utilizado pelo superficial autor.
O surgimento do “trotskismo”
Como corrente política o “trotskismo”, ou seja, a oposição à
direção stalinista, surge muito antes da vitória definitiva da
contrarrevolução, a qual só pode ser datada no final dos anos
1920 e início da década de 1930. Não é o objetivo discutir
aqui quando essa vitória ocorre e sim quando a oposição
liderada por Trotsky começou. Os historiadores da Revolução
Russa e do partido bolchevique registram um grande número de
debates fracionais e de oposições que surgem no interior do
partido depois de 1917. Os comunistas de esquerda, a oposição
militar, a oposição operária e o grupo centralismo
democrático, são os agrupamentos mais conhecidos (ver a
respeito BROUÈ, 1972 e DANIELS, 1988).
O próprio Trotsky envolveu-se em alguns desses debates,
opondo-se à maioria partidária e a Lenin a respeito do acordo
de paz de Brest-Litovski, em 1918, e da questão sindical, em
1921. Mas o que caracteriza a chamada oposição de esquerda,
liderada por Trotsky a partir de 1923 não é a divergência a
respeito de um ou outro ponto da política bolchevique e sim o
combate frontal contra a burocracia partidária. Esse combate
começou a ganhar contornos mais definidos em 8 outubro de
1923, quando o chefe do Exército Vermelho expôs suas opiniões
em uma carta dirigida ao Comitê Central do partido. A carta
visava a medida proposta por Dzerzhinsky segundo a qual todo
militante do partido teria a obrigação de denunciar a
existência de agrupamentos no partido ao CC, à Comissão de
Controle e à GPU. A medida, claramente burocrática revelava,
segundo Trotsky, a existência desses agrupamentos (frações) e
de um estado de espírito que estimulava o surgimento de
frações secretas.
Além de questionar essa medida Trotsky abriu fogo contra a
indicação de dirigentes partidários locais pelo secretariado
do partido. Segundo argumentou, mesmo durante a guerra as
indicações eram um décimo dos níveis que haviam atingido em
1923. Por meio desse mecanismo o secretariado do partido havia
criado um estrato de dirigentes intermediários que renunciava
a toda opinião independente. A burocracia partidária
alimentava-se desse mecanismo:
“A burocratização do aparelho do Partido desenvolveu-se em
proporções inéditas por meio do método de seleção pelo
secretariado. Tem sido criado um amplo estrato de
trabalhadores do Partido, entrando no aparelho de governo do
Partido, que renuncia completamente a sua própria opinião do
partido, pelo menos a expressão aberta das mesmas, como se
assumisse que a hierarquia do secretariado é o aparelho que
cria opinião Partido e as decisões do Partido” ( VVAA,
1975).
Esse pesado ataque não foi, senão, o primeiro passo. Uma
semana depois, 46 destacados dirigentes bolcheviques
encaminharam uma carta ao Politburo do partido no qual
manifestavam sua oposição aos rumos que a Nova Política
Econômica (NEP) havia assumido e à crescente burocratização do
Partido.[1] Trotsky não assinou a carta-plataforma, mas amigos
e colaboradores muito próximos, como Preobrazhensky, Smirnov,
Pyatakov e Antonov-Ovseenko, eram os organizadores da
iniciativa. Os termos da plataforma eram ainda mais duros e,
tinham, provavelmente, o objetivo de puxar a corda, forçando o
Politburo a um acordo com Trotsky e este a tomar a iniciativa.
Segundo os signatários:
“O regime estabelecido dentro do Partido é completamente
intolerável; ele destrói a independência do partido,
substituindo o partido por um aparato burocrático recrutado
que age sem objeção em tempos normais, mas que
inevitavelmente falhará em momentos de crise, e que ameaça
tornar-se completamente ineficaz em face dos graves
acontecimentos agora iminentes. A situação que foi criada é
explicada pelo fato de que o regime da ditadura de uma
facção dentro do partido, que foi, de fato, criado após o X
Congresso, sobreviveu a si mesmo.” (Plataforma dos 46.)
As palavras escolhidas eram fortes: “ditadura de uma fração
sobe o partido”. Já em sua carta, Trotsky havia demonstrado
fingida surpresa com a existência de frações secretas. Que
houvesse pequenos grupos de dissidentes todos sabiam e
toleravam, mas o que estava por detrás dessa fingida surpresa
era o reconhecimento da existência da troyka – Stalin,
Zinoviev e Kamenev –, a fração secreta que comandava o
partido. Entre os oposicionistas não havia dúvidas a respeito.
Assim como não havia incertezas a respeito do uso que esta
fazia dos instrumentos administrativos votados pelo X
Congresso.
Mas o debate dos oposicionistas estava longe de tratar esses
temas como princípios. Longe de afirmar uma “recusa” formal a
esses instrumentos administrativos, argumentavam que a
utilidade que eles poderiam ter tido em um contexto de crise
já não fazia mais sentido. A discussão sobre esse tema nunca
esteve no terreno dos princípios. Afinal tanto a proibição das
frações internas quanto sua aceitação não deixavam de ser,
igualmente, normas administrativas.
A pressão dos oposicionistas no mês de novembro e no início de
dezembro obrigou o CC a convocar uma conferência
extraordinária e a abrir as páginas do Pravda à discussão
sobre a “situação interna do partido.” A política da troyka
consistia em estabelecer um acordo com Trotsky, o qual
relutava em lançar-se publicamente à luta, separando-o da
aguerrida oposição dos 46. Um acordo entre Stalin, Kamenev e
Trotsky permitiu encaminhar, no dia 5 de dezembro, uma
resolução ao Politburo, a qual incorporava muitas das críticas
deste último. Mas o comandante do Exército Vermelho não estava
disposto a conformar-se e viu no acordo a possibilidade de
tornar públicas suas ideias.
No dia 8 de dezembro, Trotsky endereçou uma carta às plenárias
do partido que haviam sido convocadas, na qual afirmava que a
resolução do Politburo era de “uma significância excepcional.
Ela indica que o partido chegou a um importante ponto de
mudança em seu caminho histórico.” O texto de Trotsky era
bastante ambíguo. Ao mesmo tempo em que defendia o acordo e o
“novo rumo” que poderia dele derivar, enfatizava o risco de
degeneração burocrática da “velha guarda” e concluía que era
necessário reconhecer e enfrentar esse perigo aprofundando a
democracia do partido: “O partido não tem outros meios para
empregar contra este indubitável perigo que uma séria,
profunda e radical mudança no curso em relação à democracia
partidária e um fluxo cada vez maior em seu meio de elementos
da classe trabalhadora.” (VVAA, 1975.)
A publicação por Trotsky de O novo curso, ainda em 1923,
reafirmou essa conclusão. Enquanto isso, a troyka agia para
neutraliza-lo, ao mesmo tempo que abria pesada artilharia
contra os 46. Nas plenárias do partido realizadas na primeira
quinzena de dezembro o tom da discussão foi ganhando altura.
Na conferência de Moscou, Saporonov, um “velho bolchevique” de
36 anos, organizador do Grupo Centralismo Democrático, em
1919, e alto funcionário do partido, reagiu contra o relatório
apresentado por Kamenev, o qual defendeu a burocracia
partidária: “O camarada Kamenev votou favoravelmente à
resolução do Politburo, mas todo o seu discurso foi construído
em oposição a esta resolução sobre uma superestimação do
aparelho e uma subestimação do Partido.”
Apesar da reação cuidadosa de Trotsky, sua carta às plenárias
do partido, com toda sua ambiguidade, fornecia aos 46 os
argumentos e a oportunidade para levar adiante de maneira
explícita o combate. O sentido da resolução do Politburo
encontrava-se em disputa, mas também o sentido da carta de
Trotsky parecia estar. Para Saporanov: “A avaliação dos
camaradas Kamenev e Trotsky sobre o aparelho do Partido são
completamente contrárias e não é Kamenev quem está correto em
sua avaliação. É incorreto colocar a questão como se o
aparelho fosse nos salvar. Só ‘homens aparelhos’ podem ver a
salvação no aparelho e não na iniciativa do Partido.” (VVAA,
1975.)
Pouco depois, em dezembro do mesmo ano, Trotsky voltou ao tema
em um novo artigo. Neste o comandante do Exército Vermelho
mostrava que na prática o partido havia tolerado a existência
de frações e que essa atitude não havia sido alterada pelo X
Congresso, como se revelou na aguda luta política que teve
lugar em Leningrado, imediatamente após as frações serem
proibidas. O CC não apenas não tomou partido na disputa como
colocou-se no papel de árbitro entre as duas frações
existentes. Segundo Trotsky, os efeitos e a importância dessa
resolução haviam sido sobredimensionados pelo aparelho
burocrático do partido. Mas seu propósito original era apenas
auxiliar:
“A decisão do X Congresso proibindo as facções pode ter
apenas um caráter auxiliar; por si só, não dá a chave para a
solução de todas as dificuldades internas. Seria ‘fetichismo
organizacional’ acreditar que, independentemente do
desenvolvimento do partido, os erros da liderança, o
conservadorismo do aparato, as influências fora dele, etc,
uma decisão é suficiente para nos preservar de agrupamentos
e da desordem inerentes à formação de facções. Olhar para as
coisas desta maneira seria dar prova de burocratismo.”
(TROTSKY, 1923.)
Toda ênfase de Trotsky era colocada em um argumento já
presente em sua carta de outubro de 1923 ao CC: o aparelho
burocrático não deveria ser sobrestimado; a iniciativa dos
militantes do partido não poderia ser subestimada. Nessa
dialética entre aparelho e partido (militantes), o líder do
soviet de Outubro considerava importante relembrar ao aparato
que ele era o aparato do partido, eleito por ele e que não
poderia dele separar-se. E embora o argumento de Trotsky fosse
exposto de maneira cuidadosa ele, fundamentalmente, ecoava as
teses e as preocupações dos 46.
A luta pela democracia no partido tornou-se cada vez mais
aguda. Stalin julgava que o acordo com Trotsky e a resolução
do dia 5 de dezembro haviam encerrado a questão e não o
perdoou por ter publicado uma carta a todas as plenárias do
partido no dia 8 do mesmo mês. Dia 15 de dezembro, o
secretário-geral foi à luz pela primeira vez mostrar de que
lado estava na discussão por meio de um longo artigo no
Pravda. No artigo, o cruel georgiano anunciava que a oposição,
formada por comunistas de esquerda e remanescentes do Grupo
Centralismo democrático, já havia “sofrido uma esmagadora
derrota” (STALIN v. 5, p. 381). Stalin assim resumiu as
exigências democráticas dos oposicionistas:
“Enquanto exigia a plena implementação da resolução aprovada
pelo X Congresso sobre a democracia interna do partido, a
oposição, ao mesmo tempo insistia na eliminação das
restrições (proibição de grupos, a regra da unidade do
partido, etc) que foram adotadas pelo X, XI e XII Congressos
do Partido.” (STALIN, 1954, v. 5, p. 381.)
O artigo de Stalin era uma declaração de guerra em nome do
aparelho burocrático contra a oposição. Segundo pensava,
Trotsky havia ferido a disciplina do Comitê Central com sua
carta: “a qual não pode ser interpretada de outra forma do que
como uma tentativa de enfraquecer a vontade dos membros do
partido pela unidade e apoio ao Comitê Central e sua posição.”
(idem, p. 393). O secretário-geral não gostou nada de ver as
tendências burocráticas no aparelho bolchevique serem
comparadas com a degeneração da Segunda Internacional. Admitia
até que hipoteticamente existiria um risco de burocratização
no aparelho bolchevique. Mas a respeito disso trovejava: “Como
uma possibilidade, tal perigo pode e deve ser assumido. Mas
isso significa que esse perigo é real, que ele existe? Eu acho
que isso não acontece.” (STALIN, 1954, v.5, p. 395).
O mais notável no artigo de Stalin é que ele não concedia a
Trotsky nenhuma margem de acordo que não fosse a rendição. Não
bastava a moderação de Trotsky e sua renúncia a participar
diretamente do debate. Para o georgiano, a carta de 8 de
dezembro não era uma tentativa de constituição de um terceiro
campo ou de uma saída negociada com a troyka, ela teria o
objetivo velado de:
“diplomaticamente apoiar a oposição em sua luta contra o
Comité Central do Partido fingindo apoiar a resolução do
Comitê Central. Isso, de fato, explica o selo de duplicidade
que tem a carta de Trotsky. Ele está em um bloco com os
centralistas democratas e com uma parte dos comunistas “de
esquerda” – é aí que reside o significado político da ação
de Trotsky.” (STALIN, 1954, v. 5, p. 397)
O artigo de Stalin antecipou o tom da discussão em janeiro,
deixou claro que o objetivo era derrotar Trotsky e deu um
norte para a burocracia partidária, a qual era menos afeita às
oscilações de Zinoviev e Kamenev ou às sutilezas de Bukharin.
A luta continuou, assim, nos primeiros meses de 1924 nas
conferências provinciais e na XIII Conferência partidária,
realizada entre 16 e 18 de janeiro de 1924, uma semana antes
da morte de Lenin. Mas apesar da declaração de guerra lançada
por Stalin, o comandante do Exército Vermelho continuou a
mover-se cautelosamente.
A conferência de janeiro havia sido projetada pela troyka para
assegurar uma ampla maioria à burocracia partidária e impor
uma derrota definitiva à oposição. Poucos dias antes da
reunião, Trotsky publicou, com o título de Novo curso, uma
coleção de artigos e discursos, alguns dos quais já haviam
saído no Pravda. Embora os artigos já fossem conhecidos e
prevalecesse neles certa ambiguidade, a burocracia partidária
interpretou o movimento de Trotsky como mais um lance de apoio
à oposição.
Contando com ampla maioria, a troyka desfechou um ataque
frontal contra a oposição e, principalmente, contra Trotsky.
Em seu relatório, Stalin procurou caracterizar o comandante do
Exército Vermelho como alguém que “que se colocou em oposição
ao CC e se imagina como um super-homem, ficando acima do CC,
acima de suas leis, acima de suas decisões” (idem, p. 14). Em
sua réplica Stalin continuou e acusou Sapronov de agir
“insincera e hipocritamente” (idem, p. 35); Preobrazhensky de
parecer um “lavrador” (idem, p. 36); Radek, por sua vez, foi
apresentado como um “homem que tem uma língua que não pode
dirigir e que escravo de sua própria língua” (idem, p. 42); e
Antonov Ovsenko como alguém que estava em desacordo com “as
regras elementares de decência” (idem, p. 43-44).
Mas o brutal sarcasmo do chefe da troyka não bastava. Citações
da oposição foram manipuladas para comprometer Trotsky ao
mesmo tempo em que o grito de guerra de “menchevismo” foi
lançado pela primeira vez contra a oposições. Ainda assim era
necessário ir além e apelar para medidas administrativas
extraordinárias. Stalin fez isso em seu relatório retirando da
gaveta o parágrafo secreto da resolução do X Congresso do
partido. A resolução aprovada por aquele Congresso, em 1921,
no auge da luta sobre a questão sindical continha um
dispositivo que permitia ao CC, nos casos nos quais a
disciplina partidária fosse quebrada e ressurgisse o
fracionalismo, “aplicar todas as penalidades, até mesmo a
expulsão do partido” inclusive aos membros do Comitê Central
(idem, p. 24). Em seu relatório Stalin propôs incluir o texto
do X Congresso no relatório final e torna-lo público,
ameaçando claramente a oposição (idem).
Preobrazhensky não respondeu, durante seu discurso à ameaça de
Stalin. Mesmo assim, Stalin retomou a ameaça em um tom ainda
mais ameaçador:
“Você tem medo disso também? Será que vocês, Preobrazhenski,
Radek, Sapronov, estão pensando em violar a disciplina do
Partido, de reviver o faccionalismo? Bem, se isso não é a
intenção, então do que têm medo? Seu pânico mostra-se,
camaradas. Evidentemente, se vocês tem medo de ponto sete da
resolução de unidade, vocês deveriam ser favoráveis ao
facciosismo, à violação da disciplina, e contra a unidade.
Caso contrário, por que todo o pânico? Se a consciência está
limpa, se forem a favor da unidade e contra o facciosismo e
a violação da disciplina, então não é claro que a mão
punitiva do Partido não lhes tocará? O que há a temer,
então? ” (idem, p. 41)
Na plateia alguém reagiu: “Mas por que você incluiu o ponto se
não há nada a temer?”. Ainda mais amedrontador o georgiano
respondeu: “Para te relembrar.” (idem). Ninguém esqueceu a
ameaça. Ela ainda ecoou no XIII Congresso, realizado em julho
de 1924, quando, ao mesmo tempo em que anunciava a “promoção
Lenin” com vistas a abrir o partido a novos filiados alterando
sua composição social e política, Stalin defendeu a realização
de um “expurgo” interno, que livrasse o partido dos elementos
instáveis (v. 6, p. 239). E para que não restassem dúvidas do
que se avizinhava o secretário-geral caracterizou a oposição
como um “desvio pequeno-burguês”, abrindo o caminho para os
expurgos (idem, p. 232 e 242).
Conclusão
Stalin venceu essa primeira batalha pelo controle do partido,
isolando Trotsky. Mas em 1923-1924 a luta no interior do
Partido Comunista da Rússia (bolchevique) estava longe de ser
decidida. Em dezembro de 1923, o aparelho burocrático venceu
as votações em 348 células partidárias de Moscou, contra 162
que deram a vitória aos oposicionistas, um número nada
desprezível em que pese as inúmeras chantagens e ameaças
contra os militantes oposicionistas (cf. o interessantíssimo
artigo de HINCKS, 1992).
A batalha contra a burocracia estava dando seus primeiros
passos e coube aos 46 a vanguarda. Reunindo antigos
partidários do comunismo de esquerda com os centralistas
democráticos a plataforma lançada em dezembro de 1923
aglutinou os militantes que pouco depois conformariam a
Oposição de Esquerda sob a liderança de Trotsky.
A posição de Trotsky nos primeiros combates foi ambígua e
procurou, em mais de uma oportunidade, um acordo com a maioria
da direção. O comandante do Exército Vermelho pagou caro pela
sua vacilação, recebendo no XIII Congresso um número de votos
que lhe garantiu o 51º lugar entre os 52 eleitos para o Comitê
Central. Mas suas diferenças com esta eram grandes demais para
permitir uma solução negociada. Justiça seja feita, a
burocracia partidária compreendeu isso antes do próprio
comandante do Exército Vermelho. A luta dos 46 foi,
entretanto, levada a cabo em nome de Trotsky, como fica claro
nos discursos dos oposicionistas, particularmente
Preobrazhensky, Sapronov e Pyatakov, nas instâncias
partido.
de
do
Poucos meses mais seriam necessários para um novo conflito com
o centro partidário, um conflito que tornaria o criação da
oposição de esquerda incontornável para o próprio Trotsky. O
“trotskismo” não é, assim, um produto da “contrarrevolução
vitoriosa” e sim da luta contra a burocracia soviética
contrarrevolucionária. Nesta luta os oposicionistas de 1923,
assim como Trotsky, consideraram que já era o momento de
deixar as resoluções do X Congresso para trás e propuseram
explicitamente sua revogação ou reformulação. Afirmar o
contrário, como já foi dito, é ignorância, burrice ou,
simplesmente, má-fé.
Referências bibliográficas:
BROUÈ, Pierre. El partido bolchevique: México D.F.: Ayuso,
1972.
DANIELS, R. V. Conscience of the Revolution: Communist
Opposition in Soviet Russia. Boulder, CO, Westview Press,
1988.
HINCKS, Darron. Support for the Opposition in Moscow in the
Party Discussion of 1923-1924. Soviet Studies, v. 44, n. 1, p.
137-151, 1992.
STALIN, J. V. Works. Moscou: Foreign Languages, 1954, 14v.
TROTSKY, Leon. Nos tâches politiques. Paris : Denöel-Gonthier,
1970
TROTSKY, Leon. Our political tasks (1904). Londres: New Park,
1979.
TROTSKY, Leon. Report of the Siberian Delegation (1903).
Londres: New Park, 1979a.
TROTSKY, Leon. The new course. Ann Arbor: University of
Michigan Press, 1965.
VVAA. Documents of the 1923 Opposition. London : New Park,
1975.
[1] Neste artigo não sera abordada a polemica sobre a NEP.
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