‘Estados Operários Burocraticamente Deformados’? Por: Aldo Cordeiro Sauda Assinado entre Joachim Von Ribbentrop e Vyacheslav Molotov, segundo seu titulo, ele era somente um “acordo comercial de crédito”. Mesmo assim, em agosto de 1939, o mundo entrou em estado de alerta. O totalitarismo alemão assinava um pacto com o Estado (caracterizado então por Christian Rakovsky por seus resquícios operários e comunistas) dirigido por Joseph Stalin. Enquanto vastos setores da esquerda eram pegos de surpresa, a tranquilidade reinava em Coyoacán. Leon Trotsky, então em seu exílio mexicano e metido em mais uma das intermináveis disputas internas que marcavam o surgimento da Quarta Internacional, afirmava profeticamente em seu primeiro artigo publicado após o tratado, “Em 1933 declarei continuamente na imprensa mundial que o objetivo fundamental da política externa de Stalin é um acordo com Hitler”. (TROTSKY, 1973; p 76) Mesmo assim, ele não deixou de manifestar certo espanto na sua dura condenação à invasão da Polônia, cometida por Moscou em comum ação com os nazistas. Sua elaboração sobre a ocupação soviética é o primeiro estudo cientifico de um desafio metodológico para o marxismo de então. Precisava-se explicar a expropriação de uma burguesia nacional – “a expropriação dos expropriadores” – não pelas organizações da classe trabalhadora, mas por um exercito sob o controle de um partido burocrático contrarrevolucionário. Pacto Molotov-Ribentrof Assinado dia 19 de agosto de 1939 pelos ministros das relações exteriores soviético e alemão, Trotsky escreve sobre tais acontecimentos apenas no dia 2 de setembro. Mostrava pouca pressa para abordar o tema. Inicialmente intitulado “Trotsky Escreve sobre a Guerra e o pacto nazi-soviético” o texto foi rebatizado nas obras completas do dirigente exilado para “Stalin – o contramestre de Hitler”. Escrito para o jornal “Socialist Appeal”, periódico do Socialist Workers Party (SWP), o partido trotskista norte-americano, seu foco era dimensionar o processo nos marcos da revolução mundial. Sem revolução a derrubada de Hitler é inconcebível. Um revolução vitoriosa na Alemanha elevaria o nível da consciência de classe de amplas massas na União Soviética a um nível muito alto, tornando impossível a futura continuidade da tirania de Moscou. O Kremlin prefere o status quo, em aliança com Hitler (TROTSKY, 1973; p 77) Olhando inicialmente ao acordo, Trotsky vê em Stalin um ator coadjuvante na invasão nazista da Polónia. O texto não transmite que aquele descrito como chapeleiro de Hitler irá, também, partir à conquista. O pacto alemão-soviético não é nem absurdo, nem estéril – é uma aliança militar com divisão de tarefa: Hitler conduz as operações militares, Stalin age como seu contramestre. E ainda assim há pessoas que afirmam seriamente que o atual objetivo do Kremlin é a revolução mundial! (TROTSKY, 1973; p 78) Já o segundo texto público sobre o tema foi escrito dia 4 de Setembro de 1939. Sob o título de “A aliança Alemã-Soviética”, ele foi publicado novamente no jornal norte-americano Socialist Appeal. Apresentava um Trotsky confiante na força de sua analise. Dizia ele Tenho sido perguntado por muitos cantos porque não me expressei mais cedo sobre o pacto alemão-soviético e suas devidas consequências. Por conta de uma ocasião pessoal (doença e uma viagem da Cidade do México a um vilarejo) fui impedido de escrever. Imaginei, porem, que os eventos eram tão óbvios em si mesmo que se quer precisavam de comentário. Mais a realidade provou-se outra: em diferentes países ainda há pessoas – de fato, em números cada vez menores – que tem a coragem de descrever a traição do Kremlin como uma virtude política. (TROTSKY, 1973; p 81) Após reforçar que desde 1933 vinha defendendo a possibilidade deste acordo, e cujo prognostico estava presente no inquérito da comissão Dewy, o ex-dirigente do exercito vermelho dedicou uma parte do texto para desconstruir a propaganda soviética que se espalhava pela esquerda mundial. Alguns dos apoiadores menos inteligentes do Kremlin se recordaram, de repente (aparentemente eles não sabiam disto antes) que a Polónia é um “estado semi-fascista”. Aparentemente, sob a influencia benigna de Stalin, Hitler iniciou uma guerra contra o “semi-fascismo”. (TROTSKY, 1973; p 81) A União Soviética não agia por nenhuma benevolência junto à Polônia, muito pelo contrario. Intervia, segundo Trotsky, com uma política externa inconsequente de uma burocracia contrarrevolucionária que apenas pensava nos seus interesses imediatos. Stalin sabe muito bem o que está fazendo. Para atacar a Polônia e conduzir uma guerra contra a Inglaterra e a França, Hitler precisa da amigável “neutralidade” da URSS, além das matérias-primas soviéticas. O pacto político e comercial garantem ambos para Hitler. (…) O Kremlin abasteceu com petróleo a invasão italiana da Etiópia. Na Espanha o Kremlin cobrou o dobro do preço pelas péssimas armas que vendeu. Agora o Kremlin quer tirar uma boa quantidade de dinheiro vendendo matérias-primas a Hitler. Os lacaios do Comintern até neste caso não tem vergonha de defender as ações do Kremlin. Todo trabalhador honesto precisa virar suas costas a esta política! (….) Disse isto muitas vezes ao longo deste ano e repetirei novamente. O pacto alemão-soviético é uma capitulação de Stalin diante do fascismo imperialista com o objetivo de preservar a oligarquia soviética. (TROTSKY, 1973; p 81 – 82) Entre a assinatura do “Pacto econômico de crédito”, em 19 de agosto, e a invasão soviética da Polônia, iniciada dia 17 de setembro, Trotsky escreveu, além dos dois textos acima, o artigo “Quem é responsável por iniciar a Segunda Guerra Mundial”, “Moscou se mobilizando” e “Laços de proximidade entre Hitler e Stalin estão visíveis”. Em nenhum destes textos o líder da revolução de Outubro deixa a entender que previa uma invasão russa da Polônia. Em seu texto escrito as vésperas do ataque da URSS, “Laços de proximidade entre Hitler e Stalin estão mais visíveis”, quando já ficava claro que os estalinistas teriam um papel mais ativo na dissolução da Polónia que o de um “guarda-mestre”, Trotsky seguiu descartando uma possível ocupação soviética. Segundo ele, a escalada retórica em denuncias ao governo de Varsóvia nas paginas do Pravda tinha “dois objetivos simultâneos: 1) justificar o ataque de Hitler à Polônia; e 2) preparar cooperação mais ativa do Kremlin em apoio a Hitler”. Em momento algum Trotsky especula uma invasão propriamente preparada pela burocracia. (TROTSKY, 1973; p 89) Sua reação à conquista soviética da Polônia, portanto, carrega uma linguagem mais pesada na denuncia que os textos anteriores. Intitulada “Stalin – Proprietário temporário da Ucrânia” ela foi redigida no dia seguinte à invasão. A presença da questão ucraniana, e não polonesa, na capa do texto, se dá por motivações políticas e geográficas. Segundo Trotsky, Agora o Kremlin encobre sua intervenção na Polônia com a grande preocupação na “libertação” e “unificação” dos povos russos e ucranianos. (TROTSKY, 1973; p 91) Os soviéticos faziam isto porque a Polônia ocupava, de forma brutal, uma região da Ucrânia, cuja outra parte se encontrava na URSS. Porem, a mera unificação ucraniana pela via da ocupação militar, mesmo que executada por um regime de origem operária era algo objetivamente regressivo. Trotsky não deixa duvidas de sua total oposição à invasão da União Soviética sobre a Polônia capitalista. As aspirações de diversos setores da nação ucraniana por sua libertação e independência são completamente legitimas e tem grande importância. Mas estas aspirações são também dirigidas contra o Kremlin. Se a invasão for vitoriosa, o povo ucraniano não se encontrará “unificado” em sua libertação nacional, mas no escravismo burocrático. Além do mais, não é possível achar uma única pessoa honesta que defenderá a “emancipação” de oito milhões de ucranianos e russos [que lá habitam], ao preço da escravidão de vinte três milhões de poloneses (TROTSKY, 1973; p 91) Mais para frente, Trotsky aprofunda sua reflexão sobre o tema da “escravidão”, agora expressa na forma de “opressão e parasitismo burocrático”. (…) não é uma questão de emancipar um povo oprimido, mas de expansão territorial para uma área em que a opressão burocrática e o parasitismo será praticado. (TROTSKY, 1973; p 91) É importante ressaltar a preocupação central de Trotsky para denunciar o político, isto é, a “opressão burocrática”, a ser exercida na arena superestrutural. Não lhe importa, em nenhum dos textos, discutir sobre a economia e o modo de produção vigente. Não importava, portanto, se a economia da Polónia seria nacionalizada e planificada, ou tivesse seu comercio exterior monopolizado ou não pelo Estado. Burocratização do mundo Em uma carta escrita cinco dias antes da invasão russa da Polónia, Trotsky contatou James Cannon, então dirigente do SWP, contando-lhe do novo texto que escrevia, intitulado “A União Soviética na guerra”, que seria publicado no Socialist Review dia 25 de setembro de 1939. Mais tarde ele viria a integrar, prefaciado pela carta a Cannon, o primeiro texto da polemica do “Em defesa do Marxismo”. Texto voltado para uma disputa na sessão norte-americana da Quarta Internacional, o centro teórico do “A União Soviética na guerra” era polemizar com o conceito de “coletivismo burocrático” elaborado por Bruno Rizzi. A ideia central de Rizzi, expressa em seu livro “La Bureaucratisation du monde”, era sobre “uma nova formação social, que está substituindo o capitalismo em todo o mundo (stalinismo, fascismo, New Deal etc.)” e que jogava para fora da luta de classes o centro da dinâmica política mundial. (TROTSKY, 2009) No período imediatamente anterior à Segunda Guerra tal ideia se fazia amplamente difundido entre diversos autores marxistas da época, incluindo Friedrich Pollock, fundador da Escola de Frankfurt a quem Theodor Adorno e Max Horkheimer dedicam seu livro “A Dialética do Esclarecimento”. 1987) (ADORNO & HORKHEIMER, Em uma parte destacada deste texto, porem, Trotsky retorna à temática presente em seus últimos artigos. Com o sub-titulo “A questão dos territórios ocupados” o revolucionário bolchevique elevava para abstrações teóricas as consequências da invasão militar de um país capitalista pela União Soviética, que segundo Trotsky ainda era um estado operário. (…) provável que nos territórios [poloneses] que foram planejados para fazer parte da URSS, o governo de Moscou atue expropriando os grandes proprietários e estatizando os meios de produção. Esta variante é a mais provável, não porque a burocracia continue sendo fiel ao programa socialista, mas porque não deseja e nem é capaz de tomar o poder e os privilégios que comparte com a velha classe dirigente nos territórios ocupados. Aqui, é forçosa uma analogia literal. O primeiro Bonaparte deteve a revolução através de uma ditadura militar. No entanto, quando as tropas francesas invadiram a Polônia, Napoleão assinou um decreto: “A servidão está abolida”. Tal medida foi adotada, não porque Napoleão simpatizasse com os camponeses, e nem por princípios democráticos, mas pelo fato da ditadura bonapartista se basear em relações de propriedade burguesa e não feudais. À medida em que a ditadura bonapartista de Stalin se baseia na propriedade estatal e não na privada, a invasão da Polônia pelo exército vermelho levará, por si só, à abolição da propriedade privada capitalista, da mesma forma que fará com que o regime dos territórios ocupados estejam de acordo com o regime da URSS. (TROTSKY, 2009) Trotsky em momento algum questiona até que ponto irá a expropriação na Polônia; ela mimetizará, segundo ele, a formula de planejamento estatal da União Soviética. Mesmo assim, com a estatização dos setores mais dinâmicos da economia, com o monopólio do comercio exterior, e com a planificação da economia, a ocupação da Polônia pela União Soviética é regressivo no seu sentido mais totalizante. Afirma Trotsky Esta medida, de caráter revolucionário – “a expropriação dos expropriadores” – neste caso é levada a cabo de forma burocrático-militar. O chamado à ação independe das massas nos novos territórios – e sem tal chamado, inclusive formulado com extrema prudência é impossível constituir um novo regime – seria indubitavelmente esmagado no dia seguinte, por despiedosas medidas policialescas, visando assegurar a predominância da burocracia sobre as massas revolucionárias vigilantes. Este é um lado da questão. Mas existe o outro. Visando a possibilidade de ocupar a Polônia através de uma aliança militar com Hitler, durante muito tempo o Kremlin cansou e continua cansando as massas da URSS e no mundo inteiro, e com isso, desorganizou completamente as fileiras de sua própria Internacional Comunista. O critério político prioritário, não é, para nós, a transformação das relações de propriedade nesta ou naquela área, por mais importantes que sejam, mas a mudança na consciência e organização do proletariado mundial, a elevação de sua capacidade de defender as conquistas obtidas e conquistar outras novas. A partir deste único e decisivo ponto de vista, a política de Moscou, tomada em seu conjunto, conserva completamente o seu caráter reacionário, e é o principal obstáculo no caminho da revolução mundial. (TROTSKY, 2009) É importante destacar que Trotsky em momento algum negou que a medida anti-capitalista da expropriação da burguesia não era progressiva. Porem, para Trotsky, o sentido político, e não econômico, era o que reinava em ultima instancia. Afirma o dirigente comunista No entanto, nossa análise geral sobre o Kremlin e o Comintern, não modifica o fato particular de que a estatização da propriedade, nos territórios ocupados, é em si mesmo uma medida progressiva. Reconhecemos isso abertamente. Se amanhã Hitler lançar seus exércitos contra o Leste, para restaurar a “lei e a ordem” na Polônia Oriental, os operários avançados defenderão, contra Hitler, estas novas formas de propriedade estabelecidas pela burocracia bonapartista soviética. (TROTSKY, 2009) Trotskismos Ao analisar as posições de Trotsky frente à eliminação da burguesia polonesa pelo estalinismo, Isacc Deutscher, o mais condecorado dos biógrafos do revolucionário bolchevique, ligou-o diretamente a outra experiência histórica. Em seu posfácio do livro “O Profeta Banido”, o ultimo da trilogia sobre o dirigente marxista, Deutscher lembrou a oposição de Trotsky, quando comandava o Exercito Vermelho, em invadir nações capitalistas. Afirma Deutscher Por convicção teórica e instinto político, Trotsky apenas sentia desgosto da revolução pela via da conquista. Ele tinha se oposto às invasões da Polónia e da George em 1920-1, quando Lenin defendia a realização daquelas ações. Como Comissário da Guerra, ele categoricamente repudiou Tukhachevsky, um primeiro expoente do método neo-napolionico de levar revoluções a países estrangeiros. Vinte anos antes da segunda guerra ele tinha castigado os missionários armados do bolchevismo dizendo que preferia que “pendurem um tijolo no meu pescoço e me arremessem ao mar” a aplicar seus métodos de guerra. Sua atitude em 1940 foi a mesma de 1920. Ele via a revolução pela conquista como maior condutor do erro a afastamento da estrada revolucionária. (DEUTSCHER, 1963; p 420 – 421) No posfácio de Deutscher, “vitória na derrota”, escrito em 1963, ele discordaria da proposta política de Trotsky, afirmando, porem, que em ultima instancia ele havia se saído vitorioso. Para o historiador, a União Soviética, por conta de sua natureza estrutural de estado operário, poderia cumprir um papel objetivamente progressivo ao expropriar a burguesia polonesa. Isto se dava porque a URSS era, apesar da experiência estalinista, também objetivamente progressiva. Segundo Deuscher Esta claro que mesmo sob o estalinismo a sociedade soviética atingiu imenso progresso em muitas áreas, e esse progresso, atrelado à economia planificada e nacionalizada, atuou interrompendo e erodindo o stalinismo por de dentro. (…) Esta claro que a sociedade soviética tem conseguido, de forma relativamente vitoriosa, se livrar de debilidades pesadas, desenvolvendo ganhos herdados da era stalinista. Há muito menos pobreza na União Soviética, muito menos desigualdade e muito menos opressão no inicio dos anos 60 que nos anos 30 ou nos anos 50. (DEUTSCHER, 1963; p 418, 414) A consequência deste processo sobre a questão da ocupação da Polônia e subsequente expropriação da burguesia nacional por Stalin era obvia. A sociedade soviética, ao evoluir naturalmente, transformaria até a natureza da política externa da URSS, mesmo que executada de forma burocrática, em algo objetivamente progressivo. Entre trotskismo e o stalinismo, quando o internacionalismo revolucionário se chocou com o isolacionismo bolchevique, não foi o stalinismo que se saiu bem: o isolacionismo bolchevique morreu há muito tempo. Por outro lado, a capacidade de continuar da União Soviética, mesmo isolada, era muito maior que a imaginada por Trotsky; e, ao contrario de suas expectativas, não foi o proletariado do ocidente que os tirou do isolamento. Pela ironia da história, o próprio estalinismo malgré lui-même [contra a sua vontade] rompeu seu casco nacional. (DEUTSCHER, 1963; p 418) A invasão da Polônia, portanto, não era algo necessariamente regressivo como imaginava Trotsky. Ela poderia ser interpretada, afinal, como o romper de um “casco nacional”. Por conta das forças objetivas – essencialmente o desenvolvimento propiciado pela economia planificada – o estalinismo precisou expandir o socialismo. O neo-napolionismo que Trotsky combateu tanto nos anos 20 era na verdade o retorno do internacionalismo bolchevique nos anos 40. Mas Deustcher, como admirador de Leon Trotsky, acreditava que se o revolucionário de Outubro retornasse aos dias de seu texto, nos anos 60, faria uma autocrítica e possivelmente defenderia a invasão russa da Polônia. Por Trotsky ser um homem de ação, Deustcher afirma A lógica de sua atitude o levaria a aceitar a realidade da revolução no leste europeu, e a despeito de seu desgosto pelos métodos estalinistas, reconheceria as “Democracias Populares” como “estados operários”. (DEUTSCHER, 1963; p 421) Para o historiador, a invasão da URSS a Polónia, se não em 1939/40, certamente em 1942, era na verdade o estalinismo aplicando a política do trotskismo, em outras palavras, a “vitória na derrota”. O estalinismo, portanto, foi um intervalo ideológico bárbaro na história mais global da União Soviética, que por pressões “objetivas” retornaria automaticamente ao bolchevismo clássico, superando um período de exceção totalitária. O futuro, portanto, pertencia a Leon Trotsky, e não à burocracia. Os motivos para isto eram claros, a estrutura da economia planificada gerava contradições objetivamente progressivas. Pela modernização forçada da estrutura societal, o estalinismo trabalhou em direção à sua desconstrução e preparou o terreno para o retorno do marxismo clássico. (DEUTSCHER, 1963; p 423) Tal realidade objetiva, portanto, permitirá o retorno do trotskismo ao Kremlin, que segundo Deutscher expressava o fio de continuidade com as ideias de Marx e Engles Quando ele voltar, será mais que um ato atrasado de justiça à memória de um grande homem. Por este ato o estado operário anunciará que finalmente atingiu a maturidade, rompeu com as correntes da burocracia, e reencontrou-se com o marxismo clássico que havia sido banido junto a Trotsky. (DEUTSCHER, 1963; p 423) O mundo pós-restauração Trotsky, desde 1933, acreditava que a União Soviética iria fazer algum tipo de acordo com Hitler. Não previa, porem, que a União Soviética partiria para ocupar e anexar estados capitalistas, forçando-os a adotar seu modelo de planificação burocrática. Quando isto ocorreu, foi pego de surpresa. A burocracia, segundo ele, era anti-internacionalista por própria natureza. Mesmo que viesse a expropriar uma burguesia especifica de outra nação, a faria contra os interesses objetivos e subjetivos dos trabalhadores. A invasão da Polônia fortalecia politicamente e socialmente o regime burocrático russo, e por tanto, não era possível reagir a ela com otimismo. Nesta linha, os textos jornalísticos de Trotsky para o Socialist Appeal expressam sua preocupação em se diferenciar da esquerda que reivindica o acordo entre Hitler e Stalin, e depois, com mais força, a ocupação da Polónia. Ao contrário dos otimistas, que viam um “regime semifascista” ser substituído por um que se reivindicava “socialista”, Trotsky não via razão alguma para celebrar o avanço das relações de produção presentes na URSS para outros países, essencialmente porque ela era feita pelas mãos da burocracia. Foi no pessimismo de Trotsky, e não no otimismo de Deutscher, que a história se pronunciou. Ao contrario daquilo que Deutscher imaginava, a Polônia em momento algum evoluiu em direção ao “estado operário” com que o historiador sonhava ver Trotsky reconhecer. Os “estados sem burguesia” do leste não foram em direção a qualquer coisa remotamente similar ao socialismo da revolução de Outubro, mas, após um hiato historicamente curto e especifico, retornaram plenamente ao capitalismo. Isto significou, essencialmente, que o desaparecimento da burguesia nestes estados foi temporário, um epifenômeno. A velha-nova burguesia que surge após 1989 localiza-se em diferentes famílias e culturas coletivas que a burguesia que governava até 1939, mas, e este é o ponto central, ela retornou como classe dominante à Polônia. A ausência de burguesia no Estado polonês, portanto, foi apenas um fenômeno histórico passageiro corretamente denunciado por Trotsky. Passada a ocupação militar soviética, que se encerrou em 1989, a Polônia tornou-se um dos países mais reacionários da Europa, sob total domínio de sua nova-velha burguesia. Entre os destaques internacionais mais aviltantes vindos de Varsóvia está a recusa abertamente racista do governo de extremadireita polonês, contando tragicamente com respaldo popular, em receber refugiados sírios que se encontram nas fronteiras da Europa. Eis o destino da sociedade que um dia foi celebrada como pátria socialista por Deutscher. Mantendo-nos fiel a Leon Trotsky, vale destacar que a restauração burguesa na Polônia prova sua tese central sobre a revolução permanente. Afirmava o revolucionário bolchevique: É, entretanto, impossível negar categórica e antecipadamente a possibilidade teórica de que, sob a influência de uma combinação de circunstâncias excepcionais (guerra, derrota, quebra financeira, ofensiva revolucionária das massas etc.), os partidos pequeno-burgueses, incluídos aí os stalinistas, possam ir mais longe do que queriam no caminho da ruptura com a burguesia. Em todo caso, uma coisa está fora de dúvida: se mesmo esta variante pouco provável se realizasse um dia em algum lugar, e um “Governo operário e camponês”, no sentido acima indicado, se estabelecesse de fato, ele somente representaria um curto episódio em direção à ditadura do proletariado. (TROTSKY, 1937) A restauração burguesa na Polônia aparenta ter vingado a Trotsky. Sua “variante pouco provável”, na prática, nunca se concretizou. Isto porque o suposto “Governo operário e camponês” da Polônia (1939-1989) não representou “um curto episódio em direção à ditadura do proletariado”, mas um curto período em relação a si mesmo. Ao não transitar, na época em que sua burguesia foi temporalmente expropriada, rumo à democracia operária e ao socialismo, a expropriação de 1939 se provou um episódio historicamente secundário e limitado. 1939 não foi, como claramente expunha Trotsky, o inicio da revolução socialista na Polônia, assim como 1989 no foi, igualmente, o seu fim. O mesmo método de analise de Trotsky pode ser aplicado, posta a restauração burguesa em todo globo, para atualizar a compreensão das heroicas revoluções anti-capitalistas, que em países como Cuba ou China, levaram ao poder, de forma igualmente temporária e epifenomenal, regimes nãocapitalistas. Porem, como assinala o ex-chefe do Exercito Vermelho, elas nunca deram surgimento a um “governo operário e camponês” que transitaria para a ditadura do proletariado, tendo rapidamente sua burguesia retornado a cena. “A mudança na consciência e organização do proletariado mundial, a elevação de sua capacidade de defender as conquistas obtidas e conquistar outras novas” era, ao menos no debate sobre a Polônia, o centro do pensamento de Trotsky. A questão do “neonapolionismo” impedia o surgimento de qualquer coisa que se aproximava de uma democracia operária, condição que o dirigente revolucionário colocava como indispensável para o socialismo polonês. A revolução por cima, mesmo que vista por Issac Deutscher como um retorno torto ao internacionalismo bolchevique, era uma utopia reacionária. Parece claro o que substanciava Trotsky. O revolucionário, assim como Rosa Luxemburgo, jamais expressou entusiasmo pela expansão do socialismo sem a ação direta das massas, nem mesmo quando chefe do Exercito Vermelho. Talvez por isto que anunciava a evolução da consciência como “o critério político prioritário” na analise da questão polonesa, e não “a transformação das relações de propriedade nesta ou naquela área, por mais importantes que sejam”. Bibliografia: ADORNO, THEODOR; HORKHEIMER, MAX. Dialectic of Enlightenment. 1987, Stanford University Press, Stanford TROTSKY, LEON; Em Defesa do Marxismo. Proposta Editorial. Rio de Janeiro – https://www.marxists.org/portugues/trotsky/ano/defesa/index.htm (inclusão: 2009) TROTSKY, LEON; Programa de Transição. 1937 – https://www.marxists.org/portugues/trotsky/1938/programa/cap02.htm TROTSKY, LEON; Writings of Leon Trotsky, 1939-1940, Pathfinder Press, New York, 1973 DEUTSCHER, ISAAC; The prophet outcast, Verso books, London, 1963 *Os textos não necessariamente correspondem à posição do blog, mas sim, do autor Foto: O Ministro do Exterior da Alemanha, Joachim Von Ribbentrop (de braços cruzados), o líder soviético, Josef Stalin (de branco), e o Ministro do Exterior da URSS, Vyacheslav Molotov (extrema direita), após a ratificação do Tratado Molotov-Ribbentrop em 23 de agosto de 1939. Fotografia: autor desconhecido. O bilhete suicida de Joffe a Trotsky e a paixão política que não se pode deixar Tariq Ali & Adolf Joffe | Trad. Betto della Santa | Foto: Leon Trotsky e Adolf Joffe conversam em um automóvel seccional do Comitê Central bolchevique russo. [O Blog CONVERGÊNCIA edita a seguir uma crônica de Tariq Ali sobre o bilhete suicida de Joffe, dirigente bolchevique, diplomata soviético e membro da Oposição de Esquerda, que foi endereçado a Trotsky, ainda e quando tenha sido interceptado e seqüestrado pela cúpula da burocracia moscovita. Seu tema fala de um passado não ultra-passado, e de uma memória que não se deve perder. Logo abaixo o bilhete de Joffe, traduzido e publicado pela secção brasileira da Oposição de Esquerda, no jornal Luta de Classe, em 1930. Desejamos uma boa leitura a todos.] “Primeiro é preciso transformar a vida para cantá-la em seguida / […] Para o júbilo o planeta está imaturo / É preciso arrancar alegria ao futuro / Nesta vida morrer não é difícil / Difícil é viver e seu ofício.” (Por Vladimir Maiakóvski | Trad. Haroldo de Campos) Há pouco tempo atrás Lucio Magri, um dos mais respeitados intelectuais de esquerda em toda a Itália, voou para a Suíça, entrou em uma clínica e bebeu de sua cicuta fatal. No seu caso isso significou engolir uma pílula mortal. Por mais de alguns dias a Itália esteve em choque. De repente, Magri estava por toda parte. O parlamento italiano observou um minuto de silêncio, o comentário jornalístico foi amplamente simpático, mas, dentre os seus amigos mais próximos, houve genuíno malestar. Sua esposa, que morrera após uma longa doença, dois anos antes, desencorajara Magri de vestir o terno de madeira, insistindo em que ele terminasse seu livro sobre o destino do comunismo italiano. Com O Alfaiate de Ulm concluído e publicado, ele decidiu dizer adeus à vida. A perda de sua esposa foi o gatilho, mas havia outras razões por detrás. Ele não sentia-se mais contemporâneo de seu próprio tempo. O comunismo italiano e aqueles à sua esquerda, eles sim, haviam cometido suicídio político. Uma camarilha financeira governava o país, com o apoio incondicional de um octogenário presidente ex-comunista, a intelligentsia de esquerda entrara em colapso – então, qual era o sentido em seguir vivo? A maioria de seus amigos não ficaram convencidos – até mesmo sentiram raiva. Eles tentaram falar com ele sobre isso, mas Magri não se abalou. “Ser verdadeiro, simplesmente verdadeiro”, Stendhal escreveu uma vez, “é a única coisa que importa.” Para Magri, a verdade significava dar cabo da própria vida. Ele não foi nem o primeiro nem o último a sair de cena desta forma. Isto me lembrou um pequeno panfleto que eu tinha lido quatro décadas atrás, As Últimas Palavras de Adolf Abramovich Joffe (editado pelo Lanka Sama Samaja, no Ceilão, em 1950). Era um bilhete suicida de 16 de Novembro de 1927, endereçado a Leon Trotsky. Depois de concluir o bilhete, Joffe, um dos mais confiáveis dos diplomatas soviéticos, pressionou a pistola à própria têmpora e apertou o gatilho. O que me impressionara à época não foi tanto o suicídio em si, mas as qualidades humanas demonstradas, visíveis logo nos primeiros parágrafos: “Caro Liev Davidovich: Por toda a minha vida eu acreditei que o homem político deve saber quando sair de cena no momento certo, como um ator deixa o palco, e que é melhor ir mais cedo do que tarde.” “Por mais de 30 anos eu segui a filosofia de que a vida humana só tem sentido na medida em que, e enquanto, for vivida a serviço de algo infinito. E, para nós, a humanidade é o infinito.” “O resto é finito, e trabalhar para o resto é, portanto, sem sentido. Mesmo que a humanidade mesma possa vir a conhecer o seu próprio fim, o mesmo advirá em um tão remoto futuro que, para nós, a humanidade pode ser considerada enquanto um infinito absoluto. É é nisto, e tão-somente nisto, em que eu sempre encontrei o sentido maior de minha vida.” “E agora, debruçando o olhar para trás, sobre o meu passado, dos quais 27 anos foram vividos nas fileiras do nosso partido, parece-me que tenho o direito de dizer que durante toda a minha existência consciente eu tenho sido fiel a esta filosofia de vida. Eu vivi de acordo com este sentido vital: trabalhar e lutar para o Bem da humanidade. Eu creio que tenho o direito de dizer que não há um dia de minha vida que tenha sido sem sentido. Mas agora, ao que parece, chegou o momento em que a minha vida perdeu todo significado e, em consequência, sinto-me obrigado a abandoná-la, e levá-la a seu próprio fim.” Uma razão pela qual Joffe – um médico por formação – tinha deixado o palco era sua doença. Seguindo as instruções de Stalin, os médicos do Kremlin recusaram-se a tratá-lo e o Politburo se recusou a sancionar a verba necessária para que fosse ao estrangeiro. Por quê? Porque naqueles tempos caóticos e desconcertantes Joffe foi um dissidente, um dos principais membros da Oposição de Esquerda, um grupo da velha guarda bolchevique-leninista – liderado por Trotsky, Zinoviev e Kamenev – que se uniu depois da morte de Lenin para combater as políticas e práticas stalinistas. Eles foram manipulados, derrotados e expulsos da direção e, em seguida, do próprio partido. Repelidos pela fúria de facção desencadeada contra eles, Joffe, ao contrário de muitos outros, recusou-se a olhar para o lado e seguir em frente. Para homens como ele o silêncio nunca foi uma opção. Era sinônimo de submissão, e a integridade da vida interior de alguém como ele não poderia permanecer imune às violentas tempestades lá de fora. Joffe tinha visto como a Oposição de Esquerda fez negociar, aceitar concessões e capitular à decisão majoritária do partido, certa ou errada. Trotsky não tinha, até aquele momento, acatado à ideia avançada por alguns de seus partidários: uma ruptura total com a facção de Stalin e o anúncio de um novo partido. O oposicionista Karl Radek escreveu em uma carta a seus camaradas que na realidade o que tinham feito era ter se limitado a escolher “entre duas formas de suicídio político”: ou ser politicamente isolado do partido ou capitular e voltar a entrar nos termos de Stalin. Esta última seria, mais tarde, a própria escolha de Radek, e outros. A carta de Joffe reprovava Trotsky, sobretudo, por seu conciliacionismo: “Mas você muitas vezes renunciou a sua posição correta em favor de um acordo, uma concessão, cujo valor fora superestimado. Isso foi errado […] não tenha medo hoje se certas pessoas te abandonarem, e especialmente se muitos não vierem a assumir as posições corretas a seu lado tão rapidamente quanto desejaríamos. Você está do lado certo da história, mas a certeza da vitória de sua verdade reside precisamente em uma estricta intransigência, na rigidez mais austera, no repúdio a qualquer concessão, exatamente como sempre foi o segredo mais íntimo das vitórias de Ilich [Lenin]… Eu sempre quis dizer isso a você, mas só fui impelido a isso agora, no momento preciso de dizer adeus ao mundo…”. No mundo de hoje as paixões políticas – e as generosas pulsões – reveladas na Carta de Joffe lêem-se como se fossem escritas desde uma submersa Atlântida. Mas é parte de uma história que dominou o século anterior, e, quando nos aproximamos do Centenário da Revolução Russa (1917-2017), esta merece ser lembrada. Sua viúva – Maria Joffe – sobreviveu aos campos, e depois da morte de Stalin, deixou a União Soviética. Mudou-se para Israel. Seu livro, Uma Longa Noite [A Tale of Truth], continua a ser uma das muitas memórias afetivas desta era. Fonte: ALI, T. A suicide note to Trotsky… [Column]. The Guardian, 21th August, 2015, p.26. Leia abaixo, na íntegra, o bilhete suicida de Joffe a Trotsky: A Leon Trotsky Caro Liev Davidovich: Em toda minha vida sempre pensei que o homem político deve saber ir embora a tempo, como um ator deixa a cena, e que é melhor fazê-lo cedo demais do que tarde demais. Adolescente, ainda verde, defendi a correção da conduta de Paul Lafargue, e sua mulher Laura Marx, quando suicidaram-se, o que tanto barulho fez nos partidos políticos. E me lembro que repliquei asperamente a Augusto Bebel, muito revoltado por este suicido, que só é admissível discutir-se, a idade escolhida pelos Lafargue (pois não se trata aqui dos anos mas da utilidade possível do indivíduo), não se pode em caso nenhum contestar o princípio, para um homem público de deixar a vida no momento em que tem consciência de não poder ser mais útil à causa que seria. Há mais de trinta anos que fiz minha desta filosofia a minha, de que a vida humana só tem sentido na medida e enquanto está a serviço de um infinito que para nós é a humanidade, porque, sendo o resto limitado, trabalhar pelo resto é desprovisto de sentido. Se mesmo a humanidade deve ter um fim, este sobrevirá então numa época tal que, para nós, a humanidade pode ser considerada um infinito absoluto. E se tem como eu, fé no progresso, pode-se muito bem conceber que, mesmo em caso de perdição de nosso planeta, a humanidade encontre os meios de habitar outros mais jovens, e prolongue por conseguinte sua existência; e então, tudo que for feito em seu bem, em nosso tempo, se refletirá também nos séculos longínquos, quer dizer, dará à nossa existência a única significação possível. É nisto, e nisto somente, que sempre vi o sentido da vida; e agora, abarcando com o olhar a minha vida passada, dos quais 27 anos nas fileiras do nosso Partido, parece que tenho o direito de dizer que durante toda a minha vida consciente, permaneci fiel a esta filosofia, isto é, vivi segundo este sentido vital; o trabalho e a luta pelo Bem de toda a humanidade. Mesmo os anos de prisão e de cárcere quando o homem é afastado da participação direta na luta a serviço da humanidade, não podem ser riscados da vida com um sentido, pois, sendo anos de preparação cultural e de autodidática instrução, contribuíram para o melhoramento do trabalho ulterior; e por esta razão podem ser confundidos com os anos de trabalho a serviço da humanidade, tendo, portanto um sentido. Creio ter o direito de afirmar que nesta acepção, nem um só dia de minha vida foi desprovisto de sentido. Mas agora parece, chegou a hora, em que a minha vida perde o seu sentido e, por conseguinte, surge a obrigação de deixá-la, de lhe dar um termo. Há vários anos que a direção atual de nosso Partido, de conformidade com o seu método geral de não dar trabalho aos comunistas da Oposição, não me designa nem trabalho partidário nem trabalho soviético, cuja envergadura e caráter me permitissem ser útil no máximo de minhas forças. No último ano, você o sabe, o Bureau Político me pôs, como oposicionista, completamente de lado de qualquer trabalho político. Por outro lado, provavelmente em parte devido a minha doença e em parte devido a razões melhor conhecidas de você do que de mim – não pude, este ano, participar praticamente do trabalho e da luta da oposição. Foi com um forte combate interior e, no começo, a contragosto, que me resignei a esta forma de atividade que só esperei suportar tornando-me completamente inválido: o trabalho literário, cultural e pedagógico. Embora no começo achasse penoso, me entreguei decididamente a esta tarefa, esperando que ela continuasse a dar a minha vida a necessidade e utilidade de que falei acima; só elas a meu juízo podem justificar minha existência. Porém minha saúde vem piorando cada vez mais. Por volta de 20 de setembro, por motivo por mim desconhecidos, a Comissão Médica do Comitê Central me convocou para um exame de professores especialistas e estes diagnosticaram um processo tuberculoso ativo nos dois pulmões, uma miocardite, uma inflação crônica da vesícula biliar, uma colite crônica, apendicite e polinevrite crônica (inflamação múltipla dos nervos). Eles me disseram que meu estado de saúde era bem pior do que eu imaginava, e que nem devia pensar em prosseguir até o fim nos meus cursos nos estabelecimentos superiores (a Universidade de Moscou e o Instituto de Orientalismo). Acrescentaram que pelo contrário que pelo contrário seria mais razoável renunciar as estes planos e não ficar inutilmente nem um dia mais em Moscou e nem mais um hora sem tratamento e partir imediatamente para o estrangeiro, com destino a um sanatório apropriado. Como esta viagem não podia ser preparada em dois dias, me prescreveram certos remédios e tratamento. Para obtê-los tinha que ir à Policlínica do Kremlin durante algum tempo, até a minha partida. A minha pergunta direta: “Que possibilidade tenho de cura no estrangeiro e posso me tratar aqui na Rússia sem abandonar meu trabalho?”, os professores e os assistentes, o médico do Com. Central, camarada Abrossov, um outro médico comunista e o deão do hospital do Kremlin, A. Konseil, responderam claramente os sanatórios russos não podiam de nenhum modo curar-me e que eu devia contar com um tratamento no Ocidente, pois até então nunca me tratara mais de 2 ou 3 meses no estrangeiro; mas que agora eles para que eu fizesse uma estadia de seis fixar o máximo. Acrescentaram que, prescrições deles, não duvidavam que radicalmente, ao menos me seria dado período maior. insistiam justamente meses no mínimo, sem conformando-me as se não me curasse trabalhador por um Durante dois meses mais ou menos, nenhuma medida foi tomada pela Comissão médica do Comitê Central (foi ela entretanto que por sua própria iniciativa convocou a consulta em questão) relativo não somente a minha estadia no estrangeiro como do meu tratamento aqui. Ao contrário, a farmácia do Kremlin que sempre me fornecera remédios pelas receitas, ficou interdita de fazê-lo e eu fiquei, de fato, privado, de auxílio gratuito dos medicamentos que sempre usara. Fui obrigado a comprar os remédios indispensáveis nas farmácias da cidade (parece que isto se deu no momento em que o grupo dirigente do Partido começou a recorrer com os camaradas da oposição, à aplicação do método: “ferir a oposição no ventre”). Enquanto era suficientemente válido para trabalhar, quase não prestava atenção para isto, mas como o meu estado não parou de piorar, minha mulher começou a trabalhar junto à Comissão Médica do C. Central, pela minha ida para o estrangeiro, e pessoalmente junto a N. Semachko, que sempre publicamente quebrou lanças para realizar a sua fórmula “salvaguardar a velha guarda”. A questão era entretanto constantemente protelada e tudo o que pode obter minha mulher foi um resumo da decisão do conselho dos médicos. Neste resumo, minhas doenças crônicas eram enumerados e ficava constatado que o Conselho insistia pela minha partida para o estrangeiro “num sanatorium do tipo prof. Friedlander” e por um prazo podendo se prolongar até um ano. No entanto, há nove dias me deitei definitivamente, devido à acuidade e à agravação (como é sempre o caso) de todas as minhas doenças crônicas e sobretudo, o mais terrível, da polinevrite inveterada que tomou de novo uma forma aguda, me constrangendo a autar um padecimento infernal, absolutamente intolerável e me tirando até a possibilidade de andar. Com efeito, há nove dias que estou privado de qualquer tratamento e a questão de minha viagem ao estrangeiro não foi examinada. Nem um só dos médicos do Com. Central me veio ver. O prof. Davidenko e o dr. Levine, chamados à minha cabeceira, me prescreveram algumas insignificâncias que não puderam me aliviar em coisa alguma; reconheceu-se então “que não se podia fazer nada” e que a viagem ao estrangeiro era indispensável e urgente. O dr. Levine disse a minha mulher que o negócio não andava porque a Comissão Médica pensava naturalmente que minha mulher haveria de querer fazer a viagem comigo e que “assim ficava muito caro”. (Quando os camaradas que não são da oposição ficam doentes, são enviados ao estrangeiro, e muitas vezes até com a família, acompanhados de nossos médicos ou professores, eu mesmo sei de muitos destes caos e até reconheço que quando foi de minha primeira crise de polinevrite aguda, fui mandado ao estrangeiro, em companhia de minha família, mulher e filho, e do prof. Konabi; então ainda não existiam os costumes atualmente instaurados no Partido.) Minha mulher respondeu que apesar do triste estado em que me encontrava ela não pretendia absolutamente que eu devesse ser acompanhado por ela ou por alguém. Então o dr. Levine garantiu que nestas condições a questão seria resolvida rapidamente. Meu estado foi se agravando e meus sofrimentos se tornaram tão terríveis que reclamei enfim aos médicos que dessem ao menos um alívio qualquer. O dr. Levine me repetiu hoje que os médicos nada podiam fazer e que a única porta de salvação era a partida imediata para o estrangeiro. Ora, à noite, o médico do C. Central, camarada Potiomkine, avisou à minha mulher que a Com. Médica decidira não me enviar ao estrangeiro e de me tratar mesmo na Rússia. A razão era que os professores especialistas insistiam por um tratamento prolongado no estrangeiro, julgando uma certa estadia inútil e que o Com. Central só consentia em me dar para a minha cura uma soma máxima de 1000 dólares (2000 rublos) dizendo ser impossível dar mais. Como você sabe, dei no passado a nosso Partido outra coisa que um milhar de dólares, em todo o caso, mais do que custei ao Partido, desde que a revolução me privou de todos os meios e que não posso mais me tratar às minhas custas. Mais de uma vez, editores anglo-americanos me propuseram, por pagamentos de “minhas memórias” (à minha escolha, com a única exigência que dissessem respeito ao período das negociações importantes) somas que subiam até a 20.000 dólares. O Bureau Político sabe perfeitamente que sou bastante experimentado como jornalista e como diplomata, para publicar uma só palavra sequer prejudicial ao nosso Partido e ao nosso Estado. Ele não ignora tampouco que fui muitas vezes censor no Comissariado dos Negócios Estrangeiros e que na qualidade de embaixador também o fui para todas as obras russas editadas nos países onde servia. Há alguns anos pedia ao Bureau Político a permissão para editar esta memórias, tomando o compromisso de entregar ao Partido todos os honorários, pois me custa aceitar do Partido dinheiro para me tratar. Em resposta, fui prevenido por uma decisão do C. Central, nos termos da qual “é formalmente proibido aos diplomatas ou aos camaradas tendo tomado parte no estrangeiro publicar no estrangeiro suas reminiscências ou fragmentos de memórias sem exame prévio dos manuscritos pelo colégio do Comissariado dos Negócios Estrangeiros e o Bureau Político do Comitê Central”. Sabendo das irregularidades e dos atrasos que seriam ocasionados por esta dupla censura, resolvi em 1924 declinar de qualquer proposta. Encontrando-me recentemente no estrangeiro, recebi uma nova oferta garantindo-me 20.000 dólares de honorários. Sabendo, porém, como entre nós se falsifica a história de nosso Partido e da Revolução, não julguei possível emprestar o meu concurso a uma tal falsificação, não tendo dúvida de que toda a censura do Bureau Político (e os editores fazem questão do caráter pessoal das reminiscências, isto é sobre a caracterização dos personagens que nela desempenharam algum papel) consiste em não admitir uma justa apreciação dos personagens e de seus atos, nem destes nem daqueles, isto é nem dos chefes autênticos da Revolução, nem dos dirigentes atuais elevados a esta dignidade. Eu não acho possível editar memórias sem chocar de frente o Bureau Político e por conseguinte não vejo meio de me tratar sem receber dinheiro do Com. Central que, por todo o meu trabalho revolucionário de vinte e sete anos, acha razoável calcular a minha vida e a minha saúde numa soma não passando de 2.000 rublos. No estado em que acho atualmente me é evidentemente impossível realizar um trabalho qualquer. Se, a despeito de sofrimentos infernais, tivesse a força de continuar a série de meus cursos, uma situação desta ordem exigiria sérios cuidados, seria preciso me transportar por toda parte em “padiola”, me ajudar a procurar nas bibliotecas e nos arquivos os livros e materiais necessários, etc… No decorrer de minha última doença, tive a minha disposição todo o pessoal de uma embaixada: agora, segundo minha “categoria”, não tenho nem mesmo o direito a um secretário particular. Além disso, a desatenção para comigo de que se tem dado provas nestes últimos tempos, por ocasião, das minhas doenças (como agora; em que estou há dias praticamente sem socorro e em que o tratamento elétrico prescrito pelo prof. Davidenko não me é aplicado), mostra que não posso contar nem mesmo com uma coisa tão elementar como um transporte em padiola. Mesmo se fosse tratado, se fosse mandado ao estrangeiro, para a estadia indispensável, minha situação continuaria crítica no mais alto ponto: a última vez passei mais ou menos dois anos num estado de polinevrite aguda, sem fazer um movimento; não tinha então outra doença a não ser esta e no entanto todas as outras que contraí depois são conseqüências desta; agora já me descobriram seis. Mesmo se pudesse daqui por diante consagrar o tempo necessário ao tratamento, é duvidoso que possa contar com uma prolongação útil de minha vida. Agora então que se considera impossível tratar-me seriamente (pois o tratamento na Rússia e, segundo os médicos, sem esperança, e o tratamento no estrangeiro só por 2 meses também o sendo) minha vida perde todo o seu sentido, mesmo sem que se leve em conta minha filosofia esboçada acima. É duvidoso que se possa admitir como necessária uma vida passada em padecimentos incríveis, estando-se pregado numa cama sem movimento e sem possibilidade de realizar um trabalho qualquer. É por isto que digo que o momento chegou em que é indispensável por um termo a esta vida. Conheço a opinião geral do partido, contrária ao suicídio, mas suponho que todos aqueles que ficarem sabendo de minha situação não me condernarão por isto. Além do mais, o professor Davidenko acha que a causa da repetição da minha polinevrite aguda é a emoção destes últimos tempos… Se estivesse com saúde teria achado em mim a força e a energia suficientes para lutar contra a situação criada no Partido, mas no meu estado atual, reputo insuportável uma situação em que o Partido tolera silenciosamente a sua exclusão de suas fileiras, apesar de estar absolutamente persuadido de que, cedo ou tarde, haverá no Partido uma crise que o obrigará a rejeitar aqueles que o conduziram a uma tal vergonha… Neste sentido, minha morte é um protesto contra aqueles que levaram o Partido a uma situação tal que ele não possa de nenhum modo reagir contra este opróbrio. Se me é permitido comparar o que é grande com o que é pequeno, direi que a importância do acontecimento histórico que é a sua exclusão e a de Zinoviev, expulsão que há de abrir inevitavelmente um período thermidoriano na nossa Revolução, e o fato que me reduzem depois de 27 anos de trabalho revolucionário nos postos responsáveis do Partido, a uma situação em que nada mais me resta a fazer do que me meter uma bala na cabeça, estes 2 fatos, torno a dizer, ilustram um só e único regime do Partido. Talvez que os dois acontecimentos, o pequeno e o grande juntos, produzirão o abalo que acordará o Partido e o fará parar no caminho que vai dar em Thermidor. Sentir-me-ia feliz, se pudesse acreditar, que assim será, pois saberia então que não iria morrer em vão; entretanto, mesmo tendo a firme convicção de que a hora do despertar do Partido virá, não posso estar convencido de que ela já tenha soado agora… Entretanto, não duvido apesar de tudo de que a minha morte hoje seja mais útil que do que a prolongação de minha vida. Caro Liev Davidovitch, estamos ligados por dez anos de trabalho comum e, ouso, esperá-lo de amizade pessoal, e isso me dá direito de lhe dizer no momento do adeus, o que em você me parece ser uma fraqueza. Nunca duvidei da justeza do caminho traçado por você, que sabe que durante mais de 20 anos marchei com você, desde a “revolução permanente”. Mas sempre pensei que faltavam a inflexibilidade, a intransigência de Lenin, sua resolução de ficar, sendo preciso, sozinho no caminho que reconheceu como certo, na previsão da maioria futura, no reconhecimento futuro, por parte de todos, da exatidão desse caminho. Você sempre teve razão politicamente, a começar por 1905, e muitas vezes lhe contei ter ouvido, com os meus próprios ouvidos, Lenin reconhecer que em 1905 não fora ele mas você que tivera razão. Defronte da morte não se mente e o repito, agora, de novo… No entanto muitas vezes você renunciou a sua retidão em favor de um acordo, de um compromisso, que sobreestimava. É um erro. Eu o repito, politicamente, você sempre teve razão e, agora, mais do que nunca. Um dia, o Partido o compreenderá e a História há de reconhecê-lo. Assim, não receie hoje se alguém se separar de você, nem sobretudo se muitos não vêm para o seu lado tão depressa quanto nós todos o desejávamos. Você tem razão, mas a condição da vitória de sua verdade está precisamente numa estreita intransigência, na mais severa rigidez, no repúdio de todo compromisso, exatamente como isto foi sempre o segredo da vitória de Illich [Lenin]. Por diversas vezes tive vontade de lhe dizer isto, mas só agora me decide a fazê-lo, na hora do adeus final. Duas palavras pessoais. Atrás de mim ficam uma mulher, uma filha doente e um rapazola mal-adaptados a uma vida independente. Sei que nada pode você fazer agora por eles. Sob este ponto não posso contar em cousa nenhuma com a direção atual do Partido. Mas não tenho dúvidas de que o dia não está longe em que você há de retomar o lugar que lhe é devido. Então, não se esqueça dos meus. Eu lhe desejo energia, uma valentia iguais às de que tem dado provas até o presente, e a mais rápida vitória. Eu o abraço. Fortemente. Adeus. Moscou, 16 de novembro de 1927. A. Joffe. = Nota: A carta que se lê foi escrita pelo camarada A. Joffe, na noite do 15 para 16 de novembro de 1927 e dirigida a Trotsky. A vida de Joffe foi toda, até o seu último minuto, consagrada à causa da libertação da humanidade. Morreu aos 44 anos de idade. Ocupou no Partido e no Governo Soviético os postos de maior responsabilidade. Bolchevista desde 1900, foi depois de uma deportação na Sibéria, Presidente do Conselho Militar Revolucionário em 1917, depois tomou parte com Trotsky nas negociações de Brest-Litovsk. Em 1918 foi nomeado Embaixador dos Soviets em Berlim, dirigiu, com Tchitcherine, a comissão para as negociações com a Polônia e em seguida a delegação soviética na Conferência de Gênova. Foi o primeiro embaixador soviético em Pequim e depois no Japão. Foi quem assinou o tratado de paz entre o Japão e a União Soviética, quem dirigiu em Xangai (China) as negociações com Sun-Yat-Sen (o fundador do Kuomitang) e participou das negociações entre a Inglaterra e a URSS. Reduzido por uma polinevrite a uma invalidez quase completa, impossibilitando-o de tomar parte ativa nas lutas políticas de então Joffe não viu outro meio de ainda servir à causa da revolução – do que se matar, dando a sua morte uma significação precisa de protesto contra a exclusão de Trotsky do Partido e o regime de perseguição pessoal, adotado pela direção, na sua campanha contra a Oposição. A sua carta foi encontrada logo após sua morte sobre sua mesa. Não chegou, porém, às mãos de seu destinatário. Os seus funerais em Moscou, no dia 19 de Novembro, tiveram um caráter comovedor. Apesar de realizados nas horas de trabalho, compareceram milhares e milhares de operários, camaradas do Partido, delegações do Exército Vermelho. Tchitcherine falou oficialmente em nome do governo. Depois falaram diversos camaradas da Oposição, Rakovsky, entre outros, disse sobre seu túmulo, “ele partiu, quando compreendeu que era esta sua suprema maneira de servir ao Partido”. Por último, falou Trotsky, que, no meio de uma emoção brutal e dum silêncio indizíveis terminou o seu adeus dizendo: “Como tu o fez, juramos ir até o final – sem fraquejar – sob as mesmas bandeiras de Karl Marx e de Vladimir Lenin.” = Fonte: JOFFE, A. Última Carta para Leon Trotsky | 15 de Novembro de 1927 | Jornal Luta de Classe, Órgão Central da Oposição da Esquerda no Brasil, N.º 2, Ano 1, 2 de Junho de 1930. O jovem Trotsky: entre menchevismo e bolchevismo Gustavo Henrique Lopes Machado | O pensamento e, sobretudo, as posições políticas de Leon Trotsky no período que antecede a Revolução Russa foram, desde muito cedo, objeto de grandes debates e polêmicas. E isto não se deu sem motivo. Gozando de grande prestígio pela sua atuação na revolução de 1917 e na direção do Exército Vermelho, Trotsky foi o alvo prioritário da burocracia stalinista quando se tornou o porta-voz de sua oposição. Nesse cenário, as polêmicas e disputas entre Lenin e Trotsky, que se seguiram desde pelo menos o segundo congresso da Socialdemocracia russa – 1903, quando se deu o seu fracionamento entre Bolcheviques e Mencheviques–, foram largamente difundidas. Com particular intensidade as duras críticas de Lenin à Trotsky realizadas no período entre 1909 e 1912. Não é preciso remontar aqui o que já fora dito e redito um semnúmero de vezes. É suficiente mencionar que, com auxílio dessas antigas polêmicas, Trotsky fora convertido em menchevique e em inimigo número um do bolchevismo. Não sem razão, os trotskistas e o próprio Trotsky se dedicaram, desde então, a mostrar o outro lado da moeda. Particularmente, a mútua admiração que sempre existira entre os dois principais dirigentes da revolução de 1917, a confirmação histórica da teoria da revolução permanente elaborada por Trotsky desde o início do século, seu papel de destaque na revolução de 1905, suas críticas precoces e certeiras a visão estapista da história dos mencheviques e assim por diante. Por outro lado, as diferenças com Lenin foram, regra geral, expostas do seguinte modo: a revolução de 1917 marcou a aproximação de Lenin da teoria da revolução permanente de Trotsky e a adesão desse último à concepção de partido sustentada pelo principal Bolchevique, reconciliando-os. dirigente do partido Apesar desta conclusão não ser, em suas linhas mais gerais, falsa, distante está de dar conta do cerne das diferenças entre os dois. Em verdade, Lenin raríssimas vezes abordou o tema da teoria da Revolução Permanente. Trotsky, inclusive, sustenta, anos depois, que Lenin sequer havia lido seus escritos sobre o tema. Por outro lado, exceto por um antigo ensaio denominado Nossas Diferenças Políticas, a questão da concepção de partido em Lenin encontra-se praticamente ausente nos escritos conhecidos de Trotsky até a revolução. Qual seria, então, o motivo central do embate entre Trotsky e Lenin no período entre a cisão da social-democracia russa e a revolução de 1917? Em função das calúnias a que foi sistematicamente submetido, da identificação caricatural do stalinismo com o leninismo, o próprio Trotsky não deixou de nuançar a real natureza de suas divergências com Lenin no período anterior a sua adesão ao bolchevismo. Tratava-se do conciliacionismo ou do centrismo de Trotsky que, em todo período precedente, batalhou pela unidade entre bolcheviques e mencheviques, entre revolucionários e reformistas. Não foi casual que somente em seu último e inacabado escrito, a biografia de Stalin, Trotsky dedicou um espaço considerável a este tema. Por isso, nesse artigo, nos centramos exclusivamente nesse texto, tendo em vista esclarecer o conteúdo central da polêmica de então. Sobretudo, hoje, passados 25 anos do sepultamento definitivo do aparato stalinista no leste europeu, já é chegada a hora de reexaminarmos a questão sem a interpenetração das caricaturas do passado, para dela retirarmos as devidas lições. O conciliacionismo de Trotsky É sabido que Trotsky, já na sua juventude, desenvolvera a tese de que somente o proletariado russo poderia assumir o papel dirigente em uma futura revolução nesse país. Mais ainda. Tal revolução, em função da posição social do proletariado, assumiria tarefas imediatamente socialistas. Sua concepção se opunha tanto a visão etapista menchevique-plekanoviana da necessidade de uma longa etapa liberal burguesa na Rússia, assim como a teoria do próprio Lenin que acenava, ainda que temporariamente, na direção de um governo operário-camponês nos marcos de uma República burguesa. Trotsky poderia, nesse caminho, ainda que grosseiramente, ser caracterizado como à esquerda dos Bolcheviques. Como explicar, portanto, o fato de ter batalhado tão persistentemente pela reconciliação entre bolcheviques e mecheviques?(1). O próprio Trotsky nos explica: em sua antiga acepção, com o irromper de uma “nova Revolução, sob pressão das massas trabalhadoras, as duas frações iriam de qualquer maneira ser compelidas a assumir uma posição idêntica, como o haviam feito em 1905” (TROTSKY, 2012, 354). Em outro lugar, assinala o que seria “calcanhar de Aquiles’ do `trotskismo’: “o conciliacionismo, associado à esperança de uma reencarnação revolucionária do menchevismo” (TROTSKY, 2012, 376). Qual seria o pressuposto teórico dessa visão conciliacionista propugnada por Trotsky? Em que se baseava sua crença de que o menchevismo se envergaria para posições revolucionárias sob o influxo de um processo revolucionário? Em outra passagem, o revolucionário russo esclarece seus pressupostos: a “política de conciliação crescia nas esperança de que o próprio curso dos acontecimentos pudesse proporcionar a tática necessária” (TROTSKY, 2012, 354). Ou seja, na acepção do jovem Trotsky, as táticas são “proporcionadas” pelo movimento, pelos acontecimentos e não em função do objetivo final, já que este último é engendrado espontaneamente pelo primeiro. Tratava-se unicamente de fomentar um bloco à esquerda e, feito isto, a realidade mesma se encarregaria do resto. Tática e estratégia, meios e fins são separados por um abismo. Tanto é assim que logo em seguida complementa: “o otimismo fatalista significa, na prática, não apenas repúdio a luta fracional, mas da própria ideia de um partido, porque, se ‘o curso dos acontecimentos’ é capaz de, diretamente, ditar às massas a política correta, qual a utilidade de qualquer unificação especial da vanguarda proletária, da elaboração de um programa, da escolha de dirigentes, do prepara no espírito da disciplina?” (TROTSKY, 2012, 355). O raciocínio empírico oculto sobre tal equívoco não é difícil de deduzir. Com a reação que se abateu a partir de 1909 na Rússia, a tendência à unidade a todo custo se acirrou nas fileiras da social-democracia. Como explica Trotsky: a “contínua fragmentação do Partido em pequenos grupos, que travam batalhas implacáveis no vácuo, despertou, em muitas frações, o desejo de acordo, de conciliação, de unidade a qualquer preço” (TROTSKY, 2012, 354). Parafraseando Bernstein, como o movimento é tudo e o objetivo final brota espontaneamente desse movimento, a força das posições revolucionarias são medidas em função da dimensão quantitativa do bloco que se contrapõem à classe dominante, independente de seu programa específico. No entanto, a autocrítica de Trotsky foi completa. Destaca que certos “críticos do bolchevismo […] encaram o meu velho conciliacionismo como expressão de sabedoria. Contudo, o seu erro profundo já foi há muito demonstrado tanto na teoria como na prática” (TROTSKY, 2012, 354-355). Tal erro profundo consiste basicamente no seguinte: Uma simples conciliação de frações só é possível ao longo de uma espécie de linha ‘média’. Mas onde há garantia de que esta diagonal possa coincidir com as necessidades do desenvolvimento objetivo? A tarefa da política científica é deduzir um programa e uma tática de uma análise da luta de classes, não do paralelogramo [sempre instável] de forças secundárias e transitórias, como frações partidárias. Na verdade, a posição da reação era tal que apertava a atividade política de todo Partido dentro de limites extremamente estreitos. A esse tempo, poderia parecer que as divergências não tinham importância e eram, artificialmente, inflamadas pelos dirigentes emigrados. Contudo, precisamente durante o período da reação, o partido revolucionário não poderia forjar os seus quadros sem perspectivas mais amplas” (TROTSKY, 2012, 354-355). Como se vê, para o Trotsky pós-1917, a elaboração teórica de uma política não se baseia na somatória ou justaposição de partidos ou frações, não se funda em uma linha média tacejada na somatória de várias organizações de esquerda, mas nas “necessidades do movimento objetivo”. Por isso se deduz “um programa e uma tática de uma análise da luta de classes”. É interessante notar que, segundo Trotsky, é justamente em um período de reação que um partido precisa forjar seus quadros em perspectivas mais amplas, isto é, com uma delimitação programática clara e diferenciação permanente, no presente caso, com o menchevismo. Evidentemente, a pressão em sentido oposto foi muito grande. Tanto que, ao tratar da permanência de Stálin no partido Bolchevique naquele período de vacas magras, assinala que, durante os anos de reação, Stalin “não foi um entre as dezenas de milhares que desertaram do Partido, mas um entre as poucas centenas que, apesar de tudo, lhe continuaram fiéis” (TROTSKY, 2012, 357). Nessa altura, o partido Bolchevique que poucos anos antes organizava dezenas de milhares, se viu reduzido a algumas centenas, talvez menos. Isto tornou a posição de Trotsky mais razoável? A unidade com os mencheviques em função do reduzido número de integrantes do partido Bolchevique que, segundo a metáfora de Lenin, a época se assemelhava a uma “criança coberta de abscessos”? Lenin pensava exatamente o oposto. Conforme nos explica Trotsky, o dirigente bolchevique escreveu em 1911 que, naquele período, numerosos social-democratas “mergulharam no conciliacionismo, partindo dos motivos mais diversos. Mais consistente que todos era o conciliacionismo expresso por Trotsky, por isso, foi o único a procurar uma ‘base teórica’ para essa política”. Isto fez Lenin ver em Trotsky “a maior ameaça para o desenvolvimento de um partido revolucionário” (TROTSKY, 2012, 355-356). Como se nota, Lenin não apenas combateu as posições de Trotsky, como viu nela a principal ameaça para o desenvolvimento de um partido revolucionário. Mais até que as posições explicitamente reformistas dos mencheviques. Em que se baseava um juízo tão severo? Em seguida, Trotsky explica a posição de Lenin. “‘Aprendemos na época da Revolução’, escreveu Lenin, em julho de 1909, ‘a falar francês’, isto é, a despertar a energia e o ímpeto direto da luta de massa”. No entanto, o que fazer quando a revolução não está na ordem do dia? Lenin prossegue: “agora precisamos, na fase de estagnação, de reação, de desagregação, aprender a falar alemão, isto é, a trabalhar lentamente… conquistando o terreno polegada por polegada” (TROTSKY, 2012, 356). Seria este ‘falar alemão’, este trabalhar lentamente, a política do conciliacionismo de Trotsky? Da unidade com os mencheviques no intento de fortalecer o bloco político anticzarista e de colher as migalhas do menchevismo? Absolutamente não. Esta era, na verdade, a posição de Martov, o principal dirigente Menchevique à época. Para Martov, continua Trotsky, “ ‘falar alemão’ significava a adaptação ao semi-absolutismo russo, na esperança de que, gradualmente, se ‘europeizasse’”. Por outro lado, para “Lenin, a mesma expressão queria dizer: a utilização, com ajuda de um partido ilegal, de todas as magras possibilidades legais, no trabalho de preparo de uma nova Revolução” (TROTSKY, 2012, 356-357). Como se vê, para Lenin, mesmo em um período de reação, as tarefas legais e ilegais são hierarquizadas pelo “trabalho de preparo de uma nova Revolução” e não em um acumular forças de modo indeterminado. Para melhor alçarmos o sentido desse ‘falar alemão’ de Lenin, assim como seu rechaço a toda e qualquer conciliação, é esclarecedor as palavras de Trotsky a respeito da tática de Lenin frente as eleições da DUMA, particularmente no que diz respeito a relação entre partido Bolchevique e Mechevique nesse processo. Feito isso, podemos distinguir com clareza o abismo entre a concepção que procura extrair as táticas dos acontecimentos do dia que passa e àquela que, sem desconsiderá-los, deduz um “programa e uma tática de uma análise da luta de classes”, isto é, das “necessidades do desenvolvimento objetivo”. A posição de Lenin diante das eleições da DUMA Se Lenin rejeitava a unidade entre bolcheviques e mencheviques tal como defendera Trotsky, qual seria sua posição diante do processo eleitoral da DUMA? Nesse caso, seria ele adepto do bloco eleitoral em função da fragmentação do movimento revolucionário russo e, particularmente, da drástica redução numérica do partido Bolchevique? Assim Trotsky resume a plataforma eleitoral Bolchevique: Os bolcheviques empenharam-se na luta eleitoral separados dos liquidadores[mencheviques], e contra eles. Os operários deviam reunir-se sob a bandeira das três principais palavras de ordem da revolução democrática: a república, a jornada de oito horas e a confiscação dos domínios territoriais. Libertar os pequenos burgueses democratas da influência dos liberais, arrastar os camponeses para o lado dos operários – tais eram as principais ideias da plataforma eleitoral de Lenin. (TROTSKY, 2012, 396) Mesmo no processo eleitoral, em meio a uma ditadura autocrática, os bolcheviques não apenas marchavam separados dos mencheviques, mas contra eles. “Energicamente, combateu os liquidadores durante a campanha a fim de ter os seus próprios deputados: tratava-se de assegurar um importante ponto de apoio” (TROTSKY, 2012, 399). Teria Lenin lutado tão energicamente contra os mencheviques a fim de conseguir mais deputados? Sem dúvida, os deputados bolcheviques seriam “um importante ponto de apoio”, no entanto, “toda a sua política orientava-se para a educação revolucionária das massas. A luta da campanha eleitoral nada representava para ele se, após, os deputados social-democratas, na Duma, permanecessem unidos” (TROTSKY, 2012, 399). Ou seja, o critério fundamental não era a eleição de deputados, tampouco a quantidade total de votos, mas a educação revolucionária das massas, o que apenas pode ter como centro a clara distinção das posições dos mencheviques. Em resumo: “procurava proporcionar aos operários todas ‘as oportunidades – a cada passo, com cada ato – para convencerem-se de que nas questões fundamentais os bolcheviques distinguiam-se nitidamente de todos os demais grupos políticos’ “. (TROTSKY, 2012, 399-400). Mas existe ainda outro aspecto fundamental, largamente explorado por Trotsky em sua autocrítica das posições de juventude em favor das posições bolcheviques. Além de ter sustentado uma posição conciliacionista, ao pressupor que a luta conduz por si mesma à posições revolucionárias, Trotsky não deu o peso devido a base social dos respectivos partidos. Diz ele que o “bolchevismo contava com a vanguarda revolucionária do proletariado e ensinou-lhe como arrastar atrás de si o camponês pobre. O menchevismo contava com a aristocracia operária e inclinava-se para a burguesia liberal” (TROTSKY, 2012, 376-377). Muito embora não exista um vínculo necessário e individualizado entre a composição social e o programa político, este fator produz inclinações em conformidade com as próprias características dos setores sociais envolvidos. Não sem razão, para Lenin, o processo eleitoral era tratado prioritariamente em função de seu trabalho na classe operária. Era nesse setor social que os bolcheviques escolhiam os seus candidatos e avaliavam sua influência. Tanto é assim que, após a eleição da quarta DUMA, os “sete mencheviques, quase todos intelectuais, procuravam colocar os seis bolcheviques, operários com pequena experiência política, sob seu controle”. Diante disso, a posição de Lenin foi a seguinte: se “todos os nossos seis são oriundos dos distritos operários, não devem se submeter em silêncio a um grupo de siberianos” (TROTSKY, 2012, 398). Os siberianos se tratavam, como é sabido, predominantemente de intelectuais. Por fim, a autocrítica das posições do jovem Trotsky e a síntese das lições extraídas da atuação dos bolcheviques naqueles anos entre 1909 à 1912, em que o partido passara de um restrito agrupamento de militantes a uma forte inserção na classe operária, é assim resumida: “Todos grupos hostis ao bolchevismo – os liquidadores, os renuncistas, todas as matizes de conciliadores – mostraram-se absolutamente incapazes de lançar raízes na classe operária. Daí Lenin tirou a sua conclusão: ‘Unicamente no curso da luta contra tais grupos pode o verdadeiro Partido Social-Democrata dos operários constituir-se na Rússia’‘ (TROTSKY, 2012, 425) Considerações finais Como se vê, apeser do jovem Trotsky estar, desde o começo e em nossa opinião, correto a respeito do caráter e sujeito social da revolução russa, apesar de ter escrito uma das mais brilhantes análises particulares de um processo revolucionário – A revolução de 1905 –, apesar de ter se revelado muito precocemente um grande orador de massas, assim como propagandista; sua posição política se situa entre o menchevismo e o bolchevismo. Independente da maior ou menor justeza de várias de suas posições, mesmo em relação aos bolcheviques, de nada valeriam se, na sua efetividade, se apresentassem mescladas em uma linha média de um agrupamento político que congrega em seu seio revolucionários e reformistas. É evidente que os bolcheviques tiveram êxito porque conseguiram corrigir a tempo os limites de um programa que acenava unicamente na direção de uma república democrática. No entanto, não teriam sequer a chance de se corrigir, se não estivessem fortemente enraizados na classe operária, com uma organização autônoma e programaticamente independente. Não apenas separados dos mencheviques, mas, sobretudo, “contra eles”. NOTAS Cabe lembrar que, muito embora, formalmente, se tratasse de frações do Partido Operário Social-Democrata Russo, na realidade eram partidos diferentes, com seus núcleos dirigentes e estruturas independentes. Ainda que tenha ocorrido tentativas de reconciliação manifestas na realização de congressos em comum e, mesmo, por um curto período, a criação de um collegium do Comitê Central que congregava membros de ambas as frações. REFERÊNCIAS TROTSKY, Leon; COGGIOLA, Oswaldo. Stalin: Biografia – Estudo preliminar de Oswaldo Coggiola. Editora Livraria da Fisica, 2012, São Paulo. Sobre Otimismo & Pessimismo: Acerca do [Novo] Século 20 | Por Leon Trotsky Trad. Betto della Santa | Por Leon Trotsky [E Acerca De Muitas Outras Questões…] | Publicado em 1901 Dum spiro spero! [Enquanto houver vida haverá esperança!](*)… Se eu fosse um dos corpos celestiais, eu olharia com completo despojamento para esta miserável pelota de areia e poeira… Eu brilharia indiferente entre o Bem e o Mal… Mas eu sou um homem. A história do mundo que para ti, ó desapaixonado glutão da ciência, ou para ti, ó guarda-livros de toda eternidade, parece apenas um soslaiável instante no escopo do tempo, para mim, é tudo! Enquanto ainda respirar eu deverei lutar pelo futuro, este radiante futuro, no qual o homem – forte e belo – se tornará enfim demiurgo da corrente flutuante de sua própria história e irá dirigi-la então para um horizonte ilimitado de beleza, alegria e felicidade!… O Séc.19 de muitas formas satisfez e, de ainda mais formas, ludibriou, às esperanças do otimista… Ele o compeliu a transferir a maior parte de suas esperanças para o Séc.20. Sempre que o otimista se confrontava com um acontecimento atroz, exclamava ele: –«Como pode isso acontecer no limiar do Séc.20!». E quando este esboçava maravilhosos retratos de um futuro harmonioso, era à hora do Séc.20 que tal expressão do desejo tinha lugar. E agora o novo século já chegou! O que trouxe, ele, a seu princípio? Na França – escuma venenosa de ódio racial(1); na Áustria – litígio nacionalista…; na África do Sul – agonia de um povo, pequenino, em assassínio, por um colosso(2); na própria “ilha” da liberdade – cântico triunfante da laureada ganância de uma ufanista agiotagem; dramáticas “complicações” ao Leste; muitas rebeliões de massas plebeias, mortas de fome, da Itália, Bulgária e Romênia… ódio e morte, carestia e sangue… Parece até que o novo século, gigante recém-chegado, tenderia a, no momento mesmo de sua aparição, querer levar o otimista ao pessimismo absoluto e a um nirvana civilizatório. – Morte à Utopia! Morte à fé! Morte ao amor! Morte à esperança!…, trovôa o Séc.20 com salvejadas de fogo ao ar e sonoro relampejar de armas. – Renda-se, ó patético sonhador. Aqui estou, tão esperado Séc.20, sou eu o seu “futuro”. – Não, responde o imperturbável otimista. – Tu, tu eres tão-só o presente. (*) Dum spiro spero! (vide atalho ao lado) é um lema em Latim que quer dizer, literalmente, “Enquanto eu respirar [spiro], terei esperança [spero]”. Permaneceu como paráfrase moderna de ideias antigas a partir de escritores clássicos como Theocritus e Cicero servindo de leitmotif para propósitos tão diversos como a insígnia familiar do clã Owen na Inglaterra, o emblema oficial das forças especiais do Exército Tcheco até, como vemos, a própria pena do revolucionário ucraniano Leon Trotsky durante a virada do século. (1) Affair Dreyfus (vide atalho ao lado). (2) Guerra dos Bôeres (vide atalho ao lado). Fonte: Isaac Deutscher. The Prophet Armed: Trotsky 1879-1921. Verso: London, 1954/2003, p.45-46 apud Leon Trotsky. Sochinenya, vol. XX pp.12, 29-31. TV Brasil: O Assasinato de Trotsky (parte 2/2) Waldo Mermelstein Nada mais adequado, depois de uma semana intensa de lutas e greves pelo país, que ver a segunda e última parte do documentário sobre o grande revolucionário León Trotsky, no exato dia em que se recorda o seu assassinato por um agente de Stálin, há 75 anos. As ideias de luta implacável e consciente contra a dominação capitalista, de crítica à degeneração burocrática da obra que ele próprio liderou na ex-URSS, seu exemplo de dedicação e sacrifícios na vida pessoal, assumem uma dimensão especialmente grande em épocas de crises gerais do sistema capitalista, como a atual. Novamente, o programa teve altos e baixos, mas o que fica é que se trata de uma personalidade que sobreviveu ao tempo, que além de ser um teórico marxista original e de primeira linha, tinha amplos interesses que transcendiam ao campo estrito da política, como a arte e a psicanálise. Houve algumas afirmações infundadas e gratuitas. O exemplo mais claro, aberrante, foi de que o tenebroso regime do Camboja teve algo a ver com as ideias de Trotsky. O Camboja, após a derrota americana em 1975 na Indochina, viu a ascensão de um partido com base camponesa que executou uma política de esvaziamento forçado das cidades e que levou à morte de pelo menos várias centenas de milhares de pessoas de fome ou executadas. Em que isso se assemelha ao regime de democracia dos trabalhadores pregado por Trotsky é um enigma que o programa não se preocupa em desvendar. Houve várias explicações muito boas sobre a história dos trotskistas na década de 30 no Brasil, a referência à sua importância na criação do PT. Mas, ao se falar de uma corrente política como o trotskismo brasileiro, pode-se deixar de dar voz às correntes políticas que o reivindicam nos dias de hoje? De qualquer forma, ficam na retina as imagens do velho revolucionário que nos inspira há tanto tempo e o som da música com que termina o filme, a Internacional. Talvez seja isto mais o que fique do programa. TV Brasil: O Assassinato de Trotsky (parte 1/2) Waldo Mermelstein Com depoimentos atuais e ótimas imagens históricas, o Observatório da Imprensa, programa da TV Brasil, segundo suas próprias palavras, “recupera o assassinato de Trotsky da lata de lixo da história”. O programa tem seus altos e baixos, mas a estatura pessoal e política de Trotsky, no 75º aniversário de sua morte, sobressai de forma clara. O ponto provavelmente mais baixo do programa foi a falta de qualquer explicação histórica sobre o conflito entre Trotsky e Stálin, cuja apresentação restringiuse as rivalidades pessoais. Outro ponto negativo foi nem sequer ter sido mencionado que Trotsky teve uma posição diametralmente oposta à de Stálin no tema da luta contra o nazismo. O programa, que dedica toda uma apresentação de Alberto Dine ao tema do ultraesquerdismo stalinista do terceiro período, sequer menciona a posição de Trotsky na luta pela frente única entre comunistas e social-democratas. Dado que o programa centrava-se na figura de Trotsky, mencionar a política do stalinismo que levou à vitória do nazismo sem lembrar as posições do revolucionário ucraniano é no mínimo estranho. Ate mesmo porque a posição mais citada e respeitada de Trotsky nos temas de política internacional foi a da luta pela frente única dos trabalhadores contra o fascismo. É também problemática a opinião de alguns comentaristas, em particular Milton Temer. Ao longo de sua intervenção, o dirigente do PSOL deixa a entender que as principais polêmicas de Trotsky com Lenin se expressavam na disputa entre Mencheviques e Bolsheviques, tendo Trotsky muito mais “pontos de acordo” com os Mencheviques. A afirmação de Temer, na melhor das hipóteses, é incorreta. Enquanto, de fato, Lenin e Trotsky polemizaram de forma dura entre si durante o período que separa 1905 e 1917, tais polêmicas centravam-se no tema da democracia interna nos partidos revolucionários e na natureza da revolução russa – Trotsky defendendo a fórmula da “revolução permanente” e da “ditadura do proletariado”, e Lenin, até as Teses de Abril, reivindicando para a Rússia uma “ditadura democrática dos operários e camponeses”. Tal debate em nada se relaciona ao cerne da polêmica entre Bolsheviques e Menchevques, que defendiam uma revolução democrático-burguesa para a Rússia. Sem mencionar que Lênin e Trotsky, ao contrário dos Menchevques, tiveram a mesma posição de combate internacionalista à guerra imperialista de 1914 e 1918. O programa, porem, também tem seus pontos positivos. A fala final do Padura dizendo que ninguém ou quase ninguém hoje se diz stalinista, ao passo que muitos que ele encontra são extrotskistas ou trotskistas, dá uma ideia ainda que difusa da força de seu pensamento e de sua luta por ideias. Esperemos, agora, pelo próximo programa sobre os trotskistas brasileiros. https://www.youtube.com/watch?t=449&v=vWC_JdhfJY0 “Trotsky y la Marilyn” Reseña del libro de Genaro Arriagada Herrera —Acompáñame en un homenaje a mi viejo partido. ¡Salud por la Internacional! —Por la banca internacional que es la única Internacional que nos queda – contestó Alfredo blandiendo la copa desde la que calló un chorro de licor. […] —Por la derecha que volverá majestuosa, envuelta en la bandera de las libertades… de todas las libertades, sin excepción. —Por el eterno retorno del capitalismo y de los poderes fácticos –agregó Alfredo ya cansado de reír. —Por la muerte de la lucha de clases y la ascensión a los cielos del poder del dinero. (pp. 342-343) Mariano Vega Jara La presente novela es la primera obra de un cientista político, militante de la Democracia Cristiana (DC), el cual ha mostrado una versatilidad en su vida profesional como cuadro político de la elite chilena, siendo uno de los artífices de la transición pactada a la dictadura militar, como secretario ejecutivo del Comando del NO en el Plebiscito de 1988 y de la Concertación de Partidos por la Democracia. Abogado, académico, Ministro de Estado, Embajador, columnista y ensayista de opinión sobre la política interior y exterior chilena. Sin embargo, en una faceta impensada para un hombre de dicha elite, se sumerge en la historia política reciente del país para narrar los cambios sociopolíticos desde el golpe de Estado de 1973 hasta las Jornadas de Protesta Nacional en la década de los ’80 de siglo XX. La obra está divida en tres partes que se interrelacionan por los personajes y las historias que estructuran una narrativa en torno a militancias políticas de izquierda o centro, resistencia a la dictadura militar, exilio militante, pacificación y normalización de la vida pública-privada, cambios en la oligarquía chilena (de terrateniente e industrial a banquera y financiera) producto del neoliberalismo, y los beneficios económicos de la burguesía chilena ante la recuperación patrimonial y las nuevas inversiones en el mercado de las finanzas. En la primera parte, el acontecimiento biográfico que estructura el grueso de la obra es el golpe de Estado y las consecuencias para la izquierda chilena. De manera retrospectiva, el autor, evoca las dudas, temores y discursos políticos prefabricados de los militantes de izquierda sobre la viabilidad cierta de un presunto golpe de Estado y el quiebre de las Fuerzas Armadas (FFAA) entre un bando golpista y un bando constitucional. Aquel discurso prefabricado sería el desencadenante de poner en práctica algún tipo de resistencia al golpe militar, la acción hacia el terreno militar que la izquierda había declamado públicamente durante el gobierno de Salvador Allende si se daba un golpe de estado. “¿Y las armas?, ya vendrían y sería tarea de los cordones industriales repartirlas”, relata Arriagada. Sin embargo, el discurso militante de la izquierda no respondería a la realidad post-golpe, las capacidades de resistencia armadas serían ínfimas y las FFAA no sufrirían un quiebre en la verticalidad del mando. Las acusaciones entre la izquierda sobre la culpabilidad del golpe ahondarían las diferencias entre ellas y evitarían cualquier tentativa de unidad para hacer frente a las FFAA. Así, la novela refleja la tensión entre el Partido Comunista y el Movimiento de Izquierda Revolucionaria sobre las vías de la revolución chilena: “socialismo legal” o “revolución por camarada máuser”. Ambas lógicas militantes verían desestructuradas sus discursos prefabricados y pasarían a buscar la mejorar manera de resistir a la dictadura militar, siendo el exilio o la resistencia armada las vías según cada organización política. En una segunda parte dos ámbitos son destacables en la narrativa del autor, lo que da muestra de su retrospectiva de experiencia y memoria para estructurar un relato marcadamente por la tragedia y la derrota de la izquierda, no sin dejar su cuota de “pragmatismo centrista” sobre los juicios hacia ésta. En primer lugar, Arriagada presenta una heteromirada hacia la izquierda y el centro político; en la izquierda, el militante comunista es caracterizado a partir de considerar a marxismo como filosofía, la supremacía del partido como organización, la validez de su estrategia (etapista), el rol ascético individual y colectivo, el rechazo al individualismo romántico y el culto al héroe, el aventurerismo y la supremacía del ego en alusión hacia el MIR. Su contraparte, el militante mirista aparece como un romántico y ultraizquierdista, movido por sensaciones y deseos más que por política, un “guerrillero heroico de embriaguez romántica”, de una “revolución imaginaria” y una “mitomanía armada”. Del centro político dirá que es un militante racional, escéptico, desencantado, al cual el autor no identifica con alguna militancia partidaria, abriendo una hipótesis en entorno a dicho personaje se mueva entre la social-democracia y la Democracia Cristiana, ya que los juicios políticos y la narrativa inclinan a vislumbrar la experiencia personal de Arriagada llevada a novela. A pesar de aquellas heteromiradas, las relaciones sociales de amistad entre los personajes y militantes de izquierda y del centro político son resguardadas en lo físico, siendo las visiones opuestas expresadas en el exilio (PC), la resistencia armada (MIR) y el eclecticismo (DC) ante los militares. Mas, lo central dentro de la heteromirada es la narrativa en torno al pesimismo, la derrota, la desmoralización, el repliegue y la ausencia de resistencia, derrotada por los militares en los primeros años de la dictadura. En un segundo lugar, la heteromirada hacia la burguesía chilena y las reestructuraciones en su composición de clase. En una hoja de ruta ejercida por los militares, las redes políticas de la burguesía trastocarían la formación social y la economía nacional al pasar de una oligarquía terrateniente y una burguesía industrial, conservadores y políticos, a una burguesía financiera empresarial en relación directa con los militares como asesores técnicos de la economía dictatorial. Es la “revolución conservadora” del neoliberalismo y los Chicago Boy’s y su darwinismo económico que desplazó a la vieja élite política capitalista por una nueva burguesía moderna. Así, la propiedad privada de la tierra ya no genera renta, es un lastre que atenta contra la dinamización del capital financiero y la circulación del dinero. La nueva tendencia los préstamos por medios de los bancos para la inversión tanto de empresarios como trabajadores. Mas, tal revolución objetiva descansaría en una subjetividad indolente sobre la negación y silencio de las violaciones a los derechos humanos, siendo su mecanismo para invisibilizarlo de la realidad: “No preguntar, no hablar”. Aún así, tal revolución capitalista llevaría a una crisis del propio sistema financiero cuando el precio del petróleo y la imposibilidad de pago de créditos extranjeros derriba el mercado bancario, colapsando la economía neoliberal y la propia nueva burguesía se desplazaría entre sí en búsqueda del Estado quien salvó finalmente sus negocios al asumir la deuda con la banca internacional. Finalmente, dentro de esta segunda parte, el exilio militante se presenta en su complejidad más dura. Previamente, el hecho de la tortura en el militante inquiere ¿hasta dónde resistir? ¿Hablar y delatar?, aquello sería traición para el partido. ¿Suicidarse?, morir sin hablar como resistencia y liberación de los apremios físicos y síquicos: una opción. El militante, llevado a una soledad abyecta, despojado del partido-cuerpo que lo cobija se ve enfrentado a la batalla entre la supremacía de su ser individual y/o familiar o el partido y sus compañeros militantes. El exilio no es más que la constatación de la derrota, del desarraigo e inacción según Arriagada, para el militante comunista es el destierro porque enfila hacia el “socialismo real”, la República Democrática de Alemania (RDA). En este punto, el autor presenta el exilio comunista marcado por el pesimismo, la vida gris y fría en la vida cotidiana del socialismo real. La imposición de una vida austera en el ámbito familiar-doméstico, consecuencia de la proletarización forzada en fábricas industriales como retribución del “internacionalismo proletario” al derecho de asilo. Una familia de profesionales universitarios comunistas es presentada bajo el ascetismo social y la tendencia e igualdad salarial, sin vida cultural en las calles y depósitos de ropa estatales. A ello se uniría la vigilancia constante de la policía política hacia los exiliados y sus familias. Indirectamente aquella cultura política comunista en el exilio de Alemania Oriental, Arriagada da muestras del “stalinismo” soviético más allá del Estado y el partido. Una cultura política marcada por la imposibilidad de tener derechos democráticos de representación popular, ausencia de libertad sindical y de libre pensamiento, censura política y nulo acceso a informaciones no oficiales del régimen soviético, control policial de la vida privada y la inviabilidad de deliberación democrática en los órganos del PC en el exilio. La proletarización se convertía en la forma de proscribir, prevenir y anular el debate interno sobre las causas de la derrota chilena. Así, la mentalidad comunista derivaría en profundizar el derrotismo por inactividad militante en la resistencia contra la dictadura militar. El desánimo estructura al militante comunista para invertir su opción política y preferir el exilio en Europa Occidental, en el país del “revisionista Bernstein o el renegado Kautsky”. Sin poder contrarrestar tal marco objetivo de la realidad, la vida familiar se resquebrajaría, las complejidades del matrimonio se disociarían por la infidelidad masculina, peor aún, el PC se enteraba de las críticas de “derecha” hacia el socialismo real y de su infidelidad atentatoria contra la moral comunista; normativa de “ideal revolucionaria” intachable. “Todo dentro de la revolución, nada fuera de la revolución”. Ante la disyuntiva dada por la jerarquía del PC, entre optar por el autoexilio en la Europa capitalista o enmendar su vida marital y responder al modelo de militante comunista ideal, la negativa a esta última provocaría la expulsión del partido del militante comunista y su consecuente salida de la RDA. En esta, al decir del autor, moría el sentido militante y la pasión por el socialismo. Por último, el tercer tema que el autor sobrepone es la (in)viabilidad de las protestas nacionales en la década del ’80 como mecanismo de derribar a la dictadura y Pinochet. Las califica como un movimiento espontáneo e incontrolable, donde los dirigentes sociales y políticos “hacen como que mandan y los manifestantes como que obedecen”. Lo central de su narrativa es expresar el derrotismo histórico del ciclo quebrado en la UP y un eclecticismo pesimista ante aquellas “liturgias” de marchas, paros y protestas nacionales. En este lugar, lo que presumiría dos visiones opuestas de la salida política al régimen militar entre un militante DC y un militante PC, convergen en criticar, para el autor, el voluntarismo, ultraizquierdismo y pérdida de la realidad objetiva en caracterizar la situación pre-revolucionaria y la insurrección por medio de la “Política de Rebelión Popular de Masas” (PRPM) del PC. Los años de la dictadura militar significarían para la DC un posibilismo que varió entre apoyo, crítica y rechazo al régimen para maniobrar en sus redes políticas con los militares. La continuidad de la lucha y la resistencia social y armada expresaría nuevamente un idealismo individualista, romanticismo y heroísmo. Lo pragmático y realista más allá de todo ideologismo sería la convergencia por el Acuerdo Nacional, la unidad de la oposición anti-dictadura, la negociación y la colaboración con libertades democráticas vigiladas o democracia restringida. Un minimalismo expresado en un programa mínimo de la oposición: “Habeas Corpus, Estado de derecho, elecciones y democracia”, es decir, el programa de la DC. Para el militante comunista, la crítica mordaz hacia su dirección política por lo errado de la PRPM y la creación de un aparato armado, el Frente Patriótico Manuel Rodríguez (FPMR) como traición a la línea histórica del PC, la línea reformista y política de más de medio siglo. Ante tal crítica a la rebelión popular, nuevamente la expulsión del partido sería decretada en la narrativa del autor por “atentar contra el partido, su unidad, la revolución y la clase obrera”. La crítica dentro del PC sería considerada inviable porque destrozaría el monolitismo, la disciplina y la viabilidad de la revolución como hecho histórico. Toda crítica, para el autor, la reseña como “trotskismo”, atentatorio contra la infabilidad del Secretario General y el Comité Central. En pocas palabras, la cultura política stalinista. En síntesis, la obra de Arriagada es un discurso invectivo contra la historia de la izquierda durante la dictadura militar y su resistencia social, popular y/o armada. Dicha crítica estructura un relato a partir de la experiencia y la memoria personal de la visión demócratacristiana a la realidad de la época. La memoria desde el presente condiciona el pasado para decretar la inviabilidad del sentido de la militancia política de la izquierda. Negación de la necesidad de la caída de Pinochet y de la revolución social, el enfoque principal del autor es basarse en hechos reales para potenciar la actuación de lo que estimó y sucedió históricamente. La salida de Pinochet fue por negociación hacia una democracia restringida en una transición pactada. La política posibilista, minimalista o “realista” sería garantía de continuidad del orden social, es decir, el modelo capitalista neoliberal. Mas, porque el título de la obra hace referencia a Trotsky cuando secundariamente figura el líder del Ejéricto Rojo. Textualmente, el diálogo entre militantes de izquierda y centro entorno a dos cuadros fotográficos, uno de Trotsky y otro de Marilyn, que se miran entre sí, separados por un pasillo: “—A ver, a ver, ¿cuál es el mensaje revolucionario que va entre la pera de Trotsky y las piernas de Marilyn?. –Me cago en Trotsky—y, riéndose mientras esparcía camarones en los platos de los comensales agregó—: pero esa huevadita de la revolución permanente, aunque sea la pura frase me suena a melodía”. (p. 22). La tesis que se puede desprender de esta cita previa tiene directa alusión a la narrativa de la obra y al actual contexto socio-político. Abierto un nuevo ciclo político con las movilizaciones estudiantiles desde el 2011 a la fecha, la transición pactada subjetivamente se ha dado por finalizada. Las amplias alamedas, al decir de Allende, nuevamente han sido copadas y la ruptura de franjas de la sociedad, los estudiantes en particular, han emergido la crítica al modelo capitalista neoliberal y su capilaridad dentro del conjunto de los explotados y oprimidos. En ese sentido, la referencia a Trotsky en Arriagada es para deslegitimar una de las últimas figuras con raigambre histórica en la izquierda mundial, a la cual una nueva generación puede llegar a conocer por medio de la crisis de los partidos de la Concertación, la derecha y el propio Partido Comunista. Asimismo, tal deslegitimación va hacia dos factores; un proselitismo anti-revolucionario por su obra contra la viabilidad de la revolución y el socialismo, y la potenciación del discurso posibilista y minimalista de la DC, es decir, la transición pactada, en torno a los acuerdos y negociaciones como medios de resolución de conflictos en la sociedad civil. La metáfora a la melodía de la revolución permanente como discurso, voz, sin acción y el sarcasmo e ironía de la cita introductoria, obedece a la legitimar la reconversión militante y política hacia y en el capitalismo neoliberal de quienes alguna vez abrazaron la idea de la revolución socialista. Aquel “mensaje revolucionario” de Trotsky y Marilyn reflejaría las contradicciones ideológicas emergentes en sujetos de carne y hueso que terminan por sopesar pragmáticamente, según el autor, la defensa de la transición pactada por viejos líderes de izquierda reconvertidos en administradores de los negocios de la elite política, a pesar de las tibias críticas y reglamentación al “Dios Mercado”. Para el autor, la revolución es una epopeya heroica, una lucha armada y “bosques de banderas”. Un “deseo erótico”, un “onanismo” sutilente a satisfacer el yo interior como perfección moral. Un “acto estético” carente de racionalidad y discusión sobre el tipo de socialismo. La revolución habría fracasado en la Unidad Popular, pero aún así, para el autor, siempre es válido recordar hacia el presente aquel discurso y praxis de la burguesía: la revolución es imposible. El nuevo ciclo político en Chile y sus diversos sujetos sociales podrán decir lo contrario. Bibliografía: HERRERA, Genaro Arriagada. Trotsky y la Marilyn, JC Sáez Editor, 2014, Santiago de Chile. Literatura e Revolução Diego Braga Eram os anos de 1922 e 1923 na Rússia. Travavam-se as primeiras lutas contra a burocratização stalinista do partido bolchevique e da própria URSS, em meio à ainda escassa produção agrícola e industrial e à periclitante situação da ditadura do proletariado. Durante suas férias militantes neste momento decisivo, o incansável Leon Trotsky recusou o cargo de vice-presidente do Conselho de Comissários do Povo oferecido por Lênin e se retirou para o interior da Rússia… para escrever sobre literatura! Trotsky escreveu os ensaios que compõem a coletânea publicada com o nome de Literatura e Revolução como uma série de artigos para o Pravda (jornal bolchevique da época). Não pretendia produzir um livro, apenas um prefácio para um dos volumes de seus escritos a ser publicado pela editora do Estado. Ocorre que a reflexão sobre literatura se foi revelando como um dos terrenos fundamentais no combate que se iniciava. Os ensaios se expandiram e se transformaram em um livro à parte. Se o fato de o ter escrito nas férias mostra que a cultura e a literatura, como o próprio Trotsky deixa claro no livro1, têm importância em certa medida complementar, postergável e dependente, refletindo a construção das bases materiais e políticas do socialismo mais que constituindo tais bases, também é preciso atentar para o detalhe de que tais textos sobre literatura e cultura foram redigidos num dos períodos mais críticos, o da ascensão do stalinismo, o que evidencia o quão decisiva era a questão da cultura na compreensão de Trotsky acerca das tarefas revolucionárias do recém-fundado Estado Operário. A cultura esteve sempre como um dos cavalos de batalha na linha de frente da luta contra a burocracia. Aprofundar e ampliar o acesso, a consciência, a compreensão e a sensibilidade em relação à cultura tanto nas massas como no partido era decisivo para evitar a degenerescência. Afinal, a elevação do nível cultural era a precondição da participação das massas na política, um dos ingredientes da argamassa que daria solidez ao edifício revolucionário contra a intempérie que acabou rachando por dentro sua estrutura antes que o concreto secasse. O problema, para os bolcheviques, era que a luta pelo avanço e pela universalização culturais não dependia apenas de uma decisão votada em congresso, de uma posição teórica ou política, muito menos de uma canetada de comissário. Também a caneta que assina um poema, um artigo científico ou um tratado de filosofia não pode criar as bases econômicas, sociais e políticas que permitem o surgimento de poemas, artigos ou tratados, apenas ratificar sua existência e identificar sua autoria. Por importantes que fossem as atitudes dos bolcheviques em favor do avanço da cultura, tal avanço estava atrelado ao desenvolvimento material da sociedade como um todo, tal como uma biblioteca móvel na caçamba de um caminhão não chega aos lugares mais remotos de um país atrasado se não houver, primeiramente, um motor possante, combustível abundante, estradas e um piloto competente para o caminhão. E o decisivo: é necessário que todos trabalhem menos – maior produtividade do trabalho – para que haja mais tempo livre para ler. A revolução na cultura não depende apenas, portanto, de posições estéticas ou filosóficas, nem somente de resoluções políticas. Esta talvez seja a tese cultural principal de Trotsky em Literatura e Revolução. A burocracia tinha uma concepção distinta. Para a camarilha que começava orbitar em torno a Stalin, tal como seria possível construir o socialismo num só país atrasado e devastado, era também viável – e desejável – a existência de cultura “proletária”, mesmo com uma classe trabalhadora inculta e materialmente carente. A cultura, como a política, sob a burocracia, tornava-se não apenas determinada do alto para baixo como também um campo administrativo gerenciado com os métodos de escritório, mas cujas decisões se impõem com os da repressão. Baixada qual decreto pela burocracia, de proletária, a cultura sob o stalinismo tinha apenas o nome. O processo de controle burocrático da cultura, que culmina com a implementação do Realismo Socialista, é parte da stalinização da URSS e do partido. Portanto, ao escrever sobre literatura defendendo posições contrárias à produção artificial de “cultura proletária” e ao controle da cultura pelo Estado sob critérios administrativos (e não revolucionários), Trotsky estava travando parte importante do combate contra a burocracia. Entre 1917 e 1928 havia pouco controle da cultura pelo partido. A censura bolchevique a periódicos contrarrevolucionários era rigorosíssima, mas para os livros, que tinham apelo de massa menor, era mais branda. A postura de Trotsky a respeito da questão no âmbito da arte fica clara em Literatura e Revolução: “(…) [o partido] não repudia a priori qualquer grupo literário, mesmo composto unicamente de intelectuais, por menos que este se esforce em aproximar-se da Revolução e reforçar um dos seus laços (um laço é sempre um ponto fraco) com a cidade ou com a aldeia, entre os membros do Partido e os sem partido ou entre a intelligentsia e o proletariado”2. Respeitando este critério, porém, “O Partido orienta-se por critérios políticos e repele, na arte, as tendências nitidamente venenosas ou desagregadoras. É verdade, contudo, que a frente da arte está menos protegida que a da política. Não ocorre o mesmo com a da ciência?”3. Enfim, “(…) O Partido, evidentemente, não se pode entregar ao princípio liberal do laissez-faire, laissez-passer, mesmo na arte, nem por um só dia. A questão é saber quando deve intervir, em que medida e em que caso”4. Depois da Guerra Civil, editoras e organizações culturais relativamente independentes floresceram. Inúmeros movimentos artísticos não-socialistas refletiam o espírito da NEP, muitos inclusive com viés crítico. Apesar de pobre e, em suas realizações mais artisticamente acabadas, produzida por círculos não-operários, a cultura durante a revolução viveu uma explosão de criatividade a despeito dos poucos recursos. Dados a necessidade de diálogo com as massas iletradas e seu caráter de encenação e de mobilidade, o teatro foi o que mais floresceu imediatamente após a revolução. A literatura, centro das atenções do livro de Trotsky, demorou um pouco mais a brotar, mas seria marcada também pela pluralidade e a independência em relação ao partido, como no caso dos movimentos futurista, formalista, imagista, etc. Houve também uma cultura diretamente atrelada às tarefas da revolução. Durante a Guerra Civil, carros com trupes teatrais seguiam na retaguarda do exército vermelho. O teatro soviético dos primeiros anos da Revolução Russa encontrou duas vertentes: a primeira, uma teatralização da vida em que acontecimentos eram convertidos em encenações, não como dramaturgia. Eram comemorações da vitória do proletariado por otimismo no futuro comunista, com comícios gigantescos, canções em coro e tiros de canhão. Grupos treinados de Agitprop que incluíam profissionais de teatro organizavam os eventos culturais do Partido nas capitais e no interior. O auge destas manifestações dos primeiros anos da Revolução foi a encenação da Tomada do Palácio de Inverno, dirigida por Nikolai Evreinov em Petrogrado, a novembro de 1920, quando a vitória na Guerra Civil já era iminente. 15 mil participantes incluindo soldados e atores apresentaram, para uma plateia estimada de 100 mil pessoas, fanfarras, luzes, tiros e uma grande estrela vermelha. Nesta celebração de Outubro à tomada do palácio, entre fogos de artifício e o coro da Internacional, seguiu-se uma encenação da Guerra Civil, com uma plataforma branca e outra vermelha como palcos da vitória esmagadora do proletariado, cena ovacionada pelas massas. A outra vertente que floresceu no teatro soviético foi a da teatralização do teatro, ou seja, encenações que se empenhavam por construir a cena não como ilusão de realidade ou expressão de fantasias, mas como declarações do caráter “construído” do teatro e do mundo, construção que poderia e deveria contar com a participação do público. Meyerhold e Vakhtângov foram os precursores do teatro como obra aberta – as massas deveriam atuar e criar. Como se vê, alguns dos trilhos principais em que correriam os trens do teatro de vanguarda no século XX foram colocados pioneiramente, apesar dos parcos recursos, no contexto vitória do proletariado russo. Ainda em 1925, após a morte de Lenin, é feita uma declaração de neutralidade do partido frente a movimentos artísticos concorrentes. Lunatchárski, Comissário do Povo para Instrução que logo iria capitular à burocracia, ainda defende liberdade à arte que não é abertamente oposta à revolução. Em 1928 vem o decreto do Comitê Central: a literatura da URSS deve servir ao partido. Enviam-se escritores a canteiros de obras para produzir literatura enaltecendo o mundo do trabalho. Em 1932 o stalinismo impõe tendências nacionalistas frente ao ‘proletarismo’ da Rapp (Associação de Escritores Proletários), substituída pelo Sindicato dos Escritores Soviéticos, controlado por Stalin, ao qual se deveria estar filiado para poder publicar. Por fim, em 1934, o Congresso dos Escritores Soviéticos sanciona a adoção oficial do Realismo Socialista (de Stalin, Gorki – que antes defendia liberdade artística – e Zhdanov): o artista deveria então retratar a realidade concreta, enaltecendo o progresso revolucionário para educar os trabalhadores na ideologia oficial da burocracia, sempre em tom otimista e teor heroico. Não poderia haver muitos conflitos nos romances e dramas, porque a sociedade soviética seria livre de lutas que justificassem relações conflituosas. O objetivo era criar uma ideologia de passividade no proletariado, para que ele não ousasse reclamar o poder usurpado pela burocracia de volta para os soviets. É contra as primeiras manifestações do que viria a ser esta contrarrevolução cultural que, ainda em 1922 e 1923, Trotsky escreve Literatura e Revolução. O primeiro dos pontos de vista centrais combatidos no livro diz respeito à tentativa de criar uma cultura artificial supostamente proletária. Nesta questão, coincidia totalmente com Lenin, que era inclusive partidário de medidas mais radicais de repressão contra o Proletkult. Para Trotsky, estas propostas de criação de cultura em cartório surgiam tanto da incompreensão da visão do materialismo dialético sobre a cultura quanto da demagogia que procura celebrar a penúria cultural do proletariado imediatamente após a revolução com denominações vazias que servem, inclusive, como desculpa para retardar o necessário processo de sua aculturação. Como o avanço cultural do proletariado era uma das artilharias que poderia evitar ou repelir o avanço da burocratização, é natural que a demagogia da “cultura proletária” fosse adotada pela burocracia, que também não era muito materialismo dialético, senão ao vulgar. afeita ao Contrariamente às que o precederam, o proletariado é a única classe que pretende que sua ditadura seja um “breve período de transição”. É duvidoso que o proletariado possa criar uma cultura própria neste intervalo de tempo, não apenas por ser ele curto, mas também por ser ocupado sobretudo com a defesa da sua ditadura contra a burguesia, com o desenvolvimento econômico e com a luta pela revolução mundial. Será o período em que o proletariado manifesta o auge de seu caráter de classe. Por outro lado, quanto menos se preocupar com a defesa de seu regime e com o desenvolvimento das bases econômicas do socialismo, mais fraco se mostrará o caráter de classe do proletariado. Assim, Trotsky diz que “(…) quanto mais favoráveis se tornarem as condições para a criação cultural, tanto mais o proletariado irá se dissolver na comunidade socialista, se libertar de suas características de classe, isto é, deixar de ser proletariado”, e conclui que “(…) não haverá cultura proletária. E, para dizer a verdade, não existe motivo para lamentar isso. O proletariado tomou o poder precisamente para acabar com a cultura de classe e abrir caminho a uma cultura da humanidade”5. “Não se pode criar uma cultura de classe à revelia da classe”6, de modo que “A tarefa principal da intelligentsia proletária para o futuro imediato não está (…) na abstração de uma nova cultura – cuja base ainda falta -, e sim no trabalho cultural mais concreto: ajudar de forma sistemática, planificada e crítica as massas atrasadas a assimilar os elementos indispensáveis da cultura 7 já existente” . A segunda tese cultural defendida por Trotsky versa sobre a relação do partido com a produção cultural. A postura de Trotsky, muitas vezes classificada injustamente de anarquista ou de liberal (o que costuma dar quase sempre na mesma), é contrária ao controle burocrático da cultura pelo partido e pelo Estado, como já mencionamos acima. No entanto, as elaborações de Trotsky vão além. Numa postura genial acerca da polêmica entre arte engajada ou arte livre, Trotsky mostra que a contradição entre liberdade e engajamento político deve ser superada dialeticamente. Primeiramente, reconhece, em última instância, contra a estética burguesa, a teleologia da arte: “A arte, mesmo a mais pura, é totalmente teleológica: se rompe com os grandes fins, quer o artista tome consciência disso ou não, degenera numa simples confusão. A teleologia encarna-se na política. E a Revolução é a política condensada que lança na ação massas de vários milhões de homens” 8 . Em seguida, contra as ideias de que a arte deva ser apenas engajada, um martelo para moldar a realidade, ao contrário de um espelho para refleti-la, Trotsky declara: “Ensina-se o manejo do martelo com o auxílio do espelho (…). Se não se pode dispensar o espelho, mesmo para barbear-se, como construir ou reconstruir a vida sem o espelho da literatura? Ninguém certamente pede à nova literatura que tenha a impassibilidade de um espelho. Quanto mais profunda a literatura, quanto mais imbuída do desejo de modelar a vida, tanto mais dinâmica e significativamente poderá pintar a vida”9. O mesmo se deveria dizer do repúdio futurista à penetração psicológica e à questão da vida quotidiana. Trotsky questiona: se a arte se nega a fazer o homem se conhecer, penetrar em seu mundo interior, como pode querer transformar o mundo? A revolta da literatura contra o realismo burguês é muito justa porque este limita a existência ao quotidiano burguês, mas o realismo que liga a arte à vida para além dos círculos burgueses não deve ser repudiado por isso, a menos que, como se subentende no futurismo, se tenha uma concepção em última análise burguesa de realidade, apesar da sincera simpatia de Maiakovksi pela revolução. Literatura e Revolução, enfim, abre um dos fronts fundamentais de combate à burocratização, colocando a luta pelo avanço cultural do proletariado e pela liberdade de criação, livre de demagogias e antecipações cartoriais, e em seu devido patamar, tantas vezes secundarizado por organizações revolucionárias e, outras, supervalorizado por um suposto marxismo culturalista pós-modernizante. A ideia central que salta das páginas desta reflexão de Trotsky é que a arte mais livre e criativa não é aquela que traz mais invencionices formais – por mais que Trotsky reconheça a importância da pesquisa formal e da técnica artística -, nem a mais individualista – ainda que aponte a individualização do estilo enquanto expressão social como caráter do amadurecimento artístico. Genuinamente livre e criativa é a arte mais comprometida com a criação da liberdade universal. Que a arte da classe trabalhadora, hoje em grande parte privada da participação ativa no que há de melhor na cultura, será, de fato, não uma arte de classe, mas uma arte sem classes: arte socialista, seria mais correto dizer, em vez de proletária. Cabe ressaltar ainda a extrema beleza, comum nos textos de Trotsky, aliada a um humor devastador – cujo sentido é principalmente crítico – que, em seus melhores momentos, provoca gargalhadas nos leitores. Sua extrema familiaridade com a cultura Russa especificamente e com a cultura universal como um todo é impressionante, quando não realmente assustadora. Sua penetração crítica, profundamente realista e dialética, não entra em contradição com passagens de brilhante de imaginação utópica – no bom sentido – que inspiram e emocionam: “A sociedade futura irá se destacar da áspera e embrutecedora preocupação do pão de cada dia. Os restaurantes coletivos prepararão, à escolha de cada um, comida boa, sadia e apetitosa. As lavanderias públicas lavarão bem as roupas. Todas as crianças serão fortes, alegres, bem alimentadas e absorverão os elementos fundamentais da ciência e da arte, 10 como a albumina, o ar e o calor do sol” , Assim, “(…) as paixões liberadas irão se voltar para a técnica, para a construção, inclusive da arte, que naturalmente se tornará mais geral, madura, forte, a forma ideal de edificação da vida em todos os terrenos. A arte não será simplesmente 11 aquele belo acessório sem relação com qualquer coisa” , e o próprio corpo humano “(…) será mais harmonioso, seus movimentos mais rítmicos, sua voz mais melodiosa. As formas de sua existência adquirirão qualidades dinamicamente dramáticas. A espécie humana, na sua generalidade, atingirá o talhe de um Aristóteles, de um Goethe, de um Marx. E sobre ela se levantarão novos cumes” 1 2 . Referências Bibliográficas TROTSKY, Leon. Literatura e Revolução. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007. 1“A Revolução salvou a sociedade e a cultura, mas por meio da cirurgia mais cruel. Todas as forças ativas concentram-se na política, na luta revolucionária. O resto passa para segundo plano, e a Revolução esmaga sem piedade tudo o que a ela se opõe” [p. 153]. “Toda a nossa atividade econômica e cultural hoje não passa de uma reordenação de nossos pertences entre duas batalhas, duas campanhas” [p. 154]. 2p. 74. 3p. 74. 4p. 75. 5p. 150. 6p. 156. 7p. 155. 8p. 95. 9p. 114. 10p. 152. 11p. 180-1. 12p. 196. A propósito do regime interno dos bolcheviques: a visão de Trotsky Enio Bucchioni As divergências internas a um Partido significam necessariamente o reflexo da existência de pressões de classe em seu interior, ou seja, numa discussão interna uma das alas é a “proletária, revolucionária” e as outras são pequenoburguesas ou pró-burguesas? Buscando debater com estes questionamentos, o texto a seguir narra, nas mais diversas situações e em anos distintos, seja no interior do partido bolchevique, seja posteriormente na IV Internacional, a compreensão de Trotsky sobre o regime interno das organizações leninistas. Não se pretende, nem seria possível, encerrar por aqui a concepção de regime interno de um partido desse tipo. Nosso objetivo, portanto, é fornecer informações para que todos os interessados no tema possam conhecer, aprofundar e meditar sobre as palavras, idéias e concepções desse grande revolucionário. A burocracia stalinista reflete qual interesse de classes? É muito comum a adjetivação de classe em relação aos adversários numa luta política com o objetivo de desqualificação dos oponentes, às vezes até mesmo de caráter pessoal. Em vez de argumentos, fatos e análises, tenta-se imprimir um rótulo desqualificativo para, na luta interna, ganhar militantes com pouca ou nenhuma formação marxista. A afirmação mecânica de que diferentes tendências em um partido representam diferentes frações de classe, porém, era estranha a Trotsky. Ao narrar uma de suas polemicas internas no partido bolchevique, ele afirmava “Por outra parte, não há de se entender de maneira demasiadamente simplista o pensamento de quem sustenta que as divergências no Partido e, com maior razão, os reagrupamentos, não são outra coisa do que uma luta de influências de classes opostas. Em 1920, a questão da invasão da Polônia suscitou duas correntes de opiniões, uma que preconizava uma política mais audaz, e outra que predicava a prudência. Estas duas correntes diferentes constituíam tendências de classes? Não creio que se possa afirmar isso. Tratava-se somente de divergências na apreciação da situação, das forças e dos meios. O critério essencial era o mesmo para ambas as partes. Acontece com frequência que o Partido está em condições de resolver um problema por diferentes meios. E, se nesse caso, se produzem discussões, é apenas para se saber qual desses meios é o melhor, o mais eficaz, o mais econômico. Segundo o problema em discussão, essas divergências podem interessar a setores consideráveis do Partido, porém isso não quer dizer necessariamente que exista uma luta entre duas tendências de classe”.[1] Muitas vezes, uma maioria de uma direção partidária que caracteriza qualquer dissidência de desvios “pequenoburgueses”, considere-se “revolucionária e proletária e sempre com a linha correta”. Como ficou comum em organizações stalinistas, elas tendem a se transformar numa burocracia permanente, numa fração majoritária que ‘toma o poder’ dentro do Partido. Em geral, há interesses materiais nesse tipo de agrupamento, mas há também o que se chama de “pequeno poder”, principalmente no interior de organizações muito pequenas. É a conquista do prestígio e a tentação de preservá-lo ad eternum, seja como for possível. Esse “pequeno poder” é bem real, pois tende a alinhar ao seu redor os bajuladores desejosos de participar desse círculo. Dentro de tal corte, é muito comum que surjam os ataques mais raivosos contra todos aqueles que discrepam da linha oficial, com o objetivo de afastá-los do Partido. Isso é feito, muitas vezes, através da “auto exclusão”, ou seja, o(s) que está (ão) em minoria acaba (m) por se afastar “voluntariamente” da organização. Assim se referia stalinista: Trotsky sobre o poder da burocracia “Todo desvio pode, no curso de seu desenvolvimento, se converter na expressão dos interesses de uma classe hostil ou semi-hostil ao proletariado. Dito isto, o burocratismo é um desvio, e um desvio nada saudável; esperamos que esta afirmação não seja polemica. No momento que isso ocorre, ela ameaça desviar o partido de sua linha justa, de sua linha de classe; é aí que reside o perigo. Porém (e esse é um fato muito instrutivo e também um dos mais alarmantes) os que afirmam com maior nitidez, com maior insistência, e até brutalmente, que toda divergência de critérios, todo grupo de opinião, ainda que seja temporário,são uma expressão dos interesses das classes inimigas do proletariado, não querem aplicar esse critério à burocracia”.[2] O centralismo democrático para Trotsky No livro Em Defesa do Marxismo Trotsky fazia a perfeita relação entre o regime interno do Partido com seus militantes, com as tendências e frações provisórias. Deve-se assinalar que a única fração permanente foi a fração da burocracia incrustrada nas entranhas dos aparatos do Partido e do Estado soviético, e, por seus interesses como camada social, acabou por exterminar todas as outras tendências e frações. Todo burocrata que se preze não larga jamais a direção do seu partido, qualquer que seja a política e a linha do mesmo. Segundo Trotsky “O regime interior do partido bolchevique se caracteriza pelos métodos da centralização democrática. A concordância dessas duas noções não implica nenhuma contradição. O partido velava para que suas fronteiras estivessem sempre estritamente delimitadas, porém entendia que todos os que pertencessem a essas fronteiras tivessem o direito de determinar a orientação de sua política. A liberdade crítica e a luta de ideias formavam o conteúdo intangível da democracia do partido. A doutrina atual que proclama a incompatibilidade do bolchevismo com a existência de frações está em desacordo com os fatos. É um mito da decadência. A história do bolchevismo é, em realidade, a da luta de sus frações. Como uma organização autenticamente revolucionária que se propõe a mudar por completo o mundo e reúne sob suas bandeiras aos negadores, aos sublevados, aos combatentes de toda temeridade, poderia viver e crescer sem conflitos ideológicos, sem agrupamentos, sem formações fracionais temporais?. A clarividência da direção do partido conseguiu atenuar e abreviar várias vezes as lutas fracionais, porém não pode fazer mais que isso. O Comitê Central se apoiava nessa base efervescente de onde extraia a audácia de decidir e ordenar. A perfeita justeza de sua linha lhe conferia uma alta autoridade, precioso capital moral da centralização”.[3] Há quem pense, seja nas ideologias de direita, seja nos meios de esquerda, que o conceito de centralismo-democrático significa pura e simplesmente a submissão dos militantes partidários às decisões da cúpula dirigente. Assim, caberia tão somente aos adeptos do partido implementar, executar as diretrizes da toda poderosa direção partidária. Tal afirmação, porem, se choca com o trotskismo de Trotsky “Os problemas de organização do bolchevismo estão intimamente ligados aos de programa e tática (…) Sabemos que que o regime se baseava nos princípios do centralismo democrático. Se supunha, desde o ponto de vista teórico, (e assim foi, desde o começo, na prática) que esses princípios implicavam a possibilidade absoluta para o partido de discutir, de criticar, de expressar seu descontentamento, de eleger, de destituir, ao mesmo tempo que permitia uma disciplina de ferro na ação, dirigida com plenos poderes pelos órgãos dirigentes eleitos e removíveis. Se se entendia por democracia a soberania de todo o partido sobre todos os organismos, o centralismo correspondia a uma disciplina consciente, ajuizadamente estabelecida, que pudesse garantir de certo modo a combatividade do partido (…) No decorrer dos últimos anos, temos visto os representantes de maior responsabilidade da direção do partido fazer toda uma série de novas definições da democracia no partido, que se reduzem, no fundo, a dizer que a democracia e o centralismo significam simplesmente a submissão aos órgãos hierárquicos superiores (…) Não se pode conceber a vida ideológica do partido sem grupos provisórios no terreno ideológico. Até descobriu outra maneira de proceder”[4] agora ninguém Naturalmente, os grupos são um “mal” necessário, tanto como as divergências de opiniões. Porém, esse mal constitui um componente tão necessário da dialética da evolução do partido com as toxinas com relação á vida do organismo humano. Trotsky, as frações internas e as frações públicas Em fins da década de 1930 e começos dos anos 1940, houve uma imensa luta interna no Socialist Workers Party (SWP) norteamericano. A discussão, em essência, era sobre a defesa ou não da União Soviética, das conquistas da revolução de Outubro face à guerra mundial que se avizinhava e a possibilidade da União Soviética vir a ser derrotada pelo imperialismo. Era uma questão de princípio, numa realidade bastante complexa, pois Stalin acabara de fazer um pacto com Hitler e, em consequência, o exército vermelho e os nazistas invadiram a Polônia e a ocuparam meio a meio. A forte minoria, uns 40% do SWP, não defendia a União Soviética por causa da existência da burocracia stalinista e pela invasão da Polônia. Trotsky e a maioria do SWP defendiam as conquistas de Outubro e, em consequência, a luta mortal contra os imperialismos que ameaçavam invadir a União Soviética e esmagar aquelas conquistas colossais do proletariado mundial. Ao mesmo tempo, propugnavam a mais impiedosa luta pela revolução política contra o stalinismo. A dimensão da democracia interna, nas palavras e propostas de Trotsky, assume uma preponderância extraordinária e é levada à máxima potência com o intuito de preservar a unidade do SWP até as últimas instâncias. No entanto, ao mesmo tempo, ele é totalmente inflexível na argumentação política contra a minoria. Em meio a calorosas disputas com a minoria, Trotsky viria, em uma carta a Joseph Hansen, relembrar seus partidários da importância de garantir o mais amplo e livre debate como instrumento para preservar o partido. A importância política da disputa exigia flexibilidade democrática. Afirma Trotsky “Alguns dos dirigentes da oposição estão preparando uma cisão; para isso apresentam a oposição, no futuro, como minoria perseguida. E muito característico de sua mentalidade. Creio que devemos responder-lhes mais ou menos da seguinte forma: ‘Vocês já estão preocupados com as nossas futuras repressões? Prometemos garantias mútuas para a futura minoria, independentemente de quem possa ser essa minoria, vocês ou nós. Estas garantias podem ser formuladas em quatro pontos: 1) Não proibição de frações; 2) Nenhuma restrição à atividade fracional, além das ditadas pela necessidade da ação comum; 3) As publicações oficiais devem, evidentemente, representar a linha estabelecida pelo novo Congresso ; 4) A futura minoria pode ter, se assim desejar, um boletim interno destinado aos membros do partido, ou um boletim comum de discussão com a maioria.’ A continuação dos boletins de discussão depois de uma larga discussão e um Congresso não é, evidentemente, uma regra, mais sim uma exceção, aliás, deplorável. Mas não somos, de modo algum, burocratas. Não temos regras imutáveis. Também no terreno organizativo somos dialéticos. Se temos no partido uma minoria importante que não está satisfeita com as decisões do Congresso, é incomparavelmente preferível legalizar a discussão depois do Congresso, do que ter uma cisão. Se for necessário, podemos inclusive ir mais longe e proporlhes publicar, sob a supervisão do novo Comitê Nacional, resumos especiais da discussão, não só para os membros do partido, como também para o público em geral. Devemos ir o mais longe possível neste aspecto, com o fim de desarmar as suas queixas, que são no mínimo prematuras, colocando-lhes obstáculos que impeçam a preparação de uma ruptura. De minha parte, acredito que, nas atuais condições, o prolongamento da discussão, se canalizada com boa vontade pelas duas partes, só pode servir para a educação do partido”.[5] Parlamentarismo, sindicalismo e o regime interno A burocratização dos partidos revolucionários, principal responsável pela morte dos debates internos, se relaciona a diversos fatos. Muitas vezes, nas democracias-burguesas mais estáveis, à adaptação ao regime liberal-burguês é o principal responsável por isto. Nestes casos, corre-se o risco do partido sofrer pressões eleitoreiras. Também é um fato que sempre existiram organizações que queriam mais e mais parlamentares achando que o socialismo poderia vir através de uma maioria no Parlamento e/ou fazendo alianças com setores “progressistas“ da burguesia. Esse perigo existe. Deve-se relembrar, no entanto, que a falência da II Internacional há um século não foi apenas pela adaptação ao Parlamento e aos governos de seus respectivos países. Os poderosíssimos sindicatos dominados pela antiga socialdemocracia também tiveram papel central nessa adaptação. Tanto os ambientes parlamentares como os sindicais refletem ideologicamente no interior de qualquer partido e podem criar correntes e agrupamentos reformistas, ainda que camuflados por uma verborragia superradical. “Seria uma imbecilidade pensar que a ala proletária do partido é perfeita. Os trabalhadores só alcançam gradualmente uma clara consciência de classe. Os sindicatos sempre criam um caldo de cultivo para desvios oportunistas. Inevitavelmente teremos que enfrentar essa questão numa das próximas etapas. Mais de uma vez o partido terá que recordara seus próprios militantes sindicais que uma adaptação pedagógica às camadas mais atrasadas do proletariado não deve se transformar numa adaptação política à burocracia conservadora dos sindicatos. Toda nova etapa de desenvolvimento, todo aumento nas fileiras do partido e a complexificação dos métodos de seu trabalho, não somente abrem novas possibilidades como também engendra novos perigos. Os operários nos sindicatos, ainda que educados na mais revolucionária das escolas, frequentemente desenvolvem a tendência a se liberar do controle do partido”[6] Trotsky, a juventude e o regime interno Entre os instrumentos para garantir a vida sadia no partido, Trotsky via na rebeldia justa dos jovens um potente aliado. O espirito questionador, dinâmico e não-conformista da Juventude seriam importantes barreiras à burocracia. No artigo sobre o “Novo Curso”, assim Trotsky entendia a juventude estudantil na sociedade pós-revolucionária e no interior do Partido, relacionando-os com o regime partidário e o processo de burocratização em curso: “Esta última (a juventude estudantil) como temos visto, reage de maneira particularmente vigorosa contra o burocratismo. Justamente Lenin havia proposto, para combater o burocratismo, recorrer decididamente aos estudantes. Devido à sua composição social e suas vinculações, os jovens estudantes são um reflexo de todos os grupos sociais do nosso partido, assim como seu estado de ânimo. Sua sensibilidade e seu ímpeto os levam a imprimir imediatamente uma força ativa a esse estado de ânimo. Como estudam , eles se esforçam para explicar e generalizar. Isso não quer dizer que todos os seus atos e estados de ânimo reflitam tendências sadias. Se assim ocorresse, significaria, e não é esse o nosso caso, ou que tudo marcha bem no partido ou que a juventude já não é o reflexo do partido. Em princípio, é justo afirmar que nossa base não são os estabelecimentos de ensino, mas os núcleos de fábrica. Porém, ao dizer que a juventude é nosso barômetro, designamos um valor não essencial às suas manifestações políticas, mas algo sintomático. O barômetro não cria o tempo, apenas se limita a registrá-lo. Na política, o tempo é formado na profundeza das classes e nos terrenos onde essas classes entram em contato entre si…. (…) Além disso, um setor considerável de nossos novos estudantes são comunistas que tiveram uma experiência revolucionária bastante importante. E os partidários mais obstinados do “aparato” se equivocam enormemente ao desprezar essa juventude que é nosso meio de autocontrole, que deverá tomar nosso lugar e a quem pertence o futuro”.[7] Assim era o regime interno para Trotsky, em perfeita continuidade com o partido bolchevique e com Lenin, o grande artífice e criador do partido e do regime interno. Assim era o regime interno da IV Internacional enquanto viveu o seu maior dirigente. Assim deve ser o regime para todos os que aderiram ao legado desses dois dos nossos maiores mestres. Referências bibliográficas: TROTSKY, Leon. Textos sobre o Centralismo Democrático. Buenos Aires: Antídoto, 1992. TROTSKY, Leon. Em Defesa do Marxismo. São Paulo: Proposta, s.d. Notas: [1] Trotsky, 1923, p 29 [2] Trotsky, 1923, p 28 [3] Trotsky, 1937 [4] Trotsky, 1923, 47-48 [5] Trotsky, 1940 [6] Trotsky, 1940 [7] Trotsky, 19 Contra o que os trotskistas lutaram? Alvaro Bianchi O jornal Correio da Cidadania publicou recentemente um artigo de certo Gilvan Rocha intitulado “Aos trotskistas”. Apesar do título não se trata de uma carta ou de uma tentativa de discussão e sim de um ataque a Trotsky e ao trotskismo, mal informado e baseado em erros historiográficos primários. Dentre outros aterradores achados o notável articulista afirma que os trotskistas estiveram ausentes na “revolução boliviana, de 1952” e no “Maio francês”, contrariando toda a historiografia existente (toda, sem exceção). Obviamente Rocha nunca ouviu falar das teses de Pulacayo, de Guillermo Lora e Hugo Moscoso e também não deve conhecer o livro de Libório Justo. Quem dirá de Henri Weber, Daniel Bensaïd, Jacques Sauvageot, Alain Krivine e das dezenas, senão centenas de estudos sobre o movimento estudantil francês que relatam o protagonismo maoístas. dos trotskistas ao lado de anarquistas e Livros não parecem ser o forte de Rocha. Ele também afirma que “os trotskistas se empenham em esconder a sua obra ‘Nossa Tarefa Política’”. Essa obra não existe. O livro foi publicado na França com o título Nos tâches politiques [Nossas tarefas políticas] (TROTSKY, 1970), traduzido pelo trotskista Boris Fraenkel e com avant-propos de Marguerite Bonnet. O mesmo livro, publicado pela editora trotskista New Park, na Inglaterra recebeu o título de Our political tasks [Nossas tarefas políticas] (TROTSKY, 1979). A editora New Park também publicou o Report of the Siberian delegation (TROTSKY 1979a). Ambas as versões encontram-se no site marxists.org. Traduzir e publicar o livro, todos devem concordar, não é uma boa maneira de escondê-lo. Já dizia o renomado filósofo argentino Luis Landriscina que a ignorância é uma condição social, mas a burrice é patrimônio próprio. Que alguém não conheça a história da revolução russa ou a luta contra o stalinismo é perfeitamente compreensível. Que decida escrever sobre o tema, tornando pública essa ignorância em um artigo, aí já é coisa bem diferente. Que encontre cúmplices para tal, é escandaloso. Os editores do Correio da Cidadania precisam explicar porque decidiram divulgar tamanha ignorância. (Neste caso, como as alternativas são ignorância, burrice ou má-fé, o melhor seria reconhecerem logo a ignorância.) Antonio Gramsci aconselhava a, na luta ideológica, enfrentar sempre os adversários mais fortes e as teses mais resistentes. Seu argumento era pleno de bom senso. Na luta políticomilitar, romper as linhas adversarias atacando o elo mais fraco fazia sentido. Mas no debate e ideias, destruir os auxiliares e suas fracas ideias não teria efeito algum. Não se pretende aqui desprezar esse conselho. De fato, gastar tempo com a burrice alheia é coisa para quem o tem de sobra. Mas apesar do artigo de Rocha ser primário e repleto de contradições ele pode servir como pretexto para discutir o fenômeno stalinista e debater algumas teses. O ponto de partida é o parágrafo-síntese de seu artigo, o qual espreme exóticas teses: “O trotskismo, como produto subjacente da contrarrevolução vitoriosa, na medida em que não assumiu a derrota e não rompeu com as resoluções políticas aprovadas no X Congresso do PC russo, em 1921, particularmente com o monolitismo, o ultra-centralismo burocrático e o conceito de “partido da revolução”, consagrou-se como uma indiscutível corrente stalinista, embora dissidente da Terceira Internacional.” Neste artigo pretende-se discutir apenas duas das exotéricas teses presentes nesse parágrafo: a) a ideia de que o “trotskismo” é um produto subjacente da contrarrevolução vitoriosa e b) a afirmação de que o “trotskismo” não propôs a revogação das resoluções organizativas aprovadas pelo X Congresso. Em outra oportunidade discutir-se-á o conceito de stalinismo tão mal utilizado pelo superficial autor. O surgimento do “trotskismo” Como corrente política o “trotskismo”, ou seja, a oposição à direção stalinista, surge muito antes da vitória definitiva da contrarrevolução, a qual só pode ser datada no final dos anos 1920 e início da década de 1930. Não é o objetivo discutir aqui quando essa vitória ocorre e sim quando a oposição liderada por Trotsky começou. Os historiadores da Revolução Russa e do partido bolchevique registram um grande número de debates fracionais e de oposições que surgem no interior do partido depois de 1917. Os comunistas de esquerda, a oposição militar, a oposição operária e o grupo centralismo democrático, são os agrupamentos mais conhecidos (ver a respeito BROUÈ, 1972 e DANIELS, 1988). O próprio Trotsky envolveu-se em alguns desses debates, opondo-se à maioria partidária e a Lenin a respeito do acordo de paz de Brest-Litovski, em 1918, e da questão sindical, em 1921. Mas o que caracteriza a chamada oposição de esquerda, liderada por Trotsky a partir de 1923 não é a divergência a respeito de um ou outro ponto da política bolchevique e sim o combate frontal contra a burocracia partidária. Esse combate começou a ganhar contornos mais definidos em 8 outubro de 1923, quando o chefe do Exército Vermelho expôs suas opiniões em uma carta dirigida ao Comitê Central do partido. A carta visava a medida proposta por Dzerzhinsky segundo a qual todo militante do partido teria a obrigação de denunciar a existência de agrupamentos no partido ao CC, à Comissão de Controle e à GPU. A medida, claramente burocrática revelava, segundo Trotsky, a existência desses agrupamentos (frações) e de um estado de espírito que estimulava o surgimento de frações secretas. Além de questionar essa medida Trotsky abriu fogo contra a indicação de dirigentes partidários locais pelo secretariado do partido. Segundo argumentou, mesmo durante a guerra as indicações eram um décimo dos níveis que haviam atingido em 1923. Por meio desse mecanismo o secretariado do partido havia criado um estrato de dirigentes intermediários que renunciava a toda opinião independente. A burocracia partidária alimentava-se desse mecanismo: “A burocratização do aparelho do Partido desenvolveu-se em proporções inéditas por meio do método de seleção pelo secretariado. Tem sido criado um amplo estrato de trabalhadores do Partido, entrando no aparelho de governo do Partido, que renuncia completamente a sua própria opinião do partido, pelo menos a expressão aberta das mesmas, como se assumisse que a hierarquia do secretariado é o aparelho que cria opinião Partido e as decisões do Partido” ( VVAA, 1975). Esse pesado ataque não foi, senão, o primeiro passo. Uma semana depois, 46 destacados dirigentes bolcheviques encaminharam uma carta ao Politburo do partido no qual manifestavam sua oposição aos rumos que a Nova Política Econômica (NEP) havia assumido e à crescente burocratização do Partido.[1] Trotsky não assinou a carta-plataforma, mas amigos e colaboradores muito próximos, como Preobrazhensky, Smirnov, Pyatakov e Antonov-Ovseenko, eram os organizadores da iniciativa. Os termos da plataforma eram ainda mais duros e, tinham, provavelmente, o objetivo de puxar a corda, forçando o Politburo a um acordo com Trotsky e este a tomar a iniciativa. Segundo os signatários: “O regime estabelecido dentro do Partido é completamente intolerável; ele destrói a independência do partido, substituindo o partido por um aparato burocrático recrutado que age sem objeção em tempos normais, mas que inevitavelmente falhará em momentos de crise, e que ameaça tornar-se completamente ineficaz em face dos graves acontecimentos agora iminentes. A situação que foi criada é explicada pelo fato de que o regime da ditadura de uma facção dentro do partido, que foi, de fato, criado após o X Congresso, sobreviveu a si mesmo.” (Plataforma dos 46.) As palavras escolhidas eram fortes: “ditadura de uma fração sobe o partido”. Já em sua carta, Trotsky havia demonstrado fingida surpresa com a existência de frações secretas. Que houvesse pequenos grupos de dissidentes todos sabiam e toleravam, mas o que estava por detrás dessa fingida surpresa era o reconhecimento da existência da troyka – Stalin, Zinoviev e Kamenev –, a fração secreta que comandava o partido. Entre os oposicionistas não havia dúvidas a respeito. Assim como não havia incertezas a respeito do uso que esta fazia dos instrumentos administrativos votados pelo X Congresso. Mas o debate dos oposicionistas estava longe de tratar esses temas como princípios. Longe de afirmar uma “recusa” formal a esses instrumentos administrativos, argumentavam que a utilidade que eles poderiam ter tido em um contexto de crise já não fazia mais sentido. A discussão sobre esse tema nunca esteve no terreno dos princípios. Afinal tanto a proibição das frações internas quanto sua aceitação não deixavam de ser, igualmente, normas administrativas. A pressão dos oposicionistas no mês de novembro e no início de dezembro obrigou o CC a convocar uma conferência extraordinária e a abrir as páginas do Pravda à discussão sobre a “situação interna do partido.” A política da troyka consistia em estabelecer um acordo com Trotsky, o qual relutava em lançar-se publicamente à luta, separando-o da aguerrida oposição dos 46. Um acordo entre Stalin, Kamenev e Trotsky permitiu encaminhar, no dia 5 de dezembro, uma resolução ao Politburo, a qual incorporava muitas das críticas deste último. Mas o comandante do Exército Vermelho não estava disposto a conformar-se e viu no acordo a possibilidade de tornar públicas suas ideias. No dia 8 de dezembro, Trotsky endereçou uma carta às plenárias do partido que haviam sido convocadas, na qual afirmava que a resolução do Politburo era de “uma significância excepcional. Ela indica que o partido chegou a um importante ponto de mudança em seu caminho histórico.” O texto de Trotsky era bastante ambíguo. Ao mesmo tempo em que defendia o acordo e o “novo rumo” que poderia dele derivar, enfatizava o risco de degeneração burocrática da “velha guarda” e concluía que era necessário reconhecer e enfrentar esse perigo aprofundando a democracia do partido: “O partido não tem outros meios para empregar contra este indubitável perigo que uma séria, profunda e radical mudança no curso em relação à democracia partidária e um fluxo cada vez maior em seu meio de elementos da classe trabalhadora.” (VVAA, 1975.) A publicação por Trotsky de O novo curso, ainda em 1923, reafirmou essa conclusão. Enquanto isso, a troyka agia para neutraliza-lo, ao mesmo tempo que abria pesada artilharia contra os 46. Nas plenárias do partido realizadas na primeira quinzena de dezembro o tom da discussão foi ganhando altura. Na conferência de Moscou, Saporonov, um “velho bolchevique” de 36 anos, organizador do Grupo Centralismo Democrático, em 1919, e alto funcionário do partido, reagiu contra o relatório apresentado por Kamenev, o qual defendeu a burocracia partidária: “O camarada Kamenev votou favoravelmente à resolução do Politburo, mas todo o seu discurso foi construído em oposição a esta resolução sobre uma superestimação do aparelho e uma subestimação do Partido.” Apesar da reação cuidadosa de Trotsky, sua carta às plenárias do partido, com toda sua ambiguidade, fornecia aos 46 os argumentos e a oportunidade para levar adiante de maneira explícita o combate. O sentido da resolução do Politburo encontrava-se em disputa, mas também o sentido da carta de Trotsky parecia estar. Para Saporanov: “A avaliação dos camaradas Kamenev e Trotsky sobre o aparelho do Partido são completamente contrárias e não é Kamenev quem está correto em sua avaliação. É incorreto colocar a questão como se o aparelho fosse nos salvar. Só ‘homens aparelhos’ podem ver a salvação no aparelho e não na iniciativa do Partido.” (VVAA, 1975.) Pouco depois, em dezembro do mesmo ano, Trotsky voltou ao tema em um novo artigo. Neste o comandante do Exército Vermelho mostrava que na prática o partido havia tolerado a existência de frações e que essa atitude não havia sido alterada pelo X Congresso, como se revelou na aguda luta política que teve lugar em Leningrado, imediatamente após as frações serem proibidas. O CC não apenas não tomou partido na disputa como colocou-se no papel de árbitro entre as duas frações existentes. Segundo Trotsky, os efeitos e a importância dessa resolução haviam sido sobredimensionados pelo aparelho burocrático do partido. Mas seu propósito original era apenas auxiliar: “A decisão do X Congresso proibindo as facções pode ter apenas um caráter auxiliar; por si só, não dá a chave para a solução de todas as dificuldades internas. Seria ‘fetichismo organizacional’ acreditar que, independentemente do desenvolvimento do partido, os erros da liderança, o conservadorismo do aparato, as influências fora dele, etc, uma decisão é suficiente para nos preservar de agrupamentos e da desordem inerentes à formação de facções. Olhar para as coisas desta maneira seria dar prova de burocratismo.” (TROTSKY, 1923.) Toda ênfase de Trotsky era colocada em um argumento já presente em sua carta de outubro de 1923 ao CC: o aparelho burocrático não deveria ser sobrestimado; a iniciativa dos militantes do partido não poderia ser subestimada. Nessa dialética entre aparelho e partido (militantes), o líder do soviet de Outubro considerava importante relembrar ao aparato que ele era o aparato do partido, eleito por ele e que não poderia dele separar-se. E embora o argumento de Trotsky fosse exposto de maneira cuidadosa ele, fundamentalmente, ecoava as teses e as preocupações dos 46. A luta pela democracia no partido tornou-se cada vez mais aguda. Stalin julgava que o acordo com Trotsky e a resolução do dia 5 de dezembro haviam encerrado a questão e não o perdoou por ter publicado uma carta a todas as plenárias do partido no dia 8 do mesmo mês. Dia 15 de dezembro, o secretário-geral foi à luz pela primeira vez mostrar de que lado estava na discussão por meio de um longo artigo no Pravda. No artigo, o cruel georgiano anunciava que a oposição, formada por comunistas de esquerda e remanescentes do Grupo Centralismo democrático, já havia “sofrido uma esmagadora derrota” (STALIN v. 5, p. 381). Stalin assim resumiu as exigências democráticas dos oposicionistas: “Enquanto exigia a plena implementação da resolução aprovada pelo X Congresso sobre a democracia interna do partido, a oposição, ao mesmo tempo insistia na eliminação das restrições (proibição de grupos, a regra da unidade do partido, etc) que foram adotadas pelo X, XI e XII Congressos do Partido.” (STALIN, 1954, v. 5, p. 381.) O artigo de Stalin era uma declaração de guerra em nome do aparelho burocrático contra a oposição. Segundo pensava, Trotsky havia ferido a disciplina do Comitê Central com sua carta: “a qual não pode ser interpretada de outra forma do que como uma tentativa de enfraquecer a vontade dos membros do partido pela unidade e apoio ao Comitê Central e sua posição.” (idem, p. 393). O secretário-geral não gostou nada de ver as tendências burocráticas no aparelho bolchevique serem comparadas com a degeneração da Segunda Internacional. Admitia até que hipoteticamente existiria um risco de burocratização no aparelho bolchevique. Mas a respeito disso trovejava: “Como uma possibilidade, tal perigo pode e deve ser assumido. Mas isso significa que esse perigo é real, que ele existe? Eu acho que isso não acontece.” (STALIN, 1954, v.5, p. 395). O mais notável no artigo de Stalin é que ele não concedia a Trotsky nenhuma margem de acordo que não fosse a rendição. Não bastava a moderação de Trotsky e sua renúncia a participar diretamente do debate. Para o georgiano, a carta de 8 de dezembro não era uma tentativa de constituição de um terceiro campo ou de uma saída negociada com a troyka, ela teria o objetivo velado de: “diplomaticamente apoiar a oposição em sua luta contra o Comité Central do Partido fingindo apoiar a resolução do Comitê Central. Isso, de fato, explica o selo de duplicidade que tem a carta de Trotsky. Ele está em um bloco com os centralistas democratas e com uma parte dos comunistas “de esquerda” – é aí que reside o significado político da ação de Trotsky.” (STALIN, 1954, v. 5, p. 397) O artigo de Stalin antecipou o tom da discussão em janeiro, deixou claro que o objetivo era derrotar Trotsky e deu um norte para a burocracia partidária, a qual era menos afeita às oscilações de Zinoviev e Kamenev ou às sutilezas de Bukharin. A luta continuou, assim, nos primeiros meses de 1924 nas conferências provinciais e na XIII Conferência partidária, realizada entre 16 e 18 de janeiro de 1924, uma semana antes da morte de Lenin. Mas apesar da declaração de guerra lançada por Stalin, o comandante do Exército Vermelho continuou a mover-se cautelosamente. A conferência de janeiro havia sido projetada pela troyka para assegurar uma ampla maioria à burocracia partidária e impor uma derrota definitiva à oposição. Poucos dias antes da reunião, Trotsky publicou, com o título de Novo curso, uma coleção de artigos e discursos, alguns dos quais já haviam saído no Pravda. Embora os artigos já fossem conhecidos e prevalecesse neles certa ambiguidade, a burocracia partidária interpretou o movimento de Trotsky como mais um lance de apoio à oposição. Contando com ampla maioria, a troyka desfechou um ataque frontal contra a oposição e, principalmente, contra Trotsky. Em seu relatório, Stalin procurou caracterizar o comandante do Exército Vermelho como alguém que “que se colocou em oposição ao CC e se imagina como um super-homem, ficando acima do CC, acima de suas leis, acima de suas decisões” (idem, p. 14). Em sua réplica Stalin continuou e acusou Sapronov de agir “insincera e hipocritamente” (idem, p. 35); Preobrazhensky de parecer um “lavrador” (idem, p. 36); Radek, por sua vez, foi apresentado como um “homem que tem uma língua que não pode dirigir e que escravo de sua própria língua” (idem, p. 42); e Antonov Ovsenko como alguém que estava em desacordo com “as regras elementares de decência” (idem, p. 43-44). Mas o brutal sarcasmo do chefe da troyka não bastava. Citações da oposição foram manipuladas para comprometer Trotsky ao mesmo tempo em que o grito de guerra de “menchevismo” foi lançado pela primeira vez contra a oposições. Ainda assim era necessário ir além e apelar para medidas administrativas extraordinárias. Stalin fez isso em seu relatório retirando da gaveta o parágrafo secreto da resolução do X Congresso do partido. A resolução aprovada por aquele Congresso, em 1921, no auge da luta sobre a questão sindical continha um dispositivo que permitia ao CC, nos casos nos quais a disciplina partidária fosse quebrada e ressurgisse o fracionalismo, “aplicar todas as penalidades, até mesmo a expulsão do partido” inclusive aos membros do Comitê Central (idem, p. 24). Em seu relatório Stalin propôs incluir o texto do X Congresso no relatório final e torna-lo público, ameaçando claramente a oposição (idem). Preobrazhensky não respondeu, durante seu discurso à ameaça de Stalin. Mesmo assim, Stalin retomou a ameaça em um tom ainda mais ameaçador: “Você tem medo disso também? Será que vocês, Preobrazhenski, Radek, Sapronov, estão pensando em violar a disciplina do Partido, de reviver o faccionalismo? Bem, se isso não é a intenção, então do que têm medo? Seu pânico mostra-se, camaradas. Evidentemente, se vocês tem medo de ponto sete da resolução de unidade, vocês deveriam ser favoráveis ao facciosismo, à violação da disciplina, e contra a unidade. Caso contrário, por que todo o pânico? Se a consciência está limpa, se forem a favor da unidade e contra o facciosismo e a violação da disciplina, então não é claro que a mão punitiva do Partido não lhes tocará? O que há a temer, então? ” (idem, p. 41) Na plateia alguém reagiu: “Mas por que você incluiu o ponto se não há nada a temer?”. Ainda mais amedrontador o georgiano respondeu: “Para te relembrar.” (idem). Ninguém esqueceu a ameaça. Ela ainda ecoou no XIII Congresso, realizado em julho de 1924, quando, ao mesmo tempo em que anunciava a “promoção Lenin” com vistas a abrir o partido a novos filiados alterando sua composição social e política, Stalin defendeu a realização de um “expurgo” interno, que livrasse o partido dos elementos instáveis (v. 6, p. 239). E para que não restassem dúvidas do que se avizinhava o secretário-geral caracterizou a oposição como um “desvio pequeno-burguês”, abrindo o caminho para os expurgos (idem, p. 232 e 242). Conclusão Stalin venceu essa primeira batalha pelo controle do partido, isolando Trotsky. Mas em 1923-1924 a luta no interior do Partido Comunista da Rússia (bolchevique) estava longe de ser decidida. Em dezembro de 1923, o aparelho burocrático venceu as votações em 348 células partidárias de Moscou, contra 162 que deram a vitória aos oposicionistas, um número nada desprezível em que pese as inúmeras chantagens e ameaças contra os militantes oposicionistas (cf. o interessantíssimo artigo de HINCKS, 1992). A batalha contra a burocracia estava dando seus primeiros passos e coube aos 46 a vanguarda. Reunindo antigos partidários do comunismo de esquerda com os centralistas democráticos a plataforma lançada em dezembro de 1923 aglutinou os militantes que pouco depois conformariam a Oposição de Esquerda sob a liderança de Trotsky. A posição de Trotsky nos primeiros combates foi ambígua e procurou, em mais de uma oportunidade, um acordo com a maioria da direção. O comandante do Exército Vermelho pagou caro pela sua vacilação, recebendo no XIII Congresso um número de votos que lhe garantiu o 51º lugar entre os 52 eleitos para o Comitê Central. Mas suas diferenças com esta eram grandes demais para permitir uma solução negociada. Justiça seja feita, a burocracia partidária compreendeu isso antes do próprio comandante do Exército Vermelho. A luta dos 46 foi, entretanto, levada a cabo em nome de Trotsky, como fica claro nos discursos dos oposicionistas, particularmente Preobrazhensky, Sapronov e Pyatakov, nas instâncias partido. de do Poucos meses mais seriam necessários para um novo conflito com o centro partidário, um conflito que tornaria o criação da oposição de esquerda incontornável para o próprio Trotsky. O “trotskismo” não é, assim, um produto da “contrarrevolução vitoriosa” e sim da luta contra a burocracia soviética contrarrevolucionária. Nesta luta os oposicionistas de 1923, assim como Trotsky, consideraram que já era o momento de deixar as resoluções do X Congresso para trás e propuseram explicitamente sua revogação ou reformulação. Afirmar o contrário, como já foi dito, é ignorância, burrice ou, simplesmente, má-fé. Referências bibliográficas: BROUÈ, Pierre. El partido bolchevique: México D.F.: Ayuso, 1972. DANIELS, R. V. Conscience of the Revolution: Communist Opposition in Soviet Russia. Boulder, CO, Westview Press, 1988. HINCKS, Darron. Support for the Opposition in Moscow in the Party Discussion of 1923-1924. Soviet Studies, v. 44, n. 1, p. 137-151, 1992. STALIN, J. V. Works. Moscou: Foreign Languages, 1954, 14v. TROTSKY, Leon. Nos tâches politiques. Paris : Denöel-Gonthier, 1970 TROTSKY, Leon. Our political tasks (1904). Londres: New Park, 1979. TROTSKY, Leon. Report of the Siberian Delegation (1903). Londres: New Park, 1979a. TROTSKY, Leon. The new course. Ann Arbor: University of Michigan Press, 1965. VVAA. Documents of the 1923 Opposition. London : New Park, 1975. [1] Neste artigo não sera abordada a polemica sobre a NEP.