UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO A EXPRESSÃO DA MODALIDADE EM PEÇAS CARIOCAS: UMA ANÁLISE DIACRÔNICA Evelin Azambuja Augusto Rio de Janeiro Fevereiro de 2015 A expressão da modalidade em peças cariocas: uma análise diacrônica Evelin Azambuja Augusto Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como quesito para a obtenção do Título de Mestre em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa). Orientadora: Professora Doutora Maria Eugênia Lammoglia Duarte Rio de Janeiro Fevereiro de 2015 A expressão da modalidade em peças cariocas: uma análise diacrônica Evelin Azambuja Augusto Orientadora: Professora Doutora Maria Eugênia Lammoglia Duarte Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como quesito para a obtenção do Título de Mestre em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa). Examinada por: ______________________________________________________ Presidente: Profª. Doutora Maria Eugênia Lamoglia Duarte – UFRJ ______________________________________________________ Profª. Doutora Juliana Esposito Marins – UFRJ ______________________________________________________ Prof. Doutor Gilson Costa Freire – UFRRJ ______________________________________________________ Prof. Doutor Humberto Soares da Silva - UFRJ – suplente ______________________________________________________ Profª. Doutora Ângela Marina Bravin dos Santos – UFRRJ - suplente Rio de Janeiro Fevereiro de 2015 Augusto, Evelin Azambuja. A expressão da modalidade em peças cariocas: uma análise diacrônica./ Evelin Azambuja Augusto. – Rio de Janeiro: UFRJ/Faculdade de Letras, 2015. 106f; il.; 30cm Orientadora: Maria Eugênia Lammoglia Duarte Dissertação (Mestrado) – UFRJ/Letras/ Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas, 2015. Referências Bibliográficas: f.104-106. 1. Modalidade. 2. Verbos auxiliares, verbos predicadores e predicadores adjetivais. 3. Estudo de mudança em tempo real. I. Duarte, Maria Eugênia Lammoglia. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Programa de PósGraduação em Letras Vernáculas. III. A expressão da modalidade em peças cariocas: uma análise diacrônica. AUGUSTO, Evelin Azambuja. A expressão da modalidade em peças cariocas: uma análise diacrônica. Dissertação de Mestrado em Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Faculdade de Letras/UFRJ. 2015. RESUMO Meu objetivo principal é analisar como as formas de expressão de modalidade (epistêmica e não-epistêmica) se comportam ao longo do tempo no Português Brasileiro. Para isso, foram analisadas peças de teatro escritas no Rio de Janeiro, distribuídas ao longo de sete períodos dos séculos XIX e XX. Entre as diversas formas de expressar essa categoria, focalizo os verbos auxiliares modais, os predicadores verbais e predicadores adjetivais, esses dois últimos tipos favorecedores de estruturas com um sujeito expletivo nulo. Como o português brasileiro prefere sujeitos referenciais expressos, minha hipótese era a de que o uso de auxiliares aumentaria ao longo do tempo. Como base teórica, utilizo o modelo de estudo da variação e mudança proposto por Weinreich, Labov e Herzog (2006 [1968]), associado à Teoria de Princípios e Parâmetros (Chomsky, 1981). Os resultados apontam que, embora predominantes desde a primeira sincronia, os auxiliares tendem a crescer; que os predicadores adjetivais ocorrem em número muito reduzido; e que os predicadores verbais descritos nas gramáticas aparecem de modo parcimonioso no texto das peças até o ano de 1955, dando lugar a duas formas verbais inovadoras, que permitem o alçamento de um constituinte para a posição do sujeito expletivo, na segunda metade do século XX. Foi possível constatar, ao lado da implementação de sujeitos referenciais, uma clara preferência por sujeitos expressos de 1ª. e 2ª. pessoas, o que leva à confirmação parcial de minha hipótese principal. Palavras-Chave: Modalidade; Verbos auxiliares, verbos predicadores e predicadores adjetivais; Estudo de mudança em tempo real. AUGUSTO, Evelin Azambuja. A expressão da modalidade em peças cariocas: uma análise diacrônica. Dissertação de Mestrado em Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Faculdade de Letras/UFRJ. 2015. ABSTRACT The aim of this research is to analyze the expression of modality (epistemic and nonepistemic) in Brazilian Portuguese in a diachronic study. The corpus comes from popular plays written in Rio de Janeiro along the 19th and 20th Centuries, distributed in seven periods of time. The structures analyzed were auxiliaries, verbal and adjectival predicates. Whereas auxiliaries allow referential subjects, modal verbs and adjectives favor an expletive subject. Since Brazilian Portuguese prefers overt referential subjects, our hypothesis was that the use of auxiliaries would increase along the time. The theoretical support comes from de model proposed by Weinreich, Labov e Herzog (2006 [1968]) associated with the Principles and Parameters Theory (Chomsky, 1981). The results show that auxiliaries are predominant in each synchrony, but tend to increase along the time; adjectival predicates are rare; the verbal predicates, presented in traditional grammars, appear in a very reduced way in the plays scripts up to 1955, but two innovative forms, allowing constituent raising to subject position, are implemented in our system in the last half of the 20th Century. With the auxiliaries, it was possible to observe the implementation of overt subjects particularly in 1st and 2nd person, confirming partially our main hypothesis. Key words: Modality; Auxiliaries; Verbal predicates; Adjectival predicates; Study of change in long term. AGRADECIMENTOS “Fundamental é mesmo o amor É impossível ser feliz sozinho” (Tom Jobim) Nesse momento de muita felicidade, não posso deixar de agradecer às pessoas que, de alguma forma, contribuíram para que eu chegasse até aqui. Primeiramente, agradeço a Deus por sua infinita bondade e por tantas graças recebidas ao longo da minha vida. À Nossa Senhora, por estar comigo em todos os momentos, principalmente nos mais angustiantes. À minha mãe, Elen, melhor amiga, companheira e porto-seguro, pela educação que recebi, por ter paciência para ouvir minhas longas histórias, por me impulsionar sempre, por torcer tanto por mim e ser minha fã número 1, enfim, pelo seu amor. Ao Luis e à Helena, pelos momentos que vivemos juntos, pela segurança de saber que posso contar com vocês, por me ensinarem o valor da família e do amor sem querer nada em troca. Ao meu pai, Augusto, Lúcia e Julia, pela torcida e incentivo de sempre. Vocês são muito importantes para mim. Às minhas avós, Celita e Elvira, e à minha avó emprestada, Teresinha, por todas as orações, todo carinho e dedicação e pelos exemplos recebidos. À família que me acolheu com tanto amor. À Hustana, por todo o incentivo, por me ensinar tanto, pelos conselhos, as conversas e os passeios que só nós duas temos coragem de fazer. Ao Ricardo, pela torcida e carinho, e à Teté, pela alegria de viver, pelas várias coisas emprestadas ao longo desses 8 anos (rs). Obrigada por me receberem em suas vidas de braços abertos. Ao meu amor, melhor amigo e companheiro, Ivan, por me fazer uma pessoa melhor, estar sempre presente, me dar forças, me ajudar em tantas coisas, pelo seu amor e carinho e por dividir a sua vida comigo. Aos presentes que a Faculdade de Letras me deu: Lu e Victor, pela amizade sólida, pelos momentos que vivemos juntos e por todas as risadas. Edu, pelas nossas internas que tanto me divertem, por me salvar em Francês diversas vezes e por ser esse amigo leal e verdadeiro. Ju, por acreditar em mim, me escolher, entre tantas opções, para ser sua sucessora, por guiar meus passos acadêmicos, por sua alegria contagiante e seu carinho, mesmo quando briga comigo! Bruna Cupello, Jéssica Uhlig, Jéssica Magalhães e Maria, cada uma de vocês, que têm personalidades tão diferentes, é muito importante pra mim. Aos meus amigos de sempre: Vivi, Camila, Manu, Clarinha, Ju, Tiago, Marcelo, pela amizade verdadeira e sólida, apesar de não estarmos sempre juntos, por toda força, incentivo e histórias que vivemos juntos. Aos meus Maanamigos, por todas as orações, por entenderem a minha ausência nos últimos meses e por me levarem para mais perto de Deus. Aos meus colegas do Radical e do Eliezer, sobretudo à Liana Zaroni, pela oportunidade que me deu, por acreditar na minha capacidade e me substituir sempre que preciso, e ao Alexandre Valuzuela, por me ensinar tanto e me motivar a crescer e a aprender cada vez mais. À Gabriela Mourão, por aguentar meus momentos de desespero e tensão, quase nenhum (rs), responder minhas mil perguntas e dividir esse momento “mestranda” comigo. À Mayara Nicolau, por estar sempre disponível e me ajudar tanto. Aos professores doutores Gilson Freire, Juliana Marins, Ângela Bravin e Humberto Soares da Silva, por aceitarem fazer parte da minha banca. À minha orientadora Maria Eugênia, por me ensinar tanto, por sua orientação impecável, pelas broncas que me fizeram crescer muito e por ter me aceitado como sua orientanda. Sem você, eu não teria conseguido! SUMÁRIO INTRODUÇÃO .................................................................................................... . 14 CAPÍTULO 1- PONTOS DE PARTIDA ............................................................... . 17 1.1 O tratamento da modalidade nas gramáticas tradicionais ............................. . 17 1.2 A modalidade no âmbito dos estudos linguísticos ......................................... . 20 1.3 A expressão da modalidade nas gramáticas descritivas contemporâneas do português ............................................................................................................ . 22 1.4 A expressão da modalidade em estudos empíricos e teóricos ...................... . 27 CAPÍTULO 2 - PRESSUPOSTOS TEÓRICOS E METODOLOGIA ................... . 32 2.1 A Teoria da Variação e Teoria Gerativa ........................................................ . 32 2.1.1 O modelo teórico de estudo da mudança adotado - A Sociolinguística da Variação .............................................................................................................. . 33 2.1.2 A teoria linguística adotada – o tratamento da modalidade e o modelo de princípios e parâmetros .................................................................................. . 35 2.1.2.1 O tratamento da modalidade ................................................................... . 35 2.1.2.2 O modelo de princípios e parâmetros ...................................................... . 37 2.2 Objetivos e hipóteses .................................................................................... . 39 2.3 Procedimentos metodológicos ...................................................................... . 40 2.3.1 A amostra ................................................................................................... . 41 2.3.2 O envelope da variação .............................................................................. . 43 2.3.2.1 A variável sociolinguística ....................................................................... . 43 2.3.2.2 Os grupos de fatores ............................................................................... . 44 CAPÍTULO 3 – A ANÁLISE ................................................................................ . 53 3.1 Distribuição geral das estratégias ................................................................. . 53 3.2 A análise da modalidade epistêmica ............................................................. . 54 3.2.1 As formas de expressão da modalidade epistêmica .................................. . 54 3.2.2 Tipos de predicador verbal ......................................................................... . 57 3.3.3 Tipos de predicador adjetival ...................................................................... . 58 3.2.4 Tipos de verbo auxiliar ............................................................................... . 61 3.2.5 A referência do sujeito ................................................................................ . 63 3.2.6 Os sujeitos de referência arbitrária ............................................................. . 66 2.7 Os sujeitos de referência definida ................................................................. . 67 3.2.8 A forma de realização do sujeito ................................................................ . 70 3.3 A análise da modalidade não-epistêmica ...................................................... . 75 3.3.1 Distribuição geral das estratégias por tipo de modalidade não-epistêmica .. 75 3.3.2 As formas de expressão da modalidade não-epistêmica ........................... . 77 3.3.3 O predicador verbal .................................................................................... . 79 3.3.4 Tipos de predicador adjetival ...................................................................... . 80 3.3.5 Tipos de verbo auxiliar ............................................................................... . 82 3.3.6 A referência do sujeito ................................................................................ . 85 3.3.7 Os sujeitos de referência arbitrária ............................................................. . 87 3.3.8 Os sujeitos de referência definida .............................................................. . 90 3.3.9 A forma de realização do sujeito ................................................................ . 92 3.4 O que dizem os resultados ............................................................................ . 97 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ . 99 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................... 104 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1: A trajetória das estratégias para a expressão da modalidade epistêmica ao longo do tempo .................................................................................................... 56 Gráfico 2: A trajetória dos verbos poder e dever para a expressão da modalidade epistêmica ao longo do tempo ............................................................................. 63 Gráfico 3: Distribuição das estruturas para a expressão da modalidade epistêmica segundo a referência do sujeito ao longo do tempo ............................................ 65 Gráfico 4: A realização dos sujeitos referenciais nulos (vs plenos) para a expressão da modalidade epistêmica ao longo do tempo ................................................... 71 Gráfico 5: A trajetória das estratégias para a expressão da modalidade não-epistêmica ao longo do tempo ............................................................................................... 78 Gráfico 6: A trajetória dos verbos poder, dever, ter que/ter de e precisar para a expressão da modalidade não-epistêmica ao longo do tempo ............................ 84 Gráfico 7: Distribuição das estruturas para a expressão da modalidade não-epistêmica segundo a referência do sujeito ao longo do tempo ............................................ 87 Gráfico 8: A realização dos sujeitos referenciais nulos (vs plenos) para a expressão da modalidade não-epistêmica ao longo do tempo ............................................. 93 LISTA DE TABELAS Tabela 1: Distribuição dos dados levantados segundo o tipo de modalidade ..... 53 Tabela 2: Formas de expressão da modalidade epistêmica ao longo do tempo .. 55 Tabela 3: Tipos de predicadores verbais para a expressão da modalidade epistêmica ao longo do tempo ............................................................................................... 58 Tabela 4: Tipos de predicadores adjetivais para a expressão da modalidade epistêmica ao longo do tempo ............................................................................. 60 Tabela 5: Tipos de verbos auxiliares para a expressão da modalidade epistêmica ao longo do tempo .................................................................................................... 62 Tabela 6: Referência do sujeito ao longo do tempo (modalidade epistêmica) .... 65 Tabela 7: Realizações dos sujeitos de referência arbitrária ao longo do tempo (modalidade epistêmica) ..................................................................................... 67 Tabela 8: Distribuição dos sujeitos de referência definida ao longo do tempo (modalidade epistêmica) ..................................................................................... 69 Tabela 9: A expressão dos sujeitos de referência definida referenciais nulos (vs plenos) ao longo do tempo (modalidade epistêmica) .......................................... 70 Tabela 10: Distribuição dos dados levantados segundo o tipo de modalidade nãoepistêmica ........................................................................................................... 76 Tabela 11: Formas de expressão da modalidade não-epistêmica ao longo do tempo ............................................................................................................................. 78 Tabela 12: Tipos de predicadores adjetivais para a expressão da modalidade nãoepistêmica ao longo do tempo ............................................................................. 81 Tabela 13: Tipos de verbos auxiliares para a expressão da modalidade nãoepistêmica ao longo do tempo ............................................................................. 84 Tabela 14: Referência do sujeito ao longo do tempo (modalidade não-epistêmica) ............................................................................................................................. 86 Tabela 15: Distribuição dos sujeitos de referência arbitrária ao longo do tempo (modalidade não-epistêmica) .............................................................................. 89 Tabela 16: Distribuição dos sujeitos de referência definida ao longo do tempo (modalidade não-epistêmica) .............................................................................. 92 Tabela 17: A expressão dos sujeitos de referência definida nulos (vs plenos) ao longo do tempo (modalidade não-epistêmica) .............................................................. 93 LISTA DE QUADROS Quadro 1: Relação das peças teatrais (PB) e sua distribuição em períodos de tempo ........................................................................................................................... 42 14 INTRODUÇÃO No âmbito da teoria linguística contemporânea, entende-se por modalidade a expressão da atitude do falante, indicando necessidade, obrigação, possibilidade e permissão (NEVES, 2000; OLIVEIRA, 2003, entre outros). É possível encontrar inúmeros trabalhos que tratam dessa categoria, que pode ser expressa por diferentes formas gramaticais. Esta pesquisa visa a investigar a expressão da modalidade dentro de uma perspectiva “paramétrica”, que analisa a preferência por algumas formas em detrimento de outras, levando em conta uma importante mudança que se dá no português do Brasil (PB) no que diz respeito à marcação do Parâmetro do Sujeito Nulo (PSN), que passa de língua de sujeito nulo “consistente” para língua de sujeito nulo “parcial” (ROBERTS e HOLMBERG, 2010), o que significa sujeitos pronominais referenciais preferencialmente expressos, além de exibir uma competição entre sujeitos expletivos nulos e sentenças pessoais, seja através da inserção ou alçamento de constituintes para a posição estrutural do sujeito, evitando um expletivo nulo. Por essa razão, interessam a este trabalho as formas que se relacionam à posição do sujeito, como os verbos auxiliares modais (como poder e dever), predicadores verbais (como cumprir e convir) e predicadores adjetivais (como possível e preciso). É preciso acrescentar que estes sempre projetam uma estrutura com expletivo, quando construídos com o verbo ser em estruturas como: é preciso, é necessário, entre outras. Enquanto os verbos auxiliares, na sua maioria, projetam um sujeito referencial, a menos que se combinem com um predicado existencial, os predicadores verbais e adjetivais projetam sempre sentenças impessoais, com um expletivo nulo, como podemos ver, respectivamente, a seguir: (1) Alice: Mas nós não vamos lutar pela igualdade de oportunidades, igualdade de salários, igualdade de direitos, enfim. E essa luta tem que começar aqui. (A mulher integral, Carlos Eduardo Novaes, 1975) (2) Ambrósio: Øexpl Basta [que se compre uma caixinha com soldadinhos de chumbo]. (O noviço, Martins Pena, 1845) 15 (3) Doroteia: De qualquer maneira Øexpl é preciso [preparar o espírito do Candinho], para que êle não de importância a qualquer grosseria do Carlos. (O hóspede do quarto nº 2, Armando Gonzaga, 1937) Um tópico que causa bastante divergência em relação à modalidade é a sua classificação. De forma geral, consideram-se duas classificações: deôntica (quando indica obrigação ou permissão) e epistêmica (quando está ligada às crenças e opiniões do falante, indicando possibilidade/probabilidade). No entanto, como veremos no capítulo 2, outras propostas são apresentadas, sem que se perca essa classificação mais geral. Utilizo a proposta de Neves (2006), que separa a categoria em dois tipos: a) epistêmica e b) não-epistêmica. Essa última, nos moldes de Palmer (2001 [1986]), abarca as modalidades deôntica (que expressa permissão e obrigação e está no eixo da conduta) e dinâmica (que expressa habilidade e capacidade e está no eixo da habilidade). É possível ver exemplos de expressão da modalidade epistêmica e da modalidade não-epistêmica – deôntica e dinâmica –, respectivamente, em (4), (5) e (6), respectivamente: (4) Filipe: E essas dificuldades devem ter sido bem grandes; porque há quinze dias que o ministério está organizado, e ainda não se pôde achar um ministro para a Marinha. (Caiu o ministério, França Júnior, 1882) (5) Madalena: Preciso ir lá dentro dar umas ordens. (O simpático Jeremias, Gastão Tojeiro, 1918) (6) Dolores: Psiu... que besteira é essa... tu pode arrumar um homem tão melhor. Chora, não, Margareth. Não vale o esforço. (No coração do Brasil, Miguel Falabella, 1992) O principal objetivo do trabalho é analisar como as formas de expressão de modalidade se comportam ao longo o tempo no Português Brasileiro. Espero que, por causa da mudança mais geral por que passa o PB, na qual há uma tendência a evitar sujeitos referenciais nulos e ocupar a posição disponível à esquerda de sentenças impessoais, o número de construções com verbos plenos e predicadores adjetivais 16 diminuirá ao longo do tempo. Já em relação às construções com verbos auxiliares, acredito que sejam cada vez mais utilizadas, justamente por projetarem uma posição de sujeito preferencialmente referencial. Além disso, creio que os sujeitos referenciais das construções com verbos auxiliares serão cada vez mais preenchidos, sobretudo a 1ª e a 2ª pessoa, que já se encontram plenamente implementadas na fala espontânea. A fim de mostrar o comportamento das diferentes formas de expressão da modalidade, utilizo uma amostra de peças teatrais cariocas distribuídas em sete períodos ao longo dos séculos XIX e XX, tal como proposto por Duarte (1993). Adoto como pressupostos teóricos a Teoria da Mudança Linguística (WEINREICH, LABOV e HERZOG, 2006 [1968]), sobretudo, no que diz respeito ao encaixamento da mudança, associada à Teoria de Princípios e Parâmetros (CHOMSKY, 1981), no que concerne à marcação do Parâmetro do Sujeito Nulo (PSN). Este trabalho se compõe de três capítulos. No primeiro capítulo, são apresentados o tratamento da modalidade nas gramáticas tradicionais, a abordagem da categoria no âmbito dos estudos linguísticos e nas gramáticas descritivas contemporâneas do português, além da revisão de alguns estudos já realizados a respeito do tema. No segundo capítulo, trato dos pressupostos teóricos que orientam a pesquisa, refino meus objetivos e hipóteses e descrevo os procedimentos metodológicos utilizados, que incluem a descrição da amostra e os grupos de fatores levantados. No terceiro capítulo, apresento a análise dos resultados e sua interpretação à luz dos grupos de fatores utilizados, mostrando a evolução das três formas ao longo dos períodos de tempo analisado. Por fim, a partir dos resultados encontrados, apresento as considerações a que esta pesquisa permite chegar. 17 CAPÍTULO 1: PONTOS DE PARTIDA Introdução Neste capítulo, discutirei o tratamento que a categoria modalidade recebe. Por se tratar de uma categoria a merecer tratamento especial somente a partir da evolução dos estudos que se inserem no âmbito da Linguística, é natural que ela não apareça explicitamente como uma categoria na tradição gramatical, e, consequentemente, nos livros didáticos, que ainda seguem as descrições tradicionais. Como referi, o estudo dessa categoria se dará a partir do desenvolvimento dos estudos linguísticos, com uma breve menção em Lyons (1979 [1968]) e com o clássico artigo de Palmer (2001[1986]). Algumas gramáticas descritivas atuais, elaboradas a partir da sustentação de uma teoria linguística, se preocupam em incluir a modalidade, que, por ser tratada justamente à luz dessas diferentes perspectivas teóricas, acaba por abarcar uma gama muito variada de nuances, o que é natural quando se trata de tema tão complexo. Embora esta breve revisão possa abranger um quadro mais amplo e divergente, meu objetivo, como anunciei na introdução, é analisar apenas um conjunto de estruturas que veiculam a modalidade epistêmica e não-epistêmica, nos termos de Neves (2006), e a forma como esse conjunto interage com outras mudanças no nosso sistema. 1.1 A expressão da modalidade nas gramáticas tradicionais e nos livros didáticos 1 Embora desde os gregos já se fizesse a distinção entre dictum e modus, a tradição gramatical, desenvolvida ao longo da Idade Média e dos séculos subsequentes, não apresenta uma descrição e sistematização da categoria modalidade. Enquanto o dictum diz respeito à parte referencial, quando o falante apresenta o conteúdo referencial assertivamente ou interrogativamente, por exemplo, 1 Meu interesse em analisar os livros didáticos, além das gramáticas tradicionais, é mostrar que, apesar da importância dessa categoria, diferentemente do que ocorre no ensino de inglês, por exemplo, em que é sistematizada, normalmente, não há abordagem desse tópico ou sua sistematização nos livros didáticos. Isso reflete a não abordagem da categoria na escola, o que considero um equívoco, já que o falante utiliza a categoria modalidade frequentemente, sem conhecê-la e refletir sobre ela. 18 o modus diz respeito à atitude do falante em relação à situação representada. Na maioria das nossas gramáticas tradicionais, os autores sobrepõem os conceitos e de modo e de modalidade. Exemplo disso é a gramática de Cunha e Cintra (2013 [1985], p.462), em que dizem: “Entende-se por MODO [...], a propriedade que o verbo tem de indicar a atitude (de certeza, de dúvida, de suposição, de mando, etc.) da pessoa que fala em relação ao fato que enuncia”. Como se observa, a atitude do falante seria expressa através dos modos verbais – o indicativo, o subjuntivo e o imperativo. Os autores não fazem referência a outras formas de expressar essas atitudes e crenças, entre as quais estão os verbos auxiliares, os predicadores verbais e os predicadores adjetivais, que interessam a esta pesquisa. Rocha Lima (2011 [1957], p.168), entretanto, além de afirmar que “o MODO caracteriza as diversas maneiras sob as quais a pessoa que fala encara a significação contida no verbo”, referindo-se ao indicativo, subjuntivo e imperativo, faz uma rápida menção aos verbos auxiliares modais, ao tratar do emprego do infinitivo nãoflexionado. Mostra-nos que um dos casos em que esse aparece é quando se agrega um verbo principal a um auxiliar, formando uma unidade semântica: “Em português, esses verbos que habitualmente REGEM OUTRO VERBO são os seguintes: poder, saber, querer e dever, chamados ‘auxiliares modais’” (op. cit: p. 504). Por fim, o autor, ao descrever as orações substantivas subjetivas, menciona um trecho do Manual de análise – léxica e sintática, de 1955, de José Oiticica, importante estudioso dos processos de estruturação sintática e referência no assunto, e cita alguns verbos plenos e adjetivos predicadores, que hoje se incluem entre categorias que veiculam modalidade, mostrando certas ideias que eles carregam, sem, entretanto, dedicar-se de fato à descrição da modalidade no português. 19 Costuma haver certa vacilação no pronto reconhecimento das orações substantivas subjetivas. Atente-se, pois, para os principais esquemas de construção em que elas figuram – observando-se particularmente os verbos da oração principal. “São os seguintes, quando em terceira pessoa e seguidos de que, ou se: a) De conveniência: convém, cumpre, importa, releva, urge, etc.2 b) De dúvida: consta, corre, parece, etc. c) De ocorrência: acontece, ocorre, sucede, etc. d) De efeito moral: agrada, apraz, admira, dói, espanta, punge, satisfaz, etc. e) Na passiva: conta-se, sabe-se, dir-se-ia, é sabido, foi anunciado, ficou provado, etc. f) Nas expressões dos verbos ser, estar e ficar, com substantivo, ou adjetivo: é bom, é verdade, está patente, ficou claro, etc.” (ROCHA LIMA 2011 [1957]: 328) Em Bechara (2009 [1961], p. 253-254), igualmente, apenas a categoria modo é contemplada, como podemos ver no trecho: Modo – Assinala a posição do falante com respeito à relação entre a ação verbal e seu agente ou fim, isto é, o que o falante pensa dessa relação. O falante pode considerar a ação como algo feito, como verossímil – como um fato incerto –, como condicionada, como desejada pelo agente, como um ato que se exige do agente, etc., e assim se originam os modos: indicativo, subjuntivo, condicional, optativo, imperativo. (BECHARA 2009 [1961]: 253254) No entanto, tal como ocorre em Rocha Lima, ao tratar das aplicações dos verbos auxiliares, destaca os verbos auxiliares modais, como é possível observar a seguir: Os auxiliares modais se combinam com o infinitivo ou gerúndio do verbo principal para determinar com mais rigor o modo como se realiza ou se deixa de realizar a ação verbal: a) necessidade, obrigação, dever: haver de escrever, ter de escrever, dever escrever, precisar (de) escrever, etc. b) possibilidade ou capacidade: poder escrever, etc. c) vontade ou desejo: querer escrever, desejar escrever, odiar escrever, abominar escrever, etc. d) tentativa ou esforço; às vezes com o sentido secundário depreendido pelo contexto, de que a tentativa acabou em decepção (foi buscar lã e saiu tosquiado): buscar escrever, pretender escrever, tentar escrever, ousar escrever, atrever-se a escrever, etc. e) consecução: conseguir escrever, lograr escrever, etc. 2 Apesar de Rocha Lima englobar os verbos convir, urgir e cumprir sob o mesmo rótulo, em que se tem uma ideia de conveniência, nesse trabalho, considero os verbos convir e bastar epistêmicos, por perceber que, ao utilizálos, o falante expressa sua opinião e não denota uma ideia de obrigação/necessidade, como no caso dos verbos cumprir e urgir, os quais consideramos não-epistêmicos. Algumas definições de convir, por exemplo, encontradas em alguns dicionários, sobretudo no Houaiss, nos dão esse embasamento, como é possível ver a seguir: Definição de convir Dicionário Houaiss: 1. Concordar, aceitar, admitir. Ex: Convenhamos em que suas observações são impertinentes. 2. Vir a propósito, servir. Ex: Este é o apartamento que nos convém. 3. Ser conveniente, adequado, útil. Ex: Vamos fechar negócio porque o preço convém. 20 f) aparência, dúvida: parecer escrever, etc. g) movimento para realizar um intento futuro (próximo ou remoto): ir escrever, etc. h) resultado: vir a escrever, chegar a escrever, etc. (BECHARA 2009 [1961]: 277) Conforme se vê, na descrição desses dois autores, a noção de modalidade só aparece explicitamente quando tratam dos verbos auxiliares. Ainda que alguns verbos plenos e estruturas com predicadores adjetivais analisados nesta pesquisa para veicular essa categoria (como convir, cumprir, é bom, entre outros) sejam contemplados na gramática de Rocha Lima quando ele cita Oiticica, nesses casos, não há uma associação com a categoria modalidade, porque, naturalmente, como vimos, ela não estava desenvolvida no âmbito da tradição gramatical. Os livros didáticos seguem a mesma direção da gramática de Cunha e Cintra (2001). No livro didático de Paschoalin & Spadoto (2008, p. 103), há apenas uma pequena definição de modo “é a indicação da atitude de quem fala em relação ao fato expresso pelo verbo”, excluindo, mais uma vez, a noção de modalidade. O mesmo ocorre com a gramática de Ulisses Infante (2008, p. 165), que indica que o modo verbal é uma atitude: “De uma forma geral, os modos verbais decorrem de três atitudes diferentes de quem fala ou escreve” e não faz menção à categoria em questão. Nessa gramática didática, seguindo também o que se viu na tradição gramatical, há uma pequena seção a respeito dos verbos auxiliares, em que os auxiliares modais poder e dever são citados e, a própria conceituação já deixa ver a veiculação das noções de capacidade, possibilidade, dever, obrigação: “Poder e dever são auxiliares que exprimem a potencialidade ou a necessidade de que determinado processo se realize ou não: Eles podem trabalhar. Eles devem trabalhar” (op. cit: p. 177). Como vimos, embora o conceito de modalidade não seja tratado como uma categoria, pelas razões acima expostas, os auxiliares modais aparecem de maneira pouco sistemática na tradição gramatical. 1.2 A modalidade no âmbito dos estudos linguísticos Em seu clássico e pioneiro livro Introdução à Linguística Teórica, Lyons (1979 [1968]) ao descrever a categoria modo, diz que: 21 O modo, como o tempo, frequentemente se realiza pela flexão do verbo ou por sua modificação por meio de “auxiliares”. (LYONS 1979 [1968]: 322) Segundo ele, as frases declarativas são neutras, não-marcadas, no que diz respeito à atitude do falante, ao contrário das frases imperativas e interrogativas, que são marcadas. Até esse momento, o autor não fala em modalidade. Posteriormente, diz que, ao nos voltarmos a outras modalidades, que não sejam de ordem ou interrogação, é possível encontrar uma grande variedade de maneiras nas diferentes línguas pelas quais a ‘atitude’ do falante é gramaticalmente marcada. De acordo com o autor, é possível pensar em pelo menos três escalas de modalidade: a) a do desejo ou da intenção, como em: Tenha um bom dia. b) a da necessidade ou da obrigação, como em: Eu tenho que comprar detergente. c) a da certeza ou possibilidade, como em: Ele deve estar cansado. O autor dá pistas sobre a dificuldade em sistematizar a categoria modalidade e diz que preferiu nomear os tipos de modalidade como escalas por perceber que elas podem ser subdivididas em um número maior ou menor de classificações, como necessidades ou obrigações mais ou menos fortes. Além disso, mostra que as línguas podem fundir duas ou três dessas escalas ou nem mesmo reconhecê-las gramaticalmente. Em poucas linhas – na realidade o autor não dedica grande espaço à modalidade – ficam claras para o leitor a complexidade da categoria e a perspicácia do autor em tratar os tipos como escalas. No que se refere ao presente estudo, podemos dizer que os itens B e C já incluem os elementos de que vamos tratar. Um autor importante no estudo da modalidade é Palmer (2001[1986]), que entende a categoria como “a gramaticalização das atitudes e opiniões (subjetivas) do falante”. Em relação aos marcadores gramaticais que podem expressar essa categoria nas línguas, o autor cita três: a) os sufixos, clíticos e partículas individuais; b) a flexão e c) os verbos modais. Para ele, há dois tipos de modalidade: a) proposicional (que se subdivide em modalidade epistêmica e modalidade evidencial); b) de evento (que se subdivide em modalidade deôntica e modalidade dinâmica). Enquanto a modalidade epistêmica diz respeito ao julgamento do falante em relação ao valor de verdade ou ao status factual da proposição, como em: (a) O João deve estar em seu escritório (ideia de probabilidade), a modalidade evidencial diz respeito 22 a evidências que o falante tem para o status factual da proposição3, como em: (b) Qualquer um pode ver que você está doente. Como podemos ver, ambas estão ligadas à atitude do falante em relação ao valor de verdade ou status factual da proposição. A modalidade deôntica denota obrigação ou permissão vinda de uma fonte externa, como em: (c) O João pode entrar na sala agora (ideia de permissão). A modalidade dinâmica, por sua vez, expressa habilidade/capacidade, que vem do indivíduo em questão, como em: (d) O João pode/consegue correr um quilômetro em cinco minutos (ideia de capacidade). É possível notar semelhanças entre o que os dois autores dizem a respeito da expressão da modalidade. Podemos associar os dois primeiros tipos de modalidade apresentados por Palmer, a epistêmica e a evidencial, à terceira escala de Lyons, já que dizem respeito ao grau de certeza do falante, incluindo a noção de possibilidade/probabilidade. A modalidade deôntica, por sua vez, pode ser relaciona à segunda escala de Lyons, pois ambas tratam da ideia de obrigação ou necessidade. Lyons, no entanto, não fala, como Palmer, da noção de permissão que essa modalidade pode expressar. Por fim, o último tipo de modalidade de Palmer, a modalidade dinâmica, pode ser associada à primeira escala de Lyons, uma vez que tratam da ideia de vontade. A noção de habilidade, que também é expressa pela modalidade dinâmica e interessa a este trabalho, não é citada por Lyons, constituindo, assim, uma inovação do estudo de Palmer. 1.3 A expressão da modalidade nas gramáticas descritivas contemporâneas do português As gramáticas recentes que incorporam os estudos linguísticos, de uma forma geral, dedicam uma seção à categoria modalidade. Muitas delas se preocupam em distinguir as categorias modo e modalidade e em tratar dos tipos de modalidade. No âmbito das gramáticas descritivas portuguesas, podemos destacar os estudos de Oliveira (2003) e Oliveira e Mendes (2013). De acordo com a primeira, pode-se definir, linguisticamente, modalidade como a gramaticalização de atitudes e opiniões dos falantes, ideia que retoma Palmer. Segundo a autora, entre as formas de 3 Esse tipo de modalidade está ligado às evidências sensoriais que o falante tem para chegar demonstrar sua opinião, sobretudo, no que diz respeito aos sentidos visão, olfato e audição. Isto é, ele faz uma afirmação a partir do que viu, sentiu ou ouviu. 23 se expressar essa categoria, podem-se citar os verbos modais poder e dever; verbos que dão ideia de obrigação, necessidade, crença do falante, como ter de/que, precisar de e saber, respectivamente; advérbios (como provavelmente, necessariamente) e adjetivos (como possível, capaz, certo); os tempos verbais imperfeito, futuro e condicional e os modos indicativo, subjuntivo e imperativo. Para ela, “Os domínios de possibilidade e necessidade são variantes paradigmáticas, que se realizam em quatro domínios, modalidades interna ao participante, externa ao participante, deôntica e epistêmica” (op.cit: p. 248). Em uma nota de rodapé, descreve melhor esses quatro tipos de modalidade: No primeiro caso lidamos com a capacidade e necessidade (interna do participante). No segundo caso estamos a lidar com circunstâncias que são externas ao participante envolvido numa situação, mas que a tornam possível ou necessária. A modalidade deôntica diz respeito às circunstâncias externas (pessoais, regras sociais ou normas...) que permitem ou obrigam o participante a envolver-se na situação. Por último, a modalidade epistêmica está relacionada com o domínio da incerteza, da probabilidade. (OLIVEIRA, 2003, p. 248) Em texto publicado na Gramática do Português (RAPOSO et al. 2013) dez anos mais tarde, a mesma autora, em pareceria com Mendes (cf. OLIVEIRA E MENDES, 2013, p. 623), reafirma que a modalidade “é a forma de exprimir, por meios linguísticos, atitudes e opiniões dos falantes ou das entidades referidas pelo sujeito sobre o conteúdo proposicional dos enunciados que produzem.” De acordo com as autoras, o primeiro valor modal, a modalidade epistêmica, diz respeito aos graus de certeza ou avaliação da probabilidade em relação ao conteúdo proposicional da frase, como por exemplo: (1) É possível que chova amanhã. O segundo valor modal diz respeito à capacidade ou à necessidade interna, psicológica ou física, do sujeito de determinados predicadores, como saber, ser capaz, precisar, como nos exemplos: (2) João pode/consegue correr bem rápido. 24 (3) Maria precisa dormir muito. O terceiro valor modal é o valor deôntico, que diz respeito aos atos de permissão e de imposição de uma obrigação que envolvem participantes na situação descrita pela frase, como por exemplo: (4) Você tem que devolver esses documentos hoje. O quarto valor modal é chamado de externo aos participantes, porque a possibilidade ou necessidade de um determinado evento podem ser resultado de fatores externos aos participantes, não sendo controláveis por estes, como em: (5) É necessário que as pessoas esperem outro metrô devido à lotação deste. O último valor modal explicitado por elas é o valor desiderativo, que diz respeito à volição ou ao desejo, e não interessa a este trabalho, como no seguinte exemplo: (6) A menina quer sair de casa. As autoras, assim como outros autores, citam as diversas formas de se expressar a categoria modalidade nas línguas, como: verbos semiauxiliares modais (poder, dever, ter de etc.); verbos plenos que veiculam valores modais (saber, permitir, obrigar etc.); advérbios (possivelmente, necessariamente, talvez etc.); adjetivos (provável, possível, certo etc.); nomes (possibilidade, necessidade etc.), entre outros. Resumindo, a modalidade epistêmica está ligada aos graus de certeza ou avaliação da probabilidade em relação ao conteúdo proposicional da frase; a modalidade deôntica diz respeito aos atos de permissão e de imposição de uma obrigação que envolvem participantes na situação descrita pela frase; a modalidade interna ao participante envolve a capacidade ou a necessidade interna, psicológica ou física, do sujeito e, por último, a modalidade externa ao participante está relacionada ao fato de a possibilidade ou necessidade de um determinado evento serem resultado de fatores externos aos participantes, não sendo controláveis por estes. Nas gramáticas descritivas brasileiras, destacamos Neves (2006) e Ilari e Basso (2008). Neves (2006, p. 153) diz que “Conceituar modalidade é uma tarefa 25 complexa exatamente porque esse conceito envolve não apenas o significado das expressões modalizadas, mas, ainda, a delimitação das noções inscritas no domínio conceptual implicado.” A autora, baseando-se em Klinge (1996), separa a categoria em dois tipos: epistêmica e não-epistêmica (que se subdivide em deôntica e dinâmica), o que também retoma Palmer. Segundo essa perspectiva, a modalidade epistêmica “é a força com que o falante acredita na veracidade de uma proposição” (op. cit: p. 161), como podemos ver em: (7) Lá em cima é tudo bem fechado e é mais fácil de se esconder. E deve ser mais quente, porque não venta. (NEVES, 2006, p. 162) (8) Você pode ter estranhado eu chamar Ângela de velha. (NEVES, 2006, p. 162) A modalidade deôntica “é a maneira como um ato é socialmente ou legalmente circunscrito” (op.cit: p. 162), como nos exemplos: (9) Assim é que você deve fazer. (NEVES, 2006, p. 162) (10) Bem, você pode usar a minha sala. (NEVES, 2006, p. 162) Por fim, a modalidade dinâmica “é a maneira pela qual referentes de sintagmas nominais de função sujeito são dispostos em direção a um ato, em termos de habilidade e intenção4” (op.cit: p. 162), como é possível constatar em: (11) Eu posso resolver isso para você. (NEVES, 2006, p. 162) (12) Mas eu te amo e quero te ver sempre. (NEVES, 2006, p. 162) Em relação ao terceiro tipo de modalidade, a dinâmica, este trabalho focará nos casos que denotam habilidade, como no exemplo (9), e não intenção, como no exemplo (10). 4 Neste trabalho, utilizarei apenas a ideia de habilidade/capacidade expressa pela modalidade dinâmica. Isso ocorre pelo fato de trabalhar com estruturas que denotam apenas essa ideia, e não a de intenção. 26 Ilari e Basso (2008, p. 312-313) afirmam que a palavra modo indica aquilo que se altera nas sentenças, se opondo a “dictum”, ou seja, o conteúdo proposicional que não se altera, o que retoma Lyons. Para os autores, os modos: a) distinguem ações; b) ajudam na distinção entre o real e o irreal; c) aparecem como parte de certos automatismos sintáticos. Um dos eixos da “área do modo” compreende a modalização (consideração simultânea de vários mundos possíveis). De acordo com os eles, há modalidades de vários tipos: a) as que tratam da possibilidade e da necessidade lógicas (modalidade alética), como em: (13) É impossível que um objeto seja diferente de si mesmo. (Ilari e Basso, 2008, p.319) b) As que tratam de permissões e obrigações (modalidade deôntica), como no seguinte exemplo: (14) Na ética dos católicos, o aborto é proibido. c) as que tratam de opiniões e crenças (modalidade epistêmica.) (op.cit: p. 319), como em: (15) A vida dos indígenas brasileiros, antes da chegada dos portugueses, só podia ser muito feliz. Uma questão de extrema importância neste trabalho levantada pelos autores é que “Modalizar é uma forma de evocar e reafirmar esses limites, e isso explica, ao menos em parte, a forte repercussão que a modalização tem nas relações interpessoais” (op. cit: p. 320). Para eles, ao analisarmos exemplos de modalidade nas línguas naturais, devemos ter em mente que eles precisam ser analisados levando em consideração seu vínculo com a realidade. Ao modalizar, o falante considera um determinado estado de coisas a partir de conhecimentos, valores ou obrigações que são estabelecidos e compartilhados com seu interlocutor em um determinado momento. 27 Como vimos, não há divergência entre os autores das gramáticas aqui brevemente revistas. Embora possam incluir classificações diversas, na essência não divergem. Como é possível perceber, colocar a categoria modalidade dentro de limites perfeitamente demarcados não é uma tarefa fácil; por isso, é importante delimitar bem as escolhas e parâmetros que se pressupõem, principalmente no que diz respeito ao tipo de estrutura utilizado e ao tipo de modalidade que ele expressa/veicula. Neste estudo, serão analisadas apenas estruturas com verbos auxiliares modais, predicadores verbais e predicadores adjetivais. Já em relação ao tipo de modalidade, seguiremos a classificação de Neves (2006), que classifica a categoria em modalidade epistêmica e modalidade não-epistêmica (que engloba as modalidades deôntica e dinâmica). 1.4 A expressão da modalidade em estudos empíricos e teóricos Além das gramáticas descritivas, que incorporam os estudos linguísticos e se preocupam em descrever e analisar a categoria modalidade, também é possível encontrar diversos estudos empíricos, que buscam, através da coleta e análise de dados, observar como se realiza efetivamente no português a modalidade, ampliando, assim, o que se conhece sobre o assunto. Um importante estudo a respeito do tema é o de Rigoni (1995). Em seu trabalho, a autora faz um estudo empírico da “modalização discursiva” com base na amostra NURC-RJ associado a uma perspectiva teórica funcional-cognitiva. A autora concentrou sua análise na expressão do valor modal da possibilidade e analisou 786 ocorrências: 406 com o verbo poder, 280 com o verbo dever e 100 com o advérbio talvez. Além desses auxiliares e do advérbio, também analisou 468 ocorrências de formas de subjuntivo, outro recurso gramatical para expressar esse valor de hipótese, possibilidade. Um dos resultados a que a autora chega é que, no português falado, há um gradativo desuso das formas do subjuntivo para a expressão da categoria irrealis (que denota justamente os valores mencionados anteriormente: hipótese, possibilidade, dúvida, condição, virtualidade), sendo preferidos recursos lexicais e marcadores discursivos. Para ela, dessa maneira, a língua portuguesa estaria, por mecanismos compensatórios, procedendo à gramaticalização de verbos modais e à cristalização de marcadores discursivos co-responsáveis pela expressão do irrealis. Segundo 28 Rigoni, os dados observados em seu corpus parecem representar uma tendência mais geral por que passa o português oral: redução da complexidade frasal a estruturas com baixo índice de subordinação formal; ampliação do campo de significação de certos vocábulos; baixa produtividade de vocábulos muito específicos; cristalização de marcadores que passam a substituir sentenças completas, entre outros, o que responde a questões de um trabalho de cunho funcionalista. Neste estudo, buscaremos verificar se nas peças mais recentes é possível constatar uma concentração de usos dos verbos poder e dever para veicular a noção de possibilidade, assim como constatou a autora. Enquanto Rigoni (1995) analisa a categoria em um corpus oral, Andrade (2008) analisa a modalização como estratégia argumentativa em textos de vestibulandos. A autora segue uma perspectiva semântico-pragmática e uma perspectiva semânticodiscursiva, buscando, através de uma análise qualitativa, demonstrar o emprego de estratégias discursivas para construção da argumentação e observar as variadas formas de lexicalização e os efeitos que essas estratégias produzem para a construção de sentido. Em seus resultados, Andrade revela que predominaram no corpus os verbos auxiliares modais poder e dever, os mesmos encontrados por Rigoni para a fala culta, tanto com valor deôntico como com valor epistêmico. No caso específico do verbo dever, o valor deôntico foi mais recorrente. É possível ver exemplos dos verbos dever e poder com sentido deôntico, respectivamente em: (16) Essa ideia deveria restringir-se apenas a objetos, mas infelizmente esse conceito já chegou em nossos lares. (Andrade, 2008, p.114) (17) É fundamental sim, cuidar de nossos jovens, porém, não podemos abandonar nossos idosos em um sofá de frente à televisão. (Andrade, 2008, p.141) Em relação ao uso desses verbos com valor epistêmico, podemos destacar um exemplo do verbo poder, a seguir: (18) Aprender a conviver com idosos, num “país de jovens” pode ser bastante complicado. Pode parecer incompreensível alguns conselhos que recebemos desses velhos experientes (...) (Andrade, 2008, p.131) 29 Para a autora, o alto número de ocorrências do verbo dever com valor deôntico tem relação com o tema proposto, que requeria um posicionamento acerca da velhice, envolvendo valores, opiniões formadas e crenças do mundo social. Alguns outros tipos de modalidade são destacados pela autora, mas a que nos interessa e que, segundo ela, também ocorreu em grande número, é a modalidade epistêmica. Nas redações analisadas, esse tipo de modalidade se encontra em modalizadores que expressam possibilidade, dúvida, não-certeza, principalmente quando o autor do texto não quer se comprometer com a veracidade das informações. Por fim, Duarte (2012a), em um estudo recente que utilizou como base teórica o modelo de estudo da mudança apresentado por Weinreich, Labov e Herzog (2006 [1968]), conhecido como Teoria da Variação e Mudança Linguística, associado à Teoria de Princípios e Parâmetros de Chomsky (1981), afirma que a preferência por determinadas formas para a expressão da modalidade está ligada a uma mudança por que passa o Português Brasileiro: a tendência a evitar sentenças impessoais, em decorrência do preenchimento predominante dos sujeitos de referência definida; em outras palavras, estruturas impessoais sofreriam algum tipo de consequência dessa mudança. A autora, que analisa a fala espontânea (amostra NURC-RJ) e a escrita veiculada em jornais veiculados no Rio de Janeiro, levanta as seguintes hipóteses: (a) o elenco de formas encontradas na fala seria consideravelmente diferente do encontrado na escrita? (b) entre as formas de expressão da modalidade na fala, as que permitem a projeção de um sujeito referencial com o preenchimento da posição do sujeito ou mesmo com um sujeito referencial nulo, como os verbos auxiliares, seriam preferidas? Pelos resultados da autora, constata-se que a expressão da modalidade deôntica através de verbos predicadores plenos (cumpre, urge) é praticamente nula, o que provavelmente está ligado ao fato de eles não projetarem um sujeito. Na fala, os verbos auxiliares se mostram predominantes (99%), seguidos dos adjetivos (1%). Na escrita, o resultado é parecido, embora o percentual de adjetivos (17%) seja superior ao índice encontrado para a fala; os verbos auxiliares alcançam 83%. É digno de destaque o fato de que se encontra apenas uma diferença quantitativa; pode-se pensar que a mudança atestada na fala já atingiu a escrita. Já em relação à modalidade epistêmica, há a uma diferença considerável, sobretudo na fala. Nessa, os verbos plenos aparecem, totalizando 20% dos dados, mas se note que todas as 30 ocorrências se referem a uma “estrutura inovadora” com o verbo “dar” seguido de uma oração infinitiva regida de preposição, como em: (19) então Øexpl não dá [pra ter uma referência, mas, Brasília é uma cidade muito mais, organizada] (Duarte, 2012a, p.88) Os verbos auxiliares se mostram novamente os mais recorrentes (70%) e os predicadores adjetivais são a forma menos utilizada para expressar a categoria (10%). Na escrita de jornais, os verbos auxiliares continuam aparecendo em maior número (87%), seguidos dos adjetivos (12%). Os verbos plenos, também restritos a duas ocorrências de “dar pra”, alcançam apenas (1%). Nota-se, portanto, que para a expressão da modalidade epistêmica, os verbos auxiliares aparecem em maior quantidade na escrita, enquanto os adjetivos e verbos plenos têm número considerável na fala, principalmente, ao serem comparados à modalidade deôntica. Em relação ao verbo pleno “dar”, que apresenta um expletivo nulo (ou seja, é uma estrutura impessoal), sua ocorrência poderia contradizer a hipótese da autora. Entretanto, estruturas com “dar”, com valor de possibilidade permitem o alçamento do sujeito da oração subordinada, o que pode explicar sua implementação na fala, substituindo o auxiliar “poder” e o adjetivo “possível”. Na fala popular, Duarte (2007) encontra numerosos casos de “alçamento” do sujeito da subordinada para a posição do expletivo nulo, o que a flexão verbal deixa evidente, como se vê em (17): (20) [Elesi já não davam mais [pra [ti] viver juntos]]. (Duarte, 2007, p. 43) (em vez de: [Øexpl Não dava mais [pra eles viverem juntos) Uma construção com o verbo “ser”, seguido de uma infinitiva, que não foi atestada na amostra de fala analisada por Duarte (2012a), mas de largo emprego na fala popular (Amostra PEUL), permite expressar a modalidade deôntica, exibindo estruturas paralelas às que se veem com “dar”, com o expletivo nulo em variação com o alçamento do sujeito da subordinada: (21) A moça disse [que Øexpl era [pra mim telefonar quinta-feira]]. (Duarte, 2007, p.43) 31 (22) [Essa ruai era [pra [ti] ter sido calçada há muito tempo]]. (Duarte, 2007, p.43) (em vez de: [Øexpl Era [ pra essa rua ter sido caçada há muito tempo) Diante desses resultados, é possível sugerir que há a preferência no português do Brasil pelas construções com verbos auxiliares tanto na fala quanto na escrita. Para a autora, essa inclinação tem relação com uma mudança maior por que passa o Português Brasileiro, que passa de língua de sujeito nulo “consistente” para língua de sujeito nulo “parcial”. As construções com predicadores verbais e predicadores adjetivais, por se tratar de sentenças impessoais, tendem a ser evitadas, sobretudo na fala. A motivação para o presente estudo vem desta hipótese, assim, minha análise diacrônica buscará investigar se há mesmo uma tendência a reduzir o uso de estruturas impessoais para expressar a modalidade epistêmica e não-epistêmica ao longo do tempo. 32 CAPÍTULO 2: PRESSUPOSTOS TEÓRICOS E METODOLOGIA Introdução Neste capítulo, apresento o quadro teórico que orienta este estudo: o modelo de estudo da variação e mudança proposto por Weinreich, Labov e Herzog (2006 [1968]), associado à Teoria de Princípios e Parâmetros. Focalizo três dos cinco problemas para os quais um estudo da mudança busca respostas: o problema das restrições, o problema da transição e o problema do encaixamento, além de alguns conceitos básicos da Teoria de Princípios e Parâmetros (1981) – de modo particular, o Parâmetro do Sujeito Nulo, que interessa a esta pesquisa – e retomo o tratamento da modalidade, fenômeno investigado neste trabalho. A associação desses dois modelos teóricos é bastante relevante para o estudo da mudança que envolve a remarcação no valor de um parâmetro da Gramática Universal, postulado pela Teoria Gerativa e os efeitos relacionados a uma determinada mudança, no presente caso, a mudança em curso na remarcação do valor do Parâmetro do Sujeito Nulo. Em seguida, serão retomados e refinados os objetivos e hipóteses que conduzem esta pesquisa. Por último, apresentarei a metodologia adotada, que compreende: (a) descrição da amostra utilizada, (b) o estabelecimento dos grupos de fatores e (c) os procedimentos na seleção e codificação dos dados, que serão processados com a utilização do Programa Goldvarb-X. 2.1 A Teoria da Variação e a Teoria Gerativa Este trabalho utiliza o modelo de estudo da mudança proposto por Weinreich, Labov e Herzog (2006 [1968]) no que diz respeito à concepção da variação como inerente ao sistema e passível de sistematização. Para pôr em prática a aplicação desse modelo, faz-se necessária uma teoria linguística. Neste estudo, utilizo como sustentação teórica o tratamento da modalidade dentro da teoria linguística e o modelo de Princípios e Parâmetros de Chomsky (1981), de onde vem a hipótese central deste trabalho. Com essa associação, é possível levantar hipóteses sobre a mudança nas formas de expressão da modalidade e sua relação com a remarcação do valor do Parâmetro do Sujeito Nulo. Em outras palavras, essa associação permite 33 observar o encaixamento do fenômeno em estudo no sistema linguístico, confirmando ou não a hipótese de que o quadro revelado para a expressão da modalidade está atrelado a uma mudança em curso mais ampla por que passa o PB. 2.1.1 O modelo teórico de estudo da mudança adotado - A Sociolinguística Variacionista O modelo de estudo da mudança proposto por Weinreich, Labov e Herzog (2006 [1986]) entende a língua como um sistema heterogêneo e ordenado, rompendo com a dicotomia sincronia/diacronia, uma vez que sua bandeira é o reconhecimento de que a língua está sempre em movimento, com mudanças ocorrendo constantemente em diferentes pontos da estrutura gramatical. Assim, não se pode pensar que um recorte sincrônico é capaz de nos mostrar um sistema invariável. Pelo contrário, de acordo com a teoria, a língua está em constante mudança, o que é inerente ao sistema, e a competição entre formas não é desestruturada, pelo contrário, é passível de sistematização. Meu propósito é justamente sistematizar as formas variantes para a expressão da modalidade epistêmica e não-epistêmica. Para guiar um estudo da mudança os autores propõem cinco problemas para os quais devemos buscar respostas: o problema das restrições, o problema da transição, o problema do encaixamento, o problema da implementação e o problema da avaliação, dentre os quais focalizarei: a) A restrição (constraints): está ligada aos condicionamentos e restrições linguísticas e sociais que agem favorecendo ou desfavorecendo uma mudança e condicionando seu percurso. Esse aspecto tem grande relevância para este trabalho, já que busco refinar e analisar os contextos em que ocorrem construções com cada uma das três formas de expressão da modalidade estudadas. Através desse princípio, poderei verificar se há contextos que inibem ou restringem determinados usos. Este trabalho se concentra nas restrições estruturais ou linguísticas. O autor, o perfil social, o gênero e a presumível idade do personagem poderão ser analisados em pesquisa futura. b) A transição (transition): com esse princípio, procuro observar quando ocorre a passagem de uma estrutura para outra. Essa questão é de grande relevância para 34 esta análise, porque busco verificar se há indícios de mudança na linha do tempo real – um período de dois séculos. Acredito que as estruturas com sujeitos expletivos, como as construções com predicadores verbais e predicadores adjetivais, cairão em desuso ao longo do tempo. Será interessante analisar em que momento ocorrerá a diminuição ou o desaparecimento dessas estruturas. Além disso, objetivo constatar a coincidência da queda de frequência dessas estruturas e dos sujeitos nulos, levando em consideração o estudo de Duarte (1993). c) O encaixamento (embedding): diz respeito à relação entre um fenômeno específico e outras mudanças que acontecem ou que acontecerão no sistema. Nesta pesquisa, a noção de encaixamento é essencial, já que acredito que a escolha do falante por certas formas de expressão da modalidade em detrimento de outras está atrelada à remarcação do valor do Parâmetro do Sujeito Nulo (PSN), por que passa o PB, que passa de língua de sujeito nulo para língua de sujeito nulo parcial – com este termo, os estudos sobre essa mudança se referem ao estágio atual do PB; outros preferem utilizar “mudança em curso”, como a orientadora deste trabalho. Esse processo de mudança é observado em Duarte (1993), numa análise da expressão dos sujeitos referenciais utilizando a mesma amostra que serve de base à amostra aqui utilizada e revela que os sujeitos de referência definida começam a ser preferencialmente expressos nas peças escritas nos anos 1930, justamente quando o paradigma verbal começa a se reduzir em consequência da entrada de novos pronomes em, nosso sistema (como você e a gente, que se combinam com a forma não marcada de terceira pessoa do singular, graças à sua origem nominal). Segundo W,L&H, nenhuma mudança no sistema é acidental – ela é consequência de outras e sempre leva a outras mudanças. O problema da implementação – que conjuga a origem e a propagação da mudança (actuation) – bem como o problema da avaliação (evaluation) – que leva em conta a percepção do falante de uma forma inovadora ou conservadora e tem grande importância no progresso ou no refreamento da mudança – fogem ao escopo deste trabalho. 35 2.1.2 A teoria linguística adotada – o tratamento da modalidade e o modelo de Princípios e Parâmetros Neste estudo, investigo a expressão da modalidade dentro de uma perspectiva paramétrica, levando em conta uma importante mudança que se dá no português do Brasil, que passa de língua de sujeito nulo para língua de sujeito nulo parcial, apresentando sujeitos pronominais referenciais preferencialmente expressos. Torna-se necessário, dessa forma, descrever a teoria linguística adotada, a Teoria de Princípios e Parâmetros, e a proposta de tratamento da modalidade, dentre as várias possíveis, que utilizarei. 2.1.2.1 O tratamento da modalidade Conforme visto no capítulo 1, linguisticamente, modalidade é a categoria que serve para expressar a atitude do falante, denotando permissão, obrigação, possibilidade, crenças, entre outros (Neves, 2000; Oliveira, 2003, entre outros). Há diversas formas de expressá-la. Meu trabalho focalizará os predicadores verbais (como cumprir e convir), os predicadores adjetivais (como possível, preciso, necessário, obrigatório) em construções com o verbo ser (como é possível e é necessário) e os verbos auxiliares modais (como poder, dever e ter de/ ter que). Embora os advérbios sejam importantes modalizadores, o interesse desta pesquisa está na posição do sujeito, que os modais mencionados vão permitir observar: os predicadores verbais e adjetivais, por projetarem sentenças impessoais deverão dar lugar às construções perifrásticas, que, em geral, projetam um sujeito referencial. Entre as várias classificações que a categoria recebe, as mais comuns são: a) deôntica (quando indica obrigação ou permissão) e b) epistêmica (quando está ligada às crenças e opiniões do falante, indicando possibilidade/probabilidade). No entanto, ao analisar os dados de expressão da modalidade coletados, percebi que somente essas duas classificações não dariam conta de abarcar todos os exemplos encontrados. Por esse motivo, optei por seguir a proposta de classificação da modalidade de Neves (2006), que propõe dois tipos: epistêmica e não-epistêmica (que se subdivide em deôntica e dinâmica), o que retoma, de alguma forma, a classificação pioneira de Palmer (1986). Segundo essa perspectiva, a modalidade epistêmica está relacionada à crença do falante em relação ao conteúdo da sentença, 36 expressando possibilidade. A modalidade deôntica está ligada ao campo da conduta, expressando permissão e obrigação, enquanto a modalidade dinâmica diz respeito à capacidade/vontade do indivíduo em questão em relação ao conteúdo proposicional. Por esse motivo, a partir desse momento, classificarei a modalidade nas seções e capítulos seguintes em epistêmica e não-epistêmica, e esta posteriormente será subdividida em deôntica e dinâmica. É preciso enfatizar que um mesmo valor modal pode ser expresso por formas diferentes, enquanto uma mesma forma pode veicular diferentes valores modais. Isso pode ser visto nos exemplos a seguir: (1) Magali: O Arnaldo, o meu filho, tá com vinte anos. Fica doido prá pegar o carro. Edmundo não deixa. Sobra prá mim, porque sou eu quem tem que esquentar o carro, toda tarde. (Como encher um biquíni selvagem, Miguel Falabella, 1992) (2) Henrique: Øexpl É preciso que a todo o transe se levante uma barreira entre ti e o filho da Ilha Grande. Vê se achas um meio, anda, inspira-me. (O tipo brasileiro, França Júnior, 1872) (3) Eduardo, tocando sempre com entusiasmo: Sublime! Sublime! Bravo! Bravo! Fabiana, batendo com o pé, raivosa: Irra! Eduardo, deixando de tocar: Acabou-se. Agora Ø2ps pode falar. (Quem casa, quer casa, Martins Pena, 1845) (4) Manfredo: Sabe o que eu pensei? Dorinha: Que é? Manfredo: Que seu padrasto bem podia nos dar um automóvel como presente de núpcias. (O troféu, Armando Gonzaga, 1933) Como é possível ver, nos exemplos (1) e (2), o verbo ter (que) e o predicador adjetival preciso, formas diferentes, expressam a mesma ideia de necessidade/obrigação. Já nos exemplos (3) e (4), notamos que o mesmo verbo 37 auxiliar modal pode veicula valores diferentes, de permissão e possibilidade, respectivamente. 2.1.2.2 O modelo de Princípios e Parâmetros De acordo com a Teoria Gerativa, todo indivíduo é dotado de um dispositivo inato que lhe permite adquirir uma gramática, desde que exposto aos dados primários, que não são apresentados a ele de maneira ordenada. Graças à faculdade da linguagem, toda pessoa é capaz de “construir” sua gramática durante a infância. De acordo com pressupostos gerativistas, o papel da Teoria Gerativa é desenvolver um modelo teórico que permita descrever e explicar o funcionamento dessa faculdade. O modelo teórico gerativista utilizado neste estudo é a Teoria de Princípios e Parâmetros, desenvolvido a partir dos anos 1980. Enquanto os princípios dizem respeito às propriedades gramaticais válidas para todas as línguas naturais, os parâmetros são responsáveis pela possibilidade de variação entre as línguas, sempre marcados de forma binária, [+] positivo e [-] negativo. Foge aos limites deste trabalho discutir o estágio atual em que se encontram as discussões sobre o Parâmetro do Sujeito Nulo, mas é importante frisar que hoje se fala em parâmetros, distribuídos em hierarquias, sempre mantendo a distribuição binária. O PB seria, segundo essas discussões, um sistema de sujeito nulo parcial, que permite sujeitos referenciais nulos a depender a posição do antecedente (uma posição acessível sintaticamente (sujeito ou tópico discursivo) e sujeitos expletivos nulos (cf. ROBERTS e HOLMBERG, 2010)). Segundo a orientadora deste trabalho, esta é apenas uma etapa no processo de mudança. O PB apresenta muito mais sujeitos expressos do que nulos nos mesmos contextos acima citados e exibe uma competição entre expletivos nulos e constituintes movidos ou inseridos na posição estrutural do sujeito (cf. trabalhos em Duarte (2012b)). Um exemplo de princípio que interessa a esta pesquisa é o de que todas as línguas manifestam uma posição para a representação do sujeito. Um parâmetro da GU que diz respeito a esse princípio é a possibilidade em algumas línguas de deixar o sujeito nulo enquanto em outras o sujeito é obrigatoriamente preenchido. Esse parâmetro é denominado Parâmetro do Sujeito Nulo (PSN). Línguas como o espanhol, o português europeu e o italiano, que permitem esse tipo de sujeito, exibem uma marcação positiva [+ pro-drop] em relação a esse parâmetro. Línguas como o inglês 38 e o francês, que apresentam sujeitos obrigatoriamente expressos, possuem uma marcação negativa para esse mesmo parâmetro [- pro-drop]. Um importante estudo no que diz respeito ao Parâmetro do Sujeito Nulo no português brasileiro (PB) é o de Duarte (1993), que considerou, para a constituição de sua amostra, peças de teatro de caráter popular distribuídas ao longo de sete períodos entre os séculos XIX e XX, organização que também foi utilizada por mim para a organização da minha amostra, como mostrarei em seção posterior. Através desse estudo, podemos perceber que o PB apresenta um comportamento diferente de outras línguas românicas, como o italiano e o português europeu (PE), no que diz respeito à representação dos sujeitos pronominais de referência definida. Enquanto nessas línguas, como mencionado anteriormente, há uma preferência pelo apagamento da posição de sujeito para a representação dos sujeitos de referência definida, a autora mostrou que no PB há um aumento progressivo no preenchimento dessa posição ao longo dos períodos contemplados. Essa análise indica que o PB está passando por um processo de mudança no valor da marcação do PSN (uma mudança paramétrica) – de uma língua positivamente marcada em relação ao parâmetro do sujeito nulo [+pro-drop] para uma língua marcada negativamente em relação ao mesmo parâmetro. [-pro-drop]. Umas das principais motivações para que essa mudança acontecesse foi, segundo a autora, a redução no paradigma flexional do verbo – uma redução causada principalmente pela entrada de você e a gente no quadro pronominal, que se combinam com a forma não marcada de 3ª. pessoa, dada a sua origem nominal. Além disso, observamos uma queda de desinência canônica <-s> na forma que se combina com o pronome tu, sem considerar eventuais perdas de marcas de concordância na segunda e terceira pessoas do plural. De acordo com a autora, esses dois fenômenos – redução no paradigma flexional e sujeito expresso - têm estreita relação. Isso se justifica pelo fato de que, entre as línguas românicas, a principal característica de uma língua marcada positivamente para o parâmetro do sujeito nulo é a possibilidade de recuperação do sujeito através das flexões verbais, como se vê no italiano, espanhol e português peninsulares ou da sua indexação com o tópico, mesmo que não haja flexão na morfologia verbal, como é o caso do chinês (HUANG, 1984). Dessa forma, se há uma redução no número de oposições no paradigma flexional, é natural que se identifique o sujeito de outra forma, seja através da presença de um antecedente sintaticamente acessível, seja através de seu preenchimento. 39 Assim, fica evidente a importância de um estudo empírico como esse para esta dissertação, já que analisamos a expressão da modalidade dentro de uma perspectiva paramétrica, ou seja, que investiga a preferência de algumas formas em detrimento de outras, relacionada a essa mudança mais ampla que se dá no PB, que passa de língua de sujeito nulo para língua de sujeito nulo parcial. É interessante notar como as mudanças no sistema estão encaixadas. Uma mudança como a redução do paradigma flexional trouxe como efeito o preenchimento da posição de sujeito, que, por sua vez, como busca confirmar esta dissertação, trouxe como consequência a escolha por verbos auxiliares para a expressão da modalidade epistêmica e nãoepistêmica. Outras evidências do encaixamento da mudança podem ser vistas na preferência por sujeitos indeterminados expressos, alçamento de constituintes para a posição do sujeito expletivo em construções com verbos de alçamento, a substituição de haver existencial por ter, que permite sentenças pessoais (cf. os trabalhos diacrônicos em Duarte, 2012a) Graças aos trabalhos empíricos, realizados em diferentes países e continentes, ficou clara a complexidade da própria formulação dos parâmetros. Daí, não se falar hoje apenas em línguas [+] ou [-] sujeito nulo. 2.2 Objetivos e hipóteses O objetivo geral deste estudo é analisar como se comportam as formas de expressão da modalidade epistêmica e não-epistêmica, por meio de predicadores verbais, adjetivais e verbos auxiliares, ao longo do tempo no PB. As minhas hipóteses são: a) quanto às formas de expressar a modalidade, acredito que os verbos auxiliares serão predominantes em todas as sincronias, por projetarem uma posição de sujeito referencial, seja ele nulo ou expresso, e também por se tratar de uma tentativa de aproximação da língua oral, mas que aumentarão ao longo do tempo; b) levando em conta os índices encontrados para a fala contemporânea em Duarte (2012a) (cf. seção XX), é possível que os predicadores adjetivais alcancem índices razoáveis, ainda que seu uso diminua ao longo do tempo; c) em relação ao uso de predicadores verbais mais tradicionais, como convir, urgir e cumprir, acredito que podem surgir nas peças mais antigas, mas de forma bastante restrita, e que tendam a desaparecer nas mais recentes. O uso reduzido 40 desses predicadores verbais, mesmo em peças mais antigas, indica que esse tipo de estrutura já não devia fazer parte da fala mais espontânea, que as peças que compõem minha amostra procuram representar, que é justamente objeto do meu interesse. A insistência dos gramáticos tradicionais em prescrever esse tipo de estrutura é um indicativo de que ela talvez aparecesse nos gêneros mais formais, como cartas oficiais, editoriais, entre outros. No entanto, com base em Duarte (2012a), espero encontrar em peças mais recentes as estruturas inovadoras com os verbos ser e dar seguidos de uma oração infinitiva regida de preposição, para expressar a modalidade epistêmica e a não-epistêmica, respectivamente. Lembremos que esses verbos permitem o alçamento do sujeito da subordinada para evitar um expletivo nulo; d) considerando as construções com verbos auxiliares que possuem sujeitos pronominais referenciais, espero que haja um aumento na ocorrência de sujeitos expressos nas peças mais recentes, tal como mostrou Duarte (1993) em seu estudo a respeito do tema. 2.3 Procedimentos Metodológicos Nesta seção, descrevo a amostra e apresento os grupos de fatores e o programa estatístico de análise de dados utilizado. Os procedimentos metodológicos seguem uma perspectiva diacrônica, ou seja, de um estudo de mudança em tempo real de longa duração. Assim, considero os processos de mudança que ocorrem ao longo do tempo, neste caso, ao longo dos séculos XIX e XX. Busco analisar o percurso das formas para expressão da modalidade epistêmica e não-epistêmica contempladas nesta pesquisa: predicadores verbais, predicadores adjetivais e verbos auxiliares. A metodologia variacionista, de base quantitativa, consiste no levantamento de dados, codificados segundo os fatores linguísticos levantados a partir do quadro teórico que foi descrito em 2.1. Naturalmente, não é possível elencar fatores estruturais sem um quadro teórico de onde venham as descrições relevantes à pesquisa e muito menos interpretar o percurso da mudança sem a perspectiva ali descrita. Os dados foram coletados, através de cuidadosa leitura das peças, codificados segundo os grupos a serem apresentados em 2.3.2, e ao programa Goldvarb-X, que permite o tratamento estatístico dos dados. 41 2.3.1 A amostra A amostra utilizada neste trabalho é composta por 16 peças teatrais de cunho popular escritas no Rio de Janeiro e distribuídas em sete períodos ao longo dos séculos XIX e XX, tendo como base a amostra de Duarte (1993). Ao contrário dessa pesquisa, que utilizou uma peça por período de tempo, tivemos de usar duas peças para obter um número razoável de dados; para os dois primeiros períodos, como se verá no quadro 1, a seguir, foram usadas três peças, para obter uma amostra equilibrada. As peças analisadas são do gênero comédias de costumes (as mais antigas) ou comédias dramáticas (as mais recentes), que se caracterizam pela representação de tipos e situações de época, com uma sátira social. Através desses textos, é possível fazer uma análise dos comportamentos humanos e dos costumes em um determinado contexto social. Apesar de saber que esses textos não representam fielmente a fala de um determinado período, creio que eles se aproximam bastante da linguagem oral presente em cada contexto social. Dessa forma, acredito que as características linguísticas presentes nessas peças podem ser tomadas como tendências de uso de uma dada época. (A esse propósito, os resultados de Duarte (1993) para a peça escrita em 1992 são muito próximos dos resultados para a fala culta espontânea obtidos pela autora em sua tese de 1995.) A seguir, apresento o quadro com todas as peças analisadas neste trabalho, suas datas de publicação e autoria: 42 Período 1845-1846 Período I 1872-1883 Período II Peças O noviço (1845) Quem casa, quer casa (1845) O tipo brasileiro (1872) Como se fazia um deputado (1882) França Júnior Caiu o ministério (1883) O simpático Jeremias (1918) Período III Onde canta o sabiá (1920) 1933-1937 O troféu (1933) Período IV O hóspede do quarto nº 2 (1937) 1955 Um elefante no caos (1955) Período V Pigmaleoa (1955) Período VI Martins Pena O Judas em sábado de aleluia (1846) 1918-1920 1975-1986 Autor A mulher integral (1975) Confidências de um espermatozoide careca (1986) 1992 No coração do Brasil (1992) Período VII Como encher um biquíni selvagem (1992) Gastão Tojeiro Armando Gonzaga Millôr Fernandes Carlos Eduardo Novaes Miguel Falabella Quadro 1: Relação das peças teatrais (PB) e sua distribuição em períodos de tempo Através do quadro, é possível constatar que a periodização das peças não é a mesma nos séculos XIX e XX. O primeiro inclui apenas dois períodos, o que se deve ao fato de dois grandes autores do século, Martins Pena e França Júnior, terem produzido a partir dos anos 1830, o primeiro, e a partir dos anos 1870, o segundo. O século XX, por contar com um maior número de autores do gênero, possibilita uma maior periodização. Enquanto os dois primeiros períodos representam a primeira e segunda metade do século XIX, os demais representam o primeiro quartel do século XX, anos 1920, seguindo-se os anos 1930, 1950, 1970 e 1990, respectivamente. 43 Considerando as hipóteses levantadas, os objetivos desta pesquisa e os estudos anteriormente citados, na próxima seção, apresentarei os grupos de fatores estipulados para a análise das formas de expressão da modalidade epistêmica e nãoepistêmica. Tais grupos são de ordem linguística e extralinguística. 2.3.2 O envelope da variação Para definir os grupos de fatores estruturais levantados nesta pesquisa, foram levados em consideração fatores considerados por Duarte (1993), Duarte (2012b) e outros relacionados ao tema da pesquisa. Minha análise contempla separadamente cada tipo de modalidade – epistêmica e não-epistêmica. Entretanto, os grupos de fatores são os mesmos. 2.3.2.1 A variável sociolinguística A variável dependente é constituída pelo tipo de estrutura utilizada para a expressão da modalidade, ou seja, uma das três formas consideradas neste trabalho: predicadores verbais, predicadores adjetivais e verbos auxiliares. Essa variável foi examinada em relação aos demais grupos de fatores. Para cada tipo de modalidade, é possível verificar as três formas contempladas neste estudo, como podemos ver nos exemplos de modalidade epistêmica e não–epistêmica (nesse caso, todos expressando modalidade deôntica), respectivamente, em (5) e (6): (5) a. Predicador verbal Carlos: Øexpl Não convém [mexer mais nessa história]. Já está tudo explicado. (O hóspede do quarto nº 2, Armando Gonzaga, 1937) b. Predicador adjetival Fabiana: Olha, minha filha, e não tornes a culpa a mim. Øexpl É impossível [haver em uma casa mais de uma senhora]. Havendo, é tudo confusão... (Quem casa, quer casa, Martins Pena, 1845) 44 c. Verbo auxiliar Paulo: Que obsessão! É claro que vou trabalhar. Mas que emprego eu posso arranjar? Auxiliar de escritório? (A mulher integral, Carlos Eduardo Novaes, 1975) (6) a. Predicador verbal Øexpl Cumpre [que não faltes a essa reunião.] (Adaptado de RL p.265) b. Predicador adjetival Teodoro: Øexpl Não é necessário [escrever], eu ouvi tudo. (O tipo brasileiro, França Júnior, 1872) c. Verbo auxiliar Jeremias: Como elas se atropelam! Ø1psTenho que organizar um horário para cada uma. (O simpático Jeremias, Gastão Tojeiro, 1918) 2.3.2.2 Os grupos de fatores Foram estipulados dez grupos de fatores para dados de expressão da modalidade não-epistêmica e da modalidade epistêmica, que, conforme mencionado anteriormente, serão analisados separadamente. São eles: ● Tipo de predicador verbal Esse grupo reúne todos os verbos predicadores pesquisados. Ele é importante para controlar que formas de expressão da modalidade epistêmica e não-epistêmica através de predicadores verbais são mais utilizadas e como é o seu comportamento ao longo do tempo. De acordo com as minhas hipóteses, esse tipo de construção não será muito frequente, por não projetar posição de sujeito referencial. Alguns dos verbos desse grupo são: convir, urgir, constar, bastar, dar pra e ser pra, entre outros, como podemos verificar nos exemplos a seguir: 45 (7) Inácia: Afinal, vocês resolvem-se ou não a ir à casa do dr. Amarante? Justino: Que pressa, filha! Deixa primeiro o Ernani chegar. Fabrino: Eu vou por ir, porque minha presença não adianta nada. Øexpl Bastava [que fossem o Ernani e sêo Justino]. → modalidade epistêmica (Onde canta o sabiá, Gastão Tojeiro, 1920) (8) Ismênia: Faz o que quiser, menina. Você aqui é livre. Vou pedir ao Evandro para lhe acompanhar, tá? Ainda Øexpl dá [pra aproveitar a tarde]. Pede a ele pra te levar ao Arpoador. → modalidade epistêmica (Pigmaleoa, Millôr Fernandes, 1955) (9) Cristina: Que humilhação, que vergonha... vá, vá seu crápula, e não me apareça mais aqui, vá logo, aproveite e lhe entregue esses livros e diga a ela que Øexpl é [pra enfiar... ela sabe onde]. → modalidade deôntica (A mulher integral, Carlos Eduardo Novaes, 1975) ● Tipo de predicador adjetival O grupo em questão reúne todos os predicadores adjetivais pesquisados. Através dele, posso monitorar quais as formas de expressão da modalidade através de predicadores adjetivais são mais utilizadas e como é o seu comportamento ao longo do tempo. Segundo minhas hipóteses, esse tipo de construção também não será muito frequente, ainda que seja mais expressiva, sobretudo nas peças mais antigas, do que as construções com verbos predicadores, Espero uma maior variedade de adjetivos em sincronias mais remotas. Alguns dos adjetivos desse grupo são: possível, necessário, importante, preciso, certo, entre outros, como é possível ver em: (10) Ambrósio: Teu filho também vai a crescer todos os dias e Øexpl será preciso [por fim dar-lhe a sua legítima]... → modalidade deôntica (O noviço, Martins Pena, 1845) (11) Teodoro: Øexpl É impossível [que eu não esteja sonhando]. → modalidade epistêmica (Como se fazia um deputado, França Júnior, 1882) 46 (12) Félix: Mas isso não é decente. Øexpl É necessário [arranjar um pretexto plausível, uma maneira digna]... → modalidade deôntica (O simpático Jeremias, Gastão Tojeiro, 1918) ● Tipo de verbo auxiliar Esse grupo reúne todos os verbos auxiliares pesquisados. Assim como os anteriores, ele é relevante para verificar quais as formas de expressão da modalidade epistêmica e não-epistêmica através de verbos auxiliares são mais utilizadas e como é o seu comportamento ao longo do tempo. Alguns dos verbos desse grupo são: poder, dever, ter que/ter de, entre outros, como em: (13) Eu acho que a Neiva devia jogar água fervendo no ouvido dele e depois fugia. → modalidade deôntica (No coração do Brasil, Miguel Falabella, 1992) (14) É o que resta como? Eu tenho que dar satisfação desse dinheiro. Você tem de prestar contas a mim. → modalidade deôntica (Um elefante no caos, Millôr Fernandes, 1955) (15) Maricota: O que espero? Não tens ouvido dizer que as primeiras paixões são eternas? Pois bem, este menino pode ir para S. Paulo, voltar de lá formado e arranjar eu alguma coisa no caso de estar ainda solteira. → modalidade epistêmica (O Judas em sábado de aleluia, Martins Pena, 1846) ● Referência e forma do sujeito Esse grupo investiga a referência e a forma do sujeito e é extremamente importante para este trabalho. Isso se explica porque uma de minhas hipóteses é que as formas de expressão da modalidade que projetam um sujeito expletivo nulo, como os predicadores verbais e os predicadores adjetivais, serão muito menos frequentes do que as construções com verbos auxiliares, que usualmente projetam um sujeito referencial. Analiso as duas formas de expressão do sujeito no PB: nulo ou preenchido. Considerando os estudos de Duarte (1993) e de Cyrino, Duarte e Kato (2000), acredito que, ao longo do tempo, as construções com verbos auxiliares, que, 47 na sua maioria, pressupõem um sujeito referencial, mostrarão a mudança por que passa o PB. Dessa forma, creio que as peças mais antigas terão um maior número de dados de sujeito nulo, em oposição às peças mais recentes, que terão um maior número de dados de sujeito preenchido. Em relação à referencialidade, esse grupo reúne sujeitos expletivos (sem referência), sujeitos de referência arbitrária e sujeitos de referência definida: a. Sujeito Expletivo Segundo Duarte (2012a), devido à mudança em curso na marcação paramétrica por que passa o português, esse tipo de sujeito, típico de sentenças impessoais, que, no fenômeno aqui estudado, normalmente ocorre em construções com predicadores verbais ou adjetivais, mas que também pode ocorrer nos casos de locuções verbais com o verbo principal impessoal (pode chover amanhã; deve haver greve), tende a ser evitado no português, por isso, acredito que será o menos frequente. De acordo com a hierarquia referencial de Cyrino, Duarte e Kato (2000), os expletivos estão no ponto extremo da não-referencialidade. Quanto à forma, são sempre nulos, mas há como evitar a posição vazia através do alçamento de constituinte de dentro da oração, como veremos mais à frente. Podemos visualizar alguns exemplos de construções com sujeito expletivo em: (16) Julia: Øexpl É necessário também [que a senhora preencha um formulário respondendo sobre a sua vida sexual]. → modalidade deôntica (A mulher integral, Carlos Eduardo Novaes, 1975) (17) Laura: Era isso mesmo o que eu queria. Øexpl Não te convém [ficar aqui]. Vamos. → modalidade epistêmica (O simpático Jeremias, Gastão Tojeiro, 1918) b. Sujeito de Referência Arbitrária As construções com verbos auxiliares podem ter sujeitos referenciais definidos ou arbitrários. Através desse grupo, é possível analisar qual a frequência da indeterminação do sujeito nas peças e sua forma preferencial – se nula, se expressa, 48 no decorrer dos períodos. Exemplos de sujeito de referência arbitrária nulo e expresso podem ser vistos, respectivamente em (18) e (19): (18) øarb Tinha que estudar fonética com um médico ao lado. → modalidade deôntica (Confidências de um espermatozoide careca, Carlos Eduardo Novaes, 1986) (19) Ismênia: Neste mundo não há felicidade. Portanto a gente tem que ser feliz assim mesmo. → modalidade deôntica (Pigmaleoa, Millôr Fernandes, 1955) c. Sujeito de Referência Definida Através desse grupo, posso analisar qual a frequência do sujeito de referência definida nas peças no decorrer dos períodos e sua forma preferencial – se nula, se expressa. Com base em Cyrino, Duarte e Kato (2000), que afirmam que a referencialidade do sujeito se mostra altamente significativa para processos de mudanças e de sua proposta de que itens [+referenciais] favorecem o preenchimento, acredito que esse tipo de sujeito, além de ser o mais frequente no tipo de amostra analisada, exibirá mais preenchimento ao longo do tempo. É possível ver alguns exemplos de sujeitos de referência definida nulo e expresso, respectivamente em: (20) Chiquinha – Casa-te com ele. Maricota – E por que não, se ele quiser? Os oficiais dos Permanentes têm bom soldo. Ø2ps Podes te rir. → modalidade deôntica (O judas em sábado de aleluia, Martins Pena, 1846) (21) Menelau: A cousa, como já lhe disse, deve andar prestes a arrebentar. Mas como ainda talvez seja possível desviar o curso dos acontecimentos, seria conveniente nada revelar até o momento decisivo. → modalidade epistêmica (O troféu, Armando Gonzaga, 1933) 49 ● Tipo de estrutura com sujeitos expletivos Esse grupo analisa as construções em que o sujeito expletivo aparece, que podem ou não ter alçamento de constituinte. Espero que haja um número pequeno de estruturas com alçamento de constituinte, por se tratar de fenômeno mais recente (cf. Henriques, 2012), mas acreditamos que podem ocorrer, sobretudo nas peças mais recentes, pela tendência ao preenchimento da função de sujeito no PB. Exemplos de construções sem alçamento e com alçamento podem ser vistos, respectivamente, em (22) e (23): (22) Ismênia: Ainda Øexp dá pra [aproveitar a tarde]. Pede a ele pra te levar ao Arpoador. É um pouco longe, mas você vai adorar. → modalidade epistêmica (Pigmaleoa, Millôr Fernandes, 1955) (23) Issoi é possível [perceber [ti] até na prática]. → modalidade epistêmica (em vez de: Øexp É possível [perceber isso até na prática]. - alçamento do complemento da encaixada). (Confidências de um espermatozoide careca, Carlos Eduardo Novaes, 1986) ● Tipo de sujeito de referência arbitrária Considero as seguintes estratégias de indeterminação do sujeito de referência arbitrária: se, a gente, nós, você, eles e zero. A forma de indeterminação zero diz respeito às construções com verbo na terceira pessoa do singular sem qualquer pronome vinculado ao verbo. Com base nos estudos de Duarte (1993) e de Vargas (2010; 2012), espero que as estratégias de indeterminação com a terceira pessoa do plural e o pronome se indefinido sejam mais recorrentes nas peças mais antigas, tal como descrevem as gramáticas tradicionais, e que as outras estratégias de indeterminação, sobretudo você e a gente sejam as mais produtivas em peças mais recentes. Alguns exemplos dos diversos tipos de realização da indeterminação do sujeito podem ser vistos a seguir: 50 (24) Paulo: Mamãe, tudo se faz. Não ø1pp podemos ficar muito presos a uma moral só. Temos de experimentar várias. Pragmatismo, mãezinha. → modalidade deôntica (Um elefante no caos, Millôr Fernandes, 1955) (25) Dona Irene: Mas tem que ter! Meu pai sempre me dizia que a paciência é uma das maiores virtudes do homem. A gente tem que aprender a esperar pelo futuro. → modalidade deôntica (No coração do Brasil, Miguel Falabella, 1992) (26) Melanie: Tem uma outra técnica, que é muito usada, hoje em dia. O segredo é não se importar. Se você não se importar, você acaba dormindo. Mas você precisa não se importar de verdade. → modalidade deôntica (Como encher um biquíni selvagem, Miguel Falabella, 1992) ● Tipo de sujeito de referência definida Com esse grupo, é possível controlar quais os tipos de realização do sujeito de referência definida são mais utilizados e como é o seu comportamento ao longo do tempo. Considerei os seguintes tipos de sujeitos de referência definida: sujeito de 1ª pessoa singular, sujeito de 1ª pessoa plural, sujeito de 2ª pessoa singular, sujeito de 2ª pessoa plural, sujeito de 3ª pessoa singular (pronome), sujeito de 3ª pessoa singular (SN), sujeito de 3ª pessoa plural (pronome) e sujeito de 3ª pessoa plural (SN), como podemos observar em (27) – (29) abaixo: (27) Gabriel: Não posso mais ficar aqui a tarde toda, não. Tirei quatro notas vermelhas. Ø1ps Preciso dar um jeito na minha vida. → modalidade deôntica (No coração do Brasil, Miguel Falabella, 1992) (28) Filipe: E essas dificuldades devem ter sido bem grandes; porque há quinze dias que o ministério está organizado, e ainda não se pôde achar um ministro para a Marinha. → modalidade epistêmica (Caiu o ministério, França Júnior, 1882) 51 (29) Ventura: É essa a minha intenção. Mas nem tudo que a gente deseja pode ser alcançado. → modalidade epistêmica (O hóspede do quarto nº 2, Armando Gonzaga, 1937) ● Tipo sintático de oração Esse grupo leva em consideração os três tipos de contexto em que é possível encontrar o sujeito de uma construção com verbo auxiliar: inicial, que diz respeito às orações matrizes ou às primeiras orações coordenadas, encaixado, que se refere às orações subordinadas, e coordenado, que se refere às segundas ou terceiras orações coordenadas. Relacionarei a forma de expressão do sujeito (nulo ou expresso) com o tipo de contexto em que se encontra, pois acredito que as orações subordinadas com um sujeito correferente na matriz e as segundas ou terceiras orações coordenadas propiciam sujeito nulo. Alguns exemplos desses diferentes contextos podem ser vistos em: (30) Júlia: Sobre mim, titia?... Que é que eu posso contar? Em Vitiligo não acontece nada, nunca. Os dias são brancos e as noites são pretas... É tudo. → modalidade epistêmica (Pigmaleoa, Millôr Fernandes, 1955) (31) Lise: Por exemplo, eu vi uma senhora entrando hoje, não sei onde ela está sentada, mas para mim, ela se chama Magali Santoro. Elai é gordinha e Ø3ps deve ter uns cinquenta anos. → modalidade epistêmica (Como encher um biquíni selvagem, Miguel Falabella, 1992) (32) Elei estava tirando as camisas do armário quando Øi foi avisado que Ø3ps deveria se apresentar a base para viajar ao Japão. → modalidade deôntica (Confidências de um espermatozoide careca, Carlos Eduardo Novaes, 1986) Enquanto o exemplo (30) ilustra um caso de contexto inicial, por se tratar de oração matriz, na qual, em peças mais recentes, há uma tendência ao preenchimento do sujeito, os exemplos (31) e (32) ilustram casos de segunda coordenada e subordinada com correferente na matriz, respectivamente, que propiciam um apagamento do sujeito. 52 ● Período de Tempo Por se tratar de uma análise diacrônica, esse grupo de fatores é o que orientará a apresentação dos resultados. As peças foram distribuídas em sete períodos de tempo conforme já foi mencionado anteriormente (cf. seção 2.3.1). Estipulei esse grupo para averiguar as hipóteses que norteiam essa pesquisa, como: a) em peças mais antigas poderá haver casos de sujeito expletivo nulo em construções com predicadores verbais, como convir e bastar e predicadores adjetivais, como possível e necessário, que tendem a desaparecer em peças mais recentes; deverá haver ainda mais sujeitos pronominais referenciais nulos; b) com o passar do tempo, deverá ocorrer a diminuição de expletivos e aumento de sujeitos referenciais expressos. 53 CAPÍTULO 3: ANÁLISE DE RESULTADOS Neste capítulo apresento e interpreto os resultados obtidos na análise dos dados coletados em peças teatrais cariocas distribuídas em sete períodos ao longo do tempo. Os resultados foram investigados levando em consideração a Teoria de Princípios e Parâmetros (CHOMSKY, 1981) associada ao modelo de estudo da mudança linguística proposto por Weireinch, Labov e Herzog (2006 [1968]), principalmente no que diz respeito aos problemas ou questões que devem ser respondidos pelos que estudam a mudança, relativos ao “encaixamento”, às “restrições” e à “transição”. Primeiramente, apresentarei a distribuição geral dos resultados para a expressão da modalidade através das três formas aqui consideradas. Posteriormente, apresentarei o quadro de expressão da modalidade epistêmica e o quadro de expressão da modalidade não-epistêmica, que contempla dois tipos: a) deôntica; b) dinâmica. 3.1. Distribuição geral das estratégias No total, foram computadas 1311 ocorrências das estruturas analisadas neste trabalho para a expressão da modalidade. Como já foi referido no capítulo 2, a amostra desta pesquisa se assemelha à utilizada por Duarte (1993), com o acréscimo de uma peça por período, com exceção dos dois primeiros períodos, que tiveram o acréscimo de duas peças cada, o que foi motivado pela baixa frequência de dados em comparação com os outros períodos. Busquei equilibrar o número de dados de cada período para que fosse possível uma análise estatística com razoável grau de confiabilidade dos resultados. A distribuição dos dados segundo o tipo de modalidade pode ser vista na tabela abaixo: Tabela 1. Distribuição dos dados levantados segundo o tipo de modalidade Modalidade Predicador verbal Predicador adjetival Verbo auxiliar Total Epistêmica 40 (8,5%) 34 (7%) 398 (84,5%) 472 (100%) Não-epistêmica 6 (0,7%) 96 (11,5%) 737 (87,8%) 839 (100%) 54 Observando a tabela 1, pode-se ver, de início, que o verbo auxiliar é de longe a estratégia preferida para veicular ambos os tipos de modalidade. A análise diacrônica permitirá observar como se dá essa distribuição ao longo do tempo. 3.2 A análise da modalidade epistêmica Das 1311 ocorrências encontradas, 472 expressam modalidade epistêmica, indicando possibilidade/probabilidade. Esse número de dados consideravelmente menor do que os que expressam modalidade não-epistêmica já era esperado, pois há mais possibilidades na língua de verbos auxiliares que expressam a modalidade nãoepistêmica do que de verbos auxiliares que expressam modalidade epistêmica, como veremos na próxima seção. 3.2.1 As formas de expressão da modalidade epistêmica Os exemplos a seguir ilustram, respectivamente, diferentes estratégias de expressão da modalidade, predicadores verbais (1a,b), predicadores adjetivais (2a,b) e verbos auxiliares (3a,b): (1) a. Doroteia: Com o Ventura não há exagero nenhum. Øexpl Basta [dizer que o menos que ele faz é não pagar as pensões onde ele se hospeda]. Só isso define um caráter. (O hóspede do quarto nº 2, Armando Gonzaga, 1937) b. Laura: Era isso mesmo o que eu queria. Øexpl Não te convém [ficar aqui] Vamos. (O simpático Jeremias, Gastão Tojeiro, 1918) (2) a. Inácia: Øexpl Será possível [que você não encontra outra coisa mais útil a fazer]? (Onde canta o sabiá, Gastão Tojeiro, 1920) b. Paula: Eu acho que Øexpl seria interessante você se aprofundar mais na relação com a Magda. (Como encher um biquíni selvagem, Miguel Falabella, 1992) 55 (3) a. Ambrósio: No mundo a fortuna é para quem sabe adquiri-la. Pintam-na cega... Que simplicidade! Cego é aquele que não tem inteligência para vê-la e a alcançar. Todo homem pode ser rico, se atinar com o verdadeiro caminho da fortuna. (O noviço, Martins Pena, 1845) b. Henrique — Não te assustes, sou eu. Teu pai não está em casa? Henriqueta — Saiu, mas Ø3ps não deve tardar. O que vieste aqui fazer? (O tipo brasileiro, França Júnior, 1872) A Tabela 2 mostra a distribuição desses três tipos de estruturas ao longo do tempo. Esta é a variável sociolinguística que orienta a pesquisa, já que busco confirmar a hipótese de que os verbos auxiliares serão predominantes para a expressão da modalidade, seguidos dos predicadores adjetivais e dos predicadores verbais. Tabela 2: Formas de expressão da modalidade epistêmica ao longo do tempo Período Período I 1845-1846 Período II 1872-1883 Período III 1918-1920 Período IV 1933-1937 Período V 1955 Período VI 1975-1986 Período VII 1992 Predicador verbal Predicador adjetival Verbo auxiliar Total 8 (14%) 4 (7%) 46 (79%) 58 (100%) 1 (2%) 4 ( 6%) 63 (92%) 68 (100%) 7 (9%) 8 (10%) 63 (81%) 78 (100%) 4 (6%) 9 (13%) 55 (81%) 68 (100%) 3 (7%) 2 (5%) 37 (88%) 42(100%) 4 (6%) 3 (4%) 65 (90%) 72 (100%) 13 (15%) 4 (5%) 69 (80%) 86 (100%) Dentre os 472 dados que veiculam a modalidade epistêmica, 398 dados são expressos por verbos auxiliares, o que corresponde a 85%. Essa profusão de auxiliares para a expressão da modalidade epistêmica bem como a preferência pelos verbos dever e poder para veicular a noção de possibilidade, inclusive nas últimas sincronias, tal como constatou Rigoni (1995), já eram esperadas. Observando a 56 distribuição pelos períodos, vemos que esta é bastante regular, com o predomínio constante dos auxiliares e pequena oscilação entre o uso de predicadores verbais e adjetivais. O Gráfico 1, a seguir, permite visualizar os resultados percentuais da Tabela 2 na linha do tempo: 100% 80% 92% 81% 79% 81% 88% 90% 80% 60% 40% 20% 0% 14% 10% 6% 7% I II 2% 9% III pred. verbal 13% 6% IV pred. adjetival 7% 6% 5% V VI 15% 4% 5% VII auxiliar Gráfico 1. A trajetória das estratégias para a expressão da modalidade epistêmica ao longo do tempo Conforme é possível observar, de acordo com o esperado, as frequências de uso dos verbos auxiliares são bastante altas em todos os períodos, alcançando índices acima de 79% dos dados. Segundo minhas hipóteses, o uso predominante dessa estratégia se justifica pelo fato de esse tipo de estrutura poder projetar uma posição de sujeito referencial, seja ele nulo ou expresso, enquanto as outras duas estruturas projetam uma posição de sujeito não-referencial. Como já mencionado em capítulo anterior, a preferência por sujeitos referenciais no PB está ligada a uma mudança maior por que passa a nossa língua, a mudança na marcação do valor do Parâmetro do Sujeito Nulo (PSN). Dessa forma, vemos que uma mudança desencadeou outra, que interfere na escolha dos falantes por determinada estrutura para expressão da modalidade em detrimento de outras. Não se pode negar, contudo, que a preferência pelos auxiliares é anterior ao período em que se observa uma mudança na marcação do valor do PSN. Entretanto, nos períodos iniciais, podemos notar a presença de predicadores adjetivais, que variam entre 6% e 13% nos períodos I, II, III e IV. A partir do período V, o uso, que já é restrito, dessa estratégia para a expressão da modalidade fica ainda menor, alcançando apenas 4% no período VI e 5% nos períodos V e VII. Já em relação 57 aos predicadores verbais, também como o esperado, é possível perceber uma diminuição do seu já restrito uso, que alcança índices entre 14% no período I, 7% no período V e 6% nos períodos IV e VI. No período VII, notamos um aumento no uso dessa estrutura, mas, como veremos em sub-seção posterior, todos os dados encontrados, na verdade, tratam de uma estrutura inovadora e não dos predicadores verbais tradicionais, como convir e bastar. 3.2.2 Tipos de predicador verbal Com a análise desse grupo, é possível verificar quais os predicadores verbais mais utilizados para expressar a modalidade epistêmica e como é o seu comportamento ao longo do tempo. Dos 40 dados de expressão da modalidade epistêmica através de verbos predicadores, 13 foram expressos pelo verbo convir, 7 pelo verbo bastar, 1 pelo verbo constar, e 19 pela estrutura inovadora, que consiste no uso do verbo “dar” seguido de uma oração reduzida de infinitivo regida de preposição, aqui referida como “dar pra”. Vejamos exemplos das formas conservadoras em (4) e da forma inovadora em (5): (4) a. Ismênia: Øexpl Convém [não exagerar]. Quando você chegar aos trinta, verá que ainda é cedo. (Um elefante no caos, Millôr Fernandes, 1955) b. Carlos: Tia, Øexpl basta [que saiba que era uma comédia]. E antes de principiar o ensaio o tio deu-me a sua palavra que eu não seria frade. Não é verdade, tio? (O noviço, Martins Pena, 1845) c. Basílio: Passarinho lá na estação? Øexpl Não me consta [Ø]. (Onde canta o sabiá, Gastão Tojeiro, 1920) (5) a. Cristina: Você não acha que estou mais cheinha, que engordei um pouquinho, fiquei como você gosta? Armando: Não sei... Øexpl Não dá [pra perceber]. (A mulher integral, Carlos Eduardo Novaes, 1975) 58 b. Dolores: Se eu correr, Øexpl dá [pr’eu fazer os dois papéis]. Mas aí, Madalena não ia poder acompanhar a procissão. (No coração do Brasil, Miguel Falabella, 1992) O percurso dessas diferentes formas dos predicadores verbais ao longo do tempo pode ser visto na tabela abaixo: Tabela 3: Tipos de predicadores verbais para a expressão da modalidade epistêmica ao longo do tempo Período Período I 1845-1846 Período II 1872-1883 Período III 1918-1920 Período IV 1933-1937 Período V 1955 Período VI 1975-1986 Período VII 1992 Convir Bastar Constar Dar pra Total 5 (63%) 3 (27%) 0 (0%) 0 (0%) 8 (100%) 0 (0%) 1 ( 100%) 0 (0%) 0 (0%) 1 (100%) 4 (57%) 2 (29%) 1 (14%) 0 (0%) 7(100%) 3 (75%) 1 (25%) 0 (0%) 0 (0%) 4 (100%) 1 (33%) 0 (0%) 0 (0%) 2 (67%) 3 (100%) 0 (0%) 0 (0%) 0 (0%) 4 (100%) 4 (100%) 0 (0%) 0 (0%) 0 (0%) 13 (100%) 13 (100%) Como podemos ver acima, os dois predicadores verbais mais utilizados são o convir e o dar pra. Enquanto aquele se mostra produtivo nas primeiras sincronias, representando aproximadamente 60% dos dados dessa forma de expressão da modalidade nos períodos I e III, 75% dos dados no período IV e desaparece nas últimas, correspondendo a 33% no período V e 0% nos períodos VI e VII, este se mostra produtivo apenas nas últimas sincronias, totalizando 67% dos dados no período V e 100% nos períodos VI e VII. Com essa tabela, é possível pensar que, talvez, o “dar pra” esteja competindo com cada uma dessas formas, e assumindo seus valores discursivos específicos. 59 3.2.3 Tipos de predicador adjetival Como visto anteriormente, os predicadores adjetivais correspondem a 7% dos dados, totalizando 34 ocorrências. Destas, 27 foram expressas pelo predicador adjetival possível/impossível, ilustrado em (6), seguido dos predicadores interessante e capaz, como em (7), com 2 dados cada, e de certo, conveniente e crível, mostrados em (8a-c), com 1 dado cada. (6) Pimenta: Não, senhor. Desde quinta-feira que andam dois guardas atrás dele, e Øexpl ainda não foi possível [encontrá-lo]. Mandei-os que fossem escorar à porta da repartição e também lá não apareceu hoje. Creio que teve aviso. (O Judas em sábado de aleluia, Martins Pena, 1846) (7) Dolores: Com a minha experiência, Øexpl era bem capaz [de eu conseguir o serviço]. (No coração do Brasil, Miguel Falabella, 1992) (8) a. Leocádio: Então Øexpl é certo [que a senhora nos deixará amanhã?] (O hóspede do quarto nº 2, Armando Gonzaga, 1937) b. Menelau: A cousa, como já lhe disse, deve andar prestes a arrebentar. Mas como ainda talvez seja possível desviar o curso dos acontecimentos, talvez Øexpl seja conveniente [nada revelar até o momento decisivo] ... (O troféu, Armando Gonzaga, 1933) c. Arminda: Um casamento a capucho, sem nenhuma pompa. Øexpl Não é crível [que eles pretendam atrair atenção pública com um casamento espaventoso]. (O troféu, Armando Gonzaga, 1933) A Tabela 4 mostra a distribuição dos predicadores adjetivais ao longo do tempo: 60 Tabela 4: Tipos de predicadores adjetivais para a expressão da modalidade epistêmica ao longo do tempo Período Período I 1845-1846 Período II 1872-1883 Período III 1918-1920 Período IV 1933-1937 Período V 1955 Período VI 1975-1986 Período VII 1992 Possível/ Impossível Capaz Interessante Certo Crível Convenient e 4 (100%) 0 (0%) 0 (0%) 0 (0%) 0 (0%) 0 (0%) 4 (100%) 0 (0%) 0 (0%) 0 (0%) 0 (0%) 0 (0%) 7 (88%) 0 (0%) 1 (12%) 0 (0%) 0 (0%) 0 (0%) 6 (67%) 0 (0%) 1 (11%) 1 (11%) 1 (11%) 1 (0%) 2 (33%) 0 (0%) 0 (0%) 0 (0%) 0 (0%) 0 (0%) 3 (100%) 0 (0%) 0 (0%) 0 (0%) 0 (0%) 0 (0%) 1 (25%) 2 (50%) 1 (25%) 0 (0%) 0 (0%) 0 (0%) Total 4 (100%) 4 (100%) 8 (100%) 9 (100%) 2 (100%) 3 (100%) 4 (100%) Diante do exposto, é possível perceber que o predicador adjetival possível/impossível foi o mais frequente na amostra analisada. Ainda assim, em conformidade com as minhas hipóteses, houve uma queda considerável em seu uso ao longo do tempo. Assim como os verbos predicadores, as estruturas com predicadores adjetivais não projetam posição de sujeito referencial, o que pode justificar essa diminuição, já que, conforme explicitado anteriormente, há uma tendência no PB a evitar sentenças impessoais. Um aspecto interessante a respeito dos predicadores adjetivais e também dos predicadores verbais é a possibilidade de alçamento de constituinte. Conforme exposto em seção anterior, em minha metodologia, criei um grupo de fatores que analisa o tipo de estrutura com sujeitos expletivos. Embora esse tipo de construção seja frequente na fala contemporânea popular de acordo com Duarte (2007), nos textos teatrais, conforme esperado por minhas hipóteses, não houve um número relevante desse tipo de construção. Há apenas 1 dado de alçamento do complemento da oração subordinada entre as 34 estruturas com predicadores adjetivais e nenhum dado entre as 40 estruturas com predicadores verbais. O exemplo de predicador adjetival em que ocorre alçamento de constituinte pode ser visto a seguir: (9) Issoi é possível [perceber [ti] até na prática]. (em vez de: Øexp É possível [perceber isso até na prática]). (Confidências de um espermatozoide careca, Carlos Eduardo Novaes, 1986) 61 3.2.4 Tipos de verbo auxiliar Como no caso dos predicadores verbais e adjetivais, por meio desse grupo, é possível investigar quais verbos auxiliares são mais empregados e como eles se comportam ao longo do tempo. Os verbos auxiliares modais poder e dever são exemplos de que uma mesma forma pode denotar mais de um sentido, já que ambos podem expressar modalidade epistêmica e modalidade não-epistêmica. Enquanto no primeiro caso esses modais denotam uma ideia de eventualidade/possibilidade, no segundo caso, o verbo poder tem sentido de permissão ou capacidade, e o verbo dever tem sentido de obrigação, como mostrarei em seção posterior. Ilustramos em (10a,b) ocorrências de poder e em (11), de dever, expressando possibilidadade/eventualidade: (10) a. Paulina: De hoje em diante espero que assim será. Não levantarei a voz nesta casa sem vosso consentimento. Não darei uma ordem sem vossa permissão... Enfim, serei uma filha obediente e submissa. Fabiana: Só assim Ø1ps poderemos viver juntos. Dá cá um abraço. És uma boa rapariga... Tens um bocadinho de gênio; mas quem não o tem. (Quem casa, quer casa, Martins Pena, 1845) b. Mr. James: Mim estar em ajuste com a companhia. Mas quando pretende compra estrada e que tem promessa de governo para privilégia, maldita governa cai, e mim deixa de ganhar muita dinheira. Raul: Mas Ø2ps pode obter o privilégio com esta gente. (Caiu o ministério, França Júnior, 1882) (11) a. Limoeiro: Quanto a ti, Ø2ps deves estar estafado da viagem, apesar de que vieste montado no Diamante, que é o primeiro burro destas dez léguas em redor. Vai mudar de roupa. (Como se fazia um deputado, França Júnior, 1882) b. Sergio: Eu vim trazer uns papéis para o Armando. Ele está lá dentro? Cristina: Não. Armando foi almoçar na Torre Eiffel, mas pelo tempo Ø3ps já deve estar voltando. Quer esperar. (A mulher integral, Carlos Eduardo Novaes, 1975) 62 A tabela a seguir apresenta a distribuição desses dois verbos ao longo do tempo: Tabela 5: Tipos de verbos auxiliares para a expressão da modalidade epistêmica ao longo do tempo Período Período I 1845-1846 Período II 1872-1883 Período III 1918-1920 Período IV 1933-1937 Período V 1955 Período VI 1975-1986 Período VII 1992 Poder Dever Total 43 (93%) 3 (6%) 46 (100%) 52 (82%) 11 (18%) 63 (100%) 43 (68%) 20 (32%) 63 (100%) 35 (64%) 20 (36%) 55 (100%) 27 (73%) 10 (27%) 37(100%) 49 (75%) 16 (25%) 65 (100%) 46 (67%) 23 (33%) 69 (100%) Através da tabela, é possível notar que o verbo poder se mostra muito mais produtivo para a expressão da modalidade epistêmica, do que o verbo dever. Nos períodos I, II, V e VI alcança índices acima de 70%, chegando a 93% no período I. Ao longo do século XX, entretanto, embora predomine o auxiliar poder, há um sensível aumento do uso de dever, ficando em torno de 30%. No gráfico abaixo, podemos visualizar melhor o predomínio do verbo poder ao longo do tempo, mas também o crescimento do verbo dever no século XX, o que sugere uma concorrência mais acirrada entre os dois auxiliares: 63 100% 93% 82% 80% 68% 64% 32% 36% III IV 73% 75% 27% 25% V VI 67% 60% 40% 18% 20% 33% 6% 0% I II Poder VII Dever Gráfico 2. A trajetória dos verbos poder e dever para a expressão da modalidade epistêmica ao longo do tempo 3.2.5 A referência do sujeito Outro fator importante para este trabalho é a referência do sujeito. De acordo minhas hipóteses, as formas de expressão da modalidade que projetam um sujeito expletivo nulo, como os predicadores verbais e os predicadores adjetivais, seriam muito menos frequentes do que as construções que projetam um sujeito referencial, o que só é possível com os auxiliares. Como visto na metodologia, distingui o sujeito expletivo (sem referência) dos referenciais (que incluem a referência definida e a arbitrária). Embora não se possa dizer que tenha havido aumento do uso de auxiliares ao longo do tempo, vemos que dentre os 472 dados, apenas 96 contêm sujeitos expletivos, e 376 são referenciais. Entre os dados de sujeito referencial estão os de referência definida, cujo número de ocorrências foi 337, e os de referência arbitrária, que totalizaram 39 dados. Exemplos de sujeitos expletivos podem ser vistos em 12 (a, b, c), definidos em 13 (a,b) e arbitrários em 14 (a,b): (12) a. Ismênia: Faz o que quiser, menina. Você aqui é livre. Vou pedir ao Evandro para lhe acompanhar, tá? Ainda Øexp dá [pra aproveitar a tarde]. (Pigmaleoa, Millôr Fernandes, 1955) 64 b. Paulo: Øexp Deve haver [um objetivo melhor]. Depois de nos casarmos, usaremos os meses seguintes escolhendo uma palavra carinhosa para designá-la. (Um elefante no caos, Millôr Fernandes, 1955) c. Ismênia: Você me cansa com seu brilho. Como Øexpl deve ser bom [ter um filho burro]! (Pigmaleoa, Millôr Fernandes, 1955) (13) a. Ambrósio: No mundo a fortuna é para quem sabe adquiri-la. Pintam-na cega... Que simplicidade! Cego é aquele que não tem inteligência para vê-la e a alcançar. Todo homem pode ser rico, se atinar com o verdadeiro caminho da fortuna. (O noviço, Martins Pena, 1845) b. Jeremias: Esqueça o escorregão que ela deu no passado, do qual, como sua homônima na Bíblia, Ø3ps deve estar sinceramente arrependida. (O simpático Jeremias, Gastão Tojeiro, 1918) (14) a. Corina: De mais a felicidade não consiste apenas em ser rico. Póde-se ser feliz na pobreza, do mesmo modo Øarb pode-se ser infeliz na opulência. (O troféu, Armando Gonzaga, 1933) b. Pimenta: É boa! Querem todos ser dispensados das paradas! Agora é que o sargento anda passeando. Lá ficou o capitão à espera. Ficou espantado com o que eu lhe disse a respeito da música. Tem razão, que se souberem, Øarb podem-lhe dar com a demissão pelas ventas. Quem é? (O Judas em sábado de aleluia, Martins Pena, 1846) É possível observar a distribuição dos dados segundo a referência do sujeito ao longo do tempo na tabela e no gráfico abaixo: 65 Tabela 6: Referência do sujeito ao longo do tempo (modalidade epistêmica) Período Expletivo Arbitrário Definido Total Período I 1845-1846 Período II 1872-1883 Período III 1918-1920 Período IV 1933-1937 Período V 1955 Período VI 1975-1986 Período VII 1992 13 (22%) 4 (7%) 41 (71%) 58 (100%) 5 (7%) 9 (13%) 54 (80%) 68 (100%) 18 (23%) 8 (10%) 52 (67%) 78 (100%) 19 (28%) 9 (12%) 40 (59%) 68 (100%) 8 (19%) 4 (10%) 30 (71%) 42 (100%) 12 (17%) 3 (4%) 57 (79%) 72 (100%) 21 (25%) 2 (2%) 62 (73%) 85 (100%) 100% 80% 80% 20% 67% 71% 60% 40% 79% 59% 23% 22% 13% 7% 28% 19% 10% 12% III IV 10% 7% 0% I 73% 71% II expletivo arbitrário V 17% 25% 4% VI 2% VII definido Gráfico 3: Distribuição das estruturas para a expressão da modalidade epistêmica segundo a referência do sujeito ao longo do tempo Como é possível observar, a curva dos sujeitos de referência definida é a mais alta, variando entre 59% e 80%. Esperávamos que esse tipo de referência do sujeito fosse cada vez maior ao longo do tempo, pela preferência no PB por evitar sentenças impessoais. No entanto, o número de predicadores verbais com a estrutura inovadora “dar pra” nas últimas sincronias é bastante relevante, o que contribui para que haja índices consideráveis de sujeitos expletivos e para que o percentual de sujeitos definidos não seja ainda maior. Nos períodos V e VI, as alterações percentuais se devem (a) ao número reduzido de dados e (b) ao fato de parecer haver concorrência entre o “dar pra” e os outros verbos predicadores. Além dos sujeitos expletivos com a 66 construção “dar pra”, também há os casos de sujeitos expletivos com verbos auxiliares, em construções com o haver existencial, como em (12b) acima, o verbo ser indicando tempo, como em (12c), entre outros. 3.2.6 Os sujeitos de referência arbitrária Conforme exposto no capítulo 2, espero que as estratégias de indeterminação com a terceira pessoa do plural e o pronome se indefinido sejam mais utilizadas nas peças mais antigas e que as outras estratégias de indeterminação, sobretudo você e a gente sejam as mais recorrentes em peças mais recentes. Dos 39 dados de sujeito de referência arbitrária, 31 apresentam a construção com “se” genérico (incluindo o se nominativo e passivo), o equivalente a 79%, seguidos de 6 dados de 3ª. pessoa do plural, o que corresponde a 15%, apenas 1 dado da estratégia “você” e 1 dado da estratégia “a gente”, o que equivale a 3% cada, exemplificados, nessa ordem, em (15)(18): (15) a. Filipe: E essas dificuldades devem ter sido bem grandes; porque há quinze dias que o ministério está organizado, e ainda não se pôde achar um ministro para a Marinha. (Caiu o ministério, França Júnior, 1882) b. Bernardo: Deixar para amanhã?! Pois se estamos de pleno acôrdo sôbre as condições e o preço da venda, para, que deixar para amanhã? O que se pode fazer hoje, não se deixa para amanhã. (O simpático Jeremias, Gastão Tojeiro, 1918) (16) a. Faustino: Ah, com que o senhor capitão assusta-se, porque Øarb podem saber que mais de metade dos guardas da companhia pagam para a música!... E quer mandar-me para os Provisórios! Com que escreve cartas, desinquietando a uma filha-família, e quer atrapalhar-me com serviço? Muito bem! Cá tomarei nota. (O Judas em sábado de aleluia, Martins Pena, 1846) b. Capitão: Que o leve o demo! Mas procure-o bem até que o ache, para arrancar-lhe a carta. Øarb Podem-na achar, e isso não me convém. (O Judas em sábado de aleluia, Martins Pena, 1846) 67 (17) Nilson: Margareth fala como se a gente pudesse comprar a felicidade a quilo. (No coração do Brasil, Miguel Falabella, 1992) (18) Na verdade há um mundo de sensações a serem exploradas no corpo humano. Para excitar um parceiro você pode trabalhar com as mãos, os pés, os lábios e a língua. (Confidências de um espermatozoide careca, Carlos Eduardo Novaes, 1986) A tabela abaixo mostra a distribuição dessas estratégias ao longo do tempo: Tabela 7: Realizações dos sujeitos de referência arbitrária ao longo do tempo (modalidade epistêmica) Período Se 3ª.p.p A gente Você Total Período I 1845-1846 Período II 1872-1883 Período III 1918-1920 Período IV 1933-1937 Período V 1955 Período VI 1975-1986 Período VII 1992 1 (25%) 3 (75%) 0 (0%) 0 (0%) 4 (100%) 8 (89%) 1 (11%) 0 (0%) 0 (0%) 9 (100%) 7 (88%) 1 (12%) 0 (0%) 0 (0%) 8 (100%) 8 (89%) 1 (11%) 0 (0%) 0 (0%) 9 (100%) 4 (100%) 0 (0%) 0 (0%) 0 (0%) 4 (100%) 2 (67%) 0 (0%) 0 (0%) 1 (33%) 3 (100%) 1 (50%) 0 (0%) 1 (50%) 0 (0%) 2 (100%) Apesar do pequeno número de dados, fica evidente o desuso do “se” indefinido ao longo do tempo. Ao contrário do esperado, entretanto, encontrei apenas um dado com as estratégias “você” e “a gente”, nos períodos VI e VII. Como mostrarei a seguir, a grande concentração de dados revela sujeitos de referência definida. 3.2.7 Os sujeitos de referência definida Na análise desse grupo, reuni singular e plural, mas esclareço que o singular é amplamente superior aos sujeitos no plural. Apenas na terceira pessoa distingui, naturalmente, os sujeitos pronominais de SNs lexicais. Dos 336 dados de referência 68 definida, o tipo que se mostrou mais frequente foi o SN lexical, com 125 dados, seguido da 1ª pessoa, com 101 dados, dos sujeitos pronominais de 3ª pessoa, com 63 dados, e a 2ª pessoa, com 47 dados. Podemos ver em (19a,b) exemplos de 1ª pessoa (do singular e do plural), em (20) de 2ª pessoa (do singular e do plural); em (21) de 3ª pessoa (do singular e do plural) e, finalmente, em (22), os exemplos de SN lexical no singular e plural: (19) a. Rosa: Quando lhe dei eu a minha mão, Ø1ps poderia prever que ele seria um traidor? E vós, senhora, quando lhe désteis a vossa, que vos uníeis a um infame? (O noviço, Martins Pena, 1845) b. Filomena: Este inglês possui uma fortuna de mais de quinhentos contos, parece gostar de Beatriz... Se nós soubermos levá-lo, Ø1pp poderemos fazer a felicidade da menina. (Caiu o ministério, França Júnior, 1882) (20) a. Ismênia: É costume do Padre. Já já, pega. Você deve estar doida pra tomar um banho e trocar de roupa. Seu quarto é aquele. (Pigmaleoa, Millôr Fernandes, 1955) b. Margareth: Vocês podem falar o que quiserem. Eu vou no Pathé. A gente começa a melhorar de algum lugar. Não tem tantas histórias de artistas famosas que saíram do nada? (No coração do Brasil, Miguel Falabella, 1992) (21) a. Cristina: Ensino, ensino tudo, mas depois. Agora é melhor você ir que ele já deve estar chegando. Sai pela porta dos fundos. (A mulher integral, Carlos Eduardo Novaes, 1975) b. Domingos: Falei ontem com o seu tenente-coroné, sim sinhô, dei o recado de meu sinhô, e ele disse-me que havia de vir com sinhá Dona Perpétua e com sinhá moça Rosinha. Limoeiro: Já Ø3pp deviam estar cá. O rapaz não tarda. Retirem-se a seus postos. Hoje e amanhã não se pega na enxada. Exemplo de 3ª.pp (Como se fazia um deputado, França Júnior, 1882) 69 (22) a. Minha mãe deve estar tecendo uma análise, apavorada com o fato de eu gostar do peito da crioula e acabar na cama com um negão. (Como encher um biquíni selvagem, Miguel Falabella, 1992) b. Faustino: Então podem chover sobre mim os avisos, como chovia o maná no deserto! Não te deixarei um só instante. Quando for às paradas, irás comigo para me veres manobrar. (O Judas em sábado de aleluia, Martins Pena, 1846) A Tabela 8, a seguir, apresenta a distribuição dessas ocorrências de sujeitos de referência definida segundo a pessoa gramatical. Tabela 8: Distribuição dos sujeitos de referência definida ao longo do tempo (modalidade epistêmica) 5 Período 1ª pessoa 2ª pessoa 3ª pessoa SN5 Total Período I 1845-1846 Período II 1872-1883 Período III 1918-1920 Período IV 1933-1937 Período V 1955 Período VI 1975-1986 Período VII 1992 12 (29%) 2 (5%) 6 (15%) 21 (52%) 41 (100%) 18 (33%) 11 (20%) 9 (17%) 16 (30%) 54 (100%) 14 (27%) 7 (14%) 11 (21%) 20 (38%) 52 (100%) 15 (36%) 1 (3%) 2 (5%) 23 (56%) 41 (100%) 13 (45%) 3 (10%) 3 (10%) 10 (35%) 29 (100%) 9 (16%) 16 (28%) 14 (25%) 18 (31%) 57 (100%) 20 (32%) 7 (11%) 18 (29%) 17 (28%) 62 (100%) Ocorreram dois casos de sujeitos que fogem ao padrão SN lexical. Trata-se de um sujeito oracional posposto, representado por uma relativa livre e um sujeito representado por um demonstrativo modificado por uma relativa. São eles: (1) Maricota: Ora dize-me, quem compra muitos bilhetes de loteria não tem mais probabilidade de tirar a sorte grande do que aquele que só compra um? Não pode do mesmo modo, nessa loteria do casamento, [quem tem muitos amantes] ter mais probabilidade de tirar um para marido? (em vez de: [Quem tem muitos amantes] não pode do mesmo modo ter mais probabilidade de tirar um para marido, nessa loteria do casamento?) (O Judas em sábado de aleluia, Martins Pena, 1845) (2) Pimenta: Assim é, sr. capitão. [Os [que não pagam para a música]], devem sempre estar prontos. Alguns são muito remissos. (O Judas em sábado de aleluia, Martins Pena, 1845) 70 3.2.8 A forma de realização do sujeito A análise desse grupo tem grande valor para esta pesquisa. Acredito que a escolha do falante por determinadas estruturas para a expressão da modalidade está encaixada em uma mudança maior por que passa o PB no que diz respeito à marcação do PSN. Como visto em capítulo anterior, há uma tendência no PB ao preenchimento do sujeito e a evitar sentenças impessoais. Dessa forma, creio que, além da preferência por verbos auxiliares para expressão da modalidade, justamente por eles projetaram em geral uma posição de sujeito referencial, haverá, nesses casos, uma preferência pelo sujeito preenchido de referência definida nas últimas sincronias. A tabela a seguir leva em conta os dados de sujeitos da Tabela 8 acima, excluindo, naturalmente os sujeitos representados por um SN lexical. Vejamos a distribuição dos tipos de sujeitos de referência definida em relação à forma nula de expressão do sujeito ao longo do tempo: Tabela 9: A expressão dos sujeitos de referência definida referenciais nulos (vs plenos) ao longo do tempo (modalidade epistêmica) Período 1ª p. 2ª p. 3ª p. Período I 1845-1846 Período II 1872-1883 Período III 1918-1920 Período IV 1933-1937 Período V 1955 Período VI 1975-1986 Período VII 1992 9/12 (75%) 2/2 (100%) 3/6 (50%) 11/18 (61%) 10/11 (90%) 5/9 (55%) 12/14 (86%) 6/7 (86%) 10/11(90%) 11/15 (73%) 0/1 (0%) 2/2 (100%) 7/13 (54%) 1/3 (33%) 2/3 (67%) 5/9 (55%) 3/16 (19%) 8/14 (57%) 4/20 (20%) 1/7 (14%) 6/18 (33%) O Gráfico 4 a seguir nos permite observar a queda do sujeito nulo nas estruturas com sujeitos definidos: 71 100% 80% 100% 75% 90% 61% 90% 86% 50% 67% 73% 60% 40% 100% 54% 55% 57% 55% 33% 33% 20% 19% 0% 0% I II III 1ª p. IV 2ª p. V VI 20% 14% VII 3ª p. Gráfico 4: A realização dos sujeitos referenciais nulos (vs plenos) para a expressão da modalidade epistêmica ao longo do tempo Através análise da tabela e do gráfico acima, é possível confirmar a hipótese de que a tendência ao preenchimento do sujeito pronominal pode ser observada nas construções que expressam a modalidade epistêmica. Entretanto, é preciso destacar que apenas para a 1ª. pessoa temos um número mais expressivo de dados (101); além disso, estão bem distribuídos por período, apesar de o Período VI contar com apenas 9 dados. Essa melhor distribuição nos mostra uma curva descendente sem picos. Percebemos que os sujeitos são preferencialmente nulos até o período IV, alcançando índices de 75%, 61%, 86% e 73%, nessa ordem. Nos períodos V e VI, ainda que haja pouco mais de 50% de sujeitos nulos, notamos uma importante queda em comparação com os períodos anteriores, o que ocorre na análise de Duarte (1993) para tais sujeitos. No período VII, vemos claramente a preferência pelo preenchimento, com apenas 20% dos dados de sujeito nulo. Os exemplos em (23) mostram ilustram o sujeito de 1ª. pessoa nulo e pleno: (23) a. Maricota: Estou conhecida! Ø1ps Posso morrer solteira... Um marido é sempre um marido... Meu pai, farei a sua vontade. (O Judas em sábado de aleluia, Martins Pena, 1846) b. Margareth: Não interessa. Eu vou lá e pronto! Se o seu Oscar deixar, eu posso até vender na bomboniêre. (No coração do Brasil, Miguel Falabella, 1992) 72 A mesma tendência de queda de sujeitos nulos é observada na 2ª. pessoa, mas a distribuição dos dados é bastante irregular. Tal como em Duarte (2012b), podemos perceber que nos três primeiros períodos, os sujeitos são preferencialmente nulos, alcançando índices de 100%, 90% e 86%, respectivamente. No período IV, esse quadro muda: só há um caso de 2ª pessoa, que aparece preenchido. A partir desse momento, podemos ver a mesma direção da mudança do estudo de Duarte (1993), no qual a autora mostra que, motivado pela substituição do pronome “tu” por “você” na amostra analisada6 e a redução do paradigma flexional, o preenchimento do sujeito torna-se a forma mais natural para a sua identificação. Nos períodos V, VI e VII os índices de sujeito nulo são bem baixos, alcançando 33%, 19% e 14%, nessa ordem. Podemos visualizar os exemplos de sujeito de 2ª pessoa nulo e preenchido, respectivamente, em (24a-b): (24) a. Ambrósio: Que dúvida! E eu julgo que Ø2ps podes conciliar esses dous pontos, fazendo Emília professar em um convento. Sim, que seja freira. Não terás nesse caso de dar legítima alguma, apenas um insignificante dote - e farás ação meritória. (O noviço, Martins Pena, 1845) b. Ventura: É o diabo isso... Estou aqui sem um niquel... Você não tem aí algum? Carlos: Quanto quer você? Ventura: No minimo, o maximo que você possa me emprestar. (O hóspede do quarto nº 2, Armando Gonzaga, 1937) Em relação à 3ª. pessoa, o sujeito pronominal e o nulo estão em competição nos dois primeiros períodos. Nos períodos seguintes, há uma queda no apagamento, mas essa não é tão brusca. Nos períodos V e VI, por exemplo, ainda alcançam os índices razoáveis de 67% e 57%. No período VII, no entanto, fica evidente a preferência pelo sujeito preenchido, já que o percentual de sujeitos nulos é de 33% somente. É preciso destacar que nesta análise incluí casos em que um sujeito pronominal se encontra num contexto sintático que favorece o sujeito nulo e também 6 Nas peças analisadas por Duarte, quando o pronome tu reaparece, nos anos 1990, já se encontra em variação com você, ou seja, é usado com a forma verbal sem a desinência canônica <-s>. 73 aqueles em que seu antecedente tem outra função ou retoma dois SNs, favorecendo o sujeito preenchido, o que será visto posteriormente. Exemplos de sujeitos de 3ª pessoa pronominal nulo e preenchido, nessa ordem, podem ser vistos em (25) e (26). Observemos que, em sincronias mais antigas, o sujeito nulo ocorre mesmo com mais de um antecedente, como em (25c); o mesmo contexto estrutural leva ao preenchimento no último período (26b): (25) a. Basilio: Ah! É por isso que quando ele desaparece da estação dizem logo que Ø3ps deve estar na casa onde canta o sabiá... (Onde canta o sabiá, Gastão Tojeiro, 1920) b. Dilermando: Um envelope lacrado! Ø3ps Deve ser o testamento do Fagundes... (O troféu, Armando Gonzaga, 1933) c. Domingos: Falei ontem com o seu tenente-coroné, sim sinhô, dei o recado de meu sinhô, e ele disse-me que havia de vir com sinhá Dona Perpétua e com sinhá moça Rosinha. Limoeiro: Já Ø3pp deviam estar cá. O rapaz não tarda. Retirem-se a seus postos. Hoje e amanhã não se pega na enxada. (Como se fazia um deputado, França Júnior, 1882) (26) a. Neiva: Por mim, ele podia sumir que eu já nem ligava mais. O problema é a menina. Que é que eu vou fazer com a menina? (No coração do Brasil, Miguel Falabella, 1992) b. Magali: A Magda tá no Egito. Tá de férias. Férias não sei de quê. Mas tão lá, ela e o meu cunhado. Às vezes eu tenho inveja da Magda. Mas só às vezes, ouviu? Uma hora dessas, eles devem estar tirando fotografia de tudo quanto é jeito. (Como encher um biquíni selvagem, Miguel Falabella, 1992) Quanto aos diferentes contextos sintáticos em que o sujeito pronominal de 3ªp. pode estar, é possível analisar alguns deles através dos exemplos (27a,b), (28 a,b) e (29a,b) a seguir: 74 (27) a. Inácia: Mas é preciso que o esqueças. [Um mau brasileiro]. Não Ø3ps podia ser um bom marido... Peste! (Onde canta o sabiá, Gastão Tojeiro, 1920) b. Dolores: Vambora, Neiva, que uma hora dessas ônibus só de hora em hora. Bem que [o meu namorado]i podia ter aparecido pra me dar uma carona. Elei deve ter ficado preso. (No coração do Brasil, Miguel Falabella, 1992) Observando os dois exemplos em (27), vemos tendências diferentes – nos dois casos, o antecedente é o tópico no contexto precedente, mas o sujeito aparece nulo na peça de 1920 e expresso na de 1992. (28) a. Dolores: Mas que esse não é igual aos outros, não é mesmo! Bom, deixa eu sair de fininho que ele deve ‘tar me esperando lá nos fundos. Segura as pontas prá mim, tá? (No coração do Brasil, Miguel Falabella, 1992) b. De repente Ø3pp tornaram a balançar e desta vez ele devia ter penetrado numa zona de turbulência porque logo se acenderam as placas. (Confidências de um espermatozoide careca, Carlos Eduardo Novaes, 1986) Nos exemplos em (28), temos mudança de referência no sujeito da subordinada e da 2ª coordenada, o que em geral leva ao preenchimento. (29) a. Jeremias: Esqueça o escorregão que ela deu no passado, do qual, como sua homônima na Bíblia, Ø3ps deve estar sinceramente arrependida. (O simpático Jeremias, Gastão Tojeiro, 1918) b. Lise: Por exemplo, eu vi uma senhora entrando hoje, não sei onde ela está sentada, mas para mim, ela se chama Magali Santoro. Ela é gordinha e Ø3ps deve ter uns cinquenta anos. (Como encher um biquíni selvagem, Miguel Falabella, 1992) 75 Nos exemplos em (29), por sua vez, temos a manutenção da referência no sujeito da subordinada e da 2ª coordenada, o que em geral leva ao apagamento. O sujeito nulo na subordinada resiste nesse contexto inclusive na última sincronia, que tem preferência pelo preenchimento. A coordenadas com manutenção do referente podem ter sujeito nulo em línguas que não o admitem em outros contextos. Por fim, sabemos que uma amostra mais ampla permitiria uma análise mais refinada dos contextos que influenciam a expressão do sujeito de 3ª pessoa, embora a tendência ao seu preenchimento se confirme. 3.3 A análise da modalidade não-epistêmica 3.3.1 Distribuição geral das estratégias por tipo de modalidade não-epistêmica Das 1311 ocorrências encontradas, 839 expressam modalidade nãoepistêmica. Conforme visto na seção anterior, esse número de dados maior do que os que expressam modalidade epistêmica era esperado, pois há maior variedade de verbos auxiliares que expressam a modalidade não-epistêmica do que de verbos auxiliares que expressam modalidade epistêmica. Como visto no capítulo 2, neste estudo, baseando-nos em Neves (2006), consideramos que a modalidade nãoepistêmica pode subdividir-se em dois tipos: a) dinâmica; b) deôntica. Enquanto a primeira exprime as noções de capacidade/habilidade, a segunda exprime as noções de permissão ou obrigação, estando no eixo do dever, da conduta. Exemplos que ilustram a modalidade dinâmica, expressando capacidade/habilidade podem ser vistos em (30a,b), enquanto os que expressam a modalidade deôntica, exprimindo obrigação e permissão, respectivamente, podem ser vistos em (31a,b): (30) a. Bernardo: Ora! Tu não entendes disso. Ø2ps Podes, quando muito, entender de engenharia; mas de transações comerciais não pescas nada. E se eu fizer o negócio, terás 50 contos para ires gastá-los na Europa. (O simpático Jeremias, Gastão Tojeiro, 1918) 76 b. Nicolau: O caso não vai de zangar... Ouvir-te-ei, já que gritas. Sr. Bernardo, tenha a bondade de esperar um momento. Vamos lá, o que queres? E em duas palavras, se for possível. Fabiana: Em duas palavras? Aí vai: Ø1ps já não posso aturar meu genro e minha nora! (Quem casa, quer casa, Martins Pena, 1845) (31) a. Fabrino: Ô Elvidio, dispensa-me por um momento. Ø1ps Preciso ir lá dentro, mas não demoro. Fica à vontade. Está em tua casa... (Onde canta o sabiá, Gastão Tojeiro, 1920) b. Doroteia: Eu pensava que as mulheres não pudessem entrar sozinhas nos casinos. (O hóspede do quarto nº 2, Armando Gonzaga, 1937) A distribuição dos dados segundo o tipo de modalidade não-epistêmica pode ser vista na tabela abaixo: Tabela 10. Distribuição dos dados levantados segundo o tipo de modalidade não-epistêmica Modalidade Predicador verbal Predicador adjetival Verbo auxiliar Total Dinâmica 0 (0%) 0 (0%) 149 (100%) 149 (100%) Deôntica 6 (1%) 96 (14%) 588 (85%) 690 (100%) Analisando a Tabela 10, é possível ver que a modalidade dêontica é a mais frequente, já que, dos 839 dados de modalidade não-epistêmica, 690 expressam esse tipo, denotando permissão ou obrigação. Isso pode se dever à distribuição dos dados ou ao fato de os contextos discursivos-pragmáticos no gênero analisado favorecerem esse tipo de modalidade. Além disso, vemos que o verbo auxiliar é a estratégia preferida para veicular ambos os tipos de modalidade não-epistêmica. Além disso, o auxiliar poder é a única estratégia encontrada para expressão da modalidade dinâmica. Após essas considerações a respeito da modalidade não-epistêmica, em que se buscou distinguir e verificar o comportamento dos dois tipos citados por Palmer (1986) e Neves (2006), com o objetivo de fazer considerações mais gerais em relação 77 a esse tipo de modalidade em oposição à modalidade epistêmica, vista na seção anterior, farei uma análise dos resultados gerais da modalidade não-epistêmica, abarcando os dois tipos já mencionados. 3.3.2 As formas de expressão da modalidade não-epistêmica As diferentes estratégias para a expressão da modalidade - o predicador verbal, o predicador adjetival e o verbo auxiliar – se encontram, respectivamente, em (32), (33a,b) e (34a,b): (32) Neiva: Eu me viro. Mas não foi por causa do pé, não. Foi por causa daquilo. Margareth: Daquilo, o quê? Neiva: Daquilo, né, Margareth? Ah... não vou contar, não! Dolores: Se Øexpl não era [pra contar], porque começou? (No coração do Brasil, Miguel Falabella, 1992) (33) a. Henrique — Esquecer-te? Tu não me amas! Henriqueta — Já não te disse que o meu coração só pulsa por ti? Henrique — Então Øexpl é necessário [que esse inglês desapareça]. (O tipo brasileiro, França Júnior, 1872) b. Carlos: Não convém. Pode, por azar, Chegar aí a notícia de que o major morreu. Øexpl É preciso [que seja alguém que nunca tivesse existido]. (O noviço, Martins Pena, 1845) (34) a. Paulo: Ótimo. Minha mãe vai ficar alegríssima. Ø3ps Não pode ver nenhum parafuso fora da engrenagem da exploração do homem. (Um elefante no caos, Millôr Fernandes, 1955) b. Está sendo ótima a companhia de vocês por essa vida à fora, mas uma coisa Ø1ps não posso negar: tenho saudade daqueles tempos. A Tabela 11 mostra a distribuição desses três tipos de estruturas ao longo do tempo. Conforme mencionado na seção anterior, esta é a variável sociolinguística que 78 orienta esta pesquisa; vimos que os auxiliares predominam ao longo do tempo, mas, ainda assim, é possível observar um declínio no uso de predicadores adjetivais. Tabela 11: Formas de expressão da modalidade não-epistêmica ao longo do tempo Período Período I 1845-1846 Período II 1872-1883 Período III 1918-1920 Período IV 1933-1937 Período V 1955 Período VI 1975-1986 Período VII 1992 Predicador verbal Predicador adjetival Verbo auxiliar Total 0 (0%) 24 (23%) 80 (77%) 104 (100%) 0 (0%) 27 (28%) 71 (72%) 98 (100%) 0 (0%) 19 (14%) 118 (86%) 137 (100%) 0 (0%) 14 (16%) 75 (84%) 89 (100%) 0 (0%) 3 (2%) 124 (98%) 127 (100%) 4 (3%) 9 (7%) 119 (90%) 132 (100%) 2 (1%) 0 (0%) 150 (99%) 152 (100%) Dentre os 839 dados que veiculam a modalidade não-epistêmica, 737 dados são expressos por verbos auxiliares, o que equivale a 88%. Ao observarmos a distribuição pelos períodos, notamos um aumento considerável no número de verbos auxiliares e uma queda expressiva no número de predicadores adjetivais, em consonância com as minhas hipóteses. O Gráfico 5, a seguir, permite visualizar os resultados percentuais da Tabela 11 na linha do tempo: 120% 100% 98% 77% 72% 40% 23% 28% 20% 0% 0% 80% 86% 84% 14% 16% 0% 0% III IV 90% 99% 60% 0% I II pred. verbal pred. adjetival 7% 2% 0% V 3% VI auxiliar Gráfico 5. A trajetória das estratégias para a expressão da modalidade não-epistêmica ao longo do tempo 1% VII 0% 79 De acordo com o esperado, as frequências de uso dos verbos auxiliares são muito altas em todos os períodos: nota-se, entretanto significativo aumento, de 77% a 99%, na última sincronia. Os predicadores adjetivais, por sua vez, alcançam índices razoáveis principalmente nas duas primeiras sincronias (23% e 28%, respectivamente), porém sofrem uma queda significativa ao longo do tempo, chegando a 2%, 7% e 0% nos períodos V, VI e VII, respectivamente. Quanto aos predicadores verbais, diferentemente do que ocorreu na modalidade epistêmica, em que podemos perceber o uso desse tipo de estratégia nas primeiras sincronias, não encontramos dados entre os períodos I e V. Nos períodos VI e VII, contudo, temos a presença de 6 dados, 4 no período VI e 2 no período VII, o que corresponde aos percentuais 3% e 1%, respectivamente. Esses dados, em consonância com os encontrados nos mesmos períodos para a expressão modalidade epistêmica, também tratam de uma estrutura inovadora e não dos predicadores verbais tradicionais, como cumprir e urgir, completamente ausentes na minha amostra, como veremos na subseção a seguir. Em consonância com minhas hipóteses, o uso predominante dos verbos auxiliares se justifica pelo fato de esse tipo de estrutura poder projetar uma posição de sujeito referencial, enquanto as outras duas estruturas projetam uma posição de sujeito não-referencial. Como já mencionado na seção anterior, a preferência por sujeitos referenciais no PB está ligada a uma mudança maior por que passa a nossa língua, a mudança na marcação do valor do Parâmetro do Sujeito Nulo (PSN). No entanto, ao me deparar com altos índices de verbos auxiliares desde as primeiras sincronias também para expressão da modalidade não-epistêmica, não posso deixar de constatar que a preferência pelos auxiliares, pelo menos num gênero presumivelmente mais próximo da fala, é anterior à segunda metade do século XIX. 3.3.3 O predicador verbal A análise nos revelou que os 6 dados de expressão da modalidade nãoepistêmica através de verbos predicadores, o equivalente a apenas 1% do total de dados, foram todos expressos pela estrutura inovadora, que consiste no uso do verbo “ser” seguido de uma oração reduzida de infinitivo regida de preposição, aqui referida como “ser pra”. Podemos ver exemplos desse tipo de predicador em (35a,b): 80 (35) a. Cristina: Abrir a porta do carro? Sabe a última vez que você abriu? Armando: Não. Cristina: No dia do nosso casamento. Armando: Teve ainda uma outra vez. Cristina: Teve, mas Øexpl não foi [pra eu entrar.] Øexpl Foi [pra sair]. Você me botou pra fora do carro. (A mulher integral, Carlos Eduardo Novaes, 1975) b. Nilson: Uma hora dessas Øexpl era [pra ela já estar aqui]. (No coração do Brasil, Miguel Falabella, 1992) Lembro novamente que não se pode pensar numa expressão gramaticalizada porque é possível mover o sujeito da subordinada para a posição do expletivo na oração principal (Uma hora dessas elai era [pra pra [t]i já estar aqui]). Tenho, portanto, evidências de que se trata de duas orações. 3.3.4 Tipos de predicador adjetival Encontrei 96 dados de expressão da modalidade não-epistêmica através de predicadores adjetivais, o que corresponde a 11% dos dados. Destes, 89 foram expressos pelo predicador adjetival preciso, como em (36a,b), o equivalente a 93%, e 7 pelo predicador necessário, o correspondente a 7%, como em (37a,b): (36) a. Maricota: Oh, que tola! Pois Øexpl é preciso [conhecer-se a pessoa a quem se namora]? (O Judas em sábado de aleluia, Martins Pena, 1846) b. Rosa, por favor, eu posso explicar tudo. Vamos pra casa que eu explico. Acho que estou doente. Paulo, me ajude. Seja sensato. É uma casa. Uma casa como as outras. Aceite. Øexpl É preciso [ter uma casa, seja de que jeito for]. Rosa, diga-lhe que aceite. Não estou querendo comprá-los, não. Aceite... (Um elefante no caos, Millôr Fernandes, 1955) 81 (37) a. Julia: Claro, muitos dos problemas conjugais são hereditários. Quanto aos seus antecedentes, precisamos saber se a senhora nunca tentou esfaquear seu marido, queimá-lo com ferro elétrico, jogá-lo pela janela. Øexpl É necessário também [que a senhora preencha um formulário respondendo sobre a sua vida sexual]. (A mulher integral, Carlos Eduardo Novaes, 1975) b. Otávio: Øexpl É necessário [que o senhor se lembre, meu pai, que a jazida do Rio Pequeno não lhe pertence]. (O simpático Jeremias, Gastão Tojeiro, 1918) A Tabela 12 mostra a distribuição desses predicadores adjetivais ao longo do tempo: Tabela 12: Tipos de predicadores adjetivais para a expressão da modalidade não-epistêmica ao longo do tempo Período Período I 1845-1846 Período II 1872-1883 Período III 1918-1920 Período IV 1933-1937 Período V 1955 Período VI 1975-1986 Período VII 1992 Preciso Necessário Total 24 (100%) 0 (0%) 24 (100%) 25 (93%) 2 (7%) 27 (100%) 15 (79%) 4 (21%) 19 (100%) 14 (100%) 0 (0%) 14 (100%) 3 (100%) 0 (0%) 3 (100%) 8 (89%) 1 (11%) 9 (100%) 0 (0%) 0 (0%) 0 (100%) O predicador adjetival preciso foi o mais produtivo na amostra analisada. Mesmo assim, em conformidade com as minhas hipóteses, houve uma queda relevante em seu uso ao longo do tempo. Conforme já visto, isso pode se dever ao fato de as estruturas com predicadores adjetivais, assim como as com predicadores verbais, não projetarem posição de sujeito referencial, o que possivelmente justifica essa diminuição, dado que, como já mencionado, há uma tendência no PB a evitar sentenças impessoais. 82 3.3.5 Tipos de verbo auxiliar Através desse grupo, posso averiguar quais verbos auxiliares são mais empregados e como eles se comportam ao longo do tempo. Como visto na seção anterior, os verbos auxiliares modais poder e dever podem expressar modalidade epistêmica e modalidade não-epistêmica. Além desses verbos, que, no caso da modalidade em questão, podem denotar permissão ou capacidade e obrigação, respectivamente, há outros responsáveis por expressá-la, como ter que/ter de, precisar e necessitar, todos veiculando a noção de obrigação. É possível ver exemplos do verbo poder em (38a,b), de dever em (39a,b), de ter que em (40a,b), de precisar em (41a,b) e de necessitar em (42)7: (38) a. Eduardo: Foi um grande mestre da rabeca... Mas aí, que estou a parolar contigo, deixando a trovoada engrossar. Minha mulher está lá dentro com a mãe, e os mexericos fervem... Não tarda muito que as veja em cima de mim. Só tu podes desviar a tempestade e dar-me tempo para acabar de compor o meu tremulório... (Quem casa, quer casa, Martins Pena, 1845) b. Quando cheguei papai estava embarcado num submarino, combatendo os alemães lá no Nordeste. Ele positivamente não seguia aquele preceito hippie... Fazia o amor e a guerra também. Achei ótimo, assim Ø1ps pude dormir com a mamãe na cama de casal. (Confidências de um espermatozoide careca, Carlos Eduardo Novaes, 1986) (39) a. Cristina: Direção errada? E qual era a direção então? Por que você não botou umas placas aí pra mim saber qual era a direção? Que caminho eu deveria tomar para chegar ao seu coração, se é que você tem. (A mulher integral, Carlos Eduardo Novaes, 1975) b. Maria: Não pense, sargento. Os bravos centuriões do fogo não devem pensar. Aja, sargento, aja. (Um elefante no caos, Millôr Fernandes, 1955) 7 Os verbos precisar e necessitar tem claramente o comportamento de auxiliares nessas estruturas. 83 (40) a. Ismênia: O mal de sua geração é esse: não distingue o que é divino do que é infernal. Minha profissão é chata como qualquer outra. E ainda Ø 1ps tenho que jantar três vezes por noite. Pelo menos fingir. (Pigmaleoa, Millôr Fernandes, 1955) b. Inácia: Quem lhe está perguntando alguma coisa? A senhora tem que perder esse costume de se meter na conversa dos outros! (Onde canta o sabiá, Gastão Tojeiro, 1920) (41) a. Dulce: Não, eu entendo, eu entendo. Mas a senhora precisa entender que a solidão não é uma exclusividade sua. A senhora precisa sair mais, conhecer gente nova! (Como encher um biquíni selvagem, Miguel Falabella, 1992) b. Doroteia: Bem. Não precisa o senhor se emocionar tanto. Si a cousa é assim, está tudo explicado. (O hóspede do quarto nº 2, Armando Gonzaga, 1937) (42) Ernani: Quem sabe se eu sou criado do ministro para ficar à espera até a hora que ele resolver chegar? Virginia: Mas você não necessita arranjar um emprego? (Onde canta o sabiá, Gastão Tojeiro, 1920) A tabela e o gráfico a seguir apresentam a distribuição desses verbos ao longo do tempo: 84 Tabela 13: Tipos de verbos auxiliares para a expressão da modalidade não-epistêmica ao longo do tempo Período Poder Dever Ter que/ Ter de Precisar Necessitar Total Período I 1845-1846 51 (63%) 16 (20%) 10 (13%) 3 (4%) 0 (0%) 80 (100%) Período II 1872-1883 36 (51%) 21 (30%) 8 (11%) 6 (8%) 0 (0%) 71 (100%) Período III 1918-1920 69 (59%) 12 (10%) 19 (16%) 17 (14%) 1 (1%) 118 (100%) Período IV 1933-1937 30 (40%) 24 (32%) 9 (12%) 12 (16%) 0 (0%) 75(100%) Período V 1955 69 (55%) 12 (10%) 31 (25%) 12 (10%) 0 (0%) 124 (100%) Período VI 1975-1986 40 (34%) 17 (14%) 35 (29%) 27 (23%) 0 (0%) 119 (100%) Período VII 1992 48 (32%) 21 (14%) 58 (39%) 23 (15%) 0 (0%) 150 (100%) A representação dessa distribuição no gráfico 6 a seguir permite uma melhor observação da evolução no uso dos auxiliares, excetuando a única ocorrência de necessitar: 100% 80% 63% 51% 60% 59% 55% 40% 30% 40% 32% 20% 20% 11% 13% 0% 4% I 8% II Poder 16% 16% 10% 34% 25% 14% III Dever 29% 23% 39% 32% 15% 12% 10% 14% 14% IV V VI VII Ter que/ Ter de Precisar Gráfico 6. A trajetória dos verbos poder, dever, ter que/ter de e precisar para a expressão da modalidade não-epistêmica ao longo do tempo É possível notar que, para a expressão da modalidade não-epistêmica, o verbo poder se mostra predominante até o período V, com índices de 63%, 61%, 59%, 40% e 55%, respectivamente. Nos períodos VI e VII, começa a declinar, chegando a 32% 85 nos anos 1990 (Período VII). O auxiliar ter de/que, sai de discreto índice de 13% e alcança 39%, superando, ainda que levemente, o uso de dever. Pode-se supor que essa competição levará à vitória de ter que (já atestada na fala espontânea). Quanto ao uso do auxiliar precisar, nota-se um uso marginal ao longo do tempo. 3.3.6 A referência do sujeito A referência do sujeito tem grande importância para esta pesquisa. Distinguimos o sujeito expletivo (sem referência) dos referenciais (que incluem a referência definida e a arbitrária), conforme já visto. Dentre os 839 dados, apenas 108 contêm sujeitos expletivos (12,5%) e 734 são referenciais (87,5%). Entre os dados de sujeito referencial estão os de referência definida, cujo número de ocorrências foi 693 (94%) e os de referência arbitrária, que totalizaram 41 dados (6%). É válido destacar, no entanto, que essas três referências do sujeito (expletivos, de referência arbitrária e de referência definida) não estão em variação, embora o tipo de modalidade que as estruturas em que se encontram estejam. Exemplos de sujeitos expletivos podem ser vistos em (43a,b), definidos em (44a,b) e arbitrários em (45a,b): (43) a. Maria: Ah, seu José, Dona Maria. A que horas o senhor vai ligar água hoje, hein, seu José? (...) Só? Então é senhor manda me avisar, sim? Obrigada, pro senhor também. A vida é breve. Øexp É preciso [não parar de falar]. Se paro, quem dirá que poderei falar de novo? (Um elefante no caos, Millôr Fernandes, 1955) b. Ventura: Então Øexp não póde haver mais duvida. Tiburcio: Não póde mais haver dvida de que? Ventura: De que o senhor é mesmo meu pai. (O hóspede do quarto nº 2, Armando Gonzaga, 1937) (44) a. Júlia: Acredite ou não, Ø1ps não posso ver uma coisa de valor sem ter vontade de roubá-la. Faço com tal naturalidade que ninguém percebe. Vê esse relógio; eu e Evandro procuramos por toda a casa. Escondi sem saber onde. (Pigmaleoa, Millôr Fernandes, 1955) 86 b. Inácia: Você precisa empregar-se. Isso não é vida! Está um homem feito, com vinte anos, e não tem um emprego. (Onde canta o sabiá, Gastão Tojeiro, 1920) (45) a. Henrique: Eu não pode fumar que cigarros de Havana. Teodoro: Está como eu. Este é magnífico! Não sei como Øarb se possa tragar charutos daqui. (O tipo brasileiro, França Júnior, 1872) b. Um médico americano já disse que vivemos na era espacial mas deixamos nossos órgãos sexuais na idade da pedra. Øarb Precisamos falar sobre sexo abertamente, como discutimos política ou futebol. (Confidências de um espermatozoide careca, Carlos Eduardo Novaes, 1986) Podemos verificar a distribuição dos dados segundo a referência do sujeito ao longo do tempo na tabela e no gráfico abaixo: Tabela 14: Referência do sujeito ao longo do tempo (modalidade não-epistêmica) Período Período I 1845-1846 Período II 1872-1883 Período III 1918-1920 Período IV 1933-1937 Período V 1955 Período VI 1975-1986 Período VII 1992 Expletivo Arbitrário Definido Total 24 (23%) 3 (3%) 77 (74%) 104 (100%) 27 (28%) 7 (7%) 64 (65%) 98 (100%) 20 (14%) 5 (4%) 112 (82%) 137 (100%) 16 (18%) 5 (6%) 68(76%) 89 (100%) 3 (2%) 5 (3%) 120 (95%) 128 (100%) 13 (10%) 6 (6%) 112 (84%) 131 (100%) 2 (1%) 10 (7%) 140 (92%) 152 (100%) 87 95% 100% 80% 82% 74% 92% 76% 84% 65% 60% 40% 20% 23% 3% 28% 7% 18% 14% 6% 4% 3% 0% I II III expletivo IV arbitrário V 2% 10% 7% 6% VI VII 1% definido Gráfico 7: Distribuição das estruturas para a expressão da modalidade não-epistêmica segundo a referência do sujeito ao longo do tempo Conforme é possível perceber, a curva dos sujeitos de referência definida é a mais alta, variando entre 74% e 92%, o que confirma a hipótese de que esse tipo de referência do sujeito seria cada vez maior ao longo do tempo, pela preferência no PB por evitar sentenças impessoais, foi confirmada. Além disso, vemos que os sujeitos sem referência (ou expletivos), presentes em estruturas com predicadores verbais e adjetivais ou com verbos auxiliares ligados a verbos impessoais, também como o esperado, diminuíram consideravelmente ao longo do tempo, passando de 23% no período I para apenas 1% no período VII. Os dois dados de sujeito expletivo desse período tratam justamente das construções com a estrutura inovadora “ser pra”, que se mostra menos produtiva nesta amostra do que a construção inovadora para a expressão da modalidade epistêmica “dar pra”. 3.3.7 Os sujeitos de referência arbitrária Como mencionado no capítulo 2 e na seção anterior, esperamos que as estratégias de indeterminação com a terceira pessoa do plural e o pronome se indefinido sejam mais utilizadas nas peças mais antigas e que as outras estratégias de indeterminação, sobretudo você e a gente sejam as mais recorrentes em peças mais recentes. Dos 41 dados de sujeito de referência arbitrária, 17 apresentam a construção com “se” indefinido (incluindo o se nominativo e passivo), o equivalente a 42%, seguidos de 8 dados de 1ª. pessoa do plural (20%), de 7 dados da estratégia “a gente” (17%), de 5 dados da estratégia “você” (12%), de 3 dados da estratégia “zero” 88 (7%) e de 1 dado de 3ªp. do plural, como podemos visualizar, nessa ordem, em (46)(51): (46) a. Corina: Você sempre diz que não se deve pensar no que passou, mas sim no que há de vir. E afinal não segue seu próprio conselho... .(O troféu, Armando Gonzaga, 1933) b. Mr. James: Mim quer privilegia para introduzir minha sistema em Brasil, e estabelecer primeira linha em Corcovada, com todas as favores de lei de Brasil para empresa de caminha de ferro. Brito: Mas o cachorro não está ainda classificado como motor na nossa legislação de caminhos de ferro. . . Dr. Monteirinho: Neste caso deve levar-se a questão ao poder legislativo. (Caiu o ministério, França Júnior, 1882) (47) a. Custódio: Em nome da paz da freguesia, em nome de meus concidadãos, em nome da nossa honra, em nome da tranqüilidade pública, Øarb devemos respeitar o direito do cidadão. (Como se fazia um deputado, França Júnior, 1882) b. Paulo: Mamãe, tudo se faz. Øarb Não podemos ficar muito presos a uma moral só. Øarb Temos de experimentar várias. Pragmatismo, mãezinha. (Um elefante no caos, Millôr Fernandes, 1955) (48) a. Evandro: Só uma coisa ficou faltando na história: a mensagem. Ismênia: Neste mundo não há felicidade. Portanto a gente tem que ser feliz assim mesmo. (Pigmaleoa, Millôr Fernandes, 1955) b. Margareth: Desde quando a gente precisa saber escrever prá vender bala? (No coração do Brasil, Miguel Falabella, 1992) 89 (49) a. Quase todo mundo sente um arrepio com uma linguazinha no ouvido. Mas é preciso saber usá-la nas cavidades auriculares. Você não pode ir enfiando a língua de qualquer maneira. (Confidências de um espermatozoide careca, Carlos Eduardo Novaes, 1986) b. Melanie: Tem uma outra técnica, que é muito usada, hoje em dia. O segredo é não se importar. Se você não se importar, você acaba dormindo, mas você precisa não se importar de verdade. (No coração do Brasil, Miguel Falabella, 1992) (50) Vocês não sabem o que é preciso para botar um bloco na rua, um bloquinho de carnaval? Øarb Precisa juntar mais papel que pra aquisição da casa própria. (Confidências de um espermatozoide careca, Carlos Eduardo Novaes, 1986) (51) Holly: Há anos que aqueles anões horrorosos vêm atirando madrastas do penhasco. Eles deveriam ensinar amor às crianças. Já tem ódio demais no mundo! (No coração do Brasil, Miguel Falabella, 1992) A tabela abaixo mostra a distribuição dessas estratégias ao longo do tempo: Tabela 15: Distribuição dos sujeitos de referência arbitrária ao longo do tempo (modalidade não-epistêmica) Período Se 1ª.p.p A gente Você Zero 3ª.p.p Total Período I 1845-1846 Período II 1872-1883 Período III 1918-1920 Período IV 1933-1937 Período V 1955 Período VI 1975-1986 Período VII 1992 3 (100%) 0 (0%) 0 (0%) 0 (0%) 0 (0%) 0 (0%) 3 (100%) 6 (86%) 1 (14%) 0 (0%) 0 (0%) 0 (0%) 0 (0%) 7 (100%) 1 (20%) 2 (40%) 2 (40%) 0 (0%) 0 (0%) 0 (0%) 5 (100%) 6 (100%) 0 (0%) 0 (0%) 0 (0%) 0 (0%) 0 (0%) 6 (100%) 1 (20%) 3 (60%) 1 (20%) 0 (0%) 0 (0%) 0 (0%) 5 (100%) 0 (0%) 2 (33%) 0 (0%) 3 (50%) 1 (17%) 0 (0%) 6 (100%) 0 (0%) 0 (0%) 4 (45%) 2 (22%) 2 (22%) 1 (11%) 9 (100%) 90 Ainda que haja um número pequeno de dados, assim como para a expressão da modalidade epistêmica, fica evidente o desuso do “se” indefinido, que não aparece nos dois últimos períodos, e da 3ª. pessoa do plural (embora esta continue a ser uma forma de indeterminação muito produtiva no português contemporâneo). Conforme o esperado, nas últimas sincronias, é possível perceber outras estratégias de indeterminação que entram no lugar dessas formas mais conservadoras, como a 1ªp. pessoa do plural e as estratégias “a gente” e “você”. Como mencionado na seção anterior, esse número pequeno de dados mostra, naturalmente, que a grande concentração de dados é de sujeitos com referência definida. 3.3.8 Os sujeitos de referência definida Assim como na análise da modalidade epistêmica, nesse grupo, reuni singular e plural, no entanto, o número de dados com sujeito no singular é largamente superior aos dados com sujeito no plural. Apenas na terceira pessoa distingui os sujeitos pronominais de SNs lexicais. Dos 693 dados de referência definida, o tipo que se mostrou mais frequente foi a 1ª pessoa, com 329 dados, o correspondente a 47%, seguido da 2ª pessoa, com 191 dados (28%), dos SNs lexicais, com 110 dados (16%) e a 3ª pessoa pronominal, com 63 dados (9%). Temos em (52a,b) exemplos de 1ª pessoa (do singular e do plural), em (53a,b) de 2ª pessoa (do singular e do plural); em (54a,b) de 3ª pessoa (do singular e do plural) e, em (55a,b), os exemplos de SN lexical no singular e plural: (52) a. Artur: Vou “fazer força” junto dela. Ao mesmo tempo, Ø1ps preciso livrar- me do pai, que já deve andar a minha procura. (O simpático Jeremias, Gastão Tojeiro, 1918) b. Menelau: Fóra daí, não sei o que aconteceraá. Ou melhor, sei perfeitamente o que vai acontecer. Ø1pp Teremos de entregar a nossa casinha ao bandido do Zacharias e passar a outra de aluguel, que não sei onde nem como iremos arranjar. (O troféu, Armando Gonzaga, 1933) 91 (53) a. Jorge: Sinto o trabalho que tiveram... E como não é mais preciso, Ø2ps podem-se retirar. (O noviço, Martins Pena, 1845) b. Ernani: Hum! Parece-me que essa coisa de ensaiar a tal Serenata, não passa de um pretexto que vocês arranjaram para Ø2pp poderem conversarem à vontade. (Onde canta o sabiá, Gastão Tojeiro, 1920) (54) a. Arminda: Estou abismada! Menelau: E eu zonzo. Mas isso não póde ficar assim. Ela tem que aceitar de qualquer forma. (O troféu, Armando Gonzaga, 1933) b. Jamais a mente humana imaginou que aqueles três, com cara de santo, pudessem fazer tanta porcaria. (Confidências de um espermatozoide careca, Carlos Eduardo Novaes, 1986) (55) a. Sabino: Que ela, que ela é desaver... desavergonhada... eu bem sei, sei muito bem... e cá sinto, e cá sinto... mas em aten... em aten... em atenção a mim... minha mãe... minha mãe devia ceder... (Quem casa, quer casa, Martins Pena, 1845) b. Espíquer: Atenção! Atenção! Com a decretação da Lei Marcial, às treze horas e dezoito minutos de hoje, todos os elementos terroristas do país estão sujeitos à pena de morte. Todas as pessoas pogonóforas, isto é, com barba na cara, que não pertencerem ao Partido Terrorista, devem raspá-la imediatamente para evitar equívocos fatais. (Um elefante no caos, Millôr Fernandes, 1955) A Tabela 16, a seguir, apresenta a distribuição dessas ocorrências de sujeitos de referência definida segundo a pessoa gramatical. 92 Tabela 16: Distribuição dos sujeitos de referência definida ao longo do tempo (modalidade não-epistêmica) Período 1ª pessoa 2ª pessoa 3ª pessoa SN8 Total Período I 37 (48%) 21 (27%) 5 (7%) 14 (18%) 77 (100%) Período II 32 (50%) 13 (20%) 4 (6%) 15 (24%) 64 (100%) Período III 59 (53%) 34 (30%) 6 (5%) 13 (12%) 112 (100%) Período IV 30 (45%) 17 (25%) 3 (5%) 17 (25%) 67 (100%) Período V 63 (52%) 33 (28%) 10 (8%) 14 (12%) 120 (100%) Período VI 45 (40%) 32 (29%) 19 (17%) 16 (14%) 112 (100%) Período VII 63 (45%) 41 (29%) 16 (11%) 21 (15%) 141 (100%) 3.3.9 A forma de realização do sujeito Como visto no capítulo e nas seções anteriores, há uma tendência no PB ao preenchimento do sujeito. Assim, acredito que, além da preferência por verbos auxiliares para expressão da modalidade, justamente por eles projetaram, em geral, uma posição de sujeito referencial, haverá, nesses casos, uma preferência pelo sujeito preenchido de referência definida nas últimas sincronias. A tabela a seguir leva em conta os dados de sujeitos da Tabela 16 acima, excluindo os sujeitos representados por um SN lexical, por serem categoricamente expressos, e os sujeitos de construções com imperativo, por serem categoricamente nulos. Vejamos a distribuição dos tipos de sujeitos de referência definida em relação à realização dos sujeitos pronominais ao longo do tempo: 8 Assim como na análise da modalidade epistêmica, ocorreu um caso de sujeito representado por uma relativa livre: (3) Elvídio: Certamente. Só pode gostar disto [quem não conhece a Europa com toda a sua requintada civilização]. (Onde canta o sabiá, Gastão Tojeiro, 1920) 93 Tabela 17: A expressão dos sujeitos de referência definida nulos (vs plenos) ao longo do tempo (modalidade não-epistêmica) Período 1ª p. 2ª p. 3ª p. Período I 26/37 (70%) 11/12 (92%) 4/5 (80%) Período II 20/32 (63%) 11/11 (100%) 3/4 (75%) Período III 51/59 (86%) 17/26 (65%) 6/6 (100%) Período IV 20/30 (67%) 3/11 (27%) 1/3 (33%) Período V 41/63 (65%) 11/19 (58%) 7/10 (70%) Período VI 23/45 (51%) 5/29 (17%) 15/19 (79%) Período VII 14/63 (22%) 9/30 (30%) 9/16 (56%) O Gráfico 8 a seguir nos permite observar a queda do sujeito nulo nas estruturas com sujeitos definidos: 100% 80% 60% 92% 80% 70% 100% 75% 100% 86% 79% 67% 70% 65% 63% 65% 33% 40% 58% 56% 30% 17% 27% 20% 51% 22% 0% I II III 1ª p. IV 2ª p. V VI VII 3ª p. Gráfico 8: A realização dos sujeitos referenciais nulos (vs plenos) para a expressão da modalidade não-epistêmica ao longo do tempo Através da análise da tabela e do gráfico acima, é possível confirmar a tendência ao preenchimento do sujeito pronominal nas construções que expressam a modalidade não-epistêmica. Contudo, é preciso destacar que apenas para a 1ª. pessoa temos um número mais expressivo de dados (329). Assim como na análise da 94 modalidade epistêmica, essa melhor distribuição nos mostra uma curva descendente. É possível perceber que os sujeitos são preferencialmente nulos até o período V, alcançando índices de 70%, 63%, 86%, 67% e 65%, nessa ordem. Nos períodos VI, ainda que haja 51% de sujeitos nulos, notamos uma importante queda em comparação com os períodos anteriores, o que, como já mencionado, ocorre na análise de Duarte (1993) para tais sujeitos. No período VII, vemos claramente a preferência pelo preenchimento, com apenas 22% dos dados de sujeito nulo. Os exemplos em (56a,b) mostram ilustram o sujeito de 1ª. pessoa nulo e pleno: (56) a. Ritinha: E já está na hora de irmos para o circo. Justino: É verdade: Ø1pp temos que ir ver o desequilibrado do Ernani. (Onde canta o sabiá, Gastão Tojeiro, 1920) b. Glicério: É o que resta como? Eu tenho que dar satisfação desse dinheiro. Você tem de prestar contas a mim. (Um elefante no caos, Millôr Fernandes, 1955) A mesma tendência de queda de sujeitos nulos é observada na 2ª. pessoa, mas precisamos destacar que sua frequência é bem menor. Tal como em Duarte (2012b) e na análise da expressão da modalidade epistêmica, podemos perceber que nos três primeiros períodos, os sujeitos são preferencialmente nulos, alcançando índices de 92%, 100% e 65%, respectivamente. No período IV, esse quadro muda, apenas 27% dos dados são nulos. É possível ver, a partir desse momento, com exceção do período V, a mesma direção da mudança do estudo de Duarte (1993), no qual a autora mostra que, motivado pela substituição do pronome “tu” por “você” na amostra analisada9 com a consequente redução do paradigma flexional, o preenchimento do sujeito torna-se a forma preferencial para a sua identificação. Nos períodos VI e VII os índices de sujeito nulo são bem baixos, alcançando 17% e 30%, nessa ordem. Podemos visualizar os exemplos de sujeito de 2ª pessoa nulo e preenchido, respectivamente, em (57a,b): 9 Nas peças analisadas por Duarte, quando o pronome tu reaparece, nos anos 1990, já se encontra em variação com você, ou seja, é usado com a forma verbal sem a desinência canônica <-s>. 95 (57) a. Fabrino: Ø2ps Precisas voltar imediatamente para o teu Paris. (Onde canta o sabiá, Gastão Tojeiro, 1920) b. Julia: A sua primeira experiência Cristina, é despertar o seu corpo para leválo a um grande desempenho. Assim como os ginastas, nadadores, atletas. Você tem que ser uma atleta do amor. (A mulher integral, Carlos Eduardo Novaes, 1975) Em relação à 3ª. pessoa, diferentemente do que foi encontrado na análise da modalidade epistêmica, o sujeito pronominal e o nulo não se mostram em grande competição. Além da má distribuição dos dados, sei que, como destaca Duarte (2012b), a 3ª. pessoa é a que se mostra mais resistente à mudança. Nos três primeiros períodos, notamos a preferência pelo sujeito nulo, que alcança 80%, 76%, 100%, respectivamente. No período IV, há apenas três dados, e dois deles aparecem expressos – mas usar percentuais para um conjunto tão pequeno nos levaria a uma interpretação equivocada. Nos períodos V e VI, os sujeitos nulos ainda alcançam índices bem altos de 67% e 57%. No período VII, no entanto, apesar de o sujeito nulo ser predominante, a tendência ao preenchimento se mostra mais evidente, já que há uma queda considerável no número de sujeitos nulos, que passam de 80% no período I para 56% no período VII. Devo destacar que nesta análise incluí casos em que um sujeito pronominal se encontra num contexto sintático que favorece o sujeito nulo e também aqueles em que seu antecedente tem outra função ou retoma dois SNs, favorecendo o sujeito preenchido, o que será visto posteriormente. Exemplos de sujeitos de 3ª pessoa pronominal nulo e preenchido, nessa ordem, podem ser vistos em (58a,b). (58) a. Paulo: Ótimo. Minha mãe vai ficar alegríssima. Ø3ps Não pode ver nenhum parafuso fora da engrenagem da exploração do homem. (Um elefante no caos, Millôr Fernandes, 1955) b. Melanie: Elai agride a crioula. As duas brigam que nem cão e gato. E eu digo que elai tem que respeitar o seio que me amamentou. (Como encher um biquíni selvagem, Miguel Falabella, 1992) 96 Em relação aos diferentes contextos sintáticos em que o sujeito pronominal de 3ªp. pode estar, podemos ver alguns deles através dos exemplos (59a,b), (60 a,b) e (61a,b) a seguir: (59) a. Estei nasceu para poeta ou escritor, com uma imaginação fogosa e independente, capaz de grandes cousas, Ø3ps i mas não pode seguir a sua inclinação, porque poetas e escritores morrem de miséria, no Brasil... (O noviço, Martins Pena, 1845) b. Arnaldo: Desculpe. Achei que era uma amiga minha. Onde é que todo mundo se meteu? Mariza? Abílio? Patrícia? Guto? Claudinho? Jane, cadê você? Analice? Vítor? Beth? Cadê a Beth, meu Deus? E a Karlai? Elai tem que estar por aqui, em algum lugar. (Como encher um biquíni selvagem, Miguel Falabella, 1992) Observando os dois exemplos em (59) acima, vemos tendências diferentes – nos dois casos, o antecedente é o tópico no contexto precedente, mas o sujeito aparece nulo na peça de 1845 e expresso na de 1992. Nos exemplos em (60) a seguir, temos mudança de referência no sujeito da 2ª coordenada e da subordinada, o que em geral leva ao preenchimento. (60) a. Fabiana: Ai que estalo! Isto assim não vai longe... Duas senhoras a mandarem em uma casa... é o inferno! Duas senhoras? A senhora aqui sou eu; esta casa é de meu marido, [e ela deve obedecer-me], porque é minha nora. Quer também dar ordens; isso veremos... (Quem casa, quer casa, Martins Pena, 1845) b. Dona irene: Pois elei que sofra um pouco. Se o Cristo sofreu, [porque é que elei não pode sofrer um pouquinho]. Vamos lá, Gabriel. Mais uma vez! (No coração do Brasil, Miguel Falabella, 1992) Nos exemplos em (61), por sua vez, temos a manutenção da referência no sujeito da 2ª coordenada e na subordinada, o que em geral leva ao apagamento. O 97 sujeito nulo resiste nesses dois contextos inclusive na última sincronia, em que há preferência pelo preenchimento em outros contextos sintáticos. (61) a. Arnaldo: Agora, vê, [a Patrícia]i trabalha a semana inteira [e, no fim de semana, Ø3ps i vai ter que sair com quatro pessoas]. (Como encher um biquíni selvagem, Miguel Falabella, 1992) b. Crioula: Eu já disse: Dona Paula, abre o olho que essa menina tá fumando erva no quarto. Mas elai disse [que Ø3ps i tem que respeitar a intimidade da filha]. Eu criei, mas sou empregada, né? Não posso falar nada. (Como encher um biquíni selvagem, Miguel Falabella, 1992) Como referido na seção anterior, sabemos que uma amostra mais ampla permitiria uma análise mais refinada dos contextos que influenciam a expressão do sujeito de 3ª pessoa, ainda que a tendência ao seu preenchimento se confirme. 3.4 O que dizem os resultados? Um aspecto interessante após a análise é podermos fazer uma comparação entre os resultados da última sincronia (1992) e a análise de fala e de escrita de Duarte (2012a) que foi feita com base em uma das amostras NURC-RJ gravada no mesmo ano e em textos de jornais da mesma década retirados do PEUL-RJ. As peças nos revelam que tanto para a modalidade epistêmica, quanto para a modalidade não-epistêmica houve um desaparecimento de construções com predicadores adjetivais e predicadores verbais tradicionais. Estes foram substituídos, de uma forma mais consistente, pela construção inovadora “dar pra” (15%) para a expressão da modalidade epistêmica e, de uma forma menos produtiva, pela construção inovadora “ser pra” (1%) para a expressão da modalidade não-epistêmica. Foi possível notar também a preferência pelos verbos auxiliares para a expressão das duas modalidades (80% - modalidade epistêmica e 99% - modalidade nãoepistêmica). Entre eles, os mais produtivos foram o verbo poder para expressão da modalidade epistêmica e o verbo ter que/ter de para a expressão da modalidade nãoepistêmica. Além disso, foi possível perceber a tendência ao preenchimento do sujeito 98 referencial (77% de sujeitos preenchidos – modalidade epistêmica e 69% de sujeitos preenchidos – modalidade não-epistêmica). Esses resultados se aproximam bastante dos encontrados por Duarte (2012a) para a fala, em que percebemos que os verbos auxiliares também são os preferidos para a expressão da modalidade (70% - modalidade epistêmica e 99% - modalidade deôntica). Entre eles, os mais produtivos também são poder e ter que/ter de. Quanto ao preenchimento do sujeito, eles também revelam uma tendência ao preenchimento (75% de sujeitos preenchidos - modalidade epistêmica e 69% de sujeitos preenchidos - modalidade deôntica), sobretudo na expressão da modalidade epistêmica. A respeito dos resultados encontrados para a escrita, não houve grandes diferenças. Os verbos auxiliares seguem sendo os preferidos para a expressão de ambas as modalidades (87% - modalidade epistêmica e 87% - modalidade deôntica). Os mais produtivos continuam sendo poder e ter que/ter de, porém esse último se mostra em uma distribuição mais equilibrada com dever. Por fim, em relação ao preenchimento do sujeito, também mostram uma tendência ao preenchimento (78% de sujeitos preenchidos - modalidade epistêmica e 61% de sujeitos preenchidos - modalidade deôntica). Através desses resultados, é possível confirmar que as peças teatrais são um bom recurso para recuperar até certo ponto a gramática de sincronias passadas. Com isso, passo agora às considerações finais. 99 CONSIDERAÇÕES FINAIS Nesta pesquisa, meu principal objetivo foi investigar o comportamento das formas de expressão da modalidade epistêmica e não-epistêmica analisadas (predicador verbal, predicador adjetival e verbo auxiliar) ao longo do tempo, utilizando como amostra peças teatrais cariocas distribuídas em sete períodos nos séculos XIX e XX. Utilizo uma perspectiva paramétrica, pois acredito que a escolha por determinadas estruturas em detrimento de outras não é aleatória, mas está ligada a uma mudança maior por que passa o PB, em que se nota a preferência por construções que evitam sujeitos expletivos nulos, como mostram inúmeros trabalhos sobre construções impessoais (cf. estudos empíricos em Duarte 2012a), preferindo construções que projetem um sujeito referencial (definido ou arbitrário); além disso, o PB mostra preferência pelo preenchimento desses sujeitos, estando o processo de mudança mais avançado em relação à 1ª. e 2ª. pessoas. Com a 3ª. pessoa, a mudança segue mais lentamente, mas sujeitos com o traço [+humano] já seguem de perto a 1ª. e a 2ª. pessoas. É válido destacar que os sujeitos de 3ª. pessoa incluíam os expressos por um SN, no entanto, como essa forma não compete com os sujeitos pronominais quanto ao preenchimento, não foram levados em consideração na análise feita para verificar o preenchimento do sujeito. Entre as formas de expressão da modalidade investigadas, os predicadores verbais e adjetivais projetam sentenças impessoais, enquanto os verbos auxiliares, exceto nos casos em que se constroem com verbos impessoais, projetam uma posição de sujeito referencial. Por esse motivo, minha hipótese principal era de que as construções com verbos auxiliares seriam muito mais produtivas nos textos das peças do que as estruturas com predicadores verbais e adjetivais. Estas deveriam aparecer nas primeiras sincronias, mesmo que de uma forma parcimoniosa, mas diminuiriam ao longo do tempo. Como ponto de partida, busquei verificar como a categoria modalidade é tratada nas gramaticais tradicionais, nos estudos linguísticos, nas gramáticas descritivas, além de buscar resultados de estudos empíricos. Foi possível constatar que se trata de uma categoria que passou a ser formalmente proposta e analisada a partir do desenvolvimento dos estudos linguísticos (cf. Lyons, 1979 [1968]), de modo muito especial pelo trabalho pioneiro de Palmer (2001[1986]), não aparecendo, naturalmente, como uma categoria na tradição gramatical. Vimos também que 100 algumas gramáticas descritivas atuais, elaboradas com a sustentação de uma teoria linguística, se importam em incluir a categoria, que, sendo tratada sob diferentes perspectivas teóricas, acaba envolvendo inúmeros e diferentes aspectos, o que é natural. Essas diversas perspectivas trazem algumas divergências quanto à sua classificação, mas, de forma geral, consideram-se duas classificações: deôntica (quando indica obrigação ou permissão) e epistêmica (quando está ligada às crenças e opiniões do falante, indicando possibilidade/probabilidade), Entre as diversas propostas revistas, utilizo a de Neves (2006), que separa a categoria em dois tipos: epistêmica (que diz respeito às crenças e opiniões do falante, indicando possibilidade/probabilidade) e não-epistêmica, que abarca as modalidades deôntica (que expressa permissão e obrigação e está no eixo da conduta) e dinâmica (que expressa habilidade e capacidade e está no eixo da habilidade). Para verificar minhas hipóteses, utilizei os pressupostos teóricos da Teoria de Princípios e Parâmetros (Chomsky (1981)), no que diz respeito à marcação do Parâmetro do Sujeito Nulo (PSN), associada à Teoria da Mudança Linguística (Weinreich, Labov e Herzog (2006 [1968])), levando em conta principalmente o encaixamento da mudança. Os resultados encontrados confirmam minhas expectativas. Embora os verbos auxiliares predominem desde as primeiras sincronias, é possível verificar seu aumento ao longo do tempo. Para a expressão da modalidade epistêmica, os predicadores verbais mais convencionais como bastar e convir foram encontrados, ainda que de forma bem reduzida, até o período V (anos 1950). A partir desse período, esses predicados desaparecem, sendo substituídos por construções com a forma inovadora “dar pra”, que alcança índices consideráveis na última sincronia. Os predicadores adjetivais, por sua vez, mostram-se não muito produtivos desde as primeiras sincronias e sofrem uma leve queda ao longo do tempo (7% no período I (1945) e 5% no período VI (1992)). Quanto ao preenchimento dos sujeitos pronominais, como esperado, foi possível notar uma tendência ao preenchimento nas últimas sincronias. Enquanto no período I os índices de preenchimento eram de 25%, 0% e 50% para a 1ª, a 2ª e a 3ª pessoa, respectivamente, na última sincronia, esses índices são de 80%, 86% e 67%. Para a expressão da modalidade não-epistêmica, o quadro não é muito diferente. Os verbos predicadores convencionais não são encontrados em nenhuma sincronia, enquanto a construção inovadora “ser pra” é encontrada, ainda que de 101 forma reduzida, nos períodos VI (1975) e VII (1992). Já os predicadores adjetivais, como o esperado, diminuíram ao longo do tempo. Eles se mostraram relativamente produtivos nos primeiros períodos, mas desapareceram no último (23% e 28% nos períodos I e II, respectivamente e 0% no período VII). Em relação ao preenchimento dos sujeitos pronominais, os resultados são um pouco diferentes dos encontrados na análise da modalidade epistêmica. No período I, os índices de preenchimento eram de 30%, 8% e 20% para a 1ª, a 2ª e a 3ª pessoa, nessa ordem, enquanto, no período VII, esses índices são de 78%, 70% e 44%. Vemos que para a expressão da modalidade a 3ª pessoa é bastante resistente ao preenchimento. Esse resultado deve, entretanto, ser visto com cuidado porque incluí sujeitos representados por SNs novos, que não poderiam ser incluídos numa análise de retomada pronominal de sujeitos anafóricos. Assim, não foi feito o controle das estruturas sintáticas que podem ou não levar ao preenchimento do sujeito de terceira pessoa. Em uma comparação mais restrita entre a última sincronia (1992) e a análise de fala espontânea (1992) e de escrita (década de 90) do estudo de Duarte (2012a), obtivemos resultados muito próximos. As três análises detectaram que os verbos auxiliares são predominantes; poder e ter que/ter de são os preferenciais para a expressão da modalidade epistêmica e não-epistêmica, respectivamente. Também mostraram que as construções com predicadores adjetivais e predicadores verbais convencionais desapareceram. Por fim, juntando os sujeitos pronominais, encontramos índices bem parecidos de preenchimento: 77% de sujeitos preenchidos para expressão da modalidade epistêmica e 69% de sujeitos preenchidos para a expressão da modalidade não-epistêmica (Peça de 1992), 75% de sujeitos preenchidos para a expressão da modalidade epistêmica e 69% de sujeitos preenchidos para a expressão da modalidade deôntica (análise de fala - Duarte (2012a)) e 78% de sujeitos preenchidos para a expressão da modalidade epistêmica e 61% de sujeitos preenchidos para a expressão da modalidade deôntica (análise de escrita – Duarte (2012a)). Com todo o exposto, acredito que este trabalho pôde contribuir para uma descrição de algumas formas de expressão da modalidade e sua relação com a mudança paramétrica em curso no PB. Sei que o uso restrito dos predicadores verbais mais conservadores e dos predicadores adjetivais nas primeiras sincronias e seu desaparecimento nas últimas sincronias pode estar ligado a outros fatores, como o gênero textual analisado. Dessa forma, acredito que se faz necessária uma 102 comparação com outros gêneros do PB em sincronias passadas, bem como analisar amostras sincrônicas e diacrônicas do PE. Tenho, porém, algumas evidências, a partir dos estudos aqui mencionados e elaborados com base em outras amostras, de que estamos diante de uma mudança encaixada no conjunto de mudanças relacionadas à remarcação do valor do Parâmetro do Sujeito Nulo pelo português brasileiro. 103 Peças utilizadas FALABELLA, Miguel. No coração do Brasil. 1992. ____________, Miguel. Como encher um biquíni selvagem. 1992. FERNANDES, Millôr. Pigmaleoa. Serviço Nacional do Teatro (SNT) Ministério da Educação (MEC), 1973 ___________, Millôr. Um elefante no caos. Porto Alegre: LPM editores, 1979. FRANÇA JÚNIOR, Joaquim J. de. Teatro de França Júnior. Tomos I e II. Serviço Nacional de Teatro, Fundação da Arte, 1980. GONZAGA, Armando. O Troféu. 1933. _________, Armando. O hóspede do quarto n° 2. 1937. MARTINS PENA, Luiz C. As melhores comédias de Martins Pena. Apresentação de Guilhermino César. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1987. NOVAES, Carlos Eduardo. A mulher integral. 1975. ________, Carlos Eduardo. Confidências de um espermatozóide careca. Rio de Janeiro: Nórdica, 1986. TOJEIRO, Gastão. O simpático Jeremias. 1918. _________, Gastão. Onde canta o sabiá. 1920. 104 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDRADE, B. V. de. A modalização como estratégia argumentativa em textos de vestibulandos. 2008. Tese (Doutorado). UFRN, Natal. BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 37.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira/Lucerna, 2009. CASTILHO, Ataliba T. de. Nova gramática do português brasileiro. São Paulo: Ed. Contexto, 2010. CUNHA, Celso, CINTRA, Lindley. Nova gramática do português contemporâneo. 6.ed. Rio de Janeiro: Lexikon, 2013. CYRINO, S.; DUARTE, M. E. L. & KATO, M. Visible subjects and invisible clitics in Brazilian Portuguese. In: KATO, M. & NEGRÃO, E. (orgs.). Brazilian Portuguese and the Null Subject. Frankfurt am Main: Vervuert Verlag, 2000. p. 55-73. CHOMSKY, Noam. Lectures on Government and Binding. Dordrecht: Foris, 1981. DUARTE, Maria Eugênia Lammoglia. Do pronome nulo ao pronome pleno: a trajetória do sujeito no português do Brasil. In ROBERTS, Ian & KATO, M. A. (orgs.). Português Brasileiro: uma viagem diacrônica. Campinas-SP: Ed. da UNICAMP, 1993, p. 107128. ______. A Perda do Princípio “Evite Pronome” no Português do Brasil. 1995. Tese (Doutorado). UNICAMP, São Paulo. ______. Sociolinguística e Teoria de Princípios e Parâmetros. In: S. Bernardo & V. Menezes (orgs.). In: Estudos da Linguagem: Renovação e Síntese – Anais do VIII Congresso da ASSEL-Rio, 1999: 803-810. ______. O sujeito expletivo e as construções existenciais. In: RONCARATI, C. & ABRAÇADO, J. (orgs.) Português brasileiro – contato linguístico, heterogeneidade e história. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2003. p. 123-131. ______. Sujeitos de referência definida e arbitrária: aspectos conservadores e inovadores na escrita padrão. In: Revista Linguística – Revista do Programa de Pósgraduação em Linguística, Rio de Janeiro, v. 3, n. 1, p. 89-115, 2007. 105 ______. O sujeito de referência indeterminada em sentenças infinitivas. In: Revista do GEL (Araraquara), v. 5, 2008. p. 9-30. ______. A expressão da modalidade deôntica e epistêmica na fala e na escrita e o padrão SV. In: Revista do GELNE, no. Especial, 77-94, 2012a. ______. (org.) O sujeito em peças de teatro (1833-1992): estudos diacrônicos. São Paulo: Parábola. 2012b. GOMES, R. S. A modalização em reportagens jornalísticas. In: Diadorim: Revista de Estudos Linguísticos e Literários. Rio de Janeiro: UFRJ, 2008. HENRIQUES, F. P. Construções com verbos de alçamento: um estudo diacrônico. 2008. Dissertação (Mestrado). UFRJ, Rio de Janeiro. HUANG, J. On the distribution and reference of empty pronouns. Linguistic Inquiry 15, 1984. p 531–74. ILARI, Rodolfo; BASSO, Renato Miguel. Classes de palavras e processos de construção. O verbo. In: NEVES, Maria Helena de Moura; ILARI, Rodolfo (Orgs.).Gramática do Português Culto Falado no Brasil. v. II. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2008. p.163-365. INFANTE, Ulisses. 7.ed. Curso de gramática aplicada aos textos. São Paulo: Scipione, 2008. LYONS, J. Introdução à lingüística teórica. São Paulo: Ed. Nacional/EDUSP, 1979. MIOTO, Carlos et alii. Novo Manual de sintaxe. Florianópolis: Insular, 2003. NEVES, Maria Helena de Moura. A Modalidade. In: KOCK, Ingedore Villaça (org.). Gramática do português falado. São Paulo: Unicamp, 2002. ______. Gramática de usos do português. São Paulo: UNESP, 2000. ______. Imprimir marcas no enunciado. Ou: A modalização na linguagem. In: NEVES, Maria Helena de Moura. Texto e gramática. Ed. Contexto, 2006. p. 151- 221. 106 OLIVEIRA, Fátima. Modalidade e Modo. In: Mateus et alii (orgs.) Gramática da Língua Portuguesa. Lisboa: Caminho Ed. 243-274, 2003. OLIVEIRA, Fátima e MENDES, Amália. Modalidade. In: Paiva Raposo, Eduardo, M.ª F. Bacelar do Nascimento, M.ª A. Coelho da Mota, Luísa Segura da Cruz & Amália Mendes (orgs.). Gramática do Português. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2013. PASCHOALIN, M. A. e SPADOTO, N. T. Gramática: teoria e exercícios. São Paulo: FTD, 2008. PALMER, Frank R. Mood and Modality. Cambridge: Cambridge University Press, 2001. RIGONI, M. C. Modalidade e Gramaticalização: Estratégias Discursivas na Fala Carioca. 1995. Tese (Doutorado). UFRJ, Rio de Janeiro. ROBERTS, I.; HOLMBERG, A. Introduction: parameters in Minimalist theory. In T. BIBERAUER et al. (eds) Parametric Variation: null subjects in Minimalist theory. Cambridge: Cambridge University Press. 2010. 1-57. ROCHA LIMA, C. Henrique da. Gramática Normativa da Língua Portuguesa. 49.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011. WEINREICH, Uriel; William LABOV & Marvin HERZOG. Fundamentos empíricos para uma teoria da mudança lingüística. São Paulo: Parábola Editorial. 2006. (Tradução de Marcos Bagno de Empirical foundations for a theory of language change. In: Lehman, W &Malkiel, Y (eds.) Directions for historical linguistics. Austin: University of Texas Press, 1968: 97-195.) VARGAS, A. S. C. Estratégias pronominais de indeterminação: um estudo diacrônico. 2010. Dissertação (Mestrado). UFRJ, Rio de Janeiro.