Leituras do Domingo de Páscoa: Act 10,34.37-43; Col 3,1-4; Jo 20,1-9 Caminhamos pelo deserto ao longo desta quaresma. Descobrimos que a aridez desse lugar inóspito é metáfora do próprio caminhar. Peregrinos, carregamos no mais íntimo de nós, o desafio de se deixar conduzir ao deserto pessoal do encontro consigo mesmo e com Deus e descobrir horizontes novos e oásis verdejantes. A Palavra de Deus conduziu-nos por lugares que habitualmente o coração não ousa descobrir. Obrigou-nos a subir à montanha e contemplar a amostra daquilo que a Páscoa irá realizar em definitivo. Lançou-nos provocações e convites certeiros para que o coração se torne misericordioso, o olhar seja de compaixão, o encontro com o outro seja regado com música e dança, e o coração de Deus seja sempre lugar de repouso onde podemos descansar depois de tantos desencontros. Nada comparado à semana maior com seus derradeiros convites ao silêncio, à redescoberta da eucaristia como lava-pés e à contemplação do mistério do sofrimento no escândalo da Cruz. Tudo isto para que a vida brote em todos os desertos. Para que rios de água viva inundem corações feridos pelo desespero. Para que o medo de acreditar seja transformado em coragem comprometida. Para que a esperança seja mais forte do que desânimo e o sem sentido. A vida jorra abundante mesmo que cruzes continuem erguidas ao alto. A alegria de um coração liberto vai desenhando caminhos de vitória mesmo onde a pedra do túmulo continue a ser apenas uma pedra rolada. A força do testemunho irá desafiar todas as crises porque a festa da vida instalou-se no coração do mundo. 1. Vamos escutar o Evangelho que a Liturgia nos propõe (Jo 20, 1-9) No primeiro dia da semana, Maria Madalena foi de manhãzinha, ainda escuro, ao sepulcro e viu a pedra retirada do sepulcro. Correu então e foi ter com Simão Pedro e com o discípulo predilecto de Jesus e disse-lhes: «Levaram o Senhor do sepulcro e não sabemos onde O puseram». Pedro partiu com o outro discípulo e foram ambos ao sepulcro. Corriam os dois juntos, mas o outro discípulo antecipou-se, correndo mais depressa do que Pedro, e chegou primeiro ao sepulcro. Debruçando-se, viu as ligaduras no chão, mas não entrou. Entretanto, chegou também Simão Pedro, que o seguira. Entrou no sepulcro e viu as ligaduras no chão e o sudário que tinha estado sobre a cabeça de Jesus, não com as ligaduras, mas enrolado à parte. Entrou também o outro discípulo que chegara primeiro ao sepulcro: viu e acreditou. Na verdade, ainda não tinham entendido a Escritura, segundo a qual Jesus devia ressuscitar dos mortos. 2. É dia de Páscoa. A vida jorra abundante apesar das incertezas. A comunidade dos discípulos de Jesus rende-se às evidências. O Senhor está morto. O sepulcro selado e guardado. O desespero e o medo instalou-se. A dispersão acontece. A escuridão da noite parece calar qualquer lembrança daquela subida à montanha da transfiguração. Mas eis que a vida fez explodir a pedra do sepulcro deixando-a rolada. O Senhor ressuscitou. Ninguém viu. Ninguém estava lá para escrever uma crónica cheia de detalhes. Apenas ficou o relato da experiência de encontros profundos com o coração do ressuscitado. Encontros singulares e decisivos. Transformadores. Afectivos. Que mudaram em definitivo a vida de homens e mulheres dispersos e cheios de medo. Algo de extraordinário e que só a fé consegue compor, reestruturou a partir de dentro a vida destes homens e mulheres, outrora íntimos de Jesus e que agora desbravam caminhos de testemunho. 3. Maria Madalena é uma dessas personagens. Ainda escuro desce ao sepulcro. A morte de Jesus ainda semeia desalento em seu coração. O túmulo ainda é para ela (e para o comunidade que representa) o fim de tudo. O fracasso de um projecto. Mas Jesus já não está lá. A pedra está rolada. Impõe-se uma pergunta-desabafo que brota de um coração angustiado: “Levaram o Senhor do sepulcro e não sabemos onde O puseram”. Partilha esse desabafo com Pedro e outro discípulo (aquele que Jesus amava). Também eles correm ao sepulcro. Também não encontram Jesus. Apenas vêem alguns sinais. O outro discípulo “viu e acreditou”. 4. Jesus ressuscitou! É saudação de alegria que o coração de cada cristão, não cansará de repetir, ao longo deste tempo pascal. Com esta saudação anunciamos que Jesus está vivo. Em nós e no mundo. Que a vida acontece nos corações e no coração da história. Que o ressuscitado confere sentido a tudo o que somos, ao que realizamos, ao que descobrimos e sentimos, ao que incansavelmente procuramos, ao que nem sempre entendemos. A vida, a nossa e o universo inteiro rejubila porque a luz venceu a escuridão da noite. O refulgir luminoso do fogo pascal incendeia o mais recôndito da alma. O sereno crepitar do círio acendido em noite de luz gloriosa jamais se apagará. Porque Jesus ressuscitou! 5. Jesus ressuscitou! A festa da vida entoa os mais belos hossanas. No deserto o grão de trigo deixou-se morrer. Para germinar abundante. Para transformar a aridez em campo onde o verde faz a vista perder-se. Para que o fruto mereça o tempo da colheita. A festa da vida faz entoar notas outrora desconhecidas. Inimagináveis. No coração do mundo ecoa agora a sinfonia perpétua da ressurreição. E a ressurreição alimenta a fé. E faz germinar a esperança mesmo quando a terra-coração teima em não dar fruto. E ilumina os desafios da vida mesmo quando o grau de dificuldade parece torná-los intransponíveis. 6. Jesus ressuscitou! O Deus da vida chama-nos à vida e à alegria. À festa da vida, colorida, transbordante, apaixonada. Mova-nos a paixão pela vida. Transforme-nos a luz que incendeia todos os corações. Desafie-nos o fogo pascal para caminhos de compromisso em meio às crises da vida e a cenários de morte e indignidade que ensombram o nosso tempo. Acolhamos o desafio de sempre escolher a vida. Mesmo quando a morte espreita o próprio coração. Acolher a vida. Orientar o caminhar por um Amor sempre criativo. E a criatividade levará à desinstalação e ao não-egoísmo. Libertará de todos os medos. O medo de partir e de acreditar. Desinstalará o coração para que o torne solidário e luminoso. Para que o mundo que habitamos seja lugar de vida e não de morte. 7. Jesus ressuscitou! Saudação pascal deste tempo de alegria. Que ela brote como jorro transbordante de um coração carregado de esperança. Que seja expressão de uma fé viva, contagiante, comprometida. A iluminar os próprios passos. E os daqueles que connosco cruzam nos caminhos da vida. 8. Reflecte em silêncio os apelos que a Palavra te faz. Como vives e alimentas a tua fé em Cristo ressuscitado? Que sinais de alegria e esperança a tua vida testemunha e expressa? Partilha o teu momento de reflexão com alguém (do teu grupo, família, comunidade). O milagre do grão de trigo O milagre do grão de trigo irrompeu O deserto encheu-se de flores e amanheceres Um novo sol levanta-se vitorioso Do túmulo onde a morte parecia vencer O frágil grão lançado à terra. O milagre do grão de trigo irrompeu E a noite já não cobre todos os horizontes O desalento já não fere corações Porque o silêncio que habitava o silêncio Gritou hossanas ao terceiro dia. O milagre do grão de trigo irrompeu E fez germinar todas as sementes Que se deixaram morrer E desfez os medos do acreditar No mistério da vida que morre e ressuscita. O milagre do grão de trigo irrompeu E a festa da vida mudou-se do túmulo Para dentro de ti. Comunidade Shalom Afonso, CSh.