QUANDO O TEATRO É SIGNIFICATIVO PARA OS

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Anais do V Colóquio sobre o Ensino de Arte
I Encontro regional da FAEB Regional - SUL - 2009
AAESC - 06,07 e 08 de julho
QUANDO O TEATRO É SIGNIFICATIVO PARA OS ADOLESCENTES?
ENSINO DE ARTE: TRANSDISCIPLINARIDADE, CIDADANIA E INCLUÃO
Welinton Menegaz de Paula
RESUMO:
O trabalho de teatro com adolescentes deve apenas se ater ao conhecimento de questões
estéticas ou ir além, formando cidadãos conscientes dos seus direitos e deveres? Com base em
fundamentação teórica sobre o teatro feito em contextos comunitários, analisaremos uma experiência
que aconteceu com vinte adolescentes que faziam parte de um projeto de teatro desenvolvido no
contra-turno da periferia da cidade de Uberlândia, com altos índices de violência, tráfico de drogas e
exclusão social. No período analisado, de 2005 a 2007, desenvolvemos juntamente com esses jovens
uma pesquisa teatral que dialogou com os problemas vividos por aquela comunidade. Na
transposição destes para cena, pudemos identificar o crescimento do grupo no entendimento do seu
contexto, na estruturação de uma visão de mundo mais ampla. Durante esse percurso algumas
atividades foram fundamentais, entre elas destacamos o cuidado ao se associar questões do
cotidiano desses jovens com elementos estéticos do teatro; a realização de assembléias mensais do
grupo, onde os alunos expunham questionamentos sobre coisas que os incomodavam no seu
cotidiano e buscavam soluções para eles; a realização de apresentações em outras localidades de
Uberlândia que possibilitou o contato com outras realidades, e o envolvimento dos pais, em tarefas
gerais de apoio ao trabalho teatral, que contribuiu para que percebessem a importância que o projeto
tinha na vida de seus filhos e que resultou na divulgação do teatro para os moradores do bairro
Canaã.Os resultados teatrais tiveram uma qualidade artística reconhecida dentro e fora da
comunidade, ao mesmo tempo em que do teatro ganhou significado na vida dos adolescentes,
expresso na modificação da relação dos jovens com os estudos e com a escola, na ampliação da
capacidade crítica, gerando um potencial transformador da sua própria história e da realidade em
que vivem.
PALAVRAS-CHAVE: Teatro em comunidades, cidadania, estética
1. Contexto da experiência
A experiência que iremos analisar aconteceu no bairro Jardim Canaã, do
município de Uberlândia, Minas Gerais, mais especificamente na E. M. Dr. Gladsen
Guerra de Rezende. Trata-se de uma prática de ensino do teatro, desenvolvida nos
anos de 2005 a 2007, com vinte adolescentes, fora da grade curricular, no contraturno. Nosso papel foi o de facilitador, e juntamente com esses jovens
desenvolvemos uma pesquisa teatral que dialogou com os problemas vividos por
sua comunidade, um bairro violento, marcado pelo tráfico de drogas.
O projeto de teatro começou na instituição no ano de 2003, mas iremos
relatar o período, em que atuamos como professor do mesmo, 2005 a 2007.
Durante esse três anos desenvolvemos quatro montagens Romeu e Julieta na terra
prometida, As mil e uma noites, Sol Ardente e Depois daquela viajem, as quais
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delimitam diferentes fases do trabalho. Nesse descreveremos a duas últimas
montagens mencionadas.
2. Adolescente: um sujeito social
A adolescência é uma fase de transformações, onde as idéias e o corpo
mudam, um momento de medos e inseguranças, como a morte, o futuro incerto e
uma possível gravidez. E ao mesmo tempo uma fase de várias descobertas
significativas como a sexualidade, a busca de liberdade, de realizações pessoais e
profissionais, enfim uma fase de várias contradições.
Nesse estudo iremos analisar a adolescência como um fenômeno social e
historicamente constituído, onde elementos psicológicos se associam a um contexto
histórico e social determinado. Um dos autores que nos apontam esse caminho, é
Groppo, que coloca essa fase como sendo uma categoria social em transformação:
“A juventude como categoria social não apenas passou por várias
metamorfoses na história da modernidade. Também é uma representação
e uma situação social simbolizada e vivida com muita diversidade na
realidade cotidiana, devido à sua combinação com outras situações sociais
– como a de classe ou estrato social -, e devido também às diferenças
culturais, nacionais e de localidade, bem como às distinções de etnia e de
gênero.” (GROPPO, 2000, p.15)
Essas combinações sociais, apontadas pelo autor, fazem com que tenhamos
vários tipos de jovens, e não um bloco uniforme denominado juventude ou
adolescência. Sobre a idéia de pluralidade de juventudes, Groppo é bem claro,
acredita que ela se relaciona com fatores sócio-culturais:
“A multiplicidade das juventudes não se funda num vazio social ou num nada
cultural, não emerge de uma realidade meramente diversa, ininteligível e esvaecida.
Tem como base experiências sócio-culturais anteriores, paralelas ou posteriores
que criaram e recriaram as faixas etárias e institucionalizaram o curso de vida
individual – projetos e ações que fazem parte do processo civilizador da
modernidade.”( GROPPO, 2000, p.19)
Outro conceito que temos que deixar claro é quanto aos termos adolescência
e juventude, dependendo da corrente que iremos analisá-los, de base psicológica ou
sociológica, por exemplo, os conceitos mudam. Nesse momento inicial da nossa
pesquisa utilizaremos os dois termos. A faixa etária dos alunos que participaram da
pesquisa se enquadra entre a categoria adolescentes, mas quando os situamos
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como sujeitos históricos, o termo que melhor os definirá é jovens. Por isso a opção
pelas duas nomenclaturas.
Os vinte jovens, com idades entre doze e quinze anos, que participaram do
projeto de teatro, vivem uma realidade cercada de violência, gerada entre outras
coisas pelo tráfico de drogas. As pessoas que habitam o bairro são pertencentes a
classes econômicas menos favorecidas, trabalhadores, que saem de manhã de suas
casas, rumo a outros bairros da cidade, para trabalharem e voltam só a noite.
As crianças e adolescentes, na maioria das vezes, passam o dia longe dos
seus pais, os vendo só a noite. Crescem e tecem suas primeiras experiências de
vida na rua, que pode ser um elemento lúdico, com suas brincadeiras de escondeesconde, pique-pega e futebol, como também o primeiro contato com o mundo do
trafico de drogas e a marginalidade, ou a combinação de ambos.
Nesse contexto a escola é um local significativo, de socialização e cultura,
para os jovens do bairro, pois oferece um atendimento em tempo integral para as
crianças e adolescentes, com sua grade curricular e extra-curricular, o que dá a
possibilidade, de um novo espaço de socialização, além da rua, para seus alunos.
3. Adolescentes e o teatro comunidade
Falar de adolescentes e práticas teatrais comunitárias, é ao mesmo tempo
falar de inclusão, uma vez que são poucos os jovens, que podem pagar cursos de
teatro, ou mesmo se deslocar de seus bairro, para fazerem oficinas em outras
localidades. Por isso valorizamos as experiências que acontecem dentro de escolas,
igrejas, centros comunitários, associações de bairro, grupos amadores, em bairro
periféricos, destinados a uma parcela com baixo poder aquisitivo.
Situamos nossa experiência dentro do contexto do teatro comunidade. São
vários os motivos que justificam essa escolha, entre eles destacamos a aproximação
do projeto com a comunidade, através do diálogo com os problemas que afetavam
a mesma e das apresentações no bairro, sobre esse ponto de vista, destacamos a
definição de Baz Kershaw, sobre comunidade
“Sempre que o ponto de partida [de uma prática teatral] for a natureza de
seu público e sua comunidade. Que a estética de suas performances for
talhada pela cultura da comunidade de sua audiência. Neste sentido estas
práticas podem ser categorizadas enquanto Teatro na Comunidade.”
(KERSHAW, 1992, p.5, apud Nogueira, 2008 )
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Esse aspecto da cultura da comunidade, sendo trabalhado em cena, foi uma
marca de nossa prática, porém iremos analisá-la, mais adiante nesse artigo. Outros
aspectos que nos aproximam do teatro comunidade, como o fato de não atendíamos
apenas os alunos da escola, no ano de 2007, a metade dos participantes, eram exalunos da instituição, pois já estavam cursando o ensino médio, e a mesma oferece
vagas até a série final do ensino fundamental. Outro aspecto é por se tratar de uma
prática onde os jovens participavam de forma espontânea, uma vez que não fazia
parte de uma grade curricular obrigatória, havia um interesse comum que os uniam,
que era o fato de poderem se expressar através do teatro. Formou-se então nesses
três anos uma comunidade de interesse, dentro de uma comunidade geográfica, no
caso os adolescentes moradores do bairro Canaã. Sobre esses dois conceitos,
novamente citamos Kershaw,
“'Comunidade de local' é criada por uma rede de relacionamentos formados
por
interações
face
a
face,
numa
área
delimitada
geograficamente.'Comunidade de interesse', como a frase sugere, são
formadas por uma rede de associações que são predominantemente
caracterizadas por seu comprometimento em relação a um interesse
comum. Quer dizer que estas comunidades podem não estar delimitadas
por uma área geográfica particular. Quer dizer também que comunidades
de interesse tendem a ser explicitas ideologicamente, de forma a que
mesmo se seus membros venham de áreas geográficas diferentes, eles
podem de forma relativamente fácil reconhecer sua identidade
comum.”(KERSHAW, 1992, p.31, apud Nogueira, 2008).
Nessa pesquisa nos propomos a analisar o que leva os adolescentes a
procurarem uma prática teatral na sua comunidade, e percebemos que parte da
mesma necessidade, que os impulsiona a ser unirem a tribos e associações de
jovens, que é a busca por compartilharem os conflitos, as transformações, as
cobranças que a sociedade os impulsionam, ou como diria Campos (2008, p.93),
“encontrando linhas de fuga criativas para enfrentar as frustrações que a vida em
sociedade produz”.
As linhas de fuga, são todos os agrupamentos que os jovens conseguem
estabelecer com pessoas da sua faixa etária, e nesse sentido a arte tem um papel
fundamental, pois através dela, eles podem expressar todos os seus medos,
angústias e desejos, com outras pessoas.
Durante os três anos da nossa prática de teatro, procuramos dialogar
com os alunos, para saber o que queriam falar, quais os temas que julgavam
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importantes de serem debatidos e improvisados em aulas. Era uma prática teatral
feita por jovens que dialogava com os problemas dos jovens do bairro Canaã.
Dentro dessa perspectiva, consideramos nosso trabalho como um Teatro por
Comunidades, por ser uma prática, “que inclui as próprias pessoas da comunidade
no processo de criação teatral” (Nogueira, 2008), como também um Teatro com
Comunidades:
“Aqui, o trabalho teatral parte de uma investigação de uma determinada
comunidade para a criação de um espetáculo. Tanto a linguagem, o
conteúdo - assuntos específicos que se quer questionar - ou a forma manifestações populares típicas - são incorporados no espetáculo.”
(NOGUEIRA, 2008)
Para melhor elucidar essa aproximação com os conteúdos vindos da própria
comunidade, vamos relatar uma prática que aconteceu no ano de 2007, onde
trabalhamos um processo de criação coletiva que deu origem a dois espetáculos.
4. Criação Coletiva: um diálogo com a comunidade
Esse trabalho consiste na análise de uma práticas de ensino do teatro,
desenvolvida com aproximadamente vinte adolescentes, que participaram do projeto
de teatro da E. M. Dr.Gladsen Guerra de Rezende, no ano de 2007. Experiência
baseada na criação coletiva de temas surgidos da realidade desses jovens.
No ano de 2007, estávamos apresentando um espetáculo montado no ano
anterior, As mil e uma noites. Paralelamente, percebemos que nossos alunos
queriam falar sobre coisas que estavam acontecendo no seu entorno. Então,
começamos um processo denominado de Assembléias onde, uma vez por mês, nos
reuníamos para debater assuntos que os alunos julgavam importantes naquele
momento. A pauta era elaborada por eles e a função do professor de teatro era a de
um mediador, pois as decisões que precisavam ser tomadas eram discutidas e
analisadas por todos os integrantes do Projeto de Teatro. Várias questões sobre o
Canaã começaram a surgir.
Passamos a coletar histórias trazidas pelos integrantes do grupo sobre sua
comunidade. No início não tínhamos claro onde poderíamos chegar, mas todos se
envolveram na proposta.
Em cada encontro fazíamos uma roda onde os participantes contavam as
histórias que ouviram dos seus pais, dos seus avós ou de algum amigo. A temática
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era bem variada. Depois fazíamos uma votação para escolhermos duas histórias
para improvisarem.
Esse primeiro momento durou por volta de dois meses. Havia histórias
baseadas num realismo fantástico e outras no cotidiano direto deles. Ainda não
tínhamos certeza de qual caminho seguir. Fizemos um debate seguido de votação,
para o grupo decidir. Quase que unanimemente decidiram por investir em histórias
que tivessem relação com a realidade deles.
Então começamos uma nova etapa do processo. De posse de alguns dados
surgidos no momento descrito anteriormente, começamos a questioná-los sobre os
pontos positivos e os pontos que consideravam negativos do bairro. Várias foram as
respostas apontadas. Entre os pontos que consideravam que deveria mudar no
Canaã, todos foram unânimes em relação à comercialização da droga no bairro e à
violência. Em relação aos pontos positivos, alguns mencionaram os projetos
artísticos desenvolvidos nas duas escolas municipais do bairro, os amigos, o posto
de saúde, etc. Então começamos a explorar esses pontos em debates e
improvisações.
Alguns alunos moravam perto de bocas de fumo e relatavam a experiência de
serem acordados com traficantes pulando o murro e entrando no seu quintal para
fugir da polícia. Contavam também de colegas que já estavam trabalhando no tráfico
e outros que haviam sido assassinados. Tudo isso era explorado em jogos e
improvisações. O namoro era outro assunto que surgia durante esse processo, pois
a maioria dos participantes estava tendo suas primeiras experiências de namoro,
inclusive dentro do próprio grupo. Tudo isso foi incorporado no processo.
Assumimos então duas linhas temáticas, o tráfico de drogas e a descoberta
da sexualidade, expresso na questão do namoro, temas que sempre apareciam nas
cenas e que agora assumíamos enquanto proposta de trabalho.
Pedimos para os alunos escolherem um texto que tratava das questões
abordadas, fomos para a biblioteca da escola fazer a pesquisa, cada participante
escolheu dois livros. Estávamos na última semana de aula do primeiro semestre,
eles teriam as férias para ler a histórias. O nosso intuito com isso não era escolher
um texto para montar, e sim algo que fosse um estimulo a mais no processo e
também um incentivo a prática da leitura.
Em agosto quando voltamos das férias, todos relataram as histórias dos livros
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e o grupo improvisou algumas delas. Foram dois dias de trabalho, no final do
segundo, nos sentamos em roda e cada um disse qual das histórias abordava mais
os temas que estávamos pesquisando. No final pegamos as quatro histórias mais
votadas e fizemos nova votação e escolhemos duas. Mesmo depois de encerrada a
votação, consultamos novamente o grupo, todos concordaram com o resultado final.
As duas histórias escolhidas foram, Sol Ardente de Júlio Emílio Braz e Depois
Daquela Viajem de Valéria Piassa Polizzi. O primeiro livro mostrava o cotidiano de
jovens que viviam num contexto marcado pelas drogas. Já o segundo explorava
entre outras questões a descoberta da sexualidade e a AIDS, uma vez que a
protagonista do livro, era uma adolescente de 16 anos soro positiva, o grupo
escolheu essa história pois esse era um fato que os preocupavam, pois no bairro
existiam jovens que contraíram o vírus.
Dividimos a turma em dois grupos, um para cada história, essa divisão foi
feita por afinidade aos temas abordados nos textos, os grupos ficaram praticamente
equilibrados. Passamos para eles as seguintes idéias, a partir daquele momento,
três questões motivariam nossas improvisações, a primeira era os pontos positivos e
negativos do bairro, que fizemos no início do processo; A segunda era as
improvisações que já tínhamos feitos. Seus temas, personagens e imagens, seriam
resgatados em algum momento; E a terceira eram as histórias dos livros, que
serviria para ajudá-los, porém não seriam seguidas na integra, eram um material a
mais.
Antes de começarem as improvisações os participantes combinaram a
história e esquematizaram um roteiro com cenas determinadas. Começaram a
improvisar essas cenas, novos argumentos e contradições apareceram. Pedíamos
para que explorassem esses elementos, então novas cenas e personagem surgiram.
Os grupos no final de cada encontro, apresentavam um para o outro os
resultados do dia. Discutíamos sobre cada um, eram analisados os pontos que os
observadores acharam importantes, tanto em relação aos conteúdos como também
a forma que as cenas estavam sendo estruturadas. E aquilo que ainda precisava ser
mudado para melhorar a dinâmica das cenas. No outro encontro de posse dos
dados debatidos os grupos reiniciavam suas pesquisas.
Cada aula começava com alongamentos, exercícios de voz, aquecimento e
laboratórios de criação de personagens. Só então os participantes se reuniam para
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prepararem o trabalho do dia, que consistia na análise das improvisações anteriores
e preparação das novas cenas que logo eram improvisadas. Depois passavam tudo
o que já tinham feito, nos encontros anteriores e no atual e apresentavam para o
outro grupo e no final, aconteciam as avaliações conforme já foi descrito. Durante o
processo de construção das improvisações nós íamos nos grupos ajudando com
algumas marcações cênicas, porém não interferíamos no encaminhamento das
histórias.
Sem que nós pedíssemos, eles começaram a transcrever as cenas. Primeiro
improvisavam, testavam as possibilidades e só quando achavam que a cena estava
do jeito que queriam, o que poderia levar alguns encontros, é que eles escreviam as
falas. Assim um texto foi surgindo, e nenhuma fala foi decorada.
Os personagens eram explorados em laboratórios, onde pedíamos para
pesquisarem as várias possibilidades de andar, de ações e falas que seus
personagens poderiam ter. Apesar de não criarem uma construção física diferente
da usual e se expressando corporalmente quase da mesma forma que o faziam no
cotidiano, eles estavam inteiros nas improvisações, havia muita vitalidade em cena,
nada era imposto, nada era decorado, tudo partia deles e isso fazia com que a
entrega fosse maior.
Depois de alguns meses chegou a hora de apresentarem as improvisações.
Foi um momento delicado, tanto para nós facilitadores, quanto para os participantes.
O motivo era claro, as cenas ficaram fortes e sem nenhuma censura ou julgamento
moral. Como a escola receberia isso? Mostrar crianças usando e vendendo drogas,
pais que não dão atenção para os filhos, adolescentes sem
orientação sexual
contraindo o vírus HIV, primeiras experiências sexuais, policiais trabalhando juntos
com traficantes no comércio das drogas, pessoas sendo assassinadas, enfim nunca
tínhamos ido tão longe. Sempre procuramos dialogar com o cotidiano deles de forma
lúdica e poética, mostrando outras possibilidades, e agora, será que tomamos o
rumo errado?
Sobre esses questionamentos transcrevemos o depoimento de uma exparticipante,
“Dentro do processo de Sol Ardente, fiquei pensando sobre a questão de
colocamos na cena a realidade vivenciada por aqueles jovens que atuaram
(inclusive eu), que também é presente no cotidiano dos que assistiram o
espetáculo. O que mais me marcou foi a forma com que conseguimos
superar o desafio de abordar essas questões, tão presentes negativamente
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na nossa comunidade, e transforma-las em cena. Acredito que para os que
atuaram e para os que apreciaram, o processo foi "um pensar sobre" com
potencialidades de transformações positivas para a comunidade em que
vivemos.” (Participante 1, 2009)
Esse pensar sobre, descrito acima, nós motivou a mostrar nossos resultados.
Afinal criamos aquilo que todos nós queríamos, um teatro comprometido com as
questões sociais daquela comunidade.
Marcamos a apresentação para aqueles que pensávamos ser nosso único
público alvo dentro da escola, os alunos do noturno, todos jovens e adultos. Enfim
chegou o dia, depois de quase seis meses tudo aquilo que queríamos falar estava
ali nas cenas, que aconteceram pela primeira na noite de 21 de novembro de 2007.
No final da apresentação, houve muitos comentários da platéia, a maioria
associando o que acabaram de ver com fatos que já presenciaram na comunidade.
Até então não tínhamos tido o retorno da direção da escola sobre a
apresentação, no outro dia quando chegamos na instituição, a Diretora nós chama e
pergunta quando iríamos apresentar para as crianças de 3ª e 4ª séries do turno da
tarde, afinal elas também precisavam ver nosso espetáculo. A professora de
ciências que estava com ela disse que deveríamos ter feito um trabalho juntos,
apresentação do espetáculo e depois debate com as crianças e outros professores
sobre alguns temas abordados, concordei com ela, realmente faltou diálogo da
nossa parte.
Uma semana depois fizemos algumas apresentações para as crianças, foi
algo surpreendente a forma como prestavam atenção e se interessavam pelas
histórias, enfim sensação de missão comprida.
REFÊNCIAS:
CAMPOS, Maria Teresa de Arruda. A adolescência inventada e os sujeitos que
se inventam na participação social: capturas e rupturas. 2008. 164 p. Dissertação
(Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação,Universidade Estadual de
Campinas, Campinas, 2008.
GROPPO, Luís Antônio. Juventude: Ensaios sobre a sociologia e história das
juventudes modernas.Rio de Janeiro: DIFEL, 2000.
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NOGUEIRA, Márcia Pompeo. Teatro em comunidades. In: FLORENTINO, Adilsom;
TELLES, Narciso.Cartografias do Ensino de Teatro: das idéias às práticas.
Uberlândia: UDUFO, 2008.
PARTICIPANTE um. Entrevista concedida ao autor do artigo. Não publicado,
2009.
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