AVALIAÇÃO QUÍMICA PRELIMINAR DA REAÇÃO DE TRANSESTERIFICAÇÃO APLICADA AO ÓLEO DE MACAÚBA Ana Flávia Arantes Pereira 1 Daniela Gonçalves Araújo 1 Gracielle Teodora da Costa Pinto Coelho 2 Kelly Moreira Grillo Ribeiro Branco 2 Anderson Hollerbach Klier 3 Resumo: Sendo uma espécie de interesse econômico como geradora de biomassa para produção de biocombustíveis, o fruto da macaúba foi utilizado como fonte de matéria prima para o processo de transesterificação, principal rota química utilizada na obtenção de biocombustível. Após moagem e extração orgânica seu óleo foi submetido a variações experimentais de catálise tanto básica quanto ácida a fim de avaliar os rendimentos finais tanto de óleo bruto extraído quanto de monoésteres etílicos obtidos e acidez residual. Palavras-chave: Macaúba. Transesterificação. Biocombustível. Introdução Acronomia sclerocarpa Mart., Acronomia mexicana Karw. Ex A macaúba, Acronomia aculeata (Jacq.) Lodd. Ex Mart., é Mart., Acronomia lasiosphata Mar. e Acronomia belizensis uma palmeira perenifólia, heliófita, localizada normalmente em L.H.Bailey. Sua ocorrência no Brasil se dá desde o Pará até São vales e encostas de florestas mesófita semidecídua (LORENZI, Paulo, Rio de Janeiro e Mato Grosso do Sul (LORENZI, 2002). O 2002). Como sua sinonímia popular é vasta, pode ser conheci- fruto, cujas características podem ser observadas na figura 1, é da como macaúva, coco-de-catarro, bacaiúva, bacaiuveira, co- a parte mais importante da planta, cuja polpa é consumida co-de-espinho, coco-baboso, macacaúba, macaiba, macajuba, in natura ou usada para extração de gordura comestível; a macaibeira, mucajá, mucaia e mucajuba. Ainda como sinonímia amêndoa fornece óleo claro com qualidades semelhantes botânica, pode ser referenciada como Cocos aculeatus Jacq., ao da azeitona. Essa espécie possui potencial aproveitável e rentável amêndoa. Os teores de óleo são ligeiramente maiores na polpa quando se avalia seu teor de óleo presente na biomassa, sendo (60%), em relação à amêndoa (55%). São extraídos dois tipos que sua produtividade pode alcançar 4 toneladas por hectare de óleo da macaúba, da amêndoa é retirado um óleo fino que cultivado (BHERING, 2009). Os frutos são formados por cerca representa em torno de 15% do total de óleo da planta, rico em de 20% de casca, 40% de polpa, 33% de endocarpo e 7% de ácido láurico (44%) e oléico (26%), tendo potencial para utiliza- PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON 2013/1 - NÚMERO 7 - ISSN 2176 7785 l 129 ções nobres, na indústria alimentícia, farmacêutica e de cosmé- RO, 2008, SCHUCHARDT, 1998, MARTINS 2007, LIMA, 2010). ticos (BHERING, 2009). O óleo extraído da polpa, com maior A alcoólise estequiometricamente completa ocorre numa pro- potencial para a fabricação de biodiesel, é dominado por porção 3 : 1 entre álcool e triacilglicerol e o excesso do álcool ácido oléico (53%) e palmítico (19%) e tem boas características não só otimiza o rendimento da reação, como também agiliza para o processamento industrial, mas apresenta sérios pro- a separação da glicerina formada por decantação em função blemas de perda de qualidade com o armazenamento. Os da diferença de polaridade entre este e o biodiesel (GUARIEI- frutos devem ser processados logo após a colheita, pois se RO, 2008, MARTINS, 2007). Dentre os álcoois utilizados são degradam rapidamente, aumentando a acidez e prejudicando preferidos os de baixa massa molar, metanol e etanol, devido a produção do biocombustível. As tortas produzidas a partir do a maior facilidade de dissolução do catalisador básico, menor processamento da polpa e da amêndoa são aproveitáveis custo, decantação mais rápida de glicerina e maior polaridade. em rações animais com ótimas características nutricionais e Atendendo a estes pré-requisitos, o metanol é o mais utilizado boa palatabilidade (BHERING, 2009). A Ocorrência desta espé- (LIMA, 2007, RINALDI, 2007, GERIS, 2007, GUARIEIRO, 2008, cie no cerrado é bastante disseminada e a diversidade quanto a MARTINS, 2007). Quanto ao etanol, o mesmo requer solvente umidade e variabilidade de composição de solo, não represen- anidro e uma amostra de óleo com baixo teor de água para fa- tam fatores limitantes a sua distribuição (MOTTA, 2002). cilitar a decantação da glicerina. Contudo, o biodiesel etanólico possui a vantagem ambiental de ser totalmente renovável, pois O processo de transesterificação A reação de transesterificação utiliza como material de partida um triacilglicerol, ou seja um triéster, a alcoólise ou transesterificação se dá em três etapas gerando sequencialmente diacilgliceróis, monoacilgliceróis e finalmente glicerina, com resultantes três moles de monoéster (LIMA, 2007, RINALDI, 2007, GERIS, 2007, FROEHNER, 2007, NETO, 2000, GUARIEI- não faz uso de insumos derivados de petróleo (GUARIEIRO, 2008, SCHUCHARDT, 1998, MARTINS, 2007). A catálise na reação de transesterificação; reação reversível onde um éster é transformado em outro através da troca do grupamento alcoxila (LIMA, 2007, RINALDI, 2007), pode ser realizada por ácidos ou bases (figuras 2 e 3), entretanto a catálise básica apresenta melhores rendimentos e menores tempos de reação. Segundo a figura 2, pode-se observar que o éster inicial A álcool C, cujo produto após desprotonação gera o intermedi- sofre protonação da carbonila em meio ácido gerando o éster ário D, que após desprotonação e eliminação do álcool original protonado B, e este por sua vez sofre ataque nucleofílico do R2OH gera o novo éster como produto de transesterificação E. 130 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON 2013/1 - NÚMERO 7 - ISSN 2176 7785 A figura 3 apresenta a reação inicial do éster F com o etó- emulsificações, alguns experimentos relatam a destilação do ál- xido G em meio alcoólico, por ataque nucleofílico do alcóxido a cool em excesso sob pressão reduzida seguida da decantação carbonila gerando o derivado protonado H, que por desproto- do glicerol. A fase menos densa é então lavada com hexano, e nação pelo próprio etóxido gera o éster transesterificado I e o esta fase hexânica é lavada com água destilada, ácido clorídrico alcóxido do álcool original R1. 0,5 % e cloreto de sódio saturado, sendo o resíduo de água da A participação dos catalisadores inorgânicos básicos, se fase orgânica retido por filtração sobre sulfato de magnésio ani- dá pela possível reação destes com o álcool, gerandos alcó- dro (GUARIEIRO, 2008, SCHUCHARDT, 1998, MARTINS, 2007). xidos que são nucleófilos mais poderosos que os respectivos Para fins de obtenção das amostras de biodiesel neste projeto, álcoois, facilitando o ataque nucleofílico ao éster do triacilglice- utilizaremos óleos vegetais de soja, girassol e mamona e cada rol resultando na formação mais rápida do monoéster (LIMA, um destes será submetido a alcoólise com hidróxido de sódio 2007, RINALDI, 2007). Como o catalisador atua exclusivamente 1% m/m em etanol, hidróxido de potássio 1% m/m em etanol e na cinética de reação, é natural imaginarmos que o aumento etóxido de sódio 1% em etanol. A temperatura de reação é fixada da concentração do catalisador fará com que a reação ocorra em 45 °C e o tempo de reação de 20 minutos. A elaboração do mais rapidamente; entretanto, o catalisador concentrado pode biodiesel é processada com eliminação do álcool em excesso gerar subprodutos diminuindo a seletividade da reação dese- da mistura reacional por destilação sob pressão reduzida e de- jada. Dentre as reações indesejadas a principal é a saponifi- cantação da glicerina. A seguir a fase menos densa é lavada cação, que implica em dois problemas; o consumo do próprio com hexano e a fase hexânica lavada com ácido clorídrico 0,5 catalisador e a estabilização da emulsão biodiesel/glicerol. Além %, cloreto de sódio saturado e água destilada. A condição de disso, o consumo do catalisador gerando alcóxidos em elevada neutralidade pós-elaboração será alcançada pela manutenção concentração gera também água, que sob altas temperaturas do pH neutro na água pós-lavagem. A água residual e substân- favorece a hidrólise dos monoésteres formados gerando ácidos cias residuais polares são retidas por filtração sobre sulfato de graxos, e estes neutralizados pelo catalisador básico geram pro- sódio anidro e sílica-gel. dutos de saponificação (RINALDI, 2007, MARTINS, 2007). Segundo dados da literatura (LIMA, 2007, MARTINS, 2007), Material e Métodos o catalisador inorgânico na concentração de 1% m/m produz A metodologia descrita priorizou a avaliação inicial da biodiesel com menores teores de sabão. Para minimizar os efei- moagem do fruto para extração do óleo vegetal com solvente tos da possível emulsificação entre o biodiesel e o glicerol, após adequado, seguida por tentativas de transesterificação tanto decantação da mistura reacional para separar a glicerina, a fase básica quanto ácida e determinação da acidez residual do menos densa é lavada com solução saturada de cloreto de só- produto de transesterificação. dio. Esta é eficiente na remoção do excesso do próprio catalisador e também parte do álcool em excesso. Já nas reações Extração do óleo bruto de macaúba de transesterificação envolvendo alcóxidos como catalisadores, O óleo foi extraído dos frutos previamente moídos em moi- os melhores rendimentos de reação são alcançados com 1,5 g nho do tipo Wille ou moinho de facas. Foram obtidas frações do hidróxido desejado e 35% do álcool em relação a 100 mL do moídas dos frutos íntegros e somente das amêndoas, sendo óleo vegetal desejado (GUARIEIRO, 2008). Ainda para prevenir que estas foram separadas mecanicamente com utilização de PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON 2013/1 - NÚMERO 7 - ISSN 2176 7785 l 131 torno mecânico de mesa. Cada uma das frações obtidas foram ção em óleo e mantida sob refluxo por 48 h. Após refluxo a submetidas a extração com 1,0 litro de Hexano p.a. sob refluxo mistura reacional foi resfriada e neutralizada com carbonato em sistema do tipo soxhlet. Após obtenção do extrato hexânico, de sódio sólido e 200 mL de água destilada. A fase aquosa o mesmo foi concentrado em evaporador rotatório acoplado a foi separada e a fase orgânica filtrada sobre sulfato de sódio bomba de autovácuo até separação e recuperação completa do anidro. Tanto na catálise básica quanto ácida a reação foi hexano como solvente. O óleo obtido quando não submetido acompanhada por cromatografia em camada delgada (CCD) imediatamente a transesterificação, foi estocado em geladeira. utilizando a mistura hexano / acetato de etila 7 : 3 como eluente e iodo sublimado como revelador. Obtenção dos monoésteres etílicos As reações de transesterificação foram obtidas em etanol p.a. utilizando-se as proporções 1 : 1 e 1 : 2 entre óleo bruto e etanol. Foram executadas catálises em meio básico, utilizando 1,0 grama de hidróxido de sódio dissolvido em 100 mL de etanol anidro e utilizando metóxido de sódio obtido pela dissolução de 1,0 grama de sódio metálico em 100 mL de metanol anidro, adicionados a proporção em óleo, aquecido a 42 graus em banho de água. Após adição da base, a mistura é agitada por 30 minutos seguidas de decantação por 48 h. Após decantação a fase mais densa é separada e a fase me- Determinação da acidez residual dos monoésteres Para determinação da acidez residual foram solubilizados 5,0 gramas do monoéster etílico obtido em 50 mL de etanol. O material solubilizado foi titulado com hidróxido de sódio 0,1 mol/L padronizado utilizando-se fenolftaleina como indicador. Para correção do volume final foi feito titulação do branco com 50 mL de etanol. Como segunda técnica foi feita também a determinação por titrimetria potenciométrica utilizando-se 5,0 gramas do monoéster etílico em 50,0 mL de etanol. As análises foram feitas em triplicata. nos densa é lavada por três vezes com ácido clorídrico 10% v/v em água fervente e uma vez com 100 mL de água ferven- Resultados e discussão te que é testada com fenolftaleina após ter sido separada. A Durante a fase inicial que compreendeu a extração do óleo fase orgânica obtida é filtrada a vácuo sobre sulfato de sódio. bruto de macaúba foram executadas várias extrações a partir do A catálise em meio ácido foi executada utilizando-se 2,0 mL fruto in natura ou amêndoa, variando as condições de extração, de ácido sulfúrico dissolvido em etanol, adicionado a propor- e os resultados obtidos são descritos na tabela 01. 132 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON 2013/1 - NÚMERO 7 - ISSN 2176 7785 Os dados refletem a composição em óleo do fruto como rígido reduz a degradação do óleo da amêndoa garantindo sua um todo, sendo relatada uma composição média de 15 a 16 integridade. Os frutos coletados em até 24 horas conduziram a % em óleo na amêndoa e 65 a 70 % em óleo no fruto como maiores rendimentos em massa de óleo extraído, 73,71 e 68,82 um todo, incluindo mesocarpo e amêndoa (BHERING, 2009). %, mesmo com menos tempo em refluxo. Nas tentativas de tran- Pelos dados obtidos percebe-se uma alta degradabilidade do sesterificação do óleo de macaúba, a catálise básica se mostrou óleo da macaúba após estocagem, especialmente na extração totalmente inviável em função da alta acidez apresentada pelo do fruto in natura, uma vez que o mesocarpo é mais suceptível óleo extraído dos frutos. O contato dos ácidos graxos livres com a contaminação microbiológica e consequente hidrólise química os catalisadores básicos levou a precipitação do sal orgânico do óleo e aumento da acidez residual. A massa de óleo extra- derivado destes ácidos na forma de suspensão que inviabilizou ído do fruto in natura após estocagem, apresenta rendimentos a utilização da técnica, em virtude dos baixos rendimentos em bem inferiores a 70 %, devido a hidrólise do óleo do mesocar- torno de 19%, considerando todo o sobrenadante residual como po, o que não ocorre na amêndoa estocada, pois o endocarpo monoésteres, como pode ser observado na figura 04. As tentativas de transesterificação com catálise ácida foram to no óleo extraído de frutos coletados em até 24 horas, sendo mais produtivas tanto no óleo extraído de frutos estocados quan- os resultados obtidos nestas tentativas abordados na tabela 02. Na transesterificação ácida, a proporção óleo/etanol não 02). Os monoésteres foram obtidos sob a forma de fase oleosa influenciou diretamente no rendimento de reação, assim como límpida e isenta de qualquer tipo de precipitação. Os mesmos o tempo de refluxo. Tanto o refluxo por 72 horas quanto por 48 foram caracterizados por CCD, comparando-se o óleo bruto horas conduziram a rendimentos finais semelhantes, sendo que com o material de partida e o bruto de reação após refluxo. Na foram obtidos os mesmos rendimentos tanto com o óleo do fru- placa de CCD da amostra de óleo bruto foram obtidas manchas to estocado quanto do fruto coletado em até 24 horas (Tabela com fatores de retenção (Rf) iguais a 0,80 e 0,56, referentes ao PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON 2013/1 - NÚMERO 7 - ISSN 2176 7785 l 133 triacilglicerol e ácidos graxos livres respectivamente. Na placa monoésteres etílicos e excesso de ácidos graxos não consumi- de CCD do bruto de reação na transesterificação ácida, foram dos. A acidez residual do produto de reação foi determinada por obtidas manchas com Rf iguais a 0,93 e 0,54, referentes aos titrimetria potenciométrica, figura 05. Considerando as normas ABNT NBR 14448 e ASTM D-664 horas sob refluxo foi considerado adequado para se obter um (LIMA, 2010), a massa limite de hidróxido de potássio consumido rendimento médio de 52,5 % em volume e a acidez residual se por grama de monoéster é 0,5 mg. A partir dos dados descritos mostrou satisfatória dentro do limite permitido de até 0,5 mg de o volume final determinado de hidróxido de sódio 0,01044 mol/L KOH por grama de monoéster. foi de 0,1 mL por 5,0 gramas de monoéster titulado (Gráfico III, Figura 05). Tal resultado equivale a uma massa de 0,0585 mg de hidróxido de potássio por 5,0 gramas de monoéster ou 0,0117 mg de KOH por grama de monoéster analisado, atendendo aos limites especificados. Conclusão Os frutos íntegros da macaúba forneceram maior rendimento em óleo após extração quando foram estocados por até 24 horas, sendo os monoésteres etílicos obtidos com melhores rendimentos sob transesterificação ácida. O tempo de reação de 48 Agradecimentos Agradecemos ao Centro Universitário Newton Paiva pela infraestrutura e a FUNADESP pelo apoio financeiro concedido. Referências BHERING, L. Macaúba: matéria-prima nativa com potencial para produção de biodiesel. Embrapa – Agroenergia, Brasília, DF. 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