Dissertação Luiz Pedro Barbosa

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
INSTITUTO DE LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM
LUIZ PEDRO DA SILVA BARBOSA
PROCESSOS DE FORMAÇÃO E VARIEDADE DE USO NO SUFIXO –Ē
ESTATIVO LATINO
Niterói
2016
LUIZ PEDRO DA SILVA BARBOSA
PROCESSOS DE FORMAÇÃO E VARIEDADE DE USO NO SUFIXO –Ē
ESTATIVO LATINO
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-graduação em Estudos da Linguagem
como requisito para obtenção do título de
Mestre em Estudos da Linguagem.
Linha de Pesquisa: Teoria e análise
lingüística
Orientadora: Profª Drª Lívia Lindóia Paes
Barreto
Agência de fomento: CAPES
Niterói
2016
B238
Barbosa, Luiz Pedro da Silva.
Processos de formação e variedade de uso no sufixo –ē estativo
latino / Luiz Pedro da Silva Barbosa. – 2016.
125 f.
Orientadora: Lívia Lindóia Paes Barreto.
Dissertação (Mestrado em Estudos de Linguagem) – Universidade
Federal Fluminense, Instituto de Letras, 2016.
Bibliografia: f. 82-85.
1. Morfossintaxe. 2. Transitividade. 3. Aspecto. 4. Vogal temática.
3. Funcionalismo. I. Barreto, Lívia Lindóia Paes. II. Universidade
Federal Fluminense, Instituto de Letras. III. Título.
Data da defesa:
25 de Fevereiro de 2016
Banca Examinadora:
Profª Drª Lívia Lindóia Paes Barreto UFF (Orientadora)
Profª Drª Mariângela Rios de Oliveira UFF (Coorientadora)
Profª Drª Rívia Silveira Fonseca UFRRJ
Profª Drª Glória Braga Onelley UFF
Profª Drª Fernanda Messeder Moura UFRJ (Suplente)
Prof Dr Fábio Peifer Cairolli UFF (Suplente)
Resumo:
Esta pesquisa foi desenvolvida durante o curso de Mestrado em Estudos da Linguagem,
no Instituto de Letras da UFF. O objeto enfocado é o morfema –ē, formador de verbos
com valor de estado – estativos – em Latim. O ponto de partida destes estudos é a
aparente interseção entre as categorias de sufixo derivacional e vogal temática em que
se encontra o referido morfema. Estudos de Morfologia Diacrônica do Latim mostram
que ele tem uma trajetória relativamente complexa como continuidade de um morfema
formador de temas aorísticos indoeuropeus. Como a permanência é inerente à mudança,
o Latim apresenta diversos traços desse antigo paradigma. Filiado a uma corrente
funcionalista centrada no uso, este trabalho utiliza a perspectiva construcional de
Traugott & Trousdale (2013). Para as análises, são utilizados também os parâmetros de
transitividade de Hopper e Thompson (1980). O corpus são as comédias de Plauto,
autor do período arcaico da Literatura Latina. A escolha do autor se deu pelo caráter
“popular” de sua obra e pelas numerosas marcas de oralidade de seus textos, o que leva
a crer que eram próximos do falar vernáculo da época. As análises, de modo geral,
mostraram que os usos dos verbos estativos se afastam, em muitos aspectos, das
características descritas pelas gramáticas diacrônicas, pois não possuem produtividade e
com provável neoanálise do radical verbal. Mostraram também, que o sufixo está
relacionado com a noção de aktionsart, ou modo de ser da ação verbal.
Palavras-chave: Morfossintaxe, transitividade, aspecto, vogal temática, funcionalismo.
Abstract:
This research was developped during the Master Course on Language Studies, at
Instituto de Letras, in UFF. The objectve focused is the morpheme –ē, composer of
verbs with a state value – stative – in Latin. The starting point of these studies is the
apparent intersection between the categories of derivational suffix and thematic vowel
wich the referred morpheme is found in. Diacronic studies of latin morfology show that
this suffix has a relatively complex path as continuity of a morpheme composer of
indoeuropean aoristic themes. As the permanence is inherent to change, Latin shows
several features of such na ancient inflectional paradigm. Affiliated to a used based
functionalist theory, this work uses the constructional perspective by Traugott &
Trousdale (2013). For the analysis, we used transitivity paramaters by Hopper &
Thompson (1980). The corpus are comedies of Plautus, writer from archaic period of
Latin Litterature. The choice of this author is due to the popular feature of his work and
to the numerous orality marks nos his texts, wich lead us to believe that its language
was close to the vernacular spoken language of his age. In a general way, the analysis
shoed that stative verbs use are away, in many features, from those described by
diachronic grammars, because they have no productivity and with a probable
neoanalysus of the verb stem. They also showed that the suffix is related to the notion of
aktionsart, or a way of being of a verbal action.
Key-words: Morphossintax, transitivity, aspect, thematic vowel, functionalism.
Agradecimentos
À Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo apoio
financeiro à minha pesquisa;
Aos meus pais, pelo carinho e dedicação;
Aos amigos, de todas as esferas, pelo apoio em momentos necessários à produção
acadêmica;
Aos mestres do presente, pela confiança no meu trabalho;
Aos mestres do passado, pelo legado imorredouro.
In memoriam:
Ernesto Faria, mestre do passado, que dedicou sua vida, até os últimos instantes, a
defender o ensino de Latim no Brasil.
Nedum sermonum stet honos, et gratia uiuax.
Multa renascentur quae iam cecidere, cadentque
Quae nunc sunt in honore uocabula, si uolet usus
Quem penes arbitrium est et ius et norma loquendi.
(HORÁCIO Ep. ad Pis, v. 69-72)
Que menos ainda permaneçam o prestígio e a graça vivaz das palavras
Muitas que já caíram renascerão, e cairão
Aquelas palavras que estão em prestígio, se desejar o uso
Nas mãos de quem está o arbítrio, e também o direito e a norma de falar.
Índice
Lista de Tebelas, Quadros e Gráficos..........................................................................10
INTRODUÇÃO.............................................................................................................11
CAPÍTULO 1 – SITUANDO O OBJETO...................................................................15
1.1 – O Indoeuropeu, seu sistema verbal e o sufixo *–ē.....................................15
1.2 – O sistema verbal do Latim e o sufixo –ē....................................................22
1.3 – Dúvidas e questões relativas aos verbos estativos......................................28
1.4 – Resumo do capítulo....................................................................................29
CAPÍTULO 2 – PRESSUPOSTOS TEÓRICOS........................................................30
2.1– A visão saussureana da Linguagem e a Linguística Funcional...................30
2.2 – Linguística Centrada no Uso.......................................................................31
2.3 – Gramática de Construções..........................................................................32
2.4 – Verbos estativos em uma visão construcional............................................35
2.5 – Transitividade Oracional.............................................................................39
2.6 – Fechamento do panorama teórico e preparação para as análises................42
CAPÍTULO 3 – TEXTOS E CONTEXTOS...............................................................44
3.1– Roma: da fundação ao início da República.................................................44
3.2 – A Comédia em Roma..................................................................................45
3.3 – Sobre Plauto e sua comédia........................................................................47
3.4 – Sobre o corpus de pesquisa.........................................................................50
3.5 – Sobre as obras.............................................................................................51
CAPÍTULO 4 – DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS......................................54
4.1 – Ocorrências de Verbos estativos.................................................................54
4.2 – Para uma análise qualitativa.......................................................................62
4.3 – Reflexões sobre as análises dos dados........................................................62
4.3.1 – Processos de Formação dos verbos estativos...........................................63
4.3.2 – Transitividade Oracional..........................................................................66
4.3.3 – Aspecto morfológico e Aspecto Lexical..................................................73
4.4 – Compilando os resultados das análises dos dados......................................75
4.5 – Desdobramentos dos resultados..................................................................76
CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................80
REFERÊNCIAS.............................................................................................................82
ANEXO 1 – LISTA DE OCORRÊNCIAS DE VERBOS ESTATIVOS NAS
PEÇAS AMPHITRYON, MOSTELLARIA E PERSA.............................................86
LISTA DE TABELAS, QUADROS E GRÁFICOS
Tabela 1: Palavras comparáveis entre as línguas clássicas: Grego, Latim e Sânscrito
Tabela 2: Parâmetros da transitividade
Quadro 1: Dimensões das construções
Quadro 2: Hierarquia construcional
Quadro 3: Pareamentos de forma e função para verbos de estado
Gráfico 1: Aspecto do verbo
Gráfico 2: Número de argumentos
Gráfico 3: Construções impessoais frente às demais monoargumentais
Gráfico 4: Habeo e teneo frente às demais biargumentais
Gráfico 5: Ocorrências por peça
12
INTRODUÇÃO
A motivação primeira de uma pesquisa como esta é o arranjo que as gramáticas
do Latim fazem do seu sistema verbal: em quatro conjugações. A Monitoria de língua
latina e língua grega, entre 2011 e 2013, suscitou o interesse pela pesquisa da
morfossintaxe latina, sobretudo como consequência do projeto ―A frase latina: descrição
e análise das relações morfossintáticas‖. A partir de então, foram abordados diversos
temas da gramática do Latim, com especial atenção para os fatores mais formais da
língua. Ao observar os diversos processos de derivação sufixal que resultavam no
referido arranjo, entendemos que essas quatro conjugações deveriam advir de uma série
de processos mais complexos de formação e que, ainda, tal série deveria manter traços
semânticos.
De fato, há uma série complexa de formação de temas verbais cujo resultado é a
divisão em quatro conjugações. Consideramos que, dentre os vários sufixos
derivacionais de verbos latinos, um estudo do sufixo de estado –ē seria oportuno, dada
sua origem remota, como formador de aoristos indoeuropeus e também suas marcas
semânticas e morfossintáticas características da frase latina.
Assim, o primeiro capítulo vem apresentar o objeto da pesquisa, sob o ponto de
vista histórico. Entende-se que é de fundamental importância situá-lo no tempo, e no
sistema linguístico antes que se proceda à análise, pois, apesar de este tema não vir mais
a ser focado durante o trabalho, frequentemente, ele terá relações com os capítulos
vindouros.
O capítulo se inicia por uma descrição do sistema verbal indoeuropeu, com
especial atenção para as variações temáticas e aspectuais dos seus verbos. O
comportamento morfossintático dos mesmos e os valores semânticos ligados a cada um
dos aspectos contribuem, conjuntamente, para o enfoque que aqui damos ao sufixo
estativo.
Passamos, em seguida, à observação específica sobre o sufixo –ē. Tentamos
entender o seu papel na flexão verbal indoeuropeia, papel importante para o estudo do
referido sufixo na língua latina.
Chegamos, a seguir, ao Latim e à descrição da flexão latina, com atenção para a
sua variação aspectual, em comparação com o estágio primitivo. Do mesmo modo,
13
passamos ao estudo descritivo aprofundado sobre o sufixo (agora sim)1 estativo –ē e de
seu funcionamento no sistema verbal latino. Também é oportuno discorrer de modo
breve sobre o uso do sufixo no latim vulgar e nas línguas neolatinas. A descrição está
embasada na amostragem de alguns exemplos de uso, retirados do corpus,
acompanhados de descrição, com foco na transitividade das orações.
Finalmente, o capítulo se encerra com as dúvidas e questões que motivaram essa
pesquisa e que serão desenvolvidas no decorrer do trabalho. Tais motivações estão
relacionadas tanto com o sistema do verbo latino quanto com a categorização do sufixo
estativo enquanto vogal temática.
O segundo capítulo conta, inicialmente, com uma abordagem mais ampla dos
pressupostos teóricos, isto é, dos fundamentos que alicerçam a pesquisa e a
metalinguagem utilizada para o trabalho. Essa etapa se inicia com uma breve exposição
sobre a corrente de pensamento linguístico intitulada Funcionalismo, mais precisamente
Linguística Funcional Centrada no Uso, vertente norte-americana dos estudos
funcionais. Quando chegarmos aos pressupostos metodológicos, estes deverão estar em
harmonia com a corrente teórica na qual nos inserimos.
Entre os diversos princípios funcionalistas, muitos dos quais de extrema
utilidade para este texto, destacaremos a Gramática de Construções. Dentre as diversas
―gramáticas de construções‖, descreveremos os princípios daquela que utilizamos aqui:
Traugott & Trousdale (2013). A partir daí, um passo importante é o de mostrar como
conceber o objeto de estudo – os verbos estativos latinos – de acordo com essa vertente,
nos diferentes níveis de análise e de definição.
A contribuição seguinte, que incide sobre aspectos específicos deste estudo, é a
de Hopper & Thompson (1980), com seus parâmetros de transitividade verbal. Esses
parâmetros foram revisados por seus autores (in BYBEE & HOPPER, 2001) e,
posteriormente, discutidos por diversos outros, inclusive no Brasil (in ABRAÇADO &
KENNEDY, 2014). Tais fundamentos serão articulados de modo bastante oportuno com
os estudos de CORÔA (2015), sobretudo quando nos debruçarmos sobre os traços de
aspecto e pontualidade.
1
Esse morfema, no Indoeuropeu, ainda não possuía o valor estativo
14
O terceiro capítulo tem o propósito de levar o leitor ao contexto em que os
textos, dos quais nos servimos nesta pesquisa, foram compostos; as características da
sociedade em que circulavam, a quem se dirigiam, em que situação eram utilizados.
Portanto, discorremos sobre a situação político-social da República Romana entre os
séculos III e II a.C., a chamada fase arcaica da Literatura Latina, e sobre as origens das
manifestações cômicas na Península Itálica, bem como sobre a comédia latina e sua
inspiração fundamental na comédia nova grega.
Igualmente importante é tratar do autor do nosso corpus, logo, um dos itens
deste capítulo se volta para um resumo de sua trajetória, suas características e sua
recepção, de acordo com as referências disponíveis.
Segue-se o item que trata da descrição das peças selecionadas para este trabalho.
Tendo Plauto composto vinte e uma peças preservadas até o século XXI, um estudo
aprofundado de cada uma delas demandaria outro tipo de trabalho, diferente do
proposto aqui. Foram selecionadas para servir como exemplificação à exposição, três
delas, que apresentam mais exemplos do objeto de pesquisa: Amphitryon, Persa e
Mostellaria, cujos argumentos serão apresentados, dada a importância do seu
conhecimento.
O capítulo é finalizado com apresentação da trajetória dos textos plautinos da
edição crítica que aqui utilizamos. A questão da transmissão textual é tão complexa
quanto necessária para qualquer estudo sobre uma língua antiga.
Finalmente, de posse dessas informações, esperamos que elas contribuam para a
compreensão dos textos analisados. Afinal, o contexto sócio-histórico, o gênero e o
direcionamento do texto são fatores imprescindíveis para um estudo linguístico,
principalmente, em uma perspectiva centrada no uso, e têm influência marcante sobre as
escolhas feitas pelos usuários da língua.
O quarto e último capítulo traz dados de leituras quantitativas das obras cômicas
que compõem o corpus desta pesquisa. Entretanto, esta etapa não é menos importante
que as demais, pois fornece informações imprescindíveis para qualquer reflexão
aprofundada sobre o tema de estudo.
O primeiro item contém dados quantitativos acerca das ocorrências de verbos
estativos nas obras. Apesar de se tratar de uma pesquisa qualitativa, consideramos
indispensável o trabalho, em algum momento, com as quantidades de ocorrências, pois
informações quantitativas também são de fundamental importância para quaisquer
15
reflexões aprofundadas. O conjunto de dados é agrupado em categorias e as
categorizações se repetem, porém de acordo com deferentes parametrizações. Cada uma
destas gera um modo distinto de agrupar os dados.
À descrição quantitativa dos dados, seguem as análises qualitativas, etapa que
consideramos mais importante, pois inclui as principais reflexões e também as
conclusões mais marcantes para o estudo do sufixo estativo na morfologia latina. As
abordagens sobre esse fenômeno foram divididas em três itens: o primeiro, retomando a
história do objeto, discorre sobre aspectos morfológicos, mais formais; o segundo
contém os resultados das análises de transitividade, que partem dos parâmetros de
Hopper e Thompson (1980), e recebe o apoio de estudos posteriores (ABRAÇADO&
KENEDY, 2014; CAVALCANTE, 1997; CORÔA, 2005); os estudos de morfologia
histórica e de transitividade levam a um terceiro item, no qual mapeamos as noções
semânticas associadas aos diferentes morfemas nas construções com verbos de estado.
Finalmente, esperamos haver chegado a uma descrição coerente dos processos
de formação dos verbos estativos, bem como de seus usos. Observamos que os
resultados das análises qualitativas dialogam, potencial, porém intensamente, com
determinadas descrições de gramáticos antigos como, Donato e Dositeu. Esse diálogo é
um dos campos oportunos de pesquisa para estudos vindouros sobre a morfologia verbal
do Latim.
Esperamos que este trabalho sirva aos pesquisadores de morfologia e sintaxe
verbal latina e que também suscite novas discussões sobre um fenômeno que, apesar de
sua substância atômica, tem se mostrado de grande complexidade.
16
CAPÍTULO 1 – SITUANDO O OBJETO
Dos itens a serem tratados nesta leitura inicial, considera-se que são bastante
importantes aqueles que versam sobre o sistema verbal latino e, principalmente, sobre a
relação sufixo-sistema. Tais informações serão retomadas diversas vezes ao longo da
pesquisa, o que as torna fundamentalmente importantes para a sua compreensão.
1.1 – O Indoeuropeu, seu sistema verbal e o sufixo *–ē
O interesse da humanidade pelas suas diversas línguas é milenar. Assim
também, é frequente o interesse pelo contato e pelas semelhanças e diferenças entre
elas, conforme os povos interagem. Na Antiguidade Clássica, primeiro na Grécia e
depois em Roma, diversos estudiosos se debruçaram sobre a língua que falavam, bem
como sobre as línguas dos povos com quem se relacionavam. Assim, a base da
taxionomia gramatical tem origem nas traduções que estudiosos latinos fizeram de
termos gregos. Um exemplo trivial desse fato é a terminologia para o caso genitivo (do
Latim genetiuus casus), que consiste em uma tradução do grego γενική πτῶσις (―geniké
ptósis‖). Outro exemplo é aquele de um gramático latino importante para este estudo,
Dositeu, que viveu no século IV d.C., e escreveu uma gramática para ensinar Latim a
falantes de Grego.
As línguas não cessaram de ser objeto de estudo e, no início do século XIV,
Dante Alighieri, em sua obre intitulada De Vulgari Eloquentia, já observa e compara
algumas línguas da Europa, em um aspecto bastante peculiar:
Na verdade, tudo o que resta destes na Europa teve um terceiro idioma,
convém agora ser visto como ‗tripartido‘. Pois alguns dizem ‗oc‘, alguns
dizem ‗oil‘, algum dizem ‗sì‘ quando afirmam, como por exemplo
Espanhóis, Franceses e Latinos. (ALIGHIERI, 1922, p. 20)2
Como podemos ver, ele as identifica segundo o termo que os falantes usam para ―sim‖,
fazendo referência, respectivamente, aos idiomas occitano (também chamado
languedoc), francês (oïl resultaria no atual ―oui‖) e italiano.
2
Totum uero quod in Europa restat ab istis, tertium tenuit ydioma, licet nunc tripharium uideatur. Nam
alii “oc”, alii “oïl”, alii “sì” affirmando locuntur, ut puta Yspani, Franci et Latini.
17
No século XVI, atribui-se a São Francisco Xavier a levada de textos sânscritos
para a Europa, bem como atribui-se aos jesuítas, que haviam partido em missão para a
Índia, as primeiras observações de que o Sânscrito possuía inúmeras semelhanças com o
Grego e o Latim.
Palavras comparáveis entre as línguas clássicas (Grego o Latim) e o Sânscrito
Inglês
Latim
Grego
Sânscrito
mother
mater
metér
matár
father
pater
patér
pitár
brother
frater
phréter
bhrátar
sister
sóror
éor
svásar
son
filius
huiús
sunú
daughter
filia
thugáter
duhitár
dog
canis
kúon
sván
cow
uacca
boús
gáu
sheep
ouis
óïs
ávi
pig
suinus
hûs
sukará
house
domus
dô
dám
Tabela 1: Palavras comparáveis entre as línguas clássicas (Grego o Latim) e o Sânscrito
(MALLORY & ADAMS, 2006, p.5)
O século XVIII foi determinante nos estudos linguísticos comparativos. O fato
que mais marcou essa época foi o discurso de Sir William Jones, jurista e estudioso
britânico, em 1786 para a Sociedade Asiática em Calcutá:
A língua sânscrita, qualquer que seja sua antiguidade, é de uma estrutura
maravilhosa; mais perfeita que o Grego, mais rica que o Latim, e mais
preciosamente refinada que as duas, ainda mantendo com ambas uma
fortíssima unidade, tanto nas raízes dos verbos quanto nas formas da
gramática, de modo que poderia possivelmente ser produzida por acidente; é
tão forte, na verdade, que nenhum filólogo poderia examinar todas as três,
sem acreditar que se originaram de uma fonte comum, que, talvez, não exista
mais: há uma razão semelhante, apesar de não ser tão forte, para supor que
tanto o Gótico quanto o Celta, apesar de serem misturado com um idioma
muito diferente, tenham tido a mesma origem do Sânscrito; e o Persa Antigo
poderia ser adicionado à família, se houvesse espaço para discutir qualquer
18
questão relativa às antiguidades persas (apud MALLORY & ADAMS, 2006,
p.5)3
As observações de Jones despertaram o interesse de muitos lingüistas por essa
―família linguística‖. No início do século XIX, Thomas Young foi o primeiro a propor o
nome ―Indoeuropeu‖ para esta família de línguas. Os estudos dos dinamarqueses
Rasmus Rask e Franz Bopp solidificaram a proposta de uma unidade linguística
primitiva e adicionaram diversas línguas ao conjunto. Ainda no século XX, outras
línguas indoeuropeias foram descobertas, notadamente o Tocário (no oeste da China) e
as línguas anatólias (na Turquia), cujo maior representante é o Hitita.
O que se convencionou chamar Indoeuropeu é uma unidade linguística
artificialmente reconstituída. A partir do século XVIII e ao longo do século XIX,
surgiram diversos estudos que mostravam como a maior parte das línguas da Europa,
bem como diversas línguas da Ásia Central e da Península Indostânica eram, de algum
modo, parentes. As diversas semelhanças entre elas levaram os lingüistas a concluir que
houve, outrora, na pré-história, uma única língua, ou mesmo uma unidade linguística,
que deu origem a todas as demais.
Após cerca de dois séculos de estudos diacrônicos, essa língua continua fora de
alcance, uma vez que não nos legou nenhum documento escrito. O que se sabe dela é
fruto de estudos comparativos entre as suas descendentes.
As línguas herdeiras do Indoeuropeu mantêm, com relativa proximidade,
características básicas primordiais de seu sistema verbal ancestral. Essa afirmação é
ratificada por diversos traços, tais como a flexão modo-temporal, a flexão númeropessoal, a flexão de voz e a alternância temática aspectual (mesmo que em nível
meramente morfofonêmico).
Mesmo assim, ―o sistema do verbo indoeuropeu era extremamente complexo.
Todas as línguas simplificaram-no no decorrer de seu desenvolvimento particular, e
cada uma de sua maneira.‖ (MEILLET, 1949, p.173)4. Esse fato mostra a complexidade
de um idioma falado em épocas pré-históricas, que veio sendo falado por milênios
3
The Sanskrit language, whatever be its antiquity, is of a wonderful structure; more perfect than the Greek, more copious
than the Latin, and more exquisitely refined than either, yet bearing to both of them a stronger unity, both in the roots of the
verbs and in the forms of grammar, than could possibly have been produced by accident; so strong indeed, that no philologer
could examine them all three, without believing them to have sprung from some common source, which, perhaps, no longer
exists: there is a similar reason, though not quite so forcible, for supposing that both the Gothic and the Celtic, though
blended with a very different idiom, had the same origin with Sanskrit; and the old Persian might be added to the same
family, if this were the place for discussing any question concerning the antiquities of Persia.
4
Le système du verbe indo-européen était extrêmement complexe. Toutes les langues l’ont simplifié au
cours de leur développement particulier, et chacune à sa manière.
19
incontáveis e sujeito aos processos de variação, mudança e persistência inerentes às
línguas naturais (cf. MARTELOTTA, 2011, p.27; CUNHA, OLIVEIRA &
MARTELOTTA, 2003, p.73). Assim, em relação às línguas primitivas de um modo
geral, ―Os paleolinguistas não buscam mais descobrir uma quimérica ‗primeira língua‘,
mas sim tentam entender a complexidade da multidão de línguas que já existiram‖
(FISCHER, 2009, p.78).
Entretanto, como se faz necessário delimitar um foco neste item, a unidade
linguística indoeuropeia será considerada como uma língua, e as reflexões sobre seu
passado mais remoto não serão retomadas, apesar de serem interessantíssimas aos
estudos lingüísticos. Assim, passemos à descrição de seu sistema verbal.
O verbo indoeuropeu era baseado em um tema, que poderia ser primitivo ou
derivado, e já possuía diversos processos de composição de novos temas verbais. A esse
tema se acrescentavam desinências sufixais, que exprimiam noções de tempo (passado
ou presente, não havia futuro); modo (indicativo, subjuntivo, optativo e imperativo);
número (singular, dual e plural); pessoa (primeira, segunda e terceira) e voz (ativa ou
média, não havia passiva). Esse comportamento morfológico, de modo geral, não é tão
diferente daquele dos sistemas verbais de suas línguas herdeiras. A principal diferença
está, não nas desinências, mas nos temas verbais.
Cada tema possuía o valor principal do sistema verbal – o aspecto. Dubois et al.
(2006, p. 73) definem-no como ―uma categoria gramatical que exprime a representação
que o falante faz do processo expresso pelo verbo [...], i. e., a representação de sua
duração, do seu desenvolvimento ou do seu acabamento...‖ e Trask (2006, p. 40) defineo como ―categoria gramática que representa distinções na estrutura temporal do evento‖.
Segundo Monteil (1974, p.264), o aspecto é uma referência ao próprio processo que
envolve a ação verbal. Voltando a Dubois et al. (op. cit.), o aspecto situa o processo em
relação à enunciação e o tempo o faz em relação ao enunciado. Desse modo, sob tal viés
semântico, tempo e aspecto podem coexistir em uma língua. No Indoeuropeu, os dois
coexistiam também morfologicamente: o aspecto era expresso pelos radicais (temas)
verbais e o tempo o era por meio de morfemas flexionais(chamados desinências ou
sufixos temporais).
Podemos exemplificar muito dessa característica no sistema verbal do Latim,
idioma objeto deste estudo. Tomando um verbo como cano, -is, -ere, cecini, cantum
(cantar), podemos ver que tanto a forma cano (presente) quanto a forma cecini (perfeito)
não possuem sufixo temporal, o que leva a concluir que a primeira é o presente do
20
infectum e a segunda é o presente do perfectum (cf. p.21 para a descrição do sistema
verbal latino).
O aspecto é o mais importante traço verbal. A partir de cada tema, construíam-se
as flexões relativas às demais categorias verbais, já mencionadas. Esses temas possuíam
relativa independência entre si, isto é, cada aspecto possuía seus próprios processos de
composição de temas.
O Latim novamente fornece exemplos dessa flexão: a forma de presente (cano)
dá origem às formas de futuro imperfeito e pretérito imperfeito (canam e canebam) e a
forma de perfeito dá origem ao futuro perfeito e ao pretérito mais que perfeito (cecinero
e cecinaram).
Para explicar melhor essa característica, é oportuno olhar com atenção para cada
um dos aspectos indoeuropeus:
1º Um aspecto dinâmico e progressivo, correspondente ao tema chamado
‗presente‘, caracterizado no ativo por um vocalismo pleno radical de timbre ĕ, e
por desinências primárias; 2º um aspecto estático e atingido, correspondente ao
tema chamado ‗perfeito‘ caracterizado originalmente por um vocalismo radical
pleno de timbre ŏ e uma série específica de desinências. Um redobro nãoobrigatório se unia muito frequentemente a essas características; 3º enfim, um
aspecto ‗zero‘, nem dinâmico nem estático, nem progressivo nem alcançado,
correspondente a um tema chamado ‗aoristo, caracterizado pelo vocalismo
radical reduzido e completado por desinências secundárias. (MONTEL, op. cit.,
p. 267)5
Esses três aspectos indoeuropeus se mantiveram na língua grega. Observe-se, no verbo a
seguir, como o radical verbal varia de acordo com o aspecto, tal como explicado acima;
a vogal base do radical (vocalismo) varia da mesma forma, e cada um deles tem suas
próprias desinências (o presente tem desinências primárias6, o perfeito tem uma série de
desinências específicas e o aoristo tem desinências secundárias). O radical do verbo está
em negrito e o vocalismo está sublinhado. É importante lembrar também que, em
5
1º Um aspect dynamique et progressif, correspondant au thème dit “present”, caracterisé à l’actif par
un vocalisme plein radical de timbre ĕ, et des desinences primaires; 2º un aspect statique et achevé,
correspondant au theme dit “parfait”, caracterisé anciènnement par un vocalisme plein radical de
timbre ŏ, et une série specifique de désinences. Un redoublement, non-obligatoire, s’ajoutait très
frequemment a ces charactéristiques;3º enfin, un aspect “zero”, ni dynamique ni statique, ni progressif
ni achevé, correspondant au theme dit “aoriste”, caracterisé par le vocalisme radical réduit et affublé
des desinences secondaires.
6
Os tempos primários são o presente e o perfeito. Eles recebem desinências primárias e dão origem aos
demais tempo, que são chamados secundários e que, portanto, recebem desinências secundárias.
21
Grego, os tempos pretéritos secundários, isto é, aqueles formados a partir de outros
tempos primitivos recebem um aumento prefixal em ε(ĕ) – chamado ―aumento verbal‖.
Curiosamente, o aoristo, traduzido usualmente por um passado, também recebe esse
aumento, apesar de não figurar entre os tempos secundários. Vejamos o verbo:
πείθω
(peitho)
eu persuado (presente)
πέποιθα
(pépoitha)
eu persuadi (perfeito)
ἔπιθον
(épithon)
eu persuadi (aoristo)
O verbo grego tomado como exemplo mostra com clareza uma reminiscência do
padrão flexional básico de temas aspectuais indoeuropeus. E é básico porque existem
outros processos, quase todos operados por variações morfológicas, que servem para
formar temas de presente, de perfeito e de aoristo, entre os quais destacam-se uma
formação com a adição de um s (que se tornou a mais produtiva em Grego, de modo que
o próprio verbo tomado como exemplo possui um aoristo ἔπεισα– épeisa, é o chamado
aoristo sigmático), e também aquela sobre a qual este texto se debruça: com a adição de
um –ē, para formar aoristos passivos.
Quanto ao valor aspectual dessas variações, talvez seja fácil distinguir o presente
dos outros dois aspectos, o que não se aplicaria à distinção do perfeito e do aoristo.
Designando o perfeito uma ação concluída, estática, ele se diferencia do aoristo por este,
no modo indicativo, designar apenas um passado, sem a noção de acabamento.
Do mesmo modo, a questão do aspecto será abordada, especificamente no
Latim, em momento oportuno.
O item a ser abordado aqui é o sufixo *–ē. No nível mais concreto, esse
morfema é originado de um ditongo –eH1 indoeuropeu7 (cf. MONTEIL, 1974, p. 292),
que no seu vocalismo pleno8 se altera, na passagem ao latim, para um ē. A noção desse
processo mostra o quão antigo é esse sufixo nas línguas indoeuropeias. Em grego, a
evolução fonética também resultou em η (ē).
7
O fonema H1 faz parte de uma séria de sons, chamados ‘soantes laringais’ – H1, H2 e H3, segundo a
proposta aqui utilizada. Essas soantes não se conservaram em quase todas as línguas indoeuropeias (o
grupo Anatólio é a única exceção).
8
O Indoeuropeu não possui ‘vogais’, mas sim um ‘vocalismo’, que consiste em um timbre alternante
ĕ/ŏ/ø. Esse vocalismo era a base das raízes indoeuropeias, que são, originalmente, monossilábicas, e
também se manifestam nos diversos morfemas dessa língua. Assim, o referido ditongo podia se
manifestar de três formas: eH1, oH1 e H1. Os fonemas referentes a I, U e A são de origem sonântica.
22
O sufixo –ē era um dos processos de formação de temas de aoristo, ligando-se a
uma raiz verbal que, geralmente, aparecia com vocalismo radical reduzido. De acordo
com Chantraine (1984, p. 161), os aoristos formados por –ē eram aoristos intransitivos.
A associação de um valor estativo a um tema de aoristo se dava, provavelmente, para
designar uma ação verbal que ―atingiu determinado estado‖. Daí a ocorrência desse
sufixo nos temas de aoristo. É importante notar que ele não ocorria nos outros temas
aspectuais.
É válido recorrer novamente à língua grega, pois ela manteve o aoristo, e o
sufixo –ē que entrava na sua formação e se sistematizou como sufixo formador de
aoristos intransitivos. Daí, na formação da voz passiva9, ele ganhou certa produtividade
e se estendeu aos demais aspectos, sendo encontrado, portanto, no Grego Clássico, em
outros temas, especialmente no perfeito e no futuro (para um estudo mais aprofundado
da trajetória do sufixo –ē no Grego Antigo, ver CHANTRAINE, 1984).
Enfim, o aspecto aoristo suscita, ainda, uma série de reflexões. De acordo com
Benveniste (apud MONTEIL, op. cit. p. 265), morfologicamente, o aoristo teria tido
uma origem nominal, bem como uma incorporação tardia, em relação aos outros dois –
presente e perfeito. Esse pensamento pode explicar a relação entre os verbos estativos
latinos e determinados compostos substantivos e adjetivos.
Nossas observações a respeito do verbo indoeuropeu e do sufixo –ē estão longe
de explicar a complexidade do sistema. No entanto, devemos destacar que alguns
tópicos são de fundamental importância para o estudo do mesmo morfema na língua
latina, tais como: as alternâncias aspectuais e a importância do aspecto para a
conjugação indoeuropeia; a relação do sufixo com os temas de aoristo. Esse dois tópicos
ajudarão a compreender o estado latino do verbo.
O domínio da família indoeuropeia, na antiguidade clássica, se estende por quase
todas as regiões da Europa e por diversas áreas da Ásia. Divido, taxionomicamente, em
diversos ramos, aquele que nos diz respeito é o grupo itálico, usado por povos
habitantes da Península Itálica a partir do final do segundo milênio a.C.. Essa região, era
um mosaico de línguas, indoeuropeias ou não, das quais uma era o Latim, idioma falado
na região conhecida como Latium (Lácio).
9
A voz passiva, tanto em Grego quanto em Latim, era feita de um modo bastante peculiar: era uma voz
passiva desinencial, i. e., desinências número pessoais próprias de voz passiva se ligavam ao verbo.
Assim, no Grego, o verbo πείθω tem sua voz passiva em πείθομαι (peithō/ peithomai - persuado/ sou
persuadido ou obedeço); no Latim, um verbo capio tem sua voz passiva em capior (capturo/ sou
capturado).
23
Entre as diversas línguas próximas ao Latim, destam-se o Osco e o Umbro, com
uma quantidade considerável de textos epigráficos preservados. São essas as mais
próximas ao Latim.
1.2 O sistema verbal do Latim e o sufixo –ē
A principal mudança que o verbo latino mostra em relação ao seu antepassado é
a questão da oposição aspectual. A língua latina possui uma oposição fundamental entre
um presente e um perfeito (infectum e perfectum, respectivamente). Não há aoristo, ele
apenas deixou vestígios morfológicos em alguns temas de perfectum, chamados
perfeitos aorísticos (cf. ERNOUT, 2002, p. 197; FARIA, 1958, p. 235). Também no
Latim, a categoria de tempo ganha maior importância até à criação do tempo futuro.
Sobre tal categoria, é possível que o Latim se situe em um momento de transição da
categoria principal da flexão verbal, entre o aspecto e o tempo.
Na língua portuguesa, os temas verbais perdem seu caráter aspectual, deixando
vestígios morfológicos improdutivos de temas aspectuais (nos verbos ditos irregulares).
Ao observarmos o verbo português ―fazer‖, classificado por Bechara (2009, p. 187)
como irregular forte, por mudar o seu radical no pretérito perfeito, veremos que essa
alteração, no Latim, nada possuía de irregular: o verbo facio possuía um perfeito em feci
(formado por alternância vocálica, comum no Latim) que dava origem às formas dos
tempos perfeitos (fecero, feceram, fecerim, fecissem), repectivamente futuro perfeito e
mais-que-perfeito do indicativo, pretérito perfeito e mais-que-perfeito do subjuntivo.
Quanto à categorização dos verbos latinos, é importante lembrar que a nossa
língua portuguesa tem, tradicionalmente, seus verbos divididos em categorias chamadas
―conjugações‖ (primeira, segunda e terceira), de acordo com a vogal temática prédesinencial que se mostra clara nos infinitivos. No Latim, o critério de categorização
dos verbos pelas gramáticas é o mesmo, de modo que a conjugação dos verbos latinos
se apresenta dividida de acordo com o seguinte arranjo didático:
1ª conjugação, formada pela vogal temática –ā, como amo, –as, –āre, –āui, –ātum
2ª conjugação, formada pela vogal temática –ē, como habeo, –es, –ēre, –ui, –itum
3ª conjugação, formada pela vogal temática –ĕ, como facio, –is, –ĕre, feci, factum
4ª conjugação, formada pela vogal temática –ī, como seruio, –is, –īre, –īui, –ītum
(amar, ter, fazer e servir, respectivamente)
24
Há ainda um grupo de verbos nos quais as desinências se ligam diretamente ao
radical, sem a presença de uma vogal temática, sendo assim chamados de atemáticos (e,
impropriamente, de irregulares). São colocados à parte do arranjo das quatro
conjugações. É um grupo reduzido, mas de verbos bastante importantes para a Língua
Latina:
sum, es, esse, fui, (ser)
fero, fers, ferre, tuli, latum (levar, trazer)
uolo, uis, uelle, uolui, (querer)
Note-se ainda, que cada verbo pode dar origem a diversos compostos, que se
flexionarão do mesmo modo. Assim, sum dá origem a possum (poder) e uolo dá origem
a nolo e malo (não querer, preferir)
É importante lembrar que a notação do verbo em Latim é diferente daquela feita
em Português. Os verbos latinos, segundo os dicionários utilizados nesta pesquisa, são
encabeçados pela forma de P1 do presente ativo do indicativo, seguida por P2 do
mesmo tempo, modo e voz. A terceira forma apresentada é aquela de infinitivo, que
mostra a vogal temática usada na separação dos grupos; a quarta forma é a do chamado
perfectum, que é o tema que será usado como base de todos os tempos perfeitos (em
oposição aos tempos imperfectivos). Essa forma levanta questões e merece estudos
próprios, uma vez que, quando existe, frequentemente não apresenta a mesma vogal
pré-desinencial do infectum (tema dos tempos imperfectivos).
A quinta forma apresentada é a do chamado supino, que dá origem ao particípio
perfeito dos verbos latinos.
Esses quatro grupos são resultados de uma complexa série de processos de
formação (talvez uma ―feliz coincidência‖) que fez com que aquelas quatro vogais
estivessem ligadas entre a raiz e as desinências.
As limitações desse arranjo já eram notadas por Ernesto Faria em 1958:
Resta-nos agora apenas tratar da divisão clássica dos verbos latinos em
quatro conjugações. Aliás, esta divisão é inteiramente falha, não só por
não se poder aplicar em geral às formas do perfectum, como também,
mesmo no que diz respeito ao infectum, por reunir verbos com
características diversas. (p.240)
25
É compreensível que o arranjo em quatro conjugações seja favorável aos alunos
que começam a o aprendizado do Latim. No entanto, para estudos mais aprofundados, é
interessante levar em conta os processos de formação dos temas aspectuais. Assim
como essa necessidade já é de conhecimento dos gramáticos, muitos deles já se
debruçaram sobre esses processos (cf. ERNOUT 2002; ERNOUT & THOMAS, 2002;
MEILLET, 1948). Como o objeto desta pesquisa é um desses processos, eles serão
explanados, de forma resumida, a seguir, com base na descrição de Pierre Monteil
(1974).
Em primeiro lugar, deve-se lembrar que, os processos de formação dos temas
aspectuais indoeuropeus tinham certa independência uns dos outros (ver p. 8). Tal
independência de processos se mantém na maioria das formações latinas. Levando em
conta essa independência, é necessário distinguir os processos de formação de temas de
infectum e os de perfectum. Esses processos formam temas aspectuais, ou seja, as bases
morfológicas que serão utilizadas na flexão dos diversos tempos e modos verbais. É
importante, no entanto, assinalar o fato de que o Latim possui, também, diversos
processos sincrônicos de derivação sufixal, formadores de verbos.
Primeiramente, eis os processos de formação de temas de perfectum.
Começamos por ele, uma vez que o seguinte (infectum) terá uma continuidade na
descrição do sufixo de estado.
a) No Indoeuropeu, a principal e mais primitiva marca de aspecto era o
vocalismo do radical (ver p. 3). Essa marca continua no Latim, apesar de obscurecida
pelas mudanças fonéticas. Tais formações são chamadas ―formações radicais‖, que
comportam tanto verbos temáticos quanto verbos atemáticos10. Entre os temas de
perfectum, figuram também aqueles de verbos com um ―redobro de perfectum‖ (que
consiste na repetição da primeira sílaba do radical), tais como tetigi, de tango (tocar) e
pupugi, de pungo (pungir).
b) Entre as formações sufixais, existem os chamados ―perfeitos sigmáticos‖ (da
letra grega sigma Σ correspondente ao S em Latim), que recebem um sufixo –s, tais
como lexi, de lego (ler). Figuram também nas formações sufixais, aqueles temas
formados por um sufixo –u, como amaui, de amo (amar); note-se que a formação em –u
10
Essa definição de vogal temática se refere a fatos mais antigos: na conjugação indoeuropeia, havia
certos verbos que possuíam uma espécie de “vogal de ligação” entre o radical e as desinências. Essa
vogal alternava seu timbre conforme o fonema seguinte. No Latim, são pouquíssimos (porém de uso
bastante freqüente) os verbos que mantém esse tipo de flexão: sum (ser); uolo (querer); fero (portar)
26
se sistematizou como formadora de perfeitos no Latim Vulgar e nas línguas neolatinas
(cf. VÄÄNÄNEN, 1967, p. 151).
c) É importante notar, ainda, que o perfectum latino absorveu a maior parte de
temas de aoristo indoeuropeu, e, em muitos casos, a forma aorística suplantou a forma
perfectiva. Alguns exemplos são cepi, de capio (capturar) e feci, de facio (fazer). É o
perfeito latino com alongamento.
Processos de formação de temas de infectum:
a) O grupo de formações radicais inclui alguns exemplos de verbos que também
levam um redobro verbal. Esse redobro, no caso, consiste na repetição da consoante
explosiva da raiz seguida do timbre vocalizado i. Alguns exemplos desses verbos são
sum (ser); uolo (querer); fero (portar), como exemplos de formações radicais sem
redobro; sido< *si-sd-o (sentar-se); sisto< *si-sta-o (parar, manter-se), como exemplo
de formação radical com redobro.
b) Existe um grupo de verbos formados por ―aumentos‖, que consistem em
elementos monolíteres, os quais adicionam traços semânticos sutis. Dentre eles,
destacam-se: a) um infixo nasal, que indica uma nuance determinada, isto é, um
processo orientado a uma realização total e precisa, como tango (tocar); b) aumentos
dentais, que apontam para uma relação com presentes de valor ―determinado‖, como
fendo (fender) e claudo (fechar); um aumento s, que possuía valor desiderativo, como
quaeso (buscar, por efeito de rotacismo, apresenta a forma alternante quaero).
c) Existem também infecta (plural de infectum) formados por sufixos, de valor
mais claro e contundente: a) um sufixo *–sk-e/o, de valor iterativo/incoativo, como
floresco (florescer); b) um sufixo *–eye/o, de valor factitivo, como moneo (fazer
pensar); um sufixo *–y-(e/o), chamado denominativo, que servia para formar temas
novos a partir de temas antigos, como curo (cuidar, feito a partir do substantivo
cura<*curayo). Finalmente, há também o sufixo de estado –ē.
Dentre os vários tipos de derivação sufixal formadora de verbos em Latim,
destacamos os verbos estativos, formados pelo sufixo –ē, pertencentes à segunda
conjugação. São verbos do tipo areo, caleo, frigeo (estar seco, estar quente, estar frio).
Esses verbos são prototipicamente intransitivos, aliás, o são desde o indoeuropeu
(cf. CHANTRAINE, 1984, p.161). Por essa razão, o morfema estativo parece estar
diretamente relacionado à intransitividade verbal. Contudo, o Latim apresenta alguns
usos transitivos desses verbos, especialmente com um restrito grupo de verbos, cujos
principais representantes são habeo e teneo (em sua origem, significam ‗estar contido‘),
27
que não só perderam gradativamente seu uso estativo intransitivo original, como
também passaram por processos bastante peculiares de mudança, desde a formação do
Latim até as suas descendentes.
O sufixo estativo –ē aparece no Latim apenas nos temas de infectum, o que, por
um lado, morfologicamente, constitui uma grande inovação (cf. MONTEIL, 1974, p.
293), uma vez que esse morfema era usado para formar temas de aoristo. No entanto,
semanticamente, o seu uso nos tempos de infectum se configura como a permanência de
uma ideia de prolongamento do referido estado no tempo.
Tardiamente, a partir do Latim Vulgar, muitos verbos formados pelo sufixo –ē,
devido a alterações fonéticas, acabam por se confundir com verbos de outros
paradigmas (em geral –ĕre e īre). Por outro lado, a composição do sufixo estativo com o
sufixo incoativo –sc apresentou certa produtividade, como os pares floreo/floresco;
doleo/dolesco (estar florido/florescer; estar doendo/começar a doer) (cf. VÄÄNÄNEN,
1967, p. 144-5).
Passemos agora à observação de alguns exemplos de uso dos verbos estativos
nos textos arcaicos latinos, que compõem o corpus desta pesquisa:
(1)
- ...madeo metu. (Mostellaria, v. 395)
-... estou molhado de medo
(2)
-SOS. Haeret haec res, si quidem haec iam mulier facta est ex viro. (Amphitryon, v.
814)
- Essa coisa está fixada, se acaso esta mulher já foi feita a partir do homem
Os dois primeiros exemplos mostram usos que, com base apenas nas gramáticas
de Latim, podem ser considerados bastante prototípicos dos verbos de estado, de acordo
com o esquema que este trabalho estabelece como prototípico (que será explicado no
capítulo seguinte). Segundo análise já empreendida sobre essas amostras mais
prototípicas (BARBOSA, 2014), observou-se que tais sentenças apresentam baixíssima
transitividade (de acordo com os parâmetros de Hopper & Thompson, 1980).
28
São orações com apenas um participante, não têm cinese nem pontualidade, seus
sujeitos não são agentes e não possuem intenção sobre o verbo, e o aspecto das orações
é imperfectivo. Todos esses fatores apontam para a intransitividade verbal.
(3)
- At te Iuppiter /Dique omnes perdant! <Fufae!>Oboluisti alium (Mostellaria, v.39)
- Mas que Júpiter e todos os deuses te destruam! <Ugh!>Fedeste a alho!
O exemplo 3 mostra um uso mais afastado do protótipo. Ela já apresenta dois
participantes: um sujeito e um complemento. Seria possível, talvez, inferir que, esse
complemento é dotado de uma ideia circunstancial de comparação, e que não se
configurasse como sofredor da transferência de ação. Formalmente, no entanto, é um
complemento do verbo, em acusativo. Outra diferença marcante é o fato de o verbo
estar no aspecto perfectivo, o que confere maior transitividade à oração, no entanto, essa
mudança aspectual não inclui o sufixo –ē na formação do perfeito (v. p. 18).
(4)
- nam muliones mulos clitellarios
habent, at ego habeo homines clitellarios. (Mostellaria, v. 781)
- Pois os arrieiros têm machos de carga,
mas eu tenho homens de carga
O quarto exemplo é bastante afastado do protótipo, pois não apenas tem um
objeto, mas também tem um sujeito intencional e agentivo, além de cinese e
pontualidade. Como já foi dito, os verbos habeo e teneo têm trajetórias bastante
peculiares. Os textos arcaicos mostram usos muito distantes do protótipo de verbo de
estado. Incluem amostras que se aproximam até mesmo dos usos como auxiliar:
(5)
- Satis iam dictum habeo. (Persa, v. 214)
- Já tenho dito o suficiente
A oração 5, por si só, suscitaria muitas questões. Formalmente, o verbo tem um
complemento, contudo o sintagma formado por esses dois elementos se assemelha
29
bastante a uma locução verbal de tempo passado; essa possibilidade é reforçada pela
origem verbal do complemento – um particípio. No entanto, aqui, é mais adequado
observar apenas como essa construção se afasta do uso prototípico.
Esses foram alguns exemplos de verbos estativos em textos arcaicos.
Certamente, um levantamento das ocorrências e uma descrição mais apurada terão um
espaço próprio, nos capítulos seguintes, após a definição do aparato teórico e dos
procedimentos metodológicos das análises.
1.3 – Dúvidas e questões relativas aos verbos estativos
Após estas observações sobre o sufixo estativo –ē, a primeira dúvida que surge é
como classificar a mudança que ocorre entre o estado indoeuropeu e o estado latino? No
Indoeuropeu, tal morfema se configurava como um sufixo flexional, mas, em Latim, ao
que tudo indica, tornou-se um sufixo derivacional, isto é, formador de novos verbos.
Não seria apropriado tratar esses dois estados e possíveis categorizações de
forma binária e oposta. Mais interessante seria colocar o objeto em um continuum
derivação-flexão. No presente trabalho, esse continuum é ratificado pela independência
dos temas aspectuais indoeurpeus. Por essa característica, não há segurança para se
dizer que um único verbo possui diferentes aspectos11. Assim, a questão passa a ser:
como localizar o objeto no continuum? Resposta: observar as marcas que o direcionam
para um lado ou para outro.
Talvez seja até mesmo impossível analisar uma mudança envolvendo o sufixo
estativo, mas, seguramente, há uma diferença entre esse morfema no Latim e nas
línguas neolatinas. Na língua portuguesa, por exemplo, se alguns verbos ainda mantêm
o valor de estado (como doer) este não se dá mais por causa de sua vogal temática, e
sim pelo tema verbal como um todo. A partir de um momento e durante um certo
tempo, os falantes do Latim (ou talvez já de suas herdeiras) foram deixando de analisar
esse morfema como um sufixo formador de verbos, e ele passou a figurar como mero
morfofonema utilizado para agrupar os verbos semelhantes.
11
O Latim manteve, em alguns verbos, essa clareza da independência dos temas. O melhor exemplo
talvez seja o verbo sum, es, esse, fui (ser), cujos temas de infectum e perfectum (es- e fu-,
respectivamente) tem origens totalmente distintas, como se fossem dois verbos diferentes, que se
fundiram na passagem ao Latim. Outros exemplos dessa independência são os inúmeros verbos que não
têm perfectum, como tumeo (estar inchado) e alguns outros que, em oposição, não possuem perfectum,
como memini (lembrar-se).
30
Essa reflexão nos leva à próxima questão: definir o lugar da categorização de
―vogal temática‖ na conjugação verbal latina. Existem duas categorias chamadas de
―vogal temática‖: uma que se aplica a fatos mais antigos (vocalismo pleno das
desinências número-pessoais) e outra que se aplica a fatos mais novos (vogal prédesinencial). No entanto, esta última parece ser pouco precisa, pois designa, na verdade
sufixos diversos, com seus valores semânticos claros e com influências morfossintáticas
em toda a sentença. Assim, é necessário que os estudos sobre a língua latina levem em
consideração a complexidade desses simples morfemas, quando da conjugação verbal.
Essas duas questões se desdobram nos objetivos, que terão, mais adiante, seu
espaço. Elas também serão amparadas pelo arcabouço teórico da Linguística Centrada
no Uso, que será descrito nos capítulos seguintes. Este trabalho não tem a pretensão de
responder a essas questões, mas contribuir para as reflexões vindouras acerca da língua
latina.
1.4 Resumo do capítulo
Este capítulo foi iniciado com uma reflexão sobre as origens mais remotas da
língua indoeuropeia, ponto de partida para as presentes observações. Em seguida, o
primeiro item descreveu o sistema verbal indoeuropeu, com especial atenção para as
variações aspectuais. Devemos lembrar que a importância do aspecto para esse sistema
é de grande valia para a compreensão neste estudo.
Em seguida, o segundo item fez uma descrição do sistema verbal do Latim, com
foco nos processos de formação dos temas aspectuais. Um desses processos é a
sufixação com o sufixo estativo –ē. O item versou sobre o funcionamento desse
morfema no sistema verbal latino e apresentou alguns exemplos, retirados do corpus. É
importante lembrar sua presença apenas nos temas de infectum e características das
sentenças construídas com os verbos estativos.
O terceiro item expôs as duas principais questões que motivaram esta
investigação. Tais questões, bem como diversos outros assuntos deste capítulo, serão
imprescindíveis para o desenvolvimento deste texto. Enfim, o próximo capítulo é uma
preparação para as análises.
31
CAPÍTULO 2 – PRESSUPOSTOS TEÓRICOS:
A importância de uma descrição dos pressupostos teóricos vai muito além da
formalidade de um trabalho acadêmico. A teoria é como uma lente, através da qual o
estudioso enxerga seu objeto, ou, mais apropriadamente, é uma linguagem pela qual ele
se comunica. No entanto, o estudo da linguagem verbal humana tem uma propriedade
peculiar, a de conceber seu próprio objeto, já que a língua é o fim e o meio do processo
científico, isto é ―dir-se-ia que é o ponto de vista que cria o objeto‖ (SAUSSURE, 1955,
p. 23)12 Assim, apresentaremos aqui também as concepções que assumimos sobre os
fenômenos que estudamos.
2.1- A visão saussureana da Linguagem e a Linguística Funcional
Este estudo se insere na corrente teórica funcionalista. Para descrevê-la, é
oportuno voltar aos pressupostos básicos de Saussrue, pois eles fundaram o que hoje
concebemos como a ciência Linguística, integrada por uma série de correntes chamadas
formalistas, às quais as funcionalistas, muito frequentemente, sobretudo na origem,
procuraram se opor.
Em seu Curso de Linguística Geral, o professor genebrino logo busca a definição
fundamental do objeto de sua ciência. Assim, ele estabelece a primeira de suas clássicas
―Dicotomias Saussureanas‖: Língua e Fala. Em seguida, estabelece que o objeto da
Linguística é a língua, não a fala. Entre diversas razões, isso se dá também porque a fala
é um ato individual, relativo a cada falante, enquanto a língua é o sistema subjacente aos
processos comunicativos, comum a todos os falantes de um idioma.
Embora seis décadas separem Saussure da Linguística Funcional, do ponto de
vista teórico, suas concepções básicas se distinguem. Para a esta, o sistema da língua
pode ser diferenciado da materialidade de sua manifestação, porém eles não podem ser
estudados separadamente, como supunha Saussure (1955, p.31). O Funcionalismo
concebe seu objeto como a língua em uso, logo as propriedades formais não podem ser
isoladas daquelas contextuais. Assim é porque elas se relacionam intimamente e
12
On dirait que c’est le point de vue qui crée l’objet
32
dependem uma da outra para que os falantes se comuniquem. Aliás, nessa perspectiva a
língua é vista como meio e resultado das interações sociais. Assim, cada indivíduo usa a
gramática da língua segundo motivações pragmáticas e de modo a satisfazer seus
propósitos comunicativos. Essa razão explica por que são indissociáveis os estudos da
gramática e os do discurso. Aliás, necessário se faz definir discurso e gramática,
segundo a nossa perspectiva:
Assim, o primeiro termo [discurso] passa a se referir às estratégias criativas dos
usuários na organização de sua produção linguística, aos modos individuais com
que cada membro da comunidade elabora suas formas de expressão verbal. Por
outro lado, o termo gramática é concebido como o conjunto das regularidades
linguísticas, como o modo ritualizado ou comunitáriodo uso; se ao discurso
cabe a liberdade e a autonomia de expressão, à gramática compete a
sistematização e a regularização.(OLIVEIRA & VOTRE in VOTRE, 2012,
p.158)
Em capítulos subsequentes, veremos diversos exemplos em se pode observar
com clareza como motivações externas ao sistema linguístico fazem o usuário moldar a
gramática de que dispõe.
2.2- Linguística Centrada no Uso
Nas últimas décadas de sua trajetória, a Linguística Funcional tem estabelecido
uma série de diálogos com outra corrente – a Linguística Cognitiva. Esta
...vê o comportamento linguístico como reflexo de capacidades cognitivas que
dizem respeito aos princípios de categorização, à organização conceptual, aos
aspectos ligados ao pensamento linguístico e, sobretudo, à experiência humana
no contexto de suas atividades individuais, sociointeracionais e culturais.
(FURTADO DA CUNHA, BISPO, SILVA in CEZARIO & FURTADO DA
CUNHA, 2013, p. 14)
Uma das principais razões para o êxito dos diálogos entre funcionalistas e
cognitivistas é o compartilhamento de vários pressupostos teórico-metodológicos.
Dentre eles, destacamos aqui a estreita relação entre a estrutura das línguas e o uso que
os falantes dela fazem nas situações de comunicação, fator que leva à concepção de que
os dados linguísticos são aqueles que ocorrem em situações reais de uso. Uma vez que a
gramática é vista como fruto das experiências dos indivíduos, ela pode ser moldada pelo
uso linguístico.
33
O termo ―usage-based‖ (baseado no uso) foi introduzido pelo cognitivista
Ronald Langacker em 1987, apesar de ter havido muitos modelos baseados no uso (cf.
BARLOW & KEMMER, 2006, p.1). Esse termo foi utilizado para designar a corrente
funcionalista enriquecida do contato com o Cognitivismo, resultando assim na
Linguística Funcional Centrada no Uso.
É importante ter em mente que, segundo uma visão funcionalista da linguagem,
é sempre preferível que a pesquisa linguística tenha como objeto manifestações
concretas, em situações reais de uso. Com isso, o estudo de uma língua antiga poderia
ter um problema em relação à seleção de corpus, mas não tem. Assim ocorre porque o
Latim não deixou de ser falado, tendo se modificado e dado origem a diversas línguas
neolatinas, e também porque a língua antiga possui um acervo de textos da época
passada, capazes de transmitir importantes valores, pensamentos e características gerais
da sociedade da época. Portanto, o texto escrito constitui-se como corpus de pesquisa da
língua antiga, pois é, tanto quanto o texto falado, língua em uso.
2.3- Gramática de Construções
O termo ―construção‖ tem tido uma frequência bastante alta nos estudos
linguísticos. Na sua mais antiga (e talvez mais freqüente) acepção, designa meramente
um aglomerado sintático ou um sintagma oracional. Seria, portanto, um epifenômeno,
causado pela simples interação sintática.
Eis que, no entanto, observações de diversos estudiosos mostravam que um
padrão de organização sintática possuía implicações diretas sobre a semântica de uma
frase. Assim, as construções não seriam um mero epifenômeno, pois, frequentemente, a
semântica de uma construção não é apenas a soma de seus constituintes. Com essas
observações, chegou-se a uma definição cognitivista para ―construção‖:
C é uma construção se e somente se C é um par forma-sentido <F, S,> de modo
que algum aspecto de F, ou algum aspecto de S, não é rigidamente previsível
das partes que compõem C ou de outras construções previamente estabelecias.
(GOLDBERG, 1995, p.4)13
13
C is a construction iffdet, C is a form-meaning pair <F, S,> such that some aspect of F, or
some aspect of S, is not strictly predictable from C’s component parts or from other previously
established constructions.
34
Desde então, várias ―gramáticas de construções‖ foram desenvolvidas. Viemos
aqui, neste capítulo, apresentar outra, aquela que será a principal para este estudo. Não
descreveremos com mais detalhes a visão de Goldberg sobre as construções. No
entanto, a principal diferença (entre inúmeras semelhanças) entre esta e a de Traugott e
Trousdale (2013) é que a primeira tem seu foco sobre construções complexas, como
sintagmas, orações e até períodos; já a segunda inclui em sua abrangência as
construções atômicas, que não podem ser decompostas em partes conteudísticas (cf. p.
33), que podem ser morfemas.
Uma vez que o objeto de estudo aqui é um sufixo, a visão de Traugott e
Trousdale, que utilizamos, se mostra mais adequada à pesquisa, mas isso, em hipótese
alguma, desqualifica as demais. É oportuno observar também que a presente definição
de construção tem uma ligeira diferença das demais, é mais simples. A construção é
definida simplesmente como pareamento convencionalizado de forma e função ―[[F] ↔
[M]]‖ (TRAUGOTT & TROUSDALE, 2013, p.8).
De modo geral, as abordagens construcionais além da de Traugott & Trousdale
(2013) também concebem a construção como um pareamento convencional de forma e
sentido, e a construção é a unidade básica da língua. Numa abordagem centrada no uso,
as línguas são uma rede de nós e ligações entre esses nós. Outro ponto em comum é que
a estrutura da língua é moldada pelo uso e, portanto, a mudança é mudança em uso, pois
este instancia e convencionaliza as inovações que emergem na língua.
A assunção de uma relação de interdependência entre forma e sentido significa
uma relação entre propriedades da função – Semântica, Pragmática e Discurso – e
propriedades da forma – Fonologia, Morfologia, Sintaxe. Uma alteração em uma das
propriedades da forma ou da função pode causar mudanças apenas nas outras do mesmo
eixo, o que será chamado ―mudança construcional‖ ou em ambos, criando um novo
pareamento de forma e sentido, uma nova construção, o que será chamado
―construcionalização‖(cf. TRAUGOTT & TROUSDALE, 2013, p.1).
O pareamento de forma e função pode ser concebido em diversas dimensões.
Traugott e Trousdale (2013) o concebem de acordo com três dimensões: tamanho,
especificidade fonológica e conceito. O tamanho varia entre atômico e complexo, de
modo que a construção atômica é a que não pode ser decomposta e a construção
complexa pode ser decomposta em elementos analisáveis; já a especificidade fonológica
varia entre substantiva e esquemática, de modo que a construção substantiva é composta
35
em sua totalidade por itens fonologicamente salientes, enquanto que a construção
esquemática é uma abstração em um esquema; e o conceito varia entre conteudístico e
procedural, de modo que
Material ―conteudístico‖ pode ser usado referencialmente; na dimensão formal,
é associado com categorias esquemáticas, substantivo, verbo e adjetivo.
Material ―procedural‖ tem significado abstrato que sinliza relações linguísticas,
perspectivas se orientações dêiticas […]. (TRAUGOTT & TROUSDALE,
2013, p. 12)14
Tamanho
Atômica
red, -s
Complexa
pull strings, on top of
Intermediária
bonfire
Especificidade
Substantiva
dropout, -dom
Esquemática
N, SAI
Intermediária
V-ment
Conceito
Conteudístico
red, N
Procedural
-s, SAI
Intermediária
way-construction
QUADRO 1: Dimensões das construções
(TRAUGOTT & TROUSDALE, 2013, p. 13)
Os autores discutem ainda três fatores relacionados às construções: a)
esquematicidade é a propriedade de abstração de uma construção em esquemas, ou seja,
em generalizações taxionômicas (por exemplo, S-V-O seria um esquema de oração
transitiva); b) produtividade é a possibilidade de novos construtos serem produzidos
com base em um mesmo esquema; c) composicionalidade é a nitidez da separação das
partes que compõem um todo.
As construções e seus esquemas possuem desdobramentos em um nível
hierárquico inferior. Um esquema pode abrigar diferentes subesquemas e uma
construção pode abrigar mesocontruções e microconstruções.
Quadro 2: Hierarquia construcional:
14
‘Contentful’ material can be used referentially; on the formal dimension it is associated with
the schematic categories N, V, and ADJ. ‘Procedural’ material has abstract meaning that signals linguistic
relations, perspectives and deictic orientation
36
Construção
Esquema
Mesoconstruções...
Subesquemas
Microconstruções...
Subesquemas
Concretamente, a manifestação de cada construção em amostras reais de uso é
chamada de construto.
Entre os tópicos importantes para este trabalho, concernentes aos mecanismos de
mudança, destacamos a chamada neoanálise, termo cunhado por Andersen, 2001 (apud
TRAUGOTT & TROUSDALE, 2013, p. 36). A neoanálise consiste em uma nova forma
de representação na mente do falante, precisamente a uma nova forma de o falante
analisar uma construção. Ela pode ocorrer tanto em níveis funcionais quanto em níveis
formais da linguagem. Para este trabalho, é válido conceber a neoanálise em um nível
morfológico, com a mudança da representação do esquema de verbo estativo para a
língua latina (cf. p. 39).
2.4- Verbos estativos em uma visão construcional
Para dar início a esta seção, voltemos à definição inicial de construção – um
pareamento convencional de forma e sentido. Esta definição amplia o conjunto de
possibilidades de objetos que podem nela se enquadrar.
Assim, quando se fala em construções com verbos estativos, o conceito de
construção pode se aplicar tanto ao morfema, quanto à oração. A rede formada pela
relação entre as diferentes construções possui uma organização hierárquica, de modo
que certas construções podem conter outras.
37
Partindo de um nível mais amplo, oracional, identificamos uma macroconstrução
bastante complexa e conteudística de verbos estativos que consiste na própria oração
monoargumental. Ela é composta de um sujeito e um verbo, como no exemplo em
destaque:
Construto:
(1)
Post se derisum, dolet
Após ser zombado, [ele] sofre
Esquema:
[S+Vē]
Com os estudos preliminares, em gramáticas de línguas antigas (sobretudo
CHANTRAINE, 1984 e MEILLET, 1948), que associam os verbos estativos a orações
monoargumentais, tais construções seriam, em teoria, as mais prototípicas com esse tipo
de verbo.
Frequentemente, essa macroconstrução é constituída por um sujeito oracional, de
modo que se produz uma mesoconstrução composta por sujeito oracional e verbo
estativo:
Construto:
(2)
Prodigum te fuisse oportet olim in adulescentia.
Convém teres sido pródigo, outrora, na adolescência.
(3)
Tuos sum,/ proinde ut commodumst et lubet quidque facias;
Sou teu,/ assim como for cômodo e agradável que faças o que quer que seja;
Subesquema: [Sor+Vē]
Os dois exemplos do subesquema mostram a mesoconstrução com sujeitos
oracionais. Sua freqüência (verbo impessoal + oração infinitiva) é tão grande que os
dicionários os notam apenas na terceira pessoa do singular, classificando-os como
impessoais.
38
Os excertos diferem em relação ao modo do verbo da oração subjetiva que em 2
é infinitivo e em 3 é subjuntivo, sem conectivo. Não conseguimos concluir ainda se o
uso de cada um desses modos constitui uma microconstrução, um nível esquemático
inferior ao das construções com sujeitos oracionais. Podemos apenas observar que, no
Latim Arcaico, o uso de orações subordinadas substantivas justapostas (sem conectivo,
com verbo no infinitivo) é mais frequente que em outras fases (cf. FARIA, 1958, p. 404;
VASCONCELLOS, 2013, p. 43).
Em contrapartida, um grupo restrito de verbos estativos parece ter sido recrutado
para figurar em uma macroconstrução diferente da que consideramos mais prototípica.
Trata-se de uma construção biargumental, na qual o verbo incide sobre um objeto:
(2)
-… at ego habeo homines clitellarios.
-… mas eu tenho homens de carga.
Esquema:
[S+Vē+O]
A construção biargumental implica mudança em alguns atributos dos verbos estativos,
os quais estudaremos no capítulo 5. Além dos verbos habeo e teneo (ambos: ter), são
raros os usos de outros verbos nessas construções. Aliás, esses dois verbos têm
trajetórias bastante peculiares ao longo do Latim e de suas línguas descendentes.
Identificamos algumas ocorrências de um padrão construcional semelhante ao
subesquema das construções monoargumentais que tem seu sujeito oracional. Podemos
destacar um subesquema da construção biargumental que também tem uma oração
como um de seus argumentos, porém, dessa vez, trata-se do objeto. Os principais verbos
que figuram nessas construções são gaudeo (estar alegre) e soleo (estar acostumado).
(3)
TR. O Theopropides, ere, salve, saluom te aduenisse gaudeo. usquin ualuisti?
(Mostellaria, 446-9)
TR – Oh Teopropides, meu senhor, salve! Alegro-me de teres chegado salvo. Passaste
suficientemente bem?
Subesquema: [S+Vē+Oor]
39
Vemos, no exemplo 3, o verbo gaudeo sendo complementado por uma oração reduzida
de infinitivo, que desempenha a função de objeto do verbo gaudeo. No entanto, o
mesmo verbo transita pelos dois padrões, o biargumental e o monoargumental:
(4)
TR- Quid tibi visum est mercimoni? TH - ** totus gaudeo. (Mostellaria, 904)
TR – Qual tua opinião sobre a transação? TH - ** Estou todo alegre!
Já o verbo soleo ocorre de modo mais convencionalizado com um complemento
oracional. Em verdade, a ligação do verbo soleo com seu complemento parece tão forte
que aponta para a formação de uma microconstrução com uma locução verbal, após
uma neoanálise da mesoconstrução.
(5)
AMPH. Quia salutare aduenientem me solebas antidhac, (Amphitryon, 711)
ANF – Porque, antes disso, constumavas me saudar quando eu chegava,
No entanto, o principal padrão que figura entre todas as cosntruções
biargumentais é aquele que expressa a posse, com verbos habeo e teneo. Originalmente
estativos (significando ―estar contido‖), esses verbos parecem ter sofrido uma drástica
mudança do ponto de vista do praticante da ação, o que os fez serem recrutados para
figurar em uma construção biargumental, a envolver um participante a mais.
Quando passamos a um nível morfológico, identificamos que o próprio morfema
estativo é um pareamento convencionalizado de forma e função. Ele é uma construção
atômica, procedural e substantiva.
É possível identificar ainda que a língua estudada neste trabalho, mesmo que em
seu período arcaico, já apresenta os verbos formados com o sufixo estativo no final de
um processo de mudança, que remonta ao Indoeuropeu, sobre o qual discorremos no
primeiro capítulo.
40
Com base nos estudos de gramática histórica, observa-se que este sufixo tem
uma origem flexional, formador de temas de aoristo, donde passa a sufixo derivacional,
formador de verbos estativos. No entanto, não há dados desse tipo de uso, uma vez que
ele remonta à pré-história linguística, carente de registros escritos.
De acordo com esses estudos e a atual perspectiva teórica, a construção mais
prototípica (como madeo – estar molhado), que seria mais composicional, teria dado
origem à construção menos prototípica (como habeo – ter), menos composicional, isto
é, nesses verbos, em algum momento, o sufixo passa a ser analisado de modo diferente,
provocando uma neoanálise no verbo. Um esquema formado por raiz [verbal+sufixo] de
estado passa a apenas [raiz verbal], com aquele morfofonema que outrora era um sufixo
derivacional passando a integrar o radical do verbo:
[√+ē]
madeo
[mad+e]
[√]
habeo
[habe]
De fato, ao olharmos testemunhos da Antiguidade Tardia, podemos observar que
dois gramáticos do século IV d.C., Donato e Dositeu, não analisam verbos estativos
como compostos por derivação sufixal, mas como formas ―absolutas‖ ou ―perfeitas‖,
como designam os verbos sem afixos, usando o verbo horreo (estar amedrontado) como
exemplo.
Se os verbos estativos forem analisados como compostos por derivação sufixal,
seria esperado encontrar exemplos de verbos com a mesma raiz, mas sem o sufixo. As
reflexões baseadas na análise de dados figurarão mais adiante.
2.5- Transitividade Oracional
Esta subseção parte do artigo de Hopper e Thompson (1980), no qual os autores
propõem que a transitividade não é uma propriedade apenas do verbo, senão de toda a
oração. Propõem também que essa propriedade não pode ser auferida de modo binário –
transitivo/intransitivo, uma vez que é um continuum. Portanto, não se fala sobre
transitividade ou intransitividade, mas sobre maior ou menor transitividade da oração.
Essa visão de transitividade se aplica às macroconstruções – orações com verbos
estativos – que seriam tanto as mais prototípicas quanto as menos.
41
Desse modo, os autores isolam 10 parâmetros que compõem a transitividade
oracional, que foram traduzidos e estudados por Furtado da Cunha e Souza (2007) na
seguinte tabela:
Parâmetros de
Transitividade Alta
Transitividade Baixa
Transitividade
1- Participantes
Dois ou mais
2- Cinese
Ação
3- Aspecto
Perfectivo
4- Pontualidade
Pontual
5- Intencionalidade
Intencional
6- Afirmação
Afirmativa
7- Modo
Modo realis
8- Agentividade
Agentivo
9- Afetamento do objeto
Afetado
10- Individuação do objeto Individuado
Tabela 2: Parâmetros da transitividade
Um
Não-ação
Não-perfectivo
Não-pontual
Não-intencional
Negativa
Modo irrealis
Não-agentivo
Não-afetado
Não-individuado
(FURTADO DA CUNHA & SOUZA, 2007, P.37)15
Compreendamos, portanto, como esses parâmetros se aplicariam às orações com verbos
estativos. Antes de analisarmos cada um dos parâmetros, é importante fazer algumas
considerações sobre esses traços.
Assim, comecemos pelos dois últimos parâmetros, aqueles que tratam mais
especificamente da relação do verbo e do objeto. Quanto à individuação do objeto, os
autores propõem que uma oração é mais transitiva com um objeto próprio, animado,
concreto, singular, contável, definido (cf. HOPPER & THOMPSON, 1980, p. 253).
Quanto ao afetamento do objeto, o pressuposto básico é de que quanto mais afetado um
objeto é pela ação verbal, mais transitiva será a oração. Esses dois parâmetros não
podem ser estudados nas orações prototípicas, pois estas são monoargumentais. Isso
leva também ao número de participantes dessas orações, que é de apenas um.
Morfologicamente, o Latim diferencia sujeitos e objetos por meio de casos gramaticais,
respectivamente nominativo e acusativo, portanto será raro encontrar uma ambigüidade
nessa categorização.
Sobre a afirmação, uma ação que ocorre é, certamente, mais transitiva que uma
ação que não ocorre. O que define se uma frase é negativa ou afirmativa é o desenrolar
15
cf. HOPPER & THOMPSON, 1980, p. 252.
42
da narrativa. E ainda, do ponto de vista formal, os meios de efetuar essa mudança em
Latim são por meio de advérbios, que não costumam se unir ao termo que escopam
(uma exceção é o verbo nolo < ne uolo – não querer).
Quanto ao modo, uma oração em um modo real (como o indicativo) é mais
transitiva que uma em um modo irreal (como subjuntivo ou imperativo). Acreditamos
que esse parâmetro também está relacionado ao desenvolvimento da trama exposta
pelas peças que integram o corpus. O modo em Latim é sempre marcado
morfologicamente, sendo que apenas o imperativo é caracterizado pela ausência de
morfema.
Chegamos à intencionalidade e à agentividade. Quanto mais agentiva e mais
intencional for a ação, mais transitiva ela será. Ao observarmos esses parâmetros nos
verbos estativos, vemos que eles parecem estar bastante relacionados à semântica do
verbo, especialmente nas orações mais prototípicas.
Assim também a cinese. Quanto mais cinética é uma ação, mais transitiva. A
cinese também parece estar relacionada à semântica do verbo, afinal, verbos que
denotam estado teriam o mínimo possível de cinese.
A pontualidade trata do tempo levado para que a ação ocorra. Ser mais pontual é
ocorrer de forma mais abrupta, assim mais transitivamente.
Finalmente, quanto ao aspecto, uma ação concluída será mais transitiva que uma
ação não concluída. O Latim, como vimos, mantém a mudança de radical do verbo
como marca da flexão aspectual. No decorrer da pesquisa, observaremos como os dois
últimos – pontualidade e aspecto – foram os que mais ganharam destaque, ocasionando
importantes desdobramentos. Utiliza-se o conceito ―telicidade‖ para designar a
conclusão de uma ação verbal (cf DIB & SOUZA in ABRAÇADO & KENNEDY,
2014, p. 163). Assim, há uma correspondência entre uma ação télica e aspecto
perfectivo, bem como entre uma ação atélica e aspecto imperfectivo.
Estamos estudando um fenômeno em vários níveis (do mais atômico ao mais
complexo), portanto buscamos, nas análises de transitividade, as marcas das relações
entre os diferentes níveis da hierarquia construcional. Como todos os dez fatores agem
conjuntamente para maior ou menor transitividade da oração, observamos cada um
deles e concluímos que alguns se relacionam mais diretamente a fatores contextuais,
pragmáticos e discursivos, concernentes ao desenvolvimento da trama expressa pelos
textos; outros têm uma manifestação mais formal, isto é, morfossintática. Estes
43
ganharam, no decorrer da pesquisa, especial atenção, pois são aqueles que melhor
atestam as relações entre os diferentes níveis de análise das construções.
Cada um desses 10 parâmetros foi estudado por um grupo de pesquisadores em
Abraçado & Kennedy (2014), de acordo com uma metodologia psicolinguística, por
meio de testes off-line16, aplicados a falantes de língua portuguesa. Apesar de o contexto
desses testes estar distante da nossa pesquisa, por se tratar de línguas distantes no
espaço e no tempo, as reflexões teóricas que precediam cada teste foram de grande
valia.
Tais reflexões, sobretudo aquelas sobre aspecto e pontualidade, nos levaram a
outros estudos, mais aprofundados. Especialmente o de Corôa (2005) que, em seu
estudo sobre os tempos nos verbos do Português, discorre sobre diversas noções
associadas á categoria de tempo verbal, tais como modo e aspecto,, que concorrem para
construir o significado e o comportamento do verbo na frase.
Os trabalhos a que os estudos de transitividade nos levaram tratam de uma
categoria chamada aspecto lexical, ou aktionsart – modo de ser da ação. Essa categoria
se distinguiria do aspecto propriamente dito por incidir sobre o processo designado pelo
verbo. Já o aspecto incide sobre sua conclusão.
A língua latina, como continuidade da oposição aspectual indoeuropeia, mantém
uma distinção entre perfectum e infectum que incide, respectivamente, sobre a
conclusão ou não da ação verbal. Essa categoria flexional latina, que é a primordial em
seu sistema verbal, não se debruça inteiramente sobre o processo, apesar de lhe ser
solidária. Isso está claro, por exemplo, nos verbos estativos, cujo sufixo formador não
ocorre nos tempos perfectivos. Mas, quanto ao valor estativo, podemos concluir que se
trata de um modo de ser estativo, característica que traz à construção implicações
morfossintáticas e semânticas.
2.6- Fechamento do panorama teórico e preparação para as análises
Finalmente, faz-se necessário concluir o panorama teórico para que, a partir
daqui, a metalinguagem da qual optamos por dispor possa ser posta em prática, na
análise do corpus a ser descrito no capítulo seguinte. Procuraremos, com as leituras
16
Tipo de teste no qual os voluntários respondem um questionário após a exposição aos dados.
44
descritas, construir um modo de pensar próprio desta pesquisa, que melhor se lhe
adeque.
Cumpre resumir, portanto, as definições essenciais. Concebemos, por exemplo,
que a língua é um instrumento de comunicação entre indivíduos situados em um tempo
e um espaço. A consequência mais importante dessa definição é que não é possível
estudar um fenômeno linguístico de modo isolado em relação ao seu contexto, o que
torna mais valiosos os dados espontâneos em situações reais de uso.
A visão construcional permite conceber e compreender tanto o fenômeno
linguístico quanto os processos de mudança de um ponto de vista mais amplo e mais
integrado. Uma vez que o foco deixa de ser o item e passa a ser a construção, esperamos
que os níveis de análise possam ser mais refinados e, assim, mais precisos. Com essa
visão, não estudaremos apenas o sufixo formador de verbos estativos, mas os diferentes
níveis que estabelecemos para essa construção.
A complexidade inerente à macroconstrução suscita as análises de transitividade,
uma articulação extremamente oportuna, pois demonstra que a compreensão do texto
não advém da simples soma de suas partes, mas é resultado de processos complexos
que, frequentemente, se afastam dos valores individuais de cada item. Veremos que, em
todos os níveis, a morfossintaxe não deixará de se articular com a semântica e a
pragmática.
Enfim, com esses pressupostos, a próxima etapa é a descrição dos dados e suas
análises, bem como os fatores contextuais que os envolvem.
45
CAPÍTULO 3 – TEXTOS E CONTEXTOS
Esta é a etapa da apresentação dos fatores concretos que envolvem a pesquisa.
Uma vez que assumimos o pressuposto de que os textos – a língua em uso – são
construídos sobre propriedades formais e também sobre propriedades semânticodiscursivas, necessiitamos de um espaço para situar os dados que aqui são utilizados no
tempo e no espaço.
3.1- Roma: da fundação ao início da República
De início, pequena aldeia de pastores – o mito de Rômulo e Remo talvez seja o
mais conhecido de todos relativos a este início. Os gêmeos, filhos de Marte, deus da
guerra, e da vestal Reia Sílvia, foram abandonados em uma cesta deixada à deriva no
Rio Tibre. Após terem sido amamentados por uma loba, foram encontrados por um
pastor, que os adotou e lhes ensinou seu ofício. Estes seriam acontecimentos do século
VIII a.C..
Esse fato, com diversas referências já na Antiguidade, é importante para este
item, porque dá início a um período monárquico na Urbe, já que Rômulo, o fundador,
foi o primeiro rei de Roma. A ele, seguiram-se seis reis, que não ascendiam ao trono por
meio da linhagem, mas eram eleitos pelos cidadãos.
No entanto, no final do século VI a.C., o último desses sete reis, chamado
Tarquínio Soberbo, foi deposto por uma revolta popular (cf. MEILLET, 2004 [1977], p.
104-5). A partir daí, os romanos instalaram na Urbe um sistema de poder cujo cargo
executivo máximo era dividido por dois homens – cônsules – eleitos anualmente pelos
senadores. Esse sistema foi chamado República (do Latim res publica – a coisa
pública).
Roma manteve o regime republicano até o final do século I a.C., quando Otávio,
por meio de manobras políticas e acúmulo de poderio militar, tomou o poder sozinho,
dando origem ao Império.
Detenhamo-nos, contudo, no período republicano, época da qual datam os
primeiros documentos escritos em Latim (cf MEILLET, 2004 [1977], id), escritos sobre
pedras e vasos (inscrições epigráficas). Essa época marcou o expansionismo romano e a
46
consolidação de seu poder nas circunvizinhanças de todo o Mar Mediterrâneo, chamado
pelos romanos Mare Nostrum (nosso mar).
Durante o período republicano, inclusive na época de Plauto, há alguns fatos
históricos especialmente importantes relativos à expansão dos domínios romanos.
O primeiro deles é do início do século III a.C., fixado pela maioria dos
estudiosos em 272 a.C. e se trata da conquista da cidade de Tarento, de população
grega, no sul da Península Itálica (cf. FARIA, 1957, p. 31). Com essa vitória, Roma não
apenas passou a dominar a península inteira como também passou a ter um contato
muito estreito com a Literatura Grega, detentora, à época, de uma longa tradição. Após
esse fato, atribui-se ao ano de 240 a.C. a data do primeiro texto literário escrito em
Latim: uma tradução da Odisseia, feita pelo liberto grego Lívio Andronico, originário
de Tarento (cf. GAILLARD, 1992, p.31-2). Esse autor teria escrito diversas obras de
outros gêneros, como comédias, tragédias e sátiras, das quais, no entanto, apenas um
reduzido número de fragmentos foi preservado até nós. A partir de então, os autores da
Literatura Latina escreviam segundo os modelos gregos.
Outro fato histórico marcante para a República Romana foram as Guerras
Púnicas, contra a cidade-estado de Cartago, no norte da África, onde hoje se localiza a
Tunísia. O conflito ocorreu em uma série de três guerras, entre os anos de 264 e 146
a.C.. Após mais de um século de litígio, a destruição de Cartago deu a Roma a
talassocracia do Mar Mediterrâneo ocidental, abrindo caminho para novas conquistas, a
caminho do oriente e da Península Ibérica. Assim, estava livre o caminho da cultura
romano-helenística pela Europa, Palestina e norte da África.
Desses dois acontecimentos históricos, o segundo teve maior influência sobre a
política da República Romana, ampliando e fortalecendo consideravelmente seus
domínios e não aparece de forma marcante nas obras escolhidas; a principal marca na
literatura que chegou até nós talvez seja a peça Poenulus (O Pequeno Cartaginês) que
trata de personagens de Cartago e contém, inclusive, um trecho em língua púnica, o
idioma lá falado.
Acima de tudo, os fatos históricos promovem, seja por via pacífica, seja por via
bélica, a mistura de diferentes culturas e, consequentemente, uma troca antropofágica de
traços culturais. Passemos então à história da comédia em Roma, gênero do nosso
corpus.
3.2- A Comédia em Roma
47
Em se tratando tanto do riso quanto da representação cênica de uma realidade,
não é possível traçar uma origem formal dessas características, uma vez que remontam a
gestos primitivos da humanidade. Assim, tanto na Grécia quanto em Roma, atribuem-se
as origens do teatro a rituais religiosos. Um exemplo disso é a origem da comédia grega,
que remonta a rituais religiosos em honrado deus Dionísio, associados ao vinho, ao
escárnio e à zombaria.
Por outro lado, os antigos romanos realizavam procissões religiosas nas quais se
dançava se cantava [...] e entoavam, em ocasiões especiais (banquetes de
núpcias, comemorações sazonais, festas populares), cantos dramatizados, e
caráter licencioso e grosseiro, denominados fesceninos. (CARDOSO, 2011,
p.23-4)
Esses cantos teriam tido origem em Fescennium, cidade etrusca na Toscana. Aliás,
atribui-se também aos Etruscos uma grande influência nas manifestações cômicas
romanas. Segundo o historiador romano Tito Lívio (cf. CARDOSO, op. cit. p, 24),
dançarinos etruscos, a convite dos cônsules, visitaram Roma em 364 a.C., a fim de
realizarem danças em favor dos deuses para que estes cessassem uma epidemia que
acometia a Urbe. Atribui-se também a origem de algumas palavras típicas do léxico
teatral – histrio (histrião, ator) e persona (máscara) – da língua etrusca, emprestadas ao
Latim (cf. MEILLET, 2004 [1977], p, 84).
No entanto, a conquista do sul da Península Itálica foi um acontecimento
fundamental para a Literatura Latina. Atribui-se também a Lívio Andronico a primeira
tradução de um texto dramático para o Latim, texto esse que permanece desconhecido
(CARDOSO, op. cit. p. 25). Tal encenação teria ocorrido por ocasião do aniversário de
um ano do final da primeira Guerra Púnica, com vitória dos romanos. A peça teria
alcançado grande sucesso entre o público, o que teria feito com que Lívio Andronico
passasse a se dedicar a escrever peças, cômicas e, principalmente, trágicas.
Chegamos, ao período arcaico da Literatura Latina, quando os romanos
começam a produzir obras literárias, nos moldes gregos, sobretudo a partir da cultura da
Magna Grécia. Esse período, além de diversos outros gêneros literários, é marcado pela
comédia. De acordo com os textos que restaram até os dias atuais, é no período arcaico
que esse gênero tem seu apogeu em Roma, não possuindo autores importantes em
períodos posteriores.
48
Destacam-se dois comediógrafos, por terem peças completas preservadas:
Terêncio, com seis peças e Plauto, com vinte e uma. Assim, é necessário discorrer sobre
o último, autor do corpus desta pesquisa.
3.3- Sobre Plauto e sua comédia
Titus Maccius Plautus tem uma trajetória incerta e mal documentada. As
referências apontam para o nascimento na cidade de Sársina, na Úmbria, entre os anos
de 254 e 250 a.C. (cf. GAILLARD, 1992, p.42). Ele teria dedicado sua vida ao teatro,
passando pelas funções de ator, diretor e, finalmente, autor. Alcançou grande sucesso
entre seu público, tendo uma quantidade considerável de obras passada à posteridade. A
data de sua morte é apontada para o ano de 184 a.C..
Primeiramente, cabe lembrar as bases para a comédia plautina, as inspirações
para sua criação. Em um momento de ―helenização de Roma‖, com a conquista de
Tarento, as comédias gregas são a base da comédia latina. A região da Magna Grécia,
sobretudo a Sicília, possuía, desde o século VI a.C., uma tradição literária para a
comédia, cujo principal autor era Epicarmo (cf. MEILLET, 2004 [1975], p. 223). Mas
não é Epicarmo a principal influência de Plauto, pois, durante os séculos que os
separam, a comédia grega sofreu mudanças.
Da primeira fase, a Comédia Antiga, há peças completas de apenas um autor,
Aristófanes, que viveu em Atenas nos séculos V e IV a.C.. Os temas da Comédia Antiga
costumavam ser fatos e personalidades públicas, da democracia ateniense. Após essa
fase, há uma Comédia Média, da qual restam apenas fragmentos, que versava sobre
temas mitológicos. No entanto, no final do século IV surgemas composições da
chamada Comédia Nova, precisamente a maior influência da comédia romana.
Dentre as diversas mudanças da fase antiga para a nova, aquela que está mais
presente na comédia romana é a mudança de temática. Enquanto a antiga tratava de
assuntos determinados da pólis, conhecidos dos espectadores, a comédia nova tratava de
temas da vida privada, fato relacionado ao próprio fim da democracia. Vêem-se, com
frequência, jovens nobres caindo de amores por cortesãs, ou escravos afanando dinheiro
de seus donos.
Da fase nova, há peças preservadas de apenas um autor: Menandro. É ele a
principal influência de Plauto, que frequentemente usa o processo da contaminatio, isto
é, une duas ou mais peças gregas em uma única. Havia uma intertextualidade quase
49
explícita entre os comediógrafos gregos e os latinos, pois era comum que estes se
utilizassem do mesmo tema ou de uma mesma personagem, de modo a criar, por vezes,
versões latinas de obras gregas já consagradas.
A influência grega estava também nos nomes das personagens, que eram nomes
gregos; nas cidades onde as tramas se passavam, cidades gregas; e também na roupa que
os atores usavam, não a toga romana, mas o pallum grego, o que fez esse tipo de
comédia ser chamado de comoedia palliata.
Os pontos de contato entre a comédia grega e a latina acima mencionados são
comuns aos comediógrafos latinos com obras completas conhecidas – Plauto e
Terêncio. No entanto, as numerosas semelhanças param por aí, uma vez que há
diferenças marcantes no estilo da cada um deles, bem como diferenças motivadas por
fatores contextuais. Voltemos a Plauto.
Suas peças eram apresentadas em grandes festivais, que duravam vários dias,
contavam com diversas atrações e atraíam pessoas de várias cidades da Península
Itálica. A situação em que seus textos eram veiculados dá-lhes marcas bastante
importantes. Assim, suas peças eram voltadas para um público mais amplo, isto é, para
a grande massa popular.
Chegamos, portanto, a uma das características mais marcantes do texto plautino
– a linguagem popular. Para fazer-se compreender, o autor lançou mão de meios
peculiares, diferentes do que se veria mais tarde na história da Literatura Latina (cf.
MEILLET, 2004 [1977], p. 176). É notável, no texto de Plauto, a grande ocorrência de
aliterações, neologismos, gírias, trocadilhos, jogos de palavras e ofensas.
Quanto às aliterações, trata-se da repetição de fonemas (na maioria dos casos,
consonantais), o que consistiria em um recurso para a busca de uma expressividade
cômica. Observe como, por vezes, em poucos versos, diversos fonemas se repetem:
TOX. Quid hochic in collo tibi tumet?
SAG. Vomicast, pressareparce;
(Persa, 312)
Tox. O que é isso aí que está inchado no teu pescoço?
Sag. É um abscesso, para de apertar!
Além de aliterações, a comédia plautina é, também, um espaço para inovações,
com fins de gerar efeitos cômicos. Seus textos são repletos de neologismos, criados com
50
o uso de diferentes processos morfológicos. Exemplos como o seguinte são o de
composição de novas palavras:
Domi habet animum falsiloquom, falsificum, falsiiurium,
(Miles, 191)
Domi dolos, domi delenifica facta, domi fallacias.
Em casa, ele tem o ânimo [falsiloquente], [falsifazente], [falsijulgante],
Em casa, ele tem planos, tem feitos [destruíficos], tem falácias.
Há também o uso de processos derivacionais, como o do sufixo frequentativo –ta para a
formação de verbos, com o mesmo propósito de buscar expressividade cômica. Verbos
formados por esse sufixo são especialmente usuais nas comédias de Plauto:
hercle quidquid est, mussitabo potius quam inteream male;
(Miles, 311-2)
non ego possum quae ipsa sese venditat tutarier.
Por Hércules, o que quer que seja, vou me calar antes que me dê mal;
Eu não posso proteger a ela que negocia a si própria.
Os exemplos apresentados mostram uma breve marca dos recursos de
comicidade usados por Plauto. O contato com os textos denota a preocupaçãodo autor
com uma obra divertida parao seu público, seja em razão da diversidade de recursos,
como os que mostramos, seja em razão das situações engraçadas, como enganos,
ofensas e brigas.
Outro aspecto válido a ser estudado é a métrica de Plauto, uma vez que a
comédia antiga era também poesia. Os textos de comédia se compunham de partes
faladas (diuerbia) e partes cantadas (cantica), com acompanhamento instrumental.
Ambas utilizam, na maioria das vezes, uma versificação iambo-trocaica17, de origem
grega. No entanto, Plauto dá-lhe grande liberdade, para se adaptar as necessidades de
uma linguagem que buscava uma aproximação do falar popular (cf. NOUGARET,
1949, p. 60). Vale lembrar que o autor se utiliza também de outros tipos de versificação,
com origem na épica e na lírica, mas a iambo-trocaica é a predominante.
17
Diz-se da versificação compostas de pés métricos chamados iambos e troqueus. Os primeiros
consistem em uma sílaba breve e uma sílaba longa (ᴗ-), os segundos são o inverso (-ᴗ).
51
Enfim, de acordo com a leitura das fontes e com os estudos utilizados como
referência, podemos concluir que a linguagem de Plauto era direcionada a um público
de grande número e pequeno prestígio em sua época; sua linguagem seria muito
próxima do falar vernáculo dessa camada social, fato atestado pelos frequentes traços de
oralidade; o texto de Plauto consiste, para nós, em um importante espaço para a
inovação, com gírias, neologismos e jogos de palavras.
Ainda, como texto popular e espaço de inovações, os textos de Plauto são
ambientes favoráveis à mudança. Diversos traços populares, que apenas seriam
encontrados em um período tardio da língua latina, são encontrados nas comédias
plautinas, que figuram no período arcaico. É importante ressaltar que esses fatores
inovadores convivem em harmonia com fatores arcaizantes, próprios da época de
veiculação dos textos.
As comédias de Plauto – ou do tipo plautino – são destinadas ao grande público,
e a língua na qual elas são escritas se apóia visivelmente no falar corrente de
Roma à época do autor. Esse falar era o único próximo, desde então, para a
Literatura. Em suas obras sérias, Ênio luta contra uma língua indigente e dura.
Plauto está à vontade e sua língua tem um sabor que não se devia mais
encontrar em Roma. (MEILLET, 2004 [1977], p. 176)18
Finalmente, podemos constatar a importância do conhecimento do gênero
literário a ser trabalhado, do público ao qual se direcionava e das estratégias que
empreendia para conseguir não apenas se comunicar, mas transmitir sua expressividade
cômica, alcançando seu sucesso.
Um estudo linguístico não poderia prescindir dessas informações, uma vez que,
consoante à corrente linguística funcionalista centrada no uso, à qual este trabalho se
filia, fatores contextuais estão diretamente ligados a fatores formais. Assim também, a
língua é definida como língua em uso, portanto podemos considerar os textos de Plauto
como um material extremamente importante para compreender um pouco melhor a
língua latina.
3.4- Sobre o corpus de pesquisa
18
Les comédies de Plaute – ou de type plautien – sont destinées au grand public, et la langue dans
laquelle elles sont écrites repose visiblement au parler courant de Rome à l’époque de l’auteur. Ce
parler courant était le seul prêt dès lors pour la litterature. Dans ses œuvers sérieuses, Ennius lutte
contre una langue indigente et raide. Plaute est à l’aise, et sa langue a un saveur qui ne devait plus se
retrouver à Rome. (Meillet, 1977, p. 176)
52
Os textos literários originais da antiguidade clássica se perderam. Os exemplares
de que dispomos são cópias medievais. O texto antigo original, desde sua elaboração
passou por novas cópias, o que gerou inúmeras vicissitudes, ao longo dos séculos até a
Idade Média. Assim, é mais provável que alterações tenham sido feitas, o que atribui
aos filólogos o trabalho de mediar um processo de reconstituição de um texto o mais
próximo possível daquele que teria sido o original, de acordo com estudos históricos e
linguísticos precedentes ao trabalho de estabelecimento do texto.
O conhecimento da obra de Plauto baseia-se em duas famílias de manuscritos,
uma representada pelo palimpsesto ambrosiano, outra pelos codices palatini, além de
manuscritos menos completos.
O palimpsesto ambrosiano foi compilado em pergaminho, datado do século IV
ou V, e continha todas as vinte e uma peças plautinas, listadas pelo gramático antigo
Varrão. Eis que no século VIII, o documento foi apagado para que sobre o pergaminho
fossem escritos trechos do Antigo Testamento. Devido ao material do suporte e da
escrita, o texto primitivo tornou-se visível novamente, sobre o segundo. Documentos
que passam por esse processo são chamados palimpsestos. Este é chamado ambrosiano
por estar conservado na Veneranda Biblioteca Ambrosiana, em Milão.
Já a família dos codices palatini tem sua origem em um documento do século
VIII, que provavelmente foi copiado de um dos membros da família ambrosiana. Eles
são mais completos que os anteriores, são conhecidos desde o século XVI e recebem
seu nome, por seu primeiro representante estar conservado na Bibliotheca Palatina, em
Heidelberg.
A edição do texto que aqui utilizamos é a edição crítica da Societé d‘Études
―Les Belles Lettres‖, sob direção da Association Guillaume Budé. Por ela, as comédias
plautinas foram estabelecidas e traduzidas por Alfred Ernout. Já no anexo, utilizamos as
edições alemãs estabelecidas por Friedrich Leo e Johannes Ussing. Fazemos uso dessa
outra edição para os anexos porque ela está digitalizada.
3.5- Sobre as obras
As três peças que figuram nesta pesquisa são Amphitryon, ou Amphitruo em
algumas edições, (Anfitrião), Mostellaria (A Comédia do Fantasma) e Persa (O Persa).
Faz-se necessário ter em mente o argumento de cada uma delas.
53
Amphitryon conta a história de Anfitrião, valoroso general da cidade grega de
Tebas. Ele parte para a guerra com seu escravo, deixando a esposa, Alcmena, sozinha
em casa. Eis que Júpiter, pai dos deuses, se interessa por ela e assume a forma de
Anfitrião para enganá-la e deitar-se com ela. Para aumentar a farsa, Júpiter chama seu
filho Mercúrio para assumir a forma do escravo de Anfitrião, que se chamava Sósia e
melhor compor o engano.
Amphitryon é uma das comédias mais famosas da antiguidade. Sua influência
está presente não apenas no léxico (donde, em Português, as palavras anfitrião e sósia),
mas também na criação literária, com diversas obras inspiradas na comédia plautina.
Esta peça, aliás, de acordo com o Prólogo da peça, não era considerada apenas uma
comédia, mas sim uma tragicomédia (tragicocomoedia), pois, segundo o próprio texto,
não se poderia falar de deuses de modo totalmente cômico. Assim a peça tem marcantes
diálogos e monólogos sérios, que muito se aproximam de diálogos trágicos, além dos
habituais recursos cômicos.
A Mostellaria apresenta as peripécias do jovem Filolaques, filho de
Teopropides, chefe de família19, que, enquanto seu pai estava ausente em viagem de
negócios, se dedicou a dilapidar o dinheiro paterno organizando festas, bem como
comprando a liberdade da escrava Délfio, por quem estava apaixonado. No desenrolar
da trama, o escravo Tranião irrompe em meio à festa anunciando que o dono da casa
chegara ao porto antes do previsto e que, a qualquer momento, entraria em casa. Na
confusão, o escravo tranca todos dentro da casa e, quando Teopropides realmente chega,
Tranião lhe diz que a casa está assombrada e que todos fugiram de medo. Para piorar a
confusão, um agiota chega à cena, reclamando a Teopropides a devolução de um
empréstimo feito por Filolaques. Para ganhar tempo, Tranião conta mais uma mentira,
dizendo que ele usou o dinheiro para comprar a casa ao lado. No final, as tramóias do
escravo esperto vêm à tona e ele procura um altar para se proteger. Ele e Filolaques são
perdoados pelo senhor, Teopropides, e tudo se resolve, com um final feliz, característico
em Plauto.
Persa conta a história do escravo Tóxilo, apaixonado por uma meretriz, que está
prestes a ser vendida como escrava. Para comprar a liberdade de sua amada, ele pede
dinheiro emprestado a seu amigo Sagaristião. Para restituir a quantia a seu amigo,
Tóxilo trama uma ardilosa vigarice, fazendo com que o mesmo mercador de escravos de
19
Pater familias, figura importante na sociedade romana, frequentemente representada de modo
ridículo pela comédia plautina.
54
quem adquirira sua amada, compre uma falsa cativa persa, de um falso mercador persa,
que era, na verdade, o próprio Sagaristião disfarçado.
As duas últimas peças mostram um tópico importante para a comicidade de
Plauto, a figura do escravo esperto (seruus callidus), em contraste com o escravo
trapalhão (seruus currens – escravo que está correndo). São peças que tratam de
temáticas muito semelhantes e ambas não possuem prólogo. Já o Amphitryon conta com
um extenso prólogo, apresentado pelo deus Mercúrio que explica o argumento da peça e
também a mistura da tragédia com a comédia que os espectadores estão prestes a
assistir.
55
CAPÍTULO 4 – DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS
Este capítulo apresenta os resultados das análises desenvolvidas, em um
primeiro momento, quantitativamente e, em um segundo momento, qualitativamente.
Tais análises suscitam uma série de reflexões sobre o objeto desta pesquisa e também
sobre o sistema verbal latino.
4.1- Ocorrências de verbos estativos
Mostramos, neste item, os números referentes às ocorrências de verbos formados
pelo sufixo –ē nas três peças. Elas possuem pouco mais de 3180 versos. Ao todo,
encontramos 413 ocorrências de verbos estativos em todas elas. Procuramos, além
disso, analisar verbos derivados do mesmo modo que seus primitivos, como condecet,
composto de decet (de significado semelhante – ser conveniente), que apresenta as
mesmas características do que lhe deu origem.
Na primeira classificação dos dados, é importante lembrar-se da flexão verbal
latina. Nela, a categoria flexional mais importante é o aspecto, a partir da qual ocorrem
as demais flexões. Por essa razão, primeiramente, categorizamos as ocorrências pelo
aspecto do verbo. Do total de 413, foram encontrados 389 verbos de valor estativo no
infectum e apenas 24 no perfectum.
56
Gráfico 1 - Aspecto do Verbo
24
Infectum
Perfectum
389
É evidente a grande disparidade entre a quantidade de ocorrências dos temas aspectuais
nos verbos estativos. Tal diferença, de certo modo, é previsível, em face dos estudos
diacrônicos sobre o desenvolvimento do Latim, que apontam que a ideia de
prolongamento no tempo, própria desse tipo de verbo, se opõe a um aspecto concluído,
correspondente aos temas de perfectum.
Outra característica marcante das orações com verbos estativos é o número de
seus argumentos. Vimos, anteriormente, que o sufixo –ē servia, originalmente no
indoeuropeu, para formar aoristos intransitivos; assim também, o Latim inova ao usá-lo
no infectum, mas mantém sua intransitividade original. 255 orações com verbos
estativos são monoargumentais, enquanto que 158 são biargumentais.
Gráfico 2 - Número de argumentos
57
158
Monoargumentais
255
Biargumentais
Apesar da diferença, não podemos considerá-la tão significativa, ao menos não tanto
quanto a diferença dos temas aspectuais, representada pelo gráfico 1.
Das ocorrências, notamos diversos subesquemas, tanto monoargumentais quanto
biargumentais, que se repetem com uma frequência marcante.
Notemos o primeiro deles, as construções impessoais com verbos estativos (cf.
p. 35). Trata-se de períodos construídos com um determinado grupo de verbos, como
oportet, decet, licet, libet, pudet (respectivamente: é preciso, é conveniente, é permitido,
é agradável, é vergonhoso), bem como seus compostos como condecet,que tem um
sujeito oracional. Observe-se, nos exemplos a seguir, um construto com vários
exemplos de uso de verbos estativos impessoais e sujeito oracional:
(1)
VIR. At, meo si liceat modo,
sapienter potius facias quam stulte.
SAT. Lubet.
VIR. Lubere per me tibi licere intellego;
uerum lubere hau lubeat, si liceat mihi.
Vir – Mas se for permitido para meu jeito,
Antes,que faças mais sabiamente, que estupidamente.
Sat – É bom!
(Persa, 373-6)
58
Vir – Entendo que ser bom para mim é ser permitido para ti:
Na verdade, que jamais seja bom ser bom, se for permitido para mim.
Há ainda verbos como placeo (ser agradável), que podem figurar tanto em construções
pessoais quanto em construções impessoais, e que, no entanto, por aparecerem em
formas pessoais, não consideramos como verbo impessoal. Observemos o exemplo (2)
que contém um uso pessoal desse verbo, enquanto que (3) mostra um uso impessoal do
mesmo verbo:
(2)
PHILEM. Volo me placere Philolachi, meo ocello, meo patrono. (Mostellaria, 167)
Filem – Desejo que eu seja agradável a Filolaques, meu querido, meu patrono.
(3)
SOS. Apage, non placet me hoc noctis esse: cenaui modo; (Amphitryon, 310)
Sós – Para trás, não é agradável que eu coma a essa hora da noite: acabei de jantar.
Diante dessas duas possibilidades, é possível concluir que o verbo placeo se encontra
em um espaço intermediário, numa possível trajetória de mudança de construção com
sujeito nominal, para construção com sujeito oracional. Um estudo diacrônico poderia
revelar se esse verbo tornou-se impessoal como os demais mencionados, ou se
permanece nesse espaço intermediário.
De Todas as 255 construções monoargumentais, 137 são construções
impessoais, enquanto 118 são construções com sujeitos nominais, como podemos
observar abaixo (gráfico 3). Consideramos esse número importante, frente a todas as
ocorrências de construções estativas. Isso mostra como o padrão construcional [Sor+Vē]
estava convencionalizado no Latim Arcaico de Plauto.
Gráfico 3 - Construções impessoais frente às demais monoargumentais
59
118
137
Demais monoargumentais
Impessoais
De modo geral, entre as construções que não possuem objeto, são notáveis também as
ocorrências dos verbos ualeo (estar bem de saúde), com 27 ocorrências e taceo (estar
calado), com 35 ocorrências. É possível observar que esses dois verbos são próprios de
diálogos da oralidade (sobretudo ualeo) e do gênero cômico (sobretudo taceo).
Observamos que o verbo ualeo é frequente em diálogos, nas situações de cumprimentos
e despedidas, o que servia para dar uma coerência ao fluxo da conversa entre os
personagens, bem como era mais um fator que aproximava o texto cômico do falar
cotidiano.
(4)
TR. O Theopropides, ere, salue, saluom te aduenisse gaudeo. usquin ualuisti?
(Mostellaria, 446-9)
Tr – Oh Teopropides, meu senhor, salve! Alegro-me de teres chegado salvo. Passaste
suficientemente bem?
Já taceo tem uma função mais propriamente cômica, servindo para que personagens
ordenem uns aos outros ―calarem a boca‖, utilizado, sobretudo em cenas que
manifestam o que Bergson (1900, p. 20) chama de cômico de gestos, nas quais esse tipo
60
de discurso injuntivo cômico costuma ser acompanhado de cenas de xingamentos,
pancadaria e correria.
(5)
TOX. Tacen an non taces? numquam ego te tam esse matulam credidi. (Persa, 533)
Tox – Acaso te calas ou não te calas? Nunca cri que fosses tão imbecil.
Pelas funções a que servem, esses dois verbos aparecem frequentemente na forma de
imperativo uale! Tace!.
Passemos agora às construções biargumentais. Como vimos no gráfico 2, elas
são minoria entre os usos de verbos estativos, porém a diferença entre o número de
ocorrências dos dois tipos de construção não é tão acentuada, como foi a diferença
apontada pelo primeiro gráfico.
O Gráfico 4 mostra como, dentre um total de 158 ocorrências, a grande maioria
é construída com um número restrito de verbos. Trata-se dos verbos habeo e teneo
(ambos, ter), bem como seus compostos, como prohibeo, adhibeo e pertineo (proibir,
empregar, concernir). Esses verbos, de um modo geral, ao longo de toda a história da
língua latina são usados com complementos em acusativo, o que configura uma
construção biargumental. Nos itens seguintes, quando das análises de transitividade,
veremos as características que permanecem e as que se alteram entre ambas as
construções.
Gráfico 4 - Habeo e teneo frente às demais biargumentais
61
29
Demais biargumentais
Habeo e Teneo
129
Esses dois verbos, como já dissemos, possuem trajetórias bastante peculiares e
mereceriam estudos próprios. No entanto, um fato muito interessante se salienta na
análise desses verbos.
Um dos compostos de teneo, o verbo attineo (ter algo a ver, dizer respeito), com
nove ocorrências, se opõe fortemente a seu verbo de origem ao não se construir com
objeto em acusativo, o que o faz figurar no conjunto das construções monoargumentais.
Ele se constrói com a preposição ad (a). Sobre esse tipo de complementação, é
interessante observar que a preposição é também o prevérbio que dá origem ao verbo
attineo (<adtineo). Segundo Rubio (1969, p. 123), esse tipo de complemento não teria
nenhuma diferença de um objeto em acusativo como qualquer outro.
Consideramos que o verbo attineo também é um recurso para provocar
comicidade no texto. Ele serve a situações de pequenas brigas, geralmente entre
escravos, nas quais se diz ―não é da sua conta!‖.
(6)
PHAN. Heus senex, quid tu percontare ad te quae nihil attinent?
(Mostellaria 940)
TH. Nihil ad me attinet?
Ph – Ei, velho! Por que tu perguntas coisas que em nada te dizem respeito?
Th – Em nada me dizem respeito?
62
É oportuno também notar o número de ocorrências de acordo com cada uma das
peças. O que vimos foi um número ligeiramente menor de ocorrências no Amphitryon.
Pelo que observamos, podemos atribuir esse fato à principal diferença dessa para as
outras duas obras. Entendemos que o fato de o Amphitryon ser uma tragicomédia,
intercalando diálogos trágicos e cômicos, diminui a quantidade de momentos de
comicidade de gestos, ambientes propícios para a ocorrência de verbos como ualeo e
taceo, bastante comuns nas peças de modo geral.
Nessa tragicomédia, o verbo ualeo, com diversas ocorrências, em apenas três
momentos (versos 499, 928 e 1037) aparece em situações de cumprimentos e
despedidas. Já o verbo taceo ocorre apenas cinco vezes, no total, em cenas que
favorecem bastante seu aparecimento, como o confuso encontro entre Sósia e Mercúrio,
que estão com aparência idêntica e o litígio de Anfitrião e Alcmena, devido ao adultério
provocado pelo deus.
Já em Persa e em Mostellaria, o autor lança mão de um número muito maior de
cenas de comicidade de gestos e situações de cumprimentos e despedidas, o que é
enfatizado pelo destaque que dão a escravos, personagens tipicamente envolvidos
nesses tipos de cena. Em Persa, inclusive, o senhores dos escravos em questão nem
mesmo aparecem em cena.
Gráfico 5 - Ocorrências por peça
160
140
120
100
Perfectum
80
Biargumentais
60
Monoargumentais
40
20
0
Persa
Mostellaria
Amphytruo
63
4.2- Para uma análise qualitativa
No capítulo seguinte, abordaremos o tema da pesquisa de modo distinto. Para
além desta análise fria e quantitativa, há fenômenos que provocam dificuldade na
compreensão do comportamento dos verbos estativos latinos.
De modo geral, estas análises mostram dados interessantes para a pesquisa. Das
410 ocorrências, mais da metade são de subesquemas das duas macroconstruções (com
um argumento e com dois argumentos), respectivamente as mesoconstruções
impessoais (139) e as mesoconstruções com os verbos habeo e teneo (129), resultando
em 268. Isso afasta as ocorrências do tipo de esquema que havíamos estabelecido como
prototípico, baseando-nos em estudos de morfologia diacrônica do Latim, que previam
um sujeito determinado que está em certo estado, intransitivamente, isto é, sem
transferência do estado.
Mesmo entre as construções que se enquadram no esquema [S+Vē], uma
importante parcela, 62 ocorrências, se constrói com dois verbos – ualeo e taceo – cujo
uso é claramente motivado pelas situações pragmáticas em que seus enunciadores se
encontram e também pelo gênero literário das obras analisadas.
Por esses motivos, podemos concluir que o uso de verbos estativos não era um
fenômeno comum no falar corrente da República Romana, restringindo-se a algumas
microconstruções, como as que aqui frisamos. Assim também, quando observamos o
morfema, podemos concluir que ele é bem mais flexional que derivacional. Corrobora-o
o fato de que não encontrarmos inovações no corpus, o qual, já vimos, era um espaço
importante para a inovação e a experimentação com a língua.
Os fatos linguísticos, em muitos aspectos, se afastaram do que prevíramos. É
necessário, na próxima etapa, demorar-se sobre cada um desses aspectos, sob pontos de
vista diferentes, a fim de mostrar quais aspectos são mais mutáveis pelo uso e quais são
mais duros, permanecendo mesmo quando o valor estativo for débil.
4.3- Reflexões sobre as análises dos dados
Este item parte dos aspectos mais concretos em direção aos mais abstratos. Está
organizado desse modo, porque consideramos que a compreensão dos aspectos formais
do fenômeno é fundamental para as reflexões mais abstratas. Assim também, para esses
64
aspectos, será necessário retomar a história do morfema, o que serve de base para esta
pesquisa como um todo.
4.3.1- Processos de formação dos verbos estativos
Relembremos a descrição do sistema verbal latino e de sua comparação com o
sistema verbal indoeuropeu. Vimos que a principal característica desse sistema é o
aspecto verbal. Cada verbo latino possui dois principais temas aspectuais, infectum e
perfectum, que servirão como base para as flexões de tempo e modo, número e pessoa e
voz para, respectivamente, tempos dinâmicos, progressivos e tempos estáticos,
concluídos (cf. p. 18). Podemos registrar também, em um estágio indoeuropeu, um
terceiro aspecto, nem dinâmico nem progressivo, chamado ―aoristo‖. O Latim não
mantém o tema de aoristo em seus verbos, mas apenas alguns vestígios.
Quando observamos, tanto na bibliografia prévia quanto no corpus, as
ocorrências de verbos estativos no perfectum, pudemos traçar um comportamento
morfológico desses verbos relativamente ao aspecto. Em uma observação quantitativa,
vimos que o uso de verbos de estado em tempos perfeitos é bastante incomum no
corpus analisado, fenômeno compreensível pelas noções semânticas distintas contidas
no tema de perfectum e no sufixo estativo.
Observamos, então, quais tipos de formação de perfectum podemos encontrar
com verbos estativos. As referências bibliográficas para morfologia histórica do Latim
prevêem os seguintes tipos:
a) formações sigmáticas, como em frigeo, frixi (estar frio). Essas formações são
continuidades do aoristo indoeuropeu, isto é, são temas de aoristos emprestados ao
perfeito. Por essa razão, são chamados perfeitos aorísticos. No verbo usado como
exemplo, a forma frixi pressupõe que o sufixo formador do tema aspectual, -s, foi
acrescido à raiz sem o intermédio do sufixo estativo. O grafema X representa um grupo
consonântico /ks/, que certamente tem origem no encontro GS, no qual o /g/ sofre uma
assimilação parcial ao /s/, incidindo sobre seu traço de sonoridade (cf. NIEDERMANN,
1991, p. 128; FARIA, 1957, p. 53). Portanto, o sufixo de estado não aparece nesses
tipos de perfectum. Dos verbos estativos com perfeito sigmático, não encontramos
nenhuma ocorrência em nosso corpus.
b) formações em redobro, como em pendeo, pependi (estar pendurado). Essas
formações, ao contrário das anteriores, são continuidades do próprio perfeito
65
indoeuropeu. De modo geral, ela é a menos comum entre os verbos estativos. Quando
analisamos a forma de perfectum pependi, constatamos que as desinências se ligam a
um tema sem sufixo (-i é a desinência característica de pretérito perfeito tal como os
verbos latinos são notados nos dicionários, cf. p. 22). Nesses tipos de formação, não
ocorre o sufixo estativo. Também não encontramos ocorrências nas comédias
analisadas.
c) formações sonânticas, como em taceo, tacui (estar calado). Esse tipo de formação é
próprio do Latim, ausente mesmo nas línguas mais aparentadas ao Latim – Osco e
Umbro (cf. ERNOUT, 2002 [1953], p. 204; MONTEIL, 1974, p. 312). Consiste no
acréscimo de uma sonante –u à raiz. Portanto, é seguro afirmar que esse é o tipo mais
recente de formação de temas de perfectum. A produtividade, como já mencionado, fez
a formação sonântica se sistematizar como processo formador de perfeitos no Latim
Vulgar e nas línguas neolatinas (cf. VÄÄNÄNEN, 1967, p. 151). Todos os perfeitos de
verbos estativos encontrados no corpus são de formação sonântica. Notemos os
perfeitos dos verbos ualeo, ualui; habeo, habui; e teneo, tenui, os mais frequentes. Além
desses, também ocorre com o verbo oleo, olui (exalar odor). Nos verbos estativos, as
formações sonânticas também não possuem o sufixo –ē.
d) Verbos que não possuem perfectum, como tumeo (estar inchado), em virtude de sua
própria significação. Um dos vestígios da independência dos temas aspectuais
indoeuropeus no Latim é a ausência de um desses temas (cf. p. 24). Econtramos alguns
exemplos de verbos estativos sem perfectum, como tumeo (cf. p.18) e torpeo (estar
entorpecido).
Diante dos estudos de morfologia histórica e da observação dos dados, é seguro
afirmar que os verbos estativos, originalmente, não possuem perfectum, tendo tomado
emprestado de outras formações verbais com mesma raiz, mas sem o sufixo (como frixi,
certamente proveniente de frigo, e não frigeo). Não encontramos verbos estativos que
mantenham o sufixo –ē no tema de perfectum.
Outro fator importante sobre os temas aspectuais dos verbos estativos é sua
proveniência do aoristo indoeuropeu. Já vimos como o Latim inova ao usar o sufixo
estativo, formador de temas de aoristo, nos temas de presente. O aoristo correspondia a
um aspecto nem dinâmico, nem progressivo, sem a noção de telicidade, própria do
aspecto indoeuropeu que continua no Latim.
Podemos encontrar, no entanto, uma proximidade entre os verbos estativos e a
noção aorística de ausência de telicidade. Isso ocorre porque tais verbos designam
66
estados que se prolongam no tempo, sem impor-lhes noção de acabamento (perfectiva)
ou dinamismo (imperfectiva). Quando, na língua latina, é necessário recorrer ao
perfectum desses verbos, o sufixo é inexistente, pois se afasta da telicidade de uma ação
concluída.
Assim como alguns temas de perfectum são chamados de ―perfeitos aorísticos‖
por algumas gramáticas, devido ao fato de serem uma continuidade do aoristo
indoeuropeu, poder-se-ia dizer, do mesmo modo, que os verbos estativos são presentes
aorísticos, porque, tanto do ponto de vista morfológico quanto do ponto de vista
semântico, são continuidades desse antigo tema. O aoristo não se enquadra com
exatidão em um paradigma flexional binário de telicidade – acabado ou inacabado, fato
respaldado morfologicamente pelas suas formações.
O aoristo teria tido uma formação posterior ao presente e ao perfeito, o que lhe
conferia características singulares, bem como desenvolvimentos distintos nas diversas
línguas indoeuropeias, sobretudo o tipo aoristo sigmático, como, há muito, já observado
(cf. MEILLET in SAUSSURE, 1908, p. 100-1).
A importância do aoristo para os verbos estativos é, do ponto de vista formal, a
marca morfológica da continuidade de uma flexão de aoristo e também, do ponto de
vista semântico, a manutenção de uma noção de ausência de telicidade. Esta é
diretamente operada pelo morfema – o sufixo estativo -ē.
Voltando ao tema de perfeito, vimos que os verbos estativos não possuem
perfeito em sua origem, tendo tomado emprestado a outras formas verbais. A princípio,
parece incoerente conciliar a noção de prolongamento de um estado no tempo com um
aspecto télico, finalizado. As poucas ocorrências de verbos estativos no perfectum, que
encontramos, mostram que não era impossível conciliar essas duas noções, fato
demonstrado, com melhor clareza, pelos usos do verbo ualeo:
(7)
TOX. O Sagaristio, di ament te. SAG. O Toxile, dabunt di quae exoptes.
utuales? TOX. Vt queo. SAG. Quid agitur? TOX. Viuitur.
[...] SAG. Satin tu usque ualuisti? TOX. Hau probe.
(Persa, 16-25)
TOX – Oh Sagaristião, que os deuses te amem! SAG – Oh Tóxilo, os deuses darão o
que desejas.
Como estás passando? TOX – Como posso. SAG – Que se faz? TOX – Vive-se
67
[...] SAG – Acaso passaste bem então? TOX – Não muito bem.
Os usos desse verbo no perfectum mostram estados que, ao mesmo tempo em que se
estendem no tempo, possuem uma conclusão. Esperamos esclarecer a questão dos
valores semânticos associados aos temas aspectuais nos itens seguintes.
4.3.2- Transitividade oracional
Após considerações sobre aspectos morfológicos das construções com verbos
estativos, versamos agora sobre aspectos sintáticos. Compreendemos, retomando
Hopper & Thompson (1980), que transitividade é uma propriedade da oração e não
apenas no verbo; assim também, ela se estende em um contínuo de maior ou menor
transitividade, e não apenas de modo binário – transitivo/intransitivo.
Os 10 parâmetros de transitividade oracional, bem como o modo com que cada
um afeta a transitividade da oração, foram descritos no capítulo sobre pressupostos
teóricos, mas é necessário apenas mencioná-los novamente:
1- Participantes
2- Cinese
3- Aspecto
4- Pontualidade
5- Intencionalidade
6- Afirmação
7- Modo
8- Agentividade
9- Afetamento do objeto
10- Individuação do objeto
Analisamos construtos com verbos estativos sob cada um desses parâmetros, com
auxílio das reflexões de Furtado da Cunha e Souza (2007) e, sobretudo, Abraçado &
Kennedy (2014).
Após as análises, observamos, não apenas o comportamento sintático das
construções, como também quais dos parâmetros se relacionam com fatores amplos e
funcionais, como as necessidades pragmáticas ou a carga semântica do próprio verbo, e
quais se relacionam a fatores formais, como o comportamento morfológico do verbo.
Tivemos especial atenção ao sufixo estativo –ē, objeto desta pesquisa. Na explanação,
68
partiremos daqueles parâmetros que observamos ter menos relação com aspectos
formais e chegaremos àqueles que têm maior relação com esses aspectos, sobretudo
com o sufixo em questão.
O primeiro parâmetro – número de participantes – já foi abordado aqui
anteriormente (cf. p. 55), como vimos no gráfico 2. Observamos que há poucos casos
em que um verbo estativo aparece nas duas construções, com um ou com dois
argumentos. Com base nos gráficos, de todos os exemplos de construções com verbos
estativos 129 são de construções de posse (com habeo e teneo) e 137 são construções
impessoais, isto é, 266 de 412 são construções que se fixaram em relação ao número de
argumentos. Além dessas, mais numerosas, outras ocorrências importantes são fixas em
relação ao número de participantes, como as ocorrências com os já mencionados verbos
taceo e ualeo, sempre monoargumentais.
Entre os verbos que figuram nas construção com um ou com dois participantes,
destacam os verbos gaudeo (estar alegre), com alguns exemplos no segundo capítulo
(cf. p. 36) e o verbo oleo (exalar odor), e também seus compostos como oboleo (estar
fedendo) com algumas ocorrências.
(8)
MERC. Olet homo quidam malo suo. SOS. ei, numnam ego obolui? (Amphitryon, 321)
MERC – Certo homem cheira por causa de seu mal. SOS – EI, por acaso eu fedi?
Aliás, o verbo oleo e seu composto oboleo merecem certo destaque, pois
apresentam grande variedade de formas, aparecendo tanto com um ou com dois
argumentos, e também são boa parte das ocorrências dos verbos estativos no perfectum.
Do ponto de vista morfológico, esse verbo se apresenta com ou sem o sufixo
(oleo ou olo), algo já visto nos estudos teóricos, mas que ocorre apenas com este verbo
no corpus analisado. No entanto, apesar da diferença morfológica, não há diferença de
significado e o autor lança mão de um e de outro, segundo critérios ainda não
esclarecidos, mas que apontam para as necessidades métricas, uma vez que oleo e olo
tem flexões ligeiramente distintas no infectum, apesar de mesmo significado.
Sobre as motivações que incidem sobre o número de participantes das
construções com verbos estativos, compreendemos que elas advêm de duas fontes
principais. A carga semântica do verbo permite que seu estado seja transferido a mais
69
um participante. As necessidades pragmáticas da frase latina, operadas pela criatividade
dos usuários e pelo caráter oralizante e inovador do gênero cômico são capazes de fazer
com que novos elementos figurem em esquemas onde não ocorriam antes.
Compreendemos também que existe pouquíssima relação do número de participantes
com o sufixo de estado, prevalecendo os fatores funcionais.
O número de participantes leva imediatamente aos dois últimos parâmetros na
lista – afetamento e individuação do objeto. Um objeto totalmente afetado, próprio e
individual aumenta a transitividade da oração. As motivações desses parâmetros
também atribuímos a fatores funcionais (semântica, pragmática, discurso), pois estão
relacionados as cargas semânticas dos argumentos e dos verbos, bem como ao
significado da oração como um todo e às motivações pragmáticas que incidem sobre
esses dois critérios. A eles também não conseguimos identificar uma relação estreita
com o sufixo em questão.
O próximo parâmetro analisado é a afirmatividade. Uma ação que ocorre é,
certamente, mais transitiva que uma ação que não ocorre. No entanto, o que define se
uma ação é mais afirmativa ou mais negativa são fatores contextuais e discursivopragmáticos. No presente caso, isso é determinado pelas tramas das peças analisadas.
Sobre as ocorrências, notamos que a negação de verbos estativos tem uma forte
tendência a ocorrer nas construções impessoais.
(9)
ALC. Istuc facinus, quod tu insimulas, nostro generi non decet.
(Amphitryon, 820)
ALC – É um crime isto que tu insinuas, não convém à nossa família.
Já em construções monoargumentais, a grande maioria de negativas é com o verbo
taceo, como no exemplo 5, o que atribuímos ao tipo de situação cômica em que ele
ocorre.
O próximo parâmetro estudado é o modo do verbo. Uma oração em um domínio
do real (indicativo) é mais transitiva do que uma oração em um domínio do irreal
(subjuntivo ou imperativo). Nas ocorrências encontradas, existe grande variedade na
relação das construções com os modos verbais, entretanto notamos algumas tendências.
Como já mencionamos, os verbos ualeo e, sobretudo, taceo têm maior tendência a
aparecerem no modo imperativo, comportamento esse devido às situações de uso em
70
que ocorrem. De igual maneira, o modo subjuntivo e as formas nominais (infinitivos e
particípios) apresentam a mesma variedade. De modo geral, também compreendemos
que o modo do verbo, como vimos nos casos de ualeo e taceo, é diretamente
influenciado por fatores discursivo-pragmáticos.
Discorramos agora sobre a intencionalidade. A princípio, este parâmetro parecia
estar relacionado ao sufixo e às construções monoargumentais, pois a intencionalidade
de uma oração se opunha a ideia de um estado. No entanto, pudemos encontrar
intencionalidade em diversas amostras, tanto de construções com um argumento, quanto
de construções com dois:
(10)
- nam muliones mulos clitellarios
habent, at ego habeo homines clitellarios. (Mostellaria, v. 781)
- Pois os arrieiros têm machos de carga,
mas eu tenho homens de carga
O exemplo 10 ilustra como os principais verbos das orações transitivas (habeo e teneo)
costumam manifestar grande intencionalidade.
(11)
TR. St, tace, ausculta modo.
ait uenisse illum in somnis ad se mortuom.
(Mostellaria, 489-96)
TH. Nempe ergo in somnis? TR. Ita. sed ausculta modo.
[…]
TH. Taceo.
TR – Sh, cala-te, apenas escuta!
Ele disse que o morto veio até ele nos sonhos.
TH – Mas então, nos sonhos?! TR – Sim. Mas apenas escuta.
[...]
TH – Estou calado
71
O exemplo 11, por sua vez, mostra um dos principais verbos das orações intransitivas
com sujeito nominal, taceo, com diversas ocorrências. Podemos, em diversas passagens
com esse verbo entender que a intencionalidade do estado de ficar calado depende
bastante do sujeito que empreende esse estado, além de uma ordem, o que é frequente
nos textos estudados.
Assim, podemos também observar que a intencionalidade se baseia em fatores
funcionais, em especial na carga semântica de cada verbo, mas também nas
necessidades pragmáticas associadas a cada situação de uso. O exemplo 11 mostra uma
ordem e o cumprimento dessa ordem.
O parâmetro de intencionalidade muito se aproxima da agentividade da oração.
Quanto mais agentividade um sujeito possuir em relação à ação verbal, mais transitiva
será a oração. As observações feitas para este parâmetro são semelhantes àquelas feitas
para o anterior. Do mesmo modo, a agentividade de um sujeito está diretamente ligada à
semântica do verbo e ao contexto em que é usado.
Construções biargumentais, como no exemplo 10, costumam apresentar grande
agentividade do sujeito em relação ao verbo e ao complemento. No entanto,
compreendemos que há agentividade em exemplos como o 11, pois o estado de ficar
calado depende também de uma iniciativa do próprio sujeito, e não apenas da ordem de
um interlocutor.
Em contrapartida, tais características de agentividade e intencionalidade não
estão presentes em diversas construções com verbos estativos, como, por exemplo,
naquelas com o verbo ualeo e também naquelas com argumento oracional (exemplos 7
e 9). Apesar disso, observamos que a ausência desses parâmetros, bem como sua
presença, está ligada aos mesmos fatores funcionais – o significado do verbo e a sua
situação de uso.
Ainda sobre esses dois parâmetros, é oportuno notar que eles apenas podem
incidir sobre sujeitos nominais, isto é, a um sujeito oracional não cabe agentividade ou
intencionalidade sobre o verbo. Entendemos que sujeitos oracionais são sujeitos
estáticos, o que quer dizer que os estados designados pelos verbos estativos, nesses
casos, ocorrem sem iniciativa ou intenção dos sujeitos. Essa teria sido característica
marcante das construções com verbos estativos, como já vimos no primeiro capítulo (cf.
p. 23). É provável que a ocorrência de construções com esse tipo de sujeito estático
tenha permitido que uma oração pudesse figurar nessa posição de sujeito. Apenas um
estudo diacrônico poderia confirmar ou negar essa hipótese.
72
Com base nos estudos teóricos e na análise dos dados, observamos que os sete
parâmetros estudados até aqui (Número de participantes; Intencionalidade; Afirmação
Modo; Agentividade; Afetamento do objeto; Individuação do objeto) são os que se
relacionam, de modo mais claro, com a frase como um todo, bem como com o contexto
de uso em que são empreendidos. Assim também, vimos como o gênero do corpus
influencia as construções, influência que incide, sobretudo, nesses sete parâmetros.
A proximidade entre esses traços já foi abordada por outros autores (LAROCA;
TEIXEIRA in ABRAÇADO & KENNEDY, 2014; CAVALCANTE, 1997), para os
quais esse conjunto de fatores pode afetar a relação entre o verbo e seus argumentos.
Vejamos como os três parâmetros restantes (Aspecto; Cinese; Pontualidade), de acordo
com nossas observações, estão relacionados a fatores formais, sobretudo ao
comportamento morfológico dos verbos.
Comecemos pela descrição do aspecto. Como já vimos, o aspecto é a categoria
verbal mais importante na flexão dos verbos em Latim. Ele se manifesta
morfologicamente, no radical de cada verbo, sobre o qual se constroem as demais
categorias flexionais. O aspecto latino se organiza segundo uma categorização binária –
infectum/perfectum – designando ações inacabadas ou acabadas.
Observamos que, de modo geral, o aspecto perfectivo para os verbos de estado
ocorre em construções impessoais e de posse, apesar de diversos exemplos com habui(perfeito de habeo) e apenas um com tenuisti (forma de pretérito perfeito de teneo).
Entre as demais ocorrências, encontram-se também alguns perfeitos de ualeo e também
de oleo (exalar odor).
Já discorremos sobre as formações dos temas aspectuais em Latim, e também
sobre como os verbos estativos são uma continuidade de um aspecto aoristo
indoeuropeu, carente de uma ideia de conclusão – telicidade. Resta-nos explicar como é
possível que exemplos de uso de verbos estativos no perfectum sejam capazes de
conciliar, em uma única forma verbal, como no exemplo 7, a noção de um estado que se
prolonga no tempo e um aspecto télico, isto é, concluído.
O que se observa no referido exemplo é, aliás, comum com o verbo ualeo, nas
situações de início de diálogo. Vê-se que a frase construída com a forma ualuisti
(passaste bem?) designa um estado que se estendeu no tempo e que teve fim. Se
observarmos outros exemplos de verbos estativos no perfectum, em ambas as
construções, veremos as mesmas características:
73
(12)
SC. Vt speculum tenuisti, metuo ne olant argentum manus… (Mostellaria, 268)
SC – Como seguraste o espelho, temo que tuas mãos cheirem a prata...
Novamente, vê-se uma noção verbal, que, no caso das construções de posse, é tanto
ação quanto estado, se prolongar no tempo e chegar a um término.
Assim, podemos concluir que o valor de estado, originalmente proveniente do
sufixo –ē, incide sobre o decorrer da frase, não sobre seu término. Por incidirem sobre
momentos diferentes do estado/ação verbal, o valor de estado não é incompatível com o
aspecto perfectivo. Apesar de ser difícil conciliar essas duas noções, não é impossível.
A baixa frequência dessas ocorrências corrobora essa conclusão.
É interessante notar, também, que, morfologicamente, o valor de estado e o
aspecto têm correspondentes distintos. O primeiro é operado por um sufixo, adicionado
no tema de infectum e o segundo é operado pelo próprio tema (radical) em si.
Passemos ao próximo parâmetro, a cinese. Quanto mais movimento uma ação
verbal possuir, mais transitiva a oração será. Entre os verbos estativos, a cinese é a
mínima possível, mesmo nas construções biargumentais. Não conseguimos observar
qualquer ―movimento‖ nas amostras analisadas.
Consideramos que esse parâmetro não deve ter ligações consideráveis com
fatores contextuais, pois nenhum deles foi capaz de imprimir cinese às construções com
verbos estativos. Se há alguma propriedade funcional que incide sobre a cinese, essa
propriedade é a carga semântica da raiz verbal, pois ela não se altera com a flexão. Para
além da semântica, não encontramos a influência de fatores pragmáticos ou discursivos.
Assim chegamos ao último dos dez parâmetros de transitividade oracional – a
pontualidade. Ela diz respeito à duração da ação verbal. Uma ação abrupta torna a
oração mais transitiva.
Considerando que as construções com verbos estativos, de um modo geral, não
designam ações, mas estados, não há transição ou mudança de estado, mas ao contrário,
elas designam a permanência de estado. Portanto, a pontualidade é a mínima possível. E
essa característica se aplica indistintamente para construções com um ou com dois
argumentos.
Refletindo sobre o tempo de uma ação/estado verbal, podemos concluir que a
pontualidade incide no transcorrer dessa ação/estado e que o aspecto incide sobre seu
término.
74
Assim, podemos encontrar uma estreita relação entre a pontualidade e o aspecto,
pois enquanto a primeira se voltaria à duração, o segundo se voltaria à conclusão. Isso
explica porque pudemos observar verbos que ao mesmo tempo são estativos e
perfectivos, pois se trata de duas categorias distintas.
Sobre a relação entre a pontualidade e a morfologia do verbo, compreendemos
que existe uma correspondência com o sufixo de estado –ē. Essa derivação sufixal retira
do verbo sua pontualidade e confere-lhe o valor de um estado, que se estende no tempo.
Quanto ao aspecto, manifesto na formação do radical do verbo, cabe-lhe atribuir ao
verbo conclusão ou progressividade (perfectum e infectum).
Compreendemos ainda que, do resultado da união dos processos morfológicos
que designam pontualidade e aspecto a uma raiz verbal, surge uma forma acinética,
estativa, cujo aspecto pode variar binariamente entre perfectivo e imperfectivo de
acordo com a mudança do tema do verbo.
Finalmente, após as análises de transitividade de acordo com os parâmetros de
Hopper e Thompson (1980), chegamos a um comportamento geral das construções com
verbos de estado. Concluímos que, dos dez parâmetros, sete (número de participantes;
intencionalidade; afirmação; modo; agentividade; afetamento do objeto; individuação
do objeto) se voltam a fatores mais amplos e contextuais envolvendo o corpus, como as
necessidades pragmáticas, o gênero textual – comédia – e o tipo de situação de uso em
que cada construção se inseria. Em contrapartida, os demais (cinese, aspecto e
pontualidade) se voltam para fatores mais duros e morfológicos.
Encontramos, nos verbos estativos, correspondências morfológicas para o
aspecto e para a pontualidade. Esses processos morfológicos, associados aos valores
semânticos que cada um imprime sobre o verbo, mostram porque um verbo pode ser
estativo e perfectivo ao mesmo tempo, como vimos nos exemplos 7, 8 e 12.
Os estudos de Laroca e Teixeira (in ABRAÇADO & KENNEDY, 2014) sobre
aspecto e pontualidade conduzem esta pesquisa aos de CORÔA (2005) que tratam de
uma categoria importante para este estudo e para a flexão dos verbos latinos como um
todo.
4.3.3- Aspecto morfológico e aspecto lexical
As conclusões relativas aos últimos três parâmetros explanados a que chegamos
nas análises de transitividade oracional estão diretamente associadas aos padrões
75
construcionais identificados para o verbo estativo (cf. p. 37). De acordo com essa
associação, os dois elementos da construção ―verbo de estado‖ – o radical do verbo e o
sufixo – estão associados, respectivamente ao aspecto e à pontualidade. O resultado
dessa união implica em ausência de cinese.
Assim chegamos a duas categorias, respaldadas pela composição morfológica
do verbo. Uma delas, já sabemos, é o aspecto, que trata da telicidade da ação/estado
verbal, categoria esta consagrada e conhecida de todas as gramáticas de língua latina.
Quanto à outra categoria, que trata do transcorrer da ação, encontramo-la nos estudos de
Laroca (in ABRAÇADO & KENNEDY, 2014) e, sobretudo nos de CORÔA (2005).
Utiliza-se o termo aktionsart para fazer referência a um aspecto lexical do verbo,
ou um ―modo de ser da ação‖ verbal (cf. ABRAÇADO & KENNEDY, 2014, p. 81).
Para Klein (apud CORÔA, 2005) o aspecto é uma categoria gramatical, enquanto que o
modo de ser é uma categoria léxico-semântica. Assim, teríamos dois aspectos, um
gramatical e um léxico-semântico, ou aktionsart.
Esta última categoria esclarece a relação entre o sufixo estativo e o tema
aspectual do verbo latino. No entanto, observando os dois tipos de aspecto nos verbos
estativos encontrados, concluímos que as definições que apresentamos no parágrafo
anterior não se aplicam com exatidão aos dados do Latim.
O que vimos ao longo das análises, sobretudo quando as análises de
transitividade chegaram aos parâmetros de cinese, aspecto e pontualidade, é que ambos
– o aspecto propriamente dito e o aktionsart – são, ao mesmo tempo, gramaticais e
léxico-semânticos. Ambos têm implicações na semântica do tempo da ação/estado
verbal, incidindo o aspecto sobre a conclusão e o aktionsart sobre o transcorrer da ação;
ambas têm um correspondente formal, morfológico, que são o radical do verbo para o
aspecto e, como vimos, o sufixo –ē para o aktionsart.
Chegamos assim, às propriedades do sentido relativas à forma das construções
identificadas em um nível morfológico, exemplificado no quadro a seguir com um
construto do corpus. O construto do verbo oleo pode ser esquematizado da seguinte
maneira, o aspecto incidindo sobre a raiz e o modo de ser incidindo sobre o sufixo:
Quadro 3: Pareamentos de forma e função para verbos de estado:
76
Construto>
ol
ē
forma>
[raiz-]
[-ē]
sentido>
infectum não acabada
modo de ser
estativo
4.4 – Compilando os resultados das análises dos dados
A leitura dos textos da Comédia Arcaica aliada às leituras teóricas lingüísticas e
literárias forneceu informações sobre o comportamento dos verbos estativos na frase
latina, de um modo que, como vimos (cf. p.47) muito se aproxima do falar corrente dos
romanos dos séculos III e II a.C..
As ocorrências de verbos estativos mostram que as mesoconstruções com
sujeitos oracionais e as de posse se encontravam convencionalizadas no uso e compõem
a maioria das ocorrências desse tipo de verbo. Mesmo as que não figuram nessas
mesoconstruções, como aquelas com os verbos ualeo e taceo, têm sua frequência
aumentada pelo gênero e pelas situações em que eram utilizadas. É seguro afirmar que a
frequência dosconstrutos recebe maior influência de fatores contextuais e funcionais.
Quanto ao valor estativo, vimos como é difícil concebê-lo em consonância com
um aspecto perfectivo, de tal modo que o sufixo que o opera não ocorre no perfectum.
Sabemos previamente que se trata de um aspecto aorístico que saiu do sistema do
Latim, mas deixou, como vestígio morfológico, entre outros, o tema de infectum dos
verbos formados pelo sufixo de estado –ē, fazendo verdadeiros ―presentes aorísticos‖.
Quanto às origens do perfectum desses verbos, eles a devem a outros verbos com a
mesma raiz, mas sem o sufixo, formando pares, dos quais apenas encontramos no
corpusoleo/olo (exalar odor), cujo significado não se altera pela ausência do sufixo. É
seguro afirmar que o perfeito desse verbo (olui), assim como todos os perfeitos de
verbos estativos encontrados nas três peças analisadas não levaram em conta, na sua
formação, o sufixo de estado. A princípio, pode parecer incoerente conciliar o valor de
estado com o aspecto perfectivo, mas o item seguinte esclareceu essa questão.
77
As análises de transitividade contribuíram em muito com a compreensão do
fenômeno estudado. Vimos que apenas três de todos os parâmetros listados têm uma
ligação direta com aspectos formais do verbo de estado. Os dois principaissão o aspecto
e a pontualidade, cuja ausência se enquadra no chamado aktionsart, ou modo de ser da
ação têm, cada um, um morfema correspondente para si. Assim, vimos tratar-se de duas
categorias distintas: aspecto e aktionsart, que são semânticas e morfológicas ao mesmo
tempo. O aspecto incide sobre o radical do verbo e o aktionsart incide sobre o sufixo.
4.5- Desdobramentos dos resultados:
Quando ampliamos nosso campo de visão sobre os verbos latinos, podemos
observar uma série importante de outras formações sufixais (cf. MONTEIL, op. cit.,
p.286-300) que alteram o modo de ser da ação. Assim, o Latim possui diversos sufixos
associados a valores semânticos: um –ta frequentativo; um –turi inceptivo; um –n
determinativo; um –sc incoativo; um –s desiderativo; e mais outros, com conteúdo mais
ou menos procedural (cf. TRAUGOTT & TROUSDALE, 2013). No entanto, vale
ressaltar que essas formações são próprias de infectum; o perfectum possui seus próprios
processos de formação, fato que demonstra um traço de permanência da independência
em relação aos temas aspectuais indoeuropeus.
É oportuno também procurar descrições de gramáticos da Antiguidade sobre a
morfologia verbal do Latim e, se possível, sobre o sufixo –ē, uma vez que muitos deles
estavam em uma posição privilegiada e inatingível a nós – eram falantes nativos de
Latim. É necessário, no entanto, ressaltar que os estudos gramáticos na Antiguidade
remontam muitos séculos antes dos textos da Comédia Arcaica. Havia, com frequência,
entre os filósofos gregos, um interesse pela reflexão sobre a língua que falavam, assim
como formulações de conceitos e categorias gramaticais.
Os romanos deram continuidade às tradições gregas de estudos filosóficos e
linguísticos. Portanto, a gramática antiga é um vastíssimo campo de estudos, o que torna
necessário um recorte para seu estudo.
Dos autores a que tivemos acesso no decorrer da pesquisa, destacamos as visões
dos gramáticos Donato e Dositeu, ambos do século IV d.C., época tardia da língua e da
literatura latina. Seus textos mantêm uma intertextualidade implícita, o que nos leva a
concluir que houve um diálogo entre eles.
78
Ao listar e descrever as categorias flexionais que conhecemos do verbo latino
(aspecto, tempo, modo número, pessoa e voz), eles concebem uma a mais, que Donato,
em sua Ars Minor, chama de forma uerborum (forma dos verbos) e que Dositeu, em sua
Grammatica, chama de qualitas uerbi (qualidade do verbo). Essa categoria é,
morfologicamente, manifesta pelos diversos processos de derivação sufixal dentre
aqueles que citamos acima. Por exemplo, um verbo pode ter uma qualidade (ou forma)
freqüentativa, como lectitare (ler com frequência), com a adição do sufixo –ta; uma
qualidade inceptiva, como lecturire (estar prestes a ler), com a adição do sufixo –turi;
uma qualidade incoativa, como floresco (florescer), com a adição do sufixo –sc.
No entanto, eles não listam nessa categoria os verbos estativos, apesar de
citarem diversos processos de derivação sufixal semelhante. Donato considera que o
verbo horreo é o que chama de ―forma perfeita‖20 (cf. LINDEMANNUS, 1831, p. 159),
isto é, sem derivação sufixal, quando são classificados com o significado estativo de
―estar horrorizado‖ (cf. ERNOUT & MEILLET, 1959, p. 553).
Fica claro que alguns gramáticos antigos concebiam, como Donato, para a flexão
do verbo latino, uma categoria a mais. No entanto, como essa categoria não se aplica a
todos os verbos, e nem todos os sufixos são reconhecidos pelos antigos como a ela
pertencentes, concluímos que essa categoria não é tão flexional quanto as demais e, por
isso, não figura como parte da flexão latina, e sim como processo derivacional.
Assim, tais processos de sufixação não são mais reconhecidos pelos usuários do
Latim, o que aponta para a possibilidade de uma neoanálise do verbo latino que faz com
que o sufixo deixe de ser reconhecido como tal e passe a figurar no próprio radical do
verbo. A existência de mais uma categorial flexional verbal em Latim é uma promissora
oportunidade de estudos futuros para os latinistas.
É importante ponderar que alguns séculos separam Plauto de Donato e Dositeu.
É certo que a língua que falavam mudou nesse tempo, já que a variedade e a mudança
são caracteres inerentes às línguas naturais. Do mesmo modo, não observamos os dados
reais de uso da Antiguidade tardia, em que esses gramáticos se situam. Por essas razões,
consideramos que o diálogo com os gramáticos da antiguidade é um desdobramento
bastante oportuno para os estudos linguísticos sobre o Latim.
Apesar da inexistência de consistentes dados anteriores à época de Plauto, as
ocorrências de verbos estativos mostram que é mais provável que essa neoanálise já
20
Perfecta Forma
79
tenha se concluído no período em questão, afastando a nitidez da composicionalidade
dos verbos estativos, alcançável por meio do estudo das respectivas etimologias.
Em certa medida, os usos desse tipo de verbo se afastam daquele previsto pelas
gramáticas usadas como base para situar o objeto desta pesquisa. Isso ocorre porque as
construções previstas como tipicamente construções de verbos de estado, compostas por
sujeito estático + verbo, não ocorrem em número suficientemente superior àquelas
formadas com argumento oracional, ou com os verbos habeo e teneo. Este fato sintático
provavelmente tem relação com o fato morofológico da neoanálise dos verbos estativos.
Eis outra oportunidade para estudos futuros.
Enfim, o testemunho dos gramáticos antigos é fundamental para a compreensão
dos fenômenos linguísticos como um todo. Dada a complexidade dos estudos
gramaticais já na Antiguidade, um diálogo mais frequente com os gramáticos da
Antiguidade é outra oportunidade de estudos.
O diálogo com os gramáticos antigos leva a um outro desdobramento,
igualmente importante. Em se tratando dessa categoria verbal adicional mencionada
pelos antigos, vê-se que ela não é tão flexional quanto às demais, situando-se numa
posição intermediária de um continuum derivação-flexão (cf. BYBEE, 2010, p. 2).
Observando que o sufixo –ē passa por processos de mudança, sendo
neoanalisado como parte do radical verbal, podemos concluir que ele se torna menos
derivacional. Essa conclusão é ratificada pela baixa produtividade do esquema [√+ē]
(cf. p. 39), cuja frequência é uma frequência token, e não type (cf. BYBEE & HOPPER,
2001, p.6), isto é, uma frequência do construto, mas não da construção. Esse fato
conflui-se com a carência de inovações no corpus lido, ambiente que seria propício para
tal.
Há, ainda, outro importante desdobramento, relacionado ao processo de
mudança envolvendo o sufixo de estado. Nos dados que analisamos, ele mantém um
importante papel na oração, mas, séculos mais tarde, ao menos nas descrições de
gramáticos, não é mais reconhecido como sufixo. Nesse processo, o objeto segue uma
trajetória de cada vez mais flexionalidade e menos derivacionalidade. No entanto, vimos
que a origem indoeuropeia desse sufixo é daquilo que seria também um sufixo mais
flexional do que derivacional.
Nesse cenário, portanto, a trajetória do sufixo –ē iria de encontro a pressupostos
funcionalistas importantes sobre mudança linguística, sobretudo ao princípio da
direcionalidade, que, nos primeiros estudos modernos sobre o fenômeno da
80
gramaticalização, era ―unidirecionalidade‖ (cf. HOPPER & TRAOUGOTT, 1993, p. 94;
GONÇALVES; LIMA-HERNANDES; CASSEB-GALVÃO, 2007, p. 31). Isso seria
um problema porque o sufixo teria uma origem flexional, passaria a um estágio
derivacional, que faz parte do corpus que analisamos, e retornaria a um estágio
flexional, originando as vogais temáticas de uma série de verbos da segunda conjugação
latina.
No entanto, com base nos estudos históricos que compuseram o primeiro
capítulo, essa trajetória não se constitui um problema, devido a características próprias
do sistema verbal indoeuropeu. Vimos que uma das principais características desse
sistema é o foco no aspecto verbal, bem como a independência dos temas aspectuais.
Assim, podemos constatar que não se trata de uma flexão aspectual (como ocorre em
Latim), mas de uma derivação. Portanto, o papel do sufixo no indoeuropeu era muito
mais derivacional do que era em Latim. E, assim, sua trajetória seria de um polo mais
derivacional a um mais flexional.
Finalmente, consideramos que são dois os desdobramentos mais relevantes sobre
esta pesquisa. O primeiro é, com a possibilidade de diálogo com os gramáticos antigos,
a concepção de uma nova categoria flexional do verbo latino, não tão flexional quanto
as demais, porém com caracteres de flexionalidade. O segundo é a trajetória do sufixo,
nos outros momentos, antecedentes e precedentes ao Latim Arcaico do corpus deste
trabalho. Sobretudo, teorias linguísticas atuais têm muito a contribuir com os estudos
das Línguas Clássicas.
81
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Acima de tudo, esta pesquisa mostra a complexidade do fenômeno da
linguagem, composto por fatores que vão desde a fonologia até o discurso e o contexto.
Mostra a complexidade envolvida em um morfema composto apenas por uma vogal,
complexidade que, como vimos, remonta ao sistema verbal indoeurpeu, do qual o Latim
é uma língua herdeira.
Conhecendo um pouco melhor os verbos estativos e o sistema verbal latino
como um todo, podemos retornar a uma das questões iniciais, a categoria de vogal
temática, cujos problemas haviam sido notados já por Ernesto Faria (1958, p. 240).
Vimos inicialmente que o objeto desta pesquisa, o sufixo de estado –ē, é enquadrado
tradicionalmente, segundo um recorte sincrônico e superficial, como vogal temática do
verbo, com função de meramente organizar o paradigma verbal nas quatro conjugações.
Essa classificação, no entanto, não dá conta da complexidade do fenômeno e mostra que
essa vogal temática possui um papel importante na construção da frase latina e guarda
marcas contundentes de seu passado indoeuropeu, como sufixo formador de temas de
aoristo. Essas marcas estão no significado, na transitividade e na flexão dos verbos com
valor de estado.
O sufixo estativo está diretamente associado a um tipo de aspecto diferente
daquele que tradicionalmente é aplicado aos verbos latinos, binário, que se divide em
infectum e perfectum. Esse outro aspecto tem sua correspondência no próprio sufixo
verbal do mesmo modo que o primeiro tem sua correspondência no radical do verbo.
Enquanto que o primeiro incide sobre o término do processo verbal, o segundo incide
sobre sua duração. Portanto, ambos são ao mesmo tempo gramaticais e léxicosemânticos. À telicidade do verbo atribui-se o termo ―aspecto‖, já à segunda categoria
atribui-se o termo ―aktionsart‖, ou ―modo de ser da ação‖. O sufixo –ē, portanto,
confere ao verbo um ―modo de ser estativo‖.
Relativamente à transitividade verbal, vimos que propriedades formais dos
verbos estativos estão ligadas a três dos dez parâmetros utilizados. Dois deles tem uma
correspondência morfológica direta – o aspecto e a pontualidade, relacionada ao modo
de ser estativo, que designa um estado que se estende no tempo.
Sobre as análises das ocorrências dos verbos de estado em peças cômicas de
Plauto, é possível observar que a pouca inovação sobre esse fenômeno, em um espaço
que favorecia fortemente inovações, jogos de palavras e neologismos, aponta para a
82
ausência de produtividade do sufixo estativo. Isso significa que, segundo o que os dados
apontam, os falantes do Latim não mais criavam novos verbos estativos, já no período
arcaico da sua literatura. Não foi possível traçar uma relação de causa e conseqüência,
mas a falta de produtividade está associada à neoanálise que esses verbos sofreram, que
pode ser vista no texto do gramático antigo Donato, cinco séculos posterior a Plauto,
que não vê mais o –ē como um sufixo, mas como parte do radical do verbo.
Finalmente, esperamos que esta pesquisa possa auxiliar os estudos sobre a
morfologia e a sintaxe verbal do Latim. Entendemos que, além dos estudos linguísticos
modernos serem de grande valia para a visão gramatical das línguas antigas, um diálogo
com os antigos se faz oportuno. Esperamos também dar continuidade a estudos como
este, sobre o verbo latino.
83
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86
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prolegomenis et commentariis continens. Recensuit et enarrauit Ioannes Ussing:
Hauniae, 1875.
_________. Commoediae. Volumen alterum: Miles – Mostellaria – Persa – Poenulus –
Pseudolus – Rudens – Stichus – Trinumus – Truculentus – Vidularia fragmenta.
Recensuit et emandauit Fridericus Leo: Berolini, 1896.
87
ANEXO 1 – LISTA DE OCORRÊNCIAS DE VERBOS ESTATIVOS NAS
PEÇAS AMPHITRYO, MOSTELLARIA E PERSA
T. MACCI PLAVTI AMPHITRVO
ARGVMENTVM II
Amore captus Alcumenas Iuppiter
Mutavit sese in formam eius coniugis,
Pro patria Amphitruo dum decernit cum hostibus.
Habitu Mercurius ei subservit Sosiae.
Is advenientis servum ac dominum frustra habet.
Turbas uxori ciet Amphitruo, atque invicem
Raptant pro moechis. Blepharo captus arbiter
Vter sit non quit Amphitruo decernere.
Omnem rem noscunt. geminos Alcumena enititur.
nam iusta ab iustis iustus sum orator datus.
nam iniusta ab iustis impetrari non decet,
35
iusta autem ab iniustis petere insipientia est;
quippe illi iniqui ius ignorant neque tenent.
nunc iam huc animum omnes quae loquar advortite.
debetis velle quae velimus: meruimus
et ego et pater de vobis et re publica;
40
quasi nesciam vos velle, qui divos siem.
teneo quid animi vostri super hac re siet:
faciam ut commixta sit: <sit> tragicomoedia.
nam me perpetuo facere ut sit comoedia,
60
reges quo veniant et di, non par arbitror.
quid igitur? quoniam hic servos quoque partes habet,
faciam sit, proinde ut dixi, tragicomoedia.
virtute dixit vos victores vivere,
75
non ambitione neque perfidia: qui minus
eadem histrioni sit lex quae summo viro?
88
virtute ambire oportet, non favitoribus.
sat habet favitorum semper qui recte facit,
si illis fides est quibus est ea res in manu.
80
hoc quoque etiam mihi <pater> in mandatis dedit,
ut conquaestores fierent histrionibus:
qui sibi mandasset delegati ut plauderent
quive quo placeret alter fecisset minus,
eius ornamenta et corium uti conciderent. 85
nunc de Alcumena ut rem teneatis rectius,
110
utrimque est gravida, et ex viro et ex summo Iove.
in Amphitruonis vertit sese imaginem
omnesque eum esse censent servi qui vident:
ita versipellem se facit quando lubet.
ego servi sumpsi Sosiae mi imaginem,
qui cum Amphitruone abiit hinc in exercitum,
125
ego has habebo usque in petaso pinnulas;
tum meo patri autem torulus inerit aureus
sub petaso: id signum Amphitruoni non erit.
145
quid faciam nunc, si tres viri me in carcerem compegerint?
155
inde cras quasi e promptaria cella depromar ad flagrum,
nec causam liceat dicere mihi, neque in ero quicquam auxili
nec quisquam sit quin me <malo> omnes esse dignum deputent.
ergo in servitute expetunt multa iniqua:
habendum et ferundum hoc onust cum labore.
175
quoniam bene quae in me fecerunt ingrata ea habui atque inrita.
MERC. Facit ille quod volgo haud solent, ut quid se sit dignum sciat. 185
89
si dixero mendacium, solens meo more fecero.
nam cum pugnabant maxume, ego tum fugiebam maxume;
verum quasi adfuerim tamen simulabo atque audita eloquar.
200
sed quo modo et verbis quibus me deceat fabularier,
prius ipse mecum etiam volo hic meditari. sic hoc proloquar.
Principio ut illo advenimus, ubi primum terram tetigimus,
continuo Amphitruo delegit viros primorum principes;
eos legat, Telobois iubet sententiam ut dicant suam:
205
si sine vi et sine bello velint rapta et raptores tradere,
imperator utrimque, hinc et illinc, Iovi
vota suscipere, <utrimque> hortari exercitum.
230
<tum> pro se quisque id quod quisque potest et valet
edit, ferro ferit, tela frangunt, boat
caelum fremitu virum, ex spiritu atque anhelitu
nebula constat, cadunt volnerum vi viri.
animam omittunt prius quam loco demigrent:
240
quisque ut steterat iacet optinetque ordinem.
hoc ubi Amphitruo erus conspicatust,
ilico equites iubet dextera inducere.
et enim vero quoniam formam cepi huius in med et statum,
decet et facta moresque huius habere me similes item.
itaque me malum esse oportet, callidum, astutum admodum
atque hunc, telo suo sibi, malitia a foribus pellere.
sed quid illuc est? caelum aspectat. observabo quam rem agat.
270
SOS. Ibo ut erus quod imperavit Alcumenae nuntiem.
sed quis hic est homo, quem ante aedis video hoc noctis? non placet.
MERC. Nullust hoc metuculosus aeque. SOS. Mi in mentem venit,
illic homo hoc de umero volt pallium detexere.
MERC. Timet homo: deludam ego illum. SOS. Perii, dentes pruriunt; 295
90
certe advenientem hic me hospitio pugneo accepturus est.
SOS. Apage, non placet me hoc noctis esse: cenavi modo;
310
proin tu istam cenam largire, si sapis, esurientibus.
. MERC. Pessumest,
facimus nequiter, ferire malam male discit manus;
315
alia forma esse oportet quem tu pugno legeris.
SOS. Illic homo me interpolabit meumque os finget denuo.
MERC. Exossatum os esse oportet quem probe percusseris.
SOS. Mirum ni hic me quasi murenam exossare cogitat.
ultro istunc qui exossat homines. perii, si me aspexerit.
320
MERC. Olet homo quidam malo suo. SOS. ei, numnam ego obolui?
MERC. Atque haud longe abesse oportet, verum longe hinc afuit.
SOS. Non equidem ullum habeo iumentum. M. Onerandus est pugnis probe.
SOS. Lassus sum hercle, navi ut vectus huc sum: etiam nunc nauseo;
vix incedo inanis, ne ire posse cum onere existimes.
330
SOS. Metuo, vocis ne vicem hodie hic vapulem, quae hunc verberat.
MERC. Optume eccum incedit ad me. SOS. Timeo, totus torpeo.
335
verum certum est confidenter hominem contra conloqui,
qui possim videri huic fortis, a me ut abstineat manum.
340
MERC. Vide sis quam mox vapulare vis, nisi actutum hinc abis.
360
SOS. Tun domo prohibere peregre me advenientem postulas?
SOS. Ita di faciant, ut tu potius sis atque ego te ut verberem.
380
M. Etiam muttis? S. Iam tacebo. M. Quis tibi erust? S. Quem tu voles.
SOS. Non loquar nisi pace facta, quando pugnis plus vales.
390
MERC. Dic si quid vis, non nocebo. SOS. Tuae fide credo? MERC. Meae.
91
SOS. Quid si falles? MERC. Tum Mercurius Sosiae iratus siet.
SOS. Animum advorte. nunc licet mihi libere quidvis loqui.
Amphitruonis ego sum servos Sosia. MERC. Etiam denuo?
SOS. Pacem feci, foedus feci. vera dico. MERC. Vapula.
395
SOS. Vt libet quid tibi libet fac, quoniam pugnis plus vales;
itidem habet petasum ac vestitum: tam consimilest atque ego;
sura, pes, statura, tonsus, oculi, nasum vel labra,
malae, mentum, barba, collus: totus. quid verbis opust?
445
MERC. Quo agis te? S. Domum. M. Quadrigas si nunc inscendas Iovis
450
atque hinc fugias, ita vix poteris effugere infortunium.
SOS. Nonne erae meae nuntiare quod erus meus iussit licet?
MERC. Tuae si quid vis nuntiare: hanc nostram adire non sinam.
nam si me inritassis, hodie lumbifragium hinc auferes.
SOS. Abeo potius. di immortales, obsecro vostram fidem,
455
ubi ego perii? ubi immutatus sum? ubi ego formam perdidi?
an egomet me illic reliqui, si forte oblitus fui?
nam hic quidem omnem imaginem meam, quae antehac fuerat, possidet.
amovi a foribus maximam molestiam,
patri ut liceret tuto illam amplexarier.
465
I.iii
IVPPITER Bene vale, Alcumena, cura rem communem, quod facis;
atque inperce quaeso: menses iam tibi esse actos vides.
500
mihi necesse est ire hinc; verum quod erit natum tollito.
ALCVMENA Quid istuc est, mi vir, negoti, quod tu tam subito domo
abeas? IVPP. Edepol haud quod tui me neque domi distaedeat;
IVPP. Satin habes, si feminarum nulla est quam aeque diligam?
MERC. Edepol ne illa si istis rebus te sciat operam dare,
ego faxim ted Amphitruonem esse malis, quam Iovem.
ALC. Experiri istuc mavellem me quam mi memorarier.
prius abis quam lectus ubi cubuisti concaluit locus.
510
92
heri venisti media nocte, nunc abis. hocin placet?
quoii ego iam hoc scipione—ALC. Ah noli. IVPP. Muttito modo. 520
MERC. Nequiter paene expedivit prima parasitatio.
IVPP. Verum quod tu dicis, mea uxor, non te mi irasci decet.
ALC. Lacrimantem ex abitu concinnas tu tuam uxorem. IVPP. Tace,
ne corrumpe oculos, redibo actutum. ALC. Id actutum diu est.
530
IVPP. Non ego te hic lubens relinquo neque abeo abs te. ALC. Sentio,
nam qua nocte ad me venisti, eadem abis. IVPP. Cur me tenes?
tempus <est>: exire ex urbe prius quam lucescat volo.
nunc tibi hanc pateram, quae dono mi illi ob virtutem data est,
Pterela rex qui potitavit, quem ego mea occidi manu,
535
Alcumena, tibi condono. ALC. Facis ut alias res soles.
MERC. Eamus, Amphitruo. lucescit hoc iam. IVPP. Abi prae, Sosia,
iam ego sequar. numquid vis? A. Etiam: ut actutum advenias. I. Licet,
prius tua opinione hic adero: bonum animum habe.—
nunc te, nox, quae me mansisti, mitto uti cedas die,
ut mortalis inlucescat luce clara et candida.
scelestam, scelus, linguam abscidam. SOS. Tuos sum,
proinde ut commodumst et lubet quidque facias;
tamen quin loquar haec uti facta sunt hic,
numquam ullo modo me potes deterrere.
apage te a me. SOS. Quid est negoti?
560
580
AMPH. Pestis te tenet. SOS. Nam quor istuc
dicis? equidem valeo et salvos
sum recte, Amphitruo. AMPH. At te ego faciam
hodie proinde ac meritus es,
ut minus valeas et miser sis,
584a
545
93
AMPH. Quo id, malum, pacto potest nam—mecum argumentis puta —
fieri, nunc uti tu <et> hic sis et domi? id dici volo.
SOS. Sum profecto et hic et illic. hoc cuivis mirari licet,
neque tibi istuc mirum *** magis videtur quam mihi.
595
SOS. Tuos est servos. AMPH. Mihi quidem uno te plus etiam est quam volo,
610
neque postquam sum natus habui nisi te servom Sosiam.
qua ego sum. quid opust verbis? geminus Sosia hic factust tibi.
615
AMPH. Nimia memoras mira. sed vidistin uxorem meam?
S. Quin intro ire in aedis numquam licitum est. A. Quis te prohibuit?
SOS. Sosia ille, quem iam dudum dico, is qui me contudit.
AMPH. Quis istic Sosia est? SOS. Ego, inquam. quotiens dicendum est tibi?
AMPH. Sed quid ais? num obdormivisti dudum? SOS. Nusquam gentium. 620
AMPH. Ibi forte istum si vidisses quendam in somnis Sosiam—
SOS. Non soleo ego somniculose eri imperia persequi.
ALCVMENA Satin parva res est voluptatum in vita atque in aetate agunda
praequam quod molestum est? ita cuique comparatum est in aetate hominum;
ita divis est placitum, voluptatem ut maeror comes consequatur:
domum recipiat se; feram et perferam usque
635
645
abitum eius animo forti atque offirmato, id modo si mercedis
datur mi, ut meus victor vir belli clueat.
libertas salus vita res et parentes, patria et prognati
650
tutantur, servantur:
virtus omnia in sese habet, omnia adsunt
bona quem penest virtus.
valuistin usque? exspectatum advenio? SOS. Haud vidi magis.
exspectatum eum salutat magis haud quicquam quam canem.
680
AM. Et quom te ~gravidam et quom te pulchre plenam aspicio, gaudeo.
94
ALC. Cur negas? AM. Quia vera didici dicere. AL. Haud aequom facit
qui quod didicit id dediscit. an periclitamini
quid animi habeam? sed quid huc vos revortimini tam cito?
an te auspicium commoratum est an tempestas continet
690
qui non abiisti ad legiones, ita uti dudum dixeras?
AL. Hic in aedibus ubi tu habitas. AM. Numquam factum est. S. Non taces?
quid si e portu navis huc nos dormientis detulit?
si obsequare, una resolvas plaga. AMPH. At pol qui certa res
705
hanc est obiurgare, quae me hodie advenientem domum
noluerit salutare. SOS. Inritabis crabrones. AMPH. Tace.
Alcumena, unum rogare te volo. ALC. Quid vis roga.
ALC. Qui istuc in mentemst tibi ex me, mi vir, percontarier?
710
AMPH. Quia salutare advenientem me solebas antidhac,
appellare, itidem ut pudicae suos viros quae sunt solent.
eo more expertem te factam adveniens offendi domi.
ALC. Ecastor equidem te certo heri advenientem ilico,
et salutavi et valuissesne usque exquisivi simul,
715
mi vir, et manum prehendi et osculum tetuli tibi.
ALC. Equidem sana sum et deos quaeso, ut salva pariam filium.
verum tu malum magnum habebis, si hic suom officium facit:
ob istuc omen, ominator, capies quod te condecet.
SOS. Enim vero praegnati oportet et malum et malum dari,
ut quod obrodat sit, animo si male esse occeperit.
sed, mulier, postquam experrecta es, te prodigiali Iovi
aut mola salsa hodie aut ture comprecatam oportuit.
740
ALC. Vae capiti tuo. SOS. Tua istuc refert—si curaveris.
ALC. Iterum iam hic in me inclementer dicit, atque id sine malo.
720
700
95
AMPH. Tace tu. tu dic: egone abs te abii hinc hodie cum diluculo?
AM. Proferri volo.
ALC. Fiat. <heus> tu, Thessala, intus pateram proferto foras,
770
qua hodie meus vir donavit me. AMPH. Secede huc tu, Sosia,
enim vero illud praeter alia mira miror maxime,
si haec habet pateram illam. SOS. An etiam credis id, quae in hac cistellula
SOS. Aut pol haec praestigiatrix multo mulier maxima est
aut pateram hic inesse oportet. AMPH. Agedum, exsolve cistulam.
SOS. Quid ego istam exsolvam? obsignatast recte, res gesta est bene:
tu peperisti Amphitruonem, ego alium peperi Sosiam;
785
SOS. Iam illud non placet principium de osculo. AMPH. Perge exsequi.
ALC. Lavisti. AM. Quid postquam lavi? AL. Accubuisti. S. Euge optime.
nunc exquire. AMPH. Ne interpella. perge porro dicere.
ALC. Cena adposita est; cenavisti mecum, ego accubui simul.
AMPH. In eodem lecto? ALC. In eodem. SOS. Ei, non placet convivium. 805
SOS. Haeret haec res, si quidem haec iam mulier facta est ex viro.
ALC. Quid ego feci, qua istaec propter dicta dicantur mihi?
815
ALC. Istuc facinus, quod tu insimulas, nostro generi non decet.
820
tu si me inpudicitiai captas, capere non potes.
ALC. Vera dico, sed nequiquam, quoniam non vis credere.
835
AMPH. Mulier es, audacter iuras. ALC. Quae non deliquit, decet
audacem esse, confidenter pro se et proterve loqui.
IVPPITER Ego sum ille Amphitruo, cui est servos Sosia,
idem Mercurius qui fit, quando commodumst,
in superiore qui habito cenaculo,
qui interdum fio Iuppiter, quando lubet;
96
huc autem quom extemplo adventum adporto, ilico
865
IVPP. Faciundum est mi illud, fieri quod illaec postulat,
si me illam amantem ad sese studeam recipere,
quando ego quod feci, id factum Amphitruoni offuit
atque illi dudum meus amor negotium
insonti exhibuit, nunc autem insonti mihi
895
IVPP. Nimis iracunda es. ALC. Potin ut abstineas manum?
nam certo, si sis sanus aut sapias satis,
quam tu impudicam esse arbitrere et praedices,
905
cum ea tu sermonem nec ioco nec serio
tibi habeas, nisi sis stultior stultissimo.
ALC. Ego istaec feci verba virtute irrita;
925
nunc, quando factis me impudicis abstini,
ab impudicis dictis avorti volo.
valeas, tibi habeas res tuas, reddas meas.
ALC. Primum cavisse oportuit ne diceres,
verum eadem si isdem purgas mi, patiunda sunt.
945
IVPP. Iube vero vasa pura adornari mihi,
ut quae apud legionem vota vovi, si domum
rediissem salvos, ea ego exsolvam omnia.
IVPP. <Sosia>, optume advenis. SOS. Iam pax est inter vos duos?
nam quia vos tranquillos video, gaudeo et volup est mihi.
atque ita servom par videtur frugi sese instituere:
proinde eri ut sint, ipse item sit; voltum e voltu comparet:
960
tristis sit, si eri sint tristes; hilarus sit, si gaudeant.
sed age responde: iam vos rediistis in concordiam?
IVPP. Habui expurigationem; facta pax est. SOS. Optume est.
965
97
IVPP. Recte loquere et proinde diligentem ut uxorem decet.
iam hisce ambo, et servos et era, frustra sunt duo,
qui me Amphitruonem rentur esse: errant probe.
975
MERCVRIVS Concedite atque abscedite omnes, de via decedite,
nec quisquam tam audax fuat homo, qui obviam obsistat mihi.
985
nam mihi quidem hercle qui minus liceat deo minitarier
populo, ni decedat mihi, quam servolo in comoediis?
ille navem salvam nuntiat aut irati adventum senis:
quam ob rem mihi magis par est via decedere et concedere.
990
pater vocat me, eum sequor, eius dicto imperio sum audiens;
ut filium bonum patri esse oportet, itidem ego sum patri.
amanti subparasitor, hortor, adsto, admoneo, gaudeo.
si quid patri volup est, voluptas ea mi multo maxumast.
amat: sapit; recte facit, animo quando obsequitur suo,
995
quod omnis homines facere oportet, dum id modo fiat bono.
meo me aequomst morigerum patri, eius studio servire addecet.
sed eccum Amphitruonem, advenit; iam ille hic deludetur probe,
1005
siquidem vos voltis auscultando operam dare.
ibo intro, ornatum capiam qui potis decet;
dein susum ascendam in tectum, ut illum hinc prohibeam.
quem pol ego hodie ob istaec dicta faciam ferventem flagris.
1030
MERC. Prodigum te fuisse oportet olim in adulescentia.
Non. 453M
(IVPP.) Manifestum hunc optorto collo teneo furem flagiti. 1034q
Non. 331M
(AMPH.) Immo ego hunc, Thebani cives, qui domi uxorem meam
impudicitia impedivit, teneo, thensaurum stupri.
1034r
1034s
Non. 454M
(AMPH.) Nilne te pudet, sceleste, populi in conspectum ingredi?
1034t
98
qui me Thebis alter vivit miserior? quid nunc agam,
quem omnes mortales ignorant et ludificant ut lubet.
certumst, intro rumpam in aedis: ubi quemque hominem aspexero,
si ancillam seu servom sive uxorem sive adulterum
seu patrem sive avom videbo, obtruncabo in aedibus.
1050
neque me Iuppiter neque di omnes id prohibebunt, si volent,
quin sic faciam ut constitui. pergam in aedis nunciam.
caput dolet, neque audio, nec oculis prospicio satis,
nec me miserior femina est neque ulla videatur magis.
1060
ibo et cognoscam, quisquis est. Amphitruo hic quidem <est> erus meus.
1075
Amphitruo. A. Perii. B. Surge. A. Interii. B. Cedo manum. A. Quis me tenet?
quid fit deinde? BROM. Dum haec aguntur, interea uxorem tuam
neque gementem neque plorantem nostrum quisquam audivimus;
ita profecto sine dolore peperit. AMPH. Iam istuc gaudeo,
1100
utut erga me merita est. BROM. Mitte ista atque haec quae dicam accipe.
postquam peperit, pueros lavere iussit nos. occepimus.
sed puer ille quem ego lavi, ut magnust et multum valet!
neque eum quisquam colligare quivit incunabulis.
alterum tuom esse dixit puerum. AMPH. Pol me haud paenitet,
si licet boni dimidium mihi dividere cum Iove.
1125
abi domum, iube vasa pura actutum adornari mihi,
ut Iovis supremi multis hostiis pacem expetam.
ego Teresiam coniectorem advocabo et consulam
quid faciundum censeat; simul hanc rem ut facta est eloquar.
sed quid hoc? quam valide tonuit. di, obsecro vostram fidem.
1130
______________________________________________________________________
T. MACCI PLAVTI MOSTELLARIA
99
Inspectat illas. post se derisum dolet,
I.i
GRVMIO Exi e culina sis foras, mastigia,
qui mi inter patinas exhibes argutias.
egredere, erilis permities, ex aedibus.
ego pol te ruri, si vivam, ulciscar probe.
exi, inquam, nidor, e culina. quid lates?
5
nunc, dum tibi lubet licetque, pota, perde rem,
20
corrumpe erilem adulescentem optumum;
quo nemo adaeque iuventute ex omni Attica
30
antehac est habitus parcus nec magis continens,
is nunc in aliam partem palmam possidet.
lubet potare, amare, scorta ducere.
mei tergi facio haec, non tui fiducia.
GR. Quam confidenter loquitur. TR. At te Iuppiter
dique omnes perdant, fu, oboluisti alium.
germana inluvies, rusticus, hircus, hara suis,
40
caeno kopron commixte. GR. Quid vis fieri?
non omnes possunt olere unguenta exotica,
si tu oles, neque superiores accumbere
neque tam facetis quam tu vivis victibus.
44-45
tu tibi istos habeas turtures piscis avis,
46
sine me aliato fungi fortunas meas.
decet me amare et te bubulcitarier,
me victitare pulchre, te miseris modis.
GR. O carnuficium cribrum, quod credo fore,
ita te forabunt patibulatum per vias
stimulis <carnufices>, si huc reveniat senex.
55
100
TR. Qui scis, an tibi istuc evenat prius quam mihi?
GR. Quia numquam merui, tu meruisti et nunc meres.
este, ecfercite vos, saginam caedite.
65
TR. Tace atque abi rus. ego ire in Piraeum volo,
in vesperum parare piscatum mihi.
PHILOLACHES Recordatus multum et diu cogitavi
argumentaque in pectus institui multa
85
ego, atque in meo corde, si est quod mihi cor,
eam rem volutavi et diu disputavi,
hominem cuius rei, quando natus esset,
similem esse arbitrarer simulacrumque habere:
cor dolet, cum scio ut nunc sum atque ut fui,
quo neque industrior de iuventute erat
150
<quisquam nec clarior >arte gymnastica:
SC. Eventus rebus omnibus, velut horno messis magna
fuit. PHILEM. Quid ea messis attinet ad meam lavationem?
160
SC. Nihilo plus quam lavatio tua ad messim. PHILOL. O Venus venusta,
haec illa est tempestas mea, mihi quae modestiam omnem
detexit, tectus qua fui; tum mihi Amor et Cupido
in pectus perpluit meum, neque iam umquam optigere possum:
madent iam in corde parietes, periere haec oppido aedis.
165
PHILEM. Contempla, amabo, mea Scapha, satin haec me vestis deceat.
volo me placere Philolachi, meo ocello, meo patrono.
SC. Quin tu te exornas moribus lepidis, quom lepida tute es?
non vestem amatores amant [mulieris], sed vestis fartim.
PHILOL. Ita me di ament, lepidast Scapha, sapit scelesta multum.
170
ut lepide omnes mores tenet sententiasque amantum.
PHILEM. Quid nunc? SC. Quid est? PHILEM. Quin me aspice et contempla,
ut haec me deceat.
SC. Virtute formae id evenit, te ut deceat quidquid habeas.
101
PHILOL. Ergo ob istuc verbum te, Scapha, donabo ego hodie aliqui,
neque patiar te istanc gratiis laudasse, quae placet mi.
175
PHILEM. Solam ille me soli sibi suo <sumptu> liberavit:
illi me soli censeo esse oportere opsequentem.
205
PHILOL. Pro di immortales, mulierem lepidam et pudico ingenio.
bene hercle factum et gaudeo mihi nihil esse huius causa.
SC. Inscita ecastor tu quidem es. PHILEM. Quapropter? SC. Quae istuc <cures>,
ut te ille amet. PHILEM. Cur obsecro non curem? SC. Libera es iam.
tu iam quod quaerebas habes: ille te nisi amabit ultro,
210
id pro tuo capite quod dedit perdiderit tantum argenti.
PHILEM. Eundem animum oportet nunc mihi esse gratum, ut impetravi, 220
SC. Si tibi sat acceptum est fore tibi victum sempiternum
atque illum amatorem tibi proprium futurum in vita,
225
soli gerundum censeo morem et capiundas crines.
PHILEM. Vt fama est homini, exin solet pecuniam invenire.
SC. Iam ista quidem absumpta res erit: dies noctesque estur bibitur, 235
neque quisquam parsimoniam adhibet: sagina plane est.
PHILOL. In te hercle certumst principe ut sim parcus experiri,
nam neque edes quicquam neque bibes apud me his decem diebus.
PHILEM. Si quid tu in illum bene voles loqui, id loqui licebit:
SC. Video te nihili pendere prae Philolache omnis homines.
245
nunc, ne eius causa vapulem, tibi potius adsentabor.
[si acceptum sat habes, tibi fore illum amicum sempiternum.]
non istanc aetatem oportet pigmentum ullum attingere,
neque cerussam neque melinum, neque aliam ullam offuciam.
PHILEM. Cape igitur speculum. PHILOL. Ei mihi misero, savium speculo 265
dedit.
102
SC. Vt speculum tenuisti, metuo ne olant argentum manus:
ne usquam argentum te accepisse suspicetur Philolaches.
PHILOL. Non videor vidisse lenam callidiorem ullam alteras.
270
ut lepide atque astute in mentem venit de speculo malae.
PHILEM. Etiamne unguentis unguendam censes? SC. Minime feceris.
PHILEM. Quapropter? SC. Quia ecastor mulier recte olet, ubi nihil olet.
ubi sese sudor cum unguentis consociavit, ilico
itidem olent, quasi cum una multa iura confudit cocus.
quid olant nescias, nisi id unum, ~ ni male olere intellegas.
PHILOL. Vt perdocte cuncta callet. nihil hac docta doctius.
verum illud esse maxima adeo pars vestrorum intellegit, 280
quibus anus domi sunt uxores, quae vos dote meruerunt.
PHILEM. Agedum contempla aurum et pallam, satin haec <me> deceat, Scapha.
SC. Non me istuc curare oportet. PHILEM. Quem obsecro igitur? SC. Eloquar:
Philolachem, is ne quid emat, nisi quod sibi placere censeat.
[poste nequiquam exornata est bene, si morata est male.
284-285
290
pulchrum ornatum turpes mores peius caeno conlinunt.]
nam si pulchra est, nimis ornata est. PHILOL. Nimis diu abstineo manum.
quid hic vos agitis? PHILEM. Tibi me exorno ut placeam. PHILOL. Ornata es
satis.
mea Philematium, potare tecum conlibitum est mihi.
295
PHILEM. Et edepol mihi tecum, nam quod tibi libet idem mihi libet,
tu me amas, ego te amo; merito id fieri uterque existimat.
305
haec qui gaudent, gaudeant perpetuo suo semper bono;
DEL. Si tibi cordi est facere, licet. CALL. Lepida es.
duc me amabo. DEL. Cave ne cadas, asta.
CALL. O — o — ocellus meus, tuos sum alumnus, mel meum. 325
103
CALL. Iacentis tollet postea nos ambos aliquis.
330
DEL. Madet homo. CALL. Tun me ais mammamadere?
DEL. Cedo manum, nolo equidem te adfligi.
CALL. Em tene. DEL. Age, i simul. CALL. Quo ego eam? DEL. An <ne>scis?
qui hodie sese excruciari meam vicem possit pati?
355
ubi sunt isti plagipatidae, ferritribaces viri,
vel isti qui hosticas trium nummum causa subeunt sub falas,
ubi quinis aut denis hastis corpus transfigi solet?
DEL. Callidamates, Callidamates, vigila. CALL. Vigilo, cedo [ut] bibam.
DEL. Vigila. pater advenit peregre Philolachis. CALL. Valeat pater.
PHILOL. Valet ille quidem, atque <ego> disperii. CALL. Bis periisti?
375
qui potest?
PHILOL. Quid ego agam? pater iam hic me offendet miserum adveniens ebrium,
aedis plenas convivarum et mulierum. miserum est opus,
igitur demum fodere puteum, ubi sitis fauces tenet;
380
cedo soleas mihi, ut arma capiam. iam pol ego occidam patrem.
PHILOL. Perdis rem. DEL. Tace, amabo. TR. Abripite hunc intro
385
actutum inter manus.
CALL. Iam hercle ego vos pro matula habebo, nisi mihi matulam datis.
PHILOL. Perii. TR. Habe bonum animum: ego istum lepide medicabo metum.
PHILOL. Nullus sum. TR. Taceas: ego qui istaec sedem meditabor tibi.
satin habes, si ego advenientem ita patrem faciam tuom,
non modo ne intro eat, verum etiam ut fugiat longe ab aedibus?
390
nam intus potate hau tantillo hac quidem causa minus.
PHILOL. Ei mihi, quam istaec blanda dicta quo evenant madeo metu.
ne quid potiatur, quam ob rem pigeat vivere.
sicut ego efficiam, quae facta hic turbavimus,
profecto ut liqueant omnia et tranquilla sint
415
395
104
neque quicquam nobis pariant ex se incommodi.
TR. Optime.
419a
praeceptis paruisti. PVER. Iussit maximo
opere orare, ut patrem aliquo absterreres modo,
ne intro iret ad se. TR. Quin etiam illi hoc dicito,
facturum <me>, ut ne etiam aspicere aedis audeat,
THEOPROPIDES Habeo, Neptune, gratiam magnam tibi,
quom med amisisti abs te vix vivom domum.
verum si posthac me pedem latum modo
scies imposisse in undam, hau causast, ilico
quod nunc voluisti facere quin facias mihi.
435
TH. Meus servos hic quidem est Tranio. TR. O Theopropides,
ere, salve, salvom te advenisse gaudeo.
usquin valuisti? TH. Vsque ut vides. TR. Factum optime.
TH. Quid vos? insanin estis? TR. Quidum? TH. Sic, quia
450
foris ambulatis, natus nemo in aedibus
servat, neque qui recludat neque ~ quis respondeat.
atque ille exclamat derepente maximum.
TH. Quis homo? an gnatus meus? TR. St, tace, ausculta modo.
ait venisse illum in somnis ad se mortuom.
490
nam me Acheruntem recipere Orcus noluit,
quia praemature vita careo. per fidem
500
deceptus sum: hospes [hic] me necavit isque me
defodit insepultum clam [ibidem] in hisce aedibus,
scelestus, auri causa. nunc tu hinc emigra.
TR. Quid, obsecro hercle, factum est? TH. Concrepuit foris.
TR. Hicin percussit! TH. Guttam haud habeo sanguinis,
vivom me accersunt Acheruntem mortui.
105
TR. Perii, illisce hodie hanc conturbabunt fabulam.
510
INTVS. Heus, Tranio. TR. Non me appellabis, si sapis. 515
nihil ego commerui, neque istas percussi fores.
TH. Cur non fugis tu? TR. Pax mihi est cum mortuis.
TH. Scio. quid modo igitur? cur tanto opere extimueras?
525
metuo ne de hac re quippiam indaudiverit.
accedam atque adpellabo. ei quam timeo miser.
nihil est miserius quam animus hominis conscius,
sicut me ~ habet. verum utut res sese habet,
545
pergam turbare porro: ita haec res postulat.
iam illo praesente adibit. ne ego homo sum miser,
ita et hinc et illinc mi exhibent negotium.
565
non dat, non debet. DAN. Non debet? TR. Ne frit quidem
595
ferre hinc potes. an metuis ne quo abeat foras
urbe exulatum faenoris causa tui,
quoi sortem accipere iam licet? DAN. Quin non peto
sortem: illuc primum, faenus, reddundum est mihi.
599-600
TR. Molestus ne sis. nemo dat, age quid lubet.
601
tu solus, credo, faenore argentum datas.
TR. Absolve hunc quaeso, vomitu ne hic nos enecet.
652
TH. Adulescens, mecum rem habe. DAN. Nempe aps te petam?
TH. Petito cras. DAN. Abeo: sat habeo, si cras fero.—
quid nunc? non hercle quid nunc faciam reperio:
manufesto teneor. TH. Evocadum aliquem ocius,
roga circumducat. TR. Heus tu, at hic sunt mulieres:
680
106
non mihi forte visum ilico fuit,
melius quom prandium quam solet dedit:
695
voluit in cubiculum abducere me anus.
SI. Quom magis cogito cum meo animo:
si quis dotatam uxorem atque anum habet,
neminem sollicitat sopor: ibi omnibus
ire dormitum odio est veluti nunc mihi
705
atque pol nescio, ut moribus sient
vostrae: haec sat scio quam me habeat male.
* * * 709a
nihil erit, quod deorum ullum accusites;
te ipse iure optimo merito incuses licet.
tempus nunc est senem hunc adloqui mihi.
hoc habet. repperi qui senem ducerem,
715
quo dolo a me dolorem procul pellerem.
SI. Salvos sis, Tranio. TR. Vt vales? SI. Non male.
quid agis? TR. Hominem optumum teneo. SI. Amice facis,
quom me laudas. TR. Decet. SI. Certe. quin m<utuomst>:
720
hercle ted hau bonum teneo servom <manu>.
[THEOPR. Heia, mastigia, ad me redi. TR. Iam isti ero.]
721a
SI. quid nunc? quam mox? TR. Quid est? SI. Quod solet fieri hic
intus. TR. Quid id est? SI. Scis iam quid loquar. sic decet.
SI. musice hercle agitis aetatem, ita ut vos decet,
vino et victu probo, piscatu electili
729-730
vitam colitis. ~ TR. Immo vita antehac erat:
731
SI. Quidum? TR. Ita oppido occidimus omnes, Simo.
SI. Non taces? prospere vobis cuncta usque adhuc
107
processerunt. TR. Ita ut dicis facta hau nego.
735
TR. Nil quicquam. SI. Numquid increpavit filium?
750
TR. Tam liquidust quam liquida esse tempestas solet * * *
nunc te hoc orare iussit opere maximo,
ut sibi liceret inspicere hasce aedis tuas.
TR. Quid, Sarsinatis ecqua est, si Vmbram non habes?
770
SI. Molestus ne sis. haec sunt sicut praedico.
TR. At tamen inspicere volt. SI. Inspiciat, si lubet;
si quid erit quod illi placeat, de exemplo meo
ipse aedificato. TR. Eon, voco huc hominem? SI. I, voca.
novicium mihi quaestum institui non malum:
nam muliones mulos clitellarios
780
habent, at ego habeo homines clitellarios.
magni sunt oneris: quidquid imponas vehunt.
nunc hunc hau scio an conloquar. congrediar.
TR. Seni non erat otium, id sum opperitus.
TH. Antiquom optines hoc tuom, tardus ut sis.
TR. Heus tu, si voles verbum hoc cogitare,
790
ut istas remittat sibi. TH. Haud opinor.
sibi quisque ruri metit. si male emptae
forent, nobis istas redhibere haud liceret.
800
lucri quidquid est, id domum trahere oportet.
misericordias *** hominem oportet.
TR. Morare hercle *** facis. subsequere. TH. Fiat.
do tibi ego operam. TR. Senex illic est. em, tibi adduxi hominem.
SI. Salvom te advenisse peregre gaudeo, Theopropides.
TH. At enim mulieres — SI. Cave tu ullam flocci faxis mulierem.
qua libet perambula aedis oppido tamquam tuas.
805
108
TH. Tamquam? TR. Ah, cave tu illi obiectes nunc in aegritudine,
810
TH. Intellego,
et bene monitum duco, atque esse existumo humani ingeni.
quid nunc? SI. Quin tu is intro, atque otiose perspecta ut lubet.
815
TH. Bene benigneque arbitror te facere. SI. Factum edepol volo.
[vin qui perductet? TH. Apage istum perductorem, non placet.
816a
eo pretio empti fuerant olim. TR. Audin 'fuerant' dicere?
vix videtur continere lacrimas. TH. Quanti hosce emeras?
TH. Dormiunt? TR. Illud quidem, ut conivent, volui dicere.
830
satin habes? TH. Vt quidquid magis contemplo, tanto magis placet.
quaeso huc ad me specta, cornicem ut conspicere possies.
835
iam vides? TH. Profecto nullam equidem illic cornicem intuor.
TR. At tu isto ad vos optuere, quoniam cornicem nequis
conspicari, si volturios forte possis contui.
TH. Omnino, ut te absolvam, nullam pictam conspicio hic avem.
TR. Age, iam mitto, ignosco: aetate non quis optuerier.
840
TH. Haec, quae possum, ea mihi profecto cuncta vehementer placent.
TR. Est! abi, canis. est! abin dierecta? abin hinc in malam crucem?
849-850
at etiam restas? est! abi istinc. SI. Nil pericli est, age <modo>.
tam placidast, quam feta. quam vis ire intro audacter licet.
eo ego hinc ad forum.— TH. Fecisti commode, bene ambula.
etsi non metuenda est. TR. Quin tu illam aspice ut placide accubat;
855
nisi molestum vis videri te atque ignavom. TH. Iam ut lubet.
PHANISCVS Servi qui, quom culpa carent, tamen malum metuont,
ei solent esse eris utibiles.
nam illi qui nil metuont postquam sunt malum meriti, 860
109
stulta sibi expetunt consilia:
quam ut meum ***
ut adhuc fuit, mihi corium esse oportet,
sincerum atque ut votem verberari.
si huic imperabo, probe tectum habebo,
870
malum quom impluit ceteris, ne impluat mi.
nam ut servi volunt esse erum, ita solet ***
boni sunt: <bonust>; improbi sunt, malus fit.
nam nunc domi nostrae tot pessimi vivont,
peculi sui prodigi, plagigeruli.
875
PIN. Vide ut fastidit simia.
manesne ilico, impure parasite? PHAN. ***
qui parasitus sum? PIN. Ego enim dicam: cibo perduci potis es quovis.
PHAN. Mihi sum, libet esse. quid id curas?
PIN. Ferocem facis, quia te erus amat. PHAN. Vah,
890
oculi dolent. PIN. Cur? PHAN. Quia fumus molestust.
PIN. Tace sis, faber, qui cudere soles plumbeos nummos.
PHAN. Non potes tu cogere me, ut tibi male dicam.
novit erus me. PIN. Suam quidem pol culcitulam oportet.
894-895
PHAN. Si sobrius sis, male non dicas. PIN. Tibi obtemperem, cum tu
896
mihi nequeas?
PHAN. At tu mecum, pessime, ito adversus; quaeso hercle abstine
iam sermonem de istis rebus. PIN. Faciam, et pultabo fores.
heus, ecquis hic est, maximam qui his iniuriam
foribus defendat? ecquis has aperit foris?
900
nemo hinc quidem foras exit.
ut esse addecet nequam homines, ita sunt. sed eo magis cauto est opus, ne huc exeat
qui male me mulcet.
TRANIO Quid tibi visum est mercimoni? THEOPROPIDES *** totus gaudeo.
TR. Num nimio emptae tibi videntur? TH. Numquam edepol ego me scio
vidisse usquam abiectas aedes, nisi modo hasce. TR. Ecquid placent?
905
110
TH. Ecquid placeant me rogas? immo hercle vero perplacent.
TH. Nunc abi rus, dic me advenisse filio. TR. Faciam, ut iubes.
TH. Curriculo iube in urbem veniat iam simul tecum. TR. Licet.
929-930
TH. Heus vos, pueri, quid istic agitis? quid istas aedis frangitis?
PHAN. Heus senex, quid tu percontare ad te quod nihil attinet?
940
TH. Nihil ad me attinet? PHAN. Nisi forte factu's praefectus novos,
qui res alienas procures, quaeras videas audias.
TH. Ita dico, ne ad alias aedis perperam deveneris.
PHAN. Scio qua me ire oportet et quo venerim novi locum.
Philolaches hic habitat, cuius est pater Theopropides.
970
TH. Vera cantas. PHAN. Vana vellem. patris amicu's videlicet.
980
TH. Eu edepol patrem eius miserum praedicas. PHAN. Nihil hoc quidem est,
triginta minae, prae quam alios dapsilis sumptus facit.
TH. Hic aedificare volui? SI. Sic dixit mihi.
TH. Ei mihi, disperii. vocis non habeo satis.
1030
vicine, perii, interii.
experiar, ut opinor. certum est. TR. <Immo> mihi hominem cedo.
1090
vel hominem iube aedis ~ mancipio poscere. TH. Immo hoc primum volo,
quaestioni accipere servos. TR. Faciundum edepol censeo.
TH. Quid si igitur ego accersam homines? TR. Factum iam esse oportuit.
TH. Iam iubebo ignem et sarmenta, carnifex, circumdari.
TR. Ne faxis, nam elixus esse quam assus soleo suavior.
1115
TH. Exempla edepol faciam ego in te. TR. Quia placeo, exemplum expetis?
iubeo te salvere et salvos cum advenis, Theopropides,
peregre, gaudeo. hic apud nos hodie cenes, sic face.
TH. Callidamates, dei te ament. de cena facio gratiam.
1130
CALL. Quin venis? TR. Promitte: ego ibo pro te, si tibi non libet.
111
TH. Verbero, etiam inrides? TR. Quian me pro te ire ad cenam autumo?
TH. Non enim ibis. ego ferare faxo, ut meruisti, in crucem.
CALL. Age mitte ista ac te ad me ad cenam dic venturum. TR. Quid taces?
CALL. Sed tu, istuc quid confugisti in aram? TR. Inscitissimus 1135
adveniens perterruit me. loquere nunc quid fecerim:
nunc utrisque disceptator eccum adest, age disputa.
TH. Hercle mihi tecum cavendum est, nimis qui es orator catus.
CALL. Sine me dum istuc iudicare. surge, ego isti adsedero.
TH. Maxime, accipito hanc <tute> ad te litem. TR. Enim istic captio est.
fac ego ne metuam *** ut tu meam timeas vicem.
1145
TH. Iam minoris <omnia alia fa>cio, prae quam quibus modis
me ludificatust. TR. Bene hercle factum, et factum gaudeo:
sapere istac aetate oportet, qui sunt capite candido.
CALL. Tace parumper, sine vicissim me loqui, ausculta. TH. Licet.
CALL. Omnium primum sodalem me esse scis gnato tuo.
is adiit me, nam eum prodire pudet in conspectum tuom
propterea quia fecit quae te scire scit. nunc te obsecro,
1154-1155
1156
stultitiae adulescentiaeque eius ignoscas: tuost;
scis solere illanc aetatem tali ludo ludere.
immo me praesente amato bibito, facito quod lubet:
si hoc pudet, fecisse sumptum, supplici habeo satis.
1165
CALL. Dispudet. TR. <Post> istam veniam quid me fiet nunciam?
TH. Verberibus caedere multum pendens. TR. Tamen etsi pudet?
TR. Quid gravaris? quasi non cras iam commeream aliam noxiam:
ibi utrumque, et hoc et illud, poteris ulcisci probe.
CALL. Sine te exorem. TH. Age abi, abi impune. em huic habeto gratiam. 1180
spectatores, fabula haec est acta, vos plausum date.
112
______________________________________________________________________
T. MACCI PLAVTI PERSA
TOXILVS Qui amans egens ingressus est princeps in Amoris vias,
superavit aerumnis suis aerumnas Herculi.
nam cum leone, cum excetra, cum cervo, cum apro Aetolico,
cum avibus Stymphalicis, cum Antaeo deluctari mavelim,
quam cum Amore: ita fio miser quaerendo argento mutuo,
5
SAGARISTIO Qui ero suo servire volt bene servos servitutem,
ne illum edepol multa in pectore suo conlocare oportet,
quae ero placere censeat praesenti atque apsenti suo.
ego neque lubenter servio neque satis sum ero ex sententia,
10
sed quasi lippo oculo me erus meus manum apstinere hau quit tamen,
quin mi imperet, quin me suis negotiis praefulciat.
TOX. O Sagaristio, di ament te. SAG. O Toxile, dabunt di quae exoptes.
ut vales? TOX. Vt queo. SAG. Quid agitur? TOX. Vivitur.
SAG. Satin ergo ex sententia? TOX. Si eveniunt quae exopto, satis.
SAG. Nimis stulte amicis utere. TOX. Quid iam? SAG. Imperare oportet.
TOX. Vetus iam istaec militiast tua. SAG. Satin tu usque valuisti? TOX.
Hau probe.
SAG. Ergo edepol palles. TOX. Saucius factus sum in Veneris proelio:
sagitta Cupido cor meum transfixit. SAG. Iam servi hic amant?
25
age fi benignus, subveni.
SAG. Qua confidentia rogare tu a med argentum tantum audes,
impudens? quin si egomet totus veneam, vix recipi potis est
40
quod tu me rogas; nam tu aquam a pumice nunc postulas,
TOX. Quaesivi, nusquam repperi. SAG. Quaeram equidem, si quis credat.
113
TOX. Nempe habeo in mundo. SAG. Si id domi esset mihi, iam pollicerer:
SATVRIO Veterem atque antiquom quaestum maio<rum meum>
servo atque obtineo et magna cum cura colo.
nam numquam quisquam meorum maiorum fuit,
55
quin parasitando paverint ventres suos:
atque eis cognomentum erat duris Capitonibus.
60
unde ego hunc quaestum optineo et maiorum locum.
neque quadrupulari me volo, neque enim decet
sine meo periclo ire aliena ereptum bona,
neque illi qui faciunt mihi placent. planen loquor?
sed sumne ego stultus, qui rem curo publicam,
75
ubi sint magistratus, quos curare oporteat?
curate istic vos atque adproperate ocius,
85
ne mihi morae sit quicquam, ubi ego intro advenero.
commisce mulsum, struthea ~ coluthequam appara,
bene ut in scutris concaleat, et calamum inice.
SAT. Me dicit, euge. TOX. Lautum credo e balineis
iam hic adfuturum. SAT. Vt ordine omnem rem tenet.
TOX. Collyrae facite ut madeant et colyphia,
ne mihi incocta detis. SAT. Rem loquitur meram.
tum nisi cremore crassost ius collyricum,
95
nihilist, macrum illud epicrocum pellucidum:
quasi ~iuream esse ius decet collyricum.
terrestris, te coepulonus compellat tuos.
100
TOX. O Saturio, opportune advenisti mihi.
SAT. Mendacium edepol dicis, atque haud te decet:
nam essurio venio, non advenio saturio.
90
45
114
TOX. At edes, nam iam intus ventris fumant focula.
sed quid cessamus proelium committere?
dum mane est, omnis esse mortalis decet.
TOX. Nimis paene manest. SAT. Mane quod tu occeperis
negotium agere, id totum procedit diem.
nihili parasitus est, cui argentum domi est:
115
120
lubido extemplo coeperest convivium,
tuburcinari de suo, si quid domi est.
cynicum esse egentem oportet parasitum probe:
ampullam, strigilem, scaphium, soccos, pallium,
marsuppium habeat, inibi paullum praesidi,
125
quid nunc? quid est? quin dicis quid facturus sis?
SAT. Quaeso hercle me quoque etiam vende, si lubet,
qui sibi parentes fuerint, unde surpta sit.
145
150
sed longe ab Athenis esse se gnatam autumet;
et ut adfleat, cum ea memoret. SAT. Etiam tu taces?
cape
tunicam atque zonam, et chlamydem adferto et causeam,
155
quam ille habeat qui hanc lenoni huic vendat. SAT. Eu, probe.
SAT. Sibi habeat, si non extemplo ab eo abduxero.—
TOX. Abi et istuc cura. interibi ego puerum volo
165
mittere ad amicam meam, ut habeat animum bonum,
me esse effecturum <hoc> hodie. nimis longum loquor.—
quom interim tu meum ingenium fans atque infans nondum etiam edidicisti.
potin ut taceas? potin ne moneas?
175
115
TOXILVS Satin haec tibi sunt plana et certa? satin haec meministi et tenes?
PAEGNIVM Melius quam tu qui docuisti. TOX. Ain vero, verbereum caput?
P. Aio enim vero. T. Quid ergo dixi? P. Ego recte apud illam dixero.
185
TOX. Non edepol scis. PAEG. Da hercle pignus, ni omnia memini et scio,
et quidem si scis tute, quot hodie habeas digitos in manu.
TOX. Scelus tu pueri es, atque ob istanc rem ego aliqui te peculiabo.
PAEG. Scio fide hercle erili ut soleat impudicitia opprobrari
nec subigi queantur umquam, ut pro ea fide habeant iudicem.
T. Abi modo. P. Ego laudabis faxo. T. Sed has tabellas, Paegnium,
195
P. Eo ego. T. I sane. ego domum ibo. face rem hanc cum cura geras.
vola curriculo.— PAEG. Istuc marinus passer per circum solet.
illic hinc abiit intro huc. sed quis haec est quae med advorsum incedit?
200
S. Paegnium hic quidem est. P. Sophoclidisca haec peculiarest eius
quo ego sum missus. S. Nullus esse hodie hoc puero peior perhibetur.
PAEG. Compellabo. SOPH. Commorandust. PAEG. Standumst apud hanc obieci *
SOPH. Paegnium, deliciae pueri, salve. quid agis? ut vales?
PAEG. Sophoclidisca, di me amabunt. SOPH. Quid me? PAEG. Vtrum
205
hercle <di volent>;
sed si ut digna es faciant, odio hercle habeant et faciant male.
PAEG. Heia. SOPH. Beia. PAEG. Tuo ex ingenio mores alienos probas.
SOPH. Fateor ego profecto me esse ut decet lenonis familiae.
PAEG. Satis iam dictum habeo. SOPH. Sed quid tu? confitere ut te autumo?
PAEG. Fatear, si ita sim. SOPH. Iam abi, vicisti. PAEG. Abi nunciam ergo. 215
SOPH. Numquam ecastor hodie scibis prius quam ex te audivero.
PAEG. Itane est? SOPH. Itane est. PAEG. Mala es. SOPH. Scelestu's. 220
PAEG. Decet me. SOPH. Me quidem addecet.
nihili facio scire. valeas. SOPH. Asta. PAEG. At propero. SOPH. Et pol ego item.
PAEG. Ecquid habes? SOPH. Ecquid tu? PAEG. Nil equidem. SOPH.
Cedo manum ergo. PAEG. Estne haec manus?
225
116
SO. Vbi illa altera est furtifica laeva? PA. Domi eccam. huc nullam attuli.
SOPH. Habes nescio quid. PAEG. Ne me attrecta, subigitatrix. SOPH. Sin
te amo?
PAEG. Male operam locas. SOPH. Qui? PAEG. Quia enim nihil amas, quom
ingratum amas.
SOPH. Temperi hanc vigilare oportet formulam atque aetatulam,
ne, ubi versicapillus fias, foede semper servias.
230
PAEG. Ad vos. SOPH. Et pol ego ad vos. PAEG. Quid eo? 235
SOPH. Quid id ad te attinet?
PA. Enim non ibis nunc, vicissim nisi scio. SO. Odiosu's. PA. Lubet.
fide data credamus. PAEG. Novi: omnes sunt lenae levifidae,
neque tippulae levius pondust, quam fides lenonia.
SO. Dic amabo. PA. Dic amabo. SO. Nolo ames. PA. Facile impetras.
245
SOPH. Tecum habeto. PAEG. Et tu hoc taceto. SOPH. Tacitum erit. PAEG.
Celabitur.
SAGARISTIO Iovi opulento, incluto,
Ope gnato, supremo, valido, viripotenti,
opes, spes bonas, copias commodanti
*** lubens vitulorque merito,
quia meo amico amiciter hanc commoditatis copiam
255
danunt, argenti mutui ut ei egenti opem adferam;
PAEGNIVM Pensum meum, quod datumst, confeci. nunc domum propero. SAG.
Mane, etsi properas.
Paegnium, ausculta. PA. Emere oportet, quem tibi oboedire velis. S. Asta.
PAEG. Exhibeas molestiam, ut opinor, si quid debeam,
qui nunc sic tamen es molestus. SAG. Scelerate, etiam respicis?
275
PAEG. Scio ego quid sim aetatis, eo istuc maledictum impune auferes.
SAG. Vbi Toxilus est tuus erus? PAEG. Vbi illi libet, neque te consulit.
SAG. Etiam
117
SAG. Male dicis maiori. PAEG. Prior promeritus perpetiare.
280
servam operam, linguam liberam erus iussit med habere.
280a
SAG. Video ego te: iam incubitatus es. PAEG. Ita sum. quid id ad te [attinet]?
at non sum, ita ut tu, gratiis. SAG. Confidens. PAEG. Sum hercle vero.
SAG. Quid hoc? PAEG. Quid est? SAG. Etiam, scelus, male loquere?
285
290
PAEG. Tandem ut liceat,
quom servos sis, servom tibi male dicere. SAG. Itane? specta
quid dedero. PAEG. Nil, nam nil habes. SAG. Di deaeque me omnes perdant—
SAG. Vt istunc di deaeque perdant.
tamquam proserpens bestiast bilinguis et scelestus.
hercle illum abiisse gaudeo. foris aperit, eccere autem
300
quem convenire maxime cupiebam egreditur intus.
TOXILVS Paratum iam esse dicito, unde argentum sit futurum,
iubeto habere animum bonum, dic me illam amare multum;
ubi se adiuvat, ibi me adiuvat. quae dixi ut nuntiares,
satin ea tenes? SOPHOCLIDISCA Magis calleo quam aprugnum callum 305
callet.—
TOX. Sagaristio hic quidemst. quid agitur, Sagaristio? ut valetur?
ecquid, quod mandavi tibi, ~estne in te speculae? SAG. Adito.
310
videbitur. factum volo. venito. promoneto.
TOX. Quid hoc hic in collo tibi tumet? SAG. Vomicast, pressare parce;
nam ubi qui mala tangit manu, dolores cooriuntur.
SAG. Metuo, ne immaturam secem, ne exhibeat plus negoti.
315
TOX. Inspicere morbum tuom lubet. SAG. Ah ah, abi atque cave sis
a cornu.
SAG. Enim metuo, ut possim reicere in bubile, ne vagentur.
TOX. Ego reiciam. habe animum bonum. SAG. Credetur, commodabo.
320
118
SATVRIO Quae res bene vortat mi et tibi et ventri meo
perennitatique adeo huic, perpetuo cibus
330
ut mihi supersit, suppetat, superstitet:
sequere hac, mea gnata, me, cum dis volentibus.
quoi rei opera detur scis, tenes, intellegis;
communicavi tecum consilia omnia.
SAT. Mirum quin regis Philippi causa aut Attali
te potius vendam quam mea, quae sis mea.
340
VIR. Vtrum tu pro ancilla me habes an pro filia?
SAT. Virgo atque mulier nulla erit quin sit mala,
365
quae praeter sapiet quam placet parentibus.
VIR. Virgo atque mulier nulla erit quin sit mala,
quae reticet, si quid fieri pervorse videt.
SAT. Malo cavere meliust te. VIR. At si non licet
cavere, quid agam? nam ego tibi cautum volo.
370
SA. Malusne ego sum? VI. Non es, neque me dignumst dicere,
verum ei rei operam do, ne alii dicant, quibus licet.
SAT. Dicat quod quisque volt; ego de hac sententia
non demovebor. VIR. At, meo si liceat modo,
sapienter potius facias quam stulte. SAT. Lubet.
375
VIR. Lubere per me tibi licere intellego;
verum lubere hau lubeat, si liceat mihi.
SAT. Futura es dicto oboediens an non patri?
VIR. Futura. SAT. Scis iam tibi quae praecepi? VIR. Omnia.
SAT. Et ut surrupta fueris? VIR. Docte calleo.
380
SAT. Et qui parentes fuerint? VIR. Habeo in memoria.
verum videto, me ubi voles nuptum dare,
ne haec fama faciat repudiosas nuptias.
SAT. Tace, stulta. non tu nunc hominum mores vides?
pol deum virtute dicam et maiorum meum,
390
385
119
ne te indotatam dicas, quoi dos sit domi:
librorum eccillum habeo plenum soracum.
atque Attici omnes; nullum Siculum acceperis:
395
cum hac dote poteris vel mendico nubere.
VIR. Quin tu me ducis, si quo ducturu's, pater?
vel tu me vende vel face quid tibi lubet.
SAT. Bonum aequomque oras. sequere hac.— VIR. Dicto sum audiens.—
procax, rapax, trahax— trecentis versibus
410
tuas impuritias traloqui nemo potest—
accipin argentum? accipe sis argentum, impudens,
tene sis argentum, etiam tu argentum tenes?
argentum, inquam, cedo,
quin tu mi argentum reddis? nilne te pudet?
leno te argentum poscit, solida servitus,
425
pro liberanda amica, ut omnes audiant.
TOX. Tace, obsecro hercle. ne tua vox valide valet.
DOR. Referundae ego habeo linguam natam gratiae.
eodem mihi pretio sal praehibetur quo tibi.
DOR. Ita hercle vero.— TOX. Dum stas, reditum oportuit.
si quam rem accures sobrie aut frugaliter,
solet illa recte sub manus succedere.
450
SAGARISTIO Numquid moror? TOX. Euge, euge, exornatu's basilice;
tiara ornatum lepida condecorat schema.
tum hanc hospitam autem crepidula ut graphice decet.
sed satin estis meditati? SAG. Tragici et comici
465
numquam aeque sunt meditati. TOX. Lepide hercle adiuvas.
[age, illuc abscede procul e conspectu et tace.
120
ubi cum lenone me videbis conloqui]
DOR. Bene dictis tuis bene facta aures meae auxilium exposcunt.
495
TOX. Tuom promeritumst, merito ut faciam. et ut me scias esse ita facturum,
tabellas tene has, pellege. DOR. Istae quid ad me? TOX. Immo ad te
attinent et tua refert.
DOR. Cedo sane [mihi]. TOX. At clare recitato. DOR. Tace, dum pellego. 500
TOX. Hau verbum faciam
DOR. Salutem dicit Toxilo Timarchides
et familiae omni. si valetis, gaudeo.
ego valeo recte et rem gero et facio lucrum,
neque istoc redire his octo possum mensibus,
itaque hic est quod me detinet negotium.
505
operam atque hospitium ego isti praehiberi volo,
510
qui tibi tabellas adfert. cura quae is volet,
nam is mihi honores suae domi habuit maxumos.
Quid id ad me aut ad meam rem refert, Persae quid rerum gerant
aut quid erus tuos? TOX. Tace, stultiloque; nescis quid te instet boni
neque quam tibi Fortuna faculam lucrifera adlucere volt
mancipio neque promittet neque quisquam dabit.
525
probum et numeratum argentum ut accipiat face.
haec cura, et hospes cura ut curetur. vale.
TOX. Tacen an non taces? numquam ego te tam esse matulam credidi.
quid metuis? DOR. Metuo hercle vero. sensi ego iam compluriens,
neque mi haud imperito eveniet, tali ut in luto haeream.
535
DOR. Gratiam habeo. sed te de aliis, quam alios de te suaviust
539-540
fieri doctos.
ubi ea aderunt, centumplex murus rebus servandis parumst.
560
TOX. Quid ais tu? DOR. Quid vis? TOX. Tu in illis es decem sodalibus:
121
te in exilium ire hinc oportet. DOR. Quid iam? TOX. Quia periurus es.
D. Verba quidem haud indocte fecit. T. Ex tuo, inquam, usust: eme hanc.
D. Edepol qui cum hanc magis contemplo, magis placet. T. Si hanc emeris,
di immortales, nullus leno te alter erit opulentior.
565
evortes tuo arbitratu homines fundis, familiis;
cum optimis viris rem habebis, gratiam cupient tuam:
indica, minimo daturus qui sis, qui duci queat.
590
TOX. Tace, tace. nimis tu quidem hercle homo stultus es pueriliter.
vide sis, ego ille doctus leno paene in foveam decidi,
ni hic adesses. quantum est adhibere hominem amicum, ubi quid geras. 595
T. Nisi molestum est, percontari hanc paucis hic volt. S. Maxime,
suo arbitratu. TOX. Quid stas? adi sis tute atque ipse itidem roga,
600
ut tibi percontari liceat quae velis; etsi mihi
dixit dare potestatem eius; sed ego te malo tamen,
eumpse adire, ut ne contemnat te ille. DOR. Satis recte mones.
hospes, volo ego hanc percontari. SAG. A terra ad caelum, quid lubet.
DOR. Iube dum eam hoc accedat ad me. SAG. I sane ac morem illi gere. 605
percontare, exquire quid vis. TOX. Age, age nunc tu, in proelium
vide ut ingrediare auspicato. VIR. Liquidumst auspicium, tace.
curabo ut praedati pulchre ad castra convertamini.
TOX. Concede istuc, ego illam adducam. DOR. Age, ut rem esse in nostram
putas.
T. Ehodum huc, virgo. vide sis quid agas. V. Taceas, curabo ut voles.
VIR. Quor ego id mirer, mi homo?
620
servitus mea mi interdixit, ne quid mirer meum malum.
DOR. Noli flere. TOX. Ah, di istam perdant, ita catast et callida.
ut sapiens habet cor, quam dicit quod opust! DOR. Quid nomen tibist?
sed tamen, virgo, quae patriast tua, age mi actutum expedi.
640
quid taces? VIR. Dico equidem: quando hic servio, haec patriast mea.
610
122
TOX. Iam de istoc rogare omitte (non vides nolle eloqui?)
ne suarum se miseriarum in memoriam inducas. DOR. Quid est?
captusne est pater? VIR. Non captus, sed quod habuit perdidit.
TOX. Haec erit bono genere nata: nil scit nisi verum loqui.
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DOR. Quis fuit? dic nomen. VIR. Quid illum miserum memorem qui fuit?
nunc et illum miserum et me miseram aequom est nominarier.
DOR. Quoius modi is <suo> in populo habitust
TOX. Satin ut meminit libertatis? dabit haec tibi grandis bolos.
age si quid agis. ego ad hunc redeo. sequere. redduco hanc tibi.
DOR. Adulescens, vin vendere istanc? SAG. Magis libet quam perdere.
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DOR. Tum tu pauca in verba confer: qui datur, tanti indica.
SAG. Faciam ita ut te velle video, ut emas. habe centum minis.
SAG. Tuo periclo sexaginta haec dabitur argenti minis.
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DOR. Toxile, quid ago? TOX. Di deaeque te agitant irati, scelus,
qui hanc non properes destinare. D. Habeto. T. Eu, praedatu's probe.
non edepol minis trecentis carast. fecisti lucri.
DOR. Abscedent enim, non accedent. TOX. Tace sis, non tu illum vides
quaerere ansam, infectum ut faciat? abin atque argentum petis?
TOX. Edepol dedisti, virgo, operam adlaudabilem,
probam et sapientem et sobriam. VIR. Si quid bonis
boni fit, esse id et grave et gratum solet.
TOX. At ne cum argento protinam permittas domum,
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moneo, te. SAG. Quod te dignumst, me dignum esse vis?
TOX. Tace, parce voci: praeda progreditur foras.
TOX. Sine quaeso. quando lenost, nil mirum facit.
DOR. Lucro faciundo ego auspicavi in hunc diem:
nil mihi tam parvist, quin me id pigeat perdere.
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age, accipe hoc sis. SAG. Hunc in collum, nisi piget,
impone. DOR. Vero fiat.
DOR. Quid est tibi nomen? TOX. *** quod ad te attinet.
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DOR. Quid attinet non scire? SAG. Ausculta ergo, ut scias:
Vaniloquidorus Virginesvendonides
Nugiepiloquides Argentumexterebronides
[Tedigniloquides Nugides Palponides]
Quodsemelarripides Numquameripides. em tibi.
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DOR. Eu hercle, nomen multimodis scriptumst tuom.
SAG. Ita sunt Persarum mores, longa nomina,
contortiplicata habemus. numquid ceterum
voltis? DOR. Vale. SAG. Et vos, nam animus iam in navist meus.
TOX. Cras ires potius, hodie hic cenares. SAG. Vale.—
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TOX. Postquam illic <hinc> abiit, dicere hic quidvis licet.
ne hic tibi dies inluxit lucrificabilis.
nam non emisti hanc, verum fecisti lucri.
DOR. Ille quidem iam scit, quid negoti gesserit,
qui mihi furtivam meo periclo vendidit,
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argentum accepit, abiit. qui ego nunc scio,
an iam adseratur haec manu? quo illum sequar?
in Persas? nugas. TOX. Credidi gratum fore
beneficium meum apud te. DOR. Immo equidem gratiam
tibi, Toxile, habeo; nam te sensi sedulo
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mihi dare bonam operam.
TOX. Heus, Saturio, exi. nunc est illa occasio
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inimicum ulcisci. SATVRIO Ecce me. numquid moror?
TOX. Age, illuc abscede procul e conspectu, tace;
ubi cum lenone me videbis conloqui,
tum turbam facito. SAG. Dictum sapienti sat est.
TOX. Tunc, quando abiero— SAG. Quin taces? scio quid velis. 730
TOX. Redis tu tandem? DOR. Redeo. TOX. Ne ego hodie tibi
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bona multa feci. DOR. Fateor, habeo gratiam.
TOX. Num quippiam aliud me vis? DOR. Vt bene sit tibi.
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cum bene nos, Iuppiter, iuvisti, dique alii omnes caelipotentes,
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eas vobis habeo grates atque ago, quia probe sum ultus meum inimicum.
nunc ob eam rem inter participes didam praedam et participabo.
ite foras: hic volo ante ostium et ianuam
meos participes bene accipere.
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statuite hic lectulos, ponite hic quae adsolent.
LEMN. Age, puere, ab summo septenis cyathis committe hos ludos.
TOX. Move manus, propera, Paegnium, tarde cyathos mihi das, cedo sane.
bene mihi, bene vobis, bene meae amicae, optatus hic mihi dies datus hodiest.
ab dis, quia te licet liberam med amplecti. LEMN. Tua factum opera.
TOX. Bene omnibus nobis. hoc mea manus tuae poclum donat, ut amantem 775
amanti decet. LEMN. Cedo. TOX. Accipe. TOX. Bene ei qui invidet mi et
ei qui hoc gaudet.
perii, interii. pessimus hic mi dies hodie inluxit corruptor,
ita me Toxilus perfabricavit itaque meam rem divexavit.
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vehiclum argenti miser eieci [amisi], neque quam ob rem eieci, habeo.
qui illum Persam atque omnis Persas atque etiam omnis personas
male di omnes perdant, ita misero Toxilus haec mihi concivit.
quia ei fidem non habui argenti, eo mihi eas machinas molitust;
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quem pol ego ut non in cruciatum atque in compedis cogam, si vivam,
TOX. Adi, si libet. SAG. Agite, adplaudamus. TOX. Dordale, homo 791
lepidissume, salve.
DOR. At, bona liberta, haec scivisti et me celavisti? LEMN. Stultitiast,
cui bene esse licet, eum praevorti litibus. posterius istaec te
magis par agerest. DOR. Vritur cor mi. TOX. Da illi cantharum,
extingue ignem, si
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TOX. Vin cinaedum novom tibi dari, Paegnium?
quin elude, ut soles, quando liber locust hic.
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hui, babae, basilice te intulisti et facete.
PAEG. Decet me facetum esse, et hunc inridere
lenonem lubidost, quando dignus est.
TOX. Perge ut coeperas. PAEG. Hoc, leno, tibi.
DOR. Perii perculit me prope. PAEG. Em, serva rusum.
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DOR. Delude, ut lubet, erus dum hinc abest.
DOR. Di faciant ut id bibatis quod vos numquam transeat.
SAG. Nequeo, leno, quin tibi saltem staticulum, olim quem Hegea
faciebat. vide vero, si tibi satis placet. TOX. Me quoque volo
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reddere, Diodorus quem olim faciebat in Ionia.
iam ego tibi, si me inritassis, Persam adducam denuo.
D. [iam taceo hercle] Atque tu Persa es, qui me usque admutilavisti ad cutem.
T. Tace, stulte: hic eius geminust frater. D. Hicinest? T. Ac geminissumus.
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LEMN. At tamen non— tamen— TOX. Cave ergo sis malo, et sequere me. 835
te mihi dicto audientem esse addecet, nam hercle absque me
foret et meo praesidio, hic faceret te prostibilem propediem.
PAEG. Licet: iam diu saepe sunt expunctae. DOR. Loquere tu etiam, frustum
pueri?
LEMN. Patrone mi, i intro, amabo, ad cenam.
DOR. Mea Ignavia, tu nunc me inrides?
TOX. Et post dabis sub furcis.
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SAG. Abi intro— in crucem. DOR. An me hic parum exercitum hisce
habent? TOX. Convenisse te Toxilum me ***
spectatores, bene valete. leno periit. plaudite.
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