BIOGEOGRAFIA E CONSERVAÇÃO DA NATUREZA NO NOVO TERRITÓRIO (RE)CRIADO PELA HIDRELÉTRICA DE ITAIPU Ana Maria de Carvalho1 Edimar Rodrigo Rossetto2 Eixo temático: GESTÃO AMBIENTAL EM ZONA SUBTROPICAL RESUMO: O presente artigo tem por objetivo traçar algumas considerações sobre as modificações ocorridas no território de fronteira do Oeste do Estado do Paraná e sua relação com a Geografia nas últimas décadas, especialmente a partir do fator antrópico. Neste caso considera-se, principalmente, o quanto temas ligados a Biogeografia, como meio ambiente e recursos naturais, influenciam este ramo do conhecimento científico. Atualmente, tais estudos têm ganhado destaque com o advento dos movimentos de preservação da natureza. A necessidade de dados mais precisos e concretos sobre a capacidade de carga e de pressão antrópica que o meio ambiente e os seres vivos podem suportar sem que seja afetada a estabilidade e o funcionamento dos ecossistemas também é analisada para que se definam quais as premissas e conteúdos a serem repassados para a educação ambiental e a consequente absorção das novas realidades territoriais. PALAVRAS-CHAVE: Território, biogeografia, meio ambiente, educação ambiental. 1 INTRODUÇÃO A Biogeografia é tida como o ramo do conhecimento científico fundamentado no estudo da distribuição e adaptação dos seres vivos, sejam vegetais ou animais, nos diferentes lugares da superfície terrestre. Mas sua definição varia de acordo com a época e os autores 1 Acadêmica do Curso de Geografia, Unioeste, Campus de Marechal [email protected] 2 Acadêmico do Curso de Geografia, Unioeste, Campus de Marechal [email protected] Cândido Rondon-PR. Cândido Rondon-PR. que dela se ocuparam no decorrer dos séculos, mesmo antes de sua denominação ficar conhecida. Nos dias de hoje, a ciência que se subdivide num primeiro momento entre Fitogeografia, Zoogeografia e Geografia antrópica ou social ainda é pouco conhecida, com raras exceções, apesar de estar ganhando cada vez mais importância diante da necessidade do ser humano de conhecer melhor e com maior precisão o funcionamento do meio ambiente e os resultados que a ação humana provoca sobre ele e sobre os recursos naturais do planeta. De posse destes conhecimentos, os seres humanos, de maneira geral, e os cientistas, de forma mais específica, teriam, por sua vez, a pretensão e a finalidade de conservar e a preservar a natureza. Assim, a Biogeografia ganha mais um objetivo, que é o de fornecer subsídios para a educação ambiental, levando em consideração os aspectos de territorialidade e a dinâmica espacial regional. 2 DESENVOLVIMENTO A Geografia é uma ciência muito ampla que necessita de outras determinantes mais específicas, caso da Biogeografia, que, diante da ação humana, ganhou contornos mais destacados ultimamente. Troppmair (2002, p. 1) chama a atenção para o fato de que a Biogeografia está sempre associada à questão espacial, estudando as interações, a organização e os processos espaciais com ênfase nos seres vivos que habitam o planeta e que isto é que a diferencia da Biologia, da Botânica, da Zoologia e da Ecologia. Tendo como objeto de estudo os seres vivos, inclusive o homem, todos dependentes das condições ambientais, seu objetivo, portanto, é estudar a sua participação nas estruturas, interrelações e processos dos geossistemas, que o autor chama de “sistemas geográficos”, numa visão sistêmica de tempo e espaço, levando em consideração fatores históricos, fisionômicos, econômicos, regionais, médicos, ecológicos e sociais. Neste sentido, Troppmair cita a definição de Dajoz (1972) para dizer que a ecologia é a “ciência que estuda as condições de existência dos seres vivos e as interações de qualquer natureza existentes entre os seres vivos e o seu meio”. Ele afirma que, embora as definições e objetivos da Biogeografia e da Ecologia tenham muito em comum, o geógrafo estuda os ecossistemas do ecólogo e do biólogo numa perspectiva horizontal, enquanto que o ecólogo os vê numa perspectiva vertical, sob mais de um prisma. Denominada, assim, mais simplesmente, como a ciência que estuda a distribuição geográfica dos seres vivos, a Biogeografia, entretanto, pode estender-se nos campos de outras ciências como a Geografia e a Ecologia, ou até mesmo a Genética, Antropologia e Ciências Sociais, segundo Dansereau (In. Troppmair, 2002). Na opinião de Jurandyr Ross (2003, - p. 16), a Biogeografia principalmente, e a Geografia como um todo, devem entender cada vez mais o que acontece com o crescente processo de distanciamento entre os interesses socioeconômicos, de um lado, e as necessidades reais de preservação da natureza, de outro. E a Biogeografia é o caminho para a obtenção dos dados necessários para se entender o meio ambiente, e em nossa opinião, entendido como espaço na Geografia. O termo ambiente vem sendo empregado de forma generalizada e ampla, e, embora a palavra seja a mesma, diferentes são os seus significados e a sua expressividade, em virtude dele poder ser empregado desde a escala mundial até a microescala pontual. Jurandyr Ross (2003, p.198) escreve que se entenda o ambiente como o entorno do homem, o palco de suas ações. Segundo ele, o termo ganhou projeção nos últimos trinta anos, em virtude da crise ecológica planetária, (...) mas, nas ciências que estudam a natureza, o conceito aparece como o conjunto sistêmico no qual tudo depende de tudo. Para a biologia, ambiente, é estudar a estrutura e a função dos diferentes compartimentos de um sistema de interrelações. Sendo considerado em sua dimensão como uma sociedade, pode-se dizer que o ambiente é a natureza transformada historicamente pela cultura. Como a modernização da sociedade industrial e as transformações ambientais em escala mundial se desenvolveram muito rapidamente, o desenvolvimento tecnológico ampliou o domínio humano sobre a natureza, gerando vários danos irreversíveis aos sistemas naturais. A intensidade da ação humana vai modificando a superfície terrestre. Para Christofoletti (1995), a problemática das mudanças ambientais insere-se com muita propriedade no campo de ação da Geografia Física. E elas incluem uma ampla gama de transformações que envolvem também mudanças setoriais nos elementos (ar, água, terra e seres vivos), de forma que se consubstanciam nos estudos sobre as características quantitativas e qualitativas delineadas nas pesquisas em vários outros setores. Como setores podem-se considerar os da climatologia, hidrologia, geomorfologia, geologia, biologia e ecologia, por exemplo, quando da análise das organizações espaciais, importantíssimas nos estudos das mudanças ambientais, quando devem ser observados parâmetros espaciais e temporais, assim como o estado e funcionamento do sistema em sua totalidade. Entretanto, é notória a ausência de dados e pesquisas para documentar a caracterização e funcionalidades dos geossistemas. No Brasil, esta questão torna-se particularmente complexa devido à variedade de ecossistemas naturais e à dimensão territorial do País. Além disso, até as primeiras décadas do século XX, o caráter dos trabalhos na área ambiental ou de recursos naturais eram meramente descritivos, carecendo de fundamentos científicos. Na década de 1950, o processo de industrialização compeliu a que houvesse um conhecimento mais profundo dos recursos naturais do País, o que levou à criação, em 1951, do Conselho Nacional de Pesquisas – CNPq. As décadas seguintes foram marcadas pelo mote publicitário do „„ocupar para não perder‟‟ algumas regiões do território, levando o governo a patrocinar e buscar um maior conhecimento geológico do mesmo. Na década de 1970 foi de fundamental importância o projeto RADAMBRASIL, cujo objetivo foi conhecer o território, colonizá-lo e monitorá-lo. Na década de 1980 os dados levantados pelo projeto foram incorporados ao IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), isto é os estudos sobre o solo, a vegetação e o relevo de todo o território brasileiro, reunidos em 38 volumes (IBGE, - 1997, p.16-17). A falta de estudos mais aprofundados neste ramo do conhecimento se estende também quantitativa e qualitativamente, no tocante aos recursos naturais. Tradicionalmente, segundo Ross (2003, p.199), recursos naturais são definidos como o conjunto de riquezas minerais, animais, vegetais e energéticas que constituem a parte essencial da economia de uma região, país ou continente. Nessa dimensão das necessidades os recursos naturais são finitos, ou seja, são produtos formados na natureza e que não se reproduzem ou recuperam. Na visão tradicional, a água, os produtos agrícolas, o ferro, os peixes, são recursos naturais. Utilizados pelos homens sem a preocupação conservacionista, estão se tornando escassos devido à degradação ambiental. Cresce o reconhecimento de que sozinho nenhum governo consegue conservar os recursos naturais sob a sua jurisdição. Existe, na legislação federal, uma excessiva regulamentação que se traduz em minuciosa normatização do uso dos recursos naturais pelos agentes econômicos. Com relação às políticas públicas, tais regulamentações são difíceis de serem implementadas devido à fragilidade dos recursos humanos e financeiros disponíveis para sua fiscalização, gerando a falsa premissa de que o Estado possui responsabilidade exclusiva na proteção dos recursos naturais da nação. Taxado muitas vezes de inoperante, o Estado é criticado porque a degradação ambiental ou a exaustão dos recursos naturais continuam mesmo com a implementação de instrumentos de natureza regulatória e de mercado utilizados para alterar o comportamento dos agentes econômicos e melhorar os níveis de conservação dos recursos naturais. (LOPES & BASTOS, 1998, p.19). No caso específico da região de fronteira entre o Brasil e o Paraguai, tem-se palco de uma das mais importantes obras do projeto desenvolvimentista introduzido pelos governos militares da época, a Hidrelétrica de Itaipu, construída em meados da segunda metade do século passado. A grande transformação espacial e social, a partir da criação desta hidrelétrica, ainda não foi totalmente absorvida pela população regional, que teve seu território, com todos os fatores que lhe influenciam, alterado de forma irreversível, sem que fossem alcançados os objetivos sociais que faziam parte do projeto. Pelo contrário, a experiência histórica evidenciou a insustentabilidade social e ambiental do projeto desenvolvimentista. A grande concentração da riqueza e o aumento nos níveis de pobreza absoluta da população, além da generalizada degradação ambiental, não deixam dúvidas sobre a ilusória promessa de sociedade de bem estar (SOUZA, 2009, p.28). Isto obriga os governos a estarem sempre “correndo atrás do prejuízo”, inclusive, ou agora principalmente, ambiental, decorrente de uma ação antrópica mal planejada em virtude da falta de conhecimentos mais detalhados dos elementos que o compõem e das características do território, é a total subordinação do local ao nacional. Os arranjos espaciais e a paisagem, produto da construção da Usina [...] e que agora vem sendo assimilados pela população são impactos que atingiram e ainda atingem os meios físicos, bióticos, social, econômico e cultural. Trata-se, na verdade, de uma transformação radical que se opera no ecossistema e no sistema social, substituídos por outros. (Souza, 2009, p. 42 e 47) No caso específico da Itaipu Binacional, mas que também é uma característica encontrada em todas as grandes obras promovidas pelo Estado, mesmo nos dias atuais. Souza (2009, p.51) considera que a biodiversidade e a sociodiversidade não foram consideradas e a ideia de natureza é utilizada mais como forma de obtenção de divisas do que com a preocupação socioambiental, sendo a sociedade enquadrada num único padrão de entendimento do desenvolvimento. Segundo o mesmo autor, vários aspectos evidenciam que o próprio Estado descumpre o que ele mesmo propõe e isto tem ocorrido também com as possibilidades turísticas que, se disse, potencializariam o desenvolvimento econômico da região. A realização de grandes eventos, como os Jogos Mundiais da Natureza, realizados por iniciativa governamental, legaram apenas construções faraônicas sem nenhum uso por parte dos municípios e suas populações efetivamente. Neste sentido, o alagamento das terras pelo represamento do Rio Paraná formou uma nova configuração territorial, conseqüente acarretou das mudanças físicas e humanas. (SOUZA, 2000, p. 236). Além do aspecto físico, devido à formação do lago, os moradores criam novos hábitos de trabalho e de lazer, resultando numa nova relação com o território, manifesta através da ligação afetiva com o lugar. (p. 237). É essa dinâmica da criação de uma nova ligação afetiva com o território que ainda está em construção, em função de um dos mais importantes e o mais geográfico dos fatores de formação do território e o sentido de territorialidade, segundo RAFFESTIN, que são os determinados pela inclusão ou exclusão (in SAQUET&SOUZA. 2009, p.42 e 43). Conseguir contextualizar essa nova dinâmica territorial e criar uma identidade que expresse essa nova territorialidade, entretanto, é um processo que está em construção, sendo um tema instigante para muitos pesquisadores, cujo papel está justamente em identificar as novas características deste território, sob todos os aspectos geográficos. São paradigmas comportamentais que precisam ser inseridos no ideário educacional, forjando uma educação ambiental não relacionada apenas com as ideologias dominantes, mas com a realidade física e humana e as relações que há entre ela. Mas isto não é tão fácil, como tentamos mostrar a seguir. Tal comportamento, segundo alguns autores, só poderá ser estimulado pela educação ambiental. E esta, por sua vez, se mostra muitas vezes inócua diante da confusão conceitual relacionada a ela, cujos objetivos e métodos de ação e avaliação ainda não estão claramente definidos por muitos de seus praticantes. “É comum propalar-se entre os educadores ambientais que muitos falam sobre Educação Ambiental (EA), mas poucos a praticam [...] Mas no seio universitário há experiências completas no aspecto teórico-prático” (PEDRINI&DE PAULA, 2002. p. 89). A confusão conceitual pode ser atribuída, em parte, ao fato da educação ambiental estar sendo praticada por ambientalistas incapacitados e pelo fato de os professores, inadvertidamente, estarem se valendo de livros inadequados (MORAIS, 1991. In PEDRINI & DE PAULA, 2002, p. 90). Entretanto, pesquisas realizadas com docentes universitários que ensinam EA apontam que eles compartilham com os ambientalistas a confusão conceitual do tema. Aferiuse que eles percebem a EA na sua dimensão ecológica, e, portanto, restrita, excluindo outros campos do conhecimento humano, como a política e a ciência social. Outros estudos provaram que também no meio empresarial há um discurso confuso marcado pela incoerência de reais propósitos. (p. 90). Ab‟Saber (1993) propõe uma reconceituação de EA e entende ser necessário uma rediscussão do Sistema Educacional Brasileiro sob o viés da antropologia cultural, da sociologia do conhecimento e de uma avaliação realista da estrutura, composição e finalidades contemporâneas. 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao necessitar dos dados e estudos de outras ciências para traçar um panorama mais preciso da biodiversidade do planeta, a Biogeografia pode ser a ciência de maior abrangência da produção científica na área da Geografia. Ao estudar as diversas variáveis que compõe o ambiente, visto como um todo na concepção geossistêmica, incluindo aí as relações econômicas e sociais (culturais), a disciplina vem ganhando espaço nas últimas décadas, em virtude da tomada de consciência, da degradação dos ecossistemas causada pela ação antrópica sobre o espaço e seus recursos naturais. Para Ross (2006, p.200), a conservação dos recursos naturais depende de uma forma planejada de utilização deste ambiente. Segundo ele, a procura de soluções alternativas para o desenvolvimento econômico, com justiça social e racionalização do uso dos recursos naturais que atenuem os impactos ambientais, é o caminho a ser perseguido pelas sociedades atuais e futuras, e isso deve ser objeto da Geografia. A preservação dos recursos naturais renováveis só será bem sucedida se preservados forem os ambientes primitivos, onde convivem animais e vegetais, tendo-se o cuidado para que tais ambientes, se pequenos demais, não promovam a degeneração das espécies por serem parentes próximos. Sendo assim, a conservação dos recursos naturais depende de uma forma planejada de utilização do ambiente, não podendo se esquecer que na natureza todos dependem de todos e o manejo dos recursos naturais tem sua melhor expressão no conceito de produção sustentada. Conservar a natureza e preservar os recursos naturais implica em usá-los de forma econômica e racional para que, os renováveis não se extingam pelo mau uso e os não renováveis não se extingam rapidamente. A racionalidade ecológica para o desenvolvimento sustentável pode ser pura retórica no discurso de alguns setores políticos e empresariais. Mas a produção ou (re) produção de novos territórios pelas ações antrópicas, como é o caso da Hidrelétrica de Itaipu ou ainda de outro ícone ou característica física e social da região que é a Estrada do Colono, faz parecer urgente que se busque com maior intensidade elucidar os muitos elementos e características que formam esse geossistema de características bem parecidas. Mais que isso, numa outra escala, a sua importância no contexto da educação ambiental da raça humana é maior que a atual confusão conceitual que reina no que se refere à sustentabilidade do planeta. REFERÊNCIAS AB‟SABER, A. N. & PLANTENBERG, C. M. Previsão de Impactos. Editora USP. 1993. CHRISTOFOLETTI, Antônio. Modelagem de Sistemas Ambientais. São Paulo: Editora Edgard Blücher., 1999. CHRISTOFOLETTI, Antônio; BECKER, Bertha K.; DAVIDOVICH, Fany R. & GEIGER, Pedro P. (Org.) Geografia e Meio Ambiente no Brasil. São Paulo: Editora Hucitec, 1995. GALVÃO, Ana R. G.; FRANÇA, Francielli M. & BRAGA, Luis C. 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