A IMPLEMENTAÇÃO DO PADRÃO CONTRATAÇÃO INTEGRADA E INOVAÇÕES TECNOLÓGICAS NA CONSTRUÇÃO Eduardo Henrique Santos Teixeira 2 Painel 48/001 Avanços, Inovações e Impactos do Rdc A IMPLEMENTAÇÃO DO PADRÃO CONTRATAÇÃO INTEGRADA E INOVAÇÕES TECNOLÓGICAS NA CONSTRUÇÃO Isidro-Filho Eduardo Henrique Santos Teixeira RESUMO O artigo aborda o tema licitação de Obras Públicas procurando tratar as discussões travadas entre profissionais e entidades de arquitetura e engenharia, políticos, administradores públicos e o Governo, sobre as mudanças na legislação que regulamenta as Licitações de Obras Públicas com a criação do Regime Diferenciado de Licitações, como uma oportunidade para se aperfeiçoar o sistema de Gestão da Construção de edifícios públicos visando obter ganhos de qualidade, produtividade e economia que podem ser proporcionados pelas novas tecnologias de construção e estimular o desenvolvimento da Construção Civil. O objetivo do artigo é apresentar uma proposta sobre o tema "Avaliação de sistemas construtivos destinados a edifícios escolares" tendo em vista contribuir para o debate sobre Contratação Integrada à evolução tecnológica da construção em conformidade com os princípios da qualidade e da sustentabilidade das construções. Apresenta o conceito de desempenho e a metodologia para a seleção de propostas elaboradas com base em novas tecnologias de construção como alternativa para superar as dificuldades identificadas pelo autor como entraves ao desenvolvimento de projetos com base em novas tecnologias de construção que quando bem utilizadas revelam-se grandes aliadas dos administradores públicos para viabilizar seus programas voltados para o atendimento das demandas da sociedade. 3 SUMÁRIO 1. introdução ............................................................................................................. 4 1.1. A lei da RDC contratação integrada .................................................. 5 1.2. As discussões em torno da RDC ...................................................... 6 1.2.1. Câmara Brasileira da Indústria da Construção - CBIC .................. 7 1.2.2. O Conselho dos Arquitetos do Brasil – CAU ................................. 7 1.2.3. O Instituto dos Arquitetos do Brasil - IAB ...................................... 7 1.2.4. Auditores do TCU .......................................................................... 8 1.3. A dimensão tecnológica da questão ................................................. 8 1.4. Histórico ............................................................................................ 9 2. OBJETIVOS........................................................................................................ 11 3. METODOLOGIA ................................................................................................. 11 3.1. Conceito e Avaliação de Desempenho de Edificações ................... 11 3.1.1. Identificação das exigências do usuário ...................................... 12 3.1.2. Condições de Exposição ............................................................. 13 3.1.3. Requisitos e critérios de desempenho......................................... 14 3.1.4. Proposta de método de avaliação de desempenho .................... 14 3.1.5. Fase externa da licitação............................................................. 15 3.2. Licitação e Método de avaliação ..................................................... 16 3.3. Considerações finas ........................................................................ 16 4 1. INTRODUÇÃO As discussões sobre alteração da legislação que regulamenta as licitações de projetos e obras públicas no Brasil têm mobilizado profissionais e entidades de engenharia e arquitetura, administradores públicos e políticos desde a instituição do “Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC” e da “Contratação Integrada”, seu artigo mais polêmico em 2011. Inicialmente voltada para regulamentar as contratações das obras destinadas à realização dos jogos da Copa das Confederações de 2013, da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016, a Lei 12.462/2011 é alterada em maio de 2014 pela Lei 12.980 que estende a sua aplicação também às "obras e serviços de engenharia para construção, ampliação e reforma de estabelecimentos penais e unidades de atendimento socioeducativo". Em maio de 2014, a Lei nº 12.680 revoga o inciso III do § 2º do Art. 9 da Lei 12.462 que estabelecia técnica e preço como critério de julgamento para as Licitações em RDC. O § 3º do Art. 9 que trata da contratação integrada determina que nos casos em que "..seja permitida no anteprojeto de engenharia a apresentação de projetos com metodologias diferenciadas de execução, o instrumento convocatório estabelecerá critérios objetivos para avaliação e julgamento das propostas". As entidades profissionais lideradas pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil - IAB e pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo - CAU reagem defendendo veementemente a exigência do "projeto completo" nas licitações para a contratação de obras, rejeitando radicalmente o novo Regime que permite a realização de Licitação a partir de um anteprojeto de arquitetura. As discussões entre essas entidades e o Governo Federal, que defende o RDC, parecem ter chegado a um impasse. O artigo define como tema o conflito entre as posições do Governo, que está implantando essas alterações da legislação de licitações, e os técnicos ligados ao projeto e construção de obras públicas que resistem às mudanças, mas limita a discussão às questões ligadas à relação entre licitação de obras públicas e desenvolvimento tecnológico da construção. Propõe a utilização do conceito de desempenho de edificações como alternativa para aperfeiçoar o processo de licitação 5 de obras públicas e permitir a participação de projetos desenvolvidos a partir de diferentes tecnologias e sistemas construtivos. A avaliação de desempenho de edificações com seus requisitos e critérios é apontada como método para avaliação das propostas dos concorrentes. 1.1. A LEI DA RDC CONTRATAÇÃO INTEGRADA As "Licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios", que desde 1983 eram regidos em nível Federal exclusivamente pela Lei 8666, a partir de 2011 podem ser realizadas sob as normas da Lei 12.462 que instituiu o Regime Diferenciado de Licitações e a Contratação Integrada que permite a realização de licitações de obras públicas a partir de um anteprojeto de arquitetura. Não é objetivo deste artigo analisar em profundidade as Leis que regulamentam as licitações mas, discutir alguns aspectos mais ligados ao projeto e à tecnologia de construção dispostos no artigo Art. 9o da Lei 12462/11 alterado pela Lei 12980/2014, que estabelece as condições para a utilização da "contratação integrada". Nos termos do Artigo 9° da 12462/2011, a "contratação integrada" [...] “poderá ser utilizada” em licitações de obras e serviços de engenharia: “desde que técnica e economicamente justificada e cujo objeto envolva, pelo menos, uma das seguintes condições”:I inovação tecnológica ou técnica;II - possibilidade de execução com diferentes metodologias; ou III - possibilidade de execução com tecnologias de domínio restrito no mercado" (Artigo 9°). Determina o §1º o seguinte: “A contratação integrada compreende a elaboração e o desenvolvimento dos projetos básico e executivo, a execução de obras e serviços de engenharia...” Ao fixar a lei que “a montagem, a realização de testes, a pré-operação1 e todas as demais operações necessárias e 1 Prazos exíguos, projetos padrão, coordenação modular, possibilidade de padronização dos elementos e componentes da construção, economia de escala são algumas das justificativas para adoção de inovações tecnológicas na construção de edifícios. 6 suficientes para a entrega final do objeto” integra o pacote de serviços contratados está determinando que a obra deve ser entregue funcionando. O § 2o determina que “no caso de contratação integrada:I - o instrumento convocatório deverá conter anteprojeto de engenharia que contemple os documentos técnicos destinados a possibilitar a caracterização da obra ou serviço" (Lei n° 12980/2014). Entre os documentos que devem estar contidos no anteprojeto a Lei define os seguintes: ") demonstração e a justificativa do programa de necessidades, a visão global dos investimentos e as definições quanto ao nível de serviço desejado". Exige também a definição das " condições de solidez, segurança, durabilidade e prazo de entrega". Inclui ainda entre os documentos que devem integrar o anteprojeto, "a estética do projeto arquitetônico; e os parâmetros de adequação ao interesse público, à economia na utilização, à facilidade na execução, aos impactos ambientais e à acessibilidade (Lei n° 12980/2014)”. O parágrafo 3o estabelece que "Caso seja permitida no anteprojeto de engenharia a apresentação de projetos com metodologias diferenciadas de execução, o instrumento convocatório estabelecerá critérios objetivos para avaliação e julgamento das propostas". O parágrafo 4 restringe a possibilidade de celebração de termos aditivos aos casos de necessidade de "recomposição do equilíbrio econômicofinanceiro decorrente de caso fortuito ou força maior; e [...]de alteração do projeto ou das especificações para melhor adequação técnica aos objetivos da contratação, a pedido da administração pública". 1.2. AS DISCUSSÕES EM TORNO DA RDC As entidades representantes dos profissionais de arquitetura e urbanismo, paisagismo, engenharia tem se posicionado contra as alterações na legislação que regulamenta as licitações de projetos e obras públicas. Todos criticam a realização de licitações sem projeto básico como é permitido pelo RDC. Os resultados das discussões em torno do tema são levados ao Congresso Nacional onde essas mudanças são discutidas antes da aprovação ou rejeição. 7 1.2.1. Câmara Brasileira da Indústria da Construção - CBIC CBIC em discurso / carta divulgada no 84° Encontro Nacional da Indústria da Construção realizado em Belo Horizonte em 2012 defendeu, através de seu expresidente Luiz Roberto Ponte, os princípios da Lei 8666/93 que segundo ele foi promulgada após dois anos de debates justamente para eliminar os processos corruptos que a lei anterior Decreto Lei 2300 propiciava. O Deputado Critica a Lei 12462/2011 e afirma que esta Lei permite julgamentos subjetivos das propostas, admite a licitação sem a existência de projeto e estabelece o prazo de 30 dias para a elaboração de propostas de projeto o que seria inexequível em condições normais. Lista alguns princípios da Lei 8666 e afirma que a Lei 12462/2011 contraria a maioria deles inclusive o princípio Constitucional da isonomia. Como sugestão, a CBIC propõe a adoção da modalidade concurso e/ou do tipo técnica e preço para contratação de projetos; exigência de adequações. 1.2.2. O Conselho dos Arquitetos do Brasil – CAU O CAU/BR em sua página na Internet divulga várias notícias criticando a RDC e a Contratação integrada e defendendo a " Exigência do projeto completo antes da contratação da obra; Obrigatoriedade do concurso público para contratação do projeto completo; Vedação da “contratação integrada”. O CAU sustenta que "a administração pública não pode abdicar de seu dever de planejar a infraestrutura do país e seus espaços públicos" e que "a realização dos projetos precisa ser coordenada pelo Estado, preferencialmente por meio de concursos, com ampla participação social". Na visão do CAU "só com um projeto completo em mãos os gestores públicos podem ter certezas dos custos e prazos de uma obra, além de ter os meios necessários para fiscalizar a correta execução do serviços".(CAU, 2016)http://www.caubr.gov.br/?page_id=41322 1.2.3. O Instituto dos Arquitetos do Brasil - IAB O IAB e as principais entidades ligadas à Arquitetura, "Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA), Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura 8 (Abea), Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU/BR), Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea), Associação Nacional dos Servidores Públicos Engenheiros, Arquitetos e Agrônomos do Poder Executivo Federal (Anseaf), pela Federação Brasileira de Associações de Engenheiros (Febrae) e pela Associação dos Arquitetos, Agrônomos e Engenheiros Públicos de São Paulo (AEP.SP), assinaram um documento se posicionando contra a RDC e a Contratação Integrada. O documento entregue ao presidente da Comissão Especial para Análise, Estudo e Formulação de Proposições Relacionadas à Lei de Licitações da Câmara dos Deputados, Carlos Marun (PMDB/MS) em julho de 2015, "recomenda que a revisão da Lei 8.666/93 passe a exigir que a licitação de obras públicas se dê somente a partir de projetos completos e com a exclusão do RDC". 1.2.4. Auditores do TCU Os auditores do TCU “estão em estado de alerta e em luta” para barrar proposições que cerceiam a atividade de fiscalização contidas no PLS 559/2013, referente à revisão da Lei de Licitações, em tramitação final no Senado Federal. A declaração consta da “Carta de Brasília”, documento de conclusão do V Congresso Nacional da Auditar (União dos Auditores Fiscais de Controle Externo), realizado em Brasília entre os dias 03 e 06/09/14." 1.3. A DIMENSÃO TECNOLÓGICA DA QUESTÃO A viabilização física dos empreendimentos habitacionais e equipamentos urbanos dentro dos prazos requeridos, principalmente em condições adversas, depende diretamente da tecnologia adotada na construção que se revela nessas oportunidades uma grande aliada dos gestores públicos. No Brasil seguindo o exemplo da construção de Brasília vários planos de construções escolares e de outros equipamentos comunitários foram implementados em estados brasileiros a partir da década de 1980 cumprindo prazos de quatro anos. Programas como os Centros integrados de Educação Pública - CIEPS implantado no Rio de Janeiro na década de 1980, as escolas da Fábrica de Equipamentos Comunitários - FAEC que funcionou 9 em Salvador no final da década de 1980 e os Centros Educacionais Unificados CEUS implementados em São Paulo a partir de 2003, construídos com tecnologia não convencional atestam a importância das soluções arquitetônicas aliadas a essas novas tecnologias na concretização de empreendimentos públicos. Atualmente também as escolas da Fundação para o Desenvolvimento da Educação - FDE, do Governo de São Paulo adotam sistemas construtivos pré-fabricados e estrutura metálica nas construções de edifícios escolares. Em comum esses empreendimentos públicos experimentaram a dificuldade da contratação através das Leis de Licitações tradicionais. A contratação integrada vista como uma oportunidade para viabilizar a participação das novas tecnologias construtivas nas licitações visando aproveitar os seus benefícios de redução de custos, de prazos e melhoria da qualidade na defesa do interesse público, poderia se constituir numa solução do impasse em que se encontra o debate em torno das mudanças da legislação da licitação. O problema é como escolher entre as alternativas a que melhor atende ao interesse público respeitando os direitos dos envolvidos. Neste artigo são apontadas possíveis soluções para este problema. 1.4. HISTÓRICO O interesse do autor pelo estudo do tema licitação de obras x inovações tecnológicas na construção surge no início da década de 1980, como reflexo da sua preocupação em contribuir para a redução do déficit de salas de aula da rede escolar pública no Estado da Bahia através da utilização de sistemas construtivos préfabricados na construção de edificações escolares. Naquele momento em que já se notava uma importante tendência pela utilização de sistemas construtivos inovadores nos programas habitacionais do BNH que patrocinou em Salvador o "1º Simpósio Nacional para o barateamento da construção", o autor, identificado com as vertentes de pensamento da arquitetura que defendiam a industrialização da construção, passa a defender a ideia de que esta tendência podia ser expandida para as construções escolares. 10 Naquele momento, os técnicos do setor de projetos de arquitetura dos órgãos públicos inclinados a usar novos sistemas construtivos em seus projetos de edifícios escolares enfrentavam dificuldades que começavam com a falta de informações mais consistentes sobre as novas tecnologias disponíveis. Outra dificuldade seria como realizar a contratação das obras com novas tecnologias de construção já que a legislação vigente exigia para a realização de licitação de obras publicas a apresentação do "projeto completo" em que a tecnologia de construção já deve estar definida. Nesses casos as equipes técnicas dos órgãos públicos se restringiam a utilizar em seus projetos de arquitetura as tecnologias convencionais de construção pois só elas eram aceitas sem provocar desconfiança quanto ao descumprimento dos princípios da isonomia e da igualdade e sem levantar suspeita de favorecimento à empresa que detivesse o know how de uma nova tecnologia. Realizar o contrato sem licitação (inexigibilidade) também não seria aceitável a não ser em casos rigorosamente justificados. Esses e outros fatores funcionavam como impedimento a utilização de novos elementos, componentes e sistemas construtivos em projetos de edificação de obras públicas. Outra questão levantada pelo autor naquele momento é que, "mesmo que se quisesse, e pudesse realizar uma licitação em que não se fornecesse aos licitantes o "projeto completo" permitindo-se assim a participação de propostas concebidas com a utilização de tecnologias não convencionais, surgiria um problema difícil de resolver que seria: "Como avaliar, e assim identificar entre uma gama de alternativas disponíveis, qual o sistema construtivo que melhor atende às exigências dos usuários de uma determinada escola, a ser construída em um determinado local? No Estágio de Pós graduação na Divisão de Edificações do Instituto de Pesquisas Tecnológicas IPT, realizado como atividade do mestrado na FAUUSP, este autor teve acesso aos trabalhos que vinham sendo desenvolvidos pelo Instituto para o Banco Nacional de Habitação - BNH com base no conceito de desempenho das edificações2, e entende que a resposta para aquelas questões estaria na adoção do 2 Na época também estava também sendo desenvolvido um Sistema construtivo pré-fabricado para edifícios escolares para o MEC / CEBRACE 1984. 11 conceito de desempenho como base teórica para a avaliação e "seleção de sistemas construtivos destinados a edifícios escolares" que passou a ser o título da dissertação de mestrado. 2. OBJETIVOS O objetivo deste artigo é apresentar uma proposta desenvolvida pelo autor no curso de mestrado concluído em 1990, sobre o tema "Avaliação de sistemas construtivos destinados a edifícios escolares", que poderia contribuir para o debate sobre Contratação Integrada destacando uma dimensão que não vem sendo considerada pelos envolvidos: a evolução tecnológica da construção em conformidade com os princípios da qualidade e da sustentabilidade das construções. Os objetivos específicos são apresentar o conceito de desempenho como parâmetro para avaliação de projetos de edificações e sugerir alternativas para o aperfeiçoamento dos processos de licitação de obras públicas com base na avaliação de desempenho de edificações. 3. METODOLOGIA O problema de "Como avaliar” e assim identificar entre uma gama de alternativas disponíveis, qual o sistema construtivo que melhor atende às exigências dos usuários e de um determinado programa de uma edificação a ser construída em um determinado local, como fora formulado pelo autor em seu plano da pesquisa desenvolvida no mestrado, permanece nas questões que são levantadas por alguns críticos do Regime de Contratação Integrada hoje. A avaliação de sistemas construtivos com base no conceito de desempenho, desenvolvido no Brasil pelo IPT na década de 1980, é a resposta / proposta defendida pelo autor. 3.1. CONCEITO E AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO DE EDIFICAÇÕES 12 Desempenho significa comportamento em uso. O conceito de desempenho caracteriza a edificação como um produto que tem a função de atender às exigências do usuário quando submetido às condições de exposição. A avaliação de desempenho da edificação consiste em verificar se o edifício e suas partes cumprem a função de atender às exigências do usuário sob determinadas condições de exposição. Aplicando-se este conceito a um processo de licitação pelo regime de Contratação integrada, qualquer sistema construtivo que atendesse às exigências estabelecidas pelo contratante no Termo de Referência / Edital estaria apto ao contrato para a execução da obra. Ainda assim outro problema persiste: Como definir tudo que se exige de uma edificação e quais os métodos de avaliação? 3.1.1. Identificação das exigências do usuário O passo inicial dentro do modelo proposto de avaliação ou seleção, utilizando o conceito de desempenho, deve ser identificar o conjunto de necessidades a serem satisfeitas pelo edifício e seus componentes para que cumpra sua função. "Essas exigências dependem da finalidade para a qual o edifício é construído - seu uso - e para cada família de edifícios - escolas, hospitais, habitações, etc. - haverá um conjunto de necessidades comuns a serem satisfeitas" (SOUZA, 1983, p. 23)". A este conjunto de necessidades do homem chamamos exigências humanas entendidas como "nível de condições que são necessárias à segurança e à saúde do homem, ao seu conforto e à satisfação de suas preocupações econômicas" Segundo o professor Gerard Blachère do CSTB é possível formarmos a lista de tudo que exigimos do edifício podendo essas exigências ser agrupadas em: exigências fisiológicas; exigências psicológicas: habitabilidade; exigências sociológicas: exigências econômicas: durabilidade e economia (custos). Algumas exigências acima têm caráter absoluto como as que estabelecem limites de proporção de gases tóxicos na atmosfera, outras são relativas como as exigências de comodidade e bem-estar. A Organização Mundial de Saúde (OMS) prioriza as necessidades humanas ligadas à salubridade do edifício, "entendidas no seu sentido amplo: não apenas as exigências que previnem o usuário de enfermidades ou acidentes, mas também aquelas relacionadas à saúde mental e ao bem-estar social 13 do usuário". A OMS classifica as exigências do usuário em quatro níveis: condições básicas para garantir a sobrevivência, evitar enfermidades, "estar em boas condições de trabalho, estar em condições agradáveis” (SOUZA, 1983, p. 23). A identificação das exigências que a edificação escolar deve satisfazer para que cumpra sua função deve ser o passo inicial para a definição dos critérios que orientarão o projeto e avaliação do sistema construtivo. A partir da definição dessas exigências denominadas "exigências do usuário" e das condições de exposição se colocam as bases do problema a ser resolvido. Segundo afirmava o Professor Blachère: "Edificar é resolver este problema". A International Standard Organization – ISO definiu 14 exigências humanas: Segurança estrutural, Segurança ao fogo, Segurança à utilização, Estanqueidade, Conforto higrotérmico, Pureza do ar, Conforto acústico, Conforto visual, Conforto tátil, Conforto antropodinâmico, Higiene, Adaptação à utilização, Durabilidade, Economia. Confrontando-se as exigências do usuário com as condições de exposição do edifício são definidos os requisitos e critérios de desempenho que são utilizados na avaliação de desempenho da edificação. 3.1.2. Condições de Exposição Os produtos que compõem os edifícios estão sujeitos a uma grande variedade de ações da natureza ou ligadas ao uso da edificação: [...], Estas ações, são “... devidas aos fenômenos de origem natural, devidas à utilização do edifício e mesmo decorrentes de sua própria concepção." (SOUZA, 1983, p.13). Entre essas ações incluem-se as de origem natural, " as ações do vento, da radiação solar, da chuva, da umidade do ar, do calor, do frio, enfim, as ações relacionadas ao clima da região onde é construído o edifício". Há aquelas ligadas ao uso da edificação " as ações do fogo, das cargas permanentes, dos esforços de manuseio, dos ruídos gerados interna e externamente, de impactos de uso, de ataques químicos por produtos de limpeza..." entre outras ligadas à concepção e uso do edifício. Segundo Roberto de Souza, "A este conjunto de ações, atuantes no edifício durante sua vida útil, chamaremos de condições de exposição". 14 3.1.3. Requisitos e critérios de desempenho Estando definida a função do edifício como a de atender as exigências do usuário, para cada uma das partes do edifício serão definidos requisitos e critérios de desempenho que deverão ser atendidos pela edificação quando submetida às condições de exposição, para satisfazer àquelas exigências. Os “requisitos são expressos qualitativamente a partir da função específica que o elemento/componente ocupa no edifício e também à luz das exigências humanas” (SOUZA 1983). A partir da lista de requisitos de desempenho são definidos os critérios de desempenho que são “entendidos como as condições quantitativas às quais um produto deve atender quando submetido às condições de exposição, a fim de que sejam satisfeitas as exigências do usuário”. Para cada requisito serão definidos os critérios de desempenho. Para cada critério de desempenho de avaliação são definidos métodos quantitativos para avaliar os componentes, elementos e o próprio sistema construtivo. 3.1.4. Proposta de método de avaliação de desempenho Segundo a proposta do autor, numa licitação de obras, o órgão público forneceria aos concorrentes através do Edital, um ante-projeto da edificação, dados e diretrizes que fixassem as exigências que deveriam ser atendidas pelos projetos elaborados pelos licitantes, os requisitos e critérios de desempenho e os métodos de avaliação de desempenho. Para isto o órgão contratante deve adotar procedimentos de organização das equipes, treinamento de pessoal e produção de documentos normativos, voltadas para os segmentos da cadeia de produção da construção, projetistas, fabricantes de componentes e sistemas construtivos, construtores e usuários. O Edital deve incorporar no Termo de Referência e seus anexos, as diretrizes às normas de desempenho de edificações. O objeto da licitação, o edifício, na documentação fornecida pelo órgão público deixaria de ser caracterizado pelo projeto básico, que é a descrição, representada em peças gráficas, memoriais, especificações da idéia do arquiteto e passa a ser 15 caracterizado pelo anteprojeto acompanhado pelo programa, pela relação das funções que deve desempenhar e pelos atributos que a edificação deve ter para atender às exigências do usuário quando submetido às condições de exposição durante sua vida útil. Estes dados fornecidos pelo órgão público que promove a licitação irão orientar os participantes no desenvolvimento dos seus projetos / propostas a serem apresentadas na licitação e serão os critérios de avaliação de desempenho que vão permitir a escolha das propostas aptas a assinar o contrato, caso vença na avaliação da proposta financeira. Entre essas exigências e critérios de avaliação devem ser inseridos as exigências de acessibilidade e sustentabilidade da edificação e suas partes. 3.1.5. Fase externa da licitação Os concorrentes devem apresentar seus projetos / propostas especificando as características do edifício, seus ambientes e sistema construtivo, num nível de precisão que permita a avaliação da sua viabilidade técnica, do impacto ambiental do empreendimento, dos custos e prazo de execução. A seleção da proposta mais vantajosa seria feita com base nos resultados da avaliação de desempenho da edificação feita a partir dos projetos desenvolvidos e apresentados pelos licitantes. O nível de precisão do projeto apresentado pelos concorrentes não seria o mesmo do projeto básico mas deveria informar sobre as soluções técnicas adotadas nas diversas áreas técnicas. As propostas seriam apresentadas por um consórcio formado pelo arquiteto coordenador da equipe do desenvolvimento dos projetos básico e executivo, por um grupo de empresas fabricantes de elementos e componentes do sistema construtivo e pelo construtor. O tipo de licitação e critério de julgamento seria técnica e preço. O vencedor seria o consórcio que apresentasse a proposta cuja solução técnica (arquitetônica, urbanística) apresentasse o melhor nível de desempenho (atendimento às exigências do usuário) e o menor preço. Este procedimento cria no processo licitatório um ambiente favorável às empresas e profissionais comprometidos com a qualidade do projeto e com a construção de edifícios e obras urbanas adequadas às exigências de qualidade, economia, ao programa de necessidades e aos princípios 16 da construção sustentável e do desenho universal. Ou seja, a licitação realizada pelo “Regime de Contratação Integrada” assumiria o caráter de concurso onde seria premiada a melhor solução arquitetônica e urbanística que certamente resultaria também em menor preço. 3.2. LICITAÇÃO E MÉTODO DE AVALIAÇÃO A licitação realizada a partir de um anteprojeto como previsto no Regime de Contratação Integrada, associada à proposta de avaliação de desempenho de edificações, seria um meio de "viabilizar a participação de novos sistemas construtivos nas licitações sem admitir a alternativas que não atendam a requisitos mínimos de qualidade / exigências do usuário", economia e sustentabilidade das construções. Esta possibilidade só seria exeqüível no tipo de licitação técnica e preço atualmente vetado pelo RDC / Contratação integrada. Há também a possibilidade da proposta de projeto elaborada apresentar um Documento de Avaliação Técnica - DATec, concedido por Instituições Técnicas Avaliadoras credenciada pelo Ministério das Cidades. 3.3. CONSIDERAÇÕES FINAS A Coordenação de Licitação de Obras Públicas - CLOP, da Coordenação Central de Licitações - CCL, da Secretaria da Administração do Governo do Estado da Bahia estabeleceu, entre suas metas, desenvolver procedimentos que permitam a avaliação de projetos / sistemas construtivos passiveis de participar de licitações em RDC e uma metodologia para a realização de licitações em RDC. Para isto várias ações estão em curso entre elas: promoção de reuniões com os Conselhos de Engenharia e Arquitetura e IAB/Ba para discutir o tema, reuniões com técnicos das Secretarias, Empresas e Fundações do Estado tendo em vista conhecer as suas sistemáticas adotadas nas licitações. O objetivo principal é desenvolver um modelo de Edital que contemple todas as modalidades de licitação. O presente artigo insere- 17 se neste esforço para aperfeiçoar os procedimentos de licitação de Obras Públicas no Estado da Bahia. Das reflexões sobre o tema abordados nesse artigo podem-se tirar algumas considerações a respeito das críticas ao Regime Diferenciado de Contratações. O fato do instrumento convocatório, na contratação integrada, conter / fornecer um anteprojeto de engenharia e não o projeto básico como nas outras modalidades, não significa que não há definição do objeto da licitação. O anteprojeto de engenharia, conforme prevê a lei, deverá “contemplar os documentos técnicos destinados a possibilitar a caracterização da obra ou serviço”. Nos aspectos ligados ao sistema construtivo deverá incluir as condições de segurança, solidez e durabilidade” [...] “a estética do projeto arquitetônico”. Deverá incluir também, “os parâmetros de adequação ao interesse público, à economia na utilização, a facilidade de execução aos impactos ambientais a à acessibilidade”. Caracterizando-se o objeto da licitação através dos dados e parâmetros fornecidos pelo instrumento convocatório e sendo o projeto básico parte do objeto, é razoável que a escolha da melhor proposta se dê através da verificação do potencial atendimento da proposta / projeto ao interesse público. Esta verificação pode ser feita na licitação através da "avaliação de desempenho" sendo os parâmetros definidos no instrumento convocatório os critérios de julgamento / aceitação das propostas. Ou seja, só pode ser aceita a proposta que atenda a estes parâmetros. Nesses termos a Comissão de Licitação deverá ter meios de certificar-se de que a proposta "cujo objeto envolva [...]I - inovação tecnológica ou técnica;II - possibilidade de execução com diferentes metodologias; ou III - possibilidade de execução com tecnologias de domínio restrito no mercado", atende aos parâmetros. Isto implica na realização da avaliação do comportamento (desempenho) do objeto (edifício) a partir da proposta técnica apresentada. Não se poderia aceitar uma proposta que não atendesse a esses parâmetros, portanto os licitantes / participantes devem desenvolver suas propostas conforme esses parâmetros. O anteprojeto não descreve o objeto a ser construído, mas define as exigências que ele deve atender e o comportamento que deve ter quando estiver em uso ou seu desempenho. 18 As condições atuais no ambiente da construção de edifícios públicos em Salvador, no Estado da Bahia, e na maioria dos estados brasileiros são favoráveis à implementação dessa proposta por vários motivos: Embora não tenha sido realizada ainda pelo Estado nenhuma licitação para obras de edificações com base no Regime RDC de Contratação Integrada, o assunto está sendo discutido na Coordenação de Licitação e Obras Públicas da SAEB, Instituto dos Arquitetos do Brasil - Ba, e em vias de discussão com Diretores do CAU/Ba e técnicos das autarquias e Secretarias do Governo. As novas ferramentas digitais, baseadas no Building Information Modeling – BIM, apresentam-se como ferramentas que sendo introduzidas de forma planejada nos departamentos de projetos e obras do setor público, podem auxiliar na avaliação de desempenho do Edifício nas licitações, através de avaliação do modelo digitais. As Normas de desempenho também já são uma realidade em nosso País. Novas tecnologias de construção de construção industrializada estão disponíveis para aumentar a produtividade e reduzir os custos das construções. Em 2007 foi instituído o Sistema Nacional de Avaliação Técnica de produtos inovadores - SINAT inserido nas ações do Programa brasileiro de Qualidade e Produtividade - PBQPH / Ministério das Cidades, cujos objetivos gerais são entre outros "estimular o processo de inovação tecnológica no Brasil, aumentar o leque de alternativas tecnológicas para a produção de obras de edifícios [...] e promover o equilíbrio competitivo nos setores produtivos correlatos" (BRASIL, 2015, p.). Este sistema utiliza os requisitos de desempenho "relativos à segurança, habitabilidade, durabilidade e adequação ambiental". Este procedimento pode criar no processo licitatório um ambiente favorável às empresas e profissionais comprometidos com a qualidade do projeto e com a construção de edifícios e obras urbanas adequadas aos princípios da construção sustentável e do desenho universal. Ou seja, a licitação realizada pelo “Regime de Contratação Integrada” assumiria o caráter de Concurso onde seria premiada a melhor solução arquitetônica e ou urbanística, que certamente resultaria também em menor preço. Os projetos básico e executivo serão desenvolvidos pela contratada e aprovados pelo órgão público contratante antes do início das obras. 19 REFERÊNCIAS BLACHERE, G. Les exigences humaineset la conception des bâtiments des usagers. (W 45). In: CIB CONGRESS, 5, Versailles, Paris, June 1971. Proceedings... Paris, 1971, p. 51-53. BRASIL. LEI Nº 12.462, DE 4 DE AGOSTO DE 2011. Institui o Regime Diferenciado de Contratações Públicas - RDC. Acessível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/Lei/L12462.htm BRASIL. LEI Nº 12.980, DE 28 DE maio DE 2014. Altera a Lei no 12.462, de 4 de agosto de 2011, que institui o Regime Diferenciado de Contratações Públicas - RDC e dá outras providências. Acessível em http:www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20112014/.../Lei/L12980.htm BRUNA, Paulo: Arquitetura, industrialização e desenvolvimento / Paulo Júlio Valentino Bruna. São Paulo, SP : Perspectiva, Ed. da Universidade de São Paulo, 1976. 39. INSTITUTO DE PESQUISAS TECNOLÓGICAS DO ESTADO DE SÃO PAULO. Formulação de critérios para avaliação de desempenho de habitações; 2º relatório intermediário. São Paulo,1981. (Relatório 15.197). SÃO PAULO: INSTITUTO DE PESQUISAS TECNOLÓGICAS DO ESTADO DE SÃO PAULO. Formulação de critérios para avaliação de desempenho de habitações; 2º relatório intermediário. São Paulo,1981. (Relatório 15.197). SOUZA, Roberto de: Contribuição do conceito de desempenho para aavaliação do edifício e suas partes: aplicaçãoàs janelas de uso habitacional. – São Paulo: EPUSP, 1983.181 p. + anexo – Dissertação (Mestrado), Programa Engenharia Civil: Engenharia de Construção Civil e Urbana. Departamento PCC Engenharia de Construção Civil. Escola Politécnica da USP. Roberto de. A avaliação de desempenho aplicada a novos componentes e sistemasconstrutivos para habitação. In: SIMPÓSIO LATINO- SUA APLICAÇÃO 20 ÀS HABITAÇÕES DE INTERESSE SOCIAL, 1, São Paulo, 25 a 28 deoutubro de 1981. Anais... São Paulo, Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo,1981, v.1. p. 247-256. TEIXEIRA, Eduardo Henrique Santos: Seleção de sistemas construtivos destinados a edifícios escolares. Orientador: Profª Drª Marlene Picarelli. Dissertação (mestrado) - Universidade de São Paulo, 1990. Eduardo Henrique Santos (Org.). Manual técnico de pré-fabricados de concreto / Associação Brasileira da Construção Industrializada ; Organização e pesquisa Eduardo Henrique Santos Teixeira ; edicao de texto Nildo Carlos Oliveira. São Paulo: Projeto, 1986. _____________________________________________________________ AUTORIA Eduardo Henrique Santos Teixeira – Secretaria da Administração do Estado da Bahia Endereço eletrônico: [email protected] Telefone: (71) 99178-4833