ANÁLISE DA FORÇA MUSCULAR DOS FLEXORES PLANTARES E MARCHA EM MULHERES COM INSUFICIÊNCIA VENOSA CRÔNICA Regina Márcia Faria de Moura1 Andréa de Jesus Lopes2 Amanda Alves Garcia3 Andrezza Veiga Lima3 Flávia de Castro Salgado3 RESUMO: As alterações relacionadas à disfunção da bomba muscular da panturrilha presentes em pacientes com Insuficiência Venosa Crônica (IVC) podem gerar importantes prejuízos no desempenho de atividades funcionais como a marcha. O objetivo do trabalho foi analisar a força muscular dos flexores plantares e a marcha em mulheres com IVC. Foi realizada mensuração da força muscular dos flexores plantares e análise dos parâmetros espaciais e temporais da marcha em 10 pacientes com IVC. Nove pacientes apresentaram fraqueza dos flexores plantares em pelo menos uma das pernas. Os valores médios do comprimento do passo, passada e velocidade da marcha foram respectivamente 50,9cm, 102,5cm e 0,91m/s e foram inferiores aos dados encontrados na literatura. Novos estudos com casuística maior são necessários para melhor compreensão das alterações apresentadas por esta população. Palavras chave: Insuficiência Venosa, marcha, força muscular, funcionalidade. 1 Docente do Curso de Fisioterapia do Centro Universitário Newton Paiva, Doutora em Ciências da Reabilitação/UFMG 2 Docente e Coordenadora do Curso de Fisioterapia do Centro Universitário Newton Paiva, Mestre em Ciências da Reabilitação/UFMG 3 Fisioterapeutas graduadas no Centro Universitário Newton Paiva INTRODUÇÃO A Insuficiência Venosa Crônica (IVC) de membros inferiores é uma disfunção no sistema venoso decorrente à hipertensão venosa, a qual é causada por incompetência valvular e/ou obstrução do fluxo venoso. Essa anormalidade venosa pode ser congênita ou adquirida, podendo acometer tanto o sistema venoso superficial como o profundo (BERGAN et al, 2006). A classificação Clinical manifestations, Etiologic factors, Anatomic distribuition of disease, Pathophysiologic findings (CEAP) foi desenvolvida em 1994, com finalidade de favorecer a comunicação entre os profissionais e tem sido amplamente utilizada para a avaliação da doença venosa. Ela classifica a doença quanto às manifestações clínicas, etiologia, localização e fisiopatologia. De acordo esta classificação os sinais clínicos são categorizados em sete classes sendo: Classe C0 sinais de doença venosa não visíveis e não palpáveis; Classe C1 - telangectasias ou veias reticulares; Classe C2 - veias varicosas; Classe C3 - edema; Classe C4 - alterações de pele e tecido subcutâneo (4a – pigmentação ou eczema e 4b – lipodermatoesclerose ou atrofia branca); Classe C5 - alterações de pele com úlcera cicatrizada e Classe C6 alterações de pele com úlcera ativa (EKLÖF et al, 2004). Os sintomas da IVC incluem sensação de peso e dor em membros inferiores, principalmente ao final do dia e alguns pacientes referem prurido associado (FRANÇA & TAVARES, 2003). As manifestações clínicas são as telangectasias ou veias reticulares, veias varicosas, edema, hiperpigmentação, eczema, lipodermatoesclerose ou atrofia branca, erisipela, úlcera cicatrizada ou úlcera ativa. A ulceração é a complicação mais grave da doença venosa e estima-se que cerca de 80% a 90% de todas as úlceras de membros inferiores são causadas por disfunção venosa. Normalmente as úlceras 6 venosas se localizam na região do maléolo medial, mas podem aparecer em outras regiões dos membros inferiores (NICOLAIDES, 2005; LIMA et al, 2002). Para melhor compreensão da fisiopatologia da IVC é importante destacar a função da bomba muscular da panturrilha. As veias da panturrilha, em associação com os tecidos circundantes, formam esta unidade funcional que também é conhecida como “coração periférico” (ORSTED, RADKE & GORST, 2001). A eficácia desta bomba muscular depende da adequada movimentação da articulação talocrural, veias de drenagem com válvulas competentes, integridade neural e grupos musculares preservados. Estes atuando juntos fazem com que o sangue venoso seja transportado para o coração de forma eficiente. Quando ocorre alguma falha em alguns dos componentes da bomba muscular da panturrilha, há o desenvolvimento de um quadro de hipertensão venosa (BERGAN et al, 2006). Os mecanismos associados ao desenvolvimento da doença venosa ainda não são bem conhecidos. Duas teorias tentam explicar estas alterações que ocorrem em pacientes com IVC (FRANÇA & TAVARES, 2003). A primeira argumenta que a pressão venosa elevada promove um aumento do tamanho do leito capilar e um alargamento dos poros intersticiais, permitindo um extravasamento de fibrinogênio através desses poros, o qual se polimeriza em fibrina. O depósito de fibrina leva à formação de manguitos que interferem na difusão do oxigênio e nutrientes para os tecidos circundantes, predispondo a formação de úlceras (FRANÇA & TAVARES, 2003). A segunda teoria afirma que os leucócitos seriam seqüestrados na parede endotelial do leito capilar exposto à pressão venosa elevada, entrando em contato com moléculas de adesão intracelulares na parede capilar. As células seriam ativadas, e ocorreria liberação de citocinas e radicais livres no leito venoso, o que levaria a uma 7 reação inflamatória, com lesão das válvulas venosas e do tecido adjacente, predispondo à ulceração (FRANÇA & TAVARES, 2003). A IVC está associada a fatores de risco como história prévia de trombose venosa profunda, história pregressa de cirurgias, gestações, repouso prolongado no leito, traumatismo, tabagismo, gênero feminino, períodos longos na posição sentada ou em pé, uso de determinados medicamentos, como estrógenos, pelo seu potencial trombogênico e obesidade (SILVA, 2002). Outros fatores como história prévia de trauma nos membros inferiores, história de tromboflebite e história familiar são também importantes fatores de risco para desenvolvimento de IVC (SCOTT et al, 1995). O diagnóstico da IVC é eminentemente clínico. A avaliação deve incluir pesquisa da história clínica e exame físico. É de grande importância pesquisar a queixa e a duração dos sintomas, história da moléstia atual, hábitos de vida, profissão, história de doenças anteriores, em especial trombose venosa, traumatismos prévios dos membros inferiores e existência de doença varicosa. No exame físico, devem ser observados os sintomas que freqüentemente se manifestam na IVC. O exame sempre deve ser realizado com boa iluminação, com o paciente em pé, após alguns minutos de ortostatismo. Exames complementares são utilizados para a confirmação do diagnóstico, porém, na impossibilidade de realizá-los, o diagnóstico clínico é suficiente (FRANÇA & TAVARES, 2003; SILVA, 2002). A incidência da IVC aumenta com o avançar da idade, sendo mais alta a partir da terceira década de vida. No Brasil, poucos são os estudos que avaliaram incidência e prevalência da IVC. De acordo com estudo realizado com a população da cidade de Botucatu (São Paulo), a prevalência da IVC entre as mulheres foi maior após os 30 anos de idade; já nos homens, a prevalência foi maior após 70 anos. Neste mesmo estudo, foi estimada uma prevalência de varizes em 35,5% da população e das formas 8 graves de IVC (úlcera aberta ou cicatrizada) em 1,5% da população (MAFFEI et al, 1986). A doença venosa, além de ser causa de incapacidade é uma das mais freqüentes doenças crônicas encontradas em todo o mundo representando importante problema de ordem sócio-econômica (SILVA, 2002). Estudos têm demonstrado que a IVC é um problema extremamente complexo com múltiplas manifestações clínicas (BELCZAK et al, 2007; SCUDERI et al, 2002; SILVA, 2002; MAFFEI et al, 1986). Pode afetar a produtividade no trabalho, gerando aposentadoria por invalidez, além de restringir atividades de vida diária e lazer. Para muitos pacientes, a doença venosa significa dor, perda da mobilidade funcional e piora da qualidade de vida (FRANÇA & TAVARES, 2003; SILVA, 2002; MAFFEI et al, 1986). Alterações associadas à disfunção da bomba muscular da panturrilha que incluem a perda de força muscular dos flexores plantares e diminuição da Amplitude de Movimento (ADM) de dorsiflexão e flexão plantar da articulação talocrural têm sido investigadas na tentativa de elucidar os mecanismos envolvidos na falha deste efeito de bombeamento e conseqüente favorecimento ao sistema circulatório (QIAO, LIU & RAN, 2005; ORSTED, RADKE & GORST, 2001; BACK et al, 1995). Os mecanismos responsáveis pela diminuição da força dos flexores plantares e pela diminuição da ADM da articulação talocrural ainda não são bem conhecidos, porém sabe-se que tais alterações podem gerar importantes prejuízos no desempenho de atividades funcionais incluindo a marcha (VAN UDEN et al, 2005). A avaliação dos parâmetros temporais e espaciais da marcha em pacientes com IVC é um tema ainda pouco explorado, porém há indícios de que estes pacientes apresentam alterações significativas (VAN UDEN et al, 2005). A marcha é a forma mais comum de locomoção humana e para sua análise é necessário considerar as fases e 9 eventos que ocorrem ao longo do ciclo (PERRY, 2005; MAGEE et al, 2002). Para que a marcha seja harmônica é necessário uma boa interação joelho-tornozelo-pé, ADM livre principalmente da articulação talocrural, controle motor e um adequado suporte muscular (PERRY, 2005; NORKIN & LEVANGIE, 2001). Para que o indivíduo apresente uma marcha eficiente é necessário, dentre vários outros fatores, um adequado aparato muscular. Estima-se que a geração de força a partir dos flexores plantares seja responsável por aproximadamente 75% da força propulsora para marcha (PERRY, 2005; ORENDURFF et al, 2005; MAGEE et al, 2002). Tal força tem relação direta com a capacidade de aceleração do corpo e consequentemente a velocidade do movimento, contribuindo significativamente para a impulsão à frente e desta forma influencia o tamanho do passo e passada (PERRY, 2005; ORENDURFF et al, 2005; MAGEE et al, 2002). Os dados cinemáticos, cinéticos e de recrutamento muscular são relevantes para a análise, mas para a funcionalidade da marcha é necessário analisar dados que expressem a capacidade para locomoção. Nesse sentido, a velocidade da marcha tem sido considerada o parâmetro que melhor representa a capacidade funcional da marcha (CASTRO et al, 2000). Este parâmetro sofre influência da estatura do indivíduo e portanto, apresenta relação com o tamanho do membro inferior, sexo, idade, mobilidade articular e força muscular. Além disso, se relaciona diretamente com o tamanho do passo, passada e cadência (MAGEE et al, 2002; NORKIN & LEVANGIE, 2001). Devido ao fato de existirem poucos estudos sobre as alterações físicas e funcionais decorrentes da IVC, torna-se relevante discutir as alterações da força muscular e as características da marcha nesta população pela sua importância clínica na reabilitação. 10 OBJETIVO Analisar a força muscular dos flexores plantares e os parâmetros temporais e espaciais da marcha em mulheres com IVC. MATERIAIS E MÉTODOS Trata-se de um estudo de corte transversal exploratório que teve como objetivo analisar a força muscular dos flexores plantares e a marcha em mulheres com IVC. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário Newton Paiva (CAAE - nº 0002.0.273.000-08) e antes da inclusão dos indivíduos no estudo, estes foram informados sobre o propósito do mesmo e assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A seleção da amostra foi realizada por conveniência, sendo as participantes encaminhadas para a participação neste estudo por profissionais da área. Foram incluídos no estudo os participantes que preencheram os seguintes critérios: gênero feminino, idade entre 18 e 59 anos, acometimento bilateral dos membros inferiores com classificação clínica CEAP maior ou igual a 3, estar de acordo em participar do estudo e assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Foram excluídos do estudo os participantes que apresentaram pelo menos, um dos seguintes parâmetros: seqüelas de doenças neurológicas agudas ou crônicas, doenças cardiorrespiratórias ou metabólicas instáveis ou agudizadas, doença arterial periférica (Índice tornozelo-braço menor que 0,9), diagnóstico médico de doenças reumáticas e osteoarticulares, história prévia de fraturas em membros inferiores, presença de linfedema em membros inferiores, cadeirantes e/ou acamados, déficit 11 cognitivo que impedisse o indivíduo de realizar os testes propostos, fazer uso de dispositivo de auxílio à marcha, gravidez ou período menstrual. Inicialmente foram coletados por meio de entrevista estruturada os dados clínicos e sócio demográficos e em seguida as participantes foram avaliados quanto à gravidade da IVC de acordo com a CEAP (EKLÖF et al, 2004). Posteriormente, foi realizada a mensuração da força muscular dos flexores plantares por meio do teste de força na posição ortostática. O paciente foi posicionado de pé, apoiado sobre o membro a ser testado com joelho estendido, com dois dedos apoiados sobre uma superfície rígida para manter o equilíbrio e foi instruído a levantar o calcanhar afastando-o do chão consecutivamente durante 20 vezes através da amplitude plena de flexão plantar. O examinador demonstrou ao paciente a elevação correta do calcanhar e se posicionou de pé, com visão lateral do membro testado (HISLOP & MONTGOMERY, 1996). A graduação da força seguiu os seguintes critérios: grau 5 ou normal (o paciente completa com sucesso um mínimo de 20 elevações do calcanhar através da amplitude plena de movimento sem qualquer repouso entre as elevações e sem qualquer fadiga), grau 4 ou bom (o paciente completa qualquer número de elevações corretas do calcanhar entre 19 e 10 sem qualquer repouso entre as repetições e sem fadiga), grau 3 ou regular (o paciente completa entre 1 e 9 elevações do calcanhar corretamente sem qualquer repouso ou fadiga e grau 2 + ou precário + (o paciente consegue apenas afastar o calcanhar do assoalho e não consegue ficar apoiado nos artelhos para a posição terminal do teste). Não existe grau 2 para a posição ereta. O grau 2 também pode ser observado em decúbito dorsal com resistência manual e o grau 1 corresponde ao esboço de contração visto no flexores plantares (HISLOP & MONTGOMERY, 1996). 12 A velocidade da marcha foi avaliada por meio de um teste, no qual o paciente foi instruído a andar 14 metros no plano em uma velocidade habitual. Com o objetivo de minimizar os efeitos da aceleração e desaceleração, foi considerada apenas a medida de 10 metros centrais, desprezando os dois primeiros e os dois últimos metros. O tempo gasto para percorrer a distância de 10 metros foi mensurado por um cronômetro da marca Kenko. Foram realizadas três medidas e o valor considerado foi a média entre elas (DEAN, 2001). O comprimento do passo e da passada foram avaliados pelo teste de Boenig. Para a realização deste teste foram colocadas espumas auto-colantes em formato de triângulo na linha média de cada um dos pés dos indivíduos, sendo fixados no calcanhar. As espumas foram embebidas em tinta guache de cores diferentes sendo a do pé direito na cor vermelha e a do pé esquerdo na cor azul, enquanto o participante estava assentado em uma cadeira. Feito isso, os sujeitos foram orientados a caminhar na velocidade habitual por uma distância de 7,5 metros sobre um papel craft colocado sobre o chão. Após essa etapa foram feitas as medidas do comprimento do passo e passada das pernas direita e esquerda. Foram considerados apenas o passo direito e esquerdo, e a passada direita e esquerda localizados centralmente (FIGURA 2) (BOENIG, 1977). Todas as etapas da pesquisa foram realizadas na Clínica Escola de Fisioterapia do Centro Universitário Newton Paiva e cada medida foi realizada por um mesmo examinador previamente treinado, sempre no mesmo horário do dia. ANÁLISE ESTATÍSTICA Foi feita análise descritiva e exploratória dos dados e os mesmos foram expressos como média ± desvio padrão, valores mínimos e máximos e porcentagem. O 13 programa estatístico utilizado foi o Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) for Windows® versão 16.0. RESULTADOS Foram avaliadas 10 mulheres com diagnóstico de IVC, sendo que oito apresentavam classificação CEAP 5 em uma das pernas e as outras duas CEAP 3 bilateralmente. Quanto à localização das úlceras, já cicatrizadas, os locais relatados pelas participantes foram a região perimaleolar, dorso do pé e região anterior e distal da perna. A maioria das participantes (60%) tinha no máximo sete anos de escolaridade e uma renda mensal entre um e três salários mínimos. A doença associada mais prevalente foi a hipertensão arterial sistêmica (80%). Com relação à história familiar, 80% das participantes relataram casos de IVC na família e 40% relataram cirurgias venosas prévias. Com relação à profissão/ocupação 30% eram do lar, 30% domésticas, 20% vendedoras ambulantes, 10% auxiliar educacional e 10% comerciante. As características clínicas e sócio-demográficas das participantes do estudo estão listadas na TABELA 1. Os principais sintomas relatados pelas voluntárias foram dor, dormência, câimbras, coceira, sensação de peso, aumento da temperatura, queimação e inchaço nas pernas. A classificação CEAP, a força muscular dos flexores plantares, o comprimento do passo e passada e velocidade da marcha das participantes estão representados na TABELA 2. 14 DISCUSSÃO Algumas das características clínicas e sócio-demográficas apresentadas pelas participantes deste estudo são semelhantes à população descrita em outros artigos (DANIELSSON et al, 2002; SCUDERI et al, 2002; MAFFEI et al, 1986). O sexo feminino tem sido citado por diversos autores como sendo um fator de risco para desenvolvimento da IVC. A maioria dos estudos epidemiológicos realizados com esta população evidencia uma maior prevalência da IVC nos indivíduos do sexo feminino em relação aos do sexo masculino (SCUDERI et al, 2002; MAFFEI et al, 1986). Neste estudo as variáveis avaliadas, força muscular e marcha, também sofrem influência do sexo. Portanto, optou-se por avaliar apenas indivíduos do sexo feminino, não só porque constituem a maior parte da população acometida pela IVC, mas também na tentativa de controlar tal influência nas variáveis avaliadas. No presente estudo, 80% das participantes eram obesas. Tal característica é considerada por diversos autores mais um fator de risco para o desenvolvimento ou agravamento da doença venosa (BERGAN et al, 2006; DANIELSSON et al, 2002; SCOTT et al, 1995). Danielsson et al consideram a obesidade como um importante fator de risco para IVC, pela tendência desses indivíduos ao sedentarismo, o que pode desencadear estase venosa e maior dificuldade de retorno venoso. Além disso, os autores acreditam que o retorno venoso nos obesos também é comprometido devido ao aumento da pressão intra-abdominal (DANIELSSON et al, 2002). Além da obesidade, o relato da ocorrência de história familiar em 80% da amostra e a faixa etária entre 41 e 59 anos, também se assemelhou aos dados encontrados na literatura (SCUDERI et al, 2002; SCOOT et al, 1995; MAFFEI et al, 1986). Maffei et al e Scuderi et al em estudos de base populacional realizados no Brasil, observaram que a prevalência da IVC aumenta proporcionalmente com o avançar da 15 idade, sendo mais freqüente entre mulheres, na faixa etária acima de 30 anos. Estes autores também evidenciaram uma maior prevalência das formas mais graves da doença em idades mais avançadas (SCUDERI et al, 2002; MAFFEI et al, 1986). A literatura evidencia redução da força dos flexores plantares de indivíduos com IVC o que implica na maioria das vezes em prejuízo da função da bomba muscular da panturrilha (QIAO, LIU & RAN, 2005; LIMA et al, 2002; ORSTED, RADKE & GORST, 2001; YANG, VANDONGEN & STACEY, 1999). Existem várias formas de se avaliar a força muscular sendo o teste padrão ouro o dinamômetro isocinético. Tendo em vista que este equipamento é pouco utilizado na prática clínica devido ao seu alto custo e por requerer investimentos em treinamento específico do examinador, o teste realizado neste estudo foi o teste de força muscular em ortostatismo. Trata-se de um teste simples, que pode ser realizado em qualquer recinto e que fornece informações úteis e confiáveis para direcionamento da abordagem terapêutica. No presente estudo seis participantes apresentaram grau de força muscular 2+ (precário) e cinco participantes apresentaram grau 3 (regular) em pelo menos uma das pernas, evidenciando uma fraqueza dos flexores plantares, o que vai de encontro aos achados de outros autores (QIAO, LIU & RAN, 2005; VAN UDEN et al, 2005; LIMA et al, 2002; YANG, VANDONGEN & STACEY, 1999). Existem algumas possíveis explicações para a ocorrência da fraqueza muscular em indivíduos com IVC, porém os mecanismos causais relacionados a esta perda ainda não são bem conhecidos. Taheri et al observaram por meio de biópsias dos flexores plantares de portadores de IVC, três tipos de lesões morfológicas que acometem o tecido muscular: atrofia das fibras tipo II, desnervação e anormalidades miopáticas (notadas pela desnervação das fibras, inflamação e necrose com acúmulo perivascular de linfócitos). A causa precisa da atrofia de fibras tipo II em indivíduos 16 com IVC ainda não está bem determinada, porém pode-se dizer, em parte, que está relacionada ao desuso dos flexores plantares devido à dor e ao edema, que acabam por restringir o movimento (TAHERI et al, 1984). Em um outro estudo conduzido por Qiao, Liu & Ran foram observadas alterações em cortes histológicos dos flexores plantares de pacientes com IVC. Foram evidenciadas atrofia das fibras musculares (tipo I e tipo II), necrose celular e infiltração de células inflamatórias no tecido muscular (QIAO, LIU & RAN, 2005). Yang, Vandongen & Stacey, em um estudo transversal, investigaram as alterações que ocorrem na força e na resistência dos flexores plantares em 49 indivíduos, média de idade de 68,5 anos, com úlcera venosa recentemente cicatrizadas (até 3 meses antes do estudo), comparado com 20 indivíduos do grupo controle sem IVC. Ambos os grupos foram submetidos à avaliação do sistema venoso pelo Duplex Scan e da força e resistência dos flexores plantares pelo dinamômetro isocinético. O grupo de indivíduos com IVC apresentou diminuição estatisticamente significativa da força e da resistência dos flexores plantares quando comparado com o grupo controle. Os autores sugerem a necessidade de avaliar se um programa de reabilitação que vise a melhora da força muscular de flexores plantares pode ser benéfico para cicatrização de úlceras venosas e prevenção da recorrência das mesmas e por acreditarem que os flexores plantares são essenciais para uma adequada função da bomba muscular da panturrilha (YANG, VANDONGEN & STACEY, 1999). Uma adequada função da bomba muscular da panturrilha depende não só de força muscular dos flexores plantares preservada, mas também da integridade da ADM da articulação talocrural (ORSTED, RADKE, & GORST, 2001). Belczak et al (2007) enfatizaram que a partir de CEAP 3 existe edema e que seguramente este fato também contribui para a diminuição da mobilidade da articulação do tornozelo, instalando-se 17 assim um ciclo vicioso. A redução da ADM aumenta conforme o grau de severidade clínica da IVC sugerindo que a hipertensão venosa seja uma das causas desta limitação. (BELCZAK et al, 2007). Back et al (1995) verificaram que a ADM da articulação talocrural foi reduzida significativamente no grupo de IVC comparado com os indivíduos do grupo controle e que o edema no tornozelo, em conseqüência da incompetência valvular pode causar movimentos reduzidos nesta articulação e conseqüentemente, redução da função da bomba muscular da panturrilha. Dix, Brooke & McColium (2003) realizaram um estudo transversal e investigaram a relação entre a severidade clínica da IVC, a disfunção da bomba muscular da panturrilha e ADM de tornozelo em 47 membros inferiores de 38 indivíduos adultos, com média de idade de 60,7 anos. O grupo controle foi composto de 11 membros inferiores sem IVC e o grupo com IVC foi composto de 36 membros inferiores CEAP 2, 4, 5 e 6. A mensuração da ADM foi realizada pela goniometria e a função da bomba muscular da panturrilha foi avaliada pela Pressão Venosa Ambulatorial (PVA). Os pacientes apresentaram aumento da PVA de acordo com o avançar da doença, ou seja, pacientes CEAP 2 apresentaram menores valores de PVA do que os pacientes CEAP 6. Os membros inferiores com hipertensão venosa apresentaram redução da ADM da articulação talocrural e prejuízo da função da bomba muscular da panturrilha e estas alterações foram mais freqüentes nos indivíduos com classificação CEAP mais avançada (DIX, BROOKE & MCCOLIUM, 2003). Outros autores observaram também que a eficiência da bomba muscular da panturrilha depende do funcionamento adequado das válvulas venosas, da contração dos flexores plantares, da ADM livre da articulação talocrural e da fáscia muscular íntegra. Qualquer variação neste sistema pode contribuir para a disfunção desta bomba. Concluíram, então, que 18 pacientes com IVC apresentam refluxo venoso, fraqueza dos flexores plantares e disfunção da bomba muscular da panturrilha (QIAO, LIU & RAN, 2005). Acredita-se que a falha da função da bomba muscular da panturrilha apresentada por pacientes com IVC pode influenciar negativamente o desempenho da marcha (VAN UDEN et al 2005). A velocidade da marcha é considerada como parâmetro isolado, que melhor representa o desempenho da marcha. O teste de velocidade da marcha é um dos indicadores da melhora na capacidade funcional, pois com uma marcha mais veloz, o paciente se torna menos dependente e mais apto a realizar as tarefas do dia-a-dia (CASTRO et al, 2000). Oberg & Karsznia (1993) realizaram um estudo com o objetivo de apresentar dados de referência para os parâmetros normais da marcha. A amostra foi composta por 223 indivíduos saudáveis, 116 homens e 117 mulheres de 10 a 79 anos de idade, que foram divididos em oito grupos de acordo com a faixa etária que variou de 10 a 79 anos). Foi realizada análise da marcha em um laboratório de marcha em um corredor com 10 m de comprimento, através de um método de análise desenvolvido no Laboratório de Biomecânica, na Universidade da Califórnia. Foram coletados parâmetros básicos da marcha, como, velocidade e comprimento do passo. A média dos valores da velocidade da marcha e do comprimento do passo para a população feminina de 40 a 49 e 50 a 59 anos foram de 1,24m/s, 57,1cm e 1,10m/s, 53,cm, respectivamente As médias dos valores da velocidade da marcha e do comprimento do passos encontrados na amostra do presente estudo foram 0,91m/s e 50,9cm, respectivamente É importante ressaltar que este estudo foi realizado com população sueca e a população brasileira tem menor estatura e consequentemente menor comprimento de passo e passada e menor velocidade da marcha (OBERG & KARSZNIA, 1993). 19 Analisando os valores encontrados neste estudo, observou-se que as participantes apresentaram menores valores de velocidade de marcha (0,91m/s) se comparado com a população feminina idosa com idade entre de 60 e 79 anos (1,07m/s) avaliada no estudo de Castro et al (2000). Com isso vemos que os indivíduos com IVC, provavelmente têm prejuízo no desempenho funcional para marcha, equivalente a idosos acima de 80 anos. Muitos estudos enfatizam as conseqüências da marcha patológica, porém as pesquisas sobre os parâmetros de referências da velocidade, comprimento do passo e da passada para a população com IVC ainda são escassos. Van Uden et al (2005) realizaram um estudo de corte transversal onde analisaram e compararam a marcha e a força dos flexores plantares de 15 indivíduos com IVC classificação clínica CEAP 5 e 6 e de 19 indivíduos saudáveis (grupo controle), com média de idade de 59,9 e 51,4 anos respectivamente. Os pesquisadores utilizaram o sistema de análise de marcha GAITRite. Este sistema, considerado padrão ouro, consiste de um tapete de seis metros de comprimento com presença de sensores de pressão que avalia os parâmetros espaciais e temporais da marcha. Realizaram também o hell-rise test para avaliar a força e resistência dos flexores plantares que consiste registrar o número total de flexões plantares realizadas pelo indivíduo em apoio unipodal. Os indivíduos com IVC tiveram valores de velocidade de marcha significativamente menores (1,25m/s ± 0,31) se comparado com o grupo controle (1,44m/s ± 0,15) (p=0,039). Não foi observado diferença estatisticamente significativa dos valores do comprimento do passo (69,13cm) (p=0,213) e comprimento da passada (138,56cm) (p=0,220) dos indivíduos com IVC comparado com o grupo controle (74,24cm e 148,59cm respectivamente). O número médio de flexões plantares no grupo de pacientes com IVC (14.6 ± 7,34) foi significativamente mais baixo do que no grupo controle (23,5 ± 6,54) (p=0,003). 20 Concluíram, portanto, que os indivíduos com IVC apresentam alterações na marcha e diminuição da força e resistência dos flexores plantares, o que vai de encontro aos achados do nosso estudo (VAN UDEN et al, 2005). Pelo fato dos valores de referência para os parâmetros da marcha na população brasileira ainda serem escassos, as comparações dos resultados encontrados no presente estudo com os resultados encontrados por Oberg & Karsznia (1993) em sujeitos saudáveis e Van Uden et al (2005) em sujeitos com IVC, devem ser feitas com cautela sempre considerando as características que influenciam os parâmetros avaliados. Acreditamos que com a melhora da força dos flexores plantares e da mobilidade da articulação talocrural, a função da bomba muscular da panturrilha será favorecida e, consequentemente, as repercussões da IVC poderão ser minimizadas, evitando a incapacidade funcional para marcha, proporcionando impacto positivo na qualidade de vida relacionada à saúde do indivíduo. CONCLUSÃO O presente estudo analisou as alterações da força muscular de flexores plantares e as limitações no desempenho funcional da marcha em mulheres acometidas por IVC. Apontou possíveis justificativas para tal achado e diante da importância do tema sugerimos novos estudos com maior casuística para melhor compreensão do quadro clínico, físico e funcional apresentado por tais indivíduos, seguindo o modelo vigente de reabilitação como norteador para direcionar a prática clínica. 21 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BACK, T. L.; PADBERG, F. T.; ARAKI, C. T.; THOMPSON, P. N.; HOBSON, R. W. Limited range of motion is a significant factor in venous ulceration. Journal Vascular Surgery, v. 22, n. 5, p. 19-23, 1995. BELCZAK, C. E. Q.; JR, G. C.; GODOY, J. M. P.; CAFFARO, R. A.; BELCZAK, S. Q. Relação entre a mobilidade da articulação talocrural e a úlcera venosa. Jornal Vascular Brasileiro, v. 6, n. 2, p. 149-155, 2007. BERGAN, J. J.; SCHMID-SCHONBEIN, G .W.; SMITH, P. D. C.; et al. Mechanisms of Disease: Chronic Venous Disease. The New England Journal of Medicine, v. 355, n. 5, p. 488-498, 2006. BOENIG, D. D. Evaluation of a Clinical Method of Gait Analysis. 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Cardiovascular Surgery, v. 7, n. 4, p. 451-456, 1999. 24 TABELA 1: Características clínicas e sócio-demográficas da população estudada Variáveis Idade (anos) Média ± DP (mínimo-máximo) IMC (Kg/m2) Média ± DP (mínimo-máximo) < 29,9 30 - 34,9 35 – 39,9 >40 Escolaridade (anos) Sem escolaridade 1–7 8 ou + N % 53,3 ± 5,0 (41 - 59) 36,1 ± 8,6 (26,00 - 50,93) 2 20,0 4 40,0 1 10,0 3 30,0 0 6 4 0 60 40 Doenças associadas HAS HAS + Diabetes Nenhuma Outras 8 1 1 0 80,0 10,0 10,0 0 História familiar de IVC Sim Não 8 2 80,0 20,0 Número de gestações ≤3 ≥4 4 6 50,0 50,0 Cirurgia venosas prévias Sim Não 4 6 40,0 60,0 n: Número de pacientes; DP: Desvio Padrão; IMC: Índice de Massa Corporal TABELA 2: Classificação CEAP, força muscular e parâmetros temporais e espaciais da marcha das participantes do estudo Participantes Classificação CEAP FM Parâmetros avaliados no Teste de Boenig Velocidade da marcha habitual Perna D Perna E Perna D Perna E Passo D (cm) Passo E (cm) Passada D (cm) Passada E (cm) 1 5 3 +2 +2 56,90 55,70 112,50 112,50 (m/s) 1,15 2 3 5 3 3 49,50 50,20 99,70 103,80 0,94 3 5 3 +2 +2 47,70 44,30 89,70 91,70 0,71 4 3 5 +2 +2 42,50 44,70 89,30 87,70 0,66 5 5 4 +2 +2 35,60 50,20 87,00 86,30 0,66 6 3 5 4 +2 52,20 56,20 108,30 108,60 1,07 7 3 5 4 3 50,00 51,10 101,00 102,80 0,88 8 3 3 4 3 56,70 55,40 113,60 112,20 1,03 9 4 5 4 3 62,00 68,40 89,30 90,80 0,85 10 3 3 3 +2 43,70 44,80 131,50 132,00 1,17 FM: Força Muscular/ D: Direita/ E:Esquerda/ cm: centímetros/m/s: metros por segundo