Saber Viver P R O F I SS I O N A L D E SA Ú D E nº 8 • Janeiro 2007 A depressão em pessoas vivendo com HIV/aids O diagnóstico e o tratamento dos transtornos depressivos são fundamentais para a melhoria da qualidade de vida desse grupo A importância de identificar e tratar a depressão Saber Viver Profissional de Saúde 8ª Edição – Janeiro 2007 Correspondências à redação: C. Postal 15.088 – Rio de Janeiro (RJ) Cep 20.031-971 Coordenação, edição e reportagem: Adriana Gomez e Silvia Chalub Secretária de redação: Ana Lúcia da Silva Consultora lingüística: Leonor Werneck Foto: Alex Ferro, agência Pedra Viva Colaborou nesta edição: Gabriela Waghabi, infectologista do Centro de Referência e Treinamento em DST/Aids do Estado de São Paulo; Gisela Cardoso, psicóloga do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho/UFRJ; Ivana Drummond Cordeiro, consultora do Programa Nacional de DST/Aids do Ministério da Saúde; Lahire Dutra de Carvalho Neto, psicólogo clínico; Lizete Pontes Macário Costa, médica psiquiatra do Hospital Universitário Pedro Ernesto/UERJ; Maurício Tostes, médico psiquiatra do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho/UFRJ; Soraia Teijeiro Fraga, médica psiquiátrica do Centro de Referência e Treinamento em DST/Aids do Estado de São Paulo. Projeto Gráfico e Arte Final: A 4Mãos Com. e Design Impressão: Gráfica MCE Apoio: risteza, medo da morte e raiva são alguns dos sentimentos mais comuns que assolam as pessoas que se descobrem infectadas pelo HIV. Muitas vezes, esses sentimentos podem estar associados a transtornos psiquiátricos. Identificá-los e tratá-los talvez seja um dos grandes desafios da equipe de saúde que atende pessoas vivendo com HIV/aids. Trabalhar pela saúde mental do paciente, em alguns casos, é tão ou mais importante do que oferecer a melhor opção de terapia anti-retroviral. Para uma boa adesão ao tratamento, o indivíduo deve estar, sobretudo, consciente da importância de sua adesão à vida. Algumas pesquisas dão conta de que a depressão é o transtorno psiquiátrico mais comum entre esse grupo. O diagnóstico e o tratamento adequados de depressão podem transformar (para melhor) a vida de uma pessoa. Esta edição da Saber Viver Profissional de Saúde aborda alguns aspectos da depressão em pessoas com HIV/aids, como a importância da identificação de um quadro depressivo e o tratamento adequado em associação com os anti-retrovirais. Como em todas as publicações, a Saber Viver Profissional de Saúde não tem a pretensão de esgotar o assunto. Pelo contrário, faz um alerta para a importância do tratamento de transtornos psiquiátricos em pessoas que vivem com HIV/aids e espera contribuir para que a equipe de saúde, em conjunto, possa desenvolver estratégias que minimizem os efeitos da depressão na vida de seus pacientes. T Boa leitura Tá na Hora! Uma cartilha gratuita que ajuda a preparar o paciente para iniciar o tratamento com os anti-retrovirais A edição é gratuita e limitada. Garanta os seus exemplares: escreva para [email protected], informando os dados do serviço de saúde e o número de cartilhas que gostaria de receber. 3 Depressão e HIV: identificação de sintomas e diagnóstico identificação de sintomas e o diagnóstio da depressão são uma importante etapa do tratamento de uma pessoa vivendo com HIV/aids. Devido à multiplicidade dos sintomas, esse diagnóstico exige muita precisão. Os portadores de HIV, além do transtorno emocional que qualquer doença grave provoca, em muitos casos, têm que conviver com preconceitos, estigma e se adaptar a uma nova realidade de vida. Para o psicólogo clínico Lahire Dutra de Carvalho Neto, que trabalhou durante 10 anos com pacientes soropositivos no Hospital Universitário Gaffrée & Guinle, no Rio de Janeiro, os sintomas que identificam uma depressão são • falta ou pouco interesse em atividades cotidianas; • cansaço, perda de apetite ou total ausência deste, descartada qualquer doença clínica; • falta de concentração em geral; • pensamentos mórbidos freqüentes e pensamentos suicidas com ou sem tentativas; A • • sensação de falta de esperança; dificuldades de dormir, perda total do sono ou aumento deste; • culpa excessiva; • julgamentos rígidos e depreciativos sobre si mesmo. Segundo Lahire, que tem formação em psicoterapia breve e focal de base analítica, sexologia e terapia cognitiva comportamental, os sintomas da depressão são difíceis de serem avaliados e muitas vezes a queda imunológica decorrente do HIV traz sintomas parecidos com os da doença. Para a médica psiquiatra Lizete Pontes Macário Costa, do Hospital Universitário Pedro Ernesto, no Rio de Janeiro, e pesquisadora LEPPA - DST/AIDS – do Hospital Escola da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), os soropositivos devem reconstituir a sua identidade a partir da nova condição de serem portadores de uma patologia definitiva. Para isso, a médica afirma que é fundamental uma série de fatores: estrutura de personalidade prévia, grau de suporte familiar, o significado que a doença tem para o meio do indivíduo, as suas formas de manifestação e a resposta ao tratamento. Segundo ela, “alguns quadros mentais são comuns e esperados, como as reações de ajustamento e de adaptação ao diagnóstico”. TIPOS E DIAGNÓSTICO Existem dois tipos de depressão: a endógena - de formação interna, genética e transmitida entre familiares - e a exógena - causada por fatos externos com situações que independem da vontade do indivíduo, como doenças, perda de um familiar, de emprego e/ou prejuízos financeiros. Por essas razões, os especialistas atuam com extrema atenção ao lidar com os pacientes, especialmente os portadores de HIV. Para Lizete Macário, fazer um diagnóstico de depressão para esses pacientes deve considerar os seguintes aspectos: • a realização prévia de uma anamnese extensa buscando ouvir as • • • • • • queixas, entender os sintomas e confirmar o quadro clínico; a presença de profissional médico psiquiatra com experiência clínica assistencial; o diagnóstico de depressão do paciente HIV/aids considera os mesmos critérios para o diagnóstico de depressão do paciente em outra situação clínica; a necessidade de realizar diagnóstico diferencial entre depressão e as diversas manifestações reativas referentes à clínica da aids; o diagnóstico de doenças como anemia, desnutrição, distúrbio metabólico ou endócrino e efeitos colaterais dos medicamentos; o maior risco aponta para indivíduos com transtornos de personalidade, história de depressão, perdas recentes, baixo apoio familiar, passividade frente à doença e ao tratamento; a avaliação de risco de suicídio. SENTIMENTO DE CULPA O psicólogo clínico Lahire acredita que alguns pacientes soropositivos podem sofrer de depressão motivada pela sensação de limite da vida, da real possibilidade de morte até então distante de si mesmo e das perdas sofridas durante toda a sua vida. A aceitação do diagnóstico positivo para o HIV pode ser dificultada pela experiência pessoal: vergonha e sensação de culpa por ter se arriscado e se contaminado quando já sabia como se prevenir. Então, o paciente sente medo de sofrer com um julgamento rígido de seus familiares, grupo de amigos, no relacionamento afetivo e na vida profissional. Por isso, o psicólogo afirma que a depressão precisa ser diagnosticada e tratada para que não se agrave o quadro clínico do paciente com HIV: “a "A depressão traz um efeito negativo na qualidade de vida do paciente e acaba prejudicando todo o tratamento clínico. Sabe-se também que a depressão crônica não tratada aumenta a mortalidade do paciente soropositivo" Lahire Dutra, psicólogo clínico depressão traz um efeito negativo na qualidade de vida do paciente e, quando não diagnosticada e não tratada adequadamente, acaba prejudicando todo o tratamento clínico. Sabe-se também que a depressão crônica não tratada aumenta a mortalidade do paciente soropositivo e, em alguns casos, a presença do vírus no organismo pode acarretar a depressão”. A combinação de psicoterapia de apoio, focal e cognitiva combinada com medicação antidepressiva é aconselhável para um tratamento eficaz no combate à doença. “A psicoterapia é fundamental para ajudar a resgatar sua identidade, auto-estima, independência e ajuda na superação da discriminação, além de oferecer suporte à família para enfrentar esse momento tão delicado”, diz o psicólogo. RELAÇÃO PACIENTE - MÉDICO É FUNDAMENTAL PARA TRATAMENTO O suporte da família e amigos é fundamental para que o portador de HIV em estado depressivo apresente melhoras. Para Lizete Macário, “o tratamento integra a participação familiar, a relação paciente/médico/equipe de saúde, psicoterapia adequada ao paciente, suporte de grupo de apoio, uso criterioso de medicação antidepressiva. É recomendável cautela e monitoramento devido à interação medicamentosa. O uso de medicação ansiolítica é indicado em situações específicas, nos quadros de ansiedade, por exemplo, buscando a retomada de funções orgânicas”. Ela esclarece também que, no caso de pacientes com histórico de depressão, é indicada a retomada do tratamento psiquiátrico com o objetivo inclusive de favorecer a adesão ao tratamento da aids. Em se tratando de diagnóstico de depressão reativa ao quadro clínico, o tratamento da causa clínica subjacente (doença infecciosa) tende a gerar mudanças no quadro de depressão diagnosticado. A médica destaca a importância da relação médico-paciente: “o paciente com HIV/aids, como qualquer outro paciente, busca ajuda do médico porque se sente ameaçado por algo desconhecido em seu corpo que mobiliza seus temores ligados às possibilidades de adoecer e de morrer. As questões da vida do paciente passam a dizer respeito também ao médico e à relação que se estabelecerá entre ambos. A expectativa em relação à cura está contida no tratamento, na possibilidade de aderir ao uso da medicação. Então, é da maior importância que o médico incentive uma boa relação com o seu paciente para sua estabilidade física e psicológica”. n 5 O tratamento da depressão em pessoas vivendo com HIV/aids egundo especialistas, os transtornos depressivos são a maioria dos distúrbios psíquicos entre pessoas com HIV/aids. Embora seja difícil precisar a proporção exata, estudos indicam que a porcentagem de depressão em soropositivos pode variar de 4% a 40%. Sintomas de depressão assim como de ansiedade podem ser reações comuns em pessoas que sofrem de alguma doença, inclusive a aids. Fatores como o sentimento de discriminação, a perda da auto-estima, a falta de apoio familiar e social, o medo da morte e mesmo os efeitos colaterais dos medicamentos podem desencadear um processo depressivo muito intenso em alguns pacientes. O diagnóstico precoce da depressão é de extrema importância para manter a adesão ao tratamento ARV e, conseqüentemente, para um prognóstico melhor da infecção pelo HIV e para a melhora da qualidade de vida do soropositivo. S 6 “A depressão é uma manifestação psíquica que requer muita atenção do profissional porque, de alguma maneira, o sintoma depressivo vai aparecer. O que varia é o grau de intensidade, a forma e a continuidade da manifestação em cada pessoa", diz Gisela Cardoso, psicóloga do Programa de Aids do Serviço de Doenças Infecciosas do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF/UFRJ), no Rio de Janeiro. Segundo ela, é necessário que os profissionais de saúde tenham mais sensibilidade para diagnosticar a depressão: “o atendimento, muitas vezes, fica focado no tratamento com os ARV. Saber se tomou o remédio, como tomou e o que sentiu é absolutamente fundamental. Entretanto, a depressão pode ser um fator que dificulta a adesão do paciente ao tratamento. Logo, ela precisa ser identificada o quanto antes", diz a psicóloga. Para isso, o HUCFF – que possui um Programa de Aids há 20 anos – conta com uma equipe de saúde mental integrada à rotina clínica e assistencial. Ao longo desses anos, a atuação em saúde mental foi se adaptando às diferentes fases da epidemia. “Antes do surgimento dos anti-retrovirais (ARV), não tínhamos opção de tratamento. Era muito angustiante”, conta a psicóloga. Com o descobrimento dos ARV, a aids passou a ser considerada uma doença crônica, com o aumento da sobrevida das pessoas. Porém, para se beneficiar desse tratamento, os soropositivos precisam aceitar a doença e o tratamento. “Este é o grande desafio. Muitos pacientes não conseguem aceitar que estão infectados e que precisam de tratamento porque possuem questões de ordem psicológica e social”, explica a psicóloga do HUCFF. “Não adianta você ter o melhor tratamento, o melhor serviço de saúde, assistência psicológica, se você mesmo não se vê como sujeito que quer ou que pode se beneficiar daquilo", completa Gisela. Geralmente, segundo a psicóloga, as pessoas que têm mais dificuldade de aceitar a doença reagem ao tratamento com sentimento de tristeza, desânimo, desinteresse, culpa e desvalorização: “Uma postura negativa diante da vida pode sinalizar que este paciente precisa de um acompanhamento psicológico”. CASOS DE DEPRESSÃO EM PESSOAS VIVENDO COM HIV/AIDS "A descoberta do HIV implica uma reavaliação de vida. O tratamento é rigoroso. A adesão e a disciplina para tomar a medicação têm a ver com o desejo de viver”, diz a médica infectologista Gabriela Waghabi, do Centro de Referência e Treinamento em DST/Aids (CRT) da Secretária Estadual de Saúde de São Paulo. A infectologista afirma que a incidência de depressão é muito grande entre os pacientes soropositivos. Durante a consulta clínica, a médica faz questão de avaliar a existência de distúrbios de humor prévios e aspectos psicossociais na história dos pacientes. A infectologista lembra ainda que, uma vez iniciado o tratamento ARV, é preciso também estar atento ao efeito de alguns medicamentos na saúde mental do paciente. O efavirenz (Stocrin), por exemplo, traz “A depressão é uma manifestação psíquica que requer muita atenção do profissional porque, de alguma maneira, o sintoma depressivo vai aparecer. O que varia é o grau de intensidade, a forma e a continuidade da manifestação em cada pessoa" Gisela Cardoso, psicóloga do HUCFF/UFRJ 7 Os benzodiazepínicos, por exemplo, têm aumentada sua meia-vida no organismo quando tomados com inibidores de protease, podendo trazer sedação excessiva de pacientes. Alguns inibidores de protease podem também potencializar o efeito dos antidepressivos tricíclicos e da fluoxetina" Soraia Teijeiro Fraga, psiquiatra do CRT/SP efeitos colaterais no Sistema Nervoso Central, "um gatilho que desencadeia insônia, sonolência, tontura, sonhos, pesadelos vívidos e alucinações. São reações que se assemelham aos sintomas depressivos, mas podem ser evitadas. Nestes casos, a troca de medicamento não está no Consenso do Ministério da Saúde, mas é uma questão que deve ser avaliada com bom senso", opina a médica. CRITÉRIO PARA A PSIQUIATRIA DO CRT Casos de depressão no CRT são encaminhados para consulta psiquiátrica. Geralmente, são pacientes que apresentam, por pelo menos duas semanas seguidas, um quadro de transtornos mentais, como anedonia (falta de prazer), abulia (falta de vontade), angústia, tristeza, acompanhados ou não de alterações de sono e fome, podendo haver ideação de morte e tendências suicidas. A psiquiatra do Serviço Ambulatorial do CRT, Soraia Teijeiro Fraga, diz que, de um modo geral, "acredita-se haver uma predisposição genética na população em geral para transtornos depressivos. Contudo, nos pacientes soropositivos somam-se fatores psicossociais como o medo da morte, de doenças oportunistas e de efeitos colaterais das medicações, o preconceito, a rejeição e problemas relacionados à sexualidade". OS BENEFÍCIOS DO TRATAMENTO COM ANTIDEPRESSIVOS E A PSICOTERAPIA Quando a psicoterapia não é suficiente para melhorar o estado depressivo, soma-se ao tratamento a farmacoterapia, com medicação psicotrópica. “Os antidepressivos agem regulando a função de neurotransmissores na fenda sináptica. Ou seja, os medicamentos atuam na regulação da função no cérebro de substâncias como a serotonina (relacionada a prazer e interesse), a noradrenalina (concentração e "A descoberta do HIV implica uma reavaliação de vida. O tratamento é rigoroso. A adesão e a disciplina para tomar a medicação têm a ver com o desejo de viver” Gabriela Waghabi, infectologista do CRT/SP motivação) e a dopamina (motivação e prazer)”, explica a psiquiatra do CRT. Também são usados por alguns terapeutas medicamentos como os estabilizadores de humor e benzodiazepínicos. Entretanto, deve-se ter muito cuidado com a prescrição desses medicamentos por causa da interação medicamentosa com os ARV. “Os benzodiazepínicos devem ser usados por um período curto, para sintomas ansiosos ou insônia, como coadjuvante do antidepressivo. Esses medicamentos, por exemplo, têm aumentada sua meia-vida no organismo quando tomados com inibidores de protease, podendo trazer sedação excessiva de pacientes. Alguns inibidores de protease podem também potencializar o efeito dos antidepressivos tricíclicos e da fluoxetina”, alerta Soraia Teijeiro Fraga. Segundo a médica, “deve-se buscar o medicamento que atue diretamente nos sintomas do paciente, com bom efeito terapêutico e menos efeitos colaterais”. Segundo a médica psiquiatra, iniciada a farmacoterapia, espera-se uma melhora, ora discreta, em duas ou três semanas. O acompanhamento será imprescindível para avaliar o quadro do paciente. “A própria pessoa descreve que se sente mais disposta, acorda com menos dificuldade, já tem vontade de fazer as coisas e de se alimentar melhor”, descreve a médica. Segundo ela, há casos em que a dosagem pode ser diminuída aos poucos, até a suspensão do medicamento. Porém, dependendo do histórico e da resposta do paciente, em alguns casos, os antidepressivos precisam ser tomados pelo resto da vida. A psiquiatra explica que, para evitar um risco de recaída com a retirada do medicamento, é necessário estabelecer um período de manutenção, no qual o paciente permanece com a medicação e com o apoio de uma equipe multidisciplinar por um período que pode variar dependendo do caso. A IMPORTÂNCIA DO ATENDIMENTO MULTIDISCIPLINAR No caso da depressão e de outras alterações de ordem psíquica em pacientes com HIV/aids, fica claro que a atuação de uma equipe multidisciplinar, formada por várias especialidades, pode beneficiar sobremaneira o tratamento. O perfil diferenciado do profissional de saúde também é um fator importante. Ter "certa sensibilidade para perceber outras questões na vida do paciente", como definiu a psicóloga do Programa de Aids do HUCFF, Gisela Cardoso, valorizando aspectos subjetivos e sociais, pode trazer ganhos importantes para o tratamento. "Fazer um gancho da pessoa com a vida, estimulando-a a continuar com a sua rotina e mostrando os vários caminhos que ela tem pela frente, é o grande desafio de todos os profissionais de saúde que trabalham com pessoas vivendo com HIV/aids”, conclui Gisela. n 10 "Fazer um gancho da pessoa com a vida, estimulando-a a continuar com a sua rotina e mostrando os vários caminhos que ela tem pela frente, é o grande desafio de todos os profissionais de saúde que trabalham com pessoas vivendo com HIV/aids”, Gisela Cardoso, psicóloga do HUCFF/UFRJ Recomendações do Programa Nacional de DST/Aids para o tratamento da depressão* guia de recomendações do Programa Nacional de DST/ Aids (PNDST/Aids) para Terapia Anti-Retroviral (TARV) em Adultos e Adolescentes Infectados pelo HIV estabelece recomendações técnicas consensuais para utilização de medicamentos anti-retrovirais (ARV), mas não faz indicações terapêuticas para transtornos psíquicos. Entretanto, o documento alerta para o uso racional de ARV que possam ocasionar efeitos adversos neuropsiquiátricos, como o efavirenz, por exemplo, além de indicar quais antidepressivos devem ser evitados em uso concomitante com ARV, uma vez que podem causar interações prejudiciais, levando a oscilação dos níveis séricos dos fármacos. O PNDST/Aids tem atenção especial com a saúde mental das pessoas que vivem com HIV/aids e considera o diagnóstico e o tratamento dos transtornos depressivos fundamentais para melhorar a qualidade de vida desses pacientes. No entanto, a maioria dos casos de depressão não é diagnosticada e muitas vezes os sintomas são pouco valorizados. Para o órgão do Ministério da Saúde, a depressão deve ser tratada por uma equipe multidisci- O plinar e as equipes dos Serviços de Assistência Especializada (SAE) em HIV/aids podem tratar os distúrbios psíquicos leves ou moderados, já que contam com enfermeiros, médicos, assistentes sociais e psicólogos. O atendimento psicoterapêutico e o manejo farmacológico da depressão podem, em alguns casos, ser realizados no próprio SAE. No caso de transtornos mais graves, é recomendado o encaminhamento para uma equipe de saúde mental, principalmente dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). O PNDST/Aids tem investido no treinamento das equipes dos CAPS para a construção de uma rede de referência e contra-referência com os serviços de HIV/aids dos estados e municípios. Além disso, investe também na realização de ações de prevenção e assistência às DST/aids, tais como o oferecimento do teste antiHIV, aconselhamento específico para essa população, monitoramento da adesão ao tratamento anti-retroviral, acompanhamento às consultas nos SAE ou serviços de referência, tratamento psiquiátrico para pacientes com HIV/aids que desenvolvem transtornos mentais. O PNDST/Aids tem priorizado também a atenção às pessoas que vivem com HIV/aids que usam álcool e outras drogas, incorporando a estratégia de Redução de Danos pelos SAE e buscando a formação de redes com os 138 Centros de Atendimento Psicossocial aos Dependentes de Álcool e Drogas (CAPS/AD) existentes atualmente no Brasil. O programa entende que promover a integração entre os diferentes serviços de atendimento nas áreas de clínica médica, infectologia, neurologia e de atenção à saúde mental facilita os encaminhamentos e, conseqüentemente, a qualidade e a agilidade do atendimento oferecido às pessoas que vivem com HIV e aids. As recomendações do PNDST/Aids para a terapia anti-retroviral em adultos e adolescentes estão disponíveis no site www.aids.gov.br (*) Informações fornecidas pela psicóloga Ivana Drummond Cordeiro, consultora técnica da Unidade de Assistência e Tratamento do Programa Nacional de DST/Aids do Ministério da Saúde. 11 Saúde mental no Programa do HUCFF Um serviço de referência em saúde mental e HIV/aids O Programa de DST/Aids do Serviço de Doenças Infecciosas do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho/UFRJ, no Rio de Janeiro, existe há 20 anos. Atualmente, cerca de 1.500 pacientes são atendidos em ambulatórios, enfermaria e hospital-dia. O programa conta ainda com o importante Laboratório de Pesquisas que tem à frente o infectologista Mauro Schechter. O atendimento, sob a chefia da médica Cláudia Espanha, é realizado por uma equipe composta por dezenas de profissionais, entre os quais médicos, residentes, enfermeiros, nutricionistas, assistentes sociais, além do apoio das equipes de outros serviços do HUCFF. Uma das características do atendimento multiprofissional que faz do Programa de Aids do HUCFF uma referência é a atenção em saúde mental. Neste depoimento, o psiquiatra Maurício Tostes (foto) descreve e reflete sobre alguns aspectos do trabalho que faz com as psicólogas Gisela Cardoso e Marlene Zornitta. o final da década de 80, a aids era uma doença nova, que atingia particularmente jovens na fase produtiva e provocava um enorme estigma devido à sua associação com a sexualidade, com a morte, e a transmissibilidade por via sexual e sangüínea, além de gerar muitas dúvidas e um grande impacto psicossocial. Os aspectos psiquiátricos e psicológicos da epidemia receberam uma particular atenção, desde o início (há 20 anos), no Programa de Aids do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF/UFRJ). Psicólogos, psiquiatras e psicanalistas sempre fizeram parte da equipe e participavam da rotina dos atendimentos a pacientes internados ou ambulatoriais. Durante o primeiro ano do serviço, realizamos reuniões semanais com os profissionais de saúde, coordenadas por psicanalistas, para discutir a relação com os pacientes. Esse recurso se revelou um suporte muito importante para a equipe, “N que era muito jovem e tinha pouca experiência. O trabalho multidiscilplinar com uma ativa participação de profissionais da área de saúde mental é uma marca do nosso serviço até hoje. CRITÉRIOS NO ATENDIMENTO Quando o paciente é encaminhado ao nosso serviço, fazemos uma avaliação ampla buscando levantar as necessidades daquela pessoa seja em relação à psicoterapia, a intervenções junto à família ou à abordagem de algum transtorno mental com psicofármacos. Raramente atendemos casos de alterações graves de comportamento que podem ser encaminhados à internação em serviços psiquiátricos. Um paciente pode chegar a receber vários atendimentos em uma semana o que é de grande valia na abordagem de casos mais graves. Os soropositivos podem apresentar, como qualquer pessoa, todos os tipos de quadros psicológicos e psiquiátricos – quadros depressivos, síndrome de pânico, esquizofrenia, transtorno bipolar, fobias. Mais comumente tratam-se de quadros depressivos de variável intensidade e muitas das vezes reativos a algum evento em suas vidas. Por outro lado, como são relativamente freqüentes nas fases mais avançadas da doença, as manifestações do HIV no Sistema “A aids continua tendo muito impacto emocional e psicológico: temos um novo contexto, com novos problemas, como o desafio de manter a adesão do paciente ao tratamento.” Nervoso Central dos pacientes podem apresentar alterações do comportamento secundárias a esses quadros. Muitas vezes esses quadros são observados em pessoas com má adesão ao tratamento ou que não respondem adequadamente aos anti-retrovirais. No passado, eram mais observados quadros de demência associados ao HIV, o que hoje, graças aos avanços na terapêutica, muito raramente ocorre. A DEPRESSÃO E A REALIDADE DA INFECÇÃO PELO HIV Estar infectado pelo HIV hoje é uma realidade muito diferente do que há 20 ou 10 anos: há mais informação e recursos e o tratamento avançou. A partir de 1996/97, com as novas rotinas para o tratamento anti-retroviral, houve uma diminuição da morbidade e mortalidade, ampliaram-se as possibilidades de se conviver com a doença e o estigma diminuiu. Porém, ainda existem problemas, como os vários efeitos colaterais causados pelo tratamento. Além disso, a aids continua tendo muito impacto emocional e psicológico: temos um novo contexto, com novos problemas, como o desafio de manter a adesão do paciente ao tratamento. Nesse sentido a participação da equipe multidisciplinar mostra-se novamente um recurso indispensável, na medida em que o médico, isoladamente, tem menos eficácia em obter uma melhor adesão dos pacientes. A depressão continua sendo um dos principais motivos de encaminhamento de pacientes para atendimento por psicólogos ou psiquiatras e tem repercussões importantes na adesão aos ARV se não for adequadamente abordada. Para mim, atualmente, um de nossos grandes desafios é tratar os indivíduos mais vulneráveis, que têm pouco apoio social, poucos vínculos familiares e uma estrutura emocional mais comprometida. Essas pessoas requerem cuidados adicionais. Este é um dos subgrupos em que costuma falhar o tratamento, porque não há estrutura interna e/ou externa para enfrentar um tratamento tão Equipe do HUCFF/UFRJ trabalhoso, difícil e prolongado. Seriam necessários cuidados especiais os quais nem sempre estão disponíveis: visitas domiciliares, postos de saúde perto da residência que pudessem monitorar o tratamento, eventualmente um cuidador que pudesse supervisionar diariamente a medicação, uma cesta básica e até incentivos adicionais para fazer o tratamento, além de cuidados na área de saúde mental. Nesses pacientes, o abuso de álcool e drogas costuma ser um problema freqüente e requer atenção especial. SOBRE O TRATAMENTO DA DEPRESSÃO A depressão, como já destaquei, é um dos problemas mais encontrados entre os pacientes com a infecção pelo HIV e deve ser alvo da atenção de todos os membros da equipe. Ela pode variar desde quadros mais brandos (reações normais a alguma perda ou situação estressante) até quadros mais graves, com risco de suicídio. Em se tratando de indivíduos com uma doença como a aids, por vezes sintomas depressivos podem estar associados a alguma intercorrência clínica. Ou seja, é sempre importante fazer um cuidadoso diagnóstico diferencial dos quadros depressivos em nossos pacientes. Os 14 casos mais brandos podem responder a intervenções psicoterápicas ou ao aconselhamento. Quadros moderados e graves requerem uso combinado de psicoterapia e antidepressivos apresentando uma boa resposta muito freqüentemente. Atenção particular deve ser dispensada às interações dos psicofármacos com os anti-retrovirais, o que pode ser pesquisado nas recomendações para o tratamento da infecção pelo HIV/Aids do Ministério da Saúde (www.aids.gov.br). A EQUIPE MULTIDISCIPLINAR E A SAÚDE MENTAL A equipe do HUCFF que atende no ambulatório ou enfermaria sempre está atenta aos aspectos emocionais, procurando saber como a pessoa está reagindo ao tratamento, como está enfrentando a infecção pelo HIV, como se relacionam no ambiente familiar e no trabalho. Ou seja, além dos aspectos clínicos e exames laboratoriais, o Programa de Aids do hospital busca observar o paciente de modo integral. Estamos cotidianamente disponíveis para esse atendimento, mas nem todas as demandas na área psicológica e psiquiátrica têm que ser atendidas por profissionais de saúde mental. O clínico, o infectologista, o enfermeiro e o assistente social têm que abordar essas questões e, entre elas, a depressão deve receber um destaque especial pela sua freqüência e implicações para o tratamento. Claro que em casos mais difíceis, como depressões mais graves, indivíduos com história de muitas internações psiquiátricas ou que estejam enfrentando graves crises deverão ser imediatamente encaminhados para psiquiatras e psicólogos do serviço. Estamos tentando implantar uma triagem entre os pacientes com infecção pelo HIV no início de seu tratamento no nosso hospital, incluindo psicólogos e assistentes sociais na consulta inicial. Na enfermaria, a agilidade do atendimento é muito maior, mas sem dúvida o principal braço assistencial é no ambulatório, por isso estamos buscando uma reorientação de nossa atuação. É importante que o psicólogo e o psiquiatra trabalhem em conjunto com infectologistas, clínicos, neurologistas e demais membros da equipe de saúde, trocando informações e se atualizando, porque freqüentemente surgem novos medicamentos e não se pode deixar de acompanhar esse processo. Em nosso serviço, temos um programa de treinamento para psicólogos e psiquiatras de todo o Brasil em parceria com Ministério da Saúde e as Secretarias Estadual e Municipal de Saúde. O trabalho em equipe é um recurso indispensável para a nossa equipe e uma marca do nosso serviço. Os pacientes são os nossos principais parceiros no enfrentamento da aids. Com eles, aprendemos como abordar essa doença de forma eficaz. O profissional de saúde é um parceiro do indivíduo no combate ao HIV ou a qualquer outro problema de saúde”. n Anuncio_Roche SVP 8 e 9l.pdf C M Y CM MY CY CMY K 3/19/07 5:01:37 PM Área útil EVENTOS: IV Fórum Latino Americano e do Caribe em HIV/Aids 2007 Buenos Aires – Argentina De 17 a 20 de abril Tema: Latino América e Caribe: Unidos na Diversidade para o acesso universal Mais detalhes: www.forovihsida2007.gov.ar 7º Simpósio Internacional de Aids Pediátrico Data: 17, 18 e 19 de outubro de 2007 Local: Centro de Convenções Rebouças São Paulo (SP) Promoção: Associação de Auxílio à Criança Portadora de HIV Informações: www.aacphiv.org.br Inscrições abertas para II Mostra Nacional de Saúde e Prevenção nas Escolas Escolas com experiências bem-sucedidas em educação preventiva e em integração com os serviços de saúde poderão se inscrever na II Mostra Nacional Saúde e Prevenção nas Escolas. A Mostra será realizada em Brasília, na Universidade de Brasília, de 1º a 3 de junho. As inscrições são gratuitas, limitadas a 400 vagas, e podem ser feitas no site www.aids.gov.br/mostraspe2007 até dia 9 de abril. Os trabalhos selecionados serão divulgados no dia 4 de maio neste mesmo site. ORGANIZAÇÕES NÃO-GOVERNAMENTAIS: ABIA de novo endereço Avenida Presidente Vargas, 446/13º andar - Centro - Rio de Janeiro (RJ) Tel.: (21) 2223-1040 e Fax: 21 22538495 SITES: Programa Nacional de DST/Aids do Ministério da Saúde Disponibiliza os consensos para tratamento de adulto, criança e gestante vivendo com HIV/Aids e outros documentos. www.aids.gov.br 16 Fórum Científico m HIV/Aids Este site, vinculado à Sociedade Viva Cazuza, oferece diversos textos científicos e promove um intercâmbio entre profissionais de saúde que trabalham na área. www.hiv.org.br Programa das Nações Unidas para o Combate à Aids/ Unaids (inglês) Oferece dados da epidemia no mundo e outras informações importantes. www.unaids.org Fundação Kaiser (em inglês) Um portal que divulga diversas pesquisas na área de HIV/aids. www.kaisernetwork.org Medscape (em inglês) Site de atualização científica para profissionais de saúde. www.medscape.com SERVIÇOS DE APOIO PSICOLÓGICO RIO DE JANEIRO Banco de Horas www.bancodehoras.com.br O Banco de Horas, dedicado à relação entre saúde mental e aids, oferece PSICOTERAPIA GRATUITA, de tempo indeterminado, para pessoas vivendo com HIV/aids, familiares e companheiros, através de um voluntariado de profissionais de saúde mental que faz o atendimento nos seus consultórios privados. PARANÁ CRAVI - Casa de recuperação Água da Vida Curso de Especialização em DST R Jose Serrado, 55 – Santa Candida Curitiba (PR) Tel.: (41) 3356-6100 / 3026-6110 www.cravi.com.br Instituição filantrópica que oferece tratamento psicológico. Não é uma casa de apoio. O tratamento oferecido pode durar seis meses: um mês de reclusão e cinco de socialização; programa terapêutico de conscientização. Centro de triagem, seleção por uma psicóloga, que avalia a gravidade do paciente (se vai precisar de remédio ou não). Uma taxa de contribuição em torno de um salário é estipulada de acordo com o nível sócio-econômico da pessoa. Também há vagas sociais para população de rua e pessoas indicadas por assistentes sociais. SANTA CATARINA Serviço de Atendimento às Necessidades Psicossociais (SANPS) Univ. Federal de Santa Catarina (UFSC) Tel.: (48) 3378-3000 TELEFONES ÚTEIS: Viva Voz Orientação e informações sobre a prevenção ao uso indevido de drogas 0800 5100015 - De segunda à sexta, das 8 às 20 horas. Ligação gratuita. TeleAids Centro Corsisni - 0800-11213 Ligação gratuita NOVIDADES: Plano de Enfrentamento da Feminização da Aids Na semana do Dia Internacional da Mulher, o Governo Federal lançou o Plano de Enfrentamento da Feminização da Aids. Além disso, foi criada a Campanha de Prevenção das DST/Aids nos Jogos Pan-americanos Rio 2007. No início dos jogos, os atletas vão receber um kit com preservativos, camisetas e informações sobre prevenção. A Campanha terá o slogan "Vista-se nos jogos". Mais informações no site do Programa Nacional de DST/Aids www.aids.gov.br