INICIAÇÃO CIENTÍFICA ESTUDO RETROSPECTIVO: ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL COMO COMPLICAÇÃO NO PÓS-OPERATÓRIO DE CIRURGIA CARDÍACA COM CIRCULAÇÃO EXTRACORPÓREA RETROSPECTIVE STUDY: CEREBROVASCULAR ACCIDENT AS A COMPLICATION IN THE POSTOPERATIVE PERIOD FOLLOWING CARDIAC SURGERY WITH CARDIOPULMONARY BYPASS Marcos Leandro Silva1 Cynthia Kallás Bachur2 Graduando do curso de Fisioterapia pela Universidade de Franca-SP; 2 Docente da Disciplina de Fisioterapia Cardiológica, Supervisora de estágio na disciplina de Fisioterapia Cardiovascular Ambulatorial e Preceptora de Residência em Fisioterapia Cardiovascular da Universidade de Franca – SP; Mestre na Área de Promoção de Saúde pela Universidade de Franca. 1 RESUMO: este trabalho teve por objetivo identificar o número de pacientes que evoluíram com Acidente Vascular Cerebral (AVC) no pós-operatório de cirurgia de Revascularização do miocárdio (RM) com Circulação Extracorpórea (CEC), e destes, quais os fatores de risco mais predisponentes. Neste estudo foram incluídos pacientes submetidos à cirurgia cardíaca de RM com CEC no Hospital do Coração de Franca, no período de setembro de 1995 a março de 2004. Foram analisados prontuários médicos e fisioterapêuticos de 493 pacientes, sendo 351 do sexo masculino e 142 do sexo feminino, com idade média de 59,9 anos, e média de tempo de CEC de 117,4 minutos. Os fatores de risco observados foram hipertensão arterial sistêmica (HAS), diabetes mellitus (DM) e tabagismo. Dos 493 pacientes, apenas 11 (2,2%) evoluíram com AVC, sendo 9 pacientes do sexo masculino e 2 do sexo feminino, com idade média de 58,36 anos e tempo médio de CEC de 123,63 minutos. Entre os pacientes que evoluíram com AVC, 3 apresentavam DM, 3 eram tabagistas, 2 apresentavam DM associado a HAS e 1 era tabagista e hipertenso. Dos pacientes com AVC, 7 foram a óbito. O índice de AVC observado no pós-cirúrgico de RM com CEC é de porcentagem baixa. Dos 493 pacientes submetidos à RM com CEC apenas 11 (2,2%) evoluíram com AVC, destes 9 apresentaram fatores de risco predisponentes à alteração neurológica. Isto nos leva a concluir que pacientes que apresentam fatores de risco pré-operatório são mais susceptíveis a desenvolverem AVC pós-cirurgia cardíaca com CEC. Palavras-chave: cirurgia cardíaca; complicações neurológicas; circulação extracorpórea. ABSTRACT: this study aimed at identifying the number of patients submitted to surgical myocardium revascularization with cardiopulmonary bypass who developed to postoperative cerebrovascular accident (CVA). It also aimed at identifying which the most predisponent risk factors are. Patients submitted to cardiac MR surgery with CPB at Hospital do Coração de Franca (Franca Heart Hospital) from September 1995 to March 2004 were included in the study. Medical and physiotherapeutic charts of 493 patients were analyzed (351 males and 142 females). The patients’ mean age was 59.9 years and CPB average time was 117.4 minutes. The risk factors observed were systemic hypertension, diabetes mellitus (DM) and tabagism. Of the 493 patients, 11 (2.2) developed to CVA, of whom 9 were males and 2 females with a mean age of 58.36 years and CPB average time of 123.63 minutes. Among the patients who developed to CVA, 3 presented DM, 3 were smokers, 2 presented DM associated with systemic hypertension and 1 was a smoker and hypertensive. Of these patients with CVA, 7 died. The CVA index observed after MR surgery exhibited a low percentage. Of the 493 patients submitted to MR with CPB, only 11 (2.2%) developed to CVA; of these, 9 presented risk factors predisposing to neurological complication. These results lead to the conclusion that patients presenting pre-operative risk factors are more susceptible to developing to CVA following surgery with CPB. Key words: Cardiac surgery; neurological complications; cardiopulmonary bypass. Investigação - Revista Científica da Universidade de Franca Franca (SP) v. 5 n. 1/6 p. 145-153 jan. 2003 / dez. 2005 145 INTRODUÇÃO O extraordinário progresso alcançado, nos dias atuais, pela cirurgia cardiovascular foi resultado de inúmeras pesquisas experimentais e clínicas em muitas especialidades correlatas. A conseqüência final desta evolução foi a introdução da circulação extracorpórea (CEC) para uso clínico cirúrgico. A circulação extracorpórea, que de uma forma geral substitui as funções do coração e do pulmão na cirurgia cardíaca, é descrita como um conjunto de elementos, aparelhos e técnicas. Cabe ao perfusionista moderno não apenas acionar os controles do sistema de CEC, mas também uma visão completa daquilo que está sendo utilizado como substituto temporário das funções cardíacas e pulmonares (ALVES; FIORELLI, 2001). É evidente que o contato do sangue com estas superfícies totalmente estranhas (sistema CEC) e diferentes do endotélio vascular e do parênquima pulmonar pode provocar uma síndrome de resposta inflamatória sistêmica (KIRKLIN et al., 1983). Isto é devido a uma série de alterações sangüíneas que provocam uma resposta humoral e celular com liberação de mediadores responsáveis pelo aparecimento de febre não infecciosa, leucocitose, aumento da permeabilidade capilar, acúmulo de líquido intersticial, alterações da coagulação e disfunção de órgãos, principalmente em território cardíaco e pulmonar (BUTLER; ROCHER; WESTABY, 1993; BRASIL et al., 2000). Neste período de tempo já decorrido desde a introdução na prática médica dos princípios da circulação extracorpórea, os conceitos de suporte intraoperatório com a máquina coração-pulmão artificial foram extraordinariamente simplificados. Além disso, ocorreram avanços fundamentais na monitorização intra-operatória de vários parâmetros, tornando a perfusão mais segura e sob controle. Isto fez com que as cirurgias cardíacas a céu aberto trouxessem menos complicações aos pacientes submetidos a procedimentos cárdio-cirúrgicos (ALVES; FIORELLI, 2001). As complicações neurológicas da cirurgia cardíaca e da CEC, na maioria das vezes, têm a característica da imprevisibilidade. Os acidentes vasculares cerebrais (AVC) podem surgir após a Investigação - Revista Científica da Universidade de Franca 146 realização de um procedimento cirúrgico absolutamente sem anormalidades e suas conseqüências podem ser trágicas para os pacientes. Os AVC’s complicam a evolução pós-operatória em uma porcentagem significativa dos pacientes submetidos à revascularização coronária. Embora a incidência global de complicações após a cirurgia de revascularização tenha reduzido, a incidência de AVC pós-operatório permanece inalterada e oscila entre 0,8% e 6% do total de pacientes operados (JOHN et al., 2000). As complicações neurológicas perioperatórias na cirurgia cardíaca estão associadas a um aumento de cinco a dez vezes na mortalidade, de duas a quatro vezes na permanência em UTI e intra-hospitalar e de três a seis vezes na necessidade de observação prolongada (ROACH et al., 1996; LOBO FILHO et al., 2002). Os fatores de risco pré-operatório que podem estar relacionados ao aparecimento de AVC são: idade superior a 70 anos, história prévia de AVC, doença vascular periférica, insuficiência renal crônica, fumo, diabetes mellitus (JOHN et al., 2000), aterosclerose aórtica proximal, hipertensão e sexo feminino (NANCY; NUSSMEIER, 2002). Já os fatores perioperatórios que são significativamente relacionados ao desenvolvimento de AVC, são: ausência de uso de heparina 48 horas antes da cirurgia, presença de aorta calcificada, presença de doença de múltiplos vasos, duração da CEC (JOHN et al., 2000) normotermia, perfusão não pulsátil (NANCY; NUSSMEIER, 2002), além de hipotensão durante ou após a cirurgia (LOBO FILHO et al., 2002; SINGH; BERT; FENGE, 1994; DIETL et al., 1995). A CEC está associada a alta incidência de AVC no pós operatório de cirurgia de revascularização do miocárdio em pacientes idosos (LOBO FILHO et al., 2002; TREHAN et al., 2000; BARBUT et al., 1994). Já os AVC’s em adultos jovens incluem uma grande variedade de distúrbios que são observados com freqüência menor que em adultos mais idosos. A abordagem diagnóstica pode ser dividida em: doenças vasculares, especialmente aquelas não relacionadas à aterosclerose, causas cardioembólicas, e ainda anormalidades dos elementos sangüíneos que podem ser divididas naFranca (SP) v. 5 n. 1/6 p. 145-153 jan. 2003 / dez. 2005 quelas afetando eritrócitos, proteínas ou plaquetas (ROWLAND, 1997, p. 203). De acordo com estudos prospectivos recentes, os AVC’s ocorrem em aproximadamente 1-4% dos pacientes que são submetidos a cirurgia cardíaca com CEC (ROACH et al., 1996; MCKHANN et al., 1997), sendo que o risco está claramente aumentado em pacientes que vão a procedimentos complicados associados, tal como doença aorto coronariana (DAC) mais revascularização do miocárdio e substituição valvar (SLOGOFF; GIRGIS; KEATS, 1982; NUSSMEIER; COOPER; VAUGHN, 1999; WOLMAN et al., 1999), ou paciente aorto coronariano mais endarterectomia carotídea (RICOTTA et al., 1996; SAKASIDIS et al., 1995; GOTT et al., 1999). OBJETIVO O objetivo deste trabalho é identificar o número de pacientes que evoluíram com AVC no pós-operatório de cirurgia de Revascularização do Miocárdio (RM), e dentro deste, quais os fatores de risco mais predisponentes. MATERIAL E MÉTODOS Este é um estudo retrospectivo de análise de prontuários médicos e fisioterapêuticos dos pacientes submetidos à cirurgia cardíaca de RM com utilização de CEC, que apresentaram evento de AVC após o procedimento cirúrgico, no Hospital do Coração de Franca, situado no interior de São Paulo. Foram coletados dados do tempo de CEC e os fatores que podem estar associados ao desenvolvimento de AVC pós-cirúrgico. O estudo foi realizado no período de setembro de 1995 a março de 2004, onde foram inclusos 493 pacientes com idade média de 59,9 anos; destes 351 eram do sexo masculino e 142 do sexo feminino. A via de acesso utilizada para as cirurgias foi a esternotomia mediana convencional. Os enxertos vasculares foram obtidos através da dissecção de Veia Safena Magna (VSM), os quais mediam de três a oito centímetros, escolhidos sem deformidades. Após abertura do saco pericárdico, realizouInvestigação - Revista Científica da Universidade de Franca se a anticoagulação, com administração de heparina sódica (Liquemine R) na dose de 3 mg/kg, mantendo o Tempo de Coagulação Ativado (TCA) maior que 400 segundos. Para a introdução da CEC, foi realizado o clampeamento e incisão na aorta e veias cavas superior e inferior, para que haja o isolamento do coração, durante o procedimento cárdio-cirúrgico. O circuito extracorpóreo constitui-se de um oxigenador de membrana de fibras ocas (Braile Biomédica, S. José do Rio Preto, Brasil), uma bomba de roletes (Braile Ecobec) e uma bomba de roletes para administração de cardioplegia (Braile Biomédica). A reversão da heparinização foi conseguida através da infusão de cloridrato de protamina na proporção de 1:1 da concentração de heparina sódica. Os resultados deste trabalho serão expressos e descritos em porcentagens e valores absolutos para podermos discutir se a incidência do AVC e dos fatores de risco condizem com os dados encontrados na literatura. Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade de Franca, sob o nº. 015/04 RESULTADOS De um total de 493 casos analisados, apenas 11 (2,2%) pacientes apresentaram AVC. Dentre estes 7 (63,63) foram a óbito dentro de 10 dias após a cirurgia. A idade média entre os pacientes que evoluíram com AVC foi de 58,36 anos e o tempo médio de CEC foi de 123,63 minutos. De todos os pacientes, 351 eram do sexo masculino onde destes 9 (2,56%) evoluíram com AVC. A quantidade de pacientes do sexo feminino em nossa pesquisa foi inferior, com 142 mulheres, dentre as quais 2 (1,4%) apresentaram AVC pós-cirúrgico. A Figura 1 nos mostra que dos 11 pacientes com quadro de AVC pós-cirúrgico, 3 pacientes apresentavam diabetes mellitus (DM), 3 eram tabagistas, 2 tinham a associação entre DM e hipertensão arterial sistêmica (HAS) e apenas 1 apresentava tabagismo e hipertensão. Franca (SP) v. 5 n. 1/6 p. 145-153 jan. 2003 / dez. 2005 147 Dos 482 pacientes que não evoluíram com AVC 109 (22,61%) apresentavam DM como fator de risco pré-operatório, 137 (28,42%) eram tabagistas, e 166 (34,43%) apresentavam HAS. Se considerarmos separadamente cada fator de risco que antecedeu a cirurgia nos pacientes com AVC pós-cirúrgico, podemos observar que 5 (45,45%) apresentavam DM, 4 (36,36%) eram tabagistas e 2 (18,18%) tinham como fator de risco pré-operatório a HAS. As Figuras 2, 3 e 4, nos mostram uma relação entre os fatores de risco predisponentes ao AVC, apresentados no pré-operatório, entre os pacientes que evoluíram ou não com AVC póscirúrgico. Dos três fatores de risco observados podemos estabelecer que apenas a HAS apresentava-se com menor porcentagem entre os pacientes que evoluíram com AVC (18,18%), em relação aos que não apresentaram AVC pós-cirúrgico (43,43%). Dois pacientes não apresentavam qualquer um dos fatores de risco predisponentes. Como a média de idade entre os pacientes que apresentaram AVC, foi de 58,36 anos, o risco para uma evolução a AVC em conseqüência da idade se configura como sendo de pouca significância na amostra estudada. Devemos ressaltar que mesmo pacientes com idade inferior a 45 anos apresentam risco de desenvolverem AVC, e este risco se eleva à medida que a idade dos pacientes aumenta. DISCUSSÃO As alterações neurológicas encontradas no pósoperatório de cirurgia cardíaca permanecem como uma importante causa de morbidade para os pacientes, variando de 3% a 8% nas estatísticas (ARROWSMITH et al., 2000; LLINAS; BARBUT; CAPLAN, 2000; ATRA; D’ ALESSANDRO, 2001). Hoje, novas técnicas para os procedimentos cirúrgicos, além de melhor acompanhamento clínico pré e pós-operatório, contribuíram para o melhor controle das complicações. Por outro lado, a média de idade dos pacientes submetidos à cirurgia cardíaca aumentou, proporcionando maior chance para complicações neurológicas, pois há a associação com outras doenças num mesmo paciente (MILLS, 1995; CAPLAN, 2001; ATRA; D’ Investigação - Revista Científica da Universidade de Franca 148 Figura 1 - Fatores de risco observados no grupo de pacientes que evoluíram para AVC Figura 2 - DM como fator de risco pré-operatório Figura 3 -Tabagismo como fator de risco pré-operatório Figura 4 - HAS como fator de risco pré-operatório ALESSANDRO, 2001). Em nosso estudo a idade média não estava aumentada (idade média 58,36), apesar disto quase a totalidade dos pacientes com evolução a AVC apresentavam fatores de risco préoperatórios. O grupo da Universidade de Duke, nos EstaFranca (SP) v. 5 n. 1/6 p. 145-153 jan. 2003 / dez. 2005 dos Unidos, desenvolveu uma avaliação prévia dos pacientes que foram submetidos à cirurgia para RM, e o risco de desenvolverem AVC (NEWMAN et al., 1996; ATRA; D’ ALESSANDRO, 2001) do tipo isquêmico, de acordo com a incidência era de 3% a 6%. Sendo ainda maior o risco para pacientes que se submetessem a cirurgias com manipulação de cavidade intracardíaca em comparação com a RM (LIBMAN et al., 1997; ALMASSI et al., 1999; ATRA; D’ ALESSANDRO, 2001). Em outro estudo realizado no departamento de Anestesiologia Cardiovascular, Texas Heart Institute, Houston, Texas, foi demonstrado que a incidência de AVC nos procedimentos intracardíacos se aproxima daqueles pacientes que se submetem ‘à cirurgia de RM, onde 1% a 4% evoluem para a patologia em questão (NANCY; NUSSMEIER, 2002), sendo que o índice ainda é maior em pacientes octogenários (0 a 7,1%) (RICCI et al., 2000; YOKOYAMA et al., 2000; PINHEIRO et al., 2002). Apesar do índice apresentado neste trabalho ser aproximado com os nossos resultados, o que difere é a idade média entre os pacientes. Em um estudo realizado por John et al. (2000) com 19.224 pacientes que se submeteram à cirurgia de revascularização do miocárdio com CEC, houve 270 casos de AVC pós-operatório (incidência de 1,4%). A hospitalização entre os pacientes com AVC foi de 24,8%, nos pacientes que não apresentaram AVC a mortalidade foi de 2%. Do total de pacientes que faleceram no hospital 14,8% apresentaram AVC. Os fatores de risco relacionados ao pré-operatório que influenciam o aparecimento de AVC foram: idade superior a 70 anos, história prévia de AVC, doença vascular periférica, insuficiência renal crônica, tabagismo e diabetes mellitus. Em nosso estudo, dos 11 paciente com AVC pósoperatório, 7 (63,63%), foram a óbito, dentre eles 3 eram tabagistas, 3 apresentavam diabetes mellitus e 1 apresentava diabetes mellitus associado à hipertensão arterial sistêmica. Gardner et al. (1986) relatou o risco de AVC em pacientes coronariopatas que se submeteram à cirurgia de revascularização do miocárdio com CEC. Identificou-se que pacientes com menos de 45 anos de idade apresentam um risco de AVC perioperatório de 0,2%, aumentando para 3,0% em Investigação - Revista Científica da Universidade de Franca pacientes que apresentam 60 anos e 8% para idades que excedem 75 anos. Neste estudo os fatores de risco associados ao AVC eram idade superior a 75 anos, AVC prévio, aterosclerose da aorta ascendente, tempo prolongado de CEC e hipotensão perioperatória severa. Este estudo é compatível com os nossos resultados no que diz respeito à média de idade dos pacientes que apresentaram uma evolução a AVC. Similarmente, Tuman et al., em 1992, investigaram os efeitos da idade na incidência de ferimentos neurológicos em pacientes submetidos à revascularização do miocárdio com circulação extracorpórea, verificando que a incidência de AVC pós-operatório elevou-se significativamente após os 65 anos de idade. A taxa de pacientes que evoluíram para AVC após os 65 anos aumentou em 0,9% e elevou-se para 8,9% em pacientes com mais de 75 anos. Iglezias et al. (2003) realizaram um estudo prospectivo de 100 pacientes consecutivos com idade maior que 70 anos, submetidos à revascularização primária e isolada do miocárdio entre janeiro e dezembro de 2000. Os pacientes foram divididos em dois grupos, onde 50% dos pacientes foram operados com CEC, os demais foram ao procedimento cirúrgico sem CEC. Os resultados apresentaram 2 (4%) casos de AVC em pacientes do primeiro grupo, ocorrência não registrada no segundo grupo. Este estudo apresentou índices maiores do que o índice (2,2%) apresentado em nossa pesquisa, o que indica que a incidência de complicações pós-cirurgia cardíaca com CEC no Hospital do Coração da cidade de Franca se apresenta baixa. Em uma pesquisa realizada de janeiro de 2000 a abril de 2002, por Lobo Filho et al. (2002), 40 pacientes acima de 75 anos (média de 79,1 anos) foram submetidos à cirurgia de RM sem CEC. Foram realizados 89 enxertos (média 2,22 pontes por paciente), sendo 40 (44,94%), de artéria torácica interna esquerda (ATIE) e 49 (55,06%) de veia safena. A hipótese de AVC no grupo em questão foi descartada, através de exames clínicos e neurológicos. Com estes dados pode-se concluir que a cirurgia de RM em pacientes acima de 75 anos sem CEC pode ser realizada sistematicamente de modo a evitar a ocorrência de AVC, com baixa mortalidade. Franca (SP) v. 5 n. 1/6 p. 145-153 jan. 2003 / dez. 2005 149 Brasil et al (2000) avaliaram 23 pacientes submetidos à RM sem CEC. Foram selecionados para este estudo pacientes que apresentavam lesões nas artérias coronárias da região antero- diafragmática do coração. A idade entre os pacientes variou de 44 a 80 anos (média: 59,6 anos). O tempo médio de operação foi de 3 horas e 15 minutos. O número de enxertos por paciente variou de 1 a 3, num total de 36 enxertos realizados, com média de 1,56 enxertos/paciente. Não ocorreram AVC pós-operatório e a incidência de mortalidade hospitalar foi de 4,3%. Pinheiro et al. (2002), no período de agosto de 1997 a maio de 2001, estudaram 250 pacientes multiarteriais, consecutivos, submetidos à cirurgia de RM sem CEC. A faixa etária dos pacientes variou de 38 a 83 anos (média de 59,9 anos). Três (1,2%) pacientes necessitaram de instalação de CEC. Nos demais 247 pacientes, realizou-se 592 anastomoses, com uma média de 2,4 pontes/paciente. A mortalidade pós-operatória global foi constatada em 4% (10 pacientes), tendo como uma das causas o AVC, presenciado em 0,8% dos pacientes. Em um estudo produzido por Malheros et al. (2001), vinte pacientes selecionados para RM eletiva sem CEC foram randomizados para cirurgia com e sem CEC. Realizou-se monitorização contínua com Doppler transcraniano durante todo o procedimento nos dois grupos. Além disso, os pacientes foram submetidos à examinação antes e após a cirurgia. Os grupos não apresentaram diferenças significativas em relação aos aspectos demográficos, fatores de risco (grau de ateromatose de aorta e número de pontes realizadas). A freqüência de micro embolos no grupo operado sem CEC foi significativamente menor do que no grupo operado com CEC, entretanto nenhum paciente apresentou AVC pós-operatório inicial. Pode-se concluir que as complicações neurológicas possam estar mais relacionadas com o tamanho e a composição, do que com o número de micro êmbolos. A monitorização com Doppler transcraniano pode ser uma estratégia a ser adotada nas cirurgias cardíacas, para que haja a verificação da presença ou não de êmbolos. Assim os profissionais podem tomar medidas preventivas para evitar a ocorrência de AVC perioperatório. Lobo Filho et al. (2002) em um estudo Investigação - Revista Científica da Universidade de Franca 150 prospectivo envolvendo 2.108 pacientes em 24 instituições nos EUA, evidenciou a ocorrência de 6,1% de AVC (ROACH et al., 1996) após RM. Os principais fatores de risco para AVC durante a cirurgia cardíaca observados foram: idade acima de 70 anos, doença cerebrovascular preexistente, doença aterosclerótica severa da aorta, tempo prolongado de CEC e a ocorrência de hipotensão durante ou imediatamente após a cirurgia. Em nosso estudo o tempo médio de CEC para aqueles pacientes que evoluíram com AVC foi de 123,63 minutos, tempo considerado alto para cirurgia com CEC. O que faz com que este seja um predisponente ao aparecimento de AVC. Mills e Everson (1991) descreveram uma nova técnica para tentar contornar o alto risco de se manusear a aorta ascendente severamente aterosclerótica durante a cirurgia de RM, que consiste em fazer a anastomose proximal do enxerto de veia safena de forma término-lateral na artéria torácica interna esquerda (ATIE) previamente implantada na artéria descendente anterior (DA) com uso de CEC. Não houve mortalidade ou angina recorrente relacionada ao procedimento. O fluxo medido na ATIE variou de 130 a 420 ml/ min. Demonstraram também a viabilidade técnica deste procedimento e concluíram que a ausência de manuseio da aorta e o uso de ATIE como único suprimento sanguíneo preveniram a ocorrência de AVC neste grupo. CONCLUSÃO Sendo este um estudo retrospectivo, nossos dados sugerem que o índice de complicações neurológicas tipo Acidente Vascular Cerebral (AVC) é baixo nos pacientes submetidos à Revascularização do Miocárdio (RM) no Hospital do Coração de Franca. Nossos dados são compatíveis com as referências descritas na literatura. Através de dados relevantes e da nossa causuística, evidenciamos que dos 493 pacientes submetidos a RM com Circulação Extracorpórea (CEC), apenas 11 (2,2%) evoluíram com AVC. Destes, 9 apresentaram fatores de risco predisponentes ao AVC (individuais ou associados). Isto nos leva a concluir que pacientes que apresenFranca (SP) v. 5 n. 1/6 p. 145-153 jan. 2003 / dez. 2005 tam fatores de risco pré-operatórios são mais susceptíveis a desenvolverem AVC pós-cirurgia cardíaca com CEC. GARDNER, T. J.; HORNEFFER, P. J.; MANOLIO, T. A. et al: Major stroke after coronary artery bypass surgery: changing magnitude of the problem. J. Vasc. Surg., v. 3, p. 684, 1986. REFERÊNCIAS GOTT, J. P.; THORANI, V. H.; WRIGHT, C. E. et al. Risk neutralization in cardiac operations: detection and treatment of associated carotid disease. Ann Ihorac Surg., v. 68, p. 850-857, 1999. ALMASSI, G. H.; SOMMERS, T.; MORITZ, T. E.; SHROGER, L. W.; LONDON, M. J.; HENDERSON, N. G. et al. Stroke in cardiac surgical patients: determinants and outcome. Anm Thorac Surg., v. 68, p. 391-397, 1999. ALVES, F. C. G.; FIORELLI, A. I. Monitorização hemodinâmica durante a circulação extracorpórea. Instituto do Coração – Hospital de Clínica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. 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