estudo retrospectivo: acidente vascular cerebral como complicação

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INICIAÇÃO CIENTÍFICA
ESTUDO RETROSPECTIVO: ACIDENTE
VASCULAR CEREBRAL COMO COMPLICAÇÃO
NO PÓS-OPERATÓRIO DE CIRURGIA CARDÍACA
COM CIRCULAÇÃO EXTRACORPÓREA
RETROSPECTIVE STUDY: CEREBROVASCULAR
ACCIDENT AS A COMPLICATION IN THE POSTOPERATIVE PERIOD FOLLOWING CARDIAC
SURGERY WITH CARDIOPULMONARY BYPASS
Marcos Leandro Silva1
Cynthia Kallás Bachur2
Graduando do curso de Fisioterapia pela
Universidade de Franca-SP;
2
Docente da Disciplina de Fisioterapia
Cardiológica, Supervisora de estágio na
disciplina de Fisioterapia Cardiovascular
Ambulatorial e Preceptora de Residência
em Fisioterapia Cardiovascular da Universidade de Franca – SP; Mestre na Área
de Promoção de Saúde pela Universidade
de Franca.
1
RESUMO: este trabalho teve por objetivo identificar o número de pacientes que evoluíram
com Acidente Vascular Cerebral (AVC) no pós-operatório de cirurgia de Revascularização
do miocárdio (RM) com Circulação Extracorpórea (CEC), e destes, quais os fatores de
risco mais predisponentes. Neste estudo foram incluídos pacientes submetidos à cirurgia
cardíaca de RM com CEC no Hospital do Coração de Franca, no período de setembro de
1995 a março de 2004. Foram analisados prontuários médicos e fisioterapêuticos de 493
pacientes, sendo 351 do sexo masculino e 142 do sexo feminino, com idade média de 59,9
anos, e média de tempo de CEC de 117,4 minutos. Os fatores de risco observados foram
hipertensão arterial sistêmica (HAS), diabetes mellitus (DM) e tabagismo. Dos 493 pacientes,
apenas 11 (2,2%) evoluíram com AVC, sendo 9 pacientes do sexo masculino e 2 do sexo
feminino, com idade média de 58,36 anos e tempo médio de CEC de 123,63 minutos. Entre
os pacientes que evoluíram com AVC, 3 apresentavam DM, 3 eram tabagistas, 2 apresentavam
DM associado a HAS e 1 era tabagista e hipertenso. Dos pacientes com AVC, 7 foram a
óbito. O índice de AVC observado no pós-cirúrgico de RM com CEC é de porcentagem
baixa. Dos 493 pacientes submetidos à RM com CEC apenas 11 (2,2%) evoluíram com AVC,
destes 9 apresentaram fatores de risco predisponentes à alteração neurológica. Isto nos leva a
concluir que pacientes que apresentam fatores de risco pré-operatório são mais susceptíveis a
desenvolverem AVC pós-cirurgia cardíaca com CEC.
Palavras-chave: cirurgia cardíaca; complicações neurológicas; circulação extracorpórea.
ABSTRACT: this study aimed at identifying the number of patients submitted to surgical
myocardium revascularization with cardiopulmonary bypass who developed to postoperative cerebrovascular accident (CVA). It also aimed at identifying which the most
predisponent risk factors are. Patients submitted to cardiac MR surgery with CPB at Hospital
do Coração de Franca (Franca Heart Hospital) from September 1995 to March 2004 were
included in the study. Medical and physiotherapeutic charts of 493 patients were analyzed
(351 males and 142 females). The patients’ mean age was 59.9 years and CPB average time
was 117.4 minutes. The risk factors observed were systemic hypertension, diabetes mellitus
(DM) and tabagism. Of the 493 patients, 11 (2.2) developed to CVA, of whom 9 were males
and 2 females with a mean age of 58.36 years and CPB average time of 123.63 minutes.
Among the patients who developed to CVA, 3 presented DM, 3 were smokers, 2 presented
DM associated with systemic hypertension and 1 was a smoker and hypertensive. Of these
patients with CVA, 7 died. The CVA index observed after MR surgery exhibited a low
percentage. Of the 493 patients submitted to MR with CPB, only 11 (2.2%) developed to
CVA; of these, 9 presented risk factors predisposing to neurological complication. These
results lead to the conclusion that patients presenting pre-operative risk factors are more
susceptible to developing to CVA following surgery with CPB.
Key words: Cardiac surgery; neurological complications; cardiopulmonary bypass.
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INTRODUÇÃO
O extraordinário progresso alcançado, nos dias
atuais, pela cirurgia cardiovascular foi resultado de
inúmeras pesquisas experimentais e clínicas em
muitas especialidades correlatas. A conseqüência
final desta evolução foi a introdução da circulação
extracorpórea (CEC) para uso clínico cirúrgico. A
circulação extracorpórea, que de uma forma geral
substitui as funções do coração e do pulmão na
cirurgia cardíaca, é descrita como um conjunto de
elementos, aparelhos e técnicas. Cabe ao
perfusionista moderno não apenas acionar os controles do sistema de CEC, mas também uma visão completa daquilo que está sendo utilizado
como substituto temporário das funções cardíacas
e pulmonares (ALVES; FIORELLI, 2001).
É evidente que o contato do sangue com estas
superfícies totalmente estranhas (sistema CEC) e
diferentes do endotélio vascular e do parênquima
pulmonar pode provocar uma síndrome de resposta inflamatória sistêmica (KIRKLIN et al.,
1983). Isto é devido a uma série de alterações
sangüíneas que provocam uma resposta humoral
e celular com liberação de mediadores responsáveis pelo aparecimento de febre não infecciosa,
leucocitose, aumento da permeabilidade capilar,
acúmulo de líquido intersticial, alterações da coagulação e disfunção de órgãos, principalmente em
território cardíaco e pulmonar (BUTLER;
ROCHER; WESTABY, 1993; BRASIL et al., 2000).
Neste período de tempo já decorrido desde a
introdução na prática médica dos princípios da circulação extracorpórea, os conceitos de suporte intraoperatório com a máquina coração-pulmão artificial foram extraordinariamente simplificados. Além
disso, ocorreram avanços fundamentais na
monitorização intra-operatória de vários
parâmetros, tornando a perfusão mais segura e sob
controle. Isto fez com que as cirurgias cardíacas a
céu aberto trouxessem menos complicações aos
pacientes submetidos a procedimentos cárdio-cirúrgicos (ALVES; FIORELLI, 2001).
As complicações neurológicas da cirurgia cardíaca e da CEC, na maioria das vezes, têm a característica da imprevisibilidade. Os acidentes
vasculares cerebrais (AVC) podem surgir após a
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realização de um procedimento cirúrgico absolutamente sem anormalidades e suas conseqüências
podem ser trágicas para os pacientes.
Os AVC’s complicam a evolução pós-operatória em uma porcentagem significativa dos pacientes submetidos à revascularização coronária.
Embora a incidência global de complicações após
a cirurgia de revascularização tenha reduzido, a
incidência de AVC pós-operatório permanece
inalterada e oscila entre 0,8% e 6% do total de pacientes operados (JOHN et al., 2000). As complicações neurológicas perioperatórias na cirurgia cardíaca estão associadas a um aumento de cinco a
dez vezes na mortalidade, de duas a quatro vezes
na permanência em UTI e intra-hospitalar e de
três a seis vezes na necessidade de observação prolongada (ROACH et al., 1996; LOBO FILHO et
al., 2002).
Os fatores de risco pré-operatório que podem
estar relacionados ao aparecimento de AVC são:
idade superior a 70 anos, história prévia de AVC,
doença vascular periférica, insuficiência renal crônica, fumo, diabetes mellitus (JOHN et al., 2000),
aterosclerose aórtica proximal, hipertensão e sexo
feminino (NANCY; NUSSMEIER, 2002). Já os
fatores perioperatórios que são significativamente
relacionados ao desenvolvimento de AVC, são:
ausência de uso de heparina 48 horas antes da cirurgia, presença de aorta calcificada, presença de
doença de múltiplos vasos, duração da CEC
(JOHN et al., 2000) normotermia, perfusão não
pulsátil (NANCY; NUSSMEIER, 2002), além de
hipotensão durante ou após a cirurgia (LOBO FILHO et al., 2002; SINGH; BERT; FENGE, 1994;
DIETL et al., 1995).
A CEC está associada a alta incidência de AVC
no pós operatório de cirurgia de revascularização
do miocárdio em pacientes idosos (LOBO FILHO
et al., 2002; TREHAN et al., 2000; BARBUT et
al., 1994). Já os AVC’s em adultos jovens incluem
uma grande variedade de distúrbios que são observados com freqüência menor que em adultos
mais idosos. A abordagem diagnóstica pode ser
dividida em: doenças vasculares, especialmente
aquelas não relacionadas à aterosclerose, causas
cardioembólicas, e ainda anormalidades dos elementos sangüíneos que podem ser divididas naFranca (SP)
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quelas afetando eritrócitos, proteínas ou plaquetas
(ROWLAND, 1997, p. 203).
De acordo com estudos prospectivos recentes,
os AVC’s ocorrem em aproximadamente 1-4% dos
pacientes que são submetidos a cirurgia cardíaca
com CEC (ROACH et al., 1996; MCKHANN et
al., 1997), sendo que o risco está claramente aumentado em pacientes que vão a procedimentos
complicados associados, tal como doença aorto
coronariana (DAC) mais revascularização do
miocárdio e substituição valvar (SLOGOFF;
GIRGIS; KEATS, 1982; NUSSMEIER;
COOPER; VAUGHN, 1999; WOLMAN et al.,
1999), ou paciente aorto coronariano mais
endarterectomia carotídea (RICOTTA et al., 1996;
SAKASIDIS et al., 1995; GOTT et al., 1999).
OBJETIVO
O objetivo deste trabalho é identificar o número de pacientes que evoluíram com AVC no
pós-operatório de cirurgia de Revascularização do
Miocárdio (RM), e dentro deste, quais os fatores
de risco mais predisponentes.
MATERIAL E MÉTODOS
Este é um estudo retrospectivo de análise de
prontuários médicos e fisioterapêuticos dos pacientes submetidos à cirurgia cardíaca de RM com
utilização de CEC, que apresentaram evento de
AVC após o procedimento cirúrgico, no Hospital
do Coração de Franca, situado no interior de São
Paulo. Foram coletados dados do tempo de CEC
e os fatores que podem estar associados ao desenvolvimento de AVC pós-cirúrgico.
O estudo foi realizado no período de setembro de 1995 a março de 2004, onde foram inclusos
493 pacientes com idade média de 59,9 anos; destes 351 eram do sexo masculino e 142 do sexo feminino.
A via de acesso utilizada para as cirurgias foi a
esternotomia mediana convencional. Os enxertos
vasculares foram obtidos através da dissecção de
Veia Safena Magna (VSM), os quais mediam de
três a oito centímetros, escolhidos sem deformidades. Após abertura do saco pericárdico, realizouInvestigação - Revista Científica da Universidade de Franca
se a anticoagulação, com administração de heparina
sódica (Liquemine R) na dose de 3 mg/kg, mantendo o Tempo de Coagulação Ativado (TCA)
maior que 400 segundos.
Para a introdução da CEC, foi realizado o
clampeamento e incisão na aorta e veias cavas superior e inferior, para que haja o isolamento do
coração, durante o procedimento cárdio-cirúrgico.
O circuito extracorpóreo constitui-se de um
oxigenador de membrana de fibras ocas (Braile
Biomédica, S. José do Rio Preto, Brasil), uma bomba de roletes (Braile Ecobec) e uma bomba de
roletes para administração de cardioplegia (Braile
Biomédica).
A reversão da heparinização foi conseguida
através da infusão de cloridrato de protamina na
proporção de 1:1 da concentração de heparina
sódica.
Os resultados deste trabalho serão expressos e
descritos em porcentagens e valores absolutos para
podermos discutir se a incidência do AVC e dos
fatores de risco condizem com os dados encontrados na literatura.
Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de
Ética da Universidade de Franca, sob o nº. 015/04
RESULTADOS
De um total de 493 casos analisados, apenas
11 (2,2%) pacientes apresentaram AVC. Dentre
estes 7 (63,63) foram a óbito dentro de 10 dias após
a cirurgia.
A idade média entre os pacientes que evoluíram com AVC foi de 58,36 anos e o tempo médio
de CEC foi de 123,63 minutos.
De todos os pacientes, 351 eram do sexo masculino onde destes 9 (2,56%) evoluíram com AVC.
A quantidade de pacientes do sexo feminino em nossa pesquisa foi inferior, com 142 mulheres, dentre as
quais 2 (1,4%) apresentaram AVC pós-cirúrgico.
A Figura 1 nos mostra que dos 11 pacientes
com quadro de AVC pós-cirúrgico, 3 pacientes
apresentavam diabetes mellitus (DM), 3 eram
tabagistas, 2 tinham a associação entre DM e hipertensão arterial sistêmica (HAS) e apenas 1 apresentava tabagismo e hipertensão.
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Dos 482 pacientes que não evoluíram com
AVC 109 (22,61%) apresentavam DM como fator
de risco pré-operatório, 137 (28,42%) eram
tabagistas, e 166 (34,43%) apresentavam HAS. Se
considerarmos separadamente cada fator de risco
que antecedeu a cirurgia nos pacientes com AVC
pós-cirúrgico, podemos observar que 5 (45,45%)
apresentavam DM, 4 (36,36%) eram tabagistas e 2
(18,18%) tinham como fator de risco pré-operatório a HAS. As Figuras 2, 3 e 4, nos mostram uma
relação entre os fatores de risco predisponentes ao
AVC, apresentados no pré-operatório, entre os
pacientes que evoluíram ou não com AVC póscirúrgico. Dos três fatores de risco observados podemos estabelecer que apenas a HAS apresentava-se com menor porcentagem entre os pacientes
que evoluíram com AVC (18,18%), em relação aos
que não apresentaram AVC pós-cirúrgico (43,43%).
Dois pacientes não apresentavam qualquer um
dos fatores de risco predisponentes. Como a média de idade entre os pacientes que apresentaram
AVC, foi de 58,36 anos, o risco para uma evolução
a AVC em conseqüência da idade se configura como
sendo de pouca significância na amostra estudada.
Devemos ressaltar que mesmo pacientes com idade inferior a 45 anos apresentam risco de desenvolverem AVC, e este risco se eleva à medida que
a idade dos pacientes aumenta.
DISCUSSÃO
As alterações neurológicas encontradas no pósoperatório de cirurgia cardíaca permanecem como
uma importante causa de morbidade para os pacientes, variando de 3% a 8% nas estatísticas
(ARROWSMITH et al., 2000; LLINAS; BARBUT;
CAPLAN, 2000; ATRA; D’ ALESSANDRO,
2001).
Hoje, novas técnicas para os procedimentos
cirúrgicos, além de melhor acompanhamento clínico pré e pós-operatório, contribuíram para o
melhor controle das complicações. Por outro lado,
a média de idade dos pacientes submetidos à cirurgia cardíaca aumentou, proporcionando maior
chance para complicações neurológicas, pois há a
associação com outras doenças num mesmo paciente (MILLS, 1995; CAPLAN, 2001; ATRA; D’
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Figura 1 - Fatores de risco observados no grupo de pacientes que evoluíram para AVC
Figura 2 - DM como fator de risco pré-operatório
Figura 3 -Tabagismo como fator de risco pré-operatório
Figura 4 - HAS como fator de risco pré-operatório
ALESSANDRO, 2001). Em nosso estudo a idade
média não estava aumentada (idade média 58,36),
apesar disto quase a totalidade dos pacientes com
evolução a AVC apresentavam fatores de risco préoperatórios.
O grupo da Universidade de Duke, nos EstaFranca (SP)
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dos Unidos, desenvolveu uma avaliação prévia dos
pacientes que foram submetidos à cirurgia para RM,
e o risco de desenvolverem AVC (NEWMAN et
al., 1996; ATRA; D’ ALESSANDRO, 2001) do tipo
isquêmico, de acordo com a incidência era de 3%
a 6%. Sendo ainda maior o risco para pacientes
que se submetessem a cirurgias com manipulação
de cavidade intracardíaca em comparação com a
RM (LIBMAN et al., 1997; ALMASSI et al., 1999;
ATRA; D’ ALESSANDRO, 2001).
Em outro estudo realizado no departamento
de Anestesiologia Cardiovascular, Texas Heart
Institute, Houston, Texas, foi demonstrado que a
incidência de AVC nos procedimentos
intracardíacos se aproxima daqueles pacientes que
se submetem ‘à cirurgia de RM, onde 1% a 4%
evoluem para a patologia em questão (NANCY;
NUSSMEIER, 2002), sendo que o índice ainda é
maior em pacientes octogenários (0 a 7,1%) (RICCI
et al., 2000; YOKOYAMA et al., 2000; PINHEIRO
et al., 2002). Apesar do índice apresentado neste
trabalho ser aproximado com os nossos resultados,
o que difere é a idade média entre os pacientes.
Em um estudo realizado por John et al. (2000)
com 19.224 pacientes que se submeteram à cirurgia de revascularização do miocárdio com CEC,
houve 270 casos de AVC pós-operatório (incidência de 1,4%). A hospitalização entre os pacientes
com AVC foi de 24,8%, nos pacientes que não apresentaram AVC a mortalidade foi de 2%. Do total
de pacientes que faleceram no hospital 14,8% apresentaram AVC. Os fatores de risco relacionados ao
pré-operatório que influenciam o aparecimento de
AVC foram: idade superior a 70 anos, história prévia de AVC, doença vascular periférica, insuficiência renal crônica, tabagismo e diabetes mellitus.
Em nosso estudo, dos 11 paciente com AVC pósoperatório, 7 (63,63%), foram a óbito, dentre eles
3 eram tabagistas, 3 apresentavam diabetes mellitus
e 1 apresentava diabetes mellitus associado à hipertensão arterial sistêmica.
Gardner et al. (1986) relatou o risco de AVC
em pacientes coronariopatas que se submeteram à
cirurgia de revascularização do miocárdio com
CEC. Identificou-se que pacientes com menos de
45 anos de idade apresentam um risco de AVC
perioperatório de 0,2%, aumentando para 3,0% em
Investigação - Revista Científica da Universidade de Franca
pacientes que apresentam 60 anos e 8% para idades que excedem 75 anos. Neste estudo os fatores
de risco associados ao AVC eram idade superior a
75 anos, AVC prévio, aterosclerose da aorta ascendente, tempo prolongado de CEC e hipotensão
perioperatória severa. Este estudo é compatível
com os nossos resultados no que diz respeito à
média de idade dos pacientes que apresentaram
uma evolução a AVC.
Similarmente, Tuman et al., em 1992, investigaram os efeitos da idade na incidência de
ferimentos neurológicos em pacientes submetidos
à revascularização do miocárdio com circulação
extracorpórea, verificando que a incidência de AVC
pós-operatório elevou-se significativamente após os
65 anos de idade. A taxa de pacientes que evoluíram
para AVC após os 65 anos aumentou em 0,9% e elevou-se para 8,9% em pacientes com mais de 75 anos.
Iglezias et al. (2003) realizaram um estudo
prospectivo de 100 pacientes consecutivos com idade maior que 70 anos, submetidos à
revascularização primária e isolada do miocárdio
entre janeiro e dezembro de 2000. Os pacientes
foram divididos em dois grupos, onde 50% dos
pacientes foram operados com CEC, os demais
foram ao procedimento cirúrgico sem CEC. Os
resultados apresentaram 2 (4%) casos de AVC em
pacientes do primeiro grupo, ocorrência não registrada no segundo grupo. Este estudo apresentou índices maiores do que o índice (2,2%) apresentado em nossa pesquisa, o que indica que a
incidência de complicações pós-cirurgia cardíaca
com CEC no Hospital do Coração da cidade de
Franca se apresenta baixa.
Em uma pesquisa realizada de janeiro de 2000
a abril de 2002, por Lobo Filho et al. (2002), 40
pacientes acima de 75 anos (média de 79,1 anos)
foram submetidos à cirurgia de RM sem CEC.
Foram realizados 89 enxertos (média 2,22 pontes
por paciente), sendo 40 (44,94%), de artéria torácica
interna esquerda (ATIE) e 49 (55,06%) de veia
safena. A hipótese de AVC no grupo em questão foi
descartada, através de exames clínicos e neurológicos. Com estes dados pode-se concluir que a cirurgia
de RM em pacientes acima de 75 anos sem CEC
pode ser realizada sistematicamente de modo a evitar a ocorrência de AVC, com baixa mortalidade.
Franca (SP)
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Brasil et al (2000) avaliaram 23 pacientes submetidos à RM sem CEC. Foram selecionados para
este estudo pacientes que apresentavam lesões nas
artérias coronárias da região antero- diafragmática
do coração. A idade entre os pacientes variou de
44 a 80 anos (média: 59,6 anos). O tempo médio
de operação foi de 3 horas e 15 minutos. O número de enxertos por paciente variou de 1 a 3, num total
de 36 enxertos realizados, com média de 1,56 enxertos/paciente. Não ocorreram AVC pós-operatório e
a incidência de mortalidade hospitalar foi de 4,3%.
Pinheiro et al. (2002), no período de agosto
de 1997 a maio de 2001, estudaram 250 pacientes
multiarteriais, consecutivos, submetidos à cirurgia
de RM sem CEC. A faixa etária dos pacientes variou de 38 a 83 anos (média de 59,9 anos). Três
(1,2%) pacientes necessitaram de instalação de
CEC. Nos demais 247 pacientes, realizou-se 592
anastomoses, com uma média de 2,4 pontes/paciente. A mortalidade pós-operatória global foi constatada em 4% (10 pacientes), tendo como uma das causas o AVC, presenciado em 0,8% dos pacientes.
Em um estudo produzido por Malheros et al.
(2001), vinte pacientes selecionados para RM eletiva
sem CEC foram randomizados para cirurgia com
e sem CEC. Realizou-se monitorização contínua
com Doppler transcraniano durante todo o procedimento nos dois grupos. Além disso, os pacientes
foram submetidos à examinação antes e após a cirurgia. Os grupos não apresentaram diferenças significativas em relação aos aspectos demográficos,
fatores de risco (grau de ateromatose de aorta e
número de pontes realizadas). A freqüência de
micro embolos no grupo operado sem CEC foi
significativamente menor do que no grupo operado com CEC, entretanto nenhum paciente apresentou AVC pós-operatório inicial. Pode-se concluir que as complicações neurológicas possam estar mais relacionadas com o tamanho e a composição, do que com o número de micro êmbolos. A
monitorização com Doppler transcraniano pode
ser uma estratégia a ser adotada nas cirurgias cardíacas, para que haja a verificação da presença ou
não de êmbolos. Assim os profissionais podem tomar medidas preventivas para evitar a ocorrência
de AVC perioperatório.
Lobo Filho et al. (2002) em um estudo
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prospectivo envolvendo 2.108 pacientes em 24 instituições nos EUA, evidenciou a ocorrência de 6,1%
de AVC (ROACH et al., 1996) após RM. Os principais fatores de risco para AVC durante a cirurgia
cardíaca observados foram: idade acima de 70 anos,
doença cerebrovascular preexistente, doença
aterosclerótica severa da aorta, tempo prolongado
de CEC e a ocorrência de hipotensão durante ou
imediatamente após a cirurgia. Em nosso estudo
o tempo médio de CEC para aqueles pacientes
que evoluíram com AVC foi de 123,63 minutos,
tempo considerado alto para cirurgia com CEC.
O que faz com que este seja um predisponente ao
aparecimento de AVC.
Mills e Everson (1991) descreveram uma nova
técnica para tentar contornar o alto risco de se
manusear a aorta ascendente severamente
aterosclerótica durante a cirurgia de RM, que consiste em fazer a anastomose proximal do enxerto
de veia safena de forma término-lateral na artéria
torácica interna esquerda (ATIE) previamente
implantada na artéria descendente anterior (DA)
com uso de CEC. Não houve mortalidade ou angina recorrente relacionada ao procedimento. O
fluxo medido na ATIE variou de 130 a 420 ml/
min. Demonstraram também a viabilidade técnica deste procedimento e concluíram que a ausência de manuseio da aorta e o uso de ATIE como
único suprimento sanguíneo preveniram a ocorrência de AVC neste grupo.
CONCLUSÃO
Sendo este um estudo retrospectivo, nossos
dados sugerem que o índice de complicações neurológicas tipo Acidente Vascular Cerebral (AVC) é
baixo nos pacientes submetidos à Revascularização
do Miocárdio (RM) no Hospital do Coração de
Franca. Nossos dados são compatíveis com as referências descritas na literatura.
Através de dados relevantes e da nossa
causuística, evidenciamos que dos 493 pacientes
submetidos a RM com Circulação Extracorpórea
(CEC), apenas 11 (2,2%) evoluíram com AVC.
Destes, 9 apresentaram fatores de risco
predisponentes ao AVC (individuais ou associados).
Isto nos leva a concluir que pacientes que apresenFranca (SP)
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tam fatores de risco pré-operatórios são mais susceptíveis a desenvolverem AVC pós-cirurgia cardíaca com CEC.
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