Biologia floral e reprodução de Solanum paniculatum L

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Biologia floral e reprodução de Solanum paniculatum
L. (Solanaceae) no estado de São Paulo, Brasil
ELIANA REGINA FORNI-MARTINS1, MARCIA CRISTINA MENDES
MARQUES2 e MARISTERRA R. LEMES3
(recebido em 24/04/97; aceito em 03/02/98)
ABSTRACT - (Floral biology and reproduction of Solanum paniculatum L.
(Solanaceae) in the state of São Paulo, Brazil). Studies on floral biology and visitors
were done over different years in two populations (Brotas and Campinas) of "jurubeba,"
a common neotropical invader shrub. The flowers are dish-shaped and have a mellow
odour. Pale-violet petals contrasting with yellow anthers make a visually attractive set.
Pollen is the only reward for visitors. The species is alogamous. On average, 19% of the
flowers in both populations had short styles; only long-styled flowers generated fruits,
thus presenting a functional andromonoecism. Fruiting ratios in natural conditions
differed between Brotas (43%) and Campinas (17%). The fruiting ratio due to manual
polinization was 46% in Brotas and nihil in Campinas, this probably being due to a long
dry period. Both microsporogenesis regularity and pollen high viability indicate that the
process of sexual reproduction is normal. Poricide anthers and other flower features of
S. paniculatum are associated with the buzz pollination syndrome, which requires bees
with a specific behavior for pollen removal. The main pollinators are Oxaea flavescens,
Bombus morio, and Xilocopa frontalis in the Campinas population, and Augochloropsis
sp 1 e Augochloropsis sp 2 in the Brotas population.
RESUMO - (Biologia floral e reprodução de Solanum paniculatum L. (Solanaceae) no
estado de São Paulo, Brasil). Estudos de biologia floral e dos animais visitantes, em
anos diferentes, foram feitos em duas populações (Brotas e Campinas) de jurubeba, um
arbusto invasor neotropical. As flores, do tipo aberto, têm odor muito suave. Pétalas de
côr violeta-pálido, contrastando com as anteras amarelas, formam um conjunto
visualmente atrativo. O pólen é a única recompensa para os visitantes. A espécie é
alógama. Uma média de 19% das flores em ambas as populações apresentaram estilete
curto e somente flores de estilete longo formaram frutos, indicando a existência de
andromonoicia funcional. As taxas de frutificação em condições naturais diferiram entre
Brotas (43%) e Campinas (17%). A frutificação por polinização manual foi de 46% em
Brotas e nula em Campinas, provavelmente devido a um longo período de seca. A
regularidade da microsporogênese e a alta taxa de viabilidade dos grãos de pólen
mostraram a normalidade do processo de reprodução sexuada. Anteras poricidas e
outras características florais de S. paniculatum estão associadas à síndrome da
polinização vibrátil, que requer abelhas especializadas para a retirada de pólen. Os
principais polinizadores foram Oxaea flavescens, Bombus morio, e Xylocopa frontalis
na população de Campinas e Augochloropsis sp 1 e Augochloropsis sp 2 na de Brotas.
Key words - Solanum, andromonoecism, buzz pollination
Introdução
O gênero Solanum possui mais de 1700 espécies (Willis 1973), sendo bem representado
na América tropical, incluindo o Brasil (Sendtner 1846). Na biologia floral e
reprodutiva de espécies do gênero são caracteres comuns a polinização por abelhas, a
deiscência poricida das anteras e a predominância de alogamia (Buchmann et al. 1977,
Symon 1979). A retirada de pólen de anteras poricidas requer comportamento especial
das abelhas, sendo a polinização destas flores denominada de polinização vibrátil
(Buchmann et al. 1977). Embora muitas espécies de Solanum tenham flores monóclinas
típicas, há considerável variação de formas sexuais, incluindo andromonoicismo,
androdioicismo e dioicismo (Anderson 1979, Coleman & Coleman 1982, Oliveira Filho
& Oliveira 1988, Anderson & Symon 1989).
Solanum paniculatum L., vulgarmente conhecida como jurubeba, ocorre em toda a
América tropical (Leitão-Filho et al. 1975). A ela são atribuídas propriedades
medicinais, sendo popularmente utilizada no tratamento da icterícia, da hepatite crônica
e de febres intermitentes (Pio Corrêa 1969), além de usos culinários (Zurlo & Brandão
1990). É também considerada uma planta invasora, que ocupa os mais variados tipos de
solo (Leitão-Filho et al. 1975). Grant (1975) atribuiu às plantas invasoras algumas
características típicas, como a capacidade de colonização rápida de ambientes abertos
(inclusive por ação antrópica) e a reprodução predominantemente autogâmica, o que
lhes confere alta uniformidade genética em nível populacional, não descartando,
entretanto, surtos esporádicos de recombinação.
O presente trabalho, desenvolvido em duas populações de S. paniculatum, apresenta e
discute aspectos relacionados à sua biologia floral, aos visitantes florais e ao sistema de
reprodução.
Material e métodos
As observações sobre S. paniculatum foram feitas em duas populações, ambas no estado
de São Paulo: uma no Centro Experimental do Instituto Agronômico de Campinas (22o
54'S e 47o 05’W, 674 m) - população I - e outra nas proximidades do Viveiro Municipal
de Brotas (22o 08'S e 48o 50'W, 470 m) - população II - nos períodos de setembro a
novembro de 1985 e outubro a novembro de 1991, respectivamente. Ambas as
populações encontravam-se em ambientes alterados. A população I compreendia cerca
de 250 indivíduos, divididos em dois grupos distantes 80 m entre si e circundados por
campos de cultura agrícola. A população II era composta por aproximadamente 25
indivíduos, próximos a uma floresta ripícola. Foram registradas informações sobre o
hábito das plantas, a morfologia das flores, o desenvolvimento dos frutos, o sistema
reprodutivo e o comportamento dos visitantes florais.
A cor das flores foi determinada através da comparação com um catálogo de cores
(Kornerup & Wanscher 1963). Para a determinação dos pigmentos florais, as flores
foram colocadas em contato com vapores de amoníaco (Hess 1983). As regiões de
absorção de ultravioleta foram detectadas através do teste com FeCl3 diluído em éter
sulfúrico 1% (Vogel 1950). A ocorrência de glândulas de odor foi determinada por meio
do uso de vermelho-neutro diluído em água (pH 7) na proporção 1 g : 1000 ml (Vogel
1962).
O número cromossômico e a regularidade do processo meiótico (microsporogênese)
foram determinados por meio da fixação de botões florais em Carnoy (etanol : ácido
acético na proporção 3:1), sendo as anteras esmagadas em carmin acético (Medina &
Conagin 1964). Para a análise da viabilidade de pólen, cerca de 1000 grãos de pólen,
provenientes de flores com estilete longo e curto, de cada população, foram corados
com carmin acético (Medina & Conagin 1964). As observações da microsporogênese e
da viabilidade de pólen foram feitas em microscópio óptico. A receptividade dos
estigmas florais foi verificada com a aplicação de água oxigenada 10 vol. (Zeisler
1938).
Para a determinação do sistema de reprodução, botões florais em pré-antese foram
envolvidos com sacos de papel, fazendo-se a emasculação nos testes para
autopolinização e polinização cruzada. Posteriormente, foram feitas polinizações
manuais com pólen da mesma flor ou do mesmo indivíduo (autopolinização) e com
pólen de indivíduos diferentes (polinização cruzada), distanciados pelo menos três
metros entre si. Foi testada a fertilidade de flores com estilete longo e curto, que foram
utilizadas ora como doadoras ora como receptoras de pólen. As flores polinizadas
manualmente foram novamente encobertas com sacos de papel, para impedir contatos
posteriores com visitantes. Na população II também foi testada a ocorrência de
polinização espontânea, sendo as flores envolvidas em sacos de papel e não polinizadas
manualmente. A ocorrência de apomixia foi verificada em botões emasculados e
ensacados durante quatro dias. Algumas flores foram marcadas e mantidas intactas e
desprotegidas para observar o desenvolvimento de frutos em condições naturais.
Os estudos sobre o sistema reprodutivo foram complementados com observações do
crescimento do tubo polínico nos estiletes nas flores da população II. Pistilos dos dois
tipos florais foram acondicionados em placas de ágar, onde foram feitas polinizações
controladas, com pólen proveniente de flores de estilete curto ou longo, da mesma
planta ou de plantas diferentes. Foram utilizados cinco pistilos para cada tipo de
cruzamento. Os pistilos foram fixados em FAA70 após 24 e/ou 48 horas da realização
das polinizações. Posteriormente, foram analisados sob microscopia de fluorescência,
segundo a técnica de Martin (1959).
O comportamento dos visitantes florais foi observado visualmente, em diferentes
horários (das 6:30 às 17:00 h), sendo complementado com a análise de fotografias.
Espécimes de visitantes foram coletados para posterior identificação e para obtenção de
medidas do comprimento médio do corpo de cada espécie.
As exsicatas do material botânico foram depositadas no Herbário do Departamento de
Botânica da Universidade Estadual de Campinas (UEC 17.935, população I e UEC
26.876, população II).
Resultados
Características das plantas - As plantas de Solanum paniculatum são perenes,
arbustivas, atingindo até 2 m de altura, podendo ser classificadas como nanofanerófitas
no sistema de formas de vida de Raunkiaer (Mueller-Dombois & Ellenberg 1974).
Observou-se a rebrota após a poda (por roçada) do ramo principal quase no nível do
solo. Possuem inflorescências em forma de panículas terminais, nas quais as flores
atingem a maturidade da base para o ápice. Observou-se floração durante o período de
setembro a novembro, mas registros de herbário mostram que o período de floração no
estado de São Paulo pode ser maior, indo até fevereiro.
Características das flores - As flores possuem cinco pétalas unidas, de cor violeta-pálido
(17 A 3), de acordo com Kornerup & Wanscher (1963). A corola é pigmentada por
antocianina. As flores apresentam cinco anteras amarelas, poricidas, vistosas e
tubulosas, que se dispõem de tal modo a formar um cone ao redor do estigma (figuras 1
e 2); o estigma é capitado e o estilete pode ser longo ou curto (figuras 3 e 4), sendo
verde em ambos os casos. O ovário das flores com estilete curto é menor que o das
flores com estilete longo (figuras 3 e 4), porém ambos são multiovulados.
Figuras 1-4. Morfologia floral de Solanum paniculatum. 1. Flor monóclina, com estilete longo; 2. Estame;
3. Gineceu de uma flor com estilete longo; 4. Gineceu de flor com estilete curto.
A antese ocorre em torno das 05:00 h e, após aproximadamente uma hora, os poros das
anteras se abrem e expõem o pólen pulverulento. As flores permanecem abertas por um
a dois dias, período em que os estigmas ainda se apresentam receptivos.
Detectou-se que as pétalas, os estames (exceto conectivos) e o estigma absorvem luz
ultravioleta. As flores possuem odor adocicado muito suave. Glândulas ativas,
provavelmente de odor (osmóforos), foram encontradas nas pétalas (exceto nas
nervuras), estigmas, ápices das anteras, cálice e pedúnculo das flores.
Há duas formas florais: uma com estilete longo (L), com comprimento maior que o das
anteras e estigma exposto; e outra com estilete curto (C), localizado abaixo do nível das
anteras, sem exposição do estigma. Apesar da diferença no comprimento do estilete, as
anteras e corolas dos dois tipos florais apresentaram dimensões semelhantes nas duas
populações (tabela 1). Não há um padrão definido quanto à posição ou à proporção de
flores de estilete longo ou curto em uma inflorescência ou em um indivíduo. Em média,
19% das flores amostradas apresentaram estilete curto.
Tabela 1. Valores médios (mm) do diâmetro da corola, do comprimento do cone das anteras e do
comprimento do estilete em flores de Solanum paniculatum das populações I (Campinas) e II (Brotas). Cflor de estilete curto, L-flor de estilete longo (± desvio padrão).
Tanto flores com estilete curto como as de estilete longo apresentaram grãos de pólen
viáveis (acima de 87%), não havendo grandes diferenças de viabilidade entre as duas
populações. Encontrou-se regularidade no processo meiótico. O número cromossômico
(n) foi igual a 12.
Sistema reprodutivo - Flores de estilete curto nunca produziram frutos, mesmo em
condições naturais. A formação de frutos ocorreu somente em flores com estilete longo
em duas condições: 1) em condições naturais, em ambas as populações, e 2) em flores
de estilete longo após polinização cruzada com pólen proveniente de flores L ou C,
apenas na população II. Não houve produção de frutos após autopolinização ou
emasculação (tabela 2).
Tabela 2. Testes sobre o sistema reprodutivo de Solanum paniculatum, nas populações I (Campinas) e II
(Brotas). C - flores de estilete curto, L - flores de estilete longo
A análise de pistilos, previamente polinizados e fixados, indicou: 1) nas
autopolinizações, após 24 horas, já se podia observar grãos de pólen germinados e tubos
polínicos em início de desenvolvimento; nas 24 horas seguintes, os tubos polínicos
haviam crescido muito pouco, limitando-se à região do estilete próxima ao estigma; 2)
nas polinizações cruzadas, após 24 horas, os tubos polínicos alcançaram o ovário e
penetraram nos óvulos das flores com estilete longo; nas flores com estilete curto, os
tubos polínicos cresceram apenas até o início do estilete.
Visitantes - Foram observadas oito espécies de abelhas visitando flores de S.
paniculatum na população I e cinco espécies na população II (tabela 3). Em ambas as
populações, as visitas das abelhas iniciavam-se a partir das 8:00 h e estendiam-se até, no
máximo, às 16:00 h. O período de maior atividade de visitantes era entre 10:00 e 14:00
h. Centris sp 2 (população I) restringia suas visitas ao período entre 10:00 e 12:00 h.
Tabela 3. Abelhas visitantes de Solanum paniculatum nas populações I (Campinas) e II (Brotas) e seus
respectivos comprimentos do corpo (mm) e freqüência de visitas: (+++) muito freqüente, (++) freqüente,
(+) pouco freqüente.
Na população I as abelhas mais comumente observadas foram Oxaea flavescens
(Oxaeidae), Bombus morio (Apidae), Xylocopa frontalis (Anthophoridae) e
Exomalopsis sp. (Anthophoridae), nesta ordem.
Oxaea flavescens aproximava-se da flor frontalmente e pousava diretamente sobre o
cone das anteras, no qual se agarrava com as patas. Em seguida, recurvava o abdome
sobre a flor, contatando o estigma. Neste momento a abelha realizava movimento
vibratório, liberando o pólen, que era depositado nas partes ventrais do tórax e do
abdome. Habitualmente, um grande número de flores do mesmo indivíduo ou de
indivíduos diferentes de S. paniculatum era visitado seqüencialmente por esta abelha.
Entre uma visita e outra, a abelha apresentou o comportamento de limpeza e
transferência de pólen.
Bombus morio e Xylocopa frontalis apresentaram comportamento de aproximação às
flores, de pouso, de contacto com o estigma e de movimento vibratório semelhante ao
descrito para Oxaea flavescens. Na maioria das flores, B. morio pousava, efetuava
movimento vibratório, segurava-se na corola ou nas anteras e realizava a limpeza do
abdome, transferindo o pólen para as corbículas. Em outras flores, a abelha pousava e
efetuava apenas a vibração ou apenas o comportamento de limpeza, voando em seguida
para outra flor.
Exomalopsis sp. pousava diretamente sobre as anteras, caminhava em direção aos poros
das anteras e efetuava movimento vibratório. Após este procedimento da abelha, era
possível verificar pólen caído sobre as pétalas.
Bombus atractus, Centris sp 1 e Centris sp 2 recolhiam pólen de S. paniculatum
também por movimentos vibratórios, como descrito em Oxaea flavescens, porém a
freqüência das visitas era menor do que a observada para as demais abelhas. Foi
observada uma espécie de Colletidae deslocando-se e coletando pólen caído sobre as
anteras.
Na população II, as abelhas mais freqüentes foram, em seqüência, Augochloropsis sp 1,
Augochloropsis sp 2 (Halictidae) e Megamalopsis sp. (Anthophoridae). As duas
espécies de Augochloropsis apresentaram comportamento de visita muito semelhante
entre si. Ambas aproximavam-se da flor e dirigiam-se ao cone das anteras. Com as patas
anteriores e, ocasionalmente, com as medianas, agarravam-se a uma antera (algumas
vezes, duas), recurvavam o corpo sobre o poro e executavam o movimento vibratório,
que podia se repetir por duas ou três vezes. Em seguida, deslocavam-se em direção a
outra antera, onde repetiam o movimento. Durante o deslocamento, a abelha contatava
várias vezes o estigma com o abdome. A coleta de pólen era realizada nas cinco anteras,
mas, se as mesmas já estivessem vazias, as abelhas retiravam-se logo após os primeiros
movimentos vibratórios. A limpeza do abdome era feita freqüentemente, após a coleta
em uma ou duas anteras.
Megamalopsis sp. pousava na flor na região do cone das anteras ao qual se alinhava
perpendicularmente, de modo que seu abdome contatava os poros. O movimento
vibratório era breve e uma grande quantidade de pólen aderia ao corpo da abelha.
O comportamento de visita de Bombus morio às plantas de S. paniculatum na população
II foi semelhante ao descrito para a população I, no entanto a freqüência de visitas foi
bem menor (duas visitas). Apenas um indivíduo de Exomalopsis exomalopsis foi
observado e, ao pousar na flor, caminhou sobre a corola, provavelmente à procura de
pólen.
Além das abelhas, foram observados outros insetos visitando flores de S. paniculatum.
Na população I, foi observada a presença de uma espécie de Meloidae (Coleoptera) que
danificava corola, estames e estilete. Na população II vários indivíduos de Brachygastra
lecheguana (Vespidae, Hymenoptera) foram freqüentemente observados alimentando-se
de partes de botões florais, ocasionando danos. Também se encontraram besouros
(Chrisomelidae, Coleoptera) caminhando sobre a flor de S. paniculatum.
Discussão
As flores de Solanum paniculatum podem ser classificadas como do tipo aberto (Faegri
& Van der Pijl 1971), sendo actinomorfas, não tubulosas e tendo órgãos sexuais
agrupados no centro. O pólen é a única recompensa aos visitantes florais. O androceu
tem características de flores-pólen oligândricas (Vogel 1978): poucas anteras, grandes,
vistosas, com deiscência poricida e produzindo pólen pulverulento em grande
quantidade, mas liberado em pequenas porções por movimentos vibratórios dos
visitantes.
Além destas características, outras, como o período de floração relativamente longo, a
antese ao amanhecer, a duração de cada flor (dois dias), a produção diária de
relativamente poucas flores, a presença de estigma receptivo e pólen disponível nas
primeiras horas do dia, a cor da corola e das anteras poricidas e os grãos de pólen
pequenos e esbranquiçados, indicam que S. paniculatum é uma típica planta com
síndrome de polinização vibrátil (Buchmann 1983). O diâmetro reduzido dos grãos de
pólen dos dois tipos florais (tabela 2) está dentro da variação de diâmetro apresentada
para flores com esta síndrome de polinização (Buchmann 1983).
A absorção de raios ultravioleta em toda a corola e nas anteras, bem como a
pigmentação da corola (antocianina) de S. paniculatum parecem estar associadas ao
padrão de reconhecimento das flores por parte das abelhas (Vogel 1983). Entretanto,
Coleman & Coleman (1982) mostraram que a retirada das corolas de S. palinacanthum
causou pequena diminuição na freqüência de visitas, ao contrário do que ocorreu com a
retirada das anteras, indicando que o padrão de coloração das anteras tem importante
efeito atrativo para as abelhas.
Aromas florais fortes e adocicados produzidos por substâncias voláteis estão
usualmente presentes em flores com síndrome de polinização vibrátil, como Amourexia,
Cassia e Solanum, mas também podem estar ausentes (Buchmann 1983). É possível que
os osmóforos nas flores (corola, ápices de anteras, cálice e pedúnculo floral) emitam
odores suaves. Em S. palinacanthum, as anteras e, presumivelmente, o pólen exalam
odores, que são tidos como atrativos florais (Coleman & Coleman 1982).
O gênero Solanum exibe várias formas florais, havendo espécies monóicas com flores
monóclinas e outras com variações referentes à andromonoicia, androdioicia e até
dioicia. Nos indivíduos andromonóicos, androdióicos ou dióicos, ocorrem muitas vezes
flores morfologicamente semelhantes, porém funcionalmente distintas (Anderson 1979,
Coleman & Coleman 1982, Oliveira-Filho & Oliveira 1988). Na seção Torva, à qual S.
paniculatum pertence, já foram descritas espécies andromonóicas e monóicas (Symon
1979).
Os testes sobre o sistema reprodutivo permitem concluir que S. paniculatum é uma
espécie andromonóica, em que as flores L têm androceu e gineceu funcionais e as flores
C são funcionalmente masculinas, apesar de apresentarem óvulos (tabela 2). Apesar da
amostragem ser pequena em alguns testes e do insucesso em alguns deles,
especialmente na população I, os resultados foram confirmados pela análise de pistilos,
pois os tubos polínicos alcançaram os óvulos apenas em flores de estilete longo.
Oliveira-Filho & Oliveira (1988) estudaram a espécie S. lycocarpum e também
relataram a ocorrência de óvulos em flores funcionalmente masculinas. Diferentemente
do observado em S. paniculatum, Oliveira-Filho & Oliveira (1988) relataram a
penetração de tubos polínicos nos óvulos de flores masculinas de S. lycocarpum, porém
estas eram sempre abortadas. Já em S. palynacanthum, que também é andromonóica
(Coleman & Coleman 1982), os grãos de pólen nem sequer germinaram em estigmas de
flores funcionalmente masculinas. Os resultados aqui obtidos para S. paniculatum
confirmam a derivação da andromonoicia a partir do hermafroditismo no gênero
Solanum (Oliveira-Filho & Oliveira 1988), em um processo em que não houve
supressão de alguns caracteres.
Solanum paniculatum é uma espécie alógama sem apomixia (tabela 2). No gênero
Solanum há espécies autógamas e alógamas (Gardé 1959, Grun 1961, Whalen &
Anderson 1981). As espécies alógamas possuem sistema de incompatibilidade
gametofítico (Pandey 1960, Heslop-Harrison 1975). A auto-incompatibilidade é a
condição ancestral em Solanum, porém existem alguns casos no gênero em que é
secundária (Whalen & Anderson 1981). Em Solanum, a auto-incompatibilidade parece
estar restrita ao subgênero Potatoe e a algumas espécies do subgênero Leptostemonum,
ao qual S. paniculatum pertence. Até o momento, na Seção Torva, a incompatibilidade
genética é citada apenas para S. paniculatum, enquanto que S. hispidum (Baksh & Iqbal
1978) e S. torvum (Hossain 1973) são autocompatíveis. Anderson & Symon (1989)
sugeriram que a andromonoicia reduz a autogamia em várias espécies de Solanum da
Austrália.
A alogamia indica alta variabilidade genética em S. paniculatum. A autogamia, comum
em plantas invasoras herbáceas, confere pequena variabilidade genética em nível
populacional e capacidade de formar uma população rapidamente e com adaptação
imediata às condições do ambiente (Grant 1975). Entretanto, alguns grupos de plantas
invasoras perenes, do tipo hemicriptófitas (brotam do sistema subterrâneo no nível do
solo) e caméfitas (brotam de uma base caulinar aérea geralmente abaixo de 50 cm), são,
em geral, alógamas e constituídas de populações relativamente variáveis geneticamente
(Ehrendorfer 1965). Apesar de S. paniculatum ser uma espécie nanofanerófita, a técnica
de controle através de roçadas no nível do solo pode ter selecionado uma estratégia
semelhante à de plantas hemicriptófitas e caméfitas pela possibilidade de rebrota em
época favorável, após a roçada. Assim, poderia ser vantajoso à espécie manter alta
variabilidade através do cruzamento entre plantas, que lhes conferiria considerável
flexibilidade às condições do ambiente em anos consecutivos. Espécies pioneiras de
florestas tropicais, perenes, também são predominantemente alógamas (Bawa 1974).
Na população I, a baixa porcentagem de produção de frutos em condições naturais
(17%) e a total ausência no teste com polinização cruzada (tabela 2) poderiam ser
explicadas pelo excepcional e longo período de seca que ocorreu no ano de 1985 em
todo estado de São Paulo (Camargo et al. 1986). Além disso, alguns dias com altas
temperaturas devem ter agravado a deficiência hídrica no solo, implicando na queda de
flores.
Outra hipótese que poderia explicar a não formação de frutos na população I seria a
ocorrência de distúrbios meióticos, o que levaria à formação de gametas não funcionais.
Entretanto, o processo meiótico nas diversas células pareceu bastante regular, tanto no
pareamento como na disjunção dos cromossomos. O número cromossômico obtido
(n=12) confirma contagens anteriores para outras populações desta espécie, nos estados
da Bahia (Coleman & Smith 1969) e de São Paulo (Coleman 1982). A alta viabilidade
de pólen (acima de 86%, tabela 2), tanto em flores C como em flores L, confirma
indiretamente a regularidade da meiose.
As características morfológicas e comportamentais apresentadas pelas abelhas visitantes
de flores de Solanum paniculatum coincidem com as relacionadas à síndrome da
polinização vibrátil (Bowers 1975, Buchmann et al. 1977, Symon 1979, Coleman &
Coleman 1982, Buchmann 1983).
A ocorrência de polinizadores distintos (exceto Bombus morio, mas com freqüência de
visitas diferente) e de tamanhos diferentes nas duas populações (tabela 3) pode ser
explicado pelo fato de que nas proximidades da população II ocorriam outras espécies
de Solanum (S. mauritianum e S. ciliatum), cujas flores são maiores e mais vigorosas
que as de S. paniculatum, que também eram visitadas por abelhas grandes como
Bombus morio. A competição das três espécies de Solanum pelos polinizadores parece
ser diminuída pelo deslocamento preferencial de abelhas grandes (como Bombus morio
e outras) para espécies com flores maiores, com maior quantidade de pólen, enquanto as
abelhas menores (Augochloropsis sp 1 e Augochloropsis sp 2) procuram flores menores,
como as de S. paniculatum.
Agradecimentos - Aos Profs. Luiz Fernando Rödder e Moreira Aguiar, Pe. Jesus Santiago Moure e à
Profa. Maria Cristina Almeida pelas identificações dos Hymenoptera, ao Prof. João Augusto Alves Meira
e ao Dr. Condorcet Aranha pela identificação do material botânico e à Dra. Marlies Sazima e Dr. Ivan
Sazima pela orientação durante a execução do trabalho.
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1. Departamento de Botânica, Instituto de Biologia, Universidade Estadual de Campinas, Caixa Postal
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2. Departamento de Botânica, Setor de Ciências Biológicas, Universidade Federal do Paraná, Caixa Postal
19031, 81531-970 Curitiba, PR, Brasil.
3. Departamento de Ecologia, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, Caixa Postal 478, 69011-970
Manaus, AM, Brasil.
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