UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO FACULDADE DE LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA LEILA MARIA TESCH A EXPRESSÃO DO TEMPO FUTURO NO USO CAPIXABA: VARIAÇÃO E GRAMATICALIZAÇÃO RIO DE JANEIRO 2011 LEILA MARIA TESCH A EXPRESSÃO DO TEMPO FUTURO NO USO CAPIXABA: VARIAÇÃO E GRAMATICALIZAÇÃO Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Linguística da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Orientadora: Professora Doutora Vera Lúcia Paredes Pereira da Silva. RIO DE JANEIRO 2011 A EXPRESSÃO DO TEMPO FUTURO NO USO CAPIXABA: VARIAÇÃO E GRAMATICALIZAÇÃO LEILA MARIA TESCH Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em Linguística, da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Linguística. BANCA EXAMINADORA _____________________________________________________________________ Professora Doutora Vera Lúcia Paredes Pereira da Silva – UFRJ / Linguística (Orientadora) __________________________________________________________________________ Professora Doutora Dinah Maria Isensee Callou – UFRJ / Letras Vernáculas __________________________________________________________________________ Professora Doutora Lilian Coutinho Yacovenco – UFES /Estudos Linguísticos ___________________________________________________________________________ Professora Doutora Maria da Conceição Auxiliadora Paiva – UFRJ / Linguística __________________________________________________________________________ Professora Doutora Maria Maura da Conceição Cezário – UFRJ / Linguística __________________________________________________________________________ Professora Doutora Célia Regina dos Santos Lopes – UFRJ / Letras Vernáculas (suplente) ___________________________________________________________________________ Professora Doutora Afrânio Gonçalves Barbosa - UFRJ / Letras Vernáculas (suplente) Defendida a dissertação Conceito: Em: / / Aos meus pais Leomar e Rosalina, por terem desde cedo me incentivado pela busca do saber e sempre mostrado a importância do estudo. Ao meu marido André, meu amor, meu amigo e companheiro de todos os momentos. AGRADECIMENTOS Agradeço, primeiramente, a Deus, por me abençoar todos os dias. À querida professora Drª Vera Lúcia Paredes Pereira da Silva, com quem tenho aprendido muito desde o período do mestrado. Agradeço pela orientação segura e amiga, por sua generosa dedicação em todos os momentos deste estudo, por seu exemplar profissionalismo em atender aos meus questionamentos, bem como por sua sabedoria em conduzir os passos deste trabalho. Por compartilhar comigo, além da genialidade de sua inteligência, sua amizade, sua casa e seus livros. Aos meus pais, que sempre me deram exemplo de perseverança e dedicação para alcançar os ideais. Devo a eles a coragem de lutar pelos meus objetivos. Agradeço também por sempre mostrarem a importância da instrução escolar. Muito obrigada pelo carinho, pelas orações e palavras de ânimo durante os trechos difíceis dessa caminhada. Ao meu amado marido André, sempre companheiro. Serei eternamente grata por tantas demonstrações de carinho nos momentos tranquilos e difíceis. Não há palavras suficientes que possam traduzir minha gratidão. Muito obrigada por entender minhas ausências, minhas frustrações, minhas alegrias e sempre estar disposto a ouvir minhas colocações linguísticas, mesmo não sendo da área e, às vezes, sem saber ao certo do que se trata. À Lucineide, minha irmã, pelo carinho. A minha família, avós, tios, primos, enfim, a todos que sempre me apoiaram e incentivaram. À professora Drª Lilian Coutinho Yacovenco que desde a graduação tanto me ajudou e incentivou nessa busca pelo saber. Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pela bolsa concedida. Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Linguística da UFRJ, pelo acolhimento e enorme generosidade em repartir comigo seus conhecimentos, em especial aos professores Maria Maura Cezario e Mário Eduardo Martelotta, que deram dicas maravilhosas para o desenvolvimento deste trabalho. Aos meus amigos que souberam entender minha distância e deram ânimo para a continuidade do trabalho. E a outros que fizeram parte deste processo e que, porventura, deixei de citar. Sem a ajuda de todas essas pessoas, não seria capaz de realizar este estudo. Dedico a todos vocês esta pesquisa, esperando ter correspondido, dentro das minhas limitações, ao que dela se possa exigir. SINOPSE Estudo da variação entre as formas do futuro simples, ir no futuro + infinitivo, presente do indicativo e ir no presente + infinitivo, na expressão de futuro, com base nos princípios da Sociolinguística Variacionista Laboviana e do Funcionalismo Linguístico. Análise em tempo real, na modalidade escrita – Jornal A Gazeta décadas de 1930, 1970 e em 2008 –, e em tempo aparente, na modalidade falada, PortVix. RESUMO A EXPRESSÃO DO TEMPO FUTURO NO USO CAPIXABA: VARIAÇÃO E GRAMATICALIZAÇÃO LEILA MARIA TESCH Resumo da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em Linguística, da Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Linguística. Esta pesquisa focaliza a expressão do tempo futuro no uso capixaba, codificada pelas formas futuro simples, ir no futuro + verbo no infinitivo, presente do indicativo e ir no presente + verbo no infinitivo. O estudo abrange a modalidade oral, a partir da análise do corpus PortVix, e a modalidade escrita, por meio de amostras do jornal A Gazeta, década de 1930, década de 1970 e 2008. Com base nos princípios da Sociolinguística Variacionista e do Funcionalismo Linguístico, especialmente a gramaticalização, foram investigados os contextos linguísticos e sociais correlacionados à variação estudada. Em geral, os resultados demonstraram um uso distinto nas modalidades investigadas: maior preferência de futuro simples na escrita, porém em decréscimo ao longo de 80 anos, e predominância da forma perifrástica na fala e quase desaparecimento de futuro simples. Os resultados atestam que o fenômeno em estudo sofre influência de motivações de natureza diversa como paralelismo, extensão lexical, verbo modal, marca de futuridade fora do verbo, projeção de futuridade, conjugação verbal, tipo semântico do verbo e tipo textual. Além desses, foram investigados fatores específicos para cada modalidade, como o gênero textual para a escrita e os fatores sociais para a fala. Em relação a uma possível mudança em curso, através do processo de gramaticalização de ir na expressão de futuro, o estudo mostrou resultados relevantes, tendo em vista a implementação da perífrase com ir para indicar tempo, confirmando tendência já observada em outras variedades do português brasileiro. Palavras-chave: Futuro, Teoria da Variação e Mudança, Gramaticalização. RIO DE JANEIRO 2011 ABSTRACT THE EXPRESSION OF FUTURE TIME IN THE CAPIXABA’S USE: VARIATION AND GRAMMATICALIZATION LEILA MARIA TESCH Abstract da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em Linguística, da Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Linguística. The present research focuses on the expression of the Simple Future Tense by the Capixaba people, coded by the Simple Future conjugation, to go in the simple future tense + verb in the infinitive, simple present and go in the simple present tense + verb in the infinitive. The referred study encompasses the oral features, obtained by the analysis of the corpus PortVix, besides the written features gotten by means of samples from A Gazeta newspaper extracts, related to the 30’s and 70’s along with the year 2008. Based upon the principles of the Variacionist Sociolinguistics and the Linguistics Function, especially the grammaticality, an investigation of the linguistic and social contexts correlated to the variations analyzed was also performed. In general terms the results led to a distinctive usage between the mentioned features: there was a greater preference for the Simple Future tense in the written form, which has been decreasing alongside 80 years though, and a distinctive predominance of the perifrastic form in the spoken feature along with a quite disappearance of the simple future tense. The results prove that the phenomenon studied is influenced by many different sources such as parallelism, lexical extension, modal verb, presence of future tense not in the verb itself, future form projection, verbal conjugation, semantic type of the verb as well as the textual type used. In addition, the specific factors related to each individual feature were also investigated, such as the textual genre and the social factors which influence the spoken language. Regarding to a possible shifting through the grammatical process of to go whenever the future tense is expressed, the study showed relevant results considering the implementation of the periphrase with the verb to go in order to refer to a future time, which has confirmed an already observed trend among other variations of the Brazilian Portuguese Language. Key-words: Future, Theory of Variation and Change, Grammaticalization. RIO DE JANEIRO 2011 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 16 1. APRESENTAÇÃO DO TEMA ........................................................................................... 21 2. REVISÃO NA LITERATURA ............................................................................................ 26 2.1 GRAMÁTICAS DO PORTUGUÊS .................................................................................. 26 2.2 ESTUDOS ESPECÍFICOS ................................................................................................ 29 3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ....................................................................................... 39 3.1 SOCIOLINGUÍSTICA VARIACIONISTA ...................................................................... 39 3.2 FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO ................................................................................. 45 3.2.1 Gramaticalização ............................................................................................................. 49 3.2.1.1 Algumas considerações sobre o verbo ir ...................................................................... 57 4. ORIENTAÇÃO METODOLÓGICA ................................................................................... 64 4.1 DESCRIÇÃO DOS CORPORA......................................................................................... 65 4.2 ETAPAS DA PESQUISA .................................................................................................. 70 4.3 DESCRIÇÃO DO TRATAMENTO DOS DADOS .......................................................... 71 4.3.1 Paralelismo ...................................................................................................................... 72 4.3.2 Extensão lexical ............................................................................................................... 77 4.3.3 Verbo modal .................................................................................................................... 80 4.3.4 Marca de futuridade fora do verbo .................................................................................. 84 4.3.5 Projeção de futuridade ..................................................................................................... 88 4.3.6 Conjugação verbal ........................................................................................................... 91 4.3.7 Escala de modalidade ...................................................................................................... 92 4.3.8 Tipo semântico do verbo ................................................................................................. 97 4.3.9 Tipos de texto / Sequências textuais .............................................................................. 104 4.3.10 Tipo de sentença .......................................................................................................... 112 4.3.11 Gênero textual.............................................................................................................. 114 5. ANÁLISE DOS CORPORA ............................................................................................... 121 5.1 ANÁLISE DE A GAZETA 1930 ..................................................................................... 121 5.1.1 Conclusões parciais ....................................................................................................... 127 5.2 ANÁLISE DE A GAZETA 1970 ..................................................................................... 128 5.2.1 Conjugação verbal ......................................................................................................... 134 5.2.2 Marca de futuridade fora do verbo ................................................................................ 135 5.2.3 Tipo semântico do verbo ............................................................................................... 136 5.2.4 Projeção de futuridade ................................................................................................... 137 5.2.6 Conclusões parciais ....................................................................................................... 138 5.3 ANÁLISE DE A GAZETA 2008 ..................................................................................... 139 5.3.1 Gênero textual................................................................................................................ 144 5.3.2 Paralelismo .................................................................................................................... 146 5.3.3 Extensão lexical ............................................................................................................. 148 5.3.4 Verbo modal .................................................................................................................. 150 5.3.5 Conjugação verbal ......................................................................................................... 151 5.3.6 Tipo semântico do verbo ............................................................................................... 152 5.3.7 Tipo de texto / Sequência textual .................................................................................. 153 5.3.8 Projeção de futuridade ................................................................................................... 155 5.3.9 Marca de futuridade fora do verbo ................................................................................ 156 5.3.10 Escala de modalidade .................................................................................................. 157 5.3.11 Conclusões parciais ..................................................................................................... 160 5.4 ANÁLISE DO PORTVIX ................................................................................................ 163 5.4.1 Paralelismo .................................................................................................................... 168 5.4.2 Verbo modal .................................................................................................................. 169 5.4.3 Extensão lexical ............................................................................................................. 170 5.4.4 Conjugação verbal ......................................................................................................... 171 5.4.5 Faixa etária .................................................................................................................... 171 5.4.6 Escolaridade................................................................................................................... 174 5.4.7 Sexo/gênero ................................................................................................................... 177 5.4.8 Conclusões parciais ....................................................................................................... 179 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 183 7. REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 187 LISTA DE TABELAS Tabela 01: Distribuição das variantes na língua escrita por séculos (Oliveira 2006, p. 92), p. 35 Tabela 02: Distribuição das variantes de referência temporal futura por século (Malvar e Poplack 2008, p. 191), p. 36 Tabela 03: Principais processos de gramaticalização de verbos plenos em auxiliares, p. 53 Tabela 04: Distribuição das ocorrências de ir nos corpora analisados, p. 62 Tabela 05: Distribuição dos dados em cada corpus analisado, p. 64 Tabela 06: Distribuição dos informantes de acordo com as variáveis sociais, p. 66 Tabela 07: Distribuição dos informantes analisados nesta pesquisa de acordo com as variáveis sociais, p. 67 Tabela 08: Distribuição das ocorrências indicadoras de futuro no corpus A Gazeta 1930, p. 121 Tabela 09: Distribuição das ocorrências indicadoras de futuro no corpus A Gazeta 1970, p. 128 Tabela 10: Influência do grupo de fatores CONJUGAÇÃO VERBAL no corpus A Gazeta 1970, p. 134 Tabela 11: Influência do grupo de fatores MARCA DE FUTURIDADE no corpus A Gazeta 1970, p. 136 Tabela 12: Influência do grupo de fatores TIPO SEMÂNTICO DO VERBO na escolha de ir no presente + verbo no infinitivo vs. futuro simples no corpus A Gazeta 1970, p. 136 Tabela 13: Influência do grupo de fatores TIPO SEMÂNTICO DO VERBO na escolha de ir no presente + verbo no infinitivo vs. futuro simples no corpus A Gazeta 1970, p. 137 Tabela 14: Influência do grupo de fatores PROJEÇÃO DE FUTURIDADE na escolha de ir no presente + verbo no infinitivo vs. futuro simples no corpus A Gazeta 1970, p. 138 Tabela 15: Distribuição das ocorrências indicadoras de futuro no corpus A Gazeta 2008, p. 140 Tabela 16: Influência do grupo de fatores GÊNERO TEXTUAL na escolha de ir no presente + infinitivo vs. futuro simples no corpus A Gazeta 2008, p. 145 Tabela 17: Influência do grupo de fatores GÊNERO TEXTUAL na escolha de futuro simples vs. presente do indicativo no corpus A Gazeta 2008, p. 145 Tabela 18: Influência do grupo de fatores PARALELISMO na escolha de ir no presente + infinitivo vs. presente do indicativo no corpus A Gazeta 2008, p. 146 Tabela 19: Influência do grupo de fatores PARALELISMO na escolha de ir no presente + infinitivo vs. futuro simples no corpus A Gazeta 2008, p. 146 Tabela 20: Influência do grupo de fatores PARALELISMO na escolha de futuro simples vs. presente do indicativo no corpus A Gazeta 2008, p. 147 Tabela 21: Influência do grupo de fatores EXTENSÃO LEXICAL na escolha de ir no presente + infinitivo vs. presente do indicativo no corpus A Gazeta 2008, p. 148 Tabela 22: Influência do grupo de fatores EXTENSÃO LEXICAL na escolha de ir no presente + infinitivo vs. futuro simples no corpus A Gazeta 2008, p. 149 Tabela 23: Influência do grupo de fatores EXTENSÃO LEXICAL na escolha de futuro simples vs. presente do indicativo no corpus A Gazeta 2008, p. 149 Tabela 24: Influência do grupo de fatores VERBO MODAL na escolha de ir no presente + infinitivo vs. presente do indicativo no corpus A Gazeta 2008, p. 150 Tabela 25: Influência do grupo de fatores VERBO MODAL na escolha de ir no presente + infinitivo vs. futuro simples no corpus A Gazeta 2008, p. 150 Tabela 26: Influência do grupo de fatores VERBO MODAL na escolha de futuro simples vs. presente do indicativo no corpus A Gazeta 2008, p. 151 Tabela 27: Influência do grupo de fatores CONJUGAÇÃO VERBAL na escolha de futuro simples vs. presente do indicativono corpus A Gazeta 2008, p. 151 Tabela 28: Influência do grupo de fatores TIPO SEMÂNTICO DO VERBO na escolha de ir no presente + infinitivo vs. presente do indicativo no corpus A Gazeta 2008, p. 152 Tabela 29: Influência do grupo de fatores TIPO SEMÂNTICO DO VERBO na escolha de ir no presente + infinitivo vs. futuro simples no corpus A Gazeta 2008, p. 153 Tabela 30: Influência do grupo de fatores SEQUÊNCIA TEXTUAL na escolha de ir no presente + infinitivo vs. presente do indicativo no corpus A Gazeta 2008, p. 154 Tabela 31: Influência do grupo de fatores SEQUÊNCIA TEXTUAL na escolha de futuro simples vs. presente do indicativo no corpus A Gazeta 2008, p. 154 Tabela 32: Influência do grupo de fatores PROJEÇÃO DE FUTURIDADE na escolha de ir no presente + infinitivo vs. futuro simples no corpus A Gazeta 2008, p. 156 Tabela 33: Influência do grupo de fatores MARCA DE FUTURIDADE FORA DO VERBO na escolha de ir no presente + infinitivo vs. presente do indicativo no corpus A Gazeta 2008, p. 157 Tabela 34: Influência do grupo de fatores ESCALA DE MODALIDADE na escolha de ir no presente + infinitivo vs. presente do indicativo no corpus A Gazeta 2008, p. 159 Tabela 35: Influência do grupo de fatores ESCALA DE MODALIDADE na escolha de ir no presente + infinitivo vs. futuro simples no corpus A Gazeta 2008, p. 159 Tabela 36: Influência do grupo de fatores ESCALA DE MODALIDADE na escolha de futuro simples vs. presente do indicativo no corpus A Gazeta 2008, p. 159 Tabela 37: Distribuição das ocorrências indicadoras de futuro no corpus PortVix, p. 163 Tabela 38: Influência do grupo de fatores PARALELISMO na escolha de ir no presente + infinitivo no corpus PortVix, p.168 Tabela 39: Influência do grupo de fatores VERBO MODAL na escolha de ir no presente + infinitivo no corpus PortVix, p. 169 Tabela 40: Influência do grupo de fatores EXTENSÃO LEXICAL na escolha de ir no presente no corpus PortVix, p. 170 Tabela 41: Influência do grupo de fatores CONJUGAÇÃO VERBAL na escolha de ir no presente + infinitivo no corpus PortVix, p. 171 Tabela 42: Influência do grupo de fatores FAIXA ETÁRIA na escolha das variantes no corpus PortVix, p. 172 Tabela 43: Influência do grupo de fatores ESCOLARIDADE na escolha das variantes no corpus PortVix, p. 175 Tabela 44: Influência do grupo de fatores SEXO/GÊNERO na escolha das variantes no corpus PortVix, p. 178 Tabela 45: Síntese dos resultados dos corpora analisados, p. 183 LISTA DE QUADROS E GRÁFICOS QUADROS: Quadro 01: Distinção entre tipos textuais e gêneros textuais, proposto por Marcuschi (2010), p. 105 Quadro 02: Grupos de fatores selecionados nas três rodadas realizadas, p. 144 Quadro 03: Comparação entre as formas variantes para codificar o futuro e o irrealis, no corpus PortVix, p. 167 GRÁFICOS: Gráfico 01: Distribuição das ocorrências na expressão de futuro no jornal A Gazeta 1930, p. 122 Gráfico 02: Distribuição das ocorrências na expressão de futuro no jornal A Gazeta 1970, p. 129 Gráfico 03: Comparação entre os resultados do jornal A Gazeta 1930 e 1970, p. 130 Gráfico 04: Distribuição das ocorrências na expressão de futuro no jornal A Gazeta 2008, p. 140 Gráfico 05: Comparação entre os resultados do jornal A Gazeta 1930, 1970 e 2008, p. 142 Gráfico 06: Distribuição das ocorrências na expressão de futuro no PortVix, p. 165 Gráfico 07: Comparação entre os resultados do jornal A Gazeta 1930, 1970, 2008 e PortVix, p. 166 Gráfico 08: Distribuição das variantes presente do indicativo e ir no presente + infinitivo nas quatro faixas etárias, p. 173 Gráfico 09: Distribuição das variantes presente do indicativo e ir no presente + infinitivo nos três níveis de escolaridade, p. 176 Gráfico 10: Comparação dos resultados de diversas pesquisas, p. 181 16 INTRODUÇÃO Neste trabalho, analisamos a variação entre as formas verbais indicadoras de futuro, postulando que essa referência futura é codificada na língua portuguesa por formas alternantes, tratando-se, pois, de um fenômeno de variação linguística. Estudiosos da linguagem têm mostrado, de maneira clara, que fenômenos variáveis, embora comumente desconsiderados por gramáticas tradicionais e por professores de língua portuguesa, apresentam comportamentos sistemáticos, não são aleatórios, como verificaremos neste trabalho. Em Tesch (2007), pesquisamos a variação entre as formas Futuro do pretérito e Pretérito imperfeito do indicativo, nas formas sintéticas e perifrásticas (ir + verbo no infinitivo), no âmbito do irrealis, na fala capixaba1. A partir desse trabalho, decidimos investigar a variação das formas indicadoras de futuro na fala capixaba, além de verificar dados da modalidade escrita da língua, em diferentes décadas, a fim de constatar se a forma perifrástica com ir é recorrente na língua escrita e tentar observar suas etapas de evolução. Durante o levantamento dos dados deste trabalho, nas modalidades falada e escrita da língua portuguesa, verificamos a variação entre o futuro do presente e o presente do indicativo para expressar o futuro. O futuro, enquanto categoria linguística, ocorre no português, tanto na língua falada como na escrita, e para expressá-lo o falante utiliza várias formas verbais. Contudo, vale ressaltar que essa variação não é binária, uma vez que há, paralelamente às formas sintéticas, as formas perifrásticas. Portanto, analisamos, nesta tese, a variação entre as seguintes formas: 1) Futuro simples: Quando for possível, eu estudarei. 2) Ir no futuro + verbo no infinitivo: Quando for possível, eu irei estudar. 1 Este trabalho foi o primeiro a analisar sistematicamente todo o corpus PortVix. 17 3) Presente do indicativo: Quando for possível, eu estudo. 4) Ir no presente + verbo no infinitivo: Quando for possível, eu vou estudar. Os falantes de português, de um modo geral, não reagem negativamente ao uso das formas perifrásticas expressando futuro, no lugar antes reservado ao futuro simples (1) ou ao presente do indicativo (3). Isso ocorre porque estamos investigando um fenômeno que não sofre estigma social, embora o futuro simples seja considerado a forma prescrita. Nesta tese, propomo-nos tratar essa possibilidade como fenômeno de variação linguística. Para isso, analisamos dados de uso real da língua, nas modalidades falada e escrita. Na modalidade falada, coletamos dados do corpus PortVix, constituído de entrevistas com 46 informantes capixabas de diferentes faixas etárias, níveis de escolaridade e sexos. Na modalidade escrita, investigamos as ocorrências no jornal A Gazeta, importante jornal do Espírito Santo, nas décadas de 1930, 1970 e no ano de 2008. Além disso, comparamos os nossos resultados com os já obtidos em outras análises do português de diversas regiões do país, contribuindo, dessa forma, para uma visão conjunta da utilização de ir como marca de futuro. Assim, esta tese objetiva descrever e analisar as formas de expressão do futuro. Para isso, são identificados os fatores que motivam o uso de uma forma ou de outra nesses contextos, enfocando a variação entre as formas sintética e perifrástica. Portanto, objetivamos contribuir para a caracterização desse tempo verbal no português do Brasil. Além disso, esta pesquisa pretende analisar o processo de gramaticalização do verbo ir, buscando, inclusive, fazer um estudo diacrônico na modalidade escrita da língua portuguesa. O estudo diacrônico desse fenômeno pode nos apontar um processo de mudança linguística na indicação de futuro, principalmente em relação ao uso da forma perifrástica com ir. Vale ressaltar que este é o primeiro trabalho a analisar sistematicamente as 18 modalidades oral e escrita no Espírito Santo, seguindo os princípios da Sociolinguística Variacionista. Há a necessidade de se desenvolver pesquisas desse cunho nessa comunidade linguística, tendo em vista que poucos estudos foram realizados e pouco se sabe a respeito das características linguísticas dos capixabas. Esta pesquisa também possibilitará observar se a forma inovadora – ir + verbo no infinitivo – é utilizada na modalidade escrita e em caso positivo em quais contextos linguísticos. Ressaltando que uma mudança linguística não é abrupta, mas lenta, gradual e exige um período de variação entre as formas (Weinreich, Labov, Herzog 2006, p. 126). Entretanto, os objetivos desta pesquisa não se restringem às questões propostas pela teoria variacionista, embora seja essa a linha principal do trabalho. Ao percebermos que a forma perifrástica constitui-se numa forma nova dentro da língua e que ela parece ocupar um novo espaço no sistema linguístico, buscamos mostrar com este trabalho sua trajetória sob o foco da teoria da gramaticalização, de acordo com o exposto e discutido por vários teóricos dessa linha, dos quais se destacam Hopper (1991, 1993), Traugott (1995, 1991, 2003), Heine (1991, 1993, 2003) e Bybee (2001, 2003), nos diversos textos por eles publicados. Para alcançar os objetivos propostos, algumas hipóteses foram levantadas: a) há atualmente uma preferência pelo uso de formas perifrásticas de ir + verbo no infinitivo, tanto para o futuro do presente como para o futuro do pretérito, principalmente na modalidade oral; b) o verbo ir está passando por um processo de gramaticalização; c) a perífrase ir é pouco utilizada, na modalidade escrita, nas primeiras décadas do século XX; d) a construção ir + verbo no infinitivo não apresenta atualmente perdas de nuances modais/aspectuais, apenas o enfraquecimento dessas categorias; e) há maior predominância da variante futuro simples na modalidade escrita, pois a mudança se implementa inicialmente na fala, incorporando-se mais tardiamente à escrita e f) o futuro simples atualmente está mais atuante na modalidade escrita. 19 Esta tese objetiva, assim, descrever e analisar o comportamento das formas variantes indicadoras de futuro na comunidade linguística capixaba, na modalidade oral, por meio da análise do PortVix, e da modalidade escrita, em três períodos distintos no decorrer de 80 anos, a partir do jornal A Gazeta. Inicialmente, nesta tese, faz-se uma apresentação do tema, delimitando o contexto de variação. Abordam-se, também, as noções de tempo e modalidade, relacionando-as ao fenômeno estudado. No capítulo 2, apresenta-se uma revisão na literatura, com apontamentos retirados de gramáticas do português, como as de Said Ali (1966), Luft (2000), Mira Mateus et al (1983), Cunha & Cintra (2001), Bechara (2000) e Neves (2000), e de estudos específicos sobre as formas variantes que expressam o tempo futuro, como os de Câmara Jr. (1956, 1971, 1977), Gibbon (2000), Santos (2000), Gryner (2002, 2003), Oliveira (2006), Malvar e Poplack (2008) e Bragança (2008). O fenômeno estudado enquadra-se no quadro da Teoria Sociolinguística Variacionista e do Funcionalismo Linguístico, além de ser apresentado o paradigma da gramaticalização, discutido no capítulo 3. No capítulo 4, há uma descrição dos corpora pesquisados nesta tese. Este capítulo também é destinado à definição da metodologia empregada e apresentação, discussão e exemplificação dos grupos de fatores analisados. Além disso, há algumas colocações acerca do programa computacional utilizado, Goldvarb X. O capítulo 5 destina-se à descrição e interpretação dos resultados nos corpora A Gazeta 1930, A Gazeta 1970, A Gazeta 2008 e PortVix, respectivamente. Inicialmente, são apresentados os resultados gerais da pesquisa em cada corpus. Em seguida, apontamos os resultados específicos a cada grupo de fatores selecionados pelo programa computacional e os 20 interpretamos. Ao final da análise de cada corpus, será apresentada uma seção de conclusões parciais, com o objetivo de traçar características consideradas relevantes para cada um deles. Juntamente à análise dos resultados de cada corpus, faremos um estudo das formas perifrásticas com ir, verificando um possível caminho de gramaticalização desse verbo, fundamentados em uma investigação sincrônica e diacrônica. Acreditamos que o verbo ir esteja em processo de gramaticalização, posto que parece assumir a função de um auxiliar verbal, como em Vou estudar, deixando de significar somente movimento, como verbo pleno, Vou à escola. Na conclusão, o tema da tese é retomado e são enumerados os resultados mais relevantes da pesquisa desenvolvida. Além disso, são apontadas questões futuras ainda a serem desenvolvidas acerca do tema estudado. 21 1. APRESENTAÇÃO DO TEMA Os tempos verbais têm despertado o interesse de diversos pesquisadores do português brasileiro, principalmente nas linhas funcionalista e sociolinguística variacionista. Esse fato pode ser comprovado ao se constatarem os inúmeros trabalhos publicados a respeito do assunto. As formas de futuro, analisadas nesta tese, por exemplo, já foram investigadas por diversos linguistas, em estudos que têm apontado a tendência ao uso de formas perifrásticas, paralelamente às formas sintéticas. Assim, os tempos verbais do futuro foram pesquisados por Gibbon (2000), na língua falada de Florianópolis; Santos (2000), no português formal e informal falado no Rio de Janeiro; Oliveira (2006), em estudo em tempo real de longa e curta duração (tendência), com dados do século XIII ao XX; Bragança (2008), em entrevistas de informantes capixabas universitários e em editoriais do jornal A Gazeta, ano de 2006 e Malvar & Poplack (2008), nas modalidades escrita e falada do século XVI ao XX. Segundo Câmara Jr. (1956, p. 29), o latim apresentava inicialmente, a partir do século III a.C., três formas de futuro: a) futuros arcaicos, como faxo e capso – que remontavam aos futuros em –so do grego e do osco-umbro e em –sya do sânscrito; b) formas de origem subjuntiva, como erro, legam e uenies; c) formas em -bo, como cantabo, de raiz indoeuropeia –bhwe. Contudo, Câmara Jr. (1956, p. 22) afirma que a divisão temporal não é “tripartida em presente, passado e futuro, (...). O que há primordialmente é uma dicotomia entre presente e passado” e o futuro apresenta noções modais complementares. Para o autor (1956, p. 25), o impulso linguístico que criou um futuro gramatical, não foi o de situar o processo como posterior ao momento em que se fala, mas o de assinalar uma atitude do sujeito falante em relação a um processo assim posterior ao momento da enunciação. Para o teor indicativo de franca asserção as formas do presente servem satisfatoriamente de expressão de processos por acontecer. Pode-se dizer que essas formas abarcam o futuro na sua categoria temporal. Para o processo que se vai dar, o sujeito falante prolonga a atualidade que vive, e o futuro se resolve linguisticamente em presente. 22 Assim, parece-nos que o futuro é muito polêmico em termos de possibilitar o enquadramento da sua identidade como categoria de tempo. O futuro não pode expressar uma modalidade factual, tendo em vista que só aceita asserções segundo a avaliação que o falante faz da possibilidade ou impossibilidade da ocorrência de um estado de coisas. Assim, é possível afirmar que na expressão de futuro há sempre um valor modal ligado ao valor temporal. No latim clássico, a princípio, existia uma forma sintética, puramente temporal, típica da língua culta. Entretanto, aos poucos, essa forma foi sendo substituída pelo uso da perífrase de futuro com o auxílio de habeo. Segundo Lausberg (1981, p. 404), a justificativa para a utilização de perífrases é que o grau de conteúdo semântico das formas sintéticas é ‘gramaticalmente normal’, ao passo que o das formas analíticas – cantare habeo – é ‘rico’: as formas analíticas não se limitam à esfera gramatical normal dos seus correspondentes sintéticos, antes têm o seu ponto de gravidade semântico noutros conteúdos ([...] cantare habeo no conteúdo de interação subjetiva ‘tenciono cantar’). Quando estes conteúdos passam a preencher a função da esfera gramatical normal, eles enriquecem semanticamente esta esfera. Essa distinção entre o grau de conteúdo semântico das formas sintéticas, ‘gramaticalmente normal’ e o das formas analíticas ‘rico’ ocorre quando essas duas formas coexistem vivas na língua. Portanto, parece-nos possível que essa tenha sido uma das causas que levaram a forma sintética amabo a se tornar menos frequente e posteriormente ser suplantada definitivamente pela perífrase no latim vulgar. Além disso, Lausberg (op cit, p. 406) acrescenta outro motivo para o desaparecimento do futuro latino – “a possibilidade de expressão mais clara por meio de perífrases”. Ainda em relação às perífrases, o autor afirma que habeo poderia vir tanto anteposto como posposto ao verbo principal. Contudo, no decorrer do tempo, habeo passou a ser usado definitivamente no final da construção, forma que chegou ao português como amarei. 23 Assim, podemos descrever a trajetória percorrida pelo futuro desde o latim clássico ao português da seguinte forma: Latim clássico Latim pósclássico Latim vulgar ou Romance Latim vulgar tardio Amabo amare habeo > amabo amare habeo > habeo amare amare habeo > amarei > Português Assim, pode-se constatar um processo cíclico da formação do futuro: formas sintéticas > formas perifrásticas > formas sintéticas... Atualmente, no português, estamos novamente passando por um processo de transformação em que a forma sintética parece estar sendo substituída pela forma perifrástica – ir + verbo no infinitivo – dando continuidade a esse processo cíclico2. Fleischman (1982, p. 83) afirma que a perífrase formada com ir surgiu no Espanhol, Francês e Português a partir dos séculos XII e XIV. Nas línguas românicas, a perífrase passou a ser generalizada na fala coloquial durante o século XV e só foi admitida em conversações polidas e discursos literários nos séculos XVI e XVII. E, como podemos perceber, desde então, seu uso tem aumentado. Retomando a discussão do uso do futuro, as categorias verbais de tempo, aspecto e modo frequentemente se encontram interconectadas e a problemática nesse tempo verbal nasce justamente desse encontro de categorias, as quais, na literatura givoniana (1990), são referenciadas pela sigla TAM. Por isso, o futuro pode ser considerado uma forma controversa, visto que determinadas formas verbais que expressam futuro parecem indicar que, às vezes, as três categorias – TAM – estão juntas, outras que se trata apenas de uma temporalização com nuances aspectuais, modais. 2 Como em outros tempos da conjugação verbal, por exemplo, futuro do pretérito e pretérito mais que perfeito. 24 Devido ao fato de a modalidade ser fonte primária dos futuros é que surgem tantas nuances associadas às formas de futuro. Essa questão pode ser constatada ao se observar a trajetória do futuro desde o latim clássico até a língua portuguesa, ilustrando bem esse jogo modal/aspectual/temporal. Bybee e Pagliuca (1987) afirmam que os morfemas que expressam futuro não indicam estritamente a noção temporal, há outros significados envolvidos. Por esse motivo, o morfema de futuro pode derivar de verbos que indicam desejo, obrigação ou movimento, citando os exemplos no inglês dos verbos shall, will e be going to. Segundo os autores, isso seria mais comum em verbos que indicam movimento e esse fato pode ser comprovado no português, em que o verbo ir passou a ser utilizado para indicar futuro, quando seguido de um verbo no infinitivo. A respeito do uso de be going to, Bybee e Pagliuca (1987, p. 116) afirmam também que parte do significado original da construção envolve o movimento rumo a um objetivo, pois, ao longo do tempo, a expressão perdeu a noção de mudança de localização e foi usada para indicar movimento rumo a um objetivo de um modo mais figurado. Assim, ao usar essa expressão, o sujeito está a caminho de um objetivo que pode ser um evento, um estado ou uma atividade. Com o objetivo de contribuir para o estudo dessa forma, analisamos nesta tese a variação para a expressão do futuro. Consideramos como possibilidades para essa expressão duas formas sintéticas – futuro simples e presente do indicativo (estudarei e estudo, respectivamente) – e duas formas perifrásticas – ir no futuro simples + verbo no infinitivo e ir no presente + verbo no infinitivo (irei estudar e vou estudar, respectivamente). Foram estudadas somente as ocorrências intercambiáveis entre si, retirando aquelas nas quais essa correlação não fosse possível. 25 Com o desenvolvimento deste trabalho, pretendemos verificar algumas questões mais específicas. A primeira delas se refere a observar se as variantes aqui estudadas apresentam diferentes comportamentos no português utilizado pelos capixabas, nas modalidades de língua falada e escrita, e no decorrer de um período. Dessa forma, possibilitar um maior conhecimento da língua efetivamente utilizada pelos capixabas, contribuindo assim para o ensino de língua materna e para uma revisão do conceito de norma, visto que os falantes nem sempre se utilizam da variante padrão em seu cotidiano. Nosso objetivo também é evidenciar até que ponto as formas perifrásticas e o presente do indicativo se comportam como variantes quando a função linguística em jogo é a expressão do tempo futuro. Além disso, verificar se o fenômeno investigado se comporta como variação estável ou se é possível caracterizá-lo como mudança em progresso. Para alcançar esses resultados, trataremos estatisticamente os dados, a partir dos programas da série Goldvarb X. Também há a pretensão de analisar o percurso do verbo ir sob a ótica da gramaticalização. Além disso, comparar os dados obtidos na pesquisa com os de outros já realizados pelo Brasil, como os de Santos (2000) e Gibbon (2000), Oliveira (2006), Malvar e Poplack (2008) e Bragança (2008). 26 2. REVISÃO NA LITERATURA Durante o estudo do tema aqui tratado, pesquisamos textos que abordavam direta ou indiretamente a expressão do tempo futuro. Apresentamos a seguir algumas colocações encontradas em gramáticas do português e em estudos específicos. 2.1 GRAMÁTICAS DO PORTUGUÊS A variação futuro simples e presente do indicativo já foi apresentada, direta ou indiretamente, por diversos gramáticos da Língua Portuguesa. Abordam-se, a seguir, questões referentes ao tema em foco sob a ótica de Said Ali (1966), Luft (2000), Mira Mateus et al (1983), Cunha & Cintra (2001), Bechara (2000) e Neves (2000). Said Ali (1966, p. 143), em sua Gramática Histórica da Língua Portuguesa, apresenta um breve histórico das formas de futuro nas línguas românicas. Observe as colocações do autor: As línguas românicas ficaram privadas das formas de futuro do indicativo que possuía o idioma latino. Supriu-se a falta, unindo ao infinitivo o presente de haver para o futuro do presente e criando analogamente o futuro do pretérito pela junção do imperativo havia (contraído em hia) ao infinitivo. Posteriormente, ao apontar as funções dos tempos verbais, o autor afirma ser frequente, “sobretudo em linguagem familiar”, o emprego do presente do indicativo para denotar ações futuras. Este presente-futuro tem sobre o futuro propriamente dito a vantagem de ser a forma mais simples; é, além disso, bom recurso de linguagem para produzir impressão mais viva, pois que, expondo os sucessos vindouros, como se já fossem realidade atual, sugerimos no ouvinte a certeza do cumprimento e lhe faremos esquecer as contingências do futuro. Comparem-se “Amanhã vou à sua casa” e “Irei à sua casa”. (Said Ali, 1966, p. 311). 27 Ao abordar as funções do futuro, afirma ser frequente no Brasil se recorrer ao presente do indicativo, como em “O Senhor me perdoará” por “Perdoe-me o Senhor”. Além disso, reconhece a combinação ir + verbo no infinitivo para designar locomoção, desejo de realizar algo ou um fato que não tardará a se realizar. Said Ali aponta a construção ir + verbo no infinitivo como uma possível substituta do futuro simples e como indicadora de uma ação futura imediata. Celso Pedro Luft (2000), em sua Moderna Gramática Brasileira, não aborda diretamente o uso do futuro, mas apresenta informações interessantes no capítulo relacionado aos tempos verbais. Notamos que, primeiramente, o autor não aceita a tripartição temporal, afirmando que o tempo futuro não existe, ou seja, em sua gramática aparece uma visão temporal dicotômica (passado/ presente). Em seguida, Luft (2000, p. 131) procura esclarecer sua posição. os chamados ‘futuros’ são locuções de infinitivo + haver mascaradas: cantar hei, cantar hia, com aglutinação na pronúncia (1º acento tônico absorvido pelo segundo), representada na escrita: cantarei, cantaria. A semântica de ‘decisão, projeto (irei), hipótese (onde está Fulano?), etc.’ é ‘modo’ (e não ‘tempo’), próprio de haver – auxiliar ‘modal’; tempo, só na implicação secundária de que planos, decisões, etc. se projetam no futuro. Os termos da NGB – futuro do presente/futuro do pretérito – permitem pois esta paráfrase: o ‘futuro’ está na semântica de projeto, decisão, etc. e presente/ pretérito (imperfeito) são os do verbo haver aí camuflado: hei/ havia = hia. Mira Mateus et al (1983) afirmam que o futuro é expresso pelo presente do indicativo ou pelo futuro do presente. Além disso, esclarecem que o presente simples ou o presente perifrástico aparecem generalizadamente em vez do futuro do indicativo para exprimir a localização de um estado de coisas que o locutor encare como certa ou como altamente provável. Porém, segundo as autoras, o uso do presente do indicativo co-ocorre geralmente com expressões com valor de adverbiais temporais. O futuro é visto como um meio de exprimir um valor temporal, associado a um valor modal de não-factualidade. E o uso do 28 presente do indicativo com valor de futuro expressa os estados de coisas como necessário, impossível ou altamente provável. Em relação ao tempo verbal do presente do indicativo, Cunha e Cintra (2001, p. 441), entre alguns empregos, apresentam a função de “marcar um fato futuro, mas próximo; caso em que, para impedir qualquer ambiguidade, faz-se acompanhar geralmente de um adjunto adverbial”. Esse emprego para designar uma ação futura pode emprestar a certeza da atualidade a um fato para ocorrer. Ainda a respeito da possível variação do uso do futuro do presente e do presente do indicativo, afirmam os autores (2001, p. 460) que “convém atentar nos efeitos estilísticos opositivos: se o emprego do presente pelo futuro empresta ao fato a idéia de certeza, o uso do futuro pelo presente provoca efeito contrário, por transformar o certo em possível”. Ao apontar alguns possíveis empregos do presente do indicativo, Bechara (2003, p. 276) afirma haver a substituição do futuro do indicativo “para indicar com ênfase uma decisão”, fornecendo o seguinte exemplo: “Amanhã eu vou à cidade”. Além disso, ao descrever o futuro do presente, afirma que pode ocorrer em lugar do presente, exprimindo “incerteza ou idéia aproximada, simples possibilidade ou asseveração modesta” (2003, p. 279). Neves (2000, p. 65), em Gramática de usos do português, ao abordar os verbos auxiliares de tempo, cita a construção do verbo ir com infinitivo de outro verbo como indicadora de futuro. Nas gramáticas acima referidas, a variação do futuro verbal não é formalmente apresentada. E, mesmo nos casos em que ela é reconhecida, admite-se uma diferença de significado entre as formas. 29 É perceptível, a partir das abordagens, que a maioria dos gramáticos prefere usar “substituição” ou “possíveis empregos” para se referir à variação entre o futuro do presente e presente do indicativo. Além disso, não se referem às construções perifrásticas. 2.2 ESTUDOS ESPECÍFICOS A alternância futuro do presente e presente do indicativo, nas formas sintéticas e perifrásticas, foi explorada por alguns estudiosos da língua portuguesa como Câmara Jr. (1956, 1971, 1977), Gibbon (2000), Santos (2000), Gryner (2002, 2003), Oliveira (2006), Malvar e Poplack (2008) e Bragança (2008). Câmara Jr. (1977) afirma que a categoria tempo verbal repousa essencialmente na dicotomia passado e presente. O futuro, com noção temporal, realizou-se tardiamente como uma elaboração da língua culta, que ainda hoje não ocupa muito espaço na língua coloquial. Além disso, para Câmara Jr. (1971, p. 70) os tempos futuros se constituíram pela aglutinação do infinitivo a uma modalidade do indicativo presente do verbo haver, funcionando como verbo auxiliar. O resultado seria cantar (h)ei. Essa estrutura permanece, como um vestígio, na chamada mesóclise do pronome adverbal oblíquo (cantar-lhe-ei). Fora de tal construção residual, porém, que no Brasil está circunscrita à língua altamente literária, a aglutinação é inconcussa, tendo-se criado um único vocábulo fonológico, onde a origem histórica se faz opaca, mediante uma nova distribuição de constituintes. Em relação à divisão temporal, Câmara Jr. (1956) a encara como dicotômica: presente e passado. O futuro surgiu menos como um tempo do que como um modo. Foi criado não para situar o processo como posterior ao momento em que se fala, mas para assinalar uma atitude do falante em relação a um processo posterior ao momento da enunciação. Segundo o linguista (1956, p. 21), 30 em relação ao futuro, o caráter modal ainda é mais nítido e se pode dizer pacificamente compreendido e aceito, embora não se tenham tirado daí todas as inferências que o fato comporta. Pode-se mesmo adiantar que a intromissão da dúvida, da mera potencialidade, da expectativa, do anelo, da volição com a idéia de futuro é constante na linguagem espontânea. Sem subintenções subjuntivas, potenciais, optativas, imperativas, o tempo futuro, para a asserção franca, se realiza essencialmente pela forma presente. O autor (1956, p. 33) ainda apresenta três funções para o futuro, no plano sincrônico: 1) um futuro puramente temporal na informação objetiva; 2) um futuro com gradações modais, aflorando cada uma delas, com nitidez, na base da situação ou do contexto; 3) um futuro intemporal, ou ‘metafórico’, francamente transposto para o modo. A primeira função resulta da intelectualização da língua, concretizando uma forma linguística muito menos espontânea e ampla. A segunda reflete a motivação inicial para a criação das formas futuras. A última refere-se à coloração volitiva ou aos matizes nãoassertativos que naturalmente comporta. Câmara Jr. (1956, p. 25) afirma que as formas de presente servem satisfatoriamente para exprimir o futuro. “O sujeito falante prolonga a atualidade que vive e o futuro se resolve linguisticamente em presente”. Segundo ele, a oposição entre presente e futuro pode sofrer neutralização, estendendo-se o uso do presente para os fatos futuros. Ao abordar as formas perifrásticas ir + verbo no infinitivo, afirma ser possível observar uma evolução semântica dessas perífrases no sentido de um futuro amplo, para qualquer fato posterior ao momento atual. De acordo com o linguista (1956, p. 36), “repete-se o ciclo que, na fase românica, levou à substituição do futuro tradicional latino por locuções dessa ordem entre as quais figurou até, como vimos, o mesmo tipo de auxiliar (vadere)”. A dissertação de mestrado de Gibbon (2000) - A expressão do tempo futuro na língua falada de Florianópolis: gramaticalização e variação - aborda o tema aqui proposto. A autora analisa a expressão do tempo futuro, sob a ótica da variação e da gramaticalização, 31 na língua falada de Florianópolis, a partir dos dados do projeto VARSUL3 (Variação Linguística Urbana na Região Sul). Foram analisadas 743 ocorrências das formas variantes, sendo 453 (61%) da forma perifrástica no presente; 280 (38%) da forma sintética no presente do indicativo e 10 (1%) no futuro do presente na forma sintética. Esses resultados obtidos para cada variante isolada demonstram que as formas do futuro do presente estão em declínio na fala dos florianapolitanos. Para a autora (2000, p. 73), como os contextos de ocorrência são muito particulares e os dados são escassos já não é possível afirmar que o futuro do presente está em variação com o presente do indicativo e a forma perifrástica na fala de Florianópolis. Esses dados foram também excluídos e nossa variável dependente passou a ser binária. A análise quantitativa dos dados pôde demonstrar que a forma perifrástica no presente do indicativo está ocupando o espaço do futuro do presente na fala, e as formas utilizadas para indicar futuridade são o presente do indicativo nas formas sintética e perifrástica, envolvendo tanto os contextos de modalidade futura quanto o de tempo. A autora desenvolveu, além da análise variacionista, um estudo do processo de gramaticalização do verbo ir que sai do estatuto de verbo pleno de movimento para auxiliar indicando futuro. A gramaticalização do verbo ir como auxiliar de futuro, e posterior morfema de futuro, está em fase inicial, sobre a qual poucas coisas podem realmente ser afirmadas. Segundo a autora, a forma perifrástica não indica apenas finalidade na expressão de futuro do português. Há um componente de propósito, desejo e intenção. Além disso, os 3 É constituído de dados de trinta e seis informantes nativos de Florianópolis, estratificados de acordo com idade, sexo e escolaridade. 32 resultados confirmam que a forma perifrástica mantém seu caráter de modalidade, embora ela esteja também codificando tempo. Ao concluir, Gibbon afirma ter deixado algumas contribuições com a sua pesquisa, uma vez que pôde mostrar que o fenômeno por ela analisado é sensível a motivações em competição. Além disso, apresenta uma proposta de percurso para explicar não só a mudança, como também a variação que lhe deu origem, entre as formas do presente do indicativo, forma perifrástica e futuro do presente. Há, ainda, uma reflexão sobre o declínio do tempo futuro do presente, o surgimento da forma perifrástica em seu lugar e a relação deste processo com a idade do falante. Santos (2000), em sua dissertação de mestrado intitulada A variação entre as formas de futuro do presente no português formal e informal falado no Rio de Janeiro, analisa a variação entre as formas de futuro no português formal e informal no Rio de Janeiro, interpretando os dados a partir da Teoria da Variação. No corpus de língua formal4, a autora analisou 278 dados de futuro sintético (30%), 280 de perifrástico (30%) e 383 no presente (40%). Em relação ao banco de dados informal5, foram encontradas 54 de futuro sintético (6%), 486 de futuro perifrástico (56%) e 331 dados no presente (38%). Constataram-se, nesses resultados, poucos dados da forma sintética do futuro do presente. Além disso, a forma inovadora ir + verbo no infinitivo está ocupando o espaço deixado pelo futuro do presente. 4 Amostra elaborada pela Profª Edith Barreto, da Universidade Federal de Pelotas (RS). É constituída de entrevistas realizadas no set de um programa radiofônico do Programa “Encontro com a Imprensa”, transmitido pela rádio JB. Foram analisadas 24 entrevistas, com duração de 60 minutos cada uma, ocorridas nas décadas de 1970 e 1980. A amostra é formada por informantes com nível de, no mínimo, 3° grau, ou seja, falantes com instrução superior ou mais alta, dividida segundo o gênero (homens e mulheres) e segundo a faixa etária (25-45 anos e 46-66 anos). 5 Amostra Gryner (1990). Esse corpus é constituído por 32 entrevistas com informantes das diversas regiões da cidade do Rio de Janeiro e distribuído regularmente por gênero (16 homens e 16 mulheres); escolaridade (8 informantes do primeiro segmento do Ensino Fundamental e 8 informantes do segundo segmento do Ensino Fundamental, 8 informantes do Ensino Médio, 8 informantes do Ensino Superior) e por faixa etária (15 a 24 anos, 25 a 34 anos, 35 a 49 anos e 50 anos ou mais). 33 O verbo ir, inicialmente indicador de movimento no tempo e no espaço, passou a indicar um movimento mental, uma atitude, intenção, volição. No estágio atual, a sua marca de modalidade está desaparecendo para dar espaço à indicação de tempo futuro (Gryner, 1997: 3), comprovando a trajetória da gramaticalização: 15% de verbos modais e 74% de verbos não-modais. (p.63) No oitavo capítulo de sua dissertação, ao constatar um possível processo de gramaticalização de ir + verbo, Santos pôde perceber que convivem simultaneamente três estágios da construção: a) ir como verbo pleno indicando movimento no espaço, b) como auxiliar modal que codifica o movimento psicológico de intencionalidade e c) auxiliar temporal na perífrase de futuro. Gryner (2002) analisa a variação entre futuro sintético, futuro perifrástico e presente com referência futura, no português carioca, e discute o processo de gramaticalização da forma perifrástica. Além disso, demonstra o papel do princípio da marcação na variação e mudança dessas formas. Ao concluir seu trabalho, Gryner (2002, p. 159) pôde constatar que ao lado das formas originais, futuro sintético (flexional) e presente do indicativo (não flexional), surge um nova variante: o futuro perifrástico, derivado do presente em construções com verbo modal ir seguido de infinitivo. A frequência de uso das três variantes revela que paralelamente os valores de marcação das formas de futuro passam a inverter-se. A passagem do tempo e o aumento da informalidade tendem a reduzir – e eventualmente eliminar – o uso do futuro sintético conservador, forma menos frequente, menos acessível e formalmente mais complexa, portanto, mais marcada. Ao mesmo tempo, o auxiliar ir que, como presente do indicativo era originalmente uma forma mais frequente, mais acessível e formalmente menos marcada, gramaticaliza-se na construção de futuro perifrástico, que passa a desempenhar a função do futuro sintético. Neste processo, a construção se torna gradativamente menos frequente, menos acessível e, portanto, mais marcada. Embora analisando apenas as estruturas condicionais, Gryner (2003) observa a variação entre as formas de expressão do futuro verbal. Para isso, analisou dados da língua oral da cidade do Rio de Janeiro, comparando as décadas de 1980 e de 2000. A autora destaca a substituição do futuro pelo presente do indicativo e aponta possíveis fatores que parecem influenciar nessa variação. Os contextos possíveis favorecem o futuro do indicativo na 34 apódose; os contextos prováveis favorecem o presente do indicativo tanto na prótase, quanto na apódose; os contextos reais, na década de 1980, favoreciam tanto o futuro quanto o presente na apódose, em 2000, reduzem as taxas de futuro a favor do presente, tendendo a correlacionar-se com o presente categórico da prótase; em 1980, a presença da conjunção se favorecia o futuro, enquanto sua ausência agia em sentido contrário e em 2000 a oposição se neutraliza e a tendência à correlação de tempos se desfaz, (2003, p. 191). Oliveira (2006), em O futuro da língua portuguesa ontem e hoje: variação e mudança, analisa a variação das formas de expressão do futuro verbal em português. A autora pesquisou dados que se distribuem do século XIII ao XX. Para a autora (2006, p. 73), o verbo ir pode ser considerado como um dos mais ‘gramaticalizáveis’, por ser um dos verbos mais polissêmicos. Convém lembrar que “os verbos de movimento, em geral, são polissêmicos e superpõem, dentre outras, as noções de espaço e de tempo”. Um estudo comparativo desenvolvido por Oliveira entre o português e o francês no processo de gramaticalização demonstrou que o grau de implementação de uma mudança por gramaticalização em línguas aparentadas se insere num conjunto mais amplo de mudanças que ocorrem em cada uma das línguas. Por exemplo: o francês, ao longo de sua história, perdeu muito mais perífrases aspectuais do que o português. p. 90 Além disso, a autora apresenta a análise do processo de mudança, com 2158 dados, distribuídos entre os séculos XIII e XX6. As seis formas variantes foram constatadas nos corpora, sendo que as perífrases com haver de e com ir, ambos no futuro, apresentaram 6 Do século XIII ao XVI, os documentos foram colhidos do PROHPOR – Projeto para a História do Português, sediado na Universidade Federal da Bahia, sob a coordenação da Profª. Rosa Virgínia Mattos e Silva. Para o século XVII, o documento foi recolhido no banco de dados da USP. Já para os séculos XVIII e XIX, os dados pertencem ao PHPB-RJ, Projeto Nacional para a História do Português Brasileiro, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, sob coordenação da Profª. Dinah Isensee Callou. Para o século XX, há dados de fala e de escrita distribuídos por duas décadas, os anos 1970 e 1990, e por duas cidades – Salvador e Rio de Janeiro. 35 poucas ocorrências. Assim, preferiu-se amalgamá-las às formas haver de e ir, ambos no presente, respectivamente. A seguir, os resultados encontrados por Oliveira: Tabela 01: Distribuição das variantes na língua escrita por séculos (Oliveira 2006, p. 92) Séculos Variantes Futuro simples Haver de + infinitivo Ir + infinitivo Presente Total XIII XIV XV XVI XVII XVIII XIX XX 18 54,5% 15 45,5% - 433 91,9% 31 6,6% 6 1,3% 1 0,2% 471 65 81,3% 12 15% 1 1,2% 2 2,5% 80 681 87,4% 90 11,6% 3 0,4% 5 0,6% 779 358 74,4% 108 22,5% 4 0,8% 11 2,3% 481 105 83,3% 13 10,3% 5 4% 3 2,4% 126 91 85,8% 6 5,8% 8 7,5% 1 0,9% 106 122 75,3% 3 1,9% 26 16% 11 6,8% 162 33 Ao realizar o estudo do processo de mudança na fala, Oliveira constatou 771 ocorrências das formas variantes, sendo 629 da década de 1970 e 142 da década de 1990. Oliveira, ao concluir seu trabalho, afirma que: a) considerando o tempo real de longa duração, a hipótese de uma inversão parcial (futuro simples para a escrita e futuro perifrástico com ir + infinitivo para a fala) se mantém sincronicamente, embora os estudos de tendência para a fala e para a escrita apontem para uma mudança em progresso futuro simples > futuro perifrástico, mais controlada na escrita e mais avançada na fala; b) considerando o tempo real de curta duração, como o futuro perifrástico tende a se implementar cada vez mais na fala, haja vista o decréscimo que sofreu, num intervalo de mais ou menos vinte anos, na faixa mais avançada de idade e o seu espraiamento por contextos que antes favoreciam a forma sintética, considerada apenas essa modalidade, configura-se um quadro de mudança em progresso quase concluída. Malvar e Poplack (2008) analisaram a variação entre as formas de expressão de futuro. Para isso, as autoras apresentam um estudo diacrônico (formado por comédias, farsas e sátiras) e um corpus de língua falada de residentes urbanos da classe trabalhadora de Brasília, a capital do Brasil. A tabela abaixo apresenta os resultados gerais da pesquisa. 36 Tabela 02: Distribuição das variantes de referência temporal futura por século (Malvar e Poplack 2008, p. 191) Século XVI XVIII XIX XX Peças Fala Total Futuro N % 198 66 169 57 276 53 46 9 4 1 693 30 Perífrase com haver N % 91 30 103 35 104 20 5 1 303 13 Presente N % 10 3 19 6 66 13 93 18 104 14 292 12 Perífrase com ir N % 3 1 5 2 72 14 384 73 613 85 1077 45 Total 302 296 518 528 721 2365 Levando em consideração os resultados encontrados, as autoras (op cit, p. 201) puderam demonstrar como a mudança na expressão do futuro foi direcionada pela expropriação gradual das variantes mais antigas de seus contextos preferidos pela forma perifrástica com ir e como essa forma se tornou a variante default. Afirmam ainda que a mudança não se dá de forma abruta, ao contrário, se procede como uma série de ajustes, que ocorrem à medida que as variantes, que estão entrando ou abandonando o contexto variável, disputam seu espaço no sistema. Conforme as variantes mais antigas se retraem, elas perdem ou transferem seus contextos direcionadores para as novas variantes, com o extraordinário resultado de que a estrutura do setor de referência ao futuro permanece a mesma; contudo, as distinções são redistribuídas. Dessa forma, as importantes distinções (funcionais, semânticas) podem continuar a ser expressas, ainda que por diferentes variantes. Em relação ao corpus de língua falada de Brasília, as autoras puderam verificar que no português brasileiro contemporâneo praticamente não há variação, uma vez que quase todas as referências ao futuro são expressas pela perífrase com ir. Bragança (2008), em A gramaticalização do verbo ir e a variação de formas para expressar o futuro do presente: uma fotografia capixaba, pesquisou a variação entre três formas: a) a sintética, b) a perifrástica com IR no presente e c) a perifrástica com IR no futuro. A autora pesquisou entrevistas com informantes capixabas universitários e editoriais do jornal A Gazeta, ano 2006. 37 Os resultados demonstraram, nas entrevistas, que não houve variação entre as formas, tendo em vista que 100% dos dados foram na forma perifrástica com ir no presente. Bragança (2008, p. 137) faz a seguinte análise para esse resultado: Esperávamos que a forma nova estivesse bem arraigada na modalidade oral mais informal, mas não que a variação já estivesse sido eliminada desses contextos. Esse resultado sugere que, nesta modalidade, estamos diante de um caso de mudança (forma simples > forma perifrástica) no paradigma verbal para a expressão do futuro do presente. Nos editoriais, a pesquisadora pôde constatar a preferência da forma conservadora, uma vez que o maior percentual de ocorrência nesse gênero foi o da forma sintética, seguido da forma perifrástica com o auxiliar com morfologia de forma sintética. Portanto, a partir dos estudos acima apontados, podemos perceber que esse fenômeno merece muitas pesquisas, já que apresenta nuances interessantes para serem analisadas. Além disso, com todos esses resultados, torna-se possível traçar características do futuro e apontar possíveis rumos para essa variação. Por isso, esta pesquisa por ora descrita é relevante, uma vez que pretende analisar sistematicamente uma comunidade linguística ainda não investigada – no caso a cidade de Vitória – nas modalidades oral e escrita. Além disso, é importante por apresentar um estudo histórico, baseando-se em corpora diversos e de diferentes sincronias. Apesar de muitos trabalhos terem sido desenvolvidos em torno do tema, esta pesquisa terá seu diferencial ao analisar grupos de fatores ainda não investigados como possíveis influenciadores na escolha da variante, como o tipo de sequência textual, a escala de modalidade e o tipo semântico do verbo, seguindo a proposta de Halliday (1994). Além disso, pretende verificar o processo de gramaticalização de ir + verbo no infinitivo. Muitos pesquisadores o apontam como um exemplo de gramaticalização no português brasileiro, porém raros são os estudos que conseguem comprovar essa questão. 38 Diante dessas questões, julgamos que esta pesquisa possa trazer contribuições pertinentes à discussão. 39 3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Neste capítulo, apresentamos as diretrizes teóricas adotadas nesta pesquisa. Primeiramente, traçamos as principais características da Teoria Sociolinguística Variacionista, uma vez que é em seu âmbito que buscamos o suporte teórico-metodológico para o desenvolvimento deste trabalho – investigação de um fenômeno variável. Depois, destacamos aspectos gerais do Funcionalismo Linguístico, já que recorremos a algumas contribuições advindas de estudos funcionalistas, além de apresentarmos o paradigma da gramaticalização, considerando alguns conceitos que são aqui adotados. 3.1 SOCIOLINGUÍSTICA VARIACIONISTA Este trabalho segue os princípios teórico-metodológicos da Teoria da Variação e Mudança linguística, tendo em vista que investiga um fenômeno variável – as formas de expressão de futuro – e tenta traçar um recorte histórico longitudinal dessas formas. O pressuposto básico do estudo da variação – entendida como a coexistência de duas ou mais formas, num mesmo contexto, para dizer a mesma coisa, ou seja, com o mesmo valor de verdade - é o de que a heterogeneidade linguística não é aleatória, mas regulada por um conjunto de regras. O papel do pesquisador, dessa forma, é identificar os fatores linguísticos e sociais que possam influenciar na escolha de determinada variante, fatores esses que a análise quantitativa confirmará. William Labov foi um dos primeiros a relacionar as variações linguísticas às diferenciações existentes na estrutura social de cada comunidade, formulando a Teoria Variacionista. Labov (1972), em seu primeiro trabalho, investigou o inglês de Nova York com 40 a finalidade de descobrir não apenas como os falantes pronunciavam o /r/, mas os fatores que orientavam a ocorrência das variantes. Com esse estudo, Labov passa a privilegiar como objeto de estudo a heterogeneidade presente na gramática da ‘comunidade de fala’, em detrimento da homogeneidade contida no conceito de ‘langue’ (objeto de estudo estruturalista). Segundo Weinreich, Labov e Herzog (2006), a existência da heterogeneidade não atrapalha a comunicação entre os usuários da língua, ao contrário, eles são capazes de codificar e decodificar as variantes presentes no sistema, já que, nas palavras de Tarallo (1990, p. 06), é possível sistematizar o “caos aparente”, por haver padrões regulares (sociais e linguísticos). Portanto, o objeto de estudo da Sociolinguística é a língua observada, descrita e analisada em seu contexto social, isto é, em situações reais de uso. Por isso, seu objetivo é identificar as motivações, os fatores que controlam a variação, e o peso de cada um deles sobre a ocorrência de uma ou outra variante. Silva-Corvalán (1989, p. 02) afirma que a perspectiva sociolinguística se opõe, indubitavelmente, às posições teóricas defensoras da opinião de que o objeto de estudo da linguística é a língua isolada do seu contexto social, mas não é totalmente incompatível com elas na medida em que, através do estudo da fala, o sociolinguista pode descobrir, descrever e fazer predições sobre o sistema linguístico que subjaz à fala. Os primeiros estudos variacionistas foram realizados no campo da fonologia. Só mais tarde, graças ao êxito da aplicação da metodologia laboviana de análise quantitativa, é que começaram a surgir pesquisas de fenômenos morfossintáticos e discursivos. Contudo, esse passo adiante trouxe consigo algumas dificuldades, como a coleta de grandes quantidades de dados e a condição de encontrar contextos idênticos para as variantes analisadas, por exemplo, a pesquisa por ora descrita (cf. capítulo 4). 41 A respeito da aplicação de estudos variacionistas às unidades de nível não apenas fonológico, mas também morfossintático e discursivo, vale mencionar a polêmica entre Lavandera (1978) e Labov. Segundo a autora, não existiria realmente variação no sentido estrito do termo em outros níveis diferentes do fonológico, já que cada variante sintática veicula seu próprio significado. Porém, esse impasse não impediu o desenvolvimento de estudos variacionistas não-fonológicos. É difícil discordar totalmente de Lavandera. Entretanto, Labov conseguiu elaborar um método probabilístico de investigação sociolinguística que permite correlacionar variantes linguísticas sistemáticas a parâmetros linguísticos e sociais, que podem ser usados para fenômenos que não se restringem à fonologia. A abordagem variacionista é válida para fenômenos variáveis em todos os níveis, desde que o pesquisador seja sensível à natureza do fenômeno estudado, superando a exigência estrita de “um mesmo significado”. Em relação ao nosso estudo, podemos afirmar que possivelmente as formas de futuro não signifiquem exatamente a mesma coisa, porém compartilham uma mesma função gramatical – indicar o tempo futuro. Portanto, acreditamos que elas constituam uma mesma variável, como exemplificado em seguida. 01) mas eu vou verificar:: tá meu filho ... porque agora eu tenho que:: ... mas eu vou verificar direitinho ... procurar ... e depois eu te dou a resposta ... tá::” (PortVix: Mulher, Universitária, 50 anos ou mais) Em (01), a informante usa variavelmente ir no presente + verbo no infinitivo e presente do indicativo para expressar o futuro, ao relatar situações em que alunos fazem perguntas que os professores não sabem a resposta. 02) A partir do ano que vem, a transmissão do Programa de Ensino Supletivo, será feita, também, para o Distrito Federal, já tendo, inclusive, sido iniciada a organização dos telepostos e do sistema de avaliação do curso. Técnicos do MEC e da Secretaria de Educação do DF vão examinar a evolução desse 42 ensino, pelo comportamento dos alunos que receberam assistência pedagógica para a implantação do Supletivo pela TV em todo o território nacional. (A Gazeta, 04 de outubro de 1974) Nesse exemplo, encontramos a variação entre futuro do presente e ir no presente + verbo no infinitivo, um trecho de notícia do jornal A Gazeta, década de 1970. Esses exemplos permitem perceber que, mesmo analisando um fenômeno não fonológico, é possível estudá-lo seguindo os princípios da Teoria da Sociolinguística Variacionista, já que há a possibilidade de se encontrar formas preenchendo a mesma função, expressando o mesmo valor de verdade. Por haver dois ou mais modos de dizer a mesma coisa, é natural pensarmos na ideia da mudança linguística, pois é possível que uma das formas competidoras, a mais recente, vá ocupando, aos poucos, o lugar da mais antiga. No entanto, nem sempre isso ocorre, já que há casos em que as variantes convivem por muito tempo, sem que haja o desaparecimento de uma delas. Nesta pesquisa, buscamos verificar se nosso fenômeno está passando por uma mudança linguística ou se é o caso de uma variação estável. Acreditamos que haja uma mudança linguística, em que a forma perifrástica com ir esteja ocupando o lugar do futuro do presente7. Por sabermos que as mudanças ocorrem gradualmente e não de forma instantânea, decidimos investigar corpora de diferentes períodos, na modalidade escrita, buscando verificar se a construção perifrástica passa a ser mais frequente. Além de investigarmos um corpus de língua falada para observar as formas de expressão de futuro, acreditando que a variante ir + verbo no infinitivo seja bastante frequente. Isso nos permitirá fazer uma correlação com a sociedade, visto que jovens e idosos não falam da mesma forma. Se as formas inovadoras tiverem um declínio numa escala que vai da população jovem até a idosa, 7 Como já se constatou em outros tempos, por exemplo, o futuro do pretérito e pretérito mais que perfeito. 43 teremos indícios de uma mudança em progresso, ressaltando que o fator idade isoladamente não pode determinar isso, é preciso relacioná-lo a outros da pesquisa. Para melhor compreender essas questões discutidas, torna-se necessário abordar as diferenças entre mudança em tempo aparente e em tempo real. A análise em tempo aparente ocorre quando observamos o padrão de distribuição do comportamento linguístico por meio dos grupos etários, num determinado recorte de tempo. Labov (1972) afirma que ao comparar a linguagem de pessoas de diferentes faixas etárias é possível visualizar os diferentes estágios de uma língua. Ao se adotar uma análise em tempo aparente, aceita-se a hipótese clássica de que a linguagem é adquirida em sua grande parte até aproximadamente os 14 anos. Assim, ao se observar a linguagem falada por um indivíduo que hoje tem 50 anos, estará sendo recuperado o vernáculo falado há 36 anos, quando esta pessoa tinha apenas 14 anos. Segundo Labov (2008, p. 168), o período da pré-adolescência é a idade em que se firmam os padrões automáticos da produção verbal: em regra, quaisquer hábitos adquiridos depois deste período são conservados por audiomonitoramento, bem como pelos padrões de controle da produção automática. Dessa forma, é possível obter uma escala de mudança em tempo real, a partir de uma escala em tempo aparente, chamada “gradação etária”. O corpus PortVix será analisado seguindo essa perspectiva, para verificar se a expressão de futuro está passando por um processo de mudança, tendo em vista que não há outro corpus, na modalidade oral, a que pudéssemos recorrer para realizar um estudo em tempo real. A análise em tempo real é realizada com recortes de várias sincronias, numa perspectiva diacrônica. Segundo Paiva e Duarte (2004, p. 182), o estudo da mudança em tempo real 44 constitui um recurso imprescindível não apenas para identificar o momento de aparecimento ou morte de uma determinada variante linguística como também para verificar a regularidade na ação dos princípios que regem a variação e subjazem à implementação da mudança. Esta tese também fará uma investigação em tempo real, na modalidade escrita, ao analisar o jornal A Gazeta em três recortes sincrônicos – décadas de 1930, 1970 e em 2008. No estudo da mudança linguística, Weinreich, Labov & Herzog (2006, p. 121-125) formulam cinco questões teóricas centrais, apresentadas e discutidas a seguir. Todo aquele que pretende observar a trajetória das possíveis mudanças linguísticas, fatalmente terá de lidar com esses cinco problemas. 1) O problema dos fatores condicionantes: Destaca a importância da identificação dos fatores ou condições que favorecem ou restringem uma mudança. Cada restrição pressupõe uma explicação que diz respeito à causa da mudança. Assim, pode-se saber quais são possíveis e se são de ordem universal; 2) O problema da transição: Objetiva responder como uma língua muda, ou seja, como ela passa de um estágio para outro, levando em consideração que ela se processa em um continuum de variação e mudança. Os autores (op cit, p. 122) afirmam que a mudança se dá (1) à medida que um falante aprende uma forma alternativa, (2) durante o tempo em que as duas formas existem em contato dentro de sua competência, e (3) quando uma das formas se torna obsoleta. 3) O problema do encaixamento: Observa como uma mudança se encaixa no sistema linguístico e na matriz social da comunidade. É preciso identificar o grau de correlação que existe entre a variação social e a mudança, mostrando como o sistema é afetado com o processo. No desenvolvimento da mudança linguística, encontramos estruturas linguísticas encaixadas desigualmente na estrutura social; e nos estágios iniciais e finais de uma mudança, pode haver muito pouca correlação com fatores sociais. Assim, a tarefa do linguista não é tanto demonstrar a motivação social de uma mudança quanto determinar o grau de correlação social que existe e mostrar como ela pesa sobre o sistema linguístico abstrato. (op cit, 2006, p. 123) 45 4) O problema da avaliação: Diz respeito à forma como os falantes julgam a mudança e qual o efeito desse julgamento sobre ela. Isso implica o nível de atenção do usuário da língua em relação à fala. 5) O problema da implementação: Relaciona-se à propagação da mudança em determinados ambientes estruturais e a difusão progressiva a partir de ambientes mais favoráveis. A questão mais complexa nesse item é investigar que fatores propiciam que uma determinada mudança ocorra em uma língua em uma determinada época e não em outra. Por isso, é preciso levar em consideração a combinação dos resultados para todos os problemas anteriores. Nesta pesquisa, não temos a pretensão de responder a todos esses ‘problemas’. Esperamos identificar alguns fatores que motivam o uso da perífrase ir + verbo no infinitivo para expressar o futuro, além dos fatores que a restringem. Com este estudo, pretendemos verificar se este fenômeno aqui descrito e analisado passa por um processo de mudança na comunidade investigada ou se trata apenas de uma variação estável. 3.2 FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO O parâmetro teórico que fundamenta esta pesquisa é a concepção de língua como um sistema linguístico decorrente de propósitos comunicativos, determinados por elementos das situações reais de interação social. Assim, baseia-se nas orientações funcionalistas. Segundo Nichols (1984, p. 97), na linguística atual, há três abordagens teóricas que se destacam: o estruturalismo, o formalismo (ou abordagem gerativa) e o funcionalismo. O estruturalismo descreve as estruturas gramaticais como fonemas, morfemas, relações sintáticas, semânticas, constituintes e sentenças. A gramática gerativa analisa a extensão do fenômeno, mas constrói um modelo formal da linguagem. O funcionalismo, semelhantemente ao gerativismo e ao estruturalismo, analisa a estrutura gramatical, mas inclui na análise toda a 46 situação comunicativa (o propósito do evento de fala, os participantes e o contexto discursivo). Para o funcionalismo, a língua é um instrumento de interação social entre os seres humanos, usado com o objetivo principal de estabelecer relações comunicativas entre os usuários. Assim, a gramática funcional tem sempre em consideração o uso das expressões linguísticas na interação verbal. Segundo Cunha (2008, p. 157), os funcionalistas concebem a linguagem como um instrumento de interação social, alinhando-se, assim, à tendência que analisa a relação entre linguagem e sociedade. Seu interesse de investigação linguística vai além da estrutura gramatical, buscando na situação comunicativa – que envolve os interlocutores, seus propósitos e o contexto discursivo – a motivação para os fatos da língua. A abordagem funcionalista procura explicar as regularidades observadas no uso interativo da língua, analisando as condições discursivas em que se verifica esse uso. É recorrente estudos variacionistas se pautarem em hipóteses advindas da teoria funcional, como no nosso caso, para poderem descrever os fenômenos de uso variável no intuito de buscar explicações que fundamentem as tendências de uso de uma dada variante em certos contextos e situações e não em outros. Há o pressuposto de que a variação seja natural nas línguas, porém não o de que os fenômenos variáveis sejam totalmente arbitrários. A ausência de arbitrariedade total e a consequente presença de sistematicidade na variação linguística são pontos importantes tanto no variacionismo quanto no funcionalismo linguístico a que este trabalho se vincula. Outro ponto em comum entre as duas abordagens é, sem dúvida, a necessidade de se estudar a língua em uso. Além disso, a teoria funcionalista é adequada ao estudo de variação e mudança linguística por ter como um de seus pressupostos, por exemplo, a concepção de que os fenômenos devem ser considerados a partir de um continuum de traços, em vez de traços opostos e estanques. 47 Givón (1995, p. 10) apresenta um grupo de premissas para caracterizar a concepção funcionalista da linguagem, exposto abaixo. Esse conjunto de premissas remete a um referencial teórico que vê a língua não como uma estrutura autônoma, mas como manifestação das atividades cognitivas humanas em situações concretas de comunicação, apresentando, portanto, caráter essencialmente dinâmico. • • • • • • • • • a linguagem é uma atividade sócio-cultural; a estrutura serve a funções cognitivas e comunicativas; a estrutura é não-arbitrária, motivada, icônica; mudança e variação estão sempre presentes; o sentido é contextualmente dependente e não-atômico; as categorias não são discretas; a estrutura é maleável e não rígida; as gramáticas são emergentes; as regras de gramática permitem algumas exceções. Nesta pesquisa, utilizamos alguns princípios e categorias funcionalistas relacionados à questão do contexto que servirão como subsídios teóricos ao estudo, são eles o princípio da iconicidade e o da marcação. O princípio funcionalista da iconicidade (Givón, 1990) pode ser definido como um consistente isomorfismo entre as estruturas gramaticais e o que elas designam no nível semântico-pragmático. Portanto, a forma de uma expressão linguística raramente é arbitrária, mas sim estritamente influenciada pelo conteúdo que transmite. Já que a estrutura não é tecida arbitrariamente, mas sim para desempenhar uma função, então a estrutura deve, de alguma maneira, refletir ou ser restringida pela função que ela desempenha. E a relação não-arbitrária mais natural entre estrutura e função é o isomorfismo, em que os nós superiores e suas relações, na função codificada, se refletem – mais ou menos de um para um – nos nós e relações correspondentes da estrutura codificadora. (Givón 1990, p. 02) Entretanto, numa língua natural, uma forma pode assumir mais de uma função ou uma função pode ser codificada, às vezes, por mais de uma forma. Esse fato atenua o princípio da iconicidade, já que considera que nem sempre existe uma relação não-arbitrária entre forma (código) e função (mensagem) na língua. 48 Nossa pesquisa propõe que a função ‘tempo futuro’ na língua portuguesa pode ser representada por meio de quatro formas: futuro simples; ir no futuro + infinitivo; presente do indicativo e ir no presente + infinitivo. Quanto ao princípio da marcação, Givón (1995, p. 27) afirma que é uma noção dependente do contexto por excelência, uma vez que a mesma estrutura pode ser marcada em um contexto e não-marcada em outro. Portanto, deve ser explicada com base em fatores comunicativos, socioculturais, cognitivos ou biológicos. Três critérios podem ser usados para distinguir a estrutura marcada da não marcada: a) Complexidade estrutural: a estrutura marcada tende a ser mais complexa, em termos de extensão, do que a categoria não-marcada; b) Distribuição de frequência: a categoria marcada (figura) tende a ser menos frequente, portanto, cognitivamente mais saliente do que a categoria não-marcada correspondente; c) Complexidade cognitiva: a categoria marcada tende a ser cognitivamente mais complexa em termos de esforço mental, atenção ou tempo de processamento do que a não-marcada. (Givón 1995, p. 27) Em relação ao tema aqui investigado, acreditamos que o futuro do presente, por apresentar maior complexidade morfológica, ser mais complexo cognitivamente e estatisticamente menos frequente, ocorra em contextos marcados. O presente do indicativo é formal, cognitivamente menos complexo e estatisticamente mais frequente, logo, deva ocorrer em contextos não marcados. Segundo Câmara Jr., o presente é a forma não marcada em relação ao passado, por isso também pode ser em relação ao futuro. De um modo geral, o presente do indicativo parece ser não marcado para expressar tempo, pois é a forma que primeiro ocorre ao falante, sendo, assim, cognitivamente menos complexa. Dentro desse quadro, cabe o seguinte questionamento: a perífrase ir + verbo no infinitivo e marcada como o futuro simples ou não marcada como o presente do indicativo? Para responder essa questão, analisaremos quantitativamente as formas de expressão de futuro, comparando o efeito nas diferentes épocas e nas diferentes modalidades. 49 Tendo em vista essas características do Funcionalismo Linguístico, este trabalho se insere como pertencente a essa linha. 3.2.1 Gramaticalização Os estudos sobre processos de mudança linguística considerando a hipótese da gramaticalização ganharam significativa notoriedade nos últimos anos. O paradigma da gramaticalização se insere no quadro teórico funcionalista e pode explicar a formação da perífrase ir + verbo no infinitivo, objeto de estudo deste trabalho. Em linhas gerais, gramaticalização é um processo de mudança linguística em que um item de uma categoria lexical se transfere para uma categoria gramatical, ou um item já gramatical se torna ainda mais gramatical (Hopper & Traugott, 1993, p. 21). No entanto, os trabalhos mais recentes, como Bybee (2003), afirmam que não é o item que se gramaticaliza, mas a construção. O verbo ir apresenta, em situações reais de interação social, diferentes funções e sentidos, caracterizados como um processo de mudança semântica, em que de uma categoria lexical (verbo pleno) passa a ser usada também como uma categoria gramatical (verbo auxiliar). Por isso, este estudo segue os pressupostos da gramaticalização. O verbo, como categoria primária, aparentemente não deriva de outra classe lexical, mas é interessante notar a transformação de um verbo pleno num verbo funcional, e deste num verbo auxiliar. Verbos plenos são os que funcionam como núcleos do predicado. Os verbos funcionais transferem esse papel para os constituintes à sua direita, tornando-se portadores de Pessoa, Número, Tempo e Modo. Os verbos auxiliares acompanham verbos nucleares na forma nominal, aos quais atribuem as categorias de pessoa e número, especializando-se como auxiliares de tempo, modo e aspecto. (Castilho, 1997, p. 33) 50 No trajeto empreendido por um item lexical, ao longo do processo de gramaticalização, esse recebe propriedades funcionais na sentença, sofre alterações morfológicas, fonológicas e semânticas, podendo até desaparecer, em uma cristalização extrema. Caracteriza-se, assim, o ciclo funcional, de acordo com Givón (1995): Discurso > sintaxe > morfologia > morfofonêmica > zero É possível se valer dessa escala feita por Givón e ajustá-la para os acontecimentos de gramaticalização das formas verbais. Podemos considerar para esse processo as fases: Verbo Pleno > Verbo Auxiliar > Clítico > Afixo > zero Segundo Votre et al (2004, p. 25), o nosso futuro ilustra bem esse fato. No latim clássico, ele era expresso através de desinência: amabo. Progressivamente, passou a ser expresso através de uma perífrase verbal, com o uso do verbo haver: amare habeo. Essa construção percorreu o ciclo funcional, acabou integrando-se, tendo o verbo habere reduzido seu corpo fonético a um sufixo marcador de futuro: amarei. No português contemporâneo o futuro do presente e o futuro do pretérito têm uso muito restrito, sobretudo na fala, que vem substituindo essas formas de expressar o modo irrealis do tempo por uma nova perífrase, agora com o verbo ir. Outro ponto relevante a acrescentar diz respeito à existência de cinco princípios de gramaticalização, postulados por Hopper (1991, p. 22). Vale ressaltar que eles são bastante aplicáveis ao fenômeno aqui estudado. 1) Estratificação: Coexistência de diversas camadas. A emergência de novas camadas/variantes não implica eliminação das antigas, ou seja, a forma nova coexiste com a 51 forma antiga com função similar. É o caso, no português, do futuro do presente sintético e o perifrástico, assim como o do presente do indicativo nas formas sintéticas e perifrásticas. 2) Divergência: Remete à preservação, conservação da forma lexical que deu origem a um processo de gramaticalização. O verbo ir mantém seu estatuto de verbo pleno em Vou ao parque no fim de semana e aparece também como verbo auxiliar na forma perifrástica: Vou terminar o texto na segunda-feira. 3) Especialização: Refere-se ao estreitamento de escolhas sofridas pelas construções gramaticais. Uma forma pode tornar-se obrigatória, já que a possibilidade de escolha diminui. Neste trabalho, pretende-se verificar esse processo, tendo em vista que a forma perifrástica de futuro parece ser mais especializada, por expressar mais naturalmente modalidade. 4) Persistência: Diz respeito à manutenção, à permanência de vestígios do significado lexical original, de alguns traços semânticos da forma fonte por parte da forma que sofreu gramaticalização. Especula-se que o verbo ir, neste caso, mantém seu traço aspectual que expressa o curso de fatos a partir de um ponto locativo ou temporal qualquer. Além disso, acredita-se que não atingiu estatuto pleno de verbo auxiliar, pois a forma Vou ir é, em geral, estigmatizada pelos falantes, diferente do que ocorreu em inglês com a forma go. 5) Decategorização: Refere-se a uma diminuição do estatuto categorial de itens gramaticalizados e, consequentemente, aparecimento de formas híbridas. As formas em processo de gramaticalização tendem a perder ou neutralizar os marcadores morfológicos e os privilégios sintáticos característicos das categorias plenas nome e verbo, e a assumir atributos característicos de categorias secundárias como adjetivo, particípio, preposição, etc. O verbo ir migra da categoria gramatical de verbo pleno para a de verbo auxiliar. Bybee (2003) analisa o processo de gramaticalização a partir do papel da frequência. A autora caracteriza como um fenômeno em que sequências frequentemente usadas tendem a se tornar automáticas, funcionando como uma única unidade. Para exemplificar, cita a 52 construção em inglês com be going to > gonna, apontando que entre tantos verbos que poderiam expressar movimento, apenas a construção com go se gramaticalizou. É possível afirmar que, no português, também podemos verificar esse fenômeno com o verbo ir, não só com essa forma em si, mas a construção em que se dá. Para Bybee (2003, p. 603-605), essa frequência não é resultado do processo, mas contribui para que ocorra uma força que instiga a mudança. A linguista apresenta dois tipos de frequência para se analisarem os processos de gramaticalização: a) frequência de ocorrência, que como diz o próprio nome analisa a frequência de ocorrência de uma unidade e b) frequência de tipo, a qual se refere a um tipo de estrutura em particular. Em relação ao tema aqui abordado, acredita-se que o verbo ir esteja em processo de gramaticalização. Pode-se constatar tal processo a partir desse parâmetro da frequência. A perífrase ir + verbo no infinitivo é uma estrutura mais gramaticalizada, basta comparar construções como Vou à escola amanhã e Vou estudar amanhã. Espera-se que esse segundo tipo seja mais frequente, observando a frequência de ocorrência8. A hipótese relacionada à frequência de tipo é que esse verbo se apresenta com tipos de verbos mais variados e para isso utilizaremos a classificação de Halliday (1994). O estudo de Heine (1993) propicia subsídios importantes para este trabalho, tendo em vista que descreve as motivações para a formação de verbos auxiliares, tentando mostrar de que maneira a operação mental se relaciona com recategorização linguística. Considera como um dos esquemas cognitivos básicos formadores de auxiliares o de movimento, no qual ir se enquadra. Segundo Heine, a proposição X moves to/from Y gera a categorização de auxiliar e expressa comumente a noção de futuro. O esquema relacionado à ideia de movimento envolve principalmente os verbos go e come como predicado. O autor cita dois exemplos: be going to (inglês); venir de (francês). 8 Conforme já foi constatado em Tesch (2007), ao analisar as construções perifrásticas com ir no futuro do pretérito e pretérito imperfeito do indicativo. 53 Para Heine (op. cit.), os auxiliares expressam conceitos gramaticais relacionados a tempo, aspecto e modo. Além disso, afirma que são gramaticalizações de conceitos complexos, que ele chama de esquemas de eventos (esquemas cognitivos que envolvem uma proposição e dois participantes, em geral). Segundo a estratégia elaborada por Heine (1993, p. 27-28), conteúdos complexos são expressos por sentidos menos complexos e conteúdos mais básicos, e conceitos abstratos por conceitos mais concretos. Conceitos gramaticais são satisfatoriamente abstratos: eles não se referem a objetos físicos ou processos cinéticos; eles são definidos primeiramente com referência a função relativa no discurso. Assumindo que os auxiliares expressam noções gramaticais tipicamente relacionadas a tempo, aspecto e modo, Heine estabelece que as expressões linguísticas usadas para transmitir esses conceitos são derivadas de formas concretas descritas geralmente com as seguintes noções: Tabela 03: Principais processos de gramaticalização de verbos plenos em auxiliares (Heine 1993, p. 31) Forma conceitual a) X está em Y b) X move-se para Y c) X faz Y d) X quer Y e) X torna-se Y f) X é como Y g) X está com Y h) X tem Y i) X está do modo Y Rótulo proposto Localização Movimento Atividade/ação Desejo Mudança de estado Equação Acompanhamento Posse Maneira/modo Segundo Heine, os esquemas (a), (b) e (c) são mais básicos e constituem os esquemas mais salientes da conceituação humana em relação aos demais. Heine descreve as etapas do processo de gramaticalização dos verbos ao longo de um continuum. Inicialmente, há o conceito lexical e esse item é transferido para designar um 54 conceito gramatical. Entretanto, há uma fase intermediária em que esse item apresenta ambiguidade, pois a mesma expressão pode se referir simultaneamente aos dois diferentes conceitos, conforme ilustrado pelo autor: Estágio Tipo de conceito: I lexical II lexical e gramatical III gramatical A ambiguidade é um passo necessário no processo de reanálise do verbo como auxiliar. Vale destacar que essa ilustração abrange as dimensões diacrônica e sincrônica. Diacrônica ao se considerar o processo histórico no desenvolvimento do estágio I ao estágio III. E sincrônico, pois é possível constatar ocorrências com o conceito lexical (estágio I) e o conceito abstrato (estágio III). Isso é perceptível nas perífrases com ir + verbo no infinitivo, descritas a seguir ao longo da análise dos resultados. Para justificar o processo de gramaticalização em construções que expressam movimento físico, como be going to, Heine afirma entender que há dois fatores envolvidos: metáfora e reinterpretação contextual-induzida. A trajetória de be going to foi assim representada pelo autor: MOVIMENTO FÍSICO > INTENÇÃO > TEMPO FUTURO Assim, a construção be going to apresentaria as seguintes características: a) go tornase auxiliar; b) o conceito concreto/lexical torna-se abstrato/gramatical, como para indicar tempo; c) o sentido original de go desaparece e começa a expressar futuridade; d) a frase sintática is going to se torna uma marca morfológica complexa; e) a estrutura complexa (verbo – complemento) é reinterpretada como outro constituinte (verbo auxiliar – verbo principal). 55 Heine (1993, p. 131), ao concluir seu trabalho, explicita sua definição para verbos auxiliares: Auxiliares podem ser definidos como itens linguísticos (verbos plenos) localizados na cadeia da gramaticalização que passam a marcar noções gramaticais de tempo, aspecto e modo, assim como alguns outros domínios funcionais, e seu comportamento pode ser descrito com referência à respectiva localização ao longo desta cadeia. Cezario (2004, p. 51) também afirma que “o auxiliar, num dado estágio da língua, era um verbo pleno e com o passar do tempo perdeu o seu conteúdo referencial, concreto, e sofreu gramaticalização.” Além disso, considera o verbo auxiliar uma categoria intermediária em um continuum que vai do verbo pleno ao item como morfema flexional, por exemplo, o verbo haver que originou os morfemas de futuro do português – amar hei > amarei. O presente trabalho tem por pretensão verificar a ocorrência de um processo de gramaticalização com a perífrase ir + verbo no infinitivo na expressão de futuro nas formas de futuro do presente (irei estudar) e presente do indicativo (vou estudar), como ilustram os exemplos a seguir retirados do corpus PortVix: 03) a pessoa que se batiza tem que fazer de tudo ... o instrumentista ... o instrumentismo ... os professores ali da igreja ... todo mundo é batizado ... até o meu colega esse que ... foi lá comigo ele vai se batizar esse ano ... agora domingo ele vai no Manaím ... é onde se batiza (PortVix: Homem, Ensino Fundamental, 07 a 14 anos) Nesse exemplo, o verbo ir está no presente e marca uma ação futura. Percebe-se a carga semântica do verbo pleno de movimento e o componente locativo e não há o valor modal de intenção. 04) depois vou na Emescam pra estudar... aqui em casa não consigo estudar não (PortVix: Homem, Universitário, 15 a 25 anos) 56 Nesse exemplo, o componente locativo permanece na oração. No entanto, não é possível atestar com precisão a carga semântica do verbo pleno de movimento. Há um traço de finalidade reforçado pela preposição para e o verbo no infinitivo. 05) mamãe eu vou dormir na casa de minha amiga (PortVix: Mulher, Ensino Fundamental, 07 a 14 anos) Em (05) a finalidade é expressa somente pelo infinitivo do verbo, o que põe em dúvida a carga semântica de movimento do verbo pleno e aponta para o primeiro passo do verbo ir como auxiliar pleno. 06) vou estudar primeiro... estudo bastante... aí depois... depois dos estudo aí eu penso em casar (PortVix: Homem, Ensino Fundamental, 15 a 25 anos) Aqui a unidade está completa. Não há mais o locativo e o verbo auxiliar está esvaziado de sua carga semântica de verbo de movimento. A finalidade ainda é um traço presente, mas está acompanhado de outro traço, pragmático talvez, de intenção. É no verbo principal que se encontra a carga semântica e o verbo auxiliar funciona como marca morfológica de futuro. A pesquisa aqui descrita acredita que as formas perifrásticas com ir estejam passando por um processo de gramaticalização, tendo em vista o uso dessas formas como auxiliar verbal, embora a forma “mãe”, com a significação de movimento, não tenha desaparecido. Neste trabalho, utilizam-se técnicas e recursos qualitativos – observando os contextos em que eles aparecem – e quantitativos – a fim de tentar detectar tendências – para descrever e interpretar as circunstâncias discursivas em que são construídas as expressões com perífrases verbais ir + verbo no infinitivo para indicar futuridade. 57 Levam-se em consideração a variação de ir para expressar o futuro, o valor semântico do verbo e o tipo do verbo principal ligado ao “auxiliar” 9 ir. Tesch (2007) pesquisou a gramaticalização do verbo ir com a noção de irrealis, no corpus PortVix, a partir do estudo da frequência – de ocorrência e de tipo -, baseada em Bybee (2003). A frequência de ocorrência demonstrou que as formas com o verbo ir como auxiliar são mais recorrentes que as que indicam movimento. Inclusive, a forma como auxiliar, do tipo Ia estudar para a prova, foi a mais utilizada, apresentando uma taxa relativamente alta (72%). A frequência de tipo demonstrou que a forma ir como auxiliar, a mais gramaticalizada, relacionou-se com maior variedade de verbos, com base na classificação de Halliday (1994). Assim, pôde-se confirmar o pressuposto de Bybee de que quanto mais gramaticalizada a forma, mais frequente é o seu uso e em diferentes contextos. Portanto, a partir das ocorrências estudadas, pôde-se observar o processo de gramaticalização do verbo IR no âmbito do irrealis, devido ao fato de o seu uso como auxiliar verbal ter sido bastante recorrente, sendo inclusive o mais frequente dos usos. Entretanto, não se verificou o apagamento da forma “mãe”, com a significação de movimento. Os dados mostraram que eles podem estar seguindo o caminho espaço > tempo > situação modal (auxiliar). (TESCH, 2007, p. 145-146) 3.2.1.1 Algumas considerações sobre o verbo ir Como vimos ao longo da análise variacionista, a entrada do verbo ir como auxiliar para expressar o futuro vem encontrando resposta positiva entre os falantes, o que possibilita tratar o fenômeno como uma mudança em curso, através do processo de gramaticalização desse verbo em auxiliar de futuro. Nesse processo, a expressão do tempo verbal deixa de ser indicada morfologicamente, por meio das desinências modo-temporais, para enveredar por um caminho diferente - a adoção de um item do léxico. Entretanto, esse caminho não é uma 9 As aspas no auxiliar é devido ao fato de haver controvérsias a respeito do assunto. 58 maneira tão nova de fazer, já que repete um processo que já ocorreu no latim para o português com o verbo habere, conforme descrito na apresentação do tema (pág. 23). Pretendeu-se descrever e interpretar as circunstâncias discursivas em que são construídas as perífrases com ir para indicar futuro, considerando tanto as ocorrências de ir no futuro do presente (irei estudar), como no presente do indicativo (vou estudar). Para isso, analisaram-se essas perífrases em corpora de língua escrita, jornal A Gazeta nas décadas 1930, 1970 e em 2008, e de língua falada – PortVix. Ao analisar esses corpora, constataram-se usos do verbo ir expressando futuro em diversos valores semânticos. Para explicitá-los, exemplificam-se esses usos a partir de alguns esquemas de frases, por meio dos traços gramaticais que apresentam, com a finalidade de expor a estrutura dessas orações. Juntamente ao esquema, encontra-se um exemplo extraído do corpus PortVix10, com o objetivo de demonstrar o processo de gramaticalização do verbo ir. Seguem-se os esquemas acompanhados dos exemplos: a) Verbo ir (noção de movimento) + advérbio ou locução adverbial (componente locativo): 07) por exemplo ... eu vou pra São Paulo (PortVix: Mulher, Universitário, 50 anos em diante) O verbo ir apresenta o sentido de movimento, característico da forma mãe. Estão presentes: 1) a carga semântica do verbo pleno de movimento; 2) o componente locativo e 3) não há o valor modal de intenção. 10 A escolha desse corpus é devido ao fato de apresentar maior diversidade dessas estruturas. 59 b) Verbo ir (noção de movimento) + advérbio ou locução adverbial (componente locativo) + verbo no infinitivo (acompanhado de um traço de finalidade e antecedido pela preposição para): 08) levando canivete pedra pau quer ir lá pra brigar mesmo e tem aquele que vai lá pra torcer então você tem que ... a violência da torcida é um negócio meio delicado (PortVix: Homem, Universitário, 26 a 49 anos) Nesse caso, o componente locativo permanece na oração. No entanto, não é possível atestar com precisão a carga semântica do verbo pleno de movimento. Há um traço de finalidade reforçado pela preposição para e o verbo no infinitivo. c) Verbo ir (noção de movimento atenuada) + advérbio ou locução adverbial (componente locativo) + verbo no infinitivo (acompanhado de um traço de finalidade, sem preposição): 09) aí quando ela ... me encontrou na rua saindo com ela dentro da igreja perguntou assim ... “você veio panhar o menino?” ... eu disse “vim porque vou em casa almoçar (PortVix: Mulher, Ensino fundamental, 50 anos em diante) A finalidade é expressa somente pelo infinitivo do verbo, o que põe em dúvida a carga semântica de movimento do verbo e aponta para o primeiro passo do verbo ir como auxiliar. d) Verbo ir (idéia de movimento atenuada) + verbo no infinitivo + advérbio ou locução adverbial (componente locativo): 60 10) todo mundo sai dez hora onze hora da noite ... os menino ... de catorze quinze ano ... <inint> onze hora da noite que é hora de sai ... e vão ... depois de lá telefonam ... “mamãe eu vou dormir na casa de minha amiga não sei quem ... fulano”... “ha-ha... tudo bem... vai... tá... tudo bom... quem é a amiga? (PortVix: Mulher, Universitária, 50 anos em diante) A ideia do auxiliar fica clara em (d), em que o processo de esvaziamento da carga semântica é evidente. A finalidade torna-se um traço mais fraco, já que o componente locativo está deslocado. Pode-se perceber o começo da unidade entre verbo auxiliar ir e o verbo principal no infinitivo. Se a construção sofrer uma mudança, trocando-se o verbo principal por ir tem-se, por exemplo: vou ir na casa de minha amiga11. Percebe-se que o auxiliar ir marca a morfologia tempo/ modo. e) Verbo ir (começa a perder a idéia de movimento) + advérbio (excluindo o componente locativo) ou clítico + verbo no infinitivo: 11) antigamente algumas comidas elas eram assim::... separadas pra domin::go assim gali::nha macarrã::o... era casa... hoje ainda virou roTIna aquilo né? ... então você vai se reunir pra comer galinha?... fica um neGÓcio... ruim né?... esse peru da Sadia esse negócio assim de granja né? (PortVix: Homem, Universitário, 50 anos em diante) O traço de auxiliaridade de ir também está bem claro em (e), tendo em vista que a carga semântica de movimento está esvaziada12 e o componente locativo também não está presente na oração. O verbo ir ainda não está unido diretamente ao infinitivo, mas a relação entre eles já está perceptível. Entre os verbos foram encontrados principalmente clíticos, conforme o exemplo acima. 11 Não constatamos nenhum caso com essa característica ir + ir. Ao assumir que a carga semântica do verbo ir está esvaziada, não se quer dizer que está completamente nula. Esse é mais um processo contínuo do que um fato consumado. 12 61 f) Verbo ir (verbo auxiliar) + verbo no infinitivo: 12) não... ela faLA ... tem vezes que ela faLA ... ah ... não gostei deSSA não ... gostei ... ah ... quem vai ficar ... vai ser eu mãe:: (PortVix: Homem, Ensino fundamental, 15 a 25 anos) Nesses casos, a unidade está completa. Não há mais o locativo e o verbo auxiliar está esvaziado de sua carga semântica de verbo de movimento. A finalidade ainda é um traço presente, mas está acompanhado de outro traço, pragmático talvez, de intenção. É no verbo principal que se encontra a carga semântica e o verbo auxiliar funciona como morfologia de futuro. g) Verbo ir (verbo auxiliar) + verbo modal + verbo no infinitivo: 13) tipo ... ela namorou muito tempo ... com:: outro durante três anos ... que prendia muito ela ... esses três anos ele nunca veio aqui entendeu? ... aí ela ficava ... “ah L. não vou poder ir pra casa esse final de semana (PortVix: Mulher, Ensino médio, 15 a 25 anos) É possível combinar, também, como ilustrado em (g), o auxiliar ir com verbo modal, numa construção verbal tripla, como em: vou poder estudar. Nesses casos, a carga semântica de movimento continua esvaziada e há um traço de finalidade. Entretanto, o traço modal de intenção de fazer alguma coisa (assinalar o início da ação) está presente. Em relação aos tipos de ocorrências do verbo ir, constatou-se nos dados analisados a ocorrência dos sete tipos de construções com esse verbo, apontados anteriormente, nos exemplos de (a) a (g), mas distribuídos diferentemente em cada corpus. A seguir, tem-se a tabela com a distribuição das ocorrências nos corpora analisados. Para orientar a observação dos dados, foram tomadas como principal base teórica as noções de gramaticalização de Bybee (2003), segundo as quais a alta frequência pode 62 ocasionar o processo de gramaticalização. A frequência não é apenas o resultado do processo, mas o fator primário que contribui para que ocorra, é uma força que instiga a mudança. Tabela 04: Distribuição das ocorrências de ir nos corpora analisados. A Gazeta 1930 A Gazeta 1970 A Gazeta 2008 PortVix a13 04 20% 04 08% 07 04% 47 05% b14 - c15 - d16 - e17 - - - - - - - 02 0.2% 03 0.3% 10 01% 03 07% 07 04% 42 4.5% f18 16 80% 42 85% 140 89% 742 81% g19 - Total 20 - 49 05 03% 70 08% 159 916 Os resultados descritos na tabela acima ajudam confirmar que a perífrase ir + verbo no infinitivo está passando por um processo de gramaticalização, tendo em vista que quanto mais frequente fosse seu uso mais propiciaria a gramaticalização do verbo ir como auxiliar verbal, e os dados mostram que prevalece seu uso no contexto de auxiliar, exemplificado em (f), com mais de 80% das ocorrências em todos os corpora analisados. Além disso, acreditávamos que o processo de gramaticalização favorecesse o seu uso em uma maior diversidade de estruturas – fato constatado no PortVix, uma vez que o verbo ir ocorreu em todos os tipos postulados: de (a) a (g). Na modalidade escrita, não foi encontrada essa variedade de usos. Os dados estão mais restritos às estruturas como (a) e (f), o que significa que há o uso da forma ‘mãe’ e da perifrástica, concomitantemente. 13 Verbo ir (noção de movimento) + advérbio ou locução adverbial (componente locativo). Verbo ir (noção de movimento) + advérbio ou locução adverbial (componente locativo) + verbo no infinitivo (antecedido pela preposição para). 15 Verbo ir (noção de movimento atenuada) + advérbio ou locução adverbial (componente locativo) + verbo no infinitivo (acompanhado de um traço de finalidade, sem preposição). 16 Verbo ir (idéia de movimento atenuada) + verbo no infinitivo + advérbio ou locução adverbial (componente locativo). 17 Verbo ir (começa a perder a idéia de movimento) + advérbio (excluindo o componente locativo) ou clítico + verbo no infinitivo. 18 Verbo ir (verbo auxiliar) + verbo no infinitivo. 19 Verbo ir (verbo auxiliar) + verbo modal + verbo no infinitivo. 14 63 Quase não se encontra a forma plena do verbo ir, com o significado de movimento, principalmente nos corpora mais recentes – A Gazeta 2008 e PortVix. O maior número desses dados é na modalidade escrita na década de 1930, o que comprova que o processo de gramaticalização se dá de maneira gradativa. Ao mesmo tempo, vale ressaltar que não foi constatada na fala capixaba a ocorrência do tipo irei/vou ir à escola, demonstrando, aparentemente, que os falantes ainda não dissociaram totalmente a noção de movimento do auxiliar ir, como já fizeram os falantes do inglês, ao dizer i’m goingo to go. 64 4. ORIENTAÇÃO METODOLÓGICA Conforme mencionado anteriormente, o objetivo desta pesquisa é discutir a variação sistemática entre as formas indicadoras de futuro, nas formas sintéticas – futuro simples e presente do indicativo - e perifrásticas – ir no futuro simples + verbo no infinitivo e ir no presente + verbo no infinitivo. Procura-se, neste trabalho, estabelecer a sistematicidade das formas alternantes estudadas na comunidade capixaba, nas modalidades falada, a partir do banco de dados PortVix, e escrita, por meio da análise do jornal A Gazeta (na década de 1930, década de 1970 e em 2008). Tal tarefa será possível graças ao aporte teórico-metodológico da Sociolinguística Variacionista Laboviana, comentada no terceiro capítulo desta tese. Além disso, pretende-se avaliar como está o processo de gramaticalização do verbo ir. Seguindo os procedimentos teórico-metodológicos da Teoria Variacionista, procurouse obter um número significativo de dados do uso real do capixaba. Tabela 05: Distribuição dos dados em cada corpus analisado. Corpus Total de dados A Gazeta 1930 203 A Gazeta 1970 396 A Gazeta 2008 678 PortVix 1077 A metodologia da Teoria da Variação constitui uma ferramenta poderosa e segura que pode ser usada para o estudo de qualquer fenômeno variável nos diversos níveis e manifestações linguísticas. 65 Será recorrente, a partir desse momento, a utilização do termo fatores ou grupo de fatores. Na literatura variacionista, o grupo de fatores consiste nos “elementos condicionadores do uso de regras variáveis, de natureza linguística e extralinguística” (Tarallo, 1990, p. 86). Neste trabalho, analisamos vários grupos de fatores linguísticos e sociais (PortVix) que possivelmente influenciam o fenômeno em estudo nesta tese, que serão apresentados e discutidos na seção 4.3. Como exemplo podemos citar o grupo de fatores gênero textual, nos corpora do jornal A Gazeta. Em um jornal, há diferentes gêneros, como notícia, propaganda e editorial. Os grupos de fatores extralinguísticos ou sociais (ou variáveis sociais) como, por exemplo, a escolaridade, serão estritamente analisados no corpus PortVix, do qual fazem parte os fatores ensino fundamental, ensino médio e universitário. Torna-se, também, necessário esclarecer a distinção conceitual entre variante e variável. Variável refere-se ao fenômeno em variação, no nosso caso, a expressão de futuro e variantes são os conjuntos de formas linguísticas que compõem uma variável, no nosso estudo são o futuro simples, ir no futuro simples + infinitivo, presente do indicativo e ir no presente + infinitivo. Vale mencionar também o que são consideradas variáveis dependentes e independentes. Variável dependente é o fenômeno estudado e variável independente os possíveis fatores correlacionados a essa variação. 4.1 DESCRIÇÃO DOS CORPORA A presente pesquisa, a exemplo de outros estudos de orientação sociolinguística, examinou corpora compostos de representantes de uma comunidade linguística – no caso, a capixaba. São analisados nesta tese corpora nas modalidades oral e escrita. Analisam-se o banco de dados do projeto PortVix e trechos do jornal A Gazeta, década de 1930, década de 1970 e 2008. 66 Os informantes que compõem o banco de dados PortVix foram selecionados de acordo com a faixa etária, sexo, escolaridade e origem. Deu-se preferência a falantes que tivessem nascido em Vitória, porém, quando esses não foram encontrados, buscaram-se aqueles que, pelo menos, haviam-se deslocado para a cidade até os cinco anos de idade, ou que ali tivessem passado mais de três quartos de sua vida, no caso da faixa etária mais elevada, conforme mencionado por Mazieira & Tesch (2002). Na constituição desse banco de dados, definiram-se três níveis de escolaridade (Ensino Fundamental, Médio e Universitário), quatro faixas etárias (de 7 a 14 anos, de 15 a 25, de 26 a 49 e de 50 anos em diante) e informantes dos dois sexos (homens e mulheres). As várias células foram distribuídas aleatoriamente pelas regiões sócioeconômicas da cidade, e tal distribuição orientou a procura e seleção dos informantes, (cf.Yacovenco, 2002). O corpus do projeto PortVix compõe-se de quarenta e seis entrevistas, cada uma com cerca de uma hora de duração. Observe a distribuição dos informantes: Tabela 06: Distribuição dos informantes de acordo com as variáveis sociais. Idade 07-14 15-25 26-49 50 ou + Totais Sexo H M H M H M H M Ensino Fundamental 4 4 2 2 2 2 2 2 20 Ensino Médio 3 3 2 2 2 2 14 Ensino Universitário 2 2 2 2 2 2 12 Número total de informantes entrevistados 46 Nesta pesquisa, analisamos 22 entrevistas. São informantes dos sexos masculino e feminino, dos três níveis de escolaridade e das quatro faixas etárias. 67 Tabela 07: Distribuição dos informantes analisados nesta pesquisa de acordo com as variáveis sociais. Idade 07-14 15-25 26-49 50 ou + Totais Sexo H M H M H M H M Ensino Fundamental 2 2 1 1 1 1 1 1 10 Ensino Médio 1 1 1 1 1 1 06 Ensino Universitário 1 1 1 1 1 1 06 Número total de informantes entrevistados 22 Labov (2008, p. 13), ao destacar a importância de se analisar a língua na modalidade oral, afirma que existe uma crescente percepção de que a base do conhecimento intersubjetivo na linguística tem de ser encontrada na fala – a língua tal como usada na vida diária por membros da ordem social, este veículo de comunicação com que as pessoas discutem com seus cônjuges, brincam com seus amigos e ludibriam seus inimigos. Entretanto, as entrevistas, conforme o próprio autor, não são exemplos exatos do vernáculo, pois se constituem em um estilo próprio, caracterizado por não ser tão formal como uma entrevista de emprego, porém não tão informal quanto a fala usada em situações cotidianas, como na conversa entre amigos. Além dos dados de língua falada, analisamos a modalidade escrita, a partir de ocorrências retiradas do jornal A Gazeta. Segundo Paredes (2007, p. 159), os estudos comparativos da fala e da escrita evoluíram de um tempo em que as duas modalidades eram colocadas em pólos opostos, através de dicotomias que valorizam as diferenças entre elas para o tratamento como um continuum. Esse jornal foi fundado em 1928, mais precisamente, a primeira edição data de 11 de setembro de 1928. Surgiu com o propósito de ser um jornal contra o “atraso” e a “inércia da mentalidade capixaba”, Lindenberg Neto (2008, p. 7). No entanto, logo depois do início da circulação, a campanha contra o governo feita pelo jornal resultou na proibição de sua veiculação. Somente após alguns meses voltou a circular. 68 Nos anos 1930, o jornal A Gazeta veiculava seus primeiros exemplares. Não excedia o total de seis páginas, em geral, o jornal possuía quatro páginas. Os gêneros textuais também eram diferentes dos encontrados atualmente. Era comum encontrar reproduções fiéis de telegramas e manifestos, gêneros textuais não constatados nas versões atuais. No entanto, a notícia era o gênero mais recorrente. Não é mais possível folhear as coleções dos primeiros anos do jornal. Entretanto, foi possível realizar a pesquisa na Biblioteca Pública Estadual do Espírito Santo, já que todo o material está registrado em microfilme. Embora tenhamos acesso a esse riquíssimo material, vale ressaltar que o registro desses primeiros exemplares em microfilme é de baixa qualidade. Em diversos momentos, não foi possível ler trechos de reportagens, às vezes, até páginas inteiras. Esse foi um empecilho grave ao desenvolvimento desta pesquisa. Além disso, a administração do jornal A Gazeta, quando contactada, não ofereceu qualquer tipo de ajuda, não permitindo sequer frequentar o prédio para a coleta de dados. Somente nos últimos dias tivemos acesso a um material distribuído internamente entre os funcionários da Rede Gazeta – um livro em comemoração aos 80 anos do jornal A Gazeta. A partir desse livro, pudemos ampliar o número de dados dos primeiros anos do jornal. Na década de 1970, o jornal apresentava um número maior de páginas e começava a veicular cadernos especiais, como o 2° Caderno, destinado a questões culturais. Os dados analisados neste trabalho, referentes a esse período, também estavam registrados em microfilmes, mas a qualidade do material é melhor se comparado aos anos de 1930. Nesse período, Vitória passou por profundas transformações, pois, a partir de 1970, a burguesia local, elite industrializante, produziu para o Estado um projeto de industrialização e internacionalização, implantando projetos muito importantes como: Aracruz Celulose, duplicação da Vale do Rio Doce, Samarco e a CST (Companhia Siderúrgica de Tubarão). Essas transformações resultaram na configuração econômica e político-social que hoje temos. 69 No decorrer dos anos, o jornal passou por diversas transformações internas e pôde registrar as muitas modificações de Vitória e do Espírito Santo, assim como as diferentes formas de organização da sociedade. Atualmente, o jornal A Gazeta é considerado referência para obtenção de informação entre os capixabas. No estado do Espírito Santo, há a veiculação de três jornais diários: “A Gazeta”, “Notícia Agora” e “A Tribuna”. Os dois primeiros pertencem à Rede Gazeta, mas são produzidos para públicos distintos. “Notícia Agora” é destinado a um público com menor poder aquisitivo e as reportagens são mais voltadas para as seções policiais e de esportes, além de apresentar um preço mais baixo. “A Gazeta” possui como público alvo as classes média e alta e apresenta o maior valor de custo, além de ser considerado por muitos capixabas uma referência para a obtenção de informações. O jornal “A Tribuna” é destinado à classe média e possui preço intermediário. A Gazeta é considerado o jornal de formação de opinião no Estado do Espírito Santo. É o único jornal capixaba que possui editorial, além de colunistas que são referência para os capixabas em diversas áreas, da economia e política à esportiva e cultural. Outro ponto a se destacar é sua semelhança a jornais como O Globo, do Rio de Janeiro: é dividido em “Cadernos”, como o 2º Caderno, que aborda questões culturais. A Rede Gazeta, responsável pelo jornal, é uma afiliada da Rede Globo, ou seja, apresenta o chamado “padrão Globo de qualidade”. A opção pelo jornal A Gazeta se deve ao fato de ser este o jornal mais antigo do estado, o que permitiu o levantamento de dados desde a terceira década do século passado. Além disso, acreditamos que esse jornal utilize mais as formas conservadoras da língua, principalmente ao considerarmos o seu público alvo. 70 4.2 ETAPAS DA PESQUISA A justificativa de analisar a expressão de futuro na comunidade linguística capixaba se deve primeiro ao fato de a autora ser uma capixaba, segundo pela necessidade de se colocar Vitória em cena nas pesquisas linguísticas realizadas no Brasil. Infelizmente, não há muitos estudos voltados para essa comunidade, há poucos anos que esse quadro começou a mudar, principalmente após a implantação do Mestrado em Estudos Linguísticos na UFES (Universidade Federal do Espírito Santo). Além disso, na dissertação de mestrado, já havíamos pesquisado essa comunidade, usando o corpus PortVix20. Naquele trabalho, analisamos a variação no âmbito do irrealis, entre as formas futuro do pretérito e pretérito imperfeito do indicativo, nas formas sintéticas e perifrásticas com ir. Por isso, decidimos analisar a variação entre as formas indicadoras de futuro, utilizando corpora de língua falada, no caso o PortVix, e de língua escrita, jornal A Gazeta. Depois de efetivada a coleta de dados, levantaram-se as hipóteses sobre quais fatores linguísticos e extralinguísticos estariam relacionados ao uso de cada forma variante. Pesquisou-se um total de dez grupos de fatores - as variáveis independentes – comuns aos corpora analisados, especificados a seguir em 4.3. Vale ressaltar que após levantamento, codificação e digitação os dados obtidos foram submetidos ao pacote de programas estatísticos computacional Goldvarb X. A partir dos resultados estatísticos gerados pelo programa, há uma interpretação e explicação para eles. Segundo Guy et al (2007, p. 21), 20 A respeito desse corpus, relato com muito orgulho que pude participar de sua elaboração, desde a fundamentação teórica, à realização de entrevistas e transcrições. Além disso, a minha dissertação de mestrado foi o primeiro trabalho que analisou sistematicamente todo esse corpus. 71 explicações satisfatórias virão do nosso conhecimento e experiência como linguistas e das teorias que desenvolvemos sobre a natureza da linguagem humana. Há, no entanto, uma variedade de métodos quantitativos que podem nos ajudar a ir ao encontro desse fim, permitindo-nos tirar inferências dos dados, testar hipóteses e interpretar os resultados. Nessa área, encontram-se medidas quantitativas de significância, correlação, interação e independência, assim como parâmetros numéricos que quantificam a magnitude e a direção de vários tipos de efeitos. O Goldvarb X é um aplicativo para analisar múltiplas variáveis, como a por ora descrita. Ele possibilita a contagem dos dados, demonstrando o comportamento das variantes frente a cada um dos grupos de fatores, apontando os percentuais de cada um deles. O programa ainda permite um resultado em peso relativo, calculado a partir de um modelo logístico, que possibilita identificar a força de cada restrição em relação ao fenômeno variável. Além disso, fornece a seleção dos grupos de fatores por ordem de relevância estatística. Essa seleção se faz de acordo com o grau de significância para cada fator ou conjunto de fatores. O programa funciona iterativamente e os resultados mais significativos são aqueles cuja significância é 0.000 ou mais próxima desse valor. 4.3 DESCRIÇÃO DO TRATAMENTO DOS DADOS Conforme exposto ao longo desta tese, o foco do nosso trabalho é examinar a variação entre as formas variantes para a expressão da futuro. Para dar conta dessa tarefa, postulamos quais contextos nos pareciam propícios ou não ao uso de cada uma delas, a partir da atuação de alguns grupos de fatores. Os grupos de fatores comuns a todos os corpora são: 1) Paralelismo; 2) Extensão lexical; 3) Verbo modal; 4) Marca de futuridade fora do verbo; 5) Projeção de futuridade; 6) Conjugação verbal; 7) Escala de modalidade; 8) Tipo semântico do verbo; 9) Sequência textual e 10) Tipo de sentença. Os corpora do jornal A Gazeta, nas três décadas analisadas, apresentam também o gênero textual como um dos grupos de fatores. O 72 PortVix apresenta três grupos de fatores extralinguísticos: 1) Gênero / sexo; 2) Escolaridade e 3) Faixa etária. Tendo em vista que aplicamos esses grupos de fatores a todos os corpora analisados, optamos por apresentar, neste capítulo, esses grupos, exemplificando-os e expondo a hipótese que condicionou a sua consideração quando da codificação dos dados. Acreditamos que essa postura facilitará o entendimento da descrição dos resultados em cada corpus, já que nem sempre houve a seleção do mesmo grupo de fatores e, em alguns momentos, faremos referência a fatores não selecionados pelo Goldvarb, mas que parecem apresentar importância na escolha da variante. 4.3.1 Paralelismo Segundo o princípio do paralelismo, “marcas levam a marcas e zeros levam a zeros”, Poplack (1979, p. 80). Há uma tendência à repetição da mesma forma variante em situações nas quais os dados aparecem em cadeia (Scherre, 1988 e 1998) ou em gatilho (Charlotte Emmerich, 1984). Em relação à variação na expressão do futuro, Santos (2000), Gibbon (2000), Oliveira (2006) e Bragança (2008) também puderam atestar a influência do paralelismo na escolha das variantes. O fator paralelismo é um dos que mais têm motivado o uso de uma forma linguística quando falamos em expressão de futuro. Além disso, em Tesch (2007) foi o primeiro grupo de fatores na seleção do programa Goldvarb na variação no âmbito do irrealis. A influência do paralelismo é tão notória que em diversas pesquisas ele passou a ser considerado um princípio linguístico, ou seja, pode ser um mecanismo universal no processamento da linguagem (Scherre & Naro, 1991, p. 30). 73 A hipótese para esta variável independente é que o uso de uma forma favoreça a repetição da mesma forma. Assim, o uso de futuro simples favorece o uso de futuro simples e ir no presente + verbo no infinitivo favorece o uso de ir no presente + verbo no infinitivo, por exemplo. No corpus PortVix, também se acredita que o entrevistador possa influenciar a fala do informante, nas ocorrências denominadas gatilho. Logo, o informante tende a repetir a mesma forma utilizada pelo entrevistador. Em relação às ocorrências isoladas e primeiras de uma série, a literatura linguística as tem considerado como formas “neutras” quanto à escolha de uma forma ou outra. No jornal A Gazeta, consideramos ocorrência em cadeia aquela precedida por uma forma dentro do mesmo parágrafo, pois percebemos que a forma poderia ser influenciada pela mudança de tópico discursivo que coincide com a mudança de parágrafos. No PortVix, aquela que não apresentava interrupção na fala do informante pelo entrevistador. Seguem abaixo exemplos dos contextos possíveis controlados em que o futuro21 pode aparecer, sendo que foram retirados de diferentes corpus. a) Ocorrência isolada; Ir no presente + verbo no infinitivo: 14) O tempo de percurso vai variar de acordo com a rota. No antigo sistema o tempo entre Prainha e Beira-Mar era de 15 a 20 minutos. (A Gazeta, 03 de julho de 2008) Presente do indicativo: 15) 21 A Secretaria Estadual de Educação (Sedu) orienta que o professor que se sentir ou for ameaçado diretamente deve informar o fato à direção da escola, para que a Corregedoria da Sedu tome conhecimento e possa agir. (A Gazeta, 03 de julho de 2008) As ocorrências que deverão ser consideradas como exemplos estão destacadas em negrito e sublinhadas. 74 Futuro simples: 16) As empresas envolvidas no impasse da merenda escolar na Serra se manifestaram por meio de nota. A Convida Alimentação S/A não divulgou o valor despendido nos dois dias em que ficou à frente do fornecimento da merenda, mas esclareceu que “buscará reparação dos prejuízos pelas vias legais, bem como restabelecer prontamente junto ao Poder Judiciário a vigência do seu contrato.” (A Gazeta, 03 de julho de 2008) b) Primeira ocorrência de uma série; Ir no presente + verbo no infinitivo: 17) Queremos colocar a biblioteca em um local bem centralizado. As obras já começaram e a biblioteca vai fazer parte de um conjunto de instituições da prefeitura em um mesmo prédio. Em 15 dias, a nova sede vai estar pronta”, frisou o Secretário de Cultura, Rubem Moraes. (A Gazeta, 03 de julho de 2008) Presente do indicativo: 18) A proposta é de autoria da senadora Ideli Salvatti e, no Senado, tramitou em menos de um ano. Não se sabe quanto tempo o projeto pode demorar para ser aprovado na Câmara. Por isso, não há como prever quando ele será implementado nas universidades do país. (A Gazeta, 04 de julho de 2008) Futuro simples: 19) Para alegria não apenas empresarial, mas também laboral, valeria a pena que as autoridades fazendárias esclarecessem de que bornal mágico virão os recursos para cobrir essa perda de recursos que ocorrerá com a redução significativa da alíquota da chamada contribuição patronal à previdência social. É que a corda rebenta sempre do lado mais fraco. (A Gazeta, 06 de junho de 2008) c) Ocorrência em cadeia precedida de futuro22; Ir no presente + verbo no infinitivo: 20) 22 Domingos Martins concorre com mais 17 municípios ao título; o governo da cidade receberá premiação. Termina hoje a eleição que vai escolher a Vale destacar que foram constatados poucos dados de ir no futuro + verbo no infinitivo. Por isso, amalgamamos as ocorrências de futuro do presente e de ir no futuro + verbo no infinitivo, tendo em vista que o programa Goldvarb não permitiria analisar as duas variantes isoladamente. 75 cidade mais romântica do Brasil. Domingos Martins é uma das candidatas ao título. (A Gazeta, 30 de junho de 2008) Presente do indicativo: 21) Em outubro próximo o povo brasileiro poderá exercer mai uma vez o seu direito democrático de eleger os seus representantes nas câmaras Municipais. A primeira indagação que se apresenta na mente do cidadão é a seguinte: em qual candidato a vereador devo votar? (A Gazeta, 17 de julho de 2008) Futuro simples: 22) Há em todos nós um instinto de autenticidade. O cidadão honrado sabe confrontar o brilho do olhar limpo com a mirada opaca dos cínicos. O povo pode até ser enganado. Mas um dia, talvez antes do que se pensa, a casa desabará. “O que acontecerá”, escrevia Nietzsche, “quando cair a máscara?” Não ficará “mais do que um espantalho”. A advertência do filósofo é de grande atualidade. Está dirigida aos homens que caminham de costas para a verdade. (A Gazeta, 30 de junho de 2008) d) Ocorrência em cadeia precedida de presente; Ir no presente + verbo no infinitivo: 23) Edital deve ser divulgado nos próximos dias. Salário a partir de R$ 1.030. o novo concurso público da Petrobrás Distribuidora (BR) vai oferecer vagas para o Espírito Santo. A publicação do edital está prevista para os próximos dias. (A Gazeta, 03 de julho de 2008) Presente do indicativo: 24) Começa amanhã à tarde na área de desembarque do Aeroporto de Vitória uma ação promocional para os turistas que visitam o estado. Duas moças vestidas com trajes típicos vão distribuir um kit, em forma de uma caixa de bombom, com uma surpresa: além de chocolate, a caixa contém seis guias, com mapas e serviços de diferentes regiões turísticas do Espírito Santo. (A Gazeta, 03 de julho de 2008) Futuro simples: 25) A proposta é de autoria da senadora Ideli Salvatti e, no Senado, tramitou em menos de um ano. Não se sabe quanto tempo o projeto pode demorar para ser aprovado na Câmara. Por isso, não há como prever quando ele será implementado nas universidades do país. (A Gazeta, 04 de julho de 2008) 76 e) Ocorrência em cadeia precedida de ir no presente + verbo no infinitivo; Ir no presente + verbo no infinitivo: 26) O diretor acrescenta que, se a proposta for sancionada pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva, pretende recorrer à Justiça. “Se esse projeto for aprovado vamos tentar argüir nossa autonomia na Justiça. Queremos fazer o que acreditamos ser o melhor para a realidade do Espírito Santo. Estamos discutindo isso com calma há muito tempo e não vamos aceitar imposições”, declara. (A Gazeta, 04 de julho de 2008) Presente do indicativo: 27) As escolas assistidas pelo Plano de Segurança vão contar com a presença diária de policiais militares da ativa. Os profissionais devem acompanhar a entrada e a saída de estudantes, professores e funcionários, e poderão estar nas proximidades da instituição, estrategicamente, a qualquer momento. Serão chamados de Anjos da Escola. (A Gazeta, 04 de julho de 2008) Futuro simples: 28) Ontem, antes do anúncio da nova Selic ele (Lula) sentenciou: “Se alguém imagina que a inflação vai voltar, como já aconteceu no Brasil, pode tirar o cavalo da chuva, porque nós tomaremos toas as medidas que forem necessárias para evitar isso”. (A Gazeta, 24 de julho de 2008) f) Ocorrência precedida de gatilho23 em futuro: Não houve nenhuma ocorrência com essa característica no corpus PortVix. Isso permite observar que os entrevistadores em nenhum momento utilizaram verbos no futuro do presente, nas entrevistas aqui analisadas. g) Ocorrência precedida de gatilho em presente: Ir no presente + verbo no infinitivo: 29) 23 Entrevistador – Aí, quando que você coloca o fixo? Informante – Fixo eu vou botar essa semana ... acho que depois de amanhã (PortVix: Homem, Ensino fundamental, 07 a 14 anos) Destacamos que as ocorrências em gatilho serão analisadas somente no corpus PortVix. 77 Presente do indicativo: 30) Entrevistador – e na novela ... você acha que a Jade deve ficar com quem? Informante – ah:: deve ficar com o Saídy (PortVix: Mulher, Ensino fundamental, 07 a 14 anos) Futuro simples: Não houve ocorrência. h) Ocorrência precedida de gatilho em ir no presente + verbo no infinitivo: Ir no presente + verbo no infinitivo: 31) Entrevistador – E como que vai ser ... que você vai fazer esse frango agora? Informante – Não:: norMAL eu acho:: eu vou temperar ele:: primeiro vou dar uma fervida nele é que ela pediu pra eu fazer um frango à grisalho que é assim:: você põe o/põe o:: ferve o frango né:: ferve (PortVix: Homem, Ensino médio, 15 a 25 anos) Presente do indicativo: 32) Entrevistador - você também não gostaRIA de ser ... então você acha assim:: que depois que você caSAR você:: vai ser uma pessoa assim:: fiel::? (inint) Informante – é:: tem que ser né? (PortVix: Homem, Ensino fundamental, 15 a 25 anos) Futuro simples: Não houve ocorrência. 4.3.2 Extensão lexical Diversas pesquisas têm constatado a relevância do número de sílabas do verbo na influência da escolha entre as formas sintéticas e perifrásticas do verbo, demonstrando que o maior número de sílabas favorece o uso das formas perifrásticas. Esses estudos têm considerado que o falante, ao selecionar uma forma, busca facilitar o processamento da 78 comunicação. Assim, evitaria, sempre que possível, usar grandes quantidades de massa fônica. A partir de seus resultados, Costa (1997 e 2003) pôde confirmar a hipótese de que as línguas parecem demonstrar uma tendência a evitar palavras extensas e o falante prefere distribuir o peso fonológico de um vocábulo ao usar uma perífrase. Resultado semelhante foi encontrado por Tesch (2007). Acreditamos que quanto maior for a extensão lexical do verbo, mais provável é o uso da forma ir no presente + verbo no infinitivo. Isso porque o uso da forma sintética de futuro implicaria o aumento de mais uma sílaba no verbo, o que tornaria verbos trissílabos, por exemplo, em polissílabos e, como se sabe, a maioria das palavras do português são dissílabos ou trissílabos (Câmara Jr., 1977). Em relação ao presente do indicativo, acreditamos que seja favorecido em verbos de uma ou duas sílabas, já que não sofreria aumento por acréscimo de morfema. Para analisar os dados, consideramos o número de sílabas do verbo no infinitivo, pois é a esta forma que será acrescentada ao verbo ir, na construção perifrástica. Assim, os fatores analisados são: a) Verbo principal com 1 sílaba no infinitivo; Ir no presente + verbo no infinitivo: 33) Num tempo que se prenuncia de dificuldades gerais, para o mundo todo, é importante que o governo Lula esclareça como vai ser coberta a perda de arrecadação decorrente dessa redução de alíquota patronal para a previdência social. (A Gazeta, 30 de junho de 2008) Presente do indicativo: 34) A promoção vai até o dia 28 de setembro. (A Gazeta, 30 de junho de 2008) Futuro simples: 35) Serão chamados de Anjos da Escola. (A Gazeta, 04 de julho de 2008) 79 b) Verbo principal com 2 sílabas no infinitivo; Ir no presente + verbo no infinitivo: 36) As escolas assistidas pelo Plano de Segurança vão contar com a presença diária de policiais militares da ativa. (A Gazeta, 04 de julho de 2008) Presente do indicativo: 37) O jornal A Gazeta traz para você a chance de dar um passo decisivo rumo ao sucesso. (A Gazeta, 30 de junho de 2008) Futuro simples: 38) Não ficará “mais do que um espantalho”. (A Gazeta, 30 de junho de 2008) c) Verbo principal com 3 ou mais sílabas no infinitivo24. Ir no presente + verbo no infinitivo: 39) Estamos discutindo isso com calma há muito tempo e não vamos aceitar imposições”, declara. (A Gazeta, 04 de julho de 2008) Presente do indicativo: 40) As entregas ocorrem a partir do dia 7 de julho. (A Gazeta, 30 de julho de 2008) Futuro simples: 41) 24 Dispõe o art. 11 da PEC n° 233/08 que a lei definirá reduções gradativas da alíquota da contribuição previdenciária paga pelas empresas,a serem realizadas a partir do segundo ano da promulgação da Emenda à Constituição, até o sétimo ano. (A Gazeta, 30 de junho de 2008) A união dos verbos trissílabos e polissílabos se deve ao fato de haver poucas palavras polissílabas na Língua Portuguesa,o que resultou em pequeno número de dados, sendo, portanto, mais conveniente reuni-las em um grupo assemelhado. 80 4.3.3 Verbo modal Nesta seção, analisamos a presença ou ausência de verbos modais como variável independente. Esses verbos merecem tratamento específico ao investigarmos a influência que exercem na escolha das formas de futuro. Os verbos auxiliares foram relacionados à modalidade por Palmer (1986, p. 33), como verbos especiais. No inglês, assim como no alemão, vários verbos modais podem ser usados para expressar as modalidades epistêmica e deôntica. Em relação ao uso das variantes, aqui pesquisadas, em verbos modais, é preciso considerar a natureza semântica desses verbos. Essas formas verbais em variação servem para expressar o futuro. Conforme discutido na apresentação do tema nesta tese, o futuro é considerado por vários autores mais como um modo que um tempo. A partir disso, uma questão surge: as formas variantes de expressão de futuro teriam comportamentos distintos nos verbos modais? Costa (1997) e Tesch (2007) constataram que as formas variantes no âmbito do irrealis apresentam características peculiares nesses verbos. Costa pôde perceber que as construções perifrásticas com ia e iria são inibidas em bases verbais modais, pois esses verbos já carregam alguma semântica de modalidade, evitando-se codificar duas modalidades na mesma locução verbal. Sua análise mostra que o pretérito imperfeito do indicativo é mais frequente em verbos modais (60% das ocorrências), principalmente se o verbo apresenta valor epistêmico (eventualidade, probabilidade, possibilidade). O futuro do pretérito relaciona-se mais como expressão morfológica do valor deôntico. Em Tesch (2007), podemos perceber que a distribuição nas ocorrências que expressam irrealis entre as formas futuro do pretérito e pretérito imperfeito do indicativo, nas formas sintéticas e perifrásticas, não ocorreu da mesma maneira em verbos modais e não modais, 81 sendo, inclusive, analisados separadamente, devido a apresentar tamanha distinção. A análise confirmou que os verbos modais funcionam como fortes inibidores das formas perifrásticas, tendo em vista que a perífrase já apresenta uma modalização, acarretando uma maior complexidade cognitiva o seu uso ao lado de um verbo modal. Portanto, analisar os verbos modais nesta pesquisa é necessário pelo fato de o futuro verbal implicar modalização, tendo em vista que o falante apenas pode projetar sua expectativa para os fatos que acontecerão. O traço modalidade estará, dessa forma, presente nas construções de futuro, ora mais perceptível, ora mais implicitamente. Nossa hipótese é que na expressão de futuro também ocorra a interferência do verbo modal como inibidor das construções perifrásticas com ir. Destacamos que nesse grupo de fatores estaremos interessados em observar somente a influência do verbo modal, a presença ou ausência. Os verbos modais analisados nesta pesquisa são: ‘poder’, ‘dever’, ‘ter de’/ ‘ter que’; ‘querer’; ‘tentar’; ‘preferir’; ‘pretender’ e ‘precisar’. No entanto, também abordaremos a influência dos tipos de modalidade – epistêmica e deôntica – em um outro grupo de fatores, em 4.3.7. Tomando por base os dados pesquisados nesta tese, percebe-se que a distribuição das formas variantes parece não se dar da mesma maneira em verbos modais e não modais. Observe as ocorrências a seguir, com um verbo modal mais infinitivo e outros não modais: a) Verbo modal Ir no presente + verbo no infinitivo: 42) por exemplo minha colega a mãe dela viajou ela ficou triste porque a mãe dela nunca tinha ficado longe dela ... aí ela pó ela é minha amiga um tempão a gente se considera até prima na escola ... o pessoal conhece a gente como prima... aí:: ela ficou meia triste aí eu me preocupei porque a mãe dela /ela disse que a mãe dela nunca foi de viajar ... aí eu falei ... pô mais ela vai ter que viajar outro dia nem que ... seja pra ficar um tempo longe ... mas ela ainda tá se preocupando com você (PortVix: Mulher, Ensino fundamental, 07 a 14 anos) 82 Nesse exemplo, percebemos que o verbo modal ‘ter que’ instaura uma informação de ‘obrigação’ ou ‘necessidade’, pois a mãe terá a necessidade de viajar em outros momentos. Embora as construções perifrásticas com ir sejam inibidas em verbos modais, também é possível encontrá-las. Lembramos que essa forma indica modalidade deôntica, porém discutiremos essa questão a seguir, ao abordarmos a escala de modalidade. Presente do indicativo: 43) [o informante relaciona violência e corrupção] você pode não rouBAR exatamente nada ... mas usar o seu cargo para determinada coisa é asSIM ... infelizmente é assim que funciona ... e eu acho que isso NÃO existe só no Brasil ... só que aqui como ... a pobreza é muito gra::nde e tal ... o po/ o problema é um pouco mais acentuado ... mas:: violência também existe nos Estados Unidos ... existe também na Europa existe ... (PortVix: Mulher, Ensino superior, 15 a 25 anos) O modal ‘poder’ apresenta uma pluralidade semântica, atualizada por diferentes relações contextuais, como: Capacidade, permissão, possibilidade e eventualidade – considerando os dois primeiros como usos mais lexicalizados, o terceiro como um uso mais gramaticalizado, com algum esvaziamento semântico e funcionando basicamente como auxiliar modal, e o quarto como um uso mais discursivo, funcionando como um advérbio epistêmico de possibilidade, com um grau ainda maior de esvaziamento semântico funcionando em estruturas a caminho da cristalização, tipo ‘pode ser’.( Costa (1995, p. 87)) No exemplo acima, o modal ‘poder’ sugere tanto possibilidade, já que o informante considera que é possível não roubar, quanto capacidade, pois imagina que o político seja capaz de não roubar. 83 Futuro simples: 44) Em sua estada em Vitória, o ministro da Agricultura deverá se reunir com técnicos ligados ao setor e também fazer uma série de debates junto às classes produtoras, através dos dirigentes da Federação da Agricultura, Federação dos Trabalhadores e das Cooperativas. (A Gazeta, 04 de outubro de 1974) O verbo modal ‘dever’, assim como ‘poder’, apresenta uma pluralidade semântica, além de poder alternar com a locução ‘ter que/ ter de’, em alguns contextos. De acordo com Costa (1995, p. 56), o modal ‘dever’ “é responsável pela expressão dos valores modais de obrigação e necessidade, no seu uso radical, e do valor modal probabilidade, no seu uso epistêmico”25. Em relação à multiplicidade de valores modais desse verbo, no português, a autora identifica cinco principais - necessidade, obrigação, conveniência, probabilidade e suposição sendo os três primeiros caracterizados por um uso radical e os dois últimos, epistêmico. Assim, os modais ‘dever’ e ‘poder’ apresentam as duas possibilidades semânticas: deôntica (permissão, capacidade) e epistêmica (eventualidade, possibilidade). No exemplo (44), seria possível interpretar “deverá se reunir” tanto como uma suposição quanto como uma obrigação. No entanto, a ambiguidade é desfeita ao se analisar o contexto em que se deu o enunciado. Tendo em vista que a notícia relata possíveis eventos da agenda do ministro, percebe-se que foram descritas possíveis ações do ministro. Uma questão que merece ser ressaltada neste trabalho é uma distinção entre ‘dever’ e outros verbos modais. Parece que o verbo modal ‘dever’ não permite a alternância com a perífrase ir. Por exemplo, em (44) é possível usar tanto ‘deverá se reunir’ como ‘deve se 25 A autora adota uma distinção entre uso radical e uso epistêmico, que corresponde a diferenças entre modalidade interna x modalidade externa; modalização do predicado x modalização do enunciado; operação predicativa x operação enunciativa; modalidade atuando sobre o predicado x modalidade atuando sobre o enunciado. 84 reunir’, porém seria estranha a construção ‘vai dever se reunir’ ou ‘irá dever se reunir’. Tesch (2007, p. 120) não encontrou nenhuma ocorrência de ‘dever’ ao lado de perífrases com ir. b) Verbo não modal Ir no presente + verbo no infinitivo: 45) “realmente tudo vai mudar com esse cara”... aí ele vem ROUba o dinheiro de todo o mundo e depois todo o mundo recla::ma ... é assim ... eu não tô acreditando muito em política ultimamente não ((risos)) ... meio desesperançosa com isso (PortVix: Mulher, Ensino superior, 15 a 25 anos) Presente do indicativo: 46) O Maracanã hoje à tarde estará em festa: Pelé se despede como jogador da seleção brasileira de futebol. (A Gazeta, 19 de julho de 1971) Futuro simples: 47) Um apelo ao exame mais detido dos interesses de Guarapari, deixando de lado as questiúnculas partidárias, foi feito ontem pelo prefeito Hugo Borges aos seus opositores, entendendo que amanhã ficará difícil justificar, perante a coletividade. (A Gazeta, 04 de outubro de 1974) 4.3.4 Marca de futuridade fora do verbo A presença de indicador de circunstância de tempo futuro, tanto na forma oracional quanto sintagmática, foi considerada relevante no emprego de verbos no presente para expressar futuro em Oliveira (2006). Segundo Bragança (2008, p. 127), “a forma perifrástica emerge da necessidade de evidenciar a modalidade inerente ao futuro e, gradativamente, passa a codificar tempo futuro, numa função mais gramatical”. Levando em conta essa questão, acreditamos que o futuro simples iniba outras marcas de futuro, pois já possui marca de futuridade – o morfema -re ~ -ra. 85 Entretanto, acreditamos que o presente do indicativo seja a variante que mais ocorra ao lado de outras marcas de futuridade, principalmente por ele poder ser usado para indicar outros tempos, como ressalta Bechara (2003, p. 276) ao afirmar que o presente pode ser empregado, “em determinados contextos, ‘em lugar’ do passado e do futuro”. Gibbon (2000, p. 95-97), ao fazer controle semelhante ao nosso, pôde perceber que realmente o presente não tem condições de expressar sozinho a futuridade – geralmente, precisa da especificação temporal ou dos contextos condicionadores. Em relação à forma perifrástica, Bragança (2008, p. 127) acredita que ela possa favorecer as marcas de futuridade fora do verbo para reforçar o aspecto de tempo. Além disso, considera que como a forma inovadora parece apresentar valores funcionais diferentes, a depender do contexto em que se encontra (ora mais modal, ora mais gramatical), a construção com perífrase que faz uso de outras marcas de futuridade seria mais modal, enquanto a construção perifrástica sem outras marcas, mais gramatical ou mais especializada na função de codificar futuro. Contudo, semelhantemente a Tafner (2004, p. 144), acreditamos que a forma perifrástica possa prescindir da especificação temporal, uma vez que pressupomos que a perífrase ir + verbo no infinitivo já esteja codificando tempo, ou seja, apresente mais noção gramatical que modal, assim a presença de marca de futuridade fora do verbo seria um contraargumento a essa ideia. Além disso, Poplak e Turpin (1999, p. 149) também apontaram que as perífrases ocorrem mais em contextos sem advérbio. Inicialmente, controlamos esse grupo de fatores da seguinte forma: a) Presença de advérbio 48) A Assembléia de Deus do bairro São Francisco, em Cariacica, convida a todos para o 24º Congresso do Círculo de Oração, que será realizado até domingo. A abertura será hoje, às 19h30, com culto especial de libertação. (A Gazeta, 03 de julho de 2008) 86 b) Presença de oração temporal 49) A falta de espaço, pouco conforto, demora e confusão na venda de passagens são problemas que deverão acabar quando o terminal de passageiros da Grande Vitória estiver construído. (A Gazeta, 11 de setembro de 1976) c) Presença não contígua de marca 50) Em outubro próximo o povo brasileiro poderá exercer mais uma vez o seu direito democrático de eleger os seus representantes nas Câmaras Municipais. A primeira indagação que se apresenta na mente do cidadão é a seguinte: em qual candidato a vereador devo votar (em outubro próximo)? (A Gazeta, 17 de julho de 2008) Essas ocorrências, geralmente, são precedidas de uma que possui a presença de um advérbio, como “poderá exercer”, antecedida do advérbio “em outubro próximo”. Na segunda ocorrência - “devo votar” -, há a presença não contígua de marca, tendo em vista que a ação verbal se dará “em outubro próximo”. d) Marca inferível pelo contexto 51) E assegurou: “o prefeito não passa de desleal e desonesto. Se por acaso a Justiça provar o contrário, direi que meu pronunciamento é mentiroso, o que é muito difícil. (A Gazeta, 04 de outubro de 1974) O exemplo acima não apresenta uma marca de localização temporal, porém, pelo contexto, pode-se entender que o falante se refere a um momento posterior à Justiça provar o contrário, ou seja, logo após a Justiça provar o contrário ocorrerá a ação de dizer. Trata-se de construção hipotética: é a apódose. e) Ausência de marca 52) Para alegria não apenas empresarial, mas também laboral, valeria a pena que as autoridades fazendárias esclarecessem de que bornal mágico virão os recursos para cobrir essa perda de recursos que ocorrerá com a redução 87 significativa da alíquota da chamada contribuição patronal à previdência social. (A Gazeta, 30 de junho de 2008) Ao realizarmos as primeiras rodadas nos diversos corpora analisados nesta tese, percebemos que esse grupo não estava sendo selecionado pelo programa Goldvarb. Por isso, decidimos amalgamar os fatores acima e ficamos com somente dois fatores: presença x ausência de marca de futuridade. Assim, consideramos presença de marca de futuridade fora do verbo os fatores descritos em (a), (b) e (c), já que (b) marca o futuro por meio de uma oração e (c) apresenta o advérbio em uma ocorrência em contexto bem próximo. O fator (d) foi amalgamado à ausência de marca (e), uma vez que inferir um momento exato pode ser subjetivo e neste grupo de fatores estamos buscando verificar a influência de uma marca estrutural, que esteja presente no enunciado. Portanto, os fatores considerados foram: a) Presença de marca: Ir no presente + verbo no infinitivo: 53) Informante – não ... uma das soluções seria essa... metrô de superfície é coisa de pobre... não sei se você é meio petista não... o cara é/o cara tem que sonhar mas tem que saber o que ele tá falando ... isso é muito caro né? Entrevistador – não faz de uma hora pra outra não Informante – não ... metrô de superficie vai levar vinte anos pra ser feito (PortVix: Homem, Ensino Médio, 50 anos em diante) Presente do indicativo: 54) Depois do ano de 1940 as declarações de imposto devem ser prestadas até 30 de abril de cada ano. (A Gazeta, 30 de março de 1939) Futuro simples: 55) Na cidade de São Mateus, ao Norte do Estado, será realizada, no período de 27 deste mês a 1º de novembro, a Semana da Arte, promovida pelo Centro de Artes da Universidade Federal do Espírito Santo, com participação de outras entidades culturais. (A Gazeta, 04 de outubro de 1974) 88 b) Ausência de marca: Ir no presente + verbo no infinitivo: 56) comércio é o seguinte ... sem/sem a iniciativa privada ... essas grandes obras não saem ... chama-se (inint) ... isso funciona muito bem na Inglaterra ... funciona muito bem na França ... são os países adiantados ... que é o investidor coloca dinheiro dele ... ele tem que ter o retorno ... não vai trabalhar de graça pro Estado ... é o caso da ponte ali que é (inint) ... e:: ... você tem que cobrar pedágio (PortVix: Homem, Ensino médio, 50 anos em diante) Presente do indicativo: 57) Como o terreno em que está localizado o sítio indígena não pode ser escavado por máquinas, usaremos braços humanos. (A Gazeta, 04 de outubro de 1974) Futuro simples: 58) Está completa a victoria da Revolução. O Brasil inteiro está entregue a nova gente que para elle vem trazendo novos rumos traçados na sinceridade de um bem que o integrará, perfeito, na sua própria grandeza. (A Gazeta, 24 de outubro de 1930) 4.3.5 Projeção de futuridade Segundo Poplack & Turpin (1999, p. 148-150), a distância temporal, assim denominado pelas autoras, interfere no uso das formas que expressam o futuro, tendo em vista que a forma perifrástica é usada para referir-se ao tempo próximo, o futuro simples ao tempo distante e o presente é associado com a ação iminente. No estudo realizado por elas, no Francês Canadense, puderam constatar que o tempo próximo favoreceu tanto a forma perifrástica quanto o futuro do presente e o presente do indicativo foi favorecido pelo tempo distante. Entretanto, concluíram que a distância entre o momento de fala e o evento não é relevante para a escolha das formas variantes, já que os resultados foram muito aproximados. 89 Decidimos também testar esse grupo de fatores para verificar se realmente ele não interfere tanto na escolha das formas. Nossa expectativa é que a perífrase seja favorecida nas formas que indicam futuro próximo. Quanto mais próximo do falante estiver o ponto projetado no futuro, maior será o uso da perífrase com ir; quanto mais distante do ponto temporal do ato de fala, mais distante do falante, menor o uso da perífrase, consequentemente, a preferência pelo futuro simples ou do presente do indicativo. Seguem exemplos para cada um desses fatores. a) Futuro próximo26 Ir no presente + verbo no infinitivo: 59) A diretoria de Educação Física vai se reunir amanhã para orientar os atletas. (A Gazeta, 19 de julho de 1971) Presente do indicativo: 60) [a informante fala sobre a cor da tintura que usou no cabelo] Oh que vermelhão... por eu fui botá um pouquinho de vermelho no marrom, ficou esse trem doido aqui ... tem que passá de novo ... tem que comprá (PortVix: Mulher, universitária, 26 a 49 anos) Futuro simples: 61) Quinta-feira, dia 3, poderá ser feriado nacional, por se realizarem nesta data as eleições indiretas para governador e vice-governador, de acordo com o artigo 380 do Código Eleitoral. (A Gazeta, 01 de outubro de 1974) b) Futuro distante Ir no presente + verbo no infinitivo: 62) 26 mas eu não acredito que nos próximos CEM anos vai tá muito diferente disso... violência pelo menos eu não acredito... porque eu acho que tem/... ainda existe muita gente miserável nesse país pra você falar em... em PAZ total assim sabe? (PortVix: Mulher, Universitária, 15 a 25 anos) Foram consideradas futuro próximo as ocorrências que remetiam a fatos que aconteceriam em um mês ou dados que apresentassem marcas que deixassem clara a proximidade da efetivação da ação. 90 Presente do indicativo: 63) [a informante comenta sobre o vestibular] “ah se eu não passar esse ano eu posso passar... o ano que vem... se eu não passar também posso passar numa particular que meu pai vai pagar numa boa” entendeu? (PortVix: Mulher, Ensino médio, 15 a 25 anos) Futuro simples: 64) A nova estação de tratamento de água que servirá ao novo sistema de abastecimento da Grande Vitória estará em funcionamento até maio de 1975. (A Gazeta, 02 de julho de 1974) c) Futuro indefinido27 Ir no presente + verbo no infinitivo: 65) [a informante fala sobre morar longe da família devido aos estudos] não vou dar o braço a torcer ... minha irmã é muito orgulhosa ... mas ao mesmo tempo ela é muito apegada a família ... eu sei que ela sentiu muito... eu acho que a gente a diferença entre eu e ela vai ser essa porque eu não me/ não vou sofrer muita coisa não ... entendeu? (PortVix: Mulher, Ensino médio, 15 a 25 anos) Presente do indicativo: 66) Olha o/o igual meu esposo mesmo fala que a televisão ela é/influência ele bem assim que/as vezes/é/as pessoas/quer:: ...vamo supor igual ele/ele acha assim que igual coisas erradas que vê na televisão pode influenciar ... eu falei eu acho que não (Mulher, Ensino médio, 26 a 49 anos) Futuro simples: 67) 27 O Espírito Santo aplicará Cr$ 10 mil contra o câncer e Cr$ 72 700,00 em saúde mental. (A Gazeta, 02 de julho de 1974) O falante não pontua o momento de realização de um estado de coisas. 91 4.3.6 Conjugação verbal Como se sabe, os verbos no português se distribuem em três conjugações: 1ª conjugação (terminados em –ar); 2ª conjugação (terminados em –er e –or) e 3ª conjugação (terminados em –ir). Desses verbos, os mais recorrentes na Língua Portuguesa são os de 1ª conjugação, com vogal temática –a (Câmara Jr. 1977) . Por isso, acreditamos que a forma perifrástica atinja primeiramente os verbos mais frequentes e, gradativamente, os de 2ª e 3ª conjugação. Seguem os exemplos: a) 1ª conjugação Ir no presente + verbo no infinitivo: 68) Em São Rafael, falando antes do candidato a deputado estadual Emir de Macedo Gomes, Élcio Álvares informou que o seu governo vai prestigiar todos os políticos do partido, “pois só vou trabalhar com aqueles que têm condições de diálogo comigo”. (A Gazeta, 01 de outubro de 1974) Presente do indicativo: 69) O fim do exame de admissão não deixa saudade. . (A Gazeta, 03 de abril de 1971) Futuro simples: 70) O rio ficará represado até que as autoridades se encarreguem de soltá-lo. (A Gazeta, 01 de outubro de 1974) b) 2ª conjugação Ir no presente + verbo no infinitivo: 71) Transmitindo ao publico a boa nova de que afinal o commercio de café vae ser emancipado da tutela official que tanto o perturbou e tão graves damnos trouxe ao Paiz. (A Gazeta, 22 de maio de 1933) 92 Presente do indicativo: 72) Depois do ano de 1940 as declarações de imposto devem ser prestadas até 30 de abril de cada ano. (A Gazeta, 30 de março de 1939) Futuro simples: 73) Além desses prêmios, a commissão oferecerá surpresas que muito concorrerão para o maior encantamento da tarde de amanhã. (A Gazeta, 01 de janeiro de 1930) c) 3ª conjugação Ir no presente + verbo no infinitivo: 74) daqui a pouco eu vou sair (PortVix: Mulher, Ensino fundamental, 07 a 14 anos) Presente do indicativo: 75) Eu, inclusive, eu vou até/ eu tô fazendo tratamento ali no Hospital das Clínica/ eu vou, vou (PortVix: Mulher, Ensino fundamental, 26 a 49 anos) Futuro simples: 76) Em Vitória, o Sr. Alisson Paulinelli se reunirá com os técnicos ligados à agricultura, pretendendo também fazer debates sobre o mesmo tema junto às classes produtoras do setor, através dos dirigentes da Federação dos Trabalhadores e das cooperativas. (A Gazeta, 01 de outubro de 1974) 4.3.7 Escala de modalidade Palmer (1986, p. 01), em Mood and modality, afirma que há dois pressupostos básicos neste estudo. O primeiro é que é possível reconhecer uma categoria gramatical, a modalidade, como similar ao aspecto, tempo, número, gênero, etc. O segundo é que essa categoria pode ser identificada, descrita, e comparada em línguas diferentes, e não relacionadas. (...) O latim tem seu sistema de modo: indicativo, subjuntivo e imperativo; o inglês tem seu sistema de verbos modais: Will, can, may, must, etc. 93 Além disso, conclui que, embora seja fácil definir um sistema gramatical como modal, nele podem ser encontradas, ao lado de áreas nitidamente modais, formas cujo significado é apenas parcialmente modal. Essa área universal nitidamente modal é definida, então, como a possibilidade e a necessidade, valores centrais da lógica modal tradicional. Palmer apresenta, então, a distinção entre a modalidade epistêmica e a modalidade deôntica. Originado do grego episteme, sentido de conhecimento, o conceito de modalidade epistêmica representa a modalidade mais pura, já que se realiza em um nível eminentemente supra-proposicional e é responsável pela expressão de julgamentos do falante. Esse julgamento pode ser especulativo (o que se especula sobre ele), dedutivo (uma dedução sobre ele), evidência por relato (o que se diz sobre ele) e evidência por aparência (o que ele parece ser). A modalidade deôntica instaura-se ao nível da proposição, estando relacionada, em um nível mais concreto, a atos de fala em que se procura atuar sobre o interlocutor, através de enunciados diretivos, avaliativos ou volitivos. No seu sentido mais estrito, estaria comprometida muito mais com a possibilidade, a probabilidade, a necessidade da ação, do que com a especulação sobre a verdade do enunciado. Segundo Givón (1995), a modalidade epistêmica está relacionada ao conhecimento, à crença do falante a respeito das proposições enunciadas, indicando o grau de comprometimento do falante com a verdade da proposição, certeza da realização do fato à suposição de uma ocorrência provável, possível ou mesmo improvável. Por outro lado, a modalidade deôntica se refere às normas de conduta, moral, direitos e deveres. Assim, expressa uma vontade, um desejo, mas para conseguir a satisfação dessa vontade precisa a impor aos outros. Levando em consideração que a modalidade é fonte primária do tempo verbal futuro, acreditamos que haja uma influência das modalidades epistêmica e deôntica sobre as variantes 94 em estudo. Câmara Jr. (1956, p. 67) afirma, inclusive, que não considera o futuro como um tempo verbal e sim que ele não passa de um modo, conforme mencionado em 2.2. A decisão de analisar essa escala de modalidade partiu da necessidade de investigar a influência da modalidade independente da presença de verbo modal, já controlado em outro grupo de fatores, já mencionado. Tafner (2004) observou a influência da modalidade por meio desta escala, abaixo descrita e exemplificada. Para classificarmos as ocorrências quanto à escala de modalidade, codificamos o dado a partir do contexto, observando qual o tipo de modalidade atuante. Esperamos que esse grupo de fatores nos possibilite verificar qual das variantes é mais atingida pelos tipos de modalidade. A exemplo de Tafner (2004, p. 127-128) consideramos quatro fatores neste grupo, apresentados e exemplificados abaixo: a) Extremo epistêmico Foram consideradas, neste fator, as ocorrências em que não havia outras marcas de modalidade além do tempo linguístico e aquelas em que o falante expressava explicitamente certeza sobre a realização da ação. Ir no presente + verbo no infinitivo: 77) Todos os donos de estabelecimentos que comercializem produtos farmacêuticos, no centro daquele município, vão participar do rodízio a ser esquematizado amanhã. (A Gazeta, 02 de julho de 1974) Presente do indicativo: 78) O mesmo futebol grego é a atração do Maracanã no próximo domingo. (A Gazeta, 26 de abril de 1974) Futuro simples: 79) Mais uma vez, por causa de uma visão míope, ficamos impedidos de usar todos os benefícios que a tecnologia nos proporciona. Essa decisão do TSE me fez lembrar a famigerada Lei Falcão, que determinava que na 95 propaganda eleitoral os partidos só podiam dizer o número do candidato, sua legenda e um breve currículo. Os cidadãos, no entanto, e com certeza, saberão usar a Rede Mundial de Computadores para uma discussão intensa e produtiva em torno do processo eleitoral. Já os bons candidatos ficarão esperando uma próxima oportunidade de uso criativo dessa ferramenta. Os “fichas-sujas” agradecem essa censura. (A Gazeta, 10 de julho de 2008) b) Possibilidade epistêmica Este fator se destina às ocorrências que indicam, sobretudo, ideia de possibilidade de ocorrência do evento. Ir no presente + verbo no infinitivo: 80) que eu me lembre não... ah aconteceu com meu primo agora ele tá com... ele tá com uma doença... tá internado... aí sarô... parece que ele vai vir pra cá para ser internado de novo (PortVix: Mulher, Ensino fundamental, 07 a 14 anos) Presente do indicativo: 81) O Projeto de Lei 545/07 pretende implementar as cotas sociais e raciais em instituições públicas federais. Saiba o que pode mudar na UFES e o que pode ser criado no Cefetes. (A Gazeta, 4 de julho de 2008) Futuro simples: 82) A data entretanto não foi divulgada, mas adianta-se que poderá ser antes do dia 9, próximo, quando Paulinelle estará em Curitiba com a mesma finalidade, segundo informações oficiais. (A Gazeta, 01 de outubro de 1974) Nesse exemplo, a primeira ocorrência é de possibilidade epistêmica, já que não há certeza sobre a data. O próprio verbo ‘poder’ ajuda a indicar essa ideia de possibilidade. No entanto, o segundo dado - estará - indica extremo epistêmico. 96 c) Possibilidade deôntica Este fator inclui os dados que apresentam apenas as noções deônticas de permissão e capacidade. Ir no presente + verbo no infinitivo: 83) O diretor acrescenta que, se a proposta for sancionada pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva, pretende recorrer à Justiça. “Se esse projeto for aprovado vamos tentar arguir28 nossa autonomia na Justiça. (A Gazeta, 04 de julho de 2008) Presente do indicativo: 84) Como o terreno em que está localizado o sítio indígena não pode ser escavado por máquinas, usaremos braços humanos. (A Gazeta, 01 de outubro de 1974) Futuro simples: 85) Com a inscrição de 17 escolas de primeiro e segundo graus, de Vitória, elevou-se automaticamente para 85 o número de trabalhos participantes da I Feira Municipal de Ciências, uma vez que cada estabelecimento só poderá inscrever cinco trabalhos. (A Gazeta, 01 de outubro de 1974) d) Extremo deôntico Recobre os dados em que as noções de obrigação e necessidades sejam mais evidentes. Ir no presente + verbo no infinitivo: 86) é:: depois eu vou ter que limpar o fogão (PortVix: Mulher, Ensino fundamental, 07 a 14 anos) Presente do indicativo: 87) 28 Para ser cotista no Cefetes, o candidato precisa ter estudado todo o ensino fundamental em escola pública. No caso da UFES precisa ter estudado todo o ensino fundamental e médio em escola pública. (A Gazeta, 04 de julho de 2008) Neste exemplo, o verbo ir aparece ao lado de construção com verbo modal, assim como no exemplo (79). 97 Futuro simples: 88) Os interessados deverão comparecer com meia hora de antecedência, munidos de identidade, cartão de inscrição e caneta esferográfica de tinta AZUL, obrigatoriamente. (A Gazeta, 01 de outubro de 1974) Nossa hipótese é que haja a influência da modalidade sobre as formas variantes aqui estudadas. No caso das perífrases com ir, postulamos que o fator extremo epistêmico favoreça essa forma, pois parece que ela está se encaminhando para codificar com mais ênfase a função tempo. Em relação à variação entre o futuro simples e presente do indicativo, acreditamos que o futuro simples seja favorecido também em contextos de extremo epistêmico, por enunciar proposições futuras como verdadeiras e potencializar a atuação da modalização. 4.3.8 Tipo semântico do verbo Este grupo de fatores controla o tipo semântico dos verbos. Dentre as diversas classificações que poderíamos adotar, optamos pela de Halliday (1994). Para esse autor, a oração desempenha o papel de modelar a experiência, representa padrões da experiência. Isso porque os seres humanos, por meio da linguagem, constroem um quadro mental da realidade e essa é criada por processos. Assim, para Halliday (op cit, p. 106), a oração é um modo de ação, de dar e receber bens, serviços e informações. Além disso, a oração é um modo de reflexão, de impor ordem na variação e no fluxo do sistema gramatical de transitividade. Esse sistema constrói o mundo a partir da experiência, por meio de conjuntos de tipos de processos que estão relacionados a nossa experiência exterior e interior. Aquela por estar ligada ao mundo que nos cerca, como eventos, ações, etc. e esta por ser ligada à consciência, à imaginação, à reflexão, etc. 98 Traçaremos, brevemente, tal classificação a fim de tentar melhor entendê-la. De acordo com Halliday, um processo é constituído de três componentes para a interpretação da nossa experiência do que acontece: 1) o próprio processo; 2) os participantes no processo e 3) circunstâncias associadas com o processo (opcionais). Vale ressaltar que esses três conceitos são categorias semânticas que explicam como fenômenos do mundo real são representados em estruturas linguísticas. Seguem-se abaixo a classificação e definição dos processos propostos por Halliday: a) Processos materiais São processos relacionados ao “fazer”, expressam a noção de que um “ator” realiza o feito para um “alvo”. Portanto, esse processo tem um ator obrigatório e um alvo opcional. O termo ator se refere àquele que realiza a ação e o termo alvo a alguém para o qual o processo é estendido. Observe o exemplo: Ator Processo Alvo O leão pegou o turista Ir no presente + verbo no infinitivo: 89) mas aí não mas aí é um caso a parte cê vê ... ((risos)) pra fazer um show hoje em dia não é qualquer um que faz show aqui hoje em dia não ... quero ver se você teria... ó eu vou fazer uma brincadeira ... eu queria ver se você ... assim ó... eu não sei se é cara de pau ou ... tem gente que tem jeito cara... pra dominar o público pra chegar ali (PortVix: Homem, Ensino médio, 26 a 49 anos) Presente do indicativo: 90) A Desportiva enfrenta hoje, a partir das 21 horas, o Coritiba, em jogo amistoso programado para o estádio Engenheiro Araripe. (A Gazeta, 24 de janeiro de 1973) 99 Futuro simples: 91) O Governo Federal se utilisa de vós como de um bando do escravos tangidos à chicote e, no forte do combate vos abandonará como abandonou o 11 e 12 R. I e o 4º R. C. D. e, agora, as forças sob o commando do major Newton Cavalcante, destroçadas em Passa Quatro. (A Gazeta, 01 de outubro de 1974) b) Processos mentais Relacionam-se aos verbos que expressam sentimentos, pensamentos e percepções. Os participantes nestes processos são um experienciador e um fenômeno, assim um dos participantes é dotado de consciência (sente, pensa e percebe), o outro pode ser uma ‘coisa’ ou um fato (alguma coisa que é construída como um participante por projeção). Observe: Experienciador (dotado de consciência) Maria Processo gostou Fenômeno (coisa) do presente Ir no presente + verbo no infinitivo: 92) acho que é duas horas e quarenta miNUtos o FILme... só no final que você vai entender o quê que é (PortVix: Homem, Ensino fundamental, 15 a 25 anos) Presente do indicativo: 93) Estudar um pouco... pra depois ... depois eu penso em naMOro. (PortVix:Homem, Ensino fundamental, 15 a 25 anos)) Futuro simples: 94) A revolução brasileira não estará, porém, consummada pela deposição do Executivo, e certamente a Junta provisória comprehenderá a necessidade, para a pacificação que pretende fazer. (A Gazeta, 27 de outubro de 1974) 100 c) Processos relacionais Esses processos estabelecem uma relação entre duas entidades separadas. Uma entidade ‘a’ pode atribuir algo a uma entidade ‘x’ ou pode identificar um entidade ‘x’. Assim, esses processos podem ocorrer de dois modos diferentes: 1) atributivo: ‘a é um atributo de x’ e 2) identificador: ‘a é a identidade de x’. Os dois se distinguem devido ao fato de o primeiro ser reversível, os termos podem ser trocados de posição, e o segundo não apresentar essa característica. Entidade ‘x’ Processo Atributo Júlia é sábia Ir no presente + verbo no infinitivo: 95) [a informante relata o fim do relacionamento amoroso] e queria continuar mas eu disse pra ele “não ... num vamo ficar zangado não... (PortVix: Mulher, Ensino fundamental, 50 anos em diante) Presente do indicativo: 96) O mesmo futebol grego é a atração do Maracanã no próximo domingo. (A Gazeta, 26 de abril de 1974) Futuro simples: 97) O Banco do Brasil comunica que as cobranças em dólares serão liquidadas imediatamente, logo após a entrega ao banco, pela parte, da ficha com a data marcada. (A Gazeta, 12 de outubro de 1938) d) Processos comportamentais Referem-se a comportamentos psicológicos e fisiológicos, de natureza tipicamente humana, como olhar, sorrir, tossir, respirar dentre outros. Estão na fronteira entre os processos materiais e mentais. O participante é tipicamente um ser consciente. 101 Participante Processo João sorriu Ir no presente + verbo no infinitivo: 98) eu vou comprar um colchão pra você ... do contrário você vai dormir no chão (PortVix: Homem, Ensino fundamental, 50 anos em diante) Presente do indicativo: 99) ah temos um filho ... igual aquela senhora teve que era duas crianças garradas igual as duas meninas ... uma operação daquela se for pro pobre ou fica do jeito que tá ou então morre porque num tem condições ... ou então ... cê se pegar uma firma qualquer aí ... que patrocine né ... ajude a arruma o /o dinheiro faça aí uma coisa qualquer né num tem o/o/o time de futebol que faz um arruma dois times aí e arruma um jogo e no estádio a venda do estádio seja pra.../pra ajudar aquela operação alguma coisa porque se não tiver isso as crianças morrem (PortVix: Homem, Ensino fundamental, 50 anos em diante) Futuro simples: 100) Durante a manhã de hoje, os parlamentares deverão ouvir depoimentos de dirigentes da Cobal sobre sua política de preços. (A Gazeta, 24 de agosto de 1976) e) Processos verbais São processos relacionados a qualquer tipo de troca simbólica de significado, são os processos de ‘dizer’. Aquele/aquilo que diz Processo O que é dito Eu pedi um bife. Ir no presente + verbo no infinitivo: 101) agora vou contar uma história tá... aí ó::... vou falar isso isso assim (PortVix: Mulher,Universitária, 50 anos em diante) 102 Presente do indicativo: 102) depois eu conto uma fofoca aqui tá... (PortVix: Mulher,Universitária, 50 anos em diante) Futuro simples: 103) O ministro Colombiano Miguel Lopes Pumarejo falará ao rádio sobre a criação de uma liga ou associação de nações sul-americanas como defesa do país. (A Gazeta, 12 de outubro de 1938) f) Processos existenciais Processos que indicam que alguma coisa existe ou acontece. Podem referir-se a pessoa, objeto, instituição, abstração, ação ou um evento. Usualmente, estas orações apresentam um elemento circunstancial de tempo ou lugar. Processo Existente Circunstância Há um homem na porta. Ir no presente + verbo no infinitivo: 104) por exemplo ... vai ter várias outras frutas médio, 50 anos em diante) (PortVix: Homem, Ensino Presente do indicativo: 105) acontece a qualquer hora em qualquer lugar, entendeu? Não tem uma hora exata pa/pra pessoa:: morrer, assim:: (PortVix: Homem, Ensino médio, 15 a 25 anos) Futuro simples: 106) À noite haverá uma sessão solene, no Teatro Municipal. (A Gazeta, 12 de outubro de 1938) 103 g) Processos metereológicos Relacionados a fenômenos da natureza. Alguns construídos sem participantes, constituindo-se apenas pelo processo. Halliday ressalta que este processo se encontra na fronteira entre os processos materiais, existenciais e relacionais, como em O vento está soprando, Houve uma tempestade e Está frio, respectivamente. Ir no presente + verbo no infinitivo: 107) se você quiser ... vamos supor... tá de férias (inint) daqui a quinze dias ... aí você pode fazer um e-mail pra lá ... você diz quando é que você vai e qual é a previsão de tempo que ele te dá ... te diz “oh vai chover... lá... e tal” ... se bem que o teórico não adianta né? eu fui pro/ pro... pro norDESte no começo do ano ... “aí vamo ver se vai chover ou não” e ... choveu! (PortVix: Homem, Universitário, 50 anos em diante) Presente do indicativo: Não houve ocorrência. Futuro simples: Não houve ocorrência. A hipótese para este grupo de fatores é que as formas perifrásticas com ir sejam favorecidas nos verbos em que o sujeito tem um papel atuante, seja como ator seja como experienciador. Assim, acreditamos que a perífrase ir seja mais recorrente nos verbos materiais, mentais, comportamentais e verbais. O verbo pleno ir possui um traço de movimento inerente, por esse motivo a expectativa é de que os verbos principais que se combinam com o ir tendem a apresentar um traço parecido, tendo em vista que o papel do verbo ir passa a ser transmitir a noção de futuro e começa a perder a idéia de deslocamento no espaço. Por outro lado, acreditamos que o futuro simples seja favorecido nos verbos relacionais e existenciais que apresentam caráter menos dinâmico. 104 4.3.9 Tipos de texto / Sequências textuais Antes de apresentarmos este grupo de fatores, convém estabelecermos a distinção entre duas noções nem sempre analisadas de modo claro na bibliografia disponível – distinguir o que chamamos de sequência ou tipo textual de gênero textual. Para uma maior compreensão dessa questão, apontamos a definição dessas duas noções elaborada por Marcuschi (2008, p. 154-155): a) Tipo textual designa uma espécie de construção teórica {em geral uma sequência subjacente aos textos} definida pela natureza linguística de sua composição {aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas, estilo}. O tipo caracteriza-se muito mais como sequências linguísticas (sequências retóricas) do que como textos materializados; a rigor, são modos textuais. Em geral, os tipos textuais abrangem cerca de meia dúzia de categorias conhecidas como: narração, argumentação, exposição, descrição, injunção. O conjunto de categorias para designar tipos textuais é limitado e sem tendência a aumentar. Quando predomina um modo num dado texto concreto, dizemos que esse é um texto argumentativo ou narrativo ou expositivo ou descritivo ou injuntivo. b) Gênero textual refere os textos materializados em situações comunicativas recorrentes. Os gêneros textuais são os textos que encontramos em nossa vida diária e que apresentam padrões sociocomunicativos característicos definidos por composições funcionais, objetivos enunciativos e estilos concretamente realizados na integração de forças históricas, sociais, institucionais e técnicas. Em contraposição aos tipos, os gêneros são entidades empíricas em situações comunicativas e se expressam em designações diversas, constituindo em princípio listagens abertas. (...). Como tal, os gêneros são formas textuais escritas ou orais bastante estáveis, histórica e socialmente situadas. O autor (op cit, p. 156) ainda chama a atenção para que essa distinção não forme uma visão dicotômica, “pois eles são dois aspectos constitutivos do funcionamento da língua em situações comunicativas da vida diária”. Para diferenciar esses dois aspectos, é preciso considerar que os tipos textuais são linguísticos e estruturais, enquanto os gêneros textuais são mais funcionais. Portanto, em um único gênero textual é possível encontrar diferentes tipos textuais, já que os dois apresentam uma relação de complementaridade, ambos coexistem. “Todos os textos realizam um gênero e todos os gêneros realizam sequências tipológicas diversificadas. Por isso, os gêneros são, em geral, tipologicamente heterogêneos”. (Marcuschi 2008, p. 160) 105 Por exemplo, a entrevista é o grande gênero discursivo que constitui o corpus PortVix, por ora analisado. Contudo, depara-se frequentemente com uma certa dificuldade de classificar cada trecho, pois há transições muito frequentes e difíceis de delimitar, “verdadeiros ‘deslizamentos’ de um tipo de texto para outro” Paredes Silva (1996, p. 181). Por exemplo, em uma sequência narrativa, é possível encontrar trechos argumentativos do informante/ narrador, quando este comenta algum evento, avaliando e justificando as atitudes dos personagens envolvidos. No jornal A Gazeta, encontramos uma diversidade de gêneros textuais, mas em cada um deles é possível constatar diferentes tipos textuais. Por exemplo, em uma notícia podem ser constatados trechos narrativos/descritivos e outros argumentativos. Para melhor compreensão da distinção entre tipo e gênero textual, reproduzimos abaixo um quadro elaborado por Marcuschi (2010, p. 24). Quadro 01: Distinção entre tipos textuais e gêneros textuais, proposto por Marcuschi (2010). TIPOS TEXTUAIS 1. Construtos teóricos definidos propriedades linguísticas intrínsecas; GÊNEROS TEXTUAIS por 1. Realizações linguísticas concretas definidas por propriedades sociocomunicativas; 2. Constituem sequências linguísticas ou sequências de enunciados e não são textos empíricos; 2. Constituem textos empiricamente realizados, cumprindo funções em situações comunicativas; 3. Sua nomeação abrange um conjunto limitado de categorias teóricas determinadas por aspectos lexicais, sintáticos, relações lógicas, tempo verbal; 3. Sua nomeação abrange um conjunto aberto e praticamente ilimitado de designações concretas determinadas pelo canal, estilo, conteúdo, composição e função; 4. Designações teóricas dos tipos: narração, argumentação, descrição, injunção e exposição. 4. Exemplos de gêneros: telefonema, sermão, carta comercial, carta pessoal, romance, bilhete, aula expositiva, reunião de condomínio, horóscopo, receita culinária, bula de remédio, lista de compras, cardápio, instruções de uso, outdoor, inquérito policial, etc. 106 Segundo Paredes (2009, p. 485), os tipos textuais apresentam marcas linguísticas específicas, como: tempo/aspecto/modo; centração em determinada pessoa do discurso (1ª, 2ª e 3ª), predicados de natureza mais verbal ou nominal e ordenação lógica ou cronológica. Abaixo, apontamos os diversos tipos de sequência textual adotados neste trabalho. Primeiramente, apresentaremos cada fator, trazendo uma discussão teórica com base em diversos estudiosos e, posteriormente, exemplos retirados dos corpora analisados. Vale ressaltar que não pudemos seguir a proposta de um único autor neste grupo de fatores, tendo em vista que no decorrer da codificação dos dados nos deparamos com algumas dificuldades e buscamos ajuda em diversos pesquisadores da língua. a) Argumentativo/expositivo Segundo Bonini (2005, p. 220-221), “argumentar, no sentido mais elementar, é direcionar a atividade verbal para o convencimento do outro ou, mais especificamente, é a construção por um falante de um discurso que visa a modificar a visão de outro sobre determinado objeto, alterando, assim, o seu discurso”. Assim, o objetivo é convencer sobre a validade de posicionamento do produtor e o processo cognitivo envolvido é o julgamento. A estrutura argumentativa se baseia em diversos constituintes com função argumentativa, classificados a seguir, com base em Gryner (2000, p. 101-102): 1) Posição: Refere-se ao posicionamento a ser defendido em que se fundamenta a sequência argumentativa. “Expressa a tese ou ponto de vista a ser defendido pelo locutor”; 2) Justificação: Pode estar relacionada a qualquer constituinte: posição, exemplificação, evidência formal, conclusão ou coda. “É expressa geralmente por oração introduzida pelos conectivos causais ‘porque’ ou ‘que’ explícitos ou recuperáveis do contexto”; 107 3) Sustentação: É o núcleo da argumentação. Concretiza-se de duas formas: a) Evidência formal (especificação de qualquer elemento da argumentação, inclusive da posição); b) Evidência empírica (exemplificação do posicionamento a ser defendido); 4) Conclusão: Encerra o desenvolvimento da sequência argumentativa. “Ela é identificável por retomar parcial ou totalmente o conteúdo da posição do locutor com o emprego de expressões idênticas ou sinônimas”; 5) Avaliação ou coda: “Ocorre no fim da sequência e expressa a atitude do locutor, que se coloca de uma perspectiva externa à argumentação”. Apresenta, assim, uma mudança de perspectiva do locutor e vem indicada formalmente por expressões de emoção e avaliação. Na pesquisa aqui descrita, foi adotada essa caracterização de estruturas argumentativas. Vale mencionar que a adoção desse posicionamento facilitou identificar quais sequências eram estritamente narrativas e quais se relacionavam às evidências empíricas de argumentação, pois, embora narrativas, funcionam dentro do contexto como uma exemplificação da tese defendida. A sequência expositiva se caracteriza como um processo de compreensão de conceitos gerais e particulares e será analisada juntamente à sequência argumentativa, pois apresentam características próximas e a hipótese por nós considerada é a mesma para esses dois tipos de sequência. A seguir, exemplos dessas sequências. Ir no presente + verbo no infinitivo: 108) não que eu não saiba que não exista e tudo mais você vê quando você vê tipo assim “ah entrou o PT” ah cê acha que vai melhorar tem aquele negócio Partido dos Trabalhadores um partido mais social não sei o quê então cê vê a:: Marta Suplicy entrou ganhou e no fundo ela tá fazendo a mesma coisa que os outros fazem (PortVix: Homem, Universitário, 26 a 49 anos) 108 Presente do indicativo: 109) Lula eu acho um grande adversário como sempre acho que vai pro segundo turno aí como sempre batalhando mas acho que ... ele não tá preparado pra ser presidente do Brasil entendeu? não! nada contra o PT acho um pouco com o Lula se fosse um outro candidato do PT que tivesse ali mais condições realmente de assumir votaria tranqüilamente mas acho que o Lula acho ele meio despreparado (PortVix: Homem, Universitário, 26 a 49 anos) Futuro simples: 110) Esta não é a primeira nem será a última vez em que a indústria de industrialização da madeira no Estado sofre ameaça desse tipo (A Gazeta, 01 de outubro de 1974) b) Injuntivo Este fator se refere ao planejamento de comportamento futuro e o objetivo é fazer o destinatário agir de certo modo ou em determinada direção, instruí-lo a respeito de algo. Não é um tipo de texto que argumenta, narra ou debate, porém pretende levar o receptor da mensagem a determinada orientação transformadora. Através do texto injuntivo, o emissor pretende ter o poder de transformar o comportamento do destinatário. Portanto, geralmente, são textos que incitam à ação, impõem regras ou fornecem instruções e indicações para a realização de um trabalho ou a utilização correta de algum objeto. Para identificar o texto injuntivo, é preciso ater-se aos aspectos sintáticos, ao uso dos tempos verbais e à organização do conteúdo, os quais, para informar, ditam regras de como fazer. Costumam ser apresentados no imperativo ou em forma verbal com valor de imperativo. Observe os exemplos abaixo, retirados dos corpora analisados: Ir no presente + verbo no infinitivo: 111) Você vem tentando falar há bastante tempo. Agora vai falar mesmo. (A Gazeta, 01 de outubro de 1974) 109 Presente do indicativo: 112) Ele informa também que o Departamento de Trânsito também aprovou a obra. O secretário orienta que, se for necessária uma audiência, a comunidade deve encaminhar uma solicitação junto à prefeitura. O interessado deve se informar pelo telefone: 3291-5554. (A Gazeta, 03 de julho de 2008) Futuro simples: 113) Alunos matriculados até 08/08 poderão assistir à revisão para o ENEM, a partir de 10/08 (domingo). (A Gazeta, 03 de julho de 2008) c) Narrativo/descritivo Bonini (2005, p. 219) pauta-se em Adam (1992) e descreve seis características próprias da sequência narrativa: sucessão de eventos; unidade temática; predicados transformados; processo; intriga e moral. Além disso, afirma que na sequência narrativa mantém-se a atenção por meio da construção de um suspense, criado pelo estabelecimento de uma tensão e subsequente resolução. Segundo Bonini (op cit, p. 222), “A descrição é a sequência menos autônoma dentre todas. Dificilmente será predominante em um texto. Sua ocorrência mais característica é como parte da sequência narrativa”. Devido ao fato de as sequência descritivas se apresentarem em quantidade escassa e geralmente fazerem parte de um discurso narrativo, optamos por analisar esses dois tipos de sequência em um único fator. Costa (1997, p. 146) e Tesch (2007, p. 81) também tomaram essa atitude ao analisar a variação entre o futuro do pretérito e pretérito imperfeito. Veja alguns exemplos de sequência narrativa/descritiva: Ir no presente + verbo no infinitivo: 114) “Ah ... a senhorita tá perdida aqui?” ... eu falei “Tô... Tô procurando aqui um um cirurgião ... um neurocirurgião ... ou então um um neurolo/ um neurologista pra me dá uma uma orientação a respeito disso aqui ... da/ desses exames que eu fiz agora” ... aí ele falou assim ... “Cê num achou ninguém não da UNIMED lá dentro lá ... né?” ... falei “Não ... não tem 110 ninguém lá no stand da UNIMED” ... “Ah então eu vou te levá no diretor do do Beneficência Portuguesa” ... Aí me levou lá ... aquele senhor de idade ... né? ... um jalecão até aqui no meio do meio das canela ... aí a secretária da/ dele fica dentro da sala ... aí me atendeu muito bem (PortVix: Mulher, Universitária, 26 a 49 anos) Presente do indicativo: 115) Então eu vi que ela/ eu falei assim ... “Oh ... tá bom ... Oh ... sabe de uma coisa? ... muito obrigada” ... guardei minhas coisa (eu vou) ... “Ah ai” ... e maneirou ... “ah cê p/ cê passa depois e a/” ... “Ah muito obrigada ... até logo ... vou embora” ... e nunca mais voltei lá ... porque eu caí de cama ... ruim pra caramba ... foi agora não ... foi ano passado. (PortVix: Mulher, Universitária, 26 a 49 anos) Futuro simples: Não houve ocorrência. d) Narrativa projetada Inicialmente, enquanto estávamos codificando os dados, deparamo-nos, em alguns momentos, com tipos de sequência que apresentavam características diferentes das apresentadas até o momento. Porém, no decorrer da codificação, percebemos que essas apresentavam traços em comum e a exemplo de Paredes Silva (2009) as denominamos narrativa projetada. Segundo Paredes (2009), Trata-se de sequências em que há alguma organização cronológica, porém voltada para o futuro; centração na primeira ou terceira pessoa; predomínio de predicados de ação. Mas não há direcionamento para o ouvinte, como nos textos injuntivos, por exemplo. Observe os exemplos abaixo: Ir no presente + verbo no infinitivo: 116) é mais eu não gosto/eu não/pra mim assim eu nunca vou sair daqui eu gosto muito de viver aqui e não pretendo mudar não (PortVix: Mulher, Ensino médio, 26 a 49 anos) 111 Presente do indicativo: 117) e agora semana que vem sábado sem ser esse o outro... eu já tenho simulado... aí eu parei assim e pensei... “nossa eu tenho que fazer alguma coisa pra me recuperar” entendeu? e eles fazem o quê?... nada... o dia inteiro... nada nada nada (PortVix: Mulher, Ensino médio, 15 a 25 anos) Futuro simples: 118) Até o final desta primeira quinzena os alunos do Centro Tecnológico da Universidade Federal do Espírito Santo elegerão os futuros diretores do Diretótio Acadêmico Dido Fontes. (A Gazeta, 01 de outubro de 1974) e) Lista Conforme anteriormente estabelecido por Costa (1997, p. 147) e Tesch (2007, p. 83), houve a necessidade de se inserir este fator, principalmente para a análise do corpus PortVix, uma vez que havia sequências que não se caracterizavam como narrativas, tampouco eram sequências argumentativas. Segundo Costa, “são simplesmente lista de planos que seriam realizados pelo informante sob certas condições ou caso estas condições fossem efetivadas”. De acordo com Schiffrin (1994), “o objetivo de uma lista é muito mais simples: enumerar e reunir itens específicos (mesmo quando estes itens são eventos) como realizações de uma categoria geral”. Ir no presente + verbo no infinitivo: 119) Ah ... eu acho:: ... eu gosto é:: porque assim ... eu num:: num ... num ... eu num tenho uma religião certa né ... eu vou na católica ... eu vou na Maranata ... eu não tenho uma religião certa ... agó/ agora eu tô indo na Maranata NE ... então eu tô me conciliando mais com a Maranata ... eu vou direto lá:: e vou indo direto lá ... mas ... é:: tem pessoas que falam assim:: é:: tipo assim na Deus é Amor ... “Ah ... Deus ... Deus vai salvar ... Deus é Amor vai salvar vocês ...Deus vai salvar a Maranata ... não vai salvar vocês... Deus não:: Deus vai salvar a católica ... vai salvar o pessoal do copo cheio ... vai salvar o:: “Ah...não... Deus vai salvar o:: os:: adventistas do sétimo dia ... as testemunhas de Jeová::” ... Ah ... Deus não é um só? Então ... Ele vai salvar quem tiver que salvar ... né:: Minha irmã fala assim ... “Ah... eu não fiz nada ... até hoje sei se/ se se Ele vai salvar:: Que Ele ... que ele vai salvar ele vai:: ... Ele vai salvar quem Ele tiver que salvar. (PortVix: Homem, Ensino médio, 15 a 25 anos) 112 Presente do indicativo: 120) o cara chega assim”oh:: chefe...o senhor mandou eu pagar tanto .... pra ajudar fulano... olha a renda foi tanto” quer dizer... esse mês num tá dando nem pra pagar num deu nem pra pagar os funcionários ... como é que o senhor vai fazer?... o restante que o senhor tem que pagar ainda? ... o senhor tem que pagar funcionário o senhor tem que pagar luz... tem que pagar água tem que pagar imposto tem que pagar... é igual dona de casa... você é um dono de casa eu sou chefe também... na minha casa eu num vou ter... que pensar... na comida não... eu tenho que pensar... na alimentação eu tenho que pensar na luz... pensar no telefone... tem que pensar um contra tempozinho (PortVix: Homem, Ensino fundamental, 50 anos em diante) Futuro simples: 121) Em 2005 foi noticiado, primeiramente na coluna de Ancelmo Goís no jornal “O Globo”, que Chico Buarque declarara numa roda de amigos que o presidente Lula deveria criar o Ministério do Vai dar M... Tecnicamente seria um ministério que daria a última palavra sobre definidas ações do governo e, após check-up das variáveis envolvidas, proferiria a célebre opinião: “Presidente, isso vai dar m...!” (A Gazeta, 12 de julho de 2008) A hipótese para este grupo de fatores é que a variante ir + verbo no infinitivo seja favorecida na narrativa projetada. Além disso, que a sequência injuntiva também a favoreça, já que nessa sequência o emissor se dirige diretamente ao destinatário da mensagem e, por isso, tende a utilizar a forma mais informal, como tentativa de se aproximar mais dele. Por outro lado, acreditamos que a sequência argumentativa/expositiva favoreça o uso do presente do indicativo e do futuro simples. E que a sequência narrativa/descritiva favoreça o presente do indicativo. 4.3.10 Tipo de sentença Analisamos este grupo de fatores com o objetivo de verificar se o tipo de frase desempenharia algum papel na seleção das variantes. 113 Poplack e Turpin (1999, p. 154-155) constataram que a negação influencia na escolha da variante na indicação de futuro, uma vez que sentenças negativas inibem a forma perifrástica. Portanto, nossa hipótese é que a variante perifrástica com ir seja favorecida nas sentenças declarativas, enquanto as sentenças negativas e interrogativas favoreçam o futuro simples ou o presente do indicativo. a) Declarativa Ir no presente + verbo no infinitivo: 122) “A senhora dá sorte que a senhora é uma mulher ... a senhora ... porque se fosse um homem nós ia embolar aqui ... porque a senhora tá errada e querendo que/ ... Ah ... vou chamar a perícia aí pra ... pra você ver.” (PortVix: Homem, Ensino fundamental, 26 a 49 anos) Presente do indicativo: 123) então quando chega no final do mês você tem que dá um balanço de tudo ... da matéria prima comprada (PortVix: Homem, Ensino fundamental, 50 anos em diante) Futuro simples: 124) Está fixado em 65$000(sessenta e cinco mil réis) o preço para a saca de café computada na quota de 40%, cotação essa que satisfará perfeitamente á lavoura. (A Gazeta, 21 de maio de 1937) b) Interrogativa Ir no presente + verbo no infinitivo: 125) é:: quando... é/é que assim... eu... faço a chamada lá dos adolescente eu sou a secretária dos adolescente ...aí... eu tenho eu sempre tenho que tá perguntando né... vai ter ensaio? e num sei o quê ... vai ter? (PortVix: Mulher, Ensino fundamental, 07 a 14 anos) Presente do indicativo: 126) Eu falei assim ... “(inint) mas isso aqui não é hospital também ... porque que não pode atender?” (PortVix: Homem, Ensino fundamental, 26 a 49 anos) 114 Futuro simples: 127) Prosseguirá o departamento nas compras de café? (A Gazeta, 21 de maio de 1937) c) Negativa Ir no presente + verbo no infinitivo: 128) não sei:: diz ela que:: pra ela o maior orgulho pra um filho é SEMpre ser méDIco... eu... a senhora não vai ter esse orgulho coMIgo (PortVix: Homem, Ensino fundamental, 15 a 25 anos) Presente do indicativo: 129) depois que ele morrer não tem validade nenhuma... cabou-se... você entendeu? (PortVix: Homem, Ensino fundamental, 50 anos em diante) Futuro simples: 130) Os bondes não darão marcha emquanto não tenham todos os passageiros pago as respectivas passagens. (A Gazeta, 01 de janeiro de 1930) 4.3.11 Gênero textual Conforme discutido em 4.3.9, os gêneros discursivos correspondem à realização dos tipos em situações comunicativas concretas. Este grupo de fatores será analisado somente nos corpora do Jornal A Gazeta, nas décadas de 1930, 1970 e em 2008. Paredes Silva (2007, p. 163) afirma que a chamada escrita jornalística não remete a um gênero ou a um tipo de texto, mas a um campo de atividades – um domínio discursivo – que utiliza o jornal como suporte e que é capaz de dar origem a vários gêneros: o editorial, a crônica, o artigo de opinião, a carta de leitores, o horóscopo, a coluna social, as notícias, etc. 115 Nos exemplares analisados nos corpora aqui em estudo, encontramos os gêneros notícia, propaganda, editorial, artigo de opinião, carta do leitor, manifesto, discurso e nota de falecimento. Vale destacar que nos limitamos a analisar os gêneros textuais que tratavam de questões referentes ao Espírito Santo, principalmente nas notícias e propagandas, para evitar que investigássemos textos os quais poderiam ser meras cópias de outras fontes. Portanto, foram investigados os seguintes gêneros textuais: a) Notícia Conforme destacamos anteriormente, incluem-se nesta pesquisa apenas as notícias que fazem parte do noticiário do estado. O objetivo principal desse gênero é informar. Geralmente são escritas em terceira pessoa, de modo aparentemente objetivo, e nesse gênero costuma predominar o texto narrativo. Esse gênero foi encontrado nos jornais A Gazeta nos três períodos pesquisados. Ir no presente + verbo no infinitivo: 131) Para effectivar urgentes serviços, vamos desligar amanhã a energia das 14 às 15 horas a Linha da Praia Comprida. (A Gazeta, 01 de janeiro de 1930) Presente do indicativo: 132) A sua passagem pelo governo do Rio Grande do Sul é uma segura garantia de que a obra a se iniciar deve sahir escoimada de quaesquer imperfeições. (A Gazeta, 05 de novembro de 1930) Futuro simples: 133) As empresas do Sistema Transcol começaram a implantar no novo WplexON, um software de planejamento já adotado em sete Estados. O sistema, que será utilizado pelas empresas e pela Ceturb, usará informações da bilhetagem eletrônica, além de pesquisas de campo, para agilizar a programação de serviços, como o reforço de ônibus em algumas linhas caso haja necessidade. (A Gazeta, 30 de junho de 2008) 116 b) Propaganda Este gênero apresenta como principal característica o caráter persuasivo – o objetivo é convencer o leitor a adquirir o produto anunciado. Encontramos ocorrência de expressão de futuro somente no período de 1970 e em 2008. Ir no presente + verbo no infinitivo e presente do indicativo: 134) O jornal A Gazeta traz para você a chance de dar um passo decisivo rumo ao sucesso. Com a Coleção Concursos Públicos, você vai se preparar para as provas em 12 livros. Aproveite essa chance e garanta seu futuro. (A Gazeta, 30 de junho de 2008) Futuro simples: 135) A Vitoriawagen S.A. tem a grande satisfação de comunicar aos capixabas que apresentará, simultâneamente, com o lançamento em São Paulo, na próxima segunda-feira, em seu Salão de Exposição, toda a linha Volkswagen 1971. (A Gazeta, 01 de agosto de 1971) c) Editorial São textos em que o conteúdo expressa a opinião da empresa, da direção ou da equipe de redação, sem a obrigação de ter alguma imparcialidade ou objetividade. Por isso, costumam ser mais opinativos que informativos. Este gênero foi constatado somente nos jornais de 2008. Ir no presente + verbo no infinitivo: 136) Os demais 16 senadores que se licenciaram vão cuidar de candidaturas de aliados. A prioridade que deram à tarefa é tanta que os afasta, temporariamente, do parlamento. (A Gazeta, 07 de julho de 2008) Presente do indicativo: 137) Na Câmara, dos 513 deputados, 84 (dos quais 67 integrantes da base aliada ao governo Lula) devem concorrer nas eleições municipais deste ano. (A Gazeta, 07 de julho de 2008) 117 Futuro simples: 138) Assim, prefeitos e vereadores poderão trocar de partido, desde que seja para concorrer a um desses cargos. E não perderão o mandato por se filiar a outra agremiação. Idem, para deputados estaduais e federais, senadores e governadores. (A Gazeta, 03 de julho de 2008) d) Artigo de opinião Este gênero oferece maior dificuldade de caracterização. Tende a ser a expressão de um ponto de vista, enfocando uma ideia. Por isso, é predominantemente argumentativo ou expositivo, raramente narrativo. O artigo de opinião só foi encontrado no corpus de 2008. Ir no presente + verbo no infinitivo e futuro simples: 139) Esses “sábios”, fazedores de projetos, que é tudo a cópia um do outro, são realmente hábeis em cobrar. Vejam você, para ser submetido a uma operação séria, vai entregar seu corpo a um médico especialista e fica estupefato com o preço que ele cobra, caso procure um particular, já que ninguém tem saco para esperar a boa vontade do SUS. Se você não tem plano de saúde ou não tem condições para pagar um médico particular, prefira morrer, porque sua trajetória, a impertinente luta por saúde, será sua maior tragédia. (A Gazeta, 05 de julho de 2008) Presente do indicativo: 140) Qualquer texto desfavorável a uma candidatura, por exemplo, pode ser publicado num jornal impresso, mas não pode ser reproduzido em um blog. (A Gazeta, 10 de julho de 2008) e) Carta do leitor Nesse gênero são veiculadas as sugestões, críticas, opiniões e reclamações dos leitores do jornal, permitindo que eles possam participar da formação da opinião pública a partir da expressão de suas manifestações. Outro gênero que só apareceu no corpus 2008. Ir no presente + verbo no infinitivo: 141) A instalação de máquina para distribuição de camisinhas nas escolas só vai ajudar, pois somente os demagogos são contra. (A Gazeta, 06 de julho de 2008) 118 Presente do indicativo: 142) O futuro prefeito de Vila Velha deve ter a responsabilidade, preocupação e visão macro de dar sequência ao importante trabalho realizado pela atual administração, dando ênfase à educação, saúde, macrodrenagem, construção de moradias e transparência no uso do dinheiro público. (A Gazeta, 27 de julho de 2008) Futuro simples: 143) Nossos jovens serão vítimas de um engodo sem precedentes. Porque previne-se gravidez precoce, a síndrome do HIV e até doenças transmissíveis com educação e conscientização, e nunca com medidas preventivas cujo teor irá favorecer com certeza as fabricantes desses preservativos e nunca o reconhecimento de que o “transar” tem o antes, durante e depois, algo que com a banalização deixará resíduos nos estudantes que vão às escolas para desenvolver sua personalidade no autodomínio e sua inteligência participativa. (A Gazeta, 06 de julho de 2008) f) Manifesto Este gênero foi encontrado somente no corpus de 1930. Geralmente, aparecia na primeira página do jornal e apresentava como função principal discutir questões, principalmente políticas, e convocar os leitores a uma mudança de comportamento. Ir no presente + verbo no infinitivo: Não houve ocorrência. Presente do indicativo: 144) A democracia só pode evoluir e melhorar a sociedade pelo exercício constante de seus princípios, pelo uso amplo de suas garantias. (A Gazeta, 05 de março de 1937) Futuro simples: 145) E partido democrático, realmente, só será aquelle que visar a manutenção dessas liberdades, mas também a sua utilização cada vez mais simples e perfeita. (A Gazeta, 05 de março de 1937) 119 g) Discurso Este gênero foi encontrado no jornal A Gazeta nos períodos de 1930 e 1970. Geralmente, era antecedido por alguma notícia relacionada ao tema tratado no discurso. Na verdade, são reproduções fiéis de discursos de políticos, realizados na Assembleia Legislativa do Espírito Santo. Não é possível saber se esses discursos são registros de fala ou reprodução da escrita. Porém, por estarem publicados em um jornal, passamos a considerá-los como modalidade escrita. Ir no presente + verbo no infinitivo: 146) Transmitindo ao publico a boa nova de que afinal o commercio de café vae ser emancipado da tutela official que tanto o perturbou e tão graves damnos trouxe ao Paiz. (A Gazeta, 22 de maio de 1933) Presente do indicativo: Não houve ocorrência. Futuro: 147) O Brasil, tanto em suas relações bilateriais, quanto nos foros multilaterais, continuará lutando contra medidas e políticas que tendam a restringir o mercado internacional. (A Gazeta, 01 de outubro de 1974) h) Notas de falecimento Esse gênero foi encontrado apenas no período de 1970. Geralmente, aparece em um canto da página, em meio a notícias. Parece que naquele período o jornal não possuía um espaço próprio para esse tipo de comunicado. Este gênero apresentou como principal característica o aviso da morte e o convite para o velório. Ir no presente + verbo no infinitivo: Não houve ocorrência. 120 Presente do indicativo: Não houve ocorrência. Futuro simples29: 148) Os familiares de Maria Rosa Ribeiro convidam os demais parentes e amigos para assistirem à Missa de 7º dia, que mandarão celebrar em sufrágio de sua boníssima alma, amanhã, dia 2. (A Gazeta, 01 de outubro de 1974) Nossa hipótese para este grupo de fatores é que os gêneros mais formais, como o editorial e o artigo de opinião, favoreçam o uso de futuro simples. Por outro lado, os gêneros mais informais, por exemplo, a propaganda e a notícia, favoreçam o uso de ir no presente + verbo no infinitivo. De todos os grupos de fatores analisados nesta tese, apenas dois não foram selecionados em nenhuma amostra: escala de modalidade e tipo de sentença. Os fatores sociais serão discutidos na seção 5.4, ao analisar o PortVix. 29 Todas as ocorrências deste gênero foram no futuro do presente. 121 5. ANÁLISE DOS CORPORA Aqui se discutem os resultados referentes aos grupos de fatores relevantes para o uso das variantes, assim como sua interpretação. São apresentados em primeiro lugar os grupos de fatores selecionados para o jornal A Gazeta, seguindo a ordem cronológica, 1930, 1970 e 2008. Posteriormente, os do PortVix. Porém, antes da apresentação dos vários grupos de fatores e dos seus respectivos resultados, são apresentados os resultados gerais de cada corpus e algumas questões que consideramos interessantes. 5.1 ANÁLISE DE A GAZETA 1930 Ao todo, foram coletadas duzentas e três (203) ocorrências de variantes indicadoras de futuro, no jornal A Gazeta, anos 1930. Um aspecto a destacar foi a ocorrência de uma forma não constatada nos demais corpora analisados, a perífrase haver de + verbo no infinitivo. 149) “A Gazeta” nasceu de uma necessidade collectiva. Para a defeza dos interesses do povo, a que serve, tem vivido até hoje. E, como uma cellula viva que é da cidade, ha de prosseguir na sua marcha ininterrupta, escudada no seu passado limpo e illuminada pela crença do seu idealismo cada vez mais forte e cada vez mais puro. (A Gazeta, 11 de setembro de 1933) Observe a distribuição das variantes a partir da tabela 08. Tabela 08: Distribuição das ocorrências indicadoras de futuro no corpus A Gazeta 1930 Nº Futuro Amarei 178 Ir no futuro Irei amar 02 Presente Amo 08 Ir no presente Vou amar 14 Total 202 % 88.1% 1% 4% 6.9% 100% 122 A partir dessa tabela e do gráfico abaixo, pode-se perceber que quase não havia variação na expressão de futuro nesse período na modalidade escrita. O futuro simples mostrou ser a forma fortemente predominante - 88.1% - nessa parte da amostra. Devido ao fato de encontrarmos valores tão discrepantes entre as formas de expressão de futuro, não pudemos analisar esses dados através do Goldvarb e apresentar os pesos relativos. Apenas nos limitamos a descrever essas ocorrências e tentar comentá-las levando em consideração os valores percentuais. Gráfico 01: Distribuição das ocorrências na expressão de futuro no jornal A Gazeta 1930 A respeito dos gêneros textuais analisados, destacamos que a expressão de futuro se deu em notícias, editoriais, cartas, manifestos e em trechos de discursos de políticos reproduzidos no jornal. Vale ressaltar que em três deles houve uma preferência absoluta por futuro simples – discurso30 (150), carta (151) e manifesto (152). 150) A revolução brasileira não estará, porém, consummada pela deposição do Executivo, e certamente a Junta provisória comprehenderá a necessidade, para a pacificação que pretende fazer. (A Gazeta, 27 de outubro de 1930) 30 Não é possível saber se o discurso é reprodução da oralidade ou da escrita. Porém, por estar publicado em um jornal, passamos a considerá-lo como modalidade escrita. 123 151) A Associação Brasileira de Imprensa continuará, porem, a combater por elle. Unidos, além do mais, os jornalistas do Brasil fortificarão a propria unidade da Nação, para a qual a imprensa é elemento primordial. (A Gazeta, 11 de setembro de 1933) 152) E partido democrático, realmente, só será aquelle que visar a manutenção dessas liberdades, mas também a sua utilização cada vez mais simples e perfeita. (A Gazeta, 05 de março de 1937) Das 178 ocorrências no futuro simples, 48% estavam antecedidas de outra forma de futuro simples (nos exemplos 150 e 151, os verbos comprehenderá e fortificarão, respectivamente), 28% em ocorrência isolada (exemplo 152) e 21% eram a primeira de uma série (nos exemplos 150 e 151, os verbos estará e continuará, respectivamente). Pudemos chegar a essas constatações ao analisar o grupo de fatores paralelismo. Esse resultado comprova que o uso de uma determinada forma linguística favorece a repetição dela, como confirmou Scherre (1988; 1998). O predomínio da forma de futuro simples, na década de 1930, no jornal A Gazeta, demonstra que nesse período, na modalidade escrita, há a preferência pelo uso da forma mais conservadora, aquela preconizada pelas normas gramaticais. Tivemos apenas duas ocorrências de ir no futuro + verbo no infinitivo, exemplos 153 e 154, e oito de presente do indicativo, como os exemplos 155 e 156. Em relação aos dados de ir no futuro + verbo no infinitivo, pode-se perceber que ocorrem em discurso citado, reforçados pelos verbos dicendi acrescentar e declarar. Logo, parecem decorrer da transposição da fala para a escrita. 153) Esse dissídio, accrescentou, irá demonstrar que a Nação já póde ter suas opiniões e, como povo civilizado póde divergir e acatar o resultado das urnas. (A Gazeta, 01 de janeiro de 1930) 124 154) O Secretário de Polícia declarou à imprensa que irá empregar todas as medidas ao seu alcance no sentido de atender á solicitação do Procurador. (A Gazeta, 30 de março de 1939) 155) A sua passagem pelo governo do Rio Grande do Sul é uma segura garantia de que a obra a se iniciar deve sahir escoimada de quaesquer imperfeições. (A Gazeta, 05 de novembro de 1930) 156) Vae á Tribuna novamente o Sr. Antônio Lourenço, que suggere á mesa, a ida de uma caravana ao florescente districto de Barra do Juu, no proximo domingo, tendo sido convidados para fazerem parte da mesma, além de outras pessoas, o deputado Euphrasio Ignacio da Silva e “A Gazeta”, na pessoa do nosso companheiro ali presente. (A Gazeta, 12 de dezembro de 1936) Em relação às duas ocorrências de ir no futuro + verbo no infinitivo, vale destacar que apresentam diversas características comuns: estão em notícias; em ocorrências isoladas, não sendo precedidas de nenhuma outra forma de futuridade; são utilizadas antes de um verbo trissílabo, comprovando a tendência de se fazer a distribuição do peso fonológico; ocorrem ao lado de um verbo não modal, que, segundo nossa hipótese, inibe a forma perifrástica; na escala de modalidade predominam em contextos de extremo epistêmico, ambiente favorecedor de perífrase; não há advérbio de tempo próximo às ocorrências; indicam um futuro que ocorrerá em um momento indefinido; os verbos no infinitivo são da 1ª conjugação, comprovando nossa hipótese de que as construções perifrásticas sejam mais frequentes nesses verbos e tenham começado a ser usadas neles, como ocorreu com os demais dados analisados; indicam futuro simples e estão em frases declarativas. As características que diferenciam as duas ocorrências são o tipo semântico do verbo e o tipo de sequência textual, uma vez que demonstrar é um verbo mental, seguindo a classificação de Halliday (1994) e está em uma sequência argumentativa/expositiva, enquanto empregar é um verbo material e está em uma sequência de narrativa projetada. 125 As oito ocorrências de presente do indicativo também apresentam características que merecem ser comentadas. A primeira se refere ao fato de seis delas (75%) serem com verbos modais, semelhantemente ao exemplo 155. Os verbos modais parecem inibir as formas perifrásticas e as no futuro simples, tendo em vista que essas formas já carregam em si certa noção modal. Assim, o uso dos verbos modais no presente do indicativo evita algum excesso de marca de modalidade. O exemplo 156 merece comentários por ser o verbo ir indicando movimento – a forma mãe31. O fato de encontrarmos essa forma de ir no presente para indicar movimento, além de outras três conjugadas no futuro simples (exemplos 157, 158 e 159) indica que, embora sejam apenas quatro ocorrências, coexiste tal uso de ir para indicar movimento, com formas de ir junto a verbo no infinitivo para indicar futuro. Assim, podemos perceber que o verbo ir já dava alguns sinais de estar passando por um processo de gramaticalização na década de 1930, na modalidade escrita. 157) Na sua última arenga, o Sr. Geraldo anuncia, de expediente, que o Secretario da fazenda irá ao Rio, levando novos “argumentos” para a defesa do governo. (A Gazeta, 03 de junho de 1933) 158) O coronel dessa cidade irá até Cannes para depois embarcar de regresso ao Rio de Janeiro. (A Gazeta, 12 de outubro de 1938) 159) "O Globo" acrescenta que o cel. Mendonça Lima, regressando, irá também à Baia, afim de conhecer os serviços que estão sendo executados pelas várias repartições subordinadas ao Ministério. (A Gazeta, 12 de outubro de 1938) Nos três exemplos acima, é interessante notar que embora o verbo ir indique movimento, há a presença do traço de finalidade, já que logo depois do verbo podemos perceber orações adverbais finais. 31 Destacamos que além desse dado estar registrado como vae todas as formas de ir no presente + verbo no infinitivo foram utilizadas com a perífrase ir registrada essa grafia, própria da época. 126 Segundo Bybee e Pagliuca (1987, p. 120), há uma tendência, em várias línguas, a utilizar alguns itens lexicais para formar o futuro, e os verbos que indicam movimento seriam um deles. Isso acontece, por exemplo, no português com o verbo ir e no inglês com a expressão be going to. A hipótese dos autores é que a mudança semântica a qual conduz à gramaticalização é a mesma em várias línguas. Somente 6.9% dos dados foram de ir no presente + verbo no infinitivo. Imaginávamos encontrar poucas ocorrências dessa variante, por isso decidimos fazer esse estudo diacrônico. Essa também é uma das motivações que nos impulsiona a analisar outros períodos do jornal A Gazeta, anos 1970 e 2008, para investigar como se dá o processo. Todos os 14 dados foram em verbos não modais, conforme os exemplos abaixo. Isso confirma nossa hipótese de que as formas perifrásticas são inibidas com verbos modais. Além disso, apenas uma forma não ocorreu em notícia, apareceu em um trecho de reprodução de discurso (exemplo 160). A respeito do paralelismo, 50% dessas ocorrências se deram em ambiente isolado, ou seja, não havia nenhuma forma precedente ou subsequente (exemplo 161), e 35% são a primeira ocorrência de uma série e 15% precedidas de outra forma de ir no presente + verbo no infinitivo, como o exemplo 162, em que vae entrar é a primeira de uma série e vae reconstruir-se é precedida de ir no presente + infinitivo. 160) Transmitindo ao publico a boa nova de que afinal o commercio de café vae ser emancipado da tutela official que tanto o perturbou e tão graves damnos trouxe ao Paiz, (A Gazeta, 22 de maio de 1933) 161) O Maranhão vae ter, desse modo, o seu sexto governo. (A Gazeta, 03 de junho de 1933) 162) Com a ascensão do Sr. Getúlio Vargas ao poder vae a Republica entrar no seu período de reconstrucção moral, política e administrativa. Libertada pelas armas, a Republica vae, sobre os destroços do despotismo de hontem, reconstruir-se, reconciliando-se com a Nação. (A Gazeta, 05 de novembro de 1930) 127 5.1.1 Conclusões parciais Ao analisar os dados do jornal A Gazeta 1930, tentamos verificar não só as formas variantes aqui pesquisadas, mas também identificar os contextos nos quais as diferenças entre elas eram mais perceptíveis. Para isso, os dados foram investigados de acordo com uma série de fatores que procuram capturar motivações que possam estar relacionadas à variação na expressão de futuro. Além disso, há observações nossas a respeito do uso dessas variantes. Houve a ocorrência de uma forma não considerada inicialmente como variável dependente – haver de + verbo no infinitivo, por acreditarmos que nos períodos pesquisados já fosse uma forma em desuso. Oliveira (2006), ao realizar um estudo diacrônico das formas de expressão de futuro – do século XIII ao século XX, pôde constatar o declínio do uso dessa forma ao longo dos séculos que chega quase a desaparecer no século XX. Segundo a autora (op cit, p. 103-104), O acentuado decréscimo dessa forma pode estar relacionado a um outro fenômeno de mudança no português: o verbo haver disputou com o verbo ter durante muito tempo (e ainda disputa, mas bem menos fortemente) a formação de tempos compostos (‘Eu havia feito’ ~ ‘Eu tinha feito’, por exemplo), a expressão de existência (‘Há muita gente na rua’ ~ Tem muita gente na rua’, por exemplo) e a indicação da modalidade deôntica (‘Eu hei de/que fazer isso’ ~ ‘Eu tenho de/que fazer isso’, por exemplo). O verbo ter, que antes indicava apenas posse, amplia, com o decorrer do tempo, a sua matriz semântica e vem substituindo o verbo haver, ainda utilizado, mas em menor escala e com o estigma de erudição e formalidade. Em conclusão, os resultados da nossa pesquisa, na modalidade escrita, anos 1930, sugerem que havia pouca variação entre as formas de expressão de futuro. Ocorrendo uma preferência considerável pelas formas de futuro simples – 88.1%. Entretanto, nesse período, o verbo ir já era utilizado em construções perifrásticas para indicar futuro. Embora contabilize apenas 6.9% de ir no presente + verbo no infinitivo e 1% de ir no futuro + verbo no infinitivo dos dados analisados, pudemos comprovar que nessa 128 época o verbo ir + infinitivo já passava por um processo de gramaticalização, sendo registrado, inclusive, na modalidade escrita. Para Câmara Jr. (1975, p. 172), a construção ir + verbo no infinitivo expressa valor aspectual (do que ainda vai acontecer, como em vou sair, ia sair, fui sair) e também modal (intenção de fazer alguma coisa). Porém, apesar desses matizes, também considera o valor temporal nessas construções (1956, p. 35). Mesmo que em valores percentuais baixos, foi possível registrar a presença do verbo ir em perífrases, ainda nas primeiras décadas do século XX. A partir dessa constatação, pretendemos investigar o aumento de seu uso no decorrer das décadas no jornal A Gazeta e observar seu comportamento na modalidade oral da atualidade. 5.2 ANÁLISE DE A GAZETA 1970 Foram computadas trezentas e noventa e seis (396) ocorrências de formas na expressão de futuro das variantes analisadas. Observe a distribuição dos dados na tabela abaixo: Tabela 09: Distribuição das ocorrências indicadoras de futuro no corpus A Gazeta 1970. Nº Futuro Amarei 324 Ir no futuro Irei amar 03 Presente Amo 27 Ir no presente Vou amar 42 Total 396 % 81.8% 0.8% 6.8% 10.6% 100% A primeira constatação a ser relatada a partir dessa tabela e do gráfico abaixo é que na década de 1970, no jornal A Gazeta, havia pouca variação nas formas indicadoras de futuro. Há uma preferência substancial pelo uso do futuro simples – 81.8%. A segunda forma mais utilizada – ir no presente + verbo no infinitivo – representa apenas 10.6% dos dados. Esse fato 129 demonstra que no período de 1970, na modalidade escrita, havia uma grande preferência pela forma padrão. Gráfico 02: Distribuição das ocorrências na expressão de futuro no jornal A Gazeta 1970 É interessante notar a semelhança entre os resultados descritos acima e os encontrados na década de 1930. Nos dois corpora há o predomínio do futuro simples e poucas ocorrências nas demais variáveis pesquisadas. O que se percebe é uma pequena diminuição das formas no futuro simples e um leve aumento das formas no presente do indicativo e de ir no presente + verbo no infinitivo. Observe o gráfico abaixo: 130 Gráfico 03: Comparação entre os resultados do jornal A Gazeta 1930 e 1970. Os dados dessa amostra foram submetidos ao programa computacional Goldvarb. Lidamos com os mesmos grupos de fatores que poderiam estar correlacionados à preferência de uma variante em detrimento de outra. Para que pudéssemos obter pesos relativos e seleção dos grupos de fatores, realizamos rodadas binárias em que confrontamos as duas formas com maior uso, no caso, futuro simples – 81.8% – e ir no presente + verbo no infinitivo – 10.6%. O valor de aplicação será a forma perifrástica, pois o objetivo é verificar o comportamento dessa forma no decorrer das décadas e nas duas modalidades – oral e escrita. As variantes ir no futuro + verbo no infinitivo e presente do indicativo não foram submetidas à rodada com o programa que atribui pesos relativos devido à escassez de dados que as representam (0.8% e 6.8%, respectivamente). Conforme mencionamos anteriormente, os dados do jornal A Gazeta 1970 foram submetidos ao programa computacional Goldvarb. No entanto, nem todos os grupos de fatores analisados foram selecionados como relevantes pelo programa e alguns não puderam ser submetidos ao cálculo de pesos relativos, tendo em vista que havia poucas ocorrências de alguns fatores e, às vezes, nenhuma. Por isso, decidimos tecer alguns comentários a respeito 131 de questões que consideramos pertinentes, uma vez que alguns desses fatores parecem interferir na variação entre as formas de expressão de futuro. O primeiro grupo de fatores não selecionado que merece ser mencionado, devido a algumas características peculiares, é o gênero textual. Nesse corpus, encontramos cinco gêneros textuais diferentes: notícia (maior parte dos dados – 95.5%), propaganda, discurso, notas de falecimento, editorial. Em três gêneros textuais – discurso (163), nota de falecimento (164) e editorial (165), todas as ocorrências se encontravam conjugadas na forma de futuro simples. Esse fato pode estar relacionado à formalidade típica desses gêneros. 163) O Brasil, tanto em suas relações bilateriais, quanto nos foros multilaterais, continuará lutando contra medidas e políticas que tendam a restringir o mercado internacional. (A Gazeta, 01 de outubro de 1974) 164) Os familiares de Maria Rosa Ribeiro convidam os demais parentes e amigos para assistirem à Missa de 7º dia, que mandarão celebrar em sufrágio de sua boníssima alma, amanhã, dia 2. (A Gazeta, 01 de outubro de 1974) 165) O leitor notará, a partir desta edição, uma mudanças de assuntos de páginas e colunas. (A Gazeta, 06 de setembro de 1972) Encontramos apenas seis dados em propagandas, sendo duas de ir no presente + verbo no infinitivo (166) e quatro no futuro simples (167). A partir dessa constatação, parece que na década de 1970 a forma perifrástica já era utilizada em gêneros textuais em que a linguagem recorrente é a mais informal, como a propaganda, embora as formas no futuro simples tenham sido mais encontradas nesse gênero. 166) Você vem tentando falar há bastante tempo. Agora vai falar mesmo32. (A Gazeta, 01 de outubro de 1974) 32 Trecho retirado de propaganda de uma escola de idiomas. 132 167) Como parte da programação festiva de Cachoeiro, será exibida amanhã, sábado, às 21 horas no Ginásio Municipal de Esportes, a peça teatral, sucesso no Rio (...)33. (A Gazeta, 09 de junho de 1972) A respeito das notícias, vale destacar que todos os dados de presente (168) e de ir no futuro + verbo no infinitivo (169) se encontravam nesse gênero textual. 168) Nova estação da Cesan fica pronta em 75 dias. (A Gazeta, 02 de julho de 1974) 169) Os vereadores de Vitória irão receber subsídios relativos a sete meses de 1967, segundo decidiu o Tribunal de Justiça. (A Gazeta, 06 de fevereiro de 1970) O motivo que nos levou a analisar o grupo de fatores extensão lexical se deve ao fato de acreditarmos que as formas perifrásticas sejam mais favorecidas em verbos que apresentem maior número de sílabas no infinitivo. Pudemos comprovar nossa hipótese. Em relação às formas perifrásticas de ir no futuro, observamos que todas as três constatadas nesse corpus se deram em verbos com 3 ou mais sílabas no infinitivo (dirigir e receber – o último com duas ocorrências). Nas formas perifrásticas de ir no presente, também é possível comprovar a tendência a se fazer a distribuição do peso fonológico, tendo em vista que das 42 ocorrências analisadas, 12% foram ao lado de verbos no infinitivo com 1 sílaba, 40% com verbos de 2 sílabas e 48% com verbos de 3 ou mais sílabas. Logo, quanto maior o número de sílabas maior a probabilidade de ocorrer a construção perifrástica com ir. Outro grupo de fatores cuja importância pudemos comprovar para a escolha ou não das formas perifrásticas refere-se à classificação dos verbos como modais ou não modais. Nossa hipótese era de que os verbos modais inibissem as formas perifrásticas, já que essas 33 Trecho retirado de propaganda de uma peça teatral. 133 carregam em si certa noção modal, por isso o uso do verbo modal ao lado das formas perifrásticas poderia marcar duas noções modais, conforme assinalou Givón (1995, p. 115). Dos dados analisados, constatamos que todas as formas perifrásticas – ir no presente e ir no futuro – ocorreram ao lado de verbos não modais. Além disso, nas formas de presente do indicativo, há uma leve preferência pelos verbos modais 55%, como ilustrado em 170. Esses resultados vão ao encontro das nossas hipóteses sobre a influência dos verbos modais na escolha das variantes. 170) O chefe do Executivo de Guarapari afirmou que seus planos de realizar o serviço de esgostos e calçamentos de diversas ruas da cidade podem ser prejudicados, grandemente, se não contar com o apoio e a compreensão da Câmara que, como ele, também deve ter interesse em ver a prosperidade da “Cidade Saúde”. (A Gazeta, 01 de outubro de 1974) O tipo de modalidade também foi analisado. Consideramos, como já se viu, quatro tipos: a) extremo epistêmico; b) possibilidade epistêmica; c) possibilidade deôntica e d) extremo deôntico, melhor discutidos na seção 4.3.7. Segundo Givón (1995), na modalidade deôntica, há a expressão de uma vontade, um desejo. Além disso, está incluída no âmbito das normas de moral e conduta, direitos e deveres. Por outro lado, na modalidade epistêmica, há a expressão do conhecimento, da crença do falante sobre o conteúdo das proposições enunciadas, indicando o grau de comprometimento do falante com a verdade da proposição, certeza da realização do fato, a suposição de uma ocorrência provável, possível ou mesmo improvável. O que pudemos verificar foi que as formas perifrásticas com ir são inibidas quando há o valor deôntico envolvido, uma vez que não houve nenhum dado de perífrase com esse valor, na verdade, as formas de ir no presente + verbo no infinitivo e ir no futuro + verbo no infinitivo só se deram em ambientes de extremo epistêmico. Esse resultado sugere que, no discurso jornalístico, quando há a necessidade de se afirmar que alguma situação será 134 cumprida no futuro, a construção perifrástica parece ser uma boa opção, como ocorre com o exemplo abaixo. O trecho da notícia informa o fim do exame de admissão para ingressar no ginásio, com total certeza da realização do fato. 171) O exame de admissão, um verdadeiro pequeno vestibular de quem sai do primário para cursar o ginásio, felizmente, vai acabar. (A Gazeta, 03 de abril de 1971) A seguir, comentamos os grupos de fatores selecionados. A ordem de apresentação dos resultados seguirá o grau de relevância na seleção realizada pelo Goldvarb. Vale destacar que também indicaremos alguns comportamentos das formas ir no futuro + verbo no infinitivo e presente do indicativo e apresentaremos os resultados percentuais de alguns grupos de fatores que não foram selecionados, mas que possuem índices interessantes. 5.2.1 Conjugação verbal Como exposto na seção 4.3.6, admite-se como hipótese para este grupo de fatores que a forma perifrástica seja favorecida em verbos de 1ª conjugação. Observe o resultado desse grupo na tabela abaixo: Tabela 10: Influência do grupo de fatores CONJUGAÇÃO VERBAL no corpus A Gazeta 1970. Aplic./total Freq. (%) Peso relativo 3ª conjugação 10/33 30.3% .76 1ª conjugação 24/131 18.3% .68 2ª conjugação 08/202 04% .33 Fatores Embora este grupo de fatores tenha sido selecionado como o mais relevante para a pesquisa aqui descrita, os resultados encontrados não comprovaram a hipótese formulada. A forma perifrástica foi mais recorrente nos verbos de terceira conjugação (.76), e não nos de 135 primeira conjugação, embora esses verbos também favoreçam o uso de ir no presente + verbo no infinitivo (.68). Os verbos de segunda conjugação não favorecem a forma perifrástica (.33), conforme imaginávamos. Para tentar melhor entender esses resultados, fomos observar quais eram esses dados e pudemos verificar que a extensão lexical desses verbos pode ter influenciado para termos esse resultado, pois sessenta por cento dos dados foram ao lado de verbos trissílabos e quarenta por cento de verbos dissílabos. A respeito das ocorrências de ir no futuro + verbo no infinitivo, é interessante observar o comportamento dessas perífrases, tendo em vista que das três ocorrências encontradas, duas foram com verbos de segunda conjugação34, exemplo 172, e uma de terceira conjugação, exemplo 17335. 172) Ainda sobre Jane: por iniciativa do vereador Josias Bassetti, a Câmara Municipal de São Gabriel da Palha aprovou um projeto concedendo-lhe o título de “Cidadão Gabrielense”, “pelos relevantes serviços prestados no desenvolvimento deste município”. Jane irá receber o título em solenidade, no próximo dia 12 de outubro. (A Gazeta, 01 de outubro de 1974) 173) O senador afirmou que a escolha deverá ser feita tomando-se por base o candidato que reúne melhores conhecimentos da situação do Estado e tenha condições de comandar a política, mediante o poder de liderança no seio da equipe que irá dirigir e do partido ao qual está filiado, onde, obrigatoriamente precisará ter boa receptividade entre os companheiros. (A Gazeta, 26 de abril de 1974) 5.2.2 Marca de futuridade fora do verbo A hipótese para este grupo de fatores (seção 4.3.4) é que as perífrases com ir sejam favorecidas em ambientes sem marca de futuridade, por acreditarmos que essa variante 34 As duas ocorrências foram com o mesmo verbo no infinitivo – receber. Considerar a forma destacada em negrito e sublinhada. As outras duas formas estão em negrito apenas por expressarem futuro. 35 136 carrega em si a noção de futuro, diferentemente do presente do indicativo, por exemplo. Os resultados da tabela abaixo comprovam nossa hipótese. Tabela 11: Influência do grupo de fatores MARCA DE FUTURIDADE na escolha de ir no presente + verbo no infinitivo vs. futuro simples no corpus A Gazeta 1970. Aplic./total Freq. (%) Peso relativo Ausência de marca 26/163 16% .62 Presença de marca 16/203 7.9% .39 Fatores Esse resultado pode significar que a forma inovadora, mesmo na década de 1970 e na modalidade escrita, já apresentava uma especialização para indicar tempo futuro, sem ter necessidade de apoiar-se em outra marca de futuridade, como advérbios e orações temporais. 5.2.3 Tipo semântico do verbo Neste corpus analisado, não encontramos todos os tipos de verbos propostos por Halliday, tendo em vista que não há verbos metereológicos. Além disso, havia poucos dados de verbos existenciais, apenas 10, e todos no futuro simples. Por esse motivo, optamos por amalgamá-los aos verbos relacionais que apresentam comportamento bem semelhante e nossa hipótese permite agir dessa forma. Tabela 12: Influência do grupo de fatores TIPO SEMÂNTICO DO VERBO na escolha de ir no presente + verbo no infinitivo vs. futuro simples no corpus A Gazeta 1970 Aplic./total Freq. (%) Peso relativo Comportamentais 02/03 66.7% .96 Verbais 02/07 28.6% .84 Mentais 05/22 22.7% .70 Materiais 29/187 15.5% .57 Relacionais/Existenciais 04/147 2.7% .34 Fatores 137 A tabela acima demonstra que realmente a perífrase ir no presente + verbo no infinitivo é favorecida em verbos que carregam em si certa noção de ação do sujeito, principalmente os verbos comportamentais, verbais e mentais. Além disso, conforme imaginávamos, os verbos relacionais e existenciais inibem o seu uso. Vale salientar que embora os verbos comportamentais, verbais e mentais apresentem os maiores pesos relativos, possuem poucas ocorrências, como se pode verificar na segunda coluna da tabela. Por isso, para comprovar mais claramente nossa hipótese, decidimos fazer uma rodada amalgamando os verbos comportamentais, verbais, mentais e materiais, para cruzarmos com os verbos relacionais e existenciais. Observe o resultado: Tabela 13: Influência do grupo de fatores TIPO SEMÂNTICO DO VERBO na escolha de ir no presente + verbo no infinitivo vs. futuro simples no corpus A Gazeta 1970 Aplic./total Freq. (%) Peso relativo Não Relacionais/Existenciais 38/219 17.4% .61 Relacionais/Existenciais 04/147 2.7% .33 Fatores Mais uma vez pudemos comprovar que os verbos relacionais/existenciais inibem a variante perifrástica e que ela é favorecida em contextos em que há um sujeito com papel atuante. 5.2.4 Projeção de futuridade Nossa expectativa neste grupo de fatores é que a perífrase seja favorecida nas formas que indicam futuro próximo. Na tabela abaixo, há os resultados encontrados: 138 Tabela 14: Influência do grupo de fatores PROJEÇÃO DE FUTURIDADE na escolha de ir no presente + verbo no infinitivo vs. futuro simples no corpus A Gazeta 1970 Aplic./total Freq. (%) Peso relativo Futuro indefinido 23/135 17% .64 Futuro próximo 15/156 9.6% .44 Futuro distante 04/75 5.3% .35 Fatores Ao contrário que imaginávamos, o futuro próximo não favorece a forma perifrástica e sim o futuro indefinido. Contudo, assim como prevíamos, o futuro distante inibe a forma perifrástica, uma vez que ela estaria mais relacionada à iminência do fato. Dessa forma, a categoria futuro distante, ao desfavorecer a perífrase, acaba por dar preferência à forma de futuro simples, conforme descrito por Poplack & Turpin (1999, 149-151). 5.2.6 Conclusões parciais No corpus A Gazeta, década de 1970, pudemos constatar que houve pouca variação entre as formas indicadoras de futuro. O predomínio considerável de futuro simples – 81.8% – indica que nesse período, na modalidade escrita, a variante favorecida era a mais formal. Para melhor analisar as 396 ocorrências de expressão de futuro, submetemos os dados ao programa computacional Goldvarb. Infelizmente, devido ao baixo número de dados de ir no futuro + verbo no infinitivo e presente do indicativo (cf. tabela 09), a rodada se deu apenas entre ir no presente + verbo no infinitivo vs. futuro simples. Os resultados obtidos a partir do cálculo estatístico demonstram que a forma perifrástica ir no presente + verbo no infinitivo é favorecida pelos seguintes fatores: verbos de 3ª e 1ª conjugação; verbos não relacionais e existenciais, como os verbos comportamentais, verbais, mentais e materiais que, em conjunto apresentam um sujeito agente ou experienciador; e, em relação à projeção de futuridade, indiquem um futuro indefinido. 139 Apesar de alguns grupos de fatores não terem sido selecionados pelo Goldvarb e outros não poderem ser submetidos ao cálculo do peso relativo, devido à inexistência de ocorrências em algumas variantes (knock-out), eles parecem influenciar na variação aqui estudada. Um deles é o gênero textual. Constatamos que nos editoriais, discursos e notas de falecimento houve somente dados no futuro simples. Já o presente do indicativo e ir no futuro + verbo no infinitivo só ocorreram em trechos de notícias. Isso demonstra que nos gêneros textuais mais formais há um predomínio da forma tida como mais formal – futuro simples. E que a forma perifrástica com ir começou a ser usada no jornal A Gazeta, em 1970, nos gêneros que não são tão formais, como notícias e propagandas. Confirmando nossa hipótese, vimos que a extensão do verbo no infinitivo influencia na escolha da forma perifrástica, tendo em vista que a perífrase é favorecida em verbos com um maior número de sílabas. O fato de o verbo ser ou não modal também se mostrou importante, uma vez que verbos modais inibem o uso das formas perifrásticas com ir com o possível objetivo de evitar várias marcas modais, já que a própria perífrase, como já vimos, carrega em si uma noção modal. Além disso, a modalidade deôntica inibiu totalmente a ocorrência das perífrases com ir. 5.3 ANÁLISE DE A GAZETA 2008 Considerando, nesta seção, apenas os dados da modalidade escrita, coletados no jornal A Gazeta em 2008, ano em que esse jornal comemorou 80 anos de existência, procede-se ao estudo dessas ocorrências. 140 Ao todo, foram analisadas 678 (seiscentas e setenta e oito) ocorrências de variantes na expressão de futuro. Encontramos, neste corpus, as quatro variantes estudadas nesta tese. O resultado foi diferente do encontrado nas demais épocas pesquisadas do jornal. Observe a distribuição na tabela 15: Tabela 15: Distribuição das ocorrências indicadoras de futuro no corpus A Gazeta 2008 Ir no futuro Irei amar 16 Presente Amo 158 Ir no presente Vou amar 136 Total Nº Futuro Amarei 368 % 54.3% 2.4% 23.3% 20.1% 100% 678 O primeiro ponto a ressaltar é a manutenção pela preferência da forma do futuro simples, 54% dos dados, na modalidade escrita. Isso demonstra que, em ambientes mais formais, ainda há um predomínio da forma conservadora, preconizada nas gramáticas tradicionais. Contudo, também constatamos a presença de dados no presente do indicativo, tanto nas formas sintéticas quanto nas perifrásticas. Gráfico 04: Distribuição das ocorrências na expressão de futuro no jornal A Gazeta 2008. 141 O fato de encontrarmos, mesmo na atualidade, muitas ocorrências de futuro simples reflete o grau de formalidade do jornal, principalmente em determinados gêneros textuais, comentados a seguir. A fim de comprovar essa formalidade, destacamos as diversas ocorrências de futuro em mesóclises (uso considerado bastante formal). Para ilustrar, apresentamos dois exemplos, retirados de cartas do leitor. 174) Em seguida, nas extremidades poder-se-á ligar o tal metrô de superfície, para a Serra, Cariacica e Viana. (A Gazeta, 10 de julho de 2008) 175) Vamos nos dar as mãos e nos unir mais e temos certeza que uma pequena ajuda tornar-se-á uma gigantesca recompensa aqui ou no reino do Grande Arquiteto e só conseguiremos se formamos uma corrente inquebrantável, cujos elos sejam de solidariedade só transmitam amor, justiça e paz. (A Gazeta, 26 de julho de 2008) Um ponto que chama a atenção é a comparação entre as variantes pesquisadas ao longo das décadas, no jornal A Gazeta. Conforme mencionamos anteriormente, de 1930 a 1970 quase não houve mudança de comportamento, apenas um leve aumento da construção perifrástica ir no presente + verbo no infinitivo e uma pequena diminuição de uso de futuro simples. No entanto, de 1970 a 2008 as mudanças foram mais acentuadas, pois há menos ocorrências de futuro simples e maior uso de ir no presente + verbo no infinitivo, embora a forma privilegiada continue sendo o futuro simples. Há também um aumento considerável da presença de formas no presente do indicativo. Observe o quadro abaixo para melhor visualizar essas semelhanças e diferenças: 142 Gráfico 05: Comparação entre os resultados do jornal A Gazeta 1930 , 1970 e 2008. Durante a coleta de dados, encontramos um dado – exemplo 176 – que não pôde ser codificado, por apresentar, provavelmente, um erro de digitação. Porém, esse equívoco pode nos indicar algo interessante. 176) Mais sete ônibus articulados vão serão incorporados ao Sistema Transcol na próxima segunda-feira. Desse total, quatro veículos vão atender à linha 504 (Terminal de Itacibá X Terminal de Jacaraípe). Já os outros três serão utilizados na linha 591, (Serra Sede X Terminal de Campo Grande). (A Gazeta, 04 de julho de 2008) A primeira ocorrência na expressão de futuro – vão serão – sugere que o autor do texto ficou em dúvida se usaria vão ser ou serão. Temos fortes indícios dessa indecisão ao verificar as demais formas no futuro, uma vez que utiliza as duas variantes: ir no presente + verbo no infinitivo – vão atender – e futuro simples – serão. Esse dado demonstra que o falante tem consciência de que há diferentes formas para expressar o futuro. Como o exemplo está registrado na modalidade escrita, o usuário da língua poderia, inclusive, voltar ao texto para corrigi-lo, optando pela forma que lhe parecesse melhor. 143 Para a realização das rodadas no programa Goldvarb, não pudemos analisar as formas de ir no futuro + verbo no infinitivo, exemplo 177, visto que representam apenas 2.4% dos dados. Ao longo do trabalho, apenas nos limitamos a apontar as principais características dessas ocorrências ao apresentar os grupos de fatores selecionados. 177) Vale dizer, a cada nova despesa, que represente benefício ou serviço, deve se determinar a fonte – dos recursos que lhe irão dar consistência para materialização. (A Gazeta, 30 de junho de 2008) Com a não utilização desses dados nas rodadas, passamos a ter três formas variantes: futuro simples, presente do indicativo e ir no presente + verbo no infinitivo. Entretanto, o programa Goldvarb permite apenas a realização de rodadas binárias para o cálculo de pesos relativos. Por esse motivo, optou-se por fazer três diferentes rodadas: a) uso de ir no presente + verbo no infinitivo vs. futuro simples; b) uso de ir no presente + verbo no infinitivo vs. presente do indicativo e c) uso de futuro simples vs. presente do indicativo. Vale ressaltar que em cada rodada consideramos como valor de aplicação a primeira forma explicitada, no caso, ir no presente + verbo no infinitivo, ir no presente + verbo no infinitivo e futuro simples, respectivamente. Guy (2007, p. 144), ao discutir como se deve proceder para definir uma variável dependente, afirma que cabe ao pesquisador a decisão sobre o modo de análise dos dados e acrescenta que dadas essas complicações no uso de modelos eneários, a tendência, nos estudos variacionistas de variáveis com mais de duas realizações, é de reduzi-las a sequências de análises binárias. Isto se faz com base em um modelo teórico que justifique o agrupamento de determinados subconjuntos de realizações. Além disso, aponta que cabe ao pesquisador definir, no decorrer da análise das ocorrências, quais são as questões a serem respondidas e, em função disso, quais seriam os procedimentos analíticos adequados aos seus propósitos. Como nosso objetivo é pesquisar o 144 comportamento da forma inovadora – ir + verbo no infinitivo, optamos por analisar o uso dessa variante em relação às outras duas, no caso, o futuro do presente e o presente do indicativo. Além disso, verificar possíveis motivações correlacionadas à escolha do futuro simples vs. presente do indicativo. Os resultados são apresentados a seguir por grupos de fatores. Foram selecionados: 1) Gênero textual; 2) Paralelismo; 3) Extensão lexical; 4) Verbo modal; 5) Projeção de futuridade; 6) Conjugação verbal; 7) Tipo semântico do verbo e 8) Tipo de sequência textual. A tabela abaixo expõe os grupos de fatores selecionados em cada rodada, de acordo com a ordem de seleção: Quadro 02: Grupos de fatores selecionados nas três rodadas realizadas Ir no presente + infinitivo x Ir no presente + infinitivo x Futuro simples x Presente Presente do indicativo Futuro simples do indicativo 1. Verbo modal 1. Tipo semântico do verbo 1. Verbo modal 2. Paralelismo 2. Paralelismo 2. Gênero textual 3. Tipo textual 3. Verbo modal 3. Conjugação verbal 4. Extensão lexical 4. Extensão lexical 4. Extensão lexical 5. Marca de futuridade 5. Gênero textual 5. Tipo textual 6. Tipo semântico do verbo 6. Projeção de futuridade 6. Paralelismo 5.3.1 Gênero textual Este grupo de fatores foi selecionado para duas rodadas: 1) ir no presente + verbo no infinitivo vs. futuro simples e 2) futuro simples vs. presente do indicativo. Observe, a partir das tabelas a seguir, a distribuição dos dados: 145 Tabela 16: Influência do grupo de fatores GÊNERO TEXTUAL na escolha de ir no presente + infinitivo vs. futuro simples no corpus A Gazeta 2008 Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo Propaganda 16/31 51.6% .69 Notícia 68/233 29.2% .59 Carta do leitor 16/63 25.4% .47 Editorial 21/86 24.4% .40 Artigo de opinião 15/91 16.5% .30 Tabela 17: Influência do grupo de fatores GÊNERO TEXTUAL na escolha de futuro simples vs. presente do indicativo no corpus A Gazeta 2008 Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo Carta do leitor 47/51 92.2% .82 Artigo de opinião 76/88 86.4% .73 Editorial 65/91 71.4% .52 Propaganda 15/21 71.4% .37 165/275 60% .35 Notícia Os resultados atestam a hipótese formulada para este grupo de fatores, uma vez que os gêneros mais informais, no caso, a propaganda e a notícia, favorecem a forma perifrástica em relação ao futuro simples, (.69) e (.59), respectivamente, conforme exposto na tabela 16. Assim como os gêneros mais formais, o artigo de opinião e o editorial favorecem o uso de futuro simples, (.73) e (.52), respectivamente, tabela 17. No entanto, a carta de leitor se mostrou o maior favorecedor para o uso de futuro simples, (.82). Não imaginávamos que esse gênero apresentasse esse comportamento, mas esse fato pode estar relacionado a outras questões. Vale lembrar que o público alvo do jornal são pessoas de classe média e alta, geralmente com maior grau de escolaridade. Além disso, é possível que os leitores que enviam essas cartas tenham a preocupação com um uso mais formal da língua. Isso pode ser comprovado ao constatarmos um grande número de mesóclises nesse gênero, conforme os exemplos 174 e 175. Outro aspecto que pode estar relacionado a essa questão é o processo de 146 edição pelo qual passam as cartas enviadas. Não podemos saber se as expressões de futuro sofreram algum tipo de modificação ou se representam a escolha do autor da carta. 5.3.2 Paralelismo Este grupo de fatores foi selecionado para as três rodadas realizadas: 1) ir no presente + verbo no infinitivo vs. futuro simples; 2) ir no presente + verbo no infinitivo vs. presente do indicativo e 3) futuro simples vs. presente do indicativo, sendo que nas duas primeiras rodadas foi selecionado como o segundo grupo de fatores mais relevante para a variação. Os resultados estão expostos nas tabelas 18, 19 e 20. Tabela 18: Influência do grupo de fatores PARALELISMO na escolha de ir no presente + infinitivo vs. presente do indicativo no corpus A Gazeta 2008 Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo Ocorrência precedida de ir no presente 22/37 59.5% .76 Ocorrência isolada 48/74 64.9% .73 Primeira ocorrência 42/82 51.2% .53 Ocorrência precedida de futuro 12/46 26.1% .26 Ocorrência precedida de presente 12/55 21.8% .17 Tabela 19: Influência do grupo de fatores PARALELISMO na escolha de ir no presente + infinitivo vs. futuro simples no corpus A Gazeta 2008 Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo Ocorrência precedida de ir no presente 22/48 45.8% .73 Primeira ocorrência 42/112 37.5% .64 Ocorrência isolada 48/145 33.1% .60 Ocorrência precedida de presente 12/52 23.1% .41 Ocorrência precedida de futuro 12/147 8.2% .25 147 Tabela 20: Influência do grupo de fatores PARALELISMO na escolha de futuro simples vs. presente do indicativo no corpus A Gazeta 2008 Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo Ocorrência precedida de futuro 135/169 79.9% .57 Ocorrência isolada 97/123 78.9% .57 Ocorrência precedida de ir no presente 26/41 63.4% .52 Primeira ocorrência 70/110 63.6% .43 Ocorrência precedida de presente 40/83 48.2% .31 A importância do princípio do paralelismo pôde ser constatada mais uma vez nesta pesquisa, levando em consideração os resultados das tabelas acima, visto que há pesos relativos mais altos em situações em que apareceram precedidas de formas idênticas. As variantes se comportam todas conforme o esperado. Na rodada ir no presente + infinitivo em relação ao presente do indicativo (tabela 18), as ocorrências precedidas de ir no presente + infinitivo tiveram peso relativo de (.76). Na rodada ir no presente + infinitivo em relação ao futuro simples (tabela 19), a repetição da mesma forma apresentou peso relativo (.73) e, ao analisar futuro simples em relação ao presente do indicativo (tabela 20), a ocorrência precedida de futuro simples obteve relevância de (.57). Ainda podemos perceber a relevância deste grupo de fatores ao verificarmos quais são as formas inibidoras. Na tabela 18, ao analisar a variação entre ir no presente + infinitivo em relação ao presente do indicativo, verificamos que ocorrência precedida de presente do indicativo é a forma desfavorecedora (.17), bem como na rodada ir no presente + infinitivo em relação ao futuro simples, tabela 19, a forma perifrástica é inibida quando precedida de futuro simples (.25) e na rodada futuro simples em relação ao presente do indicativo, tabela 20, a forma mais conservadora é desfavorecida ao ser precedida de presente do indicativo (.31). 148 Um ponto a ser destacado é o fato de ocorrência isolada e primeira de uma série funcionarem como ambientes favorecedores para a forma ir no presente + infinitivo, ao ser analisada em variação com o presente do indicativo, (.73) e (.53) respectivamente, e em variação com o futuro simples, (.60) e (.64), respectivamente. Esse resultado sugere que a perífrase com ir no presente + infinitivo seja a primeira forma que ocorra ao falante ao expressar o futuro. 5.3.3 Extensão lexical Inicialmente, havíamos analisado separadamente os verbos trissílabos e polissílabos. No entanto, optamos por amalgamar esses dados, tendo em vista que há poucos verbos polissílabos na Língua Portuguesa. Além disso, verbos trissílabos e polissílabos apresentaram comportamentos semelhantes. Este grupo de fatores foi selecionado nas três rodadas e os resultados podem ser vistos nas tabelas 21, 22 e 23. Tabela 21: Influência do grupo de fatores EXTENSÃO LEXICAL na escolha de ir no presente + infinitivo vs. presente do indicativo no corpus A Gazeta 2008 Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo 3 ou mais sílabas 73/103 70.9% .71 2 sílabas 49/153 32% .42 1 sílaba 14/38 36.8% .23 149 Tabela 22: Influência do grupo de fatores EXTENSÃO LEXICAL na escolha de ir no presente + infinitivo vs. futuro simples no corpus A Gazeta 2008 Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo 3 ou mais sílabas 73/132 55.3% .72 2 sílabas 49/171 28.7% .57 1 sílaba 14/201 7% .28 Tabela 23: Influência do grupo de fatores EXTENSÃO LEXICAL na escolha de futuro simples vs. presente do indicativo no corpus A Gazeta 2008 Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo 1 sílaba 187/211 88.6% .73 2 sílabas 122/226 54% .34 59/89 66.3% .30 3 ou mais sílabas Os resultados expostos nas tabelas 21 e 22 mostram claramente a importância do número de sílabas do verbo no infinitivo na escolha da variante perifrástica, visto que verbos com maior número de sílabas favorecem essa construção e verbos com menos sílabas inibem essa forma. Os valores se apresentam na gradação esperada para a escolha de ir no presente + infinitivo, tanto em variação com o presente do indicativo, quanto com o futuro simples. Verbos com três ou mais sílabas favorecem o uso da forma perifrástica, com duas sílabas apresentam comportamento mais neutro e com uma sílaba o inibem, já que o menor peso relativo foi atestado para esses verbos. Os verbos monossilábicos, que favorecem o emprego da forma sintética, seja no presente do indicativo seja no futuro simples, tornam, assim, o verbo dissílabo. É preciso destacar que muitos desses verbos são irregulares, como ser e o próprio ir, apresentando, consequentemente, características morfológicas especiais. Não chegamos a contabilizar, mas foi possível observar a alta frequência do verbo ser nesse corpus e como afirma Bybee (2003) verbos mais frequentes na língua tendem a ser menos susceptíveis a mudanças. 150 A tabela 23 retrata a rodada futuro simples vs. presente do indicativo, que apresenta hipótese diferente para a variação, já que nosso objetivo principal ao analisar este grupo de fatores era verificar se os usuários da língua tendem a distribuir o peso fonológico dos vocábulos. O que podemos observar, a partir dos resultados dessa tabela, é que a forma considerada mais conservadora é favorecida em verbos menos longos e tendem a aceitar melhor o acréscimo de uma sílaba (o morfema de futuro). 5.3.4 Verbo modal Nas seções anteriores, foi abordada a importância da análise deste grupo de fatores, embora não tivesse sido selecionado pelo programa computacional. Neste corpus, foi selecionado para as três rodadas, sendo que em duas delas como o fator mais relevante, em primeiro lugar: ir no presente + infinitivo vs. presente do indicativo e futuro simples vs. presente do indicativo. Os resultados estão expostos nas tabelas a seguir. Tabela 24: Influência do grupo de fatores VERBO MODAL na escolha de ir no presente + infinitivo vs. presente do indicativo no corpus A Gazeta 2008 Fatores Verbo não modal Verbo modal Aplic./total Freq. (%) Peso relativo 131/205 63.9% .79 05/89 5.6% .04 Tabela 25: Influência do grupo de fatores VERBO MODAL na escolha de ir no presente + infinitivo vs. futuro simples no corpus A Gazeta 2008 Fatores Verbo não modal Verbo modal Aplic./total Freq. (%) Peso relativo 131/442 29.6% .55 05/62 8.1% .15 151 Tabela 26: Influência do grupo de fatores VERBO MODAL na escolha de futuro simples vs. presente do indicativo no corpus A Gazeta 2008 Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo Verbo não modal 311/385 80.8% .64 Verbo modal 57/141 40.4% .16 Mais uma vez podemos constatar, a partir das tabelas 24 e 25, que os verbos modais inibem as formas perifrásticas, (pesos relativos .04 e .15, respectivamente). Assim, é possível afirmar que o falante evita duas informações modais. Isso também ocorre para a escolha de futuro simples, tendo em vista que essa forma é inibida nos modais (.16). O futuro simples, conforme afirmou Câmara Jr. (1956), surgiu mais para marcar o modo do que o tempo. Por isso, o usuário da língua tende a usar menos essa forma com os modais, evitando um excesso de marcas modais. 5.3.5 Conjugação verbal Na seção 4.3.6, expusemos as características e hipóteses relacionadas a este grupo de fatores. Observe, na tabela abaixo, os resultados encontrados. Tabela 27: Influência do grupo de fatores CONJUGAÇÃO VERBAL na escolha de futuro simples vs. presente do indicativono corpus A Gazeta 2008 Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo 1ª conjugação 96/133 72.2% .55 2ª conjugação 254/354 71.8% .54 3ª conjugação 18/39 46.2% .08 Os resultados encontrados demonstram que o futuro simples é favorecido por verbos de 1ª conjugação e 2ª conjugação (.55 e .54, respectivamente). Os primeiros são os mais comuns na Língua Portuguesa, mas veja que eles não são os que mais ocorrem no corpus, e 152 sim os de segunda. No entanto, não há praticamente diferença nos valores dos pesos relativos entre os de 1ª e 2ª conjugações. Por outro lado, o futuro simples é inibido nos verbos de 3ª conjugação (.08). Esperávamos que este grupo de fatores fosse selecionado com a variante perifrástica com ir como valor de aplicação, para confirmar que as construções perifrásticas são mais recorrentes nos verbos de 1ª conjugação, porém isso não ocorreu. 5.3.6 Tipo semântico do verbo Este grupo de fatores foi selecionado em duas rodadas: ir no presente + infinitivo vs. presente do indicativo e ir no presente + infinitivo vs. futuro simples (selecionado em primeiro lugar). Essa seleção é positiva, pois nossa principal hipótese é em torno da escolha da variante perifrástica. Tabela 28: Influência do grupo de fatores TIPO SEMÂNTICO DO VERBO na escolha de ir no presente + infinitivo vs. presente do indicativo no corpus A Gazeta 2008 Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo Verbais 09/11 81.8% .92 Mentais 15/22 68.2% .76 Relacionais 09/48 18.8% .48 102/210 48.6% .44 01/03 33.3% .44 Materiais Existenciais 153 Tabela 29: Influência do grupo de fatores TIPO SEMÂNTICO DO VERBO na escolha de ir no presente + infinitivo vs. futuro simples no corpus A Gazeta 2008 Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo Verbais 09/11 81.8% .94 102/235 43.4% .69 Mentais 15/57 26.3% .59 Relacionais 09/178 5.1% .24 Existenciais 01/23 4.3% .14 Materiais Os resultados acima confirmam em parte a hipótese por nós formulada – os verbos relacionais e existenciais inibem a variante perifrástica. Entretanto, imaginávamos que os verbos materiais fosse aqueles que mais favorecessem essa forma, por apresentar um sujeito atuante, porém, quando em variação com o presente do indicativo (tabela 28), parecem inibila. Por outro lado, confirmando nossa hipótese, quando em variação com o futuro simples (tabela 29), os verbos materiais favorecem ir no presente + infinitivo. Os verbos que mais favoreceram a forma perifrástica foram os verbais, apresentando, inclusive, pesos relativos bastante altos. Contudo, é preciso observar que o corpus analisado apresenta poucas ocorrências, apenas 11 no total, o que não permite sermos muito conclusivos. 5.3.7 Tipo de texto / Sequência textual Nos trechos do Jornal A Gazeta, 2008, analisamos apenas três sequências textuais: 1) Argumentativo/expositivo; 2) Narrativa projetada e 3) Injuntivo. Foram encontrados alguns casos de sequências narrativa/descritiva, mas como eram poucos, optamos por amalgamá-los aos de narrativa projetada. Os resultados para este grupo de fatores estão expostos a seguir: 154 Tabela 30: Influência do grupo de fatores SEQUÊNCIA TEXTUAL na escolha de ir no presente + infinitivo vs. presente do indicativo no corpus A Gazeta 2008 Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo Argumentativo/expositivo 69/129 53.5% .67 Narrativa projetada 56/138 40.6% .38 Injuntivo 11/27 40.7% .26 Tabela 31: Influência do grupo de fatores SEQUÊNCIA TEXTUAL na escolha de futuro simples vs. presente do indicativo no corpus A Gazeta 2008 Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo Argumentativo/expositivo 209/269 77.7% .61 Narrativa projetada 147/229 64.2% .39 12/28 42.9% .30 Injuntivo A partir dos resultados da tabela 30, podemos perceber que a variante perifrástica com ir é favorecida em sequências argumentativas/expositivas quando em variação com o presente do indicativo. Além disso, essa variante é inibida em sequências injuntivas e de narrativa projetada. Esse resultado parece indicar que nos trechos em que há a pretensão de discutir alguma questão a forma perifrástica é preferida em detrimento do presente do indicativo. Segundo Gryner (2000), na argumentação, utiliza-se muito o discurso hipotético, isso faz parte do argumentar. Como a forma perifrástica mantém mais valor modal que o presente do indicativo, o usuário da língua tende a utilizar mais a variante perifrástica. Por outro lado, ao se dirigir diretamente ao leitor do jornal, na sequência injuntiva, o presente do indicativo torna-se mais recorrente, pois o falante abre mão de usar a perífrase. Isso pode ocorrer por esse tempo verbal se assemelhar a um imperativo. Em relação à narrativa projetada, o valor baixo do peso relativo para a forma perifrástica pode indicar que há um favorecimento do presente do indicativo nesses contextos, talvez o usuário da língua projete o fato relatado no presente para indicar maior proximidade de realização da ação. 155 Ao analisar os resultados da variação entre futuro simples vs. presente do indicativo (tabela 31), verificamos que nossa hipótese foi confirmada em relação às sequências argumentativas/expositivas favorecerem a variante futuro simples. Nessas sequências, o usuário da língua apresenta sua posição sobre um tema e procura convencer o leitor a respeito, para isso dá preferência à variante mais formal, aquela preconizada nas gramáticas tradicionais. Novamente as sequências injuntivas e de narrativa projetada funcionaram como inibidoras da variante com valor de aplicação o que pode significar, por outro lado, ser o ambiente favorecedor para a escolha do presente do indicativo. 5.3.8 Projeção de futuridade Na seção 5.2.4, vimos que ir no presente + verbo no infinitivo é favorecido em contexto de futuro indefinido, ao variar com o futuro, ou seja, quando não é possível precisar em que momento ocorrerá a ação, se será uma ação iminente ou que demorará a acontecer. Porém, esse resultado não confirmou nossa hipótese, já que imaginávamos que essa variante fosse favorecida para futuro próximo. Contudo, o futuro distante inibiu a variante perifrástica. Este grupo tornou a ser selecionado para o jornal A Gazeta 2008, na rodada que também investiga a variação entre ir no presente + infinitivo vs. futuro simples, e os pesos relativos apresentam a mesma ordem de relevância na escolha da variante perifrástica daquela encontrada no jornal A Gazeta 1970, conforme ilustra a tabela abaixo: 156 Tabela 32: Influência do grupo de fatores PROJEÇÃO DE FUTURIDADE na escolha de ir no presente + infinitivo vs. futuro simples no corpus A Gazeta 2008 Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo Futuro indefinido 84/279 30.1% .55 Futuro próximo 48/173 27.7% .51 Futuro distante 04/52 7.7% .20 Novamente o futuro indefinido foi o ambiente mais favorecedor da perífrase com ir, ao lado do futuro próximo, o que sugere que o futuro próximo também seja um contexto favorecedor para ir no presente + infnitivo, confirmando nossa hipótese inicial, enquanto o futuro distante foi o inibidor dessa variante. Esse resultado pode indicar que a forma perifrástica já está tão bem estabelecida para indicar o tempo futuro que, mesmo em contextos em que não é possível definir em que momento futuro ocorrerá o fato, a perífrase seja a variante preferida. Assim, parece que está ocorrendo uma crescente implementação da perífrase, em alguns contextos. Em relação ao futuro distante, mais uma vez esse foi o contexto inibidor da variante perifrástica, resultado semelhante ao encontrado no período de 1970 (cf. página 138). Por estarmos analisando a variação entre ir no presente + infinitivo em relação ao futuro simples, nos dois períodos - 1970 e 2008 - podemos deduzir que, ao se referir a um momento futuro, em que o fato ocorrerá depois de um longo período, o usuário da língua privilegie o futuro simples. 5.3.9 Marca de futuridade fora do verbo Mais uma vez o contexto sintático de presença ou não de circunstancializador de tempo futuro, seja em forma de sintagma, seja em forma de oração, parece condicionar o 157 emprego da variante ir no presente + infinitivo, como em 1970, porém agora em variação com o presente do indicativo. Nossa hipótese é que a perífrase seja favorecida quando não há marcas de futuridade fora do verbo, pois acreditamos que ela já esteja codificando tempo, apresentando, pois, mais noção gramatical que modal. Os resultados da tabela abaixo confirmam nossa hipótese novamente. Observe: Tabela 33: Influência do grupo de fatores MARCA DE FUTURIDADE FORA DO VERBO na escolha de ir no presente + infinitivo vs. presente do indicativo no corpus A Gazeta 2008 Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo Ausência 92/159 57.9% .62 Presença 44/135 32.6% .35 A variante ir no presente + verbo no infinitivo é favorecida em contexto sintático em que não há marcas temporais explícitas. Esse resultado pode confirmar a especialização dessa forma, uma vez que ela sozinha é capaz de expressar no texto o futuro. Por outro lado, parece que o presente do indicativo é mais utilizado quando o contexto permite que seja recuperada a informação de tempo futuro, que pode ser indicada por uma expressão adverbial, por uma oração ou mesmo por uma marca não contígua. 5.3.10 Escala de modalidade Infelizmente, este grupo de fatores não foi selecionado como relevante pelo programa computacional, porém optamos por apresentá-lo e discutir algumas questões relacionadas a esse grupo. 158 O primeiro ponto a destacar é que este grupo apresentou grau de significância 0,000 no Goldvarb no nível 1 nas três rodadas realizadas. Esse resultado inicialmente mostra que este grupo é bastante relevante para a pesquisa. No entanto, ao coocorrer com os demais fatores, nos níveis subsequentes, ele deixa de ser selecionado. Ao analisar as rodadas, pudemos perceber que o grupo de fatores verbo modal é quem está interferindo. Para melhor entender a questão, leia o que afirma Paredes (1991, p. 33). O programa atua iterativamente, comparando os diversos grupos de fatores entre si. Cada rodada compreende tantos níveis quantos forem necessários para realizar-se a seleção. No nível 0, calcula-se a probabilidade média de aplicação da regra, na ausência de restrições. No nível 1, ele toma cada grupo de fatores isoladamente, comparando-o com o input e efetua o cálculo. O grupo que melhor se sair no teste de significância será selecionado, e com ele serão comparados, no nível 2, todos os demais grupos, um por um, para que seja selecionado o segundo grupo, e assim sucessivamente até completar-se a seleção. O fato de os verbos modais interferirem na não seleção do grupo de fatores escala de modalidade é totalmente compreensível, já que estamos trabalhando questões semelhantes em dois grupos de fatores. O que nos motivou a analisar separadamente esses grupos, primeiramente, foi que gostaríamos de verificar a influência da presença do verbo modal na escolha da variante. Por outro lado, queríamos investigar se o tipo de modalidade – epistêmica ou deôntica – poderia interferir também na escolha, independente de haver um verbo modal ao lado das variantes pesquisadas. Contudo, por estarmos trabalhando a questão da modalidade nos dois grupos, não poderemos apresentar os valores do peso relativo para o grupo de fatores escala de modalidade. Tentaremos apenas observar se os valores percentuais podem nos dar pistas de alguns comportamentos das variantes em relação a essa questão. Seguem abaixo as tabelas com os valores percentuais das três rodadas. 159 Tabela 34: Influência do grupo de fatores ESCALA DE MODALIDADE na escolha de ir no presente + infinitivo vs. presente do indicativo no corpus A Gazeta 2008 Aplic./total Freq. (%) 110/187 58.8% Possibilidade epistêmica 20/65 30.8% Possibilidade deôntica 04/23 17.4% Extremo deôntico 02/22 9.1% Fatores Extremo epistêmico Tabela 35: Influência do grupo de fatores ESCALA DE MODALIDADE na escolha de ir no presente + infinitivo vs. futuro simples no corpus A Gazeta 2008 Aplic./total Freq. (%) 110/382 28.8% Possibilidade epistêmica 20/67 29.9% Possibilidade deôntica 04/25 16% Extremo deôntico 02/30 6.7% Fatores Extremo epistêmico Tabela 36: Influência do grupo de fatores ESCALA DE MODALIDADE na escolha de futuro simples vs. presente do indicativo no corpus A Gazeta 2008 Aplic./total Freq. (%) 272/349 77.9% Possibilidade epistêmica 47/92 51.1% Possibilidade deôntica 21/40 52.5% Extremo deôntico 28/48 58.3% Fatores Extremo epistêmico Primeiramente, nota-se, a partir dessas tabelas, que a maior parte dos dados se deu na modalidade epistêmica. Esse resultado é pertinente por estarmos analisando um jornal, pois essa modalidade denota o conhecimento, a crença do usuário da língua sobre o conteúdo das proposições, a certeza da realização do fato (Givón 1995). O jornal tem por objetivo informar a população dos fatos, demonstrando certeza de realização das notícias relatadas. Outro ponto a ressaltar, levando em consideração os valores percentuais, é a preferência da forma perifrástica na modalidade epistêmica, principalmente no extremo 160 epistêmico, ao estar em variação com o presente do indicativo. Esse resultado sugere que quando é preciso relatar algo no jornal, afirmando categoricamente que alguma situação será cumprida, a perífrase é a melhor opção. Além disso, fortalece a ideia de que essa variante realmente esteja atuando com mais ênfase na função tempo, conforme já mencionamos neste trabalho, porém, embora menos saliente, continua sendo usada para outras funções, como a modalidade. De certa forma, os números percentuais da tabela 35 confirmam nossas expectativas quanto ao favorecimento do futuro simples nos contextos em que a modalidade de extremo epistêmico estivesse atuante. Diante desse resultado, temos argumento favorável à hipótese de que esta variante esteja restringindo sua atuação à modalização. O segundo maior valor percentual para a variante futuro simples foi o extremo deôntico, mostrando novamente a preferência em ambientes em que a modalização fica mais evidente. 5.3.11 Conclusões parciais Os resultados encontrados no jornal A Gazeta na década de 1930, década de 1970 e em 2008 nos dados de variação na expressão de futuro demonstram que a mudança não ocorre de forma abrupta. Ao contrário, procede como uma série de ajustes, que ocorrem à medida que as variantes, que estão entrando ou abandonando o contexto variável, disputam seu espaço no sistema. O futuro simples continua sendo a forma predominante. Contudo, tem disputado lugar com o presente do indicativo e com a variante perifrástica - ir + verbo no infinitivo. Nas décadas de 1930 e 1970, as formas no presente do indicativo, tanto sintéticas quanto perifrásticas (estudo e vou estudar, respectivamente), não haviam demonstrado um uso relevante, porém no século XXI parecem estar mais atuantes. 161 Os grupos de fatores selecionados nas três rodadas realizadas puderam revelar aspectos interessantes quanto à variação na expressão de futuro. Pudemos comprovar, ao analisar o grupo de fatores gênero textual, que a variante ir + verbo no infinitivo é favorecida em gêneros mais informais, como propaganda e notícia, enquanto a variante futuro simples é predominante nos gêneros mais formais. Esse resultado confirmou nossas hipóteses. O paralelismo, em mais um trabalho, mostrou ser um princípio linguístico importante ao se analisar sistematicamente ocorrências em variação, tendo em vista que foi selecionado nas três rodadas e em cada uma delas a forma mais favorecedora da variante em aplicação foi a repetição da forma. No entanto, os fatores que também favoreceram a variante em aplicação foram as ocorrências isoladas e primeiras em uma série. O verbo modal também foi selecionado nas três rodadas e em todas elas pudemos comprovar nossa hipótese de que os verbos modais inibem as formas perifrásticas e o futuro simples, tentando, assim, evitar um acúmulo de marcas modais, já que consideramos que a perífrase com ir e o futuro simples carregam em si, além de tempo, uma noção modal. Infelizmente, esse grupo de fatores impediu que outro fosse selecionado – a escala de modalidade. Entretanto, entendemos que esse resultado é plausível, já que ambos envolvem questões parecidas: investigar a influência da presença do verbo modal e o tipo de modalidade. Outro grupo de fatores que também foi selecionado nas três rodadas refere-se à extensão lexical. Pudemos comprovar que a forma perifrástica é privilegiada em verbos com maior número de sílabas, comprovando que na língua há uma tendência a se fazer a distribuição do peso fonético. Além disso, o futuro simples é favorecido em verbos com menor número de sílabas, isso pode ocorrer porque ao se utilizar essa variante há o acréscimo de uma sílaba, o morfema indicador de futuro (-re). 162 Em relação à conjugação verbal, esperávamos observar a influência desse grupo de fatores na escolha de ir no presente + verbo no infinitivo, mas as duas rodadas referentes a essa variante não foram selecionadas. Pudemos perceber que o futuro simples é predominante em verbos de 1ª e 2ª conjugação, os mais frequentes da língua portuguesa. Seguindo a proposta de Halliday (1994), pesquisamos o tipo semântico do verbo e pudemos confirmar nossas hipóteses neste grupo de fatores, tendo em vista que os verbos relacionais e existenciais inibem a forma perifrástica com ir. Os resultados encontrados para a projeção de futuridade demonstraram que a variante perifrástica é favorecida em contextos em que não é possível delimitar em que momento se dará a ação, se em um futuro próximo ou distante. Isso pode indicar que essa forma está se fixando na língua portuguesa para indicar tempo futuro, mesmo que esse não possa ser definido. Outro grupo de fatores que permite comprovar essa especialização da perífrase é a marca de futuridade fora do verbo, já que essa variante é mais recorrente em ambientes sintáticos em que não há componentes temporais, como advérbios, orações ou presença não contígua de marca. Após a análise dos resultados referentes à modalidade escrita, pudemos constatar que no decorrer dos anos o jornal A Gazeta apresentou diferentes resultados, principalmente da década de 1970 para 2008. O futuro simples foi a forma predominante nos três períodos pesquisados, demonstrando que na escrita a forma padrão, recomendada pelas gramáticas tradicionais, ainda é favorecida. Entretanto, é possível que esse quadro esteja sofrendo uma mudança, já que em 2008 foi possível encontrar um número maior de ocorrências na forma perifrástica e em contextos linguísticos diversos que sugerem que essa variante está se estendendo para indicar o tempo futuro. 163 Na próxima seção, faremos a análise dos resultados referentes à modalidade falada, com o objetivo de verificar o uso da forma perifrástica, já que acreditamos que essa seja a forma privilegiada, diferentemente dos resultados da modalidade escrita. 5.4 ANÁLISE DO PORTVIX Ao todo, foram coletadas um mil e setenta e sete (1077) ocorrências de variantes indicadoras de futuro, nas 22 entrevistas de informantes capixabas aqui analisadas. Observe a distribuição das variantes a partir da tabela 37. Tabela 37: Distribuição das ocorrências indicadoras de futuro no corpus PortVix Ir no futuro Irei amar - Presente Amo 206 Ir no presente Vou amar 867 Total Nº Futuro Amarei 04 % 0.4% - 19.1% 80.5% 100% 1077 A partir dessa tabela, podemos constatar uma preferência dos falantes capixabas pela forma perifrástica (ir no presente + verbo no infinitivo) para indicar futuro, 80.5%. Esse resultado é bastante interessante, pois nossa variável dependente deixa de ser eneária, com quatro formas variantes, e passa a ser binária, tendo em vista que a expressão do futuro ocorre essencialmente na forma perifrástica e no presente do indicativo. Não há nenhum dado de ir no futuro + verbo no infinitivo. Além disso, há somente quatro ocorrências no futuro simples, por isso não é possível considerá-las nas rodadas do programa Goldvarb, apenas nos limitaremos a descrever algumas de suas características. Abaixo, apresentamos essas ocorrências: 164 178) normalmente ... é muito doloroso pro rim e pro::/ pro órgão mesmo entendeu? ... mas a pessoa na hora não sente muita coisa não ... é menos ... do que a::/ corte ... com corte ... mas é menos eficaz entre aspas do que o corte ... porque o corte você tem certeza que saiu porque você terá ... agora a laser você tem que torcer para que ela saia na urina ... e da mamãe não saiu ainda ... e tem já uma semana (PortVix: Mulher, Ensino médio, 15 a 25 anos) 179) Entrevistador: No hospital não tem como marcar ... né? Informante: Marca e se/ se marcar ... mais outra demora ... aí não tem jeito... deixa aí até ... Deus dará e Deus tomar providência ... hum... é/ se correr atrás ... a gente cansa ... aí ch/ não dá certo não ... eu não tenho paciência ... pra ficar correndo atrás desse negócio ... eu/ a minha esposa n/ todo mundo sabe aí ... que se eu ... se eu/ se eu for parar no hospital ... só/ só muito ruim mesmo (PortVix: Homem, Ensino fundamental, 26 a 49 anos) 180) é:: ... meu/ meu:: ... primo advogado irmão/ ele mesmo é advogado ... o:: marido dela ... aí ... ele assim “não! vo::u tomar providência porque outras pessoas poderão acontecer a mesma coisa” ... muito cheio de gambiarra né ... cheio de fio solto ... cheio de troço ... gente que viu na hora diz que foi uma coisa horrorosa ... já pensou você pegar um produto assim no:: num supermercado e pzz! ... cai no chão de choque (PortVix: Mulher, Ensino médio, 50 anos ou mais) 181) É:: Tem muita gente que tem hérnia de disco por depressão ... explora lá na cozin/ lá na na na na coluna ... explora na coluna ... então ... meu caso foi traumático ... porque foi queda ... né? ... num foi depressão ... aí ele falou assim: ... “ela é o típico caso de uma pessoa que não é deprimida ... que não tem traço de depressão ... mas que ela poderá vir a sentir ... tê depressão daqui um tempo ... de tanta dor que ela sente. (PortVix: Mulher, Ensino médio, 26 a 49 anos) É interessante notar que duas ocorrências foram em verbos modais (exemplos 170 e 181), o que para nós seria um ambiente inibidor dessa variante, por acreditarmos que o futuro marca a modalidade e ao ocorrer em verbos modais teríamos um excesso de marca de modalidade. O exemplo 179 merece um destaque especial, uma vez que a informante utiliza uma expressão popular bastante conhecida e é preciso colocar em dúvida se a intenção foi realmente indicar uma ação futura. Além disso, no exemplo 178, o verbo que indica futuridade parece estar em uma construção estranha, há um truncamento na frase. 165 Destacamos o fato de não haver nenhuma ocorrência entre os informantes da menor faixa etária – 07 a 14 anos. Isso pode sugerir que essa variante não é mais utilizada entre os mais jovens. Para melhor observar a distribuição das ocorrências indicadoras de futuro no corpus PortVix, observe a distribuição dos dados no gráfico abaixo: Gráfico 06: Distribuição das ocorrências na expressão de futuro no PortVix. Com esse gráfico, podemos perceber claramente a preferência maciça da variante ir no presente + verbo no infinitivo e as raras ocorrências no futuro simples. Abaixo, apresentamos outro gráfico com o objetivo de compararmos os resultados encontrados neste corpus aos encontrados na modalidade escrita, em três períodos distintos. 166 Gráfico 07: Comparação entre os resultados do jornal A Gazeta 1930, 1970, 2008 e PortVix. Esse gráfico permite verificar de maneira bem nítida a diferença de comportamento entre as variantes na expressão de futuro, nas modalidades escrita e oral. Na modalidade escrita, há o forte predomínio do futuro simples, enquanto a variante ir no presente + verbo no infinitivo apresenta poucos dados. Por outro lado, ao analisar a modalidade oral, há uma inversão de comportamento, já que quase não há dados de futuro simples e a forma privilegiada passa a ser a forma perifrástica. Esse resultado sugere que a forma perifrástica assumiu o papel de indicar o futuro na modalidade oral e pode ser que um dia ela ocupe também esse espaço na escrita, já que no decorrer de 80 anos tem aumentado a sua frequência. É interessante comparar nossos resultados na expressão de futuro aos obtidos por Tesch (2007) ao estudar a variação no âmbito do irrealis, nesse mesmo corpus. Abaixo, apontamos na primeira coluna os resultados referentes a esta pesquisa e na segunda os encontrados na expressão do irrealis. Quadro 03: Comparação entre as formas variantes para codificar o futuro e o irrealis, no corpus PortVix. 167 Futuro Futuro simples Irrealis 04 – 0.4% Ir no futuro + infinitivo 0 Futuro do pretérito 443 – 41% Ir no futuro do pretérito 06 – 0.5% Presente do indicativo 206 – 19.1% Pretérito imperfeito 402 – 37.2% Ir no presente + infinitivo 867 – 80.5% Ir no pretérito imperfeito 229 – 21.2% Total 1077 ocorrências Total 1080 ocorrências Enquanto a perífrase com ir é a forma preferencial para a indicação de futuro (80.5%), o futuro do pretérito mostra-se a forma mais usada no âmbito do irrealis (41%) e a forma perifrástica não se mostrou tão produtiva. Esse resultado é interessante, pois em Tesch (2007) havia a hipótese de que os valores percentuais encontrados indicassem o maior grau de formalidade nas entrevistas analisadas, principalmente por não se imaginar que a variante futuro do pretérito fosse a forma mais recorrente. Contudo, os valores percentuais encontrados para as formas indicadoras de futuro sugerem que esse corpus não seja formal, como imaginávamos anteriormente, embora não seja possível confirmar isso apenas com base no uso dos tempos verbais. A partir desse momento, passaremos à analise dos grupos de fatores selecionados na rodada para o PortVix. Tomamos como valor de aplicação, para a realização das rodadas pelo programa Goldvarb X, a forma ir no presente + infinitivo, que foi mais recorrente. A seguir são apontados os grupos de fatores selecionados pelo programa computacional. Não nos preocupamos em descrever os resultados percentuais dos grupos de fatores não selecionados como relevantes para esse fenômeno, somente os referentes aos fatores sociais. A ordem de seleção foi: 1) Paralelismo; 2) Verbo modal; 3) Conjugação verbal e 4) Extensão lexical. 168 5.4.1 Paralelismo Assim como em Tesch (2007, p. 74-76), com o estudo da variação entre as formas do futuro do pretérito e pretérito imperfeito do indicativo no corpus PortVix, o grupo de fatores paralelismo “obteve o primeiro lugar na seleção do programa Goldvarb”. A tabela 38 mostra os resultados encontrados. Tabela 38: Influência do grupo de fatores PARALELISMO na escolha de ir no presente + infinitivo no corpus PortVix Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo Ocorrência isolada 207/224 92.4% .70 Primeira ocorrência 202/223 90.6% .69 Ocorr. prec. de gatilho em ir no presente 18/20 90% .59 Ocorrência precedida de ir no presente 55/128 43% .44 Ocorr. prec. de gatilho no presente 01/02 50% .17 Ocorrência precedida de presente 384/476 80.7% .09 Os resultados encontrados evidenciam o desfavorecimento do uso da perífrase quando precedido pelo presente do indicativo na forma sintética (.09). No entanto, o valor percentual para esse fator foi alto (80.7%). Até o presente momento não chegamos a uma conclusão a respeito desse resultado. Paredes Silva (1991, p. 25) afirma que não podemos analisar as frequências pura e simplesmente, pois isso pode sugerir interpretações equivocadas, uma vez que não leva em consideração as inter-relações entre os fatores analisados. Além disso, Paredes (1991, p. 33) esclarece que o programa computacional oferece o peso combinado desses fatores, definindo a tendência ao uso de uma ou outra variante. No caso em pauta, deve ter havido alguma interferência que não conseguimos detectar. Além disso, há bastante desequilíbrio na distribuição dos dados, o que também pode interferir na mudança de 169 hierarquia dos pesos relativos. É o caso das formas precedidas de gatilho no presente do indicativo (apenas duas), que também se mostraram inibidoras da forma perifrástica (.17) O valor do peso relativo de ocorrência precedida da mesma forma - ir no presente + inifinitivo - não foi tão elevado como esperado, apenas (.44). Esse fato, de certa maneira, vai de encontro ao princípio do paralelismo, pois o esperado era que a forma precedida da mesma forma seria a mais favorecida e ocorrência isolada e primeira de uma série apresentariam comportamento neutro. No entanto, as ocorrências isoladas e primeiras de uma série são as que mais favorecem o uso da forma perifrástica, (.70) e (.69), respectivamente. Esse resultado é interessante, porque pode significar que quando não há uma forma anterior, o falante tende a utilizar a perífrase, logo, seria a forma que primeiro lhe ocorre. Em relação às formas em gatilho36, podemos perceber que o fato de ser precedida da mesma variante favorece levemente o seu uso. 5.4.2 Verbo modal Os resultados descritos na tabela abaixo comprovam a hipótese formulada para este grupo de fatores. Tabela 39: Influência do grupo de fatores VERBO MODAL na escolha de ir no presente + infinitivo no corpus PortVix Aplic./total Freq. (%) Peso relativo Verbo não modal 797/922 86.4% .58 Verbo modal 70/151 46.4% .11 Fatores 36 As ocorrências em gatilho seriam analisadas somente no corpus PortVix, já que o informante pode repetir a forma utilizada pelo entrevistador. Nesse corpus, distinguem-se dois tipos de ocorrências adjacentes: no discurso do próprio informante ou em relação ao discurso do entrevistador, sendo essa segunda possibilidade denominada gatilho (cf. Scherre, 1988: 392 e Charlotte Emmerich 1984). Nos corpora do jornal A Gazeta não são constatadas as formas de gatilho, tendo em vista que são típicas de gêneros semelhantes às entrevistas. 170 É perceptível, a partir dos resultados, que os verbos modais funcionam como inibidores das formas perifrásticas com ir. Assim, confirmamos que a perífrase já marca a modalização, na expressão de futuro, conforme assinalou Givón (1995, p. 115). Portanto, o uso dessa variante representaria um excesso de marcas modais. Por outro lado, pode-se verificar que os verbos modais favorecem o presente do indicativo. 5.4.3 Extensão lexical Para este grupo de fatores temos o seguinte resultado: Tabela 40: Influência do grupo de fatores EXTENSÃO LEXICAL na escolha de ir no presente no corpus PortVix Aplic./total Freq. (%) Peso relativo 3 ou mais sílabas 194/208 93.3% .74 2 sílabas 491/569 86.3% .51 1 sílaba 182/296 61.5% .29 Fatores Conforme se pode constatar, os resultados atestam a hipótese proposta – quanto maior o número de sílabas do verbo principal, maior a probabilidade de se utilizar uma forma perifrástica com ir. Além disso, verbos com menos sílabas inibem a ocorrência das formas perifrásticas. Fica muito claro que quanto mais sílabas tiver o verbo no infinitivo, maior é a possibilidade de ocorrer ir no presente + infinitivo: (.29) para verbos com 1 sílaba; (.51) para verbos com 2 sílabas e (.74) para verbos com 3 ou mais sílabas. 171 5.4.4 Conjugação verbal Os resultados descritos abaixo atestam nossa hipótese, observe: Tabela 41: Influência do grupo de fatores CONJUGAÇÃO VERBAL na escolha de ir no presente + infinitivo no corpus PortVix Aplic./total Freq. (%) Peso relativo 1ª conjugação 468/515 90.9% .57 2ª conjugação 321/425 75.5% .54 3ª conjugação 78/133 58.6% .14 Fatores Conforme nossa hipótese, os dados comprovam que os verbos de 1ª e 2ª conjugações são favorecedores da forma perifrástica (.57) e (.54), respectivamente. Os verbos 3ª conjugação podem ser considerados formas inibidoras da perífrase com ir (.14). Imaginávamos que os verbos de 2ª conjugação apresentassem peso relativo intermediário entre os de 1ª e 3ª conjugações, porém não que esse valor fosse tão próximo aos de 1ª conjugação. Destacamos que o resultado descrito na tabela 41 muito se parece ao encontrado no corpus A Gazeta 2008, 5.3.5. 5.4.5 Faixa etária Essa variável não foi selecionada pelo programa computacional Goldvarb, assim como os demais grupos de fatores sociais – escolaridade e faixa etária – embora seja relevante em várias pesquisas sociolinguísticas. A variável idade é de extrema importância, uma vez que pode servir como indício de certo fenômeno estar em processo de mudança ou ser apenas uma variação estável. 172 Os dados estão distribuídos em quatro faixas etárias: 07 a 14 anos; 15 a 25 anos, 26 a 49 anos e 50 anos em diante. A nossa hipótese é que haja um processo de mudança linguística em relação à indicação de futuro e esta variável social pode ajudar a identificar esse processo, a partir de uma análise em tempo aparente. Vitória ainda não possui um banco de dados a que pudéssemos recorrer para comparar a atuação das variantes em diversas épocas, como fizemos ao analisar a modalidade escrita, realizando um estudo de mudança linguística em tempo real. Portanto, a investigação no corpus PortVix para verificar se é um fenômeno em mudança linguística precisa ser feita em tempo aparente, por meio do grupo de fatores ‘idade’. Dessa forma, acreditamos que os jovens usem mais a forma inovadora e os mais velhos devem preservar a forma antiga (futuro simples ou presente do indicativo), enquanto os informantes de meia idade devem mostrar um comportamento mais neutro. Os resultados abaixo descrevem o comportamento das variantes analisadas nas quatro faixas etárias, ressaltando que há apenas os valores percentuais, sem os pesos relativos. Além disso, não há valores percentuais muito discrepantes. Observe: Tabela 42: Influência do grupo de fatores FAIXA ETÁRIA na escolha das variantes no corpus PortVix Fatores 07 a 14 anos 15 a 25 anos 26 a 49 anos 50 anos em diante Futuro simples Presente do Ir no presente + indicativo infinitivo - 18/143 125/143 - 12.6% 87.4% 01/326 56/326 269/326 0.3% 17.2% 82.5% 02/266 49/266 215/266 0.8% 18.4% 80.8% 01/342 83/342 258/342 0.3% 24.3% 75.4% 173 Embora as diferenças percentuais sejam bastante sutis nas quatro faixas etárias analisadas, percebe-se que os resultados condizem com nossa hipótese, uma vez que informantes mais jovens utilizam com maior frequência a forma perifrástica e à medida que aumenta a idade, diminui essa frequência, passando de 87.4% na faixa etária de 07 a 14 anos a 75.4% nos informantes com 50 anos ou mais. No entanto, vale salientar que essa diferença percentual é muito pequena, a gradação é muito suave. Por outro lado, ao analisar os valores percentuais do presente do indicativo, vê-se comportamento contrário, pois a frequência de uso aumenta na mesma proporção que se eleva a idade, mudando de 12.6% na faixa etária dos mais jovens a 24.3% para os mais velhos. Em relação ao futuro simples, percebe-se que os informantes mais jovens não utilizaram essa variante, o que sugere que realmente essa forma possa estar desaparecendo na modalidade falada, dando lugar à perífrase com ir. Para melhor visualizar que os índices comprovam nossa hipótese de mudança em tempo aparente, em que os mais jovens preferem a forma inovadora enquanto os mais velhos tendem a ser mais conservadores, elaboramos um gráfico que tenta ilustrar essas diferenças. Gráfico 08: Distribuição das variantes presente do indicativo e ir no presente + infinitivo nas quatro faixas etárias. 174 Vale ressaltar que esses resultados não nos permitem afirmar que há um processo de mudança linguística na expressão de futuro. Para comprovar tal fenômeno, o ideal é a realização de uma análise em tempo real. 5.4.6 Escolaridade A variável escolaridade é considerada relevante em diversos estudos no português. É indispensável que se leve em conta o tempo que o falante passou na escola, uma vez que exerce um papel de destaque no que diz respeito ao domínio da norma culta, prestigiada. A hipótese levantada por nós é a de que as variantes em questão tenham um comportamento diferenciado ao longo dos três níveis de escolaridade – Ensino fundamental, Ensino médio e Universitário – sendo o futuro simples mais utilizado por falantes com maior nível de escolaridade, o presente do indicativo por informantes com menos escolaridade e a perífrase com ir um comportamento mais neutro. No que diz respeito à expressão do futuro, as gramáticas normativas e os livros didáticos dificilmente fazem referência à alternância futuro simples – presente do indicativo. Além disso, o uso das perífrases verbais não é sequer citado ou comentado, ainda que sejam construções recorrentes na língua falada. As formas perifrásticas e o presente do indicativo, expressando futuro, embora não sejam propriamente estigmatizadas pelos normativistas, geralmente, são evitadas em contextos mais formais. Essas formas são aprendidas e difundidas entre os usuários da língua a partir da interação espontânea, e não por meio das gramáticas tradicionais. Segundo Votre (1994, p. 78), 175 as formas não analisadas pela tradição gramatical e que, apesar disso, são dominadas pelos usuários da língua com alta taxa de regularidade, são componentes de uma gramática interna, resultante de pressões e regularidades do uso, que só o uso compartilhado permite dominar. Ao analisar os resultados, pode-se perceber que os valores percentuais são muito próximos. Esse fato revela que o fenômeno em estudo não é estigmatizado pela comunidade de fala. Além disso, não pudemos comprovar nossa hipótese, mais especificamente na diferença de comportamento entre os informantes do ensino médio e universitário. Tabela 43: Influência do grupo de fatores ESCOLARIDADE na escolha das variantes no corpus PortVix Fatores Ensino fundamental Ensino médio Universitário Futuro simples Presente do Ir no presente + indicativo infinitivo 01/422 94/422 327/422 0.2% 22.3% 77.5% 02/357 56/357 299/357 0.6% 15.7% 83.8% 01/298 56/298 241/298 0.3% 18.8% 80.9% Em relação ao futuro simples, as quatro ocorrências foram com informantes de diferentes níveis de escolaridade, principalmente no ensino médio (dois dados). Para analisar o comportamento das variantes presente do indicativo e ir no presente + infinitivo, nos três níveis de escolaridade, observe a distribuição das ocorrências no gráfico abaixo: 176 Gráfico 09: Distribuição das variantes presente do indicativo e ir no presente + infinitivo nos três níveis de escolaridade. A primeira constatação é a semelhança de comportamento entre os três níveis de escolaridade na escolha das duas variantes. Em relação ao uso da forma perifrástica, percebese que é a forma predominante indiferentemente do tempo que o informante tenha passado na escola. Além disso, é levemente favorecida entre os ensinos fundamental e médio. Contudo, há um pequeno decréscimo entre os ensinos médio e universitário. Comportamento inverso ocorre com a variante presente do indicativo, tendo em vista que há uma diminuição de uso entre os ensino fundamental e médio e um pequeno aumento entre o ensino médio e universitário. Esses resultados parecem indicar que o fenômeno aqui investigado não sofre influência da variável social escolaridade, quer dizer, o tempo que o informante passa na escola não interfere na sua escolha entre as variantes disponíveis na língua. Embora as gramáticas tradicionais apontem a variante futuro simples como a norma e não apresentem a forma perifrástica como um possível uso. Além disso, o presente do indicativo algumas vezes descrito como um possível substituto do futuro simples. 177 Esses fatos sugerem que há uma implementação da forma inovadora, já que nem sequer o nível de escolaridade influencia sua ocorrência. 5.4.7 Sexo/gênero Labov (2001), no oitavo capítulo de Principles of linguistic change: social fators, afirma haver dois princípios básicos relacionados ao paradoxo da variável sexo: 1) Numa estratificação sociolinguística estável, os homens usam, com uma frequência maior, as formas ‘não-padrão’; 2) Na maioria dos fenômenos de mudança linguística são as mulheres que inovam, usando formas ‘não-padrão’. Assim, em processos de variação estável, as mulheres tendem a preferir as formas ‘padrão’ de maior prestígio, evitando as formas estigmatizadas. Por outro lado, em processos de mudança linguística, as mulheres apresentam comportamento inovador, introduzindo as variantes ‘não-padrão’. Entretanto, Labov (2001) comenta que é preciso também considerar a variável gênero/ sexo em interação com outras categorias sociais. Segundo Paiva (2004, p. 39), os possíveis fatores dessa influência devem-se em parte ao fato de que as mulheres passam mais tempo diante da televisão e da atitude dos homens em relação a esse meio de comunicação. “Os homens tendem a manifestar maior reserva com relação à mídia do que as mulheres”. Além disso, a escola é outro fator, já que as mulheres se mostram mais receptivas à atuação normativa dessa instituição, mais predisposta à incorporação de modelos linguísticos. Entretanto, Paiva (2004, p. 42) chama a atenção para a organização social de cada comunidade e as transformações sofridas por diversas sociedades no que se refere à definição dos papéis feminino e masculino. E acrescenta: “essas modificações (...) podem se refletir no 178 uso linguístico, seja alterando os padrões de correlação estatística, seja anulando o efeito da variável”. Faremos referência a um estudo de Oliveira e Paiva (1996, p. 366-367) em que as autoras, baseadas em dados do Rio de Janeiro, apresentam uma forte tendência das mulheres usarem as formas linguísticas padronizadas, tanto em casos de variação estável como nos casos de mudança, porém os resultados não permitem colocações conclusivas. Em nove dos doze trabalhos que focalizaram variações consideradas estáveis, correlacionadas com a variável sexo, as mulheres prestigiaram a forma padrão. Este comportamento é bastante regular independente de se tratar de fenômeno fonológico ou morfossintático e do local em que o fato é estudado. Dentre 14 fenômenos considerados de mudança, sete apresentam o padrão geral da variável sexo associado à variação estável: as formas linguísticas padrão estão mais associadas às mulheres do que os homens (...) Em todas as mudanças que consistem na implementação de uma forma linguística não-padrão, as mulheres se manifestam conservadoras, preferindo a forma mais antiga. Nestes casos, a liderança do processo é atribuída aos homens. Observa-se o contrário, ou seja, que as mulheres podem ser inovadoras, quando a mudança é no sentido de uma forma prestigiada. Com relação aos fenômenos de variação estável, a tendência geral da variável sexo, constatada na revisão bibliográfica, confirma-se nesta nossa análise do português do Rio de Janeiro: as mulheres tendem a usar mais frequentemente as variantes padrão do que os homens. O comportamento linguístico dos homens pode, em alguns casos, equipara-se ao das mulheres, mas não chega, nos casos estudados, a suplantá-las no uso da variante padrão. É preciso lembrar que entre as variáveis aqui pesquisadas não há nenhuma forma estigmatizada socialmente, embora o uso de futuro simples pareça ter um status mais prestigiado e as gramáticas admitirem o uso do presente do indicativo. Tabela 44: Influência do grupo de fatores SEXO/GÊNERO na escolha das variantes no corpus PortVix Fatores Homem Mulher Futuro simples Presente do Ir no presente + indicativo infinitivo 01/670 123/670 546/670 0.1% 18.4% 81.5% 03/407 83/407 321/407 0.7% 20.4% 78.9% 179 Os valores percentuais não se distinguem ao se comparar o comportamento de homens e mulheres na escolha das variantes na expressão de futuro, a maior diferença não chega a 3%, nas formas de ir no presente. Pode-se afirmar que não há diferença entre o comportamento de homens e mulheres na variação aqui estudada. Essa semelhança entre os dois grupos sociais justifica a não seleção pelo programa computacional. Dessa forma, pode-se considerar que o fenômeno em estudo não esteja mais relacionado à avaliação social, já que parece se encontrar em estágio quase de completude. 5.4.8 Conclusões parciais Após os resultados obtidos na análise do corpus PortVix, podemos apontar algumas tendências em relação ao uso das formas em estudo. A primeira delas se refere ao fato de o futuro simples praticamente não ser utilizado na modalidade oral, não chegando a sequer 1% dos dados. Além disso, não encontramos nenhuma ocorrência de ir no futuro + verbo no infinitivo. A partir dessas constatações, podemos afirmar que na comunidade de fala capixaba o futuro simples praticamente desapareceu, encaminhando-se para ser uma variante extinta nessa modalidade, principalmente quando verificamos que os informantes mais jovens não fizeram uso dela. Em relação à variação entre o presente do indicativo e a perífrase ir no presente + verbo no infinitivo, verificamos que a forma perifrástica é a variante privilegiada, independentemente, inclusive, dos fatores sociais, como faixa etária, nível de escolaridade e sexo/gênero, o que pode ser um indício de seu “espraiamento” por todos os segmentos da sociedade. Em relação aos grupos de fatores linguísticos, podemos caracterizar alguns contextos favorecedores para o uso da forma perifrástica, bem como contextos de restrição. 180 Quanto ao paralelismo, os ambientes que mais favoreceram a forma perifrástica foram ocorrência isolada e primeira de uma série, diferentemente do que havíamos imaginado – o uso da mesma forma precedente. Esse resultado indica que a forma que primeiro ocorre ao falante seja ir + verbo no infinitivo. Entretanto, as ocorrências precedidas de presente do indicativo inibem a perífrase. O verbo modal também inibe a forma inovadora, para evitar várias marcas de modalidade, já que a perífrase com ir carrega em si certa noção modal. Por outro lado, essa variante é favorecida em verbos não modais. A respeito da extensão lexical do verbo, constatamos que quanto maior o número de sílabas, maior a probabilidade de ocorrer a variante perifrástica, mostrando que o falante tende a distribuir o peso fonológico do verbo. A variante perifrástica também é favorecida em verbos de 1ª e 2ª conjugações, por outro lado inibida em verbos de 3ª conjugação. Os grupos de fatores sociais não foram selecionados pelo programa estatístico, por isso tivemos de nos limitar a apresentar os valores percentuais. Nos três grupos de fatores sociais – faixa etária, escolaridade e sexo/gênero -, as diferenças percentuais são mínimas, o que nos indica que a variação na expressão de futuro não esteja mais relacionada à avaliação social. Tendo em vista os fatos mencionados, podemos afirmar que o futuro simples está definitivamente perdendo seu espaço para a forma perifrástica - ir no presente + verbo no infinitivo. No entanto, essa característica não é exclusiva da comunidade de fala capixaba, já que outros trabalhos, aqui descritos na seção 2.2, apontaram comportamentos semelhantes. Para melhor visualizar essas semelhanças, observe o gráfico abaixo que compara os resultados obtidos nesta pesquisa com os de Oliveira (2006), analisando dados de fala de Salvador e Rio de Janeiro, recolhidos nas décadas de 1970 e 1990; Gibbon (2000) ao analisar 181 dados de fala de Florianópolis; Santos (2000) fala do Rio de Janeiro e Malvar e Poplack (2008) com dados da oralidade em Brasília. Gráfico 10: Comparação dos resultados de diversas pesquisas37. A partir desse gráfico, podemos concluir que a preferência da forma inovadora não é característica de uma comunidade de fala específica. Trata-se de um fenômeno da língua portuguesa falada no Brasil, pois seu uso é predominante em diversas regiões do Brasil aqui representadas – Sul, Sudeste e Nordeste. 37 Salvador DIDs 1970, Salvador DIDs 1990, Rio de Janeiro DIDs 1970 e Rio de Janeiro DIDs 1990 – Dados do corpus Nurc, analisados por Oliveira, cf. pág. 34 a 35; Florianópolis – Dados do corpus Varsul, analisados por Gibbon, cf. pág. 30 a 32; Rio de Janeiro – Dados da Amostra Gryner (1990), analisados por Santos, cf. pág. 32 a 33; Brasília – Dados do corpus de língua falada de residentes urbanos da classe trabalhadora de Brasília, analisados por Malvar e Poplack, cf. pág. 35 a 36; Vitória – Dados do corpus PortVix, analisados nesta tese. 182 Além disso, estamos caminhando para uma variação binária, já que o futuro simples parece estar desaparecendo, ficando somente o presente do indicativo para concorrer com a forma perifrástica com ir. 183 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS Esta tese focalizou a variação entre as formas de expressão de futuro, mais especificamente, entre o futuro simples, ir no futuro + verbo no infinitivo, presente do indicativo e ir no presente + verbo no infinitivo, analisando o uso dessas variantes na comunidade capixaba, tanto na modalidade escrita como falada. Neste estudo, confirmamos muitas das hipóteses levantadas, descartamos outras e muitos questionamentos foram suscitados acerca do tema. Constatamos que, de modo geral, a forma predominante é distinta em cada modalidade. Na escrita, houve um predomínio do futuro simples, nos três períodos analisados – década de 1930, década de 1970 e em 2008 –, sobretudo nos dois primeiros. Na fala, a variante privilegiada foi a forma inovadora – ir no presente + verbo no infinitivo. Observe a tabela abaixo que retoma os resultados explicitados ao longo da análise. Tabela 45: Síntese dos resultados dos corpora analisados. Variantes Futuro Ir no futuro Presente do Ir no presente Corpora simples + infinitivo indicativo + infinitivo Amarei Irei amar Amo Vou amar 178 02 08 14 88.1% 1% 4% 6.9% 324 03 27 42 81.8% 0.8% 6.8% 10.6% 368 16 158 136 54.3% 2.4% 23.3% 20.1% 04 - 206 867 0.4% - 19.1% 80.5% A Gazeta 1930 A Gazeta 1970 A Gazeta 2008 PortVix Total 202 396 678 1077 184 Conforme mencionamos anteriormente, o futuro simples é a forma mais recorrente na modalidade escrita. No entanto, no decorrer de 80 anos, seu uso diminui, principalmente entre a década de 1970 e 2008. Por outro lado, na fala atual, podemos considerar que o seu uso praticamente desapareceu, tendo em vista que o valor percentual não representa sequer 1% dos dados. Uma das constatações a que podemos chegar a partir da comparação dos resultados alcançados na análise da modalidade escrita, em diferentes períodos, e na modalidade oral é que a variante ir no futuro + infinitivo é extremamente rara. Talvez esteja restrita a situações de muita formalidade ou até hipercorreção. Seu uso em nenhum dos corpora atingiu valores consideráveis. Em relação ao presente do indicativo, seu uso aumenta no decorrer das décadas na modalidade escrita, principalmente em 2008, momento em que essa forma passa a ser a segunda variante mais utilizada, mas com valor percentual bem próximo ao da forma perifrástica. Na modalidade oral, também é a segunda forma escolhida pelo falante, representando a única em variação com a perífrase ir no presente. A partir da tabela 45, é possível perceber que a diminuição do uso de futuro simples ocorre ao mesmo tempo em que há o aumento do uso de ir no presente + infinitivo. Logo, os resultados encontrados apontam que a perífrase com ir está ocupando o espaço deixado pelo futuro simples e que essa substituição já ocorreu na comunidade de fala capixaba, mas não se efetivou na modalidade escrita. A distribuição equilibrada do uso nos vários grupos sociais (homens e mulheres, de todos os graus de escolaridade – cf. resultados do PortVix) atesta isso. As mudanças, na escrita, são mais paulatinas, principalmente em contextos mais formais, como nos gêneros do domínio jornalístico. Esse fato pode justificar a preferência do uso do presente do indicativo em detrimento da forma perifrástica, em 2008. O presente do 185 indicativo, nas gramáticas tradicionais, como as revisitadas neste trabalho em 2.1, aparece como um possível substituto para o futuro simples, enquanto a perífrase com ir não é sequer mencionada. Tivemos a seleção, por meio do programa Goldvarb, de um número considerável de grupos de fatores que, segundo nossa investigação, estariam relacionados à escolha das variantes. A análise da atuação do princípio do paralelismo em nossos dados demonstrou em parte o esperado, como na modalidade escrita; por outro lado, no PortVix, as ocorrências isoladas e primeiras de uma série foram os ambientes mais favorecedores ao uso das formas pesquisadas, e não as ocorrências precedidas da mesma forma. Quanto à extensão lexical, confirmamos nossa hipótese, já que a perífrase ir no presente + infinitivo é favorecida em verbos com maior número de sílabas, comprovando a tendência de se fazer a distribuição do peso fonológico na língua portuguesa. A presença de verbo modal mostrou ser um ambiente inibidor do futuro simples e da forma perifrástica, o que evidencia que há uma preocupação em evitar um excesso de marca de modalização, já que consideramos que essas duas variantes carregam em si esse traço. Pudemos comprovar a implementação da forma perifrástica para indicar futuro a partir da análise de dois grupos de fatores: marca de futuridade fora do verbo e projeção de futuridade. Atualmente, a variante ir no presente + infinitivo apresenta mais aspectos temporais, tendo em vista que seus ambientes favorecedores são aqueles em que não há marca de futuridade fora do verbo e em projeção de futuro indefinido, ou seja, quando não se sabe se esse futuro será próximo ou distante. Além disso, o tipo semântico do verbo mostrou influenciar na escolha das variantes, uma vez que a perífrase é desfavorecida em verbos relacionais e existenciais, ambiente em que o sujeito não exerce papel de agente ou experienciador. 186 É importante destacar que os resultados encontrados nesta pesquisa condizem com os encontrados em diversas pesquisas, como demonstrado no gráfico 10. Este trabalho se insere em um conjunto de pesquisas sobre as mudanças que vêm ocorrendo no sistema verbal do português. Em relação ao processo de gramaticalização de ir + verbo no infinitivo, pôde-se confirmar que essa perífrase está se especializando para expressar tempo, principalmente na fala. Assim, concluímos que o tempo futuro merece as pesquisas já realizadas, as em desenvolvimento (como este trabalho) e futuras investigações, para se tornar possível traçar o seu rumo. Muitos aspectos ainda precisam ser investigados, por exemplo, analisar outros gêneros textuais, na modalidade escrita, em outros domínios que não o jornalístico, para verificar se o futuro simples ainda se mantém como a variante predominante; ou ainda investigar as variantes de futuro combinadas com o gerúndio, que parecem estar em ascensão no português brasileiro atual. 187 7. REFERÊNCIAS BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. Rio de Janeiro: Lucerna, 2000. BONINI, Adair. A noção de sequência textual na análise pragmático-textual de Jean-Michel Adam. In: MEURER, J. L., BONINI, A. & MOTTA-ROTH, D. (orgs.). 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