Auditorias, sustentabilidade, ISO 14000 e produção limpa

Propaganda
Auditorias, sustentabilidade, ISO 14000 e produção limpa:
limites e mal-entendidos
Os países europeus foram pioneiros na adoção de medidas de proteção ambiental frente às atividades industriais.
A padronização dos procedimentos foi procurada com a institucionalização da EMAS (Eco-Management and
Audit Scheme) e da BS7750 (criada na Inglaterra), ambas adotadas pelo Canada, EUA e Japão. Além disso, vários
países estabeleceram sistemas de rotulagem ambiental e passaram a realizar estudos de ciclo de vida de produtos.
ambiental.
O maior passo, nas relações entre indústria e ambiente, está representado pela criação da Série ISO14000. Sua
origem está ligada a discussões na Rodada do Uruguai, no âmbito do GATT (Acordo Geral de Transporte e
Tarifas), patrocinado pela OIC (Organização Internacional do Comércio) e das resoluções da Rio Cúpula da
Terra, em 1992. A Série é composta de mais de 10 normas, das quais a ISO14001 foi a primeira a ser
consolidada, para criação do Sistema de Gestão Ambiental.
Independente das Normas, as empresas poderão aprimorar as características ambientais de seus bens e serviços
através da adoção dos princípios da responsabilidade continuada do produtor (responsabilidade objetiva), dos
acordos setoriais voluntários, dos sistemas de eco-management e, mais recentemente, do modelo de gestão
industrial, segundo os princípios da Produção Limpa.
Eco-gerenciamento
Em qualquer caso, a auditoria tornou-se o principal instrumento operacional sistêmico, analítico, de natureza
pericial, para avaliar o estágio de atendimento à legislação (conformidade) e gerar informações para tomada de
decisões em gestão e negócios da organização.
Tratando-se de assunto novo, era natural que surgissem divergências na interpretação de conceitos e
terminologias, na delimitação das áreas de atuação institucional e no aparecimento de preocupações (muitas
justificáveis) quanto a possíveis conflitos de interesse.
O objetivo maior das Normas e demais instrumentos é melhorar as condições ambientais e promover o
desenvolvimento sustentável, a fim de proteger e melhorar a geração atual e não comprometer as oportunidades
de escolha das gerações futuras. Para isso, será necessário que a sociedade modifique a cultura atual de consumo
e os setores de bens e serviços alterem os sistemas, modelos e padrões de produção. Entretanto, a reorientação
dos processos produtivos dependerá da aceitação de paradigmas novos e alteração dos que modelaram o
capitalismo atual, em seus diferentes subtipos e nuanças
Neste contexto, a comunidade produtora de ciência e tecnologia terá que refletir sobre seu papel e rever o
planejamento de atividades que gerem benefícios reais para os ecossistemas naturais (ecológicos) e humano
(econômico). Unidades acadêmicas e institutos de pesquisa e desenvolvimento, tradicionalmente orientados para o
setor produtivo terão que (i) levar em conta o interesse de clientes não-convencionais, como as organizações nãogovernamentais que representam diferentes segmentos sociais, especialmente os consumidores e (ii) avaliar as
reivindicações do ativismo ambientalista como indicadoras de demanda social.
Para utilizar as estratégias ambientais competitivas, as organizações poderão optar por um de três níveis de ecogerenciamento: (i) limitar-se à conformidade legal; (ii) adotar a postura pró-ativa, antecipando-se e ultrapassando
as regulamentações, ou (iii) orientar-se para a sustentabilidade.
O primeiro nível deveria ser obrigatório, mas é relaxado pela falta de fiscalização e punições. O segundo é
estimulado por legislação mais exigente e pressão de consumidores. Atuar nos limites da sustentabilidade é mais
difícil, pois dependerá da disponibilidade de tecnologias apropriadas, consenso social e novo sistema de valores
baseado em critérios de qualidade que sejam ambientalmente sustentáveis, socialmente aceitáveis e culturalmente
valorizados.
ISO 14000
O grande apelo à Série ISO 14000 é acompanhado de imprecisão quanto ao alcance das normas e nas incertezas
da efetividade ambiental após a implantação. Além disso, parece que o vocábulo auditoria passou a ser entendido
como se fosse de uso exclusivamente correlacionado às Normas Técnicas.
Auditoria, verificação ou atividade afim não são privativas de Normas Técnicas. Envolvem procedimentos para
diferentes tipos de atividades, para que a organização possa alcançar suas metas e objetivos ambientais perante
consumidores, clientes, empregados, investidores e seguradoras, organizações governamentais e nãogovernamentais e outros grupos de interesse específicos.
Há, também, confusão quanto aos limites entre ISO14000 de Produção Limpa, ambas baseadas em auditorias. O
problema é mundial e foi abordado em reunião de alto nível do Programa de Produção (Mais) Limpa, sob o
patrocínio da UNEP (United Nations Environmental Program. 1996. What are de relationships between cleaner
production and ISO14001. Industry and Environment, 19 nr. 3 July-Sept., p. 20).
Não há certeza de que os corpos nacionais de certificação irão utilizar critérios harmônicos de padrão
internacional, capazes de garantir processos, produtos e serviços ambientalmente adequados. A ISO14001requer
o compromisso da empresa certificada para a busca contínua do aperfeiçoamento, mas privilegia o modelo
curativo de end-of-pipe e a conformidade nos limites da lei ambiental vigente no país onde a organização está
produzindo.
Do ponto de vista ambiental, o sistema de gestão ambiental, resultante da ISO1400, poderá tornar-se mais um
sistema administrativo (burocrático) do que tecnologicamente efetivo. Espera-se que outras Normas da Série
contribuam para inovações e iniciativas pró-ativas e desenvolvimento sustentável, em particular a ISO14020/24
(Rotulagem ambiental) , IS014031 (Avaliação do Desempenho Ambiental) e ISO14040/43 (Avaliação do Ciclo de
Vida).
Produção Limpa
Tecnológica e gerencialmente, o sistema produtivo baseado em Produção Mais Limpa (proposta da UNEP) e
Produção Limpa (defendida por organizações ambientalistas e vários centros de P&D) superam a Série
ISO14000. Produção Limpa implica em evitar (prevenir) a geração de resíduos. Produção Limpa afeta direta e
objetivamente o processo, produto, embalagens, descarte, destinação, manejo de lixo industrial e restos de
produtos, comportamento de consumidores e política ambiental da empresa. As metas da Produção Limpa são
baseados em critérios harmônicos, padrões internacionais elevados e na visão global do mundo e do mercado.
É necessário reconhecer a dificuldade de conceber o sistema de produção absolutamente isento de riscos e
resíduos. Talvez tenha sido esta a maior justificativa da proposta Mais Limpa. Por isso, a distinção entre
Produção Limpa e Mais Limpa pode parecer apenas sutil. Entretanto, as diferenças traduzem a medida exata do
quanto se espera conseguir, na reorientação do modelo de produção de bens e serviços.
Produção Limpa e Mais Limpa defendem a prevenção de resíduos na fonte, a exploração sustentável de fontes de
matérias primas, a economia de água e energia e o uso de outros indicadores ambientais para a indústria.
Produção Limpa vai mais longe, estabelecendo os compromissos para precaução (não usar matérias primas, nem
gerar produtos com indícios ou suspeitas de geração de danos ambientais), visão holística do produto e processo
(avaliação do ciclo de vida) e controle democrático (direito de acesso público a informações sobre riscos
ambientais de processos e produtos). Adicionalmente, especifica critérios para tecnologia limpa, reciclagem,
marketing e comunicação ambiental. Limita o uso de aterros sanitários e condena a incineração indiscriminada
como estratégias de manejo de lixo e resíduos. (ver Boletim Fundação Vanzolini, Ano VI, nr. 32, nov-dez 1997).
Produção Limpa e Mais Limpa utilizam critérios e padrões internacionais, ao passo que as diretrizes para a série
ISO14000 poderão ser determinadas por quadros de certific ação locais, não necessariamente orientados para a
sustentabilidade. A certificação para a ISO14000 atenderá aos interesses dos acionistas, mas não,
necessariamente, dos demais agentes econômicos que defendem o desenvolvimento sustentável.
A ISO14000 não reduzirá, de per se, custos ambientais não contabilizados, como seguros, ações civis, perdas
materiais, saúde ocupacional ou mesmo perda de mercado. Estas são vantagens explícitas da Produção Limpa. As
Normas Ambientais são sistemas de gerenciamento interno na empresa, sem compromissos ou perspectivas
efetivas de reorientação do sistema de produção de bens e serviços. Estes são atributos inerentes da Produção
Limpa.
Consequentemente, auditoria é vocábulo de uso comum, porém, com significado, abrangência e resultados
diferentes, quando utilizada para atender Normas Técnicas ou para implantar a Produção Limpa.
João S. Furtado - e-mail [email protected]
Professor Visitante e Coordenador do Programa de Produção Limpa
Download