A libertação dos campos Próximos do marco histórico que rememorará o 64º aniversário da libertação dos campos de concentração nazistas pelas Forças Aliadas, a revisita ao tema, ao término desta jornada no curso “Panorama Histórico do Holocausto”, tem o sentido de reafirmar a mais veemente condenação às políticas de intolerância, que validem condutas de desumanização do outro, fundamentalmente as de Estado. Auschwitz-Birkenau, Boyermoor, Bergen-Belsen, Sachsenhausen, Dachau, Buchenwald, Mauthausen-Gusen, Treblinka, Sobibór, e tantos outros campos de morte, na Alemanha e territórios ocupados, quando libertados fundamentalmente pelo Exército Vermelho, revelaram ao mundo aquilo que o homem possuía de pior e o que muitos até ali negavam-se a acreditar, por conveniência ou pelo quão absurda parecia a idéia dos assassinatos em massa, das fornalhas às câmaras de gás. Belzec, Sobibór e Treblinka revelaram o envenenamento por monóxido de carbono. Majdanek e Auschwitz-Birkenau, o uso do pesticida à base de ácido cianídrico utilizado nas câmaras de gás, o gás Zyklon-B. Auschwitz desvelou ainda o uso que a ciência médica fazia de cobaias humanas vivas, prisioneiros submetidos às mais horrendas experiências de amputamento e tentativas de re-implantação de membros, na mesma vítima, ou em vítimas distintas. Os aliados obtiveram, por exemplo, registros fílmicos sobre experiências com vítimas submetidas à ambiente de vácuo, com a finalidade de se verificar o tempo que um ser humano suportaria sem ar, e o tempo de registro de sua morte cerebral. Foi também um dos campos que mais evidências continha sobre a utilização de seus prisioneiros como escravos, para trabalhos forçados. A maior parte dos campos estava localizada próximo a centros densamente povoados, parte consubstanciosa na Polônia, na região do “Governo Geral para as áreas polacas ocupadas” (Generalgouvernement für die besetzten polnischen Gebiete), designação nazista para a autoridade política da Polônia anexada, a partir de 1939. A libertação ainda revelou o uso dado aos campos do Leste europeu, em contraste com demais regiões. Ao contrário dos campos na Alemanha, fundamentalmente os da Polônia tinham a função primordial do extermínio. Isso não significa que em decorrência das péssimas condições ou pela ação direta dos algozes nazistas não tivessem ocorrido mortes em massa nos campos alemães; mas de que foram cientificamente planejadas, perpetradas em escala industrial e contando com um esforço organizado para dissimular ao mundo a barbárie praticada, tendo assim o Leste sido o palco do desastre humano. Belzec, Chelmno, Maly Trostenets, Sobibor e Treblinka II revelaram uma única funcionalidade: o extermínio sistemático e em escala industrial de seres humanos. Eram verdadeiras indústrias da morte. Câmaras de gás, dissimuladas por chuveiros; plantas industriais com detalhes sobre os métodos de extermínio; as chaminés das fornalhas; as cinzas ainda nos crematórios. Os primeiros a pisarem as botas nos campos, libertando aqueles que estavam vivos porque lhes coubera a missão de queimar o restante dos corpos, puseram as mãos nas mais significativas documentações sobre a Shoa. Indícios ainda que apontavam para a re-utilização de dentes de ouro para confecção de jóias; cabelos de mulheres para encher travesseiros, confeccionar tapetes e meias; e gordura humana como matéria-prima para combustível; todos obtidos de cadáveres dos prisioneiros. A verdade contida por detrás das cercas e muros revelavam quase uma década de catástrofes, cujo algoz do homem era o próprio homem. Os campos de morte revelaram a desumanidade não dos assassinos, mas sua incapacidade de ver o outro como humano. Revelaram o poder destrutivo da crença religiosa e científica (ou da ciência como religião), bem como da política como ideologia, nas convicções de superioridade. Revelaram a capacidade notadamente humana, não “desumana”, de o homem cometer o mal. Hipnose coletiva, loucura, desumanidade: nada disso, nem de longe, explicam aquilo que foi visto pelos primeiros a ali chegar, o exército russo. Foi o homem que praticou o pior é a sua condição que guarda tamanho poder destrutivo. Contudo, as cercas e muros que revelaram o que de pior o homem pôde, guardam em silenciosos sepulcros histórias de solidariedade, de altruísmo, de coragem, de atos heróicos e impensados, para salvar o homem de si mesmo. São os "Justos entre as Nações", homenageados, e aqueles que os livros de história podem nunca chegar a conhecer. Rememorar a libertação dos campos de concentração deve ser um ato carregado de significados. O que proponho é atentar para o que o homem foi e é capaz. Isso porque não estamos livres da ideologia nazista, dos extremismos políticos, das convicções de superioridade étnica e civilizacional. Dizer não ao nazismo no passado de nada vale se não impulsionar ao engajamento no presente, desafiando-nos a identificar a retórica da superioridade, dos extremismos e das condutas de intolerância fora e dentro de cada um de nós. As “marchas da morte”: última tentativa de extermínio total dos judeos e dos vestígios dos crimes nazistas Com o desmoronamento da Alemanha nazista, o colapso da frente oriental, os soviéticos ganhando terreno no lado oriental e os aliados no lado ocidental, os nazistas e seus colaboradores passaram a empreender a partir do verão de 1944 as denominadas “marchas da morte”: como os nazistas sabiam que haviam perdido a guerra, decidiram então evacuar os campos de concentração da Polônia e transladar seus prisioneiros até a Alemanha. A maior parte das evacuações eram feitas em caminhadas mortais, de longas distancias e extenuantes, denominadas de “marchas da morte”, outras foram efetuadas com trens de carga, como o de Auschwitz1, algumas misturavam ambas formas. Os prisioneiros demasiado enfermos foram deixados nos campos. Eram caminhadas que duravam semanas ou meses e nas quais milhares de pessoas morriam de fome, esgotamento, doenças e frio, além daquelas assassinadas pelos guardas. As “marchas da morte” foram motivadas por dois propósitos: continuar e efetivar o genocídio, buscando assassinar todos os judeos restantes, e evitar que houvesse testemunhas da barbárie. Um dos exemplos mais impressionantes de “marcha da morte” é das jovens mulheres judia s de Gruenberg, um campo satélite de Gross-Rosen: elas tiveram de caminhar cerca de 800 km ao longo de três meses, sob um gélido frio, até a cidade tcheca de Wallern (Volary), na região dos Sudeten, onde chegaram a 6 de maio de 1945. Muitas morreram no caminho, as que sobreviveram, tiveram que ser internadas em hospitais da Cruz Vermelha, onde outras mais faleceram. Ao todo, morreram ou foram assassinadas 250 mil pessoas nas “marchas da morte”, que vigoraram nos últimos dez meses da Segunda Guerra Mundial. Essas 250 mil pessoas foram assassinadas, como último recurso para o extermínio total dos judeos e dos vestígios dos crimes nazistas. Mas com o avanço das forças aliadas, e a paulatina libertação dos campos de concentração e de extermínio, os crimes nazistas deixavam suas provas mais estarrecedoras, e incontestáveis. Conseqüências da Segunda Guerra Mundial e campos de refugiados A Segunda Guerra Mundial chegou ao fim, com a Europa devastada. O filme do italiano Rosselini, Alemania Ano Zero, de 1947, em que um menino comete suicídio no final, retrata bem o estado de ruínas espirituais e materiais em que a Alemanha se encontrava depois da guerra. O saldo mais dramático é o das populações mortas: entre 50 milhões de mortes como resultado direto da guerra e do nazismo, das quais 9 milhões vítimas das prisões e campos de concentração nazistas, mas se contarmos também as vítimas que pereceram de fome e doença, como conseqüência imediata da guerra, foram 80 milhões de vítimas em 5 anos. E se refletirmos sobre a “qualidade” dessas mortes, de modos jamais vistos anteriormente na História, nos campos de concentração e de extermínio, nas fábricas de morte e sofrimento do nazismo, nos terríveis experimentos pseudo-científicos, na exploração limítrofe da exploração e sofrimento humanos, que vitimou judeos, opositores políticos, ciganos, eslavos, homossexuais, testemunhas de Jeová, deficientes físicos e mentais, e tantos outros, nos faz re-perguntar irremediavelmente o que o sobrevivente Primo Levi questionou, perplexo: “É isto um homem?”, citada na primeira aula deste curso sobre Holocausto. Como conseqüências da guerra, a Alemanha teve seu território diminuído e dividido em quatro zonas de ocupação: na parte oriental, a zona de ocupação soviética, e na parte ocidental, as zonas de ocupação norte-americana, britânica e francesa. No imediato pós-guerra, em conseqüência da política nazista, havia pelo menos 2/3 de pessoas que não estavam nos países de origem, portanto, eram refugiados: eram de dez milhões de refugiados, sobretudo trabalhadores forçados. Cerca de 14 milhões de alemães que haviam lutado no Exército Vermelho tiveram que fugir para as quatro zonas de ocupação, em que a Alemanha fora dividida. 1 A evacuação dos prisioneiros de Auschwitz foi efetuada a 18 de janeiro de 1945, quando 60 mil prisioneiros, em sua maioria judeos, foram levados para Wodzislaw e em seguida transportados em trens de carga para os campos de concentração a Oeste, como Buchenwald, Dachau, Gross,-Rosen e Mauthausen. Nesses transportes, pelo menos 15 mil pessoas morreram ou foram assassinadas. Na zona ocidental, os Aliados concentraram dezenas de milhares sobreviventes em campos de refugiados (Displaced Person Camps) localizados na Alemanha, Áustria e Itália, campos estes, cuja maioria havia anteriormente sido campos de concentração, um local traumática para as vítimas das atrocidades nazistas, mas o local possível, na época, onde havia ainda escassez de alimentos nos primeiros meses, e doenças. Um ano depois, outros dezenas de milhares de refugiados foram trazidos para esses campos, provenientes da zona de ocupação soviética, assistidos pela organização Brichah, de incentivo a emigração para a Palestina judaica. No final de 1946, havia cerca de 250 mil pessoas nesses campos de refugiados, em sua maioria, judeos, onde organizaram uma vida comunitária judia nas áreas de educação, cultura, religião e atividade política. O antisetimismo do pós-guerra Ademais do já sofrido e experienciado, um grave problema do imediato pósguerra sofrido pelas vítimas do Holocausto foi o retorno aos seus respectivos países, na esperança de reencontrar seus entes familiares, amigos e casas. 66% dos judeos da Europa fora assassinada, de modo que muitos sobreviventes não reencontraram seus familiares, porque eles haviam sido assassinados, ou não sabiam estes onde estavam. Em suas casas, confiscadas pelos nazistas e colaboradores, moravam famílias do respectivo país. Em outros casos, suas casas, suas cidades, haviam sido destruídas do mapa, como parte de história de famílias, de cidades, de uma cultura, e até de língua, como o da língua ídish2, que refletia parte do universo judeo-asquenazi, a pulsação viva de parte da mentalidade e modo de ser da época e a amplitude da cultura popular e literária. Na década de 30, a língua idish era falada em especial na Polônia: como dos 3.300.000 judeos que viviam na Polônia quando da sua invasão pela Alemanha nazista a 1 de setembro de 1939, foram assassinados quase 3.000.000 de judeos, ou seja, 90% da população judaica polonesa, a língua ídishe foi quase extinta. Na Polônia do imediato pós-guerra, no verão de 1945, estavam aí vivendo 80 mil judeus, aos quais um ano depois se somariam 175 mil que retornaram da Ásia Central soviética em decorrência do acordo de intercâmbio de populações assinado pela República Democrática Popular da Polônia e a União Soviética, em julho de 1945. Os judeus de toda a região da Europa oriental, Polônia, Lituânia, Rússia ocidental, Eslováquia, partes da Romênia e Hungria, viram-se em uma situação que incluía o trauma da perseguição e da guerra, do sentimento de desconfiança da população local que queria ver-se livre das poucas testemunhas oculares que poderiam divulgar a verdade, além de não temerem ser obrigados a restituir aos sobreviventes as casas expropriadas e os bens roubados. Na União Soviética, os sobreviventes judeos que saíram dos campos de concentração, dos bosques e esconderijos e que retornaram à URSS sob o Acordo de Repatriação, sofreram a hostilidade e mesmo ódio de alguns vizinhos. Nos primeiros meses depois do final da guerra, cerca de 1.000 judeos foram assassinados por grupos antisemitas. Já na Polônia, segundo cifras oficiais do governo polonês, entre setembro 2 A língua ídish, formada no século IX na região do rio Reno, é a língua falada pelos judeos asquenazim da Europa Central e Oriental, formada por elementos do alemão medieval, mesclando uns 15% de língua hebraica e 10% de línguas eslavas. Como se trata de uma língua quase exclusivamente falada, e não escrita, incorporava também, além disso, vocábulos em cada país em que os judeos habitavam, deixando por isso também poucos registros escritos. Alguns dos representantes do acerco literário – de narração, poesia e tramaturgia - da língua idish são: Shalom Aleichem, Issak Loeb Peretz, Mordechai Gebirtig, Moishe Leib Halpern,Issak Kazenelson, Itzik Manger e Issak Baschevis Singer, dentre outros. de 1944 e outubro de 1945 foram assassinados 351 judeus na Polônia. Muitos outros foram feridos, espancados e despojados de seus bens. Desordens anti-judias ocorrerampor exemplo, em Cracóvia, a 20 de agosto de 1945; em Sosnovich a 25 de outubro; em Lublin a 19 de novembro, dentre outros. O auge ocorreu em Kielce a 4 de julho de 1946, no pogrom de Kielce, na Polônia, que foi o violento ataque anti-judeu que terminou com o assassinato de 42 judeus. O pogrom de Kielce e a imigração judaica para a Palestina judaica Antes da guerra, viviam 15 mil judeos em Kielce, quando o Exército soviético libertou a cidade, só restavam dois judeos na cidade. Quem eram esses sobreviventes? Quem foram os 42 judeos assassinados? Qual o significado histórico desse pogrom do pós-guerra? Lembremos de que Kielce fora ocupada pelos tropas alemães poucos dias depois da eclosão da Segunda Guerra Mundial e os nazistas imediatamente passaram a perseguir a população da cidade. Em abril de 1941, estabeleceram o gheto, os homens jovens foram obrigados a exercer trabalhos forçados. O gheto começou a ser liquidado em agosto de 1942, os judeos doentes e anciãos foram assassinados; os demais, deportados para Treblinka, com exceção de 2 mil, levados a campos de trabalhos forçados. Em agosto de 1944, os sobreviventes foram levados deportados para Buchenwald ou Auschwitz. Nos 18 meses seguintes, os 150 judeos sobreviventes do Holocausto retornaram a Kielce, abrigando-se no edifício que fora a sede da comunidade antes da guerra. Apesar de tão pouco tempo do Holocausto, a população local temia que os judeos que retornaram exigissem a restituição de suas casas e propriedades e aumentou o ódio contra os poucos sobreviventes. Divulgou-se um panfleto, referindo-se a rumores do desaparecimento de uma criança cristã e recorrendo a difamações antijudaica, originárias de calunias da Idade Media, de que os judeos realizavam assassinatos rituais de cristão – no caso da criança desaparecida- para celebrar seus rituais sangrentos. Daí, a 4 de julho de 1946, uma multidão local atacou os judeos em suas casas, massacrou e assassinou 42 vítimas e feriu 50. O pogrom de Kielce exerceu uma influência traumática sobre os restos do judaísmo polonês, sendo as razões evidentes: no centro da Polônia, um ano depois da queda de Hitler, divulgou-se que os judeus se entregavam a assassinatos rituais de cristãos. Essa difamação foi sustentada pelos membros da milícia governamental, pelos servidores do clero e até pelo diretor socialista de uma fábrica e alguns de seus operários. Como conseqüência direta do pogrom de Kielce, de julho de 1946 e nos três meses seguintes, quase 100 mil judeus poloneses abandonaram a Polônia e os países vizinhos. Por causa da recepção hostil, muitos judeos passaram a emigrar para o Leste, estabelecendo-se entre as fronteiras da Alemanha e Polônia, criando instituições comunitárias como uma preparação para ir para Eretz Israel, então parte da Palestina: criaram hospitais para os sobreviventes doentes e frágeis, orfanatos, escolas e granjas. Depois também foram ao Sul, para a Itália, onde se encontraram os soldados da Brigada Judia. Tendências judaicas de Aliah – imigração judaica à Palestina judaica Com a libertação dos campos de concentração antes mesmo do fim da guerra, o mundo foi tomando conhecimento mais profundo da amplitude da catástrofe e do extermínio na Europa. As primeiras reações dos judeus ocorreram na Diáspora, na qual se manifestaram em fins de 1944 três correntes paralelas de pensamento no seio dos sobreviventes guerrilheiros das florestas e combatentes dos guetos e dos primeiros contingentes de judeus da Polônia que começaram a retornar de seu refúgio na União Soviética. Uma dessas correntes reclamava que os sobreviventes judeus do Leste europeu fossem retirados com a máxima rapidez e transferidos para a costa, de onde pudessem emigrar para Palestina judaica. A segunda clamava por vingança, mas esta não teve repercussão, não se desenvolveu. A terceira tendência judaica procurou chegar ao êxodo organizado – legal ou ilegal – dos judeus do Leste da Europa, mas deixando atrás de si parte da liderança da juventude judia combatente, com a finalidade de organizar os sobreviventes judeus e permanecer com eles enquanto não houvessem abandonado o solo da Europa Oriental. Diante dos dilemas do judaísmo pós-nazista e pós-guerra, Aba Kovner expressou no discurso que pronunciou ante a Brigada Judaica em 17 de julho de 1945: “Mas o que fazer quando em nossa alma enferma – ou talvez curada – levamos não somente o drama do passado, mas também o do futuro? Com todos nossos sentidos estamos percebendo o alento da próxima desgraça, cuja lâmina nos ameaça em todos os rincões da Europa, em todos os caminhos, em todos seus atalhos. Ela se forjou já nos acampamentos de Majdanek, Ponar, Treblinka, onde multidões compostas por milhões de filos de dezenas de nacionalidades aprenderam quão facilmente se faz este trabalho, quão facilmente, quão silenciosamente. E daí a conclusão: terra de Israel. Uma terra de Israel tal que, chegado o momento, pudesse salvar o que restasse desse povo. Uma terra de Israel à qual os sobreviventes do povo trariam a mensagem dos que os unia acima de todas suas divergências e divisões partidárias: o do perigo que cercava o povo e o do modo de enfrentá-lo.” Esses pensamentos – e outros similares – foram expressos no começo de 1945 e ao findarem as hostilidades, numa corrente de organização judaica que tentou superar os marcos dos partidos sionistas existentes, baseando-se no fenômeno do Holocausto. Foi assim que nos mês de abril do ano indicado nasceu a Organização Sionista Unificada nos acampamentos dos prisioneiros liberados da Alemanha depois da guerra, e o Regimento de Sobreviventes do Leste da Europa na Romênia, assim como a Liga Operária pró-Eretz Israel e o movimento Ichud na Polônia. Todos esses movimentos desapareceram ou se transformaram ao cabo de pouco tempo. Ficou claro que a realidade viva do movimento sionista – com suas agrupações partidárias baseadas em multidões de pessoas em condições de vida mais ou menos normais – era mais forte que a mensagem do Holocausto traduzido para a linguagem da organização política. Outras estruturam a na Polônia uma direção política sionista em cujo âmbito e influencia decisiva era a dos ex-combatentes. Seu objetivo era o de velar pelos interesses judeus na nova Polônia, assegurando um êxodo ordenado na região. Aqui vale ressaltar um ponto: os remanescentes do Holocausto buscaram a Palestina judaica representada por seus emissários na Europa, e não o inverso. Os primeiros enviados de Eretz Israel chegaram à Polônia somente em outubro de 1945, isto e, dez meses depois de estabelecida a organização da Fuga e iniciados os cruzamentos da fronteira na Romênia. Os sobreviventes do Holocausto no Leste europeu contavam com uma direção mais ou menos aceita. Na grande maioria, haviam sido formados nos movimentos juvenis antes do Holocausto. Seus dirigentes mais destacados expressavam muitas concepções fundamentais de forma coincidente. Entre essas concepções, a idéia de que o antijudaísmo não se extinguiu com a derrota alemã, que o Holocausto poderia ser reeditado e que o povo judeu deveria aprender a lição preparando-se uma próxima e inevitável catástrofe. Isso deveria ser realizado de duas formas: primeiro, tornando a Diáspora capaz de reagir e se defender e, segundo, preparando Israel para que se transformasse em refugio e fortaleza do povo judeu. Aqueles que tendiam realizar o êxodo massivo dos sobreviventes do Leste europeu organizaram a Brichah – a Fuga – procurando e conseguindo contato com os emissários de Israel, primeiro na Romênia e depois na Itália, onde em meados de 1945 a brigada de combatentes judeus, que integrava os efetivos britânicos, concentrou-se na localidade de Tanviso, enquanto nas cercanias acampavam as unidades de transporte e outras integradas por judeus no exército britânico. Muitos países do mundo continuaram fechando suas portas aos imigrantes judeos, mesmo depois de finalizada a guerra e sob o conhecimento público da magnitude do Holocausto e da barbárie perpetrada pelos nazistas. A Inglaterra, por exemplo, continuou com sua política de impedimento de acesso de judeos a Palestina, que estava sob Mandato Britânico, e os Estados Unidos só permitiam a entrada daqueles que tinham vínculos de familiares com cidadãos norte-americanos. Diante dos acontecimentos, os judeos criaram correntes judaicas de fuga. Uma organização ilegal que começou com os sobreviventes do Holocausto e continuou sob a orientação do Mossad Lealiah Bet (Instituição para a Imigração Ilegal para Israel), que inspirava o movimento com base em Israel e Paris, tratou-se da maior das migrações ilegais organizadas na Europa no decorrer do século. Tirou da Europa mais de 250 mil judeus, cuja maioria provinha da Polônia e em sua minoria, da Lituânia, Romênia, Hungria, Eslováquia e Iugoslávia. Esses judeus primeiro se dirigiam à Itália, para chegarem mais rapidamente a Israel. Depois, como Israel estivesse longe de receber um afluxo tão grande de refugiados, foram levados para a Alemanha e para a Áustria, isto é, aos países onde o nazismo se projetou abrasadoramente para a Europa. Os sobreviventes (she´erit há´plitah) que se recusaram a viver na Europa e lutaram para emigrar para a Palestina tiveram apoio do Joint (American Jewish Joint Distribution Committee) com alimentos, vestimentas, atividades educativas e a mesmo da organização de imigração ilegal a Palestina Judaica, a “Brichah” (“a subida”). A Brichah opunha-se à política britânica estabelecida no Livro Branco, segundo a qual se proibia a imigração judaica a Palestina. De 1945 a 1948, cerca, em navios em condições precárias e superlotados, cerca de 70 mil judeos conseguiram emigrar a Palestina judaica. Muitos deste que conseguiram emigrar formaram a vanguarda da Ha´apalah, o movimento de emigração clandestina a Palestina sob o mandato britânico, e desempenharam importante papel na luta pela formação e independência do Estado de Israel, implementado a 15 de maio de 1948, três anos depois da rendição incondicional da Alemanha nazista. A criação do Estado de Israel Quando a guerra terminou na Europa, em maio de 1945, dezenas de milhares de sobreviventes judeus foram libertados nos campos de concentração e de extermínio. Após longas e exaustivas viagens de volta a seus lares, a maioria deu-se conta de que poucos familiares haviam restado e que as populações nativas os encaravam como elementos estranhos, que haviam partido para não mais voltar. Suas casas estavam ocupadas por vizinhos, seus bens haviam sido roubados e seus negócios haviam sido tomados pelos concorrentes. Em mais de um caso houve massacres em que foram mortos, sem piedade, aqueles que haviam sobrevivido por anos à brutalidade nazista. A maioria destes refugiados dirigiu-se então em direção à Europa ocidental, para as áreas da Alemanha ocupadas pelos Estados Unidos, França e Inglaterra onde os antigos campos de concentração foram adaptados para recebê-los. Médicos cuidaram dos enfermos, rações eram disponibilizadas para alimentá-los e a Cruz Vermelha organizou um sistema de busca de parentes entre os sobreviventes. Com o passar do tempo a maioria começou a considerar as opções para o futuro e poucos vislumbravam sua estadia em uma Europa destruída que havia se tornado o túmulo anônimo de seus entes queridos. Aqueles que conheciam algum familiar que havia emigrado para os Estados Unidos engajaram-se na tentativa de conseguir patrocínio para emigrar. Mas a maioria, estimulada por enviados da Agência Judaica que circulavam pela Europa, chegaram à conclusão que seu destino mais lógico seria a Palestina, uma pátria judaica onde o Holocausto não poderia voltar a ocorrer. No final de 1946 seu número ultrapassava 250.000. A Inglaterra continuava a ser a potência mandatária na Palestina e, apesar de vitoriosa na guerra, sofria de uma exaustão econômica sem paralelo em sua história. Da mesma forma como desde 1939 a imigração judaica havia sido contida para apaziguar os países árabes e mantê-los afastados da Alemanha nazista, agora os interesses econômicos contribuíam para que o novo governo trabalhista mantivesse as restrições. O petróleo explorado no Iraque, no Kuwait e no Irã e os oleodutos que permitiam que este chegasse até a costa do Mediterrâneo eram extremamente importantes e vulneráveis para que critérios humanitários tivessem qualquer valor. Por outro lado, a União Soviética passava a despontar como rival estratégico na região, tornando ainda mais valiosos os relacionamentos com países como o Egito, o Sudão e o Iraque. Assim, a única esperança para uma solução no curto prazo estava centrada na possibilidade de o novo presidente norte-americano, Harry Truman, reconhecer a urgência do problema. Um enviado do presidente visitou os campos de refugiados em agosto de 1945 e este recomendou a evacuação imediata de no mínimo 100.000 deles, tendo como destino ideal a Palestina. A ríspida resposta inglesa, alegando a impossibilidade de opor-se aos árabes e o risco de alienar a população muçulmana da Índia levou a liderança sionista na Palestina a mudar de atitude. Em novembro de 1945 os comandantes da Haganá, a força de defesa judaica e dos dois grupos dissidentes que lutavam contra o domínio britânico decidiram unificar seus esforços, atacando sistematicamente as forças inglesas. Intensificaram-se os esforços para adquirir armas, produzir munições e contrabandear equipamentos obtidos nos depósitos de desmobilização na Europa e na Ásia. Ao longo do ano de 1946 atos de sabotagem foram cometidos contra instalações militares inglesas, bases de onde partiam lanchas e navios que interceptavam imigrantes ilegais em alto mar, aeroportos e estações de radar e as linhas férreas utilizadas para transportar soldados. Os ingleses, acostumados com a guerrilha árabe e a cooperação judaica, tiveram que adaptar-se à nova situação, aumentando sensivelmente o número de tropas estacionadas na Palestina, incluindo veteranos da campanha na Europa. A escalada do confronto culminou com a explosão, por parte da Haganá, de dez das onze pontes que ligavam a Palestina aos países vizinhos o que levou à prisão de inúmeros dirigentes judeus e a uma operação sem precedentes por parte dos ingleses que durante duas semanas buscaram armas e combatentes por todo o território. Na fase seguinte, a Haganá passou a concentrar-se na promoção da imigração ilegal, enquanto os dissidentes Lehi e Etzel, continuaram seus ataques às forças britânicas, explodindo em julho de 1946 uma ala do Hotel King David em Jerusalém, onde funcionava parte da administração britânica e a Divisão de Investigação Criminal, matando quase cem pessoas. Foi a gota d´água que levou à separação total entre a liderança sionista e os dois grupos. Para colocar em ação o projeto de imigração ilegal, uma enorme estrutura clandestina foi criada para levar os refugiados dos campos na Alemanha para portos na costa da França e da Itália, ambos países simpáticos aos refugiados e interessados em complicar a presença inglesa em seus territórios. Entre 1945 e 1948 dezenas de milhares foram embarcados, embora a maioria tenha sido interceptada pelas patrulhas inglesas e enviada para campos de internação em Chipre, onde mais de 26.000 estavam aprisionados quando da partilha da Palestina. Mas a mensagem da tragédia que continuava a acompanhar os sobreviventes do Holocausto, agora aprisionados pelos ingleses e impedidos de retomar suas vidas em local seguro, alcançou a opinião pública mundial e funcionaria como importante arma na luta que logo se travaria pelo fim do mandato inglês na região. A intransigência inglesa em relação à imigração eliminaria qualquer possibilidade de acomodação. Ela gerou as demandas maximalistas de independência, estimulou o terrorismo e a imigração ilegal, minou a economia do império e o apoio internacional. Os ingleses temiam a reação árabe ao relaxamento das quotas, mas foi a reação da Agencia Judaica e dos grupos terroristas que levaram os ingleses à rendição. Havia em 1947 100.000 soldados e policiais ingleses na Palestina, incapazes de manter o controle sobre o território. Como conseqüência, em fevereiro de 1947, os ingleses decidiram entregar à recém-criada Organização das Nações Unidas a questão da Palestina. Esta enviou uma missão especial à região já mergulhada em conflito, que recomendou a partilha da Palestina e a criação de dois estados independentes. Apesar de o contorno proposto para as fronteiras estar fadado ao fracasso, os líderes sionistas aceitaram o plano, acreditando que a independência permitiria consolidar seus futuros objetivos. Os árabes por sua vez, rejeitaram imediatamente a proposta. Os britânicos anunciaram para 15 de maio de 1948 sua saída da região, o que levou as forças dos dois lados a começarem a se posicionar para a futura guerra. Um acordo secreto foi firmado entre a liderança judaica e o rei Abdullah da Transjordânia, que garantia a este a ocupação da Cisjordânia desde que fosse respeitado o território destinado ao estado judeu. Assim que o último soldado inglês abandonou o território os exércitos dos países árabes vizinhos atacaram o recém-criado estado, mas não obtiveram o resultado desejado. As forças de defesa de Israel, mais motivadas, melhor organizadas e armadas através de um acordo secreto com a Tchecoslováquia (patrocinado pela União Soviética que via com interesse qualquer possibilidade de derrotar os britânicos na região) enfrentaram ao longo de mais de nove meses os exércitos inimigos e as forças irregulares palestinas, conseguindo ampliar significativamente o território sob seu domínio, tanto na Galiléia ao norte quanto no Negev ao sul. Centenas de milhares de árabes foram expulsos ou abandonaram suas casas gerando o problema dos refugiados palestinos que se mantém até os dias de hoje. Em suas casas foram instalados os refugiados judeus que chegaram da Europa e dos países árabes assim que se abriram as portas da imigração. Os Estados Unidos reconheceram imediatamente o novo estado, ainda que se mantivessem neutros quanto ao fornecimento de armas para as partes, mas inúmeros voluntários uniram-se aos esforços para fazer vingar o sonho sionista. A aproximação com a União Soviética durou pouco, assim como o sonho de absorver a enorme massa de judeus soviéticos, que somente se concretizaria na década de 1990.