Diálogo Teórico das Migrações Internacionais: Desafios Eminentes a uma Compreensão Holística Moara Ferreira Lacerda1 Resumo Busca analisar algumas das principais teorias sociológicas das migrações internacionais, divididos nessa produção em teorias microssociológicas e teorias macrossociológicas. Posteriormente, visa estabelecer uma análise dialética para identificar as principais limitações ainda existentes para o estudo migratório de forma holística e, ao final, apontar questionamentos direcionadores para futuras investigações. Palavras-chave: Teorias das Migrações Internacionais; Sociologia das Migrações; Microssociologia; Macrossociologia; Dialética. Abstract This article seeks to analyze some of the main sociological international migration theories, divided into two groups: micro-sociological theories and macro-sociological theories. Subsequently, this paper establishes a dialectical analysis to identify the main limitations to the study and holistic comprehension of migration. Ultimately, the production appoints investigation questions for future research. Keywords: International Migration Theories; Sociology of Migration; Microsociology; Macrosociology; Dialectic. 1 Mestranda em Sociologia Política pela UVV-ES. Bacharela em Relações Internacionais. Bolsista da FAPES. Áskesis | v. 3 | n. 1 | janeiro/junho - 2014| p. 159 - 169 | 159 Introdução Compreender o fenômeno das migrações internacionais dentro de toda sua complexidade não é um objetivo simples. Embora seja um fenômeno histórico, foi somente a partir do século XX que surgiram as primeiras teorias que visavam estudar a migração e a condição de ser estrangeiro. Desde então, muitas teorias foram desenvolvidas, cada qual apresentando um fragmento diferente que compõe esse complexo objeto de estudo. Algumas teorias visam à explicação das causas que levam um indivíduo ao ato migratório, outras às dificuldades de integração na sociedade de destino e outras às consequências dos fluxos migratórios tanto para a sociedade de origem, quanto para a sociedade de destino. Além disso, pode-se dividir as teorias em dois grupos: por um lado, temos as teorias que analisam a esfera do indivíduo migrante – as teorias microssociológicas das migrações internacionais – e, por outro, as teorias que enfocam a estrutura e as forças constrangedoras que provocam as migrações internacionais – as teorias macrossociológicas. Nessa produção, visa-se, no primeiro momento, analisar algumas das principais teorias, tanto da microssociologia quanto da macrossociologia, das migrações internacionais. Nesse momento, inclusive, busca-se encontrar as principais influências da sociologia clássica para a estruturação do pensamento dessas teorias, para compreender como, mesmo não tendo focado seus estudos nas migrações, os clássicos da sociologia possibilitaram quadros teóricos fundamentais para o seu entendimento. Já na segunda parte do desenvolvimento, busca-se apontar criticamente as consequências decorrentes da divisão macro-micro e as limitações ainda existentes nas teorias, para o estudo holístico das migrações internacionais. Por fim, levantam-se algumas considerações finais dessa análise teórica comparativa, com o intuito de instigar novas investigações e questionamentos construtivos para com o desenvolvimento da sociologia das migrações. 1. Teorias das migrações internacionais Richmond (1988 apud SASAKI; OLIVEIRA ASSIS, 2000) ao analisar os clássicos da sociologia, percebeu que para Marx, Durkheim e Weber as migrações eram vistas como consequências do processo de desenvolvimento do capitalismo, da industrialização e da urbanização das sociedades. Todavia, segundo esse autor, e como se pode perceber pela análise das obras dos clássicos da sociologia, o estudo migratório não ocupava papel de relevância no início do desenvolvimento dessa ciência social. Inclusive, somente Simmel, entre os clássicos da sociologia, irá desenvolver uma análise sobre a condição de ser estrangeiro. Será apenas a partir do século XX que se desenvolverá uma contribuição teórica específica para o entendimento das migrações internacionais, ou seja, uma sociologia das migrações internacionais. Até então, esse campo de investigação era predominantemente marcado pela sua versatilidade em ser estudado de forma multifocal ou multidisciplinar. Isto é, havia contribuições teóricas da vários campos de investigação buscando compreender as migrações internacionais de forma fragmentada – tanto a sociologia, quanto a antropologia, economia, psicologia social e a geografia estudavam, por diferentes ângulos, as migrações internacionais. Com o avanço das teorias sobre esse fenômeno dentro da sociologia, surgiu-se a terminologia “sociologia das migrações”. Não obstante, a multidisciplinariedade das migrações se mantém e é percebida por dentro das teorias sociológicas, as quais analisam as migrações Áskesis | v. 3 | n. 1 | janeiro/junho - 2014| p. 159 - 169 | 160 internacionais através de diferentes níveis de análise. Além disso, as teorias possuem elementos que adentram outras áreas do conhecimento, como a economia e a psicologia. Patarra (2006) divide as teorias sociológicas sobre as migrações internacionais partindo-se de dois modelos analíticos distintos: aqueles que descrevem o início das migrações contemporâneas e os modelos que se referem à continuidade ou persistência das migrações internacionais, no tempo e no espaço. Por outro lado, Sasaki e Oliveira Assis (2000), elaboram uma divisão teórica entre aqueles que buscam explicar o processo de (des)integração social e o processo de assimilação cultural dos migrantes (a Escola de Chicago), os críticos da Escola de Chicago, as teorias econômicas, as perspectivas das redes sociais e as teorias que enfatizam a migração como processo transnacional. Nesse trabalho, a divisão teórica partirá dos níveis de análise. Portanto, se agrupará algumas das principais teorias dentro da microssociologia por um lado, e, por outro lado, algumas teorias que se destacam dentro da macrossociologia. Essa divisão também foi feita anteriormente por Peixoto (2004). 1. As teorias microssociológicas As teorias microssociológicas das migrações internacionais possuem em comum o papel analítico conferido ao agente individual. Nas palavras de Peixoto (2004, p.13), “por muitas que sejam as condicionantes externas à sua decisão [...] é a racionalidade individual [...] que promove a decisão de mobilidade”. Consegue-se perceber dentro da microssociologia certas influências do pensamento weberiano. Embora Weber não tenha analisado especificamente as causas e consequências dos fluxos migratórios de sua época e seja mais tradicionalmente referenciado para outros estudos – como a sociologia das religiões, a burocracia estatal, a relação de poder e dominação e estudos sobre o Estado moderno – sua elaboração conceitual da “ação social” é prontamente aplicável ao fenômeno migratório. A sociologia para Weber teria a função de compreender o sentido da ação humana de forma geral, podendo-se enquadrar, portanto, as motivações migratórias. Para Weber, a ação social, embora esteja na esfera do indivíduo, nunca é um fenômeno isolado, isto é, está sempre em função do outro ou de outros. Uma ação social estabelece-se com base na reciprocidade e para a sociologia de Weber, “compreender uma ação é captar e interpretar sua conexão de sentido” (QUINTANEIRO; BARBOSA; OLIVEIRA, 2011, p.114) dentro da perspectiva de reciprocidade. Na ação social de Weber, destaca-se o indivíduo, mas não o indivíduo isolado; o indivíduo sempre inserido em um grupo ou em uma relação com outro indivíduo. Weber então trabalha com a perspectiva compreensiva hermenêutica, a qual considera que a realidade nunca pode ser compreendida em sua totalidade – somente se conhece fragmentações da realidade. Por isso, ele trabalha com a criação de conceitos ou “tipos ideais” com o intuito de criar recortes puros da realidade, estabelecendo parâmetros para analisar até que ponto o objeto que se pretende compreender se aproxima dessa realidade pura/ideal (ROSA; SONNI, 2012). Foi assim que o sociólogo estabeleceu a divisão de 4 tipos ideais da ação social. Vale ressaltar que para Weber a classificação das ações sociais em 4 tipos ideais na prática se torna nebulosa, sendo mais uma aplicação teórica e didática. Os 4 tipos ideais da ação social são: a ação racional com relação a fins (que possui um objetivo claro a atingir); a ação racional com relação a valores (que possui valores claros e que encontra o sentido da ação na própria conduta e não necessariamente nos resultados); Áskesis | v. 3 | n. 1 | janeiro/junho - 2014| p. 159 - 169 | 161 a ação afetiva (inspirada em emoções); e a ação tradicional (ação em função de hábitos e costumes). Esses tipos ideais da ação social são passíveis de identificação e aplicação dentro de duas das principais teorias microssociológicas das migrações internacionais, a saber: a Escola Neoclássica que enfatiza a teoria do push-pull e a teoria do capital humano. A teoria do push-pull da Escola Neoclássica considera o indivíduo como um agente racional que visa à migração como opção para melhorar de vida. A escolha por migrar considera racionalmente a relação de custo-benefício – se os benefícios e as possibilidades para melhorar o bem-estar e as condições materiais de vida for maiores que os custos de permanecer no país onde se encontra, então, se decide pela migração (FIGUEIREDO, 2005). A escolha é feita com base nas informações que se possui sobre o país de origem, o país de destino e o objetivo final de melhorar de vida. Para a teoria do capital humano, a escolha racional calculada em cima de informações que buscam a melhor decisão para melhorar de vida se mantém. A diferença entre essa teoria e a anterior se encontra na perspectiva de tempo: para a teoria do push-pull a escolha é feita em cima de cálculos racionais que consideram resultados imediatos ou em curto prazo; para a teoria do capital humano, a escolha por migrar leva em consideração os resultados de longo prazo. Esse descolamento de tempo permite, também, o deslocamento da unidade de análise, deslizando-se do indivíduo para a família (PEIXOTO, 2004). A aplicação continua sendo para a esfera micro, uma vez que a preocupação teórica maior é a identificação das influenciais que motivam o indivíduo ou a família a migrar. São muitas as variáveis que podem ser apontadas para definir se a ação social é racional com relação a valores ou fins, afetiva ou tradicional. Como sabiamente apontou Weber, na prática uma ação não necessariamente se enquadra em apenas um tipo. A categorização é fixa apenas na teoria, uma vez que ao analisar a realidade daquelas que migram, as motivações que formam a ação social fluem-se entre os diferentes tipos ideais. Por exemplo, um indivíduo, ao tomar a decisão de migrar ou não, considera a opção que irá lhe trazer melhores condições de vida e condições de salário. Logo, seria uma ação racional em relação a fins. Todavia, a decisão sofre influência de outras variáveis: não somente a economia do país de destino será avaliada, mas também aspectos culturais como religião, língua e costumes (os quais podem se enquadrar em uma ação racional com relação a valores); a distância entre país de origem e país de destino, as políticas migratórias do país de destino (outros aspectos de ação racional); se o sistema educacional do país pode proporcionar melhores oportunidades para os filhos de uma família que migra (mistura de ação afetiva e racional com relação a fins e valores) e até mesmo se existe a intenção de reunião familiar com aqueles que já migraram (ação afetiva e tradicional). Vale ressaltar que as mesmas variáveis podem possuir diferentes significados de acordo com o indivíduo ou membros familiares que se analisam. Isso ilustra certas limitações dessas teorias microssociológicas – com foco na ação social dos indivíduos – para o estabelecimento de padrões ou regras gerais utilizáveis para definir traços universais dos fluxos migratórios. Se essas teorias focam-se nas motivações migratórias, outra que busca analisar o processo de assimilação cultural do estrangeiro e não as causas que influenciam sua escolha migratória, na perspectiva microssocial, é a Escola de Chicago. Alguns autores clássicos dessa escola, cujos estudos são aplicados para analisar o processo de integração e assimilação do estrangeiro dentro de um contexto urbano são: William Thomas, Florian Znaniecki, William Foot-White, Robert Park, Dorothy Thomas, Zipf, Peter Rossi e Everett Lee. Entre estes, as obras que inauguraram os estudos da sociologia urbana da Escola de Chicago são “The City: SugÁskesis | v. 3 | n. 1 | janeiro/junho - 2014| p. 159 - 169 | 162 gestion for the Investigation of Human Behavior in the City Environment” de Robert Park (1915) e “Polish peasant in Europe and America” dos autores Thomas e Znaniecki (1918). Embora os estudos da Escola de Chicago tenham focado na sociedade americana e sido bastante referenciados para a sociologia urbana (PEIXOTO, 2004; SASAKI; OLIVEIRA ASSIS, 2000), as produções qualitativa e empírica dos autores procuraram mostrar o processo de interação social entre indivíduo (não necessariamente imigrante) e sociedade. De forma geral, os trabalhos da Escola de Chicago que se preocuparam com o estudo do comportamento humano em ambiente de socialização e urbano são pertinentes para a compreensão da assimilação cultural de um imigrante na sociedade de destino. De fato, “a contribuição da Escola de Chicago, [...] foi que ela se constituiu enquanto um referencial para os estudos migratórios, uma vez que transformou o tema da migração num problema sociológico” (SASAKI; OLIVEIRA ASSIS, 2000, p.16). Isso ao menos na sociologia a partir do século XX. Afinal, Simmel já havia realizada uma contribuição ao estudo da condição de ser “estrangeiro” em uma terra estranha à sua. Não é à toa que, se existe um nome referencial para os estudos da Escola de Chicago, é constantemente Georg Simmel que aparece (SANTOS, 2012). Afinal, a visão de Simmel de que a sociedade é um “acontecer” constante, um constructo, é fundamental para compreender as formas de interação entre indivíduo-sociedade e estrangeiro-sociedade. Para Simmel o objeto da sociologia deve ser as formas de interação, ou melhor, as formas de sociação: “as formas que tomam os grupos de homens, unidos para viver uns ao lado dos outros, ou uns para os outros, ou então uns com os outros – aí está o domínio da Sociologia” (SIMMEL, 1983, p.47). Portanto, a individualidade do homem é possível pela sua convivência na sociedade, uma vez que a sociação é “uma forma, realizada de diversas maneiras, na qual os indivíduos constituem uma unidade dentro da qual realizam seus interesses” (SIMMEL, 1983, p.60). Percebe-se uma maior liberdade e independência dado ao indivíduo social por Simmel do que com relação ao pensamento de Durkheim. Afinal, o pensamento funcionalista de Durkheim argumenta a existência de estruturas externas determinantes (fatos sociais) para o comportamento e a formação do indivíduo. Além do mais, se a sociedade em Simmel é um processo em construção no qual o conflito possa ser algo bom, para Durkheim a sociedade é um organismo dado onde os conflitos são vistos como anomias indesejáveis que ameaçam a ordem e o funcionamento desse organismo. É interessante notar que, embora em muitos aspectos os pensamentos de Durkheim e Simmel se afastam um do outro, e a referência direta de influência da Escola de Chicago seja Simmel, é possível notar em alguns pensamentos ou conceitos dessa escola, um raciocínio que se desliza: ora se aproximando de Simmel ora do funcionalismo durkheimiano. Toma-se o conceito de melting pot como exemplo de aproximação do pensamento de Simmel. Nos estudos sobre a assimilação cultural para teóricos da Escola de Chicago, esse termo se refere ao processo de assimilação dos imigrantes na sociedade de destino (nesse caso dos EUA) sem que eles abandonem os seus valores e sua cultura nacional (SASAKI, OLIVEIRA ASSIS, 2000). Ou seja, seria clara aproximação ao pensamento de Simmel que considera o ser estrangeiro como “uma forma específica de interação” (SIMMEL, 1983, p.183). O estrangeiro em Simmel está ao mesmo tempo próximo e distante da cultura da nova sociedade na qual se encontra e, desta forma, apresenta um tipo específico de participação naquela sociedade. Seria uma participação objetiva e positiva, de aproximação e distanciamento, no qual o estrangeiro consegue assimilar uma nova cultura sem perder os laços com sua cultura e seus valores originais. No entanto, o que se percebeu com os imigrantes na sociedade norte-americana foi justo a falta de assimilação cultural que acabara por fazê-los formarem grupos étnicos isolados. Áskesis | v. 3 | n. 1 | janeiro/junho - 2014| p. 159 - 169 | 163 Essa realidade fez muitos pensadores se afastarem do conceito de melting pot e criarem uma perspectiva negativa do estrangeiro, como foi o caso de Parks e sua referência do estrangeiro enquanto “marginal man” (SANTOS, 2012). O “marginal man” de Parks se aproxima muito mais do pensamento de Durkheim do que de Simmel (embora ele seja autor da Escola de Chicago), uma vez que o estrangeiro seria aquele indivíduo que está à margem da sociedade – aquele que não conseguiu se assimilar e, portanto, é isolado ou excluído de uma sociedade que se pretende coesa. Afinal, partindo-se do pensamento funcionalista de Durkheim, quando o imigrante é inserido em uma nova sociedade, ele se depara com fatos sociais que lhes são estranhos, resultando, portanto, nas dificuldades de integração social. O fato social, por sua vez, pode ser definido como “maneiras de agir, de pensar e de sentir que apresentam a propriedade marcante de existir fora das consciências individuais” (DURKHEIM, 1999, p.47). Além disso, o fato social é dotado de um poder de coerção uma vez que é imposta ao indivíduo; o fato social está no âmbito da sociedade, a qual existe por si mesma. Não só por parte do imigrante, a integração também é dificultosa pela sociedade de destino, cuja consciência coletiva e função social se veem na necessidade de absorver um indivíduo cuja consciência individual tenha sido marcada por fatos sociais distintos da sua. A necessidade de integração se torna evidente a partir do momento em que se considera que a falta de integração pode ocasionar em anomia que ameaça a coesão social da sociedade de destino – principalmente se o fluxo migratório seja em massa. Dessa forma, tendo em vista o conceito de “marginal man” elaborado por Parks, não haveria uma possibilidade de “melting pot” – ou o estrangeiro se integra por completo na consciência coletiva da sociedade de destino, ou ele é isolado dessa sociedade, já que suas diferenças culturais são vistas como ameaças à ordem e coesão da sociedade. O pensamento funcionalista de Durkheim acaba por demonstrar a existência de forças estruturantes ao comportamento individual e, portanto, é exemplo de teorias que se enquadrariam também na perspectiva da macrossociologia. O que se percebe, claramente pelo pensamento, alias, pelos vários pensamentos da Escola de Chicago é que eles se aproximam ora de Simmel ora de Durkheim. Logo, a separação entre a micro e a macrosociologia muitas vezes se depara com áreas cinzas. Portanto, a divisão teórica entre micro e macro acaba por ser muito mais uma utilidade didática do que uma condição necessária para a compreensão das teorias da sociologia das migrações. 1.1. As teorias macro-sociológicas As teorias macrossociais das migrações internacionais são enraizadas na sociologia econômica com forte influência do pensamento marxista. As teorias de forma geral compartilham do pressuposto da existência de uma estrutura econômica que influencia diretamente em uma superestrutura política, social e cultural, onde se encontram, inclusive, as relações dos fluxos migratórios internacionais. Portanto, na visão dessas teorias, existe uma estrutura de constrangimentos externos criados pelo ambiente socioeconômico que influencia nas ações dos indivíduos. O mais importante para essas teorias macrossociológicas das migrações internacionais não é centralizar a ação racional individual do migrante e, logo, buscar analisar motivações individuais e isoladas que o levaram a migrar. Pelo contrário, é de fundamental importância compreender a estrutura no qual o indivíduo se insere e os constrangimentos que criaram a opção do ato migratório. Áskesis | v. 3 | n. 1 | janeiro/junho - 2014| p. 159 - 169 | 164 Não obstante, vale ressaltar que para essa corrente de pensamento, os indivíduos não são atores passivos que apenas recebem os constrangimentos externos para depois agir isoladamente. Haveria uma relação interativa entre estrutura e agente, como explica Figueiredo: “tal como o contexto social influencia o indivíduo, também este último interage (ou procura interagir) com o ambiente que o rodeia (2005, p.32)”. Ou seja, existe uma relação dialética entre agente e estrutura que gera o fenômeno migratório, embora uma atenção maior seja dada à estrutura por essas teorias. Entre elas duas que se destacam e que analisaremos a seguir são: a teoria do mercado dual e as teorias estruturais do capitalismo. Para a primeira, o mercado é dividido em dois segmentos decorrentes da relação capital-trabalho. De um lado, tem-se o mercado primário, no qual se concentra o capital, os detentores dos meios de produção e do trabalho qualificado; por outro, existe o mercado secundário, composto por trabalhadores detentores de mão-de-obra não qualificada, distantes da acumulação de capital e, logo, vendedores de força de trabalho. Essa relação é inerente ao modo de produção capitalista e está cada vez mais cristalizada nas economias de capitalismo. Como mesmo afirmou Marx: o processo que cria a relação-capital não pode ser outra coisa que o processo de separação de trabalhador da propriedade das condições de seu trabalho, um processo que transforma, por um lado, os meios sociais de subsistência e de produção em capital, por outro, os produtores diretos em trabalhadores assalariados (1983, p.262). Esses segmentos teriam poucos canais de comunicação, sendo as condições de mobilidade entre o mercado secundário para o primário bastante escassas (FIGUEIREDO, 2005). A dinâmica migratória funciona em cima da lógica pela busca de oportunidades de emprego, as quais sobram nos países de capitalismo avançado, na esfera do mercado secundário. Ocorre que no país desenvolvido, criou-se um status específico ao entorno dos empregos ofertados no mercado secundário. Sendo esse segmento desenvolvido por meio de força de trabalho barata e não qualificada, os empregos não seriam desejados ou aceitos pela população local. Por conseguinte, haveria uma demanda por trabalhadores imigrantes cujas qualificações se encaixam naquelas exigidas pelo segmento secundário do mercado dual. Nota-se, então, que a teoria do mercado dual argumenta que não haveria concorrência entre trabalhadores imigrantes e a população local da sociedade de destino desses imigrantes. Ou seja, o desemprego nos países já inseridos no sistema de mercado dual não seria decorrente da presença de imigrantes na economia doméstica, uma vez que a população local visa emprego no mercado primário ou, então, nas esferas do mercado secundário as quais ainda não possuem status degredado. Além disso, ao contrário da teoria neoclássica, a teoria do mercado dual não aceita a explicação de diferenças salariais entre os países como fator indutor da migração (MASSEY et al. 1993). O argumento dessa teoria centra-se no fator emprego e não no fator salário, uma vez que, com a esperança de um dia chegar ao segmento primário de um país desenvolvido, os imigrantes muitas vezes se submetem a condições precárias de trabalho no mercado secundário desse país, inclusive recebendo menos do que teriam direito. A urgência por uma legislação que garanta direitos dos trabalhadores migrantes e que proteja, inclusive, os indocumentados se decorre dessa condição. Se a teoria do mercado dual enfatiza a relação capital-trabalho e as divisões socioeconômicas decorrentes dessa relação para explicar as migrações internacionais, as teorias estruÁskesis | v. 3 | n. 1 | janeiro/junho - 2014| p. 159 - 169 | 165 turais do capitalismo tomam esse mesmo pressuposto como base, porém enfatizam a variável “exército de reserva”, do pensamento de Marx. Keely (2000 apud FIGUEIREDO, 2005) explica que as teorias estruturais do capitalismo dividem o mundo entre os países desenvolvidos de capitalismo avançado e os países pobres, em desenvolvimento, que são economicamente e ideologicamente dependentes dos primeiros. A relação de dependência estabelecera-se desde o período colonial, mantendo-se e fortalecendo-se com o avanço do capitalismo mundial. Além de laços históricos de dependência econômica entre ex-colônia e ex-império, os laços também se estabelecem com a aproximação dos países desenvolvidos aos Estados que tenham culturas próximas às suas. Com a intenção de manter e perpetuar o distanciamento entre os países de capitalismo avançado e os países em desenvolvimento, os países desenvolvidos estabelecem a procura por mão-de-obra barata e não-qualificada respaldada pelos migrantes. Essa procura visa atender ao “exército de reserva” que se encontra no país periférico. O exército de reserva é fator inerente ao capitalismo, pois quanto maior o acúmulo do capital no sistema, quanto maior a riqueza, menor será a necessidade de emprego da força de trabalho. Como bem explica Marx: Com o avanço da acumulação modifica-se [...] a proporção entre a parte constante e a parte variável do capital, originalmente de 1:1, para 2:1, 3:1, 4:1, 5:1, 7:1 etc., de modo que, ao crescer o capital, ao invés de de seu valor global, progressivamente apenas 1/3, , 1/5, 1/6, 1/8 etc. se convertem em força de trabalho, ao passo que 2/3, , 4/5, 5/6, 7/8 etc., em meios de produção. Como a demanda de trabalho não é determinada pelo volume do capital global, mas por seu componente variável, ela cai progressivamente com o crescimento do capital global, ao invés de, como antes se pressupôs, crescer de modo proporcio- nal com ele. [...] a acumulação capitalista produz constantemente – e isso em proporção à sua energia e às suas dimensões – uma popula- ção trabalhadora adicional relativamente supérflua ou subsidiária, ao menos no concernente às necessidades de aproveitamento por parte do capital” (1983, p.199). Dessa forma, o migrante que busca o mercado de trabalho no país desenvolvido – uma vez que pertence ao exército de reserva no seu país de origem – não altera a condição de periferia de seu país de origem, mas mantém o funcionamento da lógica capital-trabalho do sistema capitalista. Logo, o distanciamento entre país desenvolvido e subdesenvolvido não estaria ameaçado. As teorias estruturais do capitalismo, portanto, focam-se no lado da procura de mão-de-obra e não no lado da oferta, argumentando-se que os fluxos migratórios seguem a lógica dessa procura muito mais do que da oferta (NIKOLINAKOS, 1975 apud FIGUEIREDO, 2005). Enfim, por meio dessas teorias, consegue-se perceber como as teorias macrossociológicas e microssociológicas compreendem, ou buscam analisar, o fenômeno das migrações internacionais de forma geral. Não obstante, muitas lacunas ainda estão abertas para que se alcance um entendimento holístico com relação à realidade daqueles que migram. Áskesis | v. 3 | n. 1 | janeiro/junho - 2014| p. 159 - 169 | 166 2. Desafios a uma compreensão holística do fenômeno migratório São muitas as análises que podem ser feitas através dos estudos das teorias inseridas na sociologia das migrações. Embora só agrupamos algumas teorias aqui analisadas, de forma geral, consegue-se perceber o fato de cada teoria buscar compreender fragmentos específicos a determinado nível de análise. Portanto, nenhuma teoria consegue apreender de forma holística toda a complexidade inerente ao fenômeno migratório. Nas teorias que focam o nível do indivíduo ou da família (as teorias micro), o estudo se desenvolve em torno das motivações migratórias e no processo de assimilação cultural. Já nas macroteorias a preocupação é com o nível estrutural e as forças que advêm dessa estrutura, provocando a migração. Por conseguinte, deparamo-nos com uma polaridade: se por um lado, as micro teorias restringem-se uma vez que elaboram contribuições muito específicas à realidade de cada migrante individualmente, por outro, as macroteorias correm o risco de serem muito amplas/gerais e, logo, se afastam de problemáticas cotidianas na relação estrangeiro-sociedade de destino. Nesse espaço que se forma entre as teorias, muitos elementos decorrentes do fenômeno migratório, em sua totalidade, não entram no campo de análise. Em outras palavras, cria-se um vazio teórico para o estudo de vários aspectos da migração e da condição de ser um estrangeiro. A Figura 1 logo abaixo representa essas lacunas existentes entre as teorias das migrações internacionais. Nessa figura, o círculo menor situado no centro é uma representação das especificidades pertencentes às microteorias, já a circunferência maior e preenchida ao entorno, seria representação das análises macro. Espaço não contemplado macro teorias micro teorias Figura 1. A relação entre as micro-teorias e as macro-teorias das migrações internacionais. É importante frisar que as lacunas teóricas não decorrem apenas devido à falta de incorporação de determinados elementos inerentes à imigração pelas teorias. Esses espaços vazios existem, inclusive, pela ausência de uma abordagem dialética capaz de entrelaçar as visões específicas de cada quadro teórico para a formação de uma visão holística do fenômeno estudado como um todo. É necessário uma abordagem dialética e interativa entre agente e estrutura para compreender o processo migratório desde a saída do migrante do país de origem até sua chegada à sociedade de destino; desde as causas individuais e estruturais do ato migratório, até suas consequências para todos os atores envolvidos. Embora realçamos, anteriormente, que as teorias estruturais do capitalismo procuram estabelecer uma análise interativa entre agente e estrutura, essa consideração é ainda embrionária, pois apenas se mantém na consideração das causas migratórias e não no processo por inteiro. Áskesis | v. 3 | n. 1 | janeiro/junho - 2014| p. 159 - 169 | 167 A falta de uma visão holística e dialética persiste até mesmo nas chamadas novas teorias das migrações internacionais, que surgem a partir dos anos 1990, a saber: a teoria das redes sociais e a perspectiva do transnacionalismo. A primeira teoria analisa a formação de redes sociais entre imigrantes e argumenta que essas redes podem diminuir os riscos da migração, o que incentiva a própria mobilização entre as fronteiras (Massey et al, 1993). Segundo Massey et al (1993) essas redes seriam uma fonte de capital social e, por conseguinte, facilitariam a integração dos migrantes na sociedade de destino. Já para a perspectiva do transnacionalismo de Glick-Schiller, Basch e Szanton-Blanck (1995), é necessário compreender as novas migrações enquanto transmigrações, uma vez que o migrante não rompe suas relações culturais, sociais, econômicas ou familiares com seu país de origem e acaba interligando essas relações com a nova sociedade receptora – como o próprio Simmel já havia defendido. A ausência de um quadro teórico capaz de analisar certos aspectos do fenômeno migratório continua evidente. Por exemplo, ainda não se estabeleceu uma teoria, ou parâmetros analíticos que determinem de forma consensual o que é “integração” e os mecanismos necessários para poder “medir” níveis de integração. Essa determinação é fundamental para o estabelecimento de políticas públicas que visam justamente à integração do migrante na sociedade de destino. Seria também bastante útil para determinar os grupos migratórios mais vulneráveis e que, logo, precisariam de uma assistência maior para garantir seus direitos e segurança. Além disso, as teorias não buscaram analisar as diferenças que decorrem da categorização dos migrantes (migrante forçada, como o refugiado, e migrante voluntário) para o processo de deslocamento e o processo de integração. Muitos questionamentos que merecem investigação derivam dessas categorizações, a saber: será que existe uma maior dificuldade de integração para um refugiado do que para um migrante econômico na sociedade receptora? Haveria uma resistência maior pela sociedade receptora para com esse último em relação ao primeiro, ou vice-versa? A rede de proteção e assistência para um refugiado ou para um migrante na sociedade de destino seria a mesma? Caso não, por quê? São perguntas que devem ser levados em consideração para a compreensão das migrações internacionais na atualidade. Considerações finais São várias as teorias das migrações internacionais, cada qual podendo ser dividida em uma teoria macro ou teoria micro da sociologia das migrações. Embora essas teorias surgiram apenas a partir do século XX, percebe-se que, dentro da especificidade de cada um, elas possuem base nos pressupostos sociais e/ou nas metodologias estabelecidas pelos clássicos da sociologia. Inclusive, a base teórica nos clássicos não influencia apenas as pressuposições analíticas, mas também o enquadramento da teoria na perspectiva micro ou macro. Apesar de cada teoria apresentar uma contribuição importante para o estudo migratório, a fragmentação analítica que elas apresentam é limitação para a compreensão holística de um tema complexo, como é o caso das migrações internacionais. A falta de interação dialética entre as teorias limita o campo analítico que deveria se expandir para o processo migratório como um todo. Deixa, inclusive, vários lados desse processo à margem das análises teóricas. Logo, torna-se necessário um diálogo teórico para Áskesis | v. 3 | n. 1 | janeiro/junho - 2014| p. 159 - 169 | 168 preencher as lacunas analíticas existentes e a perspectiva dialética de interatividade entre agente e estrutura para a elaboração de novas teorias das migrações internacionais. Referências DURKHEIM, Émile. Émile Durkheim: sociologia. 9.ed. São Paulo: Ática, 1999 (Coleção grandes cientistas sociais). FIGUEIREDO, Joana Miranda. Fluxos migratórios e cooperação para o desenvolvimento: realidades compatíveis no contexto europeu? Lisboa: ACIME, 2005. GLICK-SCHILLER, Nina; BASCH, Linda; SZANTON-BLANCK, Cristina. From immigrant to transmigrant: theorizing transnational migration. Anthropological Quarterly. v. 68, n. 1, p.4863, jan. 1995. MARX, Karl. O capital: crítica da economia política – livro primeiro: o processo de produção do capital: tomo 2. São Paulo: Victor Civita, 1983. MASSEY et al. 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