ANÁLISE PALEOAMBIENTAL EM ESTUDOS QUANTITATIVOS DE NANOFÓSSEIS CALCÁRIOS: APLICAÇÃO DO DIAGRAMA TRIANGULAR DE COORDENADAS PARA O SUDOESTE DO OCEANO ATLÂNTICO Felipe A. L. Toledo1; Juliana P. de Quadros2; Edmundo Camillo Jr2 & Karen B. Costa1 1 Depto.Oceanografia Física, Química e Geológica, Instituto Oceanográfico-IOUSP ([email protected]); 2 Curso de Pós-Graduação, Instituto Oceanográfico-IOUSP Abstract. We present Holocene and Last Glacial Maximum (LGM) paleoenvironmental interpretations by using the triangular co-ordinate diagram for calcareous nannofossils in three western South Atlantic piston cores. The stratigraphy of the cores is mainly based on radiocarbon AMS dating of monoespecific planktonic foraminiferal samples. The diagram illustrates the provincialism in nannofossil flora related to dominant species abundance. The triangular co-ordinate diagram is used to estimate environmental characters by plotting nannofossils’ quantitative data. It can be useful for paleoceanographic and paleoproductivity studies. The resulting data indicate small depth variation; which was expected for open sea cores. There were greatest differences between LGM and Holocene in NAN-01 and ESP-08 cores. The first showed low productivity variation and significant environmental changes. In the second, the opposite was observed: high productivity variation between LGM and Holocene, but prominent environmental changes were not observed. The SAN-76 shows no variation during this period. It showed the lowest productivity and indicated a subtropical environmental, whereas the other cores seems to be located in tropical / temperate environmental during the LGM. Palavras-chave: Nanofósseis calcários; Análise paleoambiental; Atlântico Sul 1. Introdução O estudo quantitativo de nanofósseis calcários é um método útil como indicador de paleoprodutividade e em levantamentos paleoceanográficos. Através da análise dos dados quantitativos é possível reconhecer assembléias nanofossilíferas caracterizadas pela abundância relativa entre as espécies dominantes. As variações observadas na composição da nanoflora ao longo do tempo indicam uma resposta biótica às mudanças ambientais (Matsuaoka & Okada, 1989). A distribuição da nanoflora calcária nos oceanos é regida pelas variações de temperatura sendo muito influenciada pelas características das águas superficiais e pelas mudanças climáticas (Mostajo, 1986). Estudos ecológicos e biogeográficos reconhecem associações típicas em todos os oceanos e estas, geralmente, podem ser classificadas latitudinalmente por zonas climáticas (McIntyre & Bé, 1967; Okada & Honjo, 1973). Em termos percentuais, algumas espécies de nanofósseis demonstram nitidamente preferências ambientais (Okada, 1983). A identificação de associações fossilíferas reflete o efeito de diferentes tipos de ambientes marinhos e pode ser obtida pelos métodos tradicionais de contagem. De maneira geral a abundância relativa da espécie Florisphaera profunda apresenta correlação positiva com a profundidade em ambientes marinhos abertos (a partir da plataforma continental externa) sendo uma importante ferramenta para monitorar as variações da termoclina e da nutriclina. A espécie Gephyrocapsa oceanica predomina em associações de plataforma continental e mares semiconfinados (McIntyre e Bé, 1967; Okada e Honjo, 1973). Baseado nestas observações, Okada (1983) propôs um método analítico utilizando um diagrama triangular de 1 do diagrama triangular de coordenadas adaptado para margem continental brasileira. 2. Métodos e Técnicas Para a análise quantitativa dos nanofósseis calcários, foram preparadas 177 lâminas, selecionadas em amostras de três testemunhos (SAN-76, ESP-08 e NAN-01) provenientes da margem continental brasileira em profundidades que variam entre 1268 e 1.995 metros (Fig. 2). outras espécies 50% Gephyrocapsa oceanica Profundidade {2} Mares Neríticos 50% {1} Mares Marginais {3} Mares Profundos 50% Florisphaera profunda - + produtividade 1A subtropical tropical temperado outras espécies E. huxleyi; G. oceanica Gephyrocapsas pequenas 50% {2} Mares Neríticos Profundidade coordenadas, que ilustra o provincialismo das associações. Como a nanoflora calcária quaternária é dominada por poucas espécies, o controle ambiental pode ser evidenciado mais claramente por este método. Okada (1983; 1992) identificou três associações dominantes e definiu-as como membros finais no diagrama (vértices do triângulo), cada associação indicando um ambiente marinho representado na área interna do triângulo (Fig. 1a). Mesmo apresentando um padrão de distribuição, os limites entre associações não são estáticos, nem muito bem definidos (Winter & Siesser, 1994). O diagrama foi proposto originalmente para o oeste do Oceano Pacífico e é restrito a regiões de águas quentes (tropicais e equatoriais). Para sua aplicabilidade o autor ressalta que seus limites devem ser verificados para incorporar dados de outras localidades. Para estudos na margem continental brasileira, Toledo (2000) adaptou o diagrama original alterando os membros finais, de modo que a um dos membros ‘Gephyrocapsa oceanica’, fosse adicionado mais dois grupos de espécies (Gephyrocapsas pequenas e Emiliania huxleyi) e os demais membros permanecendo como no modelo original (Fig. 1b). Esta adaptação se fez necessária, pois não se observavam variações entre as diferentes amostras desta região, ao longo do Quaternário (UMG-Holoceno), indicando que não teria havido variação na produtividade primária. Este resultado diverge dos dados quantitativos de foraminíferos planctônicos e de isótopos de oxigênio obtidos para as mesmas amostras. Estes dados indicam variações na hidrografia e quantidade de nutrientes ao longo deste período (Toledo, 2000). Este estudo apresenta uma interpretação paleoambiental dos últimos 30.000 anos, com ênfase no Último Máximo Glacial (UMG) e o Holoceno, a partir da aplicação 50% {1} Mares Marginais {3} Mares Profundos 50% Florisphaera profunda 1B subtropical produtividade + tropical temperado Fig. 1: Diagrama Triangular de Coordenadas original (A) (Okada, 1992) e adaptado (B) (Toledo, 2000). 2 A preparação das amostras para o microscópio óptico seguiu o método convencional (Antunes, 1997). Para este estudo foram contados, no mínimo, 300 espécimes de nanofósseis calcários por amostra, totalizando 54.468 nanofósseis calcários. 3. Resultados e Discussão Os resultados desta análise são apresentados na figura 3. A maior parte das amostras no diagrama, estão localizadas no campo correspondente a mar profundo {3}. E. huxleyi; G. oceanica Gephyrocapsas pequenas outras espécies NAN-01 Profundidade Holoceno UMG SAN-76 Holoceno UMG ESP-08 Holoceno UMG F. profunda subtropical Fig. 2: Localização dos testemunhos utilizados neste estudo. A classificação adotada para o estudo dos nanofósseis calcários do Pleistoceno superior – Holoceno, teve como base a sistemática de Hay (1977). Neste estudo foi empregada a cronologia de mais alta resolução do SPECMAP (Martinson et al., 1987). As idades foram calculadas para valores individuais de δ18O em Cibicidoides em cada testemunho a partir de uma escala de idade comum (SPECMAP), refinada no Holoceno e no LGM por datações de radiocarbono (14C) em foraminíferos plantônicos. Com base nas datações de radiocarbono, juntamente com os dados de δ18O em Cibicidoides, foi estabelecido um arcabouço cronoestratigráfico para os testemunhos, com o intuito de definir os estágios isotópicos marinhos e a precisa localização dos intervalos do Holoceno e do Último Máximo Glacial. produtividade + tropical / temperado Fig. 3: Diagrama Triangular de Coordenadas apresentando os dados quantitativos de nanofósseis calcários do UMG e do Holoceno nos três testemunhos estudados. No NAN-01 as associações do UMG e Holoceno apresentam um posicionamento mais próximo das associações temperadas/tropicais, sendo as amostras do UMG mais características de mares marginais {1}, enquanto as do Holoceno correspondem mais aos ambientes de mares profundos {3}. No SAN-76 a distribuição das amostras do UMG e do Holoceno é mais homogênea, o que indica menores variações na produtividade. No ESP-08 as associações destes dois períodos apresentam posicionamento distinto no diagrama triangular: as amostras do Holoceno correspondendo a associações tropicais e mais produtivas que as associações representativas do UMG. Os resultados observados através do diagrama triangular para o Holoceno, estão de acordo com a hidrografia do Atlântico Sul, dominada pelo giro anticiclônico 3 subtropical. Os testemunhos NAN-01 e SAN-76 estão localizados neste giro e o ESP-08 localiza-se em seu limite norte. Dentro do giro anticiclônico, os nutrientes geralmente são consumidos na zona fótica pelo fitoplâncton, deixando as águas superficiais depletadas em nutrientes. Este fator pode explicar a diferença na produtividade entre os testemunhos SAN-76 e ESP-08. O testemunho localizado em menor profundidade (1268m/NAN-01) apresenta a maior produtividade durante o UMG, situadas no campo correspondente a mares marginais {1}. Este aumento pode indicar a influência de águas vindas da Zona de Convergência e/ou um maior espalhamento das águas mais frias e produtivas oriundas de correntes costeiras (até regiões próximas do talude), devido aos ventos mais intensos associados ao rebaixamento, de aproximadamente 130 metros, do nível do mar (Toledo, 2000). 4. Conclusões A variação da abundância de Florisphaera profunda é uma importante ferramenta para monitorar as variações da termoclina e da nutriclina e portanto da paleoprodutividade na região estudada. A maior abundância desta espécie indica presença de uma nutriclina profunda enquanto que uma menor abundância representa aumento na produtividade das águas superficiais com a camada rica em nutrientes mais próxima da zona fótica superior. A modificação do triângulo de coordenadas possibilitou monitorar as variações entre o Ultimo Máximo Glacial e o Holoceno na margem continental brasileira. Como era de se esperar para testemunhos provenientes de oceano aberto, os dados apresentam pouca variação em relação à profundidade. Estas análises constataram que as maiores diferenças entre o UMG e o Holoceno foram observadas nos testemunhos NAN-01 e ESP-08. O ESP-08 foi caracterizado por ambiente de mar profundo e apresentou maiores variações na produtividade: UMG caracterizado por menor produtividade em região intermediária (entre subtropical e tropical) e o Holoceno mais produtivo em regiões tropicais/temperadas. O NAN-01 foi caracterizado por menores variações na produtividade, no entanto o ambiente parece ter mudado de mar marginal (UMG) para um ambiente de mar profundo (Holoceno). Como o testemunho está localizado em menor profundidade, esta interpretação é coerente com as observações a respeito das flutuações do nível do mar: mais baixo durante o período glacial caracterizando um ambiente mais costeiro {1} e com a elevação do nível do mar, tornou-se um ambiente mais oceânico {3}. O SAN-76 foi o mais estável dos três testemunhos apresentando a menor produtividade e indicando um ambiente mais subtropical que os demais testemunhos. 5. Agradecimentos À Petrobras pela doação dos testemunhos que foram utilizados neste estudo e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) – processo FAPESP numero 04/02819-8. Esta é a contribuição número 05 do Laboratório de Paleoceanografia do Atlântico Sul (LaPAS) do IO – USP. 4 6. Referências ANTUNES, R. L. 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Variações Paleoceanográficas nos últimos 30.000 anos no oeste do Atlântico Sul: Isótopos de oxigênio, assembléias de foraminíferos planctônicos e nanofósseis calcários. Porto Alegre, 2000. 245p.Tese de Doutorado – Instituto de Geociências, UFRS. WINTER, A. & W. G. SIESSER. Coccolithophores. Cambridge: Cambridge University Press, 1994. MCINTYRE, K. & BÉ, A. W. H. 1967. Modern Coccolithophoridae in the atlantic ocean. I Placoliths and crytholiths. Deep-Sea Research, 14, 561597. MOSTAJO, E.L. 1986. Estudio de dos testigos submarinos del oceano Pacifico Sudecuatorial. Revista Española de Micropaleontologia, 18(3), 433-442. OKADA, H. & HONJO, S. 1973. The distribution of oceanic coccolithophorids in the Pacific. Deep-Sea Research, 20, 355-374. OKADA, H. 1983. Modern nannofossil assemblages in sediments os coastal and marginal seas along the western Pacific ocean. Utrecht Micropaleontology Bulletin, 30, 171-187. 5