UMA SESSÃO DE OBSERVAÇÃO E DE OBTENÇÃO DE IMAGENS CCD DO CÉU PROFUNDO Pedro Ré De um modo geral podemos resumir em somente dois pontos as enormes vantagens que as câmaras CCD têm relativamente às emulsões fotográficas: 1) conseguem registar até 90% dos fotões incidentes (elevada eficiência quântica) contrariamente às emulsões fotográficas que apenas registam 2 a 5%; 2) não apresentam uma falha de reciprocidade, isto é, o seu sinal de saída, “output”, é quase directamente proporcional aos fotões incidentes (linearidade quase perfeita). Isto significa que se podem obter imagens de objectos do céu profundo em poucos minutos ao contrário do que sucede se utilizarmos emulsões fotográficas, que requerem dezenas de minutos ou mesmo horas. O modo como um sensor CCD transforma uma imagem num ficheiro de computador é relativamente simples. A luz que incide num conjunto de centenas de milhares de detectores (“pixels” ou elementos de imagem), produz cargas eléctricas, que são por sua vez lidas, medidas, convertidas em números e gravadas num ficheiro de computador. As câmaras deste tipo, necessitam de um computador (PC ou Mac) para poderem ser operadas. Figura 1- Câmaras CCD versus emulsões fotográficas. A eficiência quântica de um sensor CCD descreve a resposta deste a diferentes comprimentos de onda do espectro electromagnético. Os sensores standard (iluminação frontal) são mais sensíveis ao verde, vermelho e infravermelho (comprimentos de onda entre 500 e 800nm) relativamente aos comprimentos de onda na região do azul (400-500nm). Um outro tipo de sensores CCD (retroiluminados) possui uma eficiência quântica muito superior, que pode por vezes atingir os 90%. Figura 2- Eficiência quântica de alguns sensores CCD. Devido à sua grande sensibilidade à luz, os elementos (pixels) dos sensores CCD apresentam um sinal de saída elevado perante luminosidades relativamente baixas. Alguns sensores CCD têm a como opção um sistema “antiblooming” concebido para eliminar o excesso de carga dos elementos de imagem saturados. Nos sensores em que este não esteja presente, as estrelas brilhantes produzem uma risca vertical que é característica da saturação. Os sensores que integrem um sistema "anti-blooming" são cerca de 30% menos sensíveis. A maioria dos CCD têm a possibilidade de agrupar electronicamente os elementos de imagem ou pixels formando-se deste modo um "super pixel". Este "super pixel" integra a área de todos os elementos de imagem que contribuem para a carga eléctrica. A esta característica chama-se “binning”. Um “binning” de 1x1 significa que não são agrupados individualmente quaisquer elementos de imagem. Um “binning” de 2x2 equivale à soma da informação proveniente de uma área com 4 elementos de imagem adjacentes. Neste último caso a sensibilidade é aumentada cerca de 4 vezes mas a resolução da imagem é diminuída para cerca de metade. Figura 3- estrelas saturadas (sensor CCD s/ "antiblooming"). M7 Takahashi FS102 + ST-7. Figura 4- Exemplos de diversos tipos de “binning”. A digitalização, ou seja a conversão analógica/digital, contitui o processo de tradução da carga proveniente do sensor CCD num formato binário que é posteriormente reconhecido pelo computador. Uma câmara com 12 bits tem um “output” de 212 o que equivale a 4096 níveis de cinzento, enquanto que um câmara com 16 bits possui um output de 65536 níveis de cinzento (216). Interferência térmica Durante o tempo de integração, é acumulada uma interferência térmica em cada pixel. O sensor CCD necessita de ser refrigerado a uma temperatura muito baixa (da ordem dos -173ºC = 100K) para que este sinal seja reduzido a um nível negligenciável. A maioria das câmaras CCD são afectadas por esta interferência uma vez que habitualmente não são refrigeradas a temperaturas inferiores a -50ºC. A imagem é deste modo afectada por uma corrente escura ou "dark current" (cujo nome é derivado do facto desta interferência estar presente mesmo quando o sensor se encontre no escuro) e o ruído produzido tem duas origens principais: ruído de leitura e ruído espacial. O primeiro está relacionado com flutuações registadas durante o processo de leitura, e o único modo de o ultrapassar consiste em efectuar uma média de diversas imagens do mesmo objecto. O segundo deriva do facto de cada pixel reagir de modo distinto à corrente negra, produzindo-se um aspecto granulado na imagem não tratada. É possível produzir uma mapa de referência da corrente negra (usualmente uma média de 7 a 10 imagens obtidas em total obscuridade) uma vez que esta apresenta sempre um padrão recorrente e característico para cada detector. Offset Adicionalmente existe ainda um "offset" ou "bias" que é independente do tempo de integração e da temperatura do sensor. Este "offset" é induzido pelas características do “output” do sensor CCD e dos circuitos electrónicos do processador do sinal de video. Um mapa de "offset" pode ser facilmente fabricado recorrendo a um média de algumas imagens obtidas com um tempo de integração mínimo em total escuridão. Não uniformidade da sensibilidade à luz A sensibilidade à luz não é idêntica para todos os elementos que constituem um sensor CCD. Se este for iluminado por uma fonte luminosa uniforme (por exemplo o céu crepuscular) o resultado não é necessariamente uma imagem uniforme. Pode deste modo produzir-se um outro tipo de mapa que habitualmente é designado por "flat field" ou mapa de iluminação uniforme. Este tipo de mapa é também utilizado na correcção de diversos defeitos que se produzem no plano focal de um telescópio: menor iluminação nos cantos da imagem (problema geralmente conhecido como vignetting), sujidade, etc. Técnicas de obtenção de imagens CCD O pré-processamento de uma imagem obtida com um sensor CCD envolve uma série de procedimentos no computador utilizando software apropriado, nos quais se inclui a subtracção do mapa de corrente escura e mapa de "offset", assim como a divisão pelo mapa de iluminação uniforme ("flat field"). O resultado é uma imagem préprocessada ou calibrada. A soma ou soma média de diversas imagens préprocessadas produz sempre melhores resultados. Habitualmente utilizo diversos telescópios nas minhas sessões de observação e de obtenção de imagens CCD do céu profundo: Celestron 14, Takahashi FS102. Utilizo igualmente diversas câmaras CCD (Hi-sis 22, ST-7, Mx916 e Audine). Estes dois telescópios estão montados sobre a mesma montagem equatorial de garfo, motorizada nos dois eixos (ascensão recta e declinação) e provida de círculos graduados digitais. A referida montagem está equipada com uma roda dentada Byers (230mm de diâmetro e 359 dentes) de elevada precisão (erro periódico inferior a 2"). Três das câmaras CCD estão equipadas com o mesmo tipo de sensor CCD (KAF0400) que é constituído por 768x512 elementos de imagem (Hi-sis 22, ST-7 e Audine). Figura 5- Pré-processamento de imagens CCD do céu profundo. Figura 6- Equipamento utilizado: C14, FS102, Hi-sis 22, ST-7, Mx916 e Audine. As sessões destinadas à obtenção de imagens CCD do céu profundo são geralmente iniciadas com a elaboração prévia de diversas imagens (integrações) que serão utilizadas na construção do mapa de "flat field". A correcção das irregularidades verificadas no campo de visão do telescópio, recorrendo ao referido mapa de iluminação uniforme (divisão), juntamente com a remoção (subtracção) do "offset" e "dark current", são elos essenciais no pré-processamento das imagens CCD do céu profundo. Os mapas de "flat field" são geralmente obtidos durante os períodos crepusculares logo a seguir ao pôr do sol. Durante um intervalo de tempo não muito extenso (aprox. 30 min.) o telescópio é apontado para o zénite e fazem-se várias integrações com 5 a 20 s em diferentes regiões desprovidas de estrelas brilhantes. É necessário obter uma relação sinal/ruído elevada, em cada uma das integrações, (equivalente a cerca de metade da dinâmica do CCD). A média das imagens assim obtidas (em que todas as estrelas desaparecem) constitui o mapa de "flat field". Este mapa contém o "vignetting" do sistema óptico, a sujidade dos filtros, dos redutores de focal e da janela óptica do CCD, bem como a variação da eficiência quântica dos diferentes elementos de imagem. Torna-se necessário que o sensor CCD esteja próximo do plano focal do telescópio e que a sua orientação não varie durante a sessão de obtenção de imagens. Em alternativa pode construir-se o mapa de “flat-flied” a partir de imagens de um ecran braco iluminado uniformemente. Tal como numa sessão de obtenção de imagens recorrendo a emulsões fotográficas, o sensor CCD tem de ser colocado rigorosamente no plano focal do telescópio. Uma boa focagem é avaliada tomando como referência a imagem de uma estrela não muito brilhante (para não saturar o sensor). Por vezes é utilizado um ecrã com dois ou mais orifícios, que é colocado à frente do telescópio. Por tentativa e erro obtemse uma focagem precisa quando em vez de duas ou mais imagens de uma mesma estrela se regista um único disco estelar. A focagem pode igualmente ser efectuada recorrendo a algumas funções específicas do software que controla a câmara CCD. Em qualquer dos casos é essencial uma focagem precisa. Só se podem obter boas imagens CCD quando o objecto a registar se encontre rigorosamente focado. Em instrumentos com relações f superiores ou igual a 6) é necessário por vezes efectuar diversas sessões de focagem durante uma sessão de observação. Usualmente realizam-se cerca de 3 a 5 integrações de cada objecto do céu profundo. O tempo de integração pode ser distinto se se tratar de um objecto difuso (galáxia, nebulosa) ou de um enxame estelar. No primeiro caso realizam-se usualmente integrações de 2 ou 3 min e no segundo caso integrações de 1min. As diversas imagens assim obtidas após terem sido pré-processadas (subtracção da "dark current" e "offset" e divisão pelo "flat field") terão de ser pós-processadas. Este pósprocessamento consiste habitualmente em dois procedimentos (soma e soma mediana). São deste modo construídas duas imagens com informações distintas. Figura 7- Exemplos de ecrans de focagem. Figura 8- Focagem assistida por software (MaximDL/CCD). Recorrendo à utilização do telescópio Celestron 14 munido de um redutor de focal f/6 ("Giant Easy-Guider" da Lumicon) podem facilmente registar-se estrelas de magnitude 20 em cerca de 5 min de integração. Do mesmo modo, e utilizando tempos de integração idênticos é possivel registar estrelas de mag 17/18 com o refractor Takahashi FS102 (f/8). Os diversos objectos a integrar são localizados utilizando além do "flip-mirror-finder", um sistema de círculos graduados digitais ("Lumicon Ngc Sky Vector"). Recorrendo a este último dispositivo é possível localizar mais de 12000 objectos distintos de um modo rápido, simples e interactivo. O pós-processamento das imagens é realizado recorrendo sobretudo a diversos programas, nomeadamente o programa MaximDL. Este programa possui um conjunto impressionante de rotinas de processamento, desde as mais simples (rotinas de pré-processamento) até às mais sofisticadas (restauração de imagem). Além da soma e soma média de imagens pré-processadas, pode-se igualmente recorrer à utilização de outro tipo de rotinas. Na maioria dos casos utilizam-se funções do tipo "unsharp mask" para melhorar o contraste e "logarithmic scaling" para tornar visiveis certas estruturas (braços de galáxias espirais, estruturas em nebulosas planetárias e nebulosas de emissão, etc). Figura 9- Flip-mirror-finder, Plossl 25mm illuminated reticle CCD framing eyepiece e digital counter. Figura 10- M51 Takahashi FS102 F/8 + ST-7 (40 Min de integração). Figura 11- Imagens do Céu profundo, Takahashi FS102 F/8 + ST-7 (6 a 10 Min de integração). Mais informações em: http://www.astrosurf.com/re