A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO GEOGRAFIA DO CRIME E CRIMINOLOGIA AMBIENTAL: TEORIAS DA DESORGANIZAÇÃO SOCIAL E ATIVIDADE DE ROTINA SILAS NOGUEIRA DE MELO1 LINDON FONSECA MATIAS2 Resumo: Pesquisas em geografia do crime começaram há quase 200 anos atrás na Europa e a criminologia ambiental vem sendo discutida a pelo menos 30 anos. Neste trabalho apresentamos e discutimos duas teorias que podem ser ponto de intersecção entre a geografia do crime e a criminologia ambiental: a teoria da desorganização social e a teoria da atividade de rotina. Concluímos que embora estas teorias tenham sido criadas para análises em países desenvolvidos, elas podem ajudar a explicar parte da distribuição espacial da criminalidade em centros urbanos brasileiros. Palavras-chave: Geografia do crime; Criminologia Ambiental; Teoria da desorganização social; Teoria da atividade de rotina. Abstract: Research in geography of crime started almost 200 years ago in Europe and environmental criminology has been developed for 30 years. In this study we showed and argued two theories that can be a convergence between the geography of crime and environmental criminology: social disorganization theory and routine activity theory. We concluded that although these theories have been created to developed countries they can explain part of the criminality spread in Brazilian urban areas. Key-words: Geography of crime; Environmental Criminology; Social disorganization theory; Routine activity theory. 1 – Introdução Pesquisas em geografia do crime começaram há quase 200 anos atrás na Europa (GLYDE, 1856; GUERRY, 1833; QUETELET, 1842) e a criminologia ambiental vem sendo discutida a pelo menos 30 anos (BRANTINGHAM e BRANTINGHAM, 1981; ANSELIN et al., 2000). Contudo, poucos trabalhos em geografia do crime são desenvolvidos no âmbito nacional, assim como demonstramos no último ENANPEGE em Campinas (MELO e MATIAS, 2013). Já os 1 Acadêmico doutorando do programa de pós-graduação em Geografia da Universidade Estadual de Campinas. Bolsista CNPq. E-mail de contato: [email protected] 2 Docente do programa de pós-graduação em Geografia da Universidade Estadual de Campinas. E-mail de contato: [email protected] 365 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO estudos em criminologia ambiental são quase inexistentes fora do contexto europeu e norte-americano. Assim, neste trabalho de cunho teórico, apresentamos e discutimos duas teorias que podem ser ponto de intersecção entre a geografia do crime 3 e criminologia ambiental: a teoria da desorganização social e a teoria da atividade de rotina. Para ambas as teorias os estudos internacionais utilizam a correlação de variáveis que podem avaliar a influência dos bairros bem como das rotinas das pessoas com as ocorrências criminais. Recentes abordagens propõem integrar as duas teorias com o intuito de melhor interpretar as taxas de criminalidade no espaço, sobretudo urbano (ANDRESEN, 2006). A grande pergunta que tentamos responder nesta pesquisa é: estas duas teorias são adequadas para ajudar no entendimento do componente espacial do crime nas cidades brasileiras? Além de uma discussão teórica que explica estas abordagens com mais detalhes, também refletimos de que maneira estas teorias poderiam servir ao contexto brasileiro e contribuir para o que já temos de produção intelectual nesta área do conhecimento. Além desta parte introdutória, este texto está dividido em mais duas partes. A primeira é a fundamentação teórica, onde apresentamos com maiores detalhes as teorias de desorganização social e de atividade de rotina. A segunda são as considerações finais, onde refletimos com base em alguns estudos a possibilidade de uso dessas teorias para o contexto brasileiro. 2 – Fundamentação Teórica Antes de adentrar nas teorias é bom justificar que o Brasil tem produzido trabalhos importantes em geografia do crime, como por exemplo (em ordem cronológica): Guidugli (1985); Massena (1986); Felix (1989); Francisco Filho (2004); Melgaço (2005); Batella (2008); e Zanotelli et al. (2011). Contudo, não 3 Não foi o objetivo deste trabalho explorar as implicações políticas e epistemológicas da geografia do crime. Para mais detalhes sobre esta discussão ver: Harries (1974), Peet (1975), Lowman (1986), LeBeau e Leitner (2011). 366 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO aprofundaremos os debates lançados por estes pesquisadores porque não enfatizam as teorias objetivo de nossa empreitada. 2.1- Teoria da Desorganização Social A teoria da desorganização social foi cunhada por Clifford R. Shaw e Henry D. McKay (1942) no começo do século XX em uma tentativa da Escola de Chicago explicar o componente espacial do crime e ainda hoje e uma teoria usada na sociologia. Em geral, a teoria da desorganização social destaca o papel dos bairros e sua influência no comportamento criminal. Contudo, embora o uso disseminado desta teoria, ela só veio a ser testada décadas mais tarde na Grã-Bretanha através da pesquisa de Sampson e Groves (1989), que utilizaram um levantamento criminal para medir a presença ou ausência de organização social. De um modo geral, a teoria da desorganização social se refere à inabilidade de uma comunidade estruturar e compreender valores em comum de seus habitantes e preservar um efetivo controle social. Investigadores que centram suas análises nesta teoria, frequentemente usam indicadores baseados em área (por exemplo, setores censitários) de mobilidade residencial, pobreza, famílias separadas, urbanização e heterogeneidade étnica para correlacionar e predizer o crime. Exemplos desta abordagem em contexto norteamericano podem ser encontrados em Cahill e Mulligan (2003) e Lowenkamp et al. (2003). Sampson e Groves (1989) implementaram mais três variáveis na estrutura causal do modelo para analisar vizinhança e taxas de delinquência: redes esparsas de bom relacionamento local, adolescentes não supervisionados e baixa participação organizacional (Figura 01). 367 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO Figura 01 – Modelo causal da teoria da desorganização social. Fonte: SAMPSON e GROVES (1989) 2.2- Teoria da Atividade de Rotina Por outro lado, a teoria da atividade de rotina foi desenvolvida por Lawrence E. Cohen e Marcus Felson (1979) para explicar o porquê que as taxas de criminalidade nos Estados Unidos estavam crescendo após a Segunda Guerra Mundial, ou seja, em uma situação econômica favorável. Esta teoria é uma das mais importantes da criminologia ambiental em que destaca que o crime só ocorre mediante a convergência no espaço e no tempo de: vítima, agressor em potencial e ausência de segurança (Figura 02). De modo a investigar a teoria da atividade de rotina, pesquisadores norteamericanos comumente usam quatro variáveis para medir alvo adequado: salário mensal familiar, percentual de residências alugadas, média dos valores das residências e número de domicílios (CLARKE e FELSON, 1993). A presença de ofensor em potencial é determinado pelo percentual de homens jovens bem como taxa de desemprego (ANDRESEN, 2006). E finalmente, para medir a vigilância é utilizada a densidade populacional dentro de uma unidade espacial (COHEN e FELSON, 1979). 368 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO Ofensor em potencial Alvo adequado Ausência de vigilância Figura 02 – Esquema simplificado da teoria da atividade de rotina. Adaptado de: COHEN e FELSON (1979) Organização: MELO e MATIAS (2015) 3 – Considerações Finais A exemplo de trabalhos anteriores, algumas teorias e metodologias utilizadas em outros contextos serviram para a realidade brasileira, como mostrado em Melo et al. (2015) no que diz respeito a concentração criminal. De forma mais frequente, pesquisadores brasileiros têm aplicado a teoria da organização social para explicar a criminalidade, sobretudo em Minas Gerais. De acordo com Diniz (2005, p. 22), que pesquisou a relação entre migração, desorganização social e violência urbana no estado mineiro, "[...] o argumento de que áreas de intensa imigração são favoráveis à incidência criminal, em virtude de serem marcadas por confrontos de valores culturais, desorganização social e fraca coesão social merece investigação mais profunda". 369 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO Contudo, a pesquisa de Silva (2014), que aplicou o mesmo modelo lógico de Sampson e Groves (1989), mas com adaptações de variáveis usando uma pesquisa de vitimização em Belo Horizonte e regressão de Poisson encontrou que somente a pobreza apresentou um coeficiente significante com homicídios e que famílias separadas apresentaram coeficiente significante com o total de crimes4. Para qualquer uso da teoria da desorganização social em contexto brasileiro é fundamental entender as especificidades deste espaço urbano como as desigualdades (SANTOS, 1990), crime organizado (ADORNO e SALLA, 2007), violência policial (DENYER WILLIS, 2014) etc. Com relação à teoria de atividade de rotina, Ceccato (2005) ao avaliar homicídios em São Paulo conclui que as variáveis desta teoria são mais apropriadas para entender o crime na capital paulista do que as variáveis da teoria de temperatura/agressão5. Com base nestas poucas referências, concluímos que embora estas teorias tenham sido criadas para análise em países desenvolvidos, elas podem ajudar a explicar parte da distribuição espacial da criminalidade em centros urbanos brasileiros. Contudo, novos estudos devem ser feitos para verificar a aplicabilidade destas teorias em outros municípios além de Belo Horizonte e São Paulo. Referências Bibliográficas ANDERSON, C. A. Temperature and aggression: ubiquitous effects of heat on occurrence of human violence. Psychological bulletin, 106, 74, 1989. ADORNO, S., e SALLA, F. Criminalidade organizada nas prisões e os ataques do PCC. Estudos avançados, 21(61), 7-29, 2007. 4 Outro trabalho da teoria da desorganização social no Brasil foi realizado por Villarreal e Silva (2006). 5 Esta teoria propõe que varáveis térmicas, umidade do ar etc. podem alterar o comportamento humano e deixando-o mais violento dependendo da situação. Para mais detalhes ver: Anderson (1989). 370 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO ANDRESEN, M. A. A spatial analysis of crime in Vancouver, British Columbia: a synthesis of social disorganization and routine activity theory. Canadian Geographer, 50: 487-502, 2006. ANSELIN, L.; COHEN, J.; COOK, D.; GORR, W. e TITA, G. Spatial analyses of crime. In Measurement and Analysis of Crime and Justice., ed. D. Duffee, 213 – 262. Washington, DC: National Institute of Justice, 2000. BATELLA, W. B. Análise espacial dos condicionantes da criminalidade violenta no Estado de Minas Gerais - 2005: Contribuições da Geografia do Crime. 2008. 142 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2008. BRANTINGHAM, P. L., e BRANTINGHAM, P. J. Notes on the geometry of crime. In Environmental Criminology, ed. P. J. Brantingham e P. L. Brantingham, 27 – 54. Prospect Heights, IL: Waveland Press, 1981. CAHILL, M. E., e MULLIGAN, G. F. The determinants of crime in Tucson, Arizona. Urban Geography, 24: 582−610, 2003. CECCATO, V. Homicide in São Paulo, Brazil: assessing spatial-temporal and weather variations. Journal of Environmental Psychology, 25: 307–321, 2005. CLARKE, R. V., e FELSON, M. Introduction: criminology, routine activity, and rational choice. In Routine Activity and Rational Choice, ed. R. V. Clarke and M. Felson, 1 – 14. New Brunswick, NJ: Transaction Publishers, 1993. COHEN, L. E. e FELSON, M. Social change and crime rate trends: a routine activity approach. American Sociological Review, 44: 588–608, 1979. DENYER WILLIS, G. Antagonistic authorities and the civil police in Sao Paulo, Brazil. Latin American Research Review, 49(1), 3-22, 2014. 371 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO DINIZ, A. M. Migração, desorganização social e violência urbana em Minas Gerais. Raega-O Espaço Geográfico em Análise, 9: 9-23, 2005. FELIX, S. A. Geografia do crime: análise da bibliografia da criminalidade numa perspectiva espacial. 1989. 195 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Instituto de Geociências e Ciências Exatas, UNESP, Rio Claro, 1989. FRANCISCO FILHO, L. L. Distribuição espacial da violência em Campinas: uma análise por geoprocessamento. 2003. 233 f. Tese (Doutorado em Geografia) Instituto de Geografia, UFRJ, Rio de Janeiro, 2004. GLYDE, J. Localities of crime in Suffolk. Journal of the Statistical Society of London, 19: 102–106, 1856. GUERRY, A. M. Essai sur la statistique morale de la France. Paris: Crochard, 1833. GUIDUGLI, Odeibler S. Crime urbano e geografia aplicada. Geografia, Rio Claro, vol. 10, n. 19, 1985, p. 231-234. HARRIES, K. D. The Geography of Crime and Justice. New York, NY: McGrawHill, 1974. IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Cidades, 2011. Disponível em: http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=350950&search=sao -paulo|campinas. Acessado em 12 de Dezembro, 2014. LEBEAU, J. L. e LEITNER, M. Introduction: Progress in Research on the Geography of Crime, The Professional Geographer, 63:2, 161-173, 2011. 372 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO LOWENKAMP, C. T., CULLEN, F. T., e PRATT, T. C. Replicating Sampson and Groves’s test of social disorganization theory: revisiting a criminological classic. Journal of Research in Crime and Delinquency, 40: 351 – 73, 2003. LOWMAN, J. Conceptual issues in the geography of crime: Toward a geography of social control. Annals of the Association of American Geographers, 76:81–94, 1986. MASSENA, R. M. R. Distribuição espacial da criminalidade violenta na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 48, n.3, 1986, p.285-330. MELGAÇO, L. M. A Geografia do atrito: dialética espacial e violência em Campinas-SP. 2005. 142 f. Dissertação (Mestrado em Geografia Humana) Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 2005. MELO, S. N. e MATIAS, L. F. Geografia do Crime e da Violência: análise em artigos de periódicos nacionais em geografia e anais do ENANPEGE (2007-2012). In: X ENANPEGE, 2013, Campinas. Geografias, Políticas Públicas e Dinâmicas Territoriais. Anais... Dourados: UFGD, 5985-5996, 2013. MELO, S.N. MATIAS, L. F., e ANDRESEN, M. Crime concentrations and similarities in spatial crime patterns in a Brazilian context. Applied Geography, 62: 314-324, 2015. PEET, R. The geography of crime: A political critique. The Professional Geographer, 27:277–280, 1975. QUETELET, L. A. J. A treatise on man and the development of his faculties. Edinburgh: W. and R. Chambers, 1842. 373 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO SAMPSON, R. J., e GROVES, W. B. Community structure and crime: testing socialdisorganization theory. American Journal of Sociology, 94: 774-802, 1989. SANTOS, M. Metrópole corporativa fragmentada. O caso de São Paulo. São Paulo: Nobel, 1990. SHAW, C. R., e MCKAY, H. D. Juvenile Delinquency in Urban Areas. Chicago, IL: University of Chicago Press, 1942. SILVA, B. F. A. Social disorganization and crime: searching for the determinants of crime at the community level. Latin American Research Review, 49: 218-230, 2014. VILLARREAL, A., e SILVA, B. F. Social cohesion, criminal victimization and perceived risk of crime in Brazilian neighborhoods. Social Forces, 84(3), 1725-1753, 2006. ZANOTELLI, Claudio L.; BERTOLDE, Adelmo I.; LIRA, Pablo S.; BARROS, Ana Maria L.; BERGAMACHI, Rodrigo B. Atlas da Criminalidade no Espírito Santo. São Paulo: Annablume, 2011. 374