as práticas de inovação social na economia solidária

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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
DE 9 A 12 DE OUTUBRO
AS PRÁTICAS DE INOVAÇÃO SOCIAL NA ECONOMIA SOLIDÁRIA:
EXPRESSÕES TERRITORIAIS NUM ÂMBITO DE RELAÇÃO
URBANO-RURAL NA SUB-REGIÃO II DO DEPARTAMENTO DE
RISARALDA-COLÔMBIA
CÉSAR ANDRÉS ALZATE HOYOS1
Resumo
O presente trabalho propõe estabelecer uma matriz discursiva —teórica num primeiro momento—
apresentando as práticas de inovação social como esquemas de diferenciação criativa legitimados
socialmente, e que, sustentando as inovações sociais sobre a economia solidária, permite-nos
questionar os ―para que‖ e os ―como‖ do agir social. Consequentemente, esta argumentação percorre
três estudos de caso como diferentes expressões territoriais, necessárias para pensar num campo
relacional e processual com objetivos interdisciplinares.
Palavras-chave: práticas de inovação social; economia solidária; território.
Abstract.
This paper aims to establish a discursive matrix —theoretical in a first instance— presenting the social
innovation practices such as differentiation schemes creative and legitimate socially, and that
supporting social innovations about the solidarity economy, it allows the questioning of the "what for"
and "how" of social action. Consequently, that argument travels three case studies as different
territorial expressions necessary to think in a relational and procedural field with interdisciplinary goals
Key-words: social innovation practices; solidarity economy; territory.
1 Administrador Ambiental da Universidad Tecnológica de Pereira, Colômbia. Estudante de mestrado
em Geografia da Universidade Estadual Paulista ―Júlio de Mesquita Filho‖ campus Presidente
Prudente. Projeto financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
(FAPESP). E-mail de contato: [email protected]
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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
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1 – Introdução
Atualmente, na sub-região II do departamento de Risaralda-Colômbia
(formada por oito municípios) há 68 cooperativas que fazem parte do setor
agropecuário (32% de frutas; 27% de café, peixes, carne e leite; 12% de
comercialização de produtos agropecuários e 29% de cacau, mel, ovos etc.), as
quais começam através de inúmeras conexões de cooperação a materializar
circuitos econômicos solidários. Em nossas pesquisas estudamos as diferentes
formas de organização solidária que emergem nesta região, incluindo as
transformações criativas (inovações sociais), tentando aprofundar o entendimento
das redes que estruturam seu campo relacional materializado no território e nas
territorialidades. Para identificar e compreender as práticas de inovação social das
cooperativas, utilizamos critérios sócio-espaciais, culturais e ecossistêmicos no
âmbito da relação urbano-rural, elaborando, para isto, cinco planos conceituais:
plano de interação (território-ambiente); plano instrumental (trabalho e técnica);
plano simbólico (cultura); plano transformador (inovação social) e, por fim, o plano
organizador (economia solidária). Dentro de uma desconstrução, pelo menos
aproximada, da inovação social como conceito de mudança que possa favorecer as
iniciativas de economia solidária, pretendemos efetivar uma abordagem territorial
através de uma relação entre o pensamento geográfico e o pensamento ambiental,
com base em princípios da complexidade.
2 – Desenvolvimento teórico: a hipótese central
Partimos do pressuposto de que a construção territorial tem um caráter
multidimensional, igual ocorre com o ambiente, e que a teoria geográfica dentro de
sua abordagem territorial é bastante próxima do que chamaremos de ―pensamento
ambiental‖. Parte-se da hipótese de que: através do amplo espectro no qual se move
o território (social, político, econômico, ambiental, etc.), um aspecto constituinte
(dentro das relações socioeconômicas) tem a suficiente força transformadora —se
este chegar a ser abordado desde um conceito pensado para a mudança—, mas
que, por sua carga paradigmática (contexto técnico-científico e suas relações com o
modelo capitalista) não se permite uma aplicação conveniente para pôr a economia
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a serviço da população, e não ao contrário, se faz referência então à inovação;
conceito que permitirá na sua própria desconstrução (no sentido de Jacques Derrida,
1997, 1989), ou seja, desde a inovação social, ter uma aplicação concreta vinculada
à economia solidária, sustentada sobre sua estrutura. Sua materialização e
configuração repercutem numa matriz territorial formada por tensões geográficoambientais.
Em primeira medida, e como base simplificada de nossa análise. Que seria a
prática sócio-espacial e a inovação? Sem pretender reduzir os conceitos, vamos
estender a prática espacial como uma prática social dotada de certa particularidade,
sem existir em qualquer contexto histórico-social, uma sociedade a-espacial, pelo
contrário, "A prática espacial de uma sociedade se descobre ao se decifrar o seu
espaço" (LEFEBVRE, 1981, p. 84). Então, ―Práticas espaciais são práticas sociais
em que a espacialidade é um componente nítido e destacado da forma de
organização, do meio de expressão e/ou dos objetivos a serem alcançados‖
(SOUZA, 2013, p. 241).
Pela importância que tem no discurso geográfico a prática espacial, e
reconhecendo o ganho histórico da importância do ―espaço‖ na construção relacional,
e sem depreciar o meramente espacial na simplicidade do uso cotidiano, nem o
social na prática espacialmente inerente, retomaremos a escolha feita por Sousa
(2013) no uso do conceito de ―prática sócio-espacial‖ para o desenvolvimento desta
pesquisa. Em resumo, ―Toda prática espacial, assim como, mais amplamente, toda
prática social, é uma ação (ou um conjunto estruturado de ações) inscrita nos
marcos de relações sociais‖ (SOUZA, 2013, p. 241). Ações e/ou comportamentos
que, no pensar de Raffestin (1980), supõem posse de códigos e de sistemas
sêmicos, que se traduz por uma "produção territorial". As práticas espaço-temporais
com mediadores (i)materiais na relação sociedade-natureza, traduzindo-se em
territorialidades e intencionalidades (econômicas, políticas e culturais) (SAQUET,
2011).
Ademais, o conceito de inovação é descrito como a implementação de um
produto, processo, um método de comercialização ou organizacional novo ou
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significativamente melhorado (OECD, 2005). Sem ser muito útil este conceito para
nossa análise, mas digno de nota, cabe esclarecer que este é ainda mais amplo, e
se bem, ele leva consigo com um contexto de aplicação reduzida, a escolha do
termo inovação social redefine o mesmo termo de inovação, tirando a estreita visão
de: inovação igual desenvolvimento técnico-científico e rentabilidade monetária, o
mercado já não é um único indicador de êxito, vender só torna a inovação vendível,
e conduzi-la por essa esteira, simplificaria o dinamismo das transformações sociais e
sua capacidade de reinventar-se, de reinventar o mundo. Então, o que é uma
inovação social? Um processo de inovação social implica a interação de um
conjunto de atores, ou seja, uma ação coletiva (de natureza relacional), num
contexto determinado (mas em ambientes interligados e interativos na produção e
coprodução do conhecimento), onde se são geradas novas ideias, conceitos,
enfoques, práticas ou aplicações (uso do conhecimento na práxis) com potencial de
transformação criativa numa estrutura de legitimação social, pois implica um modelo
de governança, entendido por Anshell e Gash, (2008) como organização da ação
coletiva por meio da institucionalização formal e informal. Ademais, se dará ênfase
na sua natureza como processo, mais do que a materialização do produto, isto é,
como processo de inovação, que não surja, da ―Confluência circunstancial de uma
série de elementos, mas de uma sistemática que faz que a inovação possa ser
considerada um conjunto de atividades articuladas que se repetem uma e outra vez‖
(MORALES, 2009, p. 82, tradução nossa).
Neste sentido, a inovação deve ser entendida como um processo interativo de
construção horizontal/transversal, considerando-se o relacionamento coletivo e
ativamente participativo, a reinvenção organizativa e o reconhecimento de diversas
fontes de conhecimento, a acumulação e rotação do aprendizado inter e transterritorial na consolidação da inovação (ALZATE, 2013). Quer dizer, através de um
sistema reticular, social e territorialmente organizado. Aliás, a inovação tem uma
finalidade: bem-estar social na satisfação das necessidades básicas humanas e
coesão social. Tendo em vista que a inovação social provoca um forte impacto,
transmissível e replicável, sua capacidade deve ser sistemática, de materialização e
de difusão no real, inserindo-se desde o campo mais interativo e relacional da
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imaterialidade do território, como é a linguagem, com seu poder de transformação
implícito no discurso, até a materialidade mais evidente no desenvolvimento de um
território, como os circuitos de troca comercial, sistemas de mobilidade e demais
fluxos e fixos que mudam as mesmas relações espaço-temporais aí estabelecidas.
Nesta esteira, questionamos: o que é a economia solidária? Que seria
uma prática de inovação social na economia solidária? Quando falamos de
economia não estamos falando das expressões que o capitalismo trouxe consigo
(individualismo, acumulação e lucro), estamos validando a economia solidária
quanto economia na reprodução da vida, ―É a economia do governo da casa, é o
organizar racionalmente as atividades para subsistir, para satisfazer necessidades,
aspirações e desejos...‖ (RAZETO, 2006, p. 16, tradução nossa). Deste modo, todos
os aspectos da vida têm a ver com a economia, o solidário (como adjetivo) se
estabelece como valor e concepto ético da solidariedade (como substantivo), sem
negar os benefícios de produzir com eficiência. ―A Economia Solidária tem
capacidade de integrar processos reais, de motivar pessoas, organizações,
iniciativas em torno a projetos concretos, tem a capacidade de pensar e elaborar
propostas mais amplas‖ (RAZETO, 2006, p. 19, tradução nossa), propostas que se
validem social, ética e economicamente. Ademais, a economia solidária insere um
novo elemento, o Fator C. Razeto (2006, p. 13) o define como: ―Energia
intersubjetiva, como uma energia social, que se constitui e aparece na união das
consciências, vontades e emoções, dos integrantes de um grupo que se planteiam
objetivos comuns‖.
Uma prática de inovação social concebida desde a economia solidária atua no
plano organizador da mesma inovação social quanto interpretação, enquanto práxis
técnico-simbólica, guiando desde as bases o ―como‖ axiológico e epistémico do
quefazer, e desconstrói no refazer. Em consequência, questionamos: o que faz de
uma prática de inovação social na economia solidária, uma expressão
territorial? Pautemos para o entendimento deste texto que o território é segundo
Saquet e Sposito (2009, p. 91), "Multidimensional, relacional e processual‖ que
reconheça ―A unidade dos tempos histórico e coexistente, as descontinuidades e
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continuidades‖, ―A relação dialética entre ideia-matéria‖ e sociedade-natureza no
seio da relação espaço-tempo e da ―Constituição dos territórios e das
territorialidades‖.
De acordo com Picinatto et al. (2009, p. 69) ―No momento em que se retorna
à análise das relações de poder, e focaliza-se a prática espacial, o território volta a
ser importante, não apenas como espaço próprio do Estado-Nação‖, mas também
dos atores sociais em seu exercício de poder espacial, particular e diverso.
Converte-se, conforme ao referido autor, como produto ―produzido‖ e ―consumido‖
pela prática sócio-espacial. Uma prática de inovação social é um conjunto de ações
coerentes e consequentes com as necessidades, desejos e emoções de um coletivo.
E é precisamente essa energia intersubjetiva —da qual já falamos— o campo
relacional, processual e histórico que permite transformações substanciais
inerlocutadas desde uma ética da práxis.
Em virtude do exposto, caberia outra análise. Como poderia entender um
território, tanto no urbano quanto no rural, desde as relações dos elementos,
além do fato de serem elementos, mas sim no fato de serem “emergentes” na
sua entrega semântica (o que tem significado e sentido), ou seja, nas
conexões que totalizam um sistema? Não vamos dar uma única resposta a essa
pergunta, porém, vamos pontuar uma escolha metodológica, as interfaces. Em
nosso entender, para compreender uma inovação social na dialética espaçotemporal e escalar do território, é imprescindível tornar todas as análises como de
natureza relacional, um instrumental teórico-conceitual que se adapte às realidades
estudadas; por isso, falamos de interfaces dentro da proposta metodológica do Foro
Latinoamericano de Ciencias Ambientales (FLACAM), a qual permitirá conceber as
interações no ponto de encontro e superposição de sistemas distintos, através do
qual podem dar-se múltiplos canais de interação, capazes de conter intensos fluxos
de matéria, energia e informação. A interface se dá por contato, concentração ou
intercâmbio, pode ser física (natural ou construída) ou pode ser social (PESCI, 2007)
(tradução nossa).
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Pode-se pensar que as interfaces são os encontros desses elementos, e que
estudar o que eles são na relação é entender como a práxis (como conjunto
estruturado de ações) é o movimento da emergência, ou seja, agir é ser no
movimento. Seguindo o fio da meada, questionamos: se poderia decidir sobre a
prática, ou melhor, sobre o “para que” e o “como” da prática? E se essa
prática
é,
em
essência
técnico-simbólica,
posso
questionar
essa
essencialidade? Decidir sobre o modo de fazer técnica através de uma plataforma
cultural (e por natureza multidimensional), é fazer técnica quanto empirização
histórica e agir de natureza simbólica, poderíamos dizer que, ―a técnica é a
instrumentalização sistematizada da prática sócio-espacial, e o trabalho, sua
liberação processual‖. Neste sentido, segundo Santos (2006, p. 33) ―[...] As técnicas,
de um lado, dão-nos a possibilidade de empiricização do tempo e, de outro lado, a
possibilidade de uma qualificação precisa da materialidade sobre a qual as
sociedades humanas trabalham‖. A técnica transforma-se num aspecto constitutivo
do espaço num caráter histórico. Para muitos autores, afirma Santos (2006),
somente existe técnica quando o instrumento de trabalho, a máquina, o modelo de
organização, se inserem numa sociedade e se instalam num lugar. Daí o império
das condições sociais sobre o processo de difusão das inovações.
Neste caminho, se poderia entender a inovação como uma qualificação
criativa da ação diferenciadora? Claro, e se a inovação é ação na diferença,
podemos questionar novamente o que fundamenta seu ―ser‖ no movimento, ou seja,
seu ―como‖ e seu ―para que‖. Não é isto por acaso, “desconstruir” no sentido
Derridiano, não entendido de
forma negativa
como
destruição, mas
reconstrução no seu refazer? A proposta aqui é, encontrar na economia solidária,
um caminho quanto evento de desconstrução, para assim, reformular a inovação
(sem limitar sua multiplicidade conceitual e pragmática), como inovação social,
propositiva, coerente e consequente com o agir humano. Se esta inovação libera-se
do peso técno-científico e econômico capitalista com o qual carregou e ainda
carrega a inovação, não se poderia pensar numa nova valoração do agir
coletivo, do ser e fazer criativo das sociedades? Estamos convictos que sim, ir
além da valoração monetária do trabalho, reconhecendo a densidade sintética do
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social e relacional de um produto vendido no mercado, ou de um serviço oferecido à
sociedade, é imprimir consciência no consumo, fazer escolhas inteligentes, é
valorizar o local, o pequeno no imensamente simbólico, no intensamente humano.
E a menos que, o aqui apresentado, seja uma análise sociológica a-espacial,
temos falado evidentemente de territórios, e isto acontece quando a prática sócioespacial que média o habitar humano, se apreende na construção de ―mundo‖. E
consequentemente
falamos
de
territorialidades,
quando
empirizamos
a
(i)materialidade processual e histórica do agir sócio-espacial, da relação na ação, da
ação relacional.
3 – Desdobramento empírico
Para que o anteriormente exposto ganhe sentido, o conteúdo aqui referido,
corresponde a uma pesquisa maior que pretende analisar três circuitos econômicos
solidários através de suas práticas de inovação social. À luz disso, vamos apontar
brevemente as principais interfaces que caracterizam estes casos de estudo.
1° Estudo de caso: Agrosolidaria Seccional Apía. Atividade principal:
produção e comercialização local (frutas, café, mel, carne, leite, etc.). Município:
Apía, Risaralda. Associados: 132. Ano de fundação: 2008.
Apía é um município com uma grande capacidade associativa, com mais de
17 organizações do setor agropecuário (e outras 15 em outros setores),
organizações que ainda enfrentam muitas dificuldades, mas que com convicção e
trabalho mancomunado têm conseguido um avanço enorme para o município.
Desde a administração de Francisco Javier Alzate Vallejo 2004-2007 se
consolidaram e fortaleceram muitas das organizações que hoje existem em Apía.
Após o término do mandato desse prefeito, foi deixada com legado a semente de
uma seccional (autônoma) de Agrosolidaria, uma organização que conta atualmente
com 5 seccionais no departamento de Risaralda. Atualmente a nova administração
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(2012-2015) trouxe 1.904 milhões de pesos colombianos 2 , com um aporte de
contrapartida de 156 milhões.
O papel de Agrosolidaria foi fundamental para o território, formaram-se
circuitos na produção, transformação, comercialização e consumo. Muitas destas
organizações, algumas com mais de 19 anos de funcionamento e outras mais
recentes, conseguiram transformar toda essa energia coletiva em desenvolvimento
local, com ganhos na autonomia e governança da população. Porém, Agrosolidaria
padeceu do desdobramento de dos momentos, o primeiro, na fundação da
organização, possivelmente muito rápida, como salienta Francisco Javier Alzate, não
se planejou as vicissitudes que traria o acelerado processo de fundação. Neste
momento, tendo a característica de formar, possivelmente, um dos primeiros
circuitos econômicos solidários do setor agropecuário na região, não está alheia ao
amadurecimento nas organizações que a conformam (segundo momento), que no
transcurso do tempo foram capazes de prescindir do sistema que as criou ou
fortaleceu, quer dizer, Agrosolidaria perde representatividade, e se bem, o circuito
está ainda fragmentado, as práticas de inovação social são inegáveis e
potencialmente integradoras.
2° Estudo de caso: Ascrud (Asociación de Comunidades Rurales Unidas) e
Cooprocomd (cooperativa de produtores e comerciantes de Dosquebradas).
Atividade principal: produção e distribuição de produtos alimentícios de origem rural
ou urbano, organizados através de micro empresas. Municípios: Dosquebradas,
Guatica, Belén de Umbria e Marsella (Risaralda). Associados: 31. Ano de fundação:
2001.
Este segundo caso, com caraterísticas completamente diferentes, se projeta
como um circuito econômico solidário completamente funcional. Cooprocomd é uma
cooperativa derivada do trabalho de muitos anos da associação Ascrud (2001), a
qual funda os mercados camponeses de Dosquebradas. Com o propósito de
estabelecer redes de integração no setor solidário, Fernando Betancourt (membro
2
Conforme cotação do dia 07 de julho de 2015, R$ 1,00 equivale a 838,45 pesos colombianos (COP).
Disponível em: http://www.conversor-dolar.com.br/Real_Peso_Colombiano.
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do conselho de administração de Cooplarosa) apresenta um esquema baseado no
comercio justo, com o apoio da Cooperativa La Rosa (o principal músculo financeiro)
e diferentes processos encadeados. Atualmente se executa um projeto com
recursos da ACC (Asociación Canadiense de Cooperativas) e através de Gestando
(Incubadora Empresarial Colombia Solidaria), das 40 organizações escolhidas, 4 são
do departamento de Risaralda, os municípios de Dosquebradas, Guatica, Belén de
Umbria e Marsella. Com o desenvolvimento deste projeto, se gestou um circuito
econômico solidário; neste processo, se busca: Autonomia financeira, através de um
fundo solidário com um sistema de aporte e créditos vinculado com um sistema
comercial e de autoconsumo, quer dizer, uma Central de Acopio (loja de distribuição)
que distribui às lojas, obtendo assim, na compra e venda de produtos próprios das
organizações, interesses e benefícios em créditos e poupança. Sempre tendo em
vista o emprego dos próprios sócios, um sistema de transporte e distribuição, e um
consumo consciente e reciproco. Fundamenta-se, então, um dos princípios da
economia solidária: a integração, que por ampliação, é de natureza escalar.
3° Estudo de caso: Agrosolidaria Seccional La Celia. Atividade principal:
produção e comercialização local (principalmente banana da terra e café). Município:
La Calia, Risaralda. Associados: 114. Ano de fundação: 2010.
Este terceiro caso, tendo só cinco anos de funcionamento, e sem a
experiência de Apía ou o apoio financeiro de Dosquebradas, pretende mudar o perfil
produtivo do município, com autonomia político-econômica, segurança alimentar e
autoconsumo. A tarefa é maior, porque como explica William de Jesus Álvarez,
presidente de Agrosolidaria La Celia, o município tem que trazer quase todos os
alimentos que fornecem o município de fora (90%). Atualmente, por tradição, o café,
e a banana da terra, por rentabilidade, são os dois produtos que representam a
produção de La Celia. O problema não é da demanda, diz William de Jesus,
simplesmente é cultural, há uma racionalidade econômica errada, não se pensa que
o autoconsumo seja rentável, só um consumo desde uma lógica monetária é
possível.
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Neste aspecto, dois poderes têm sitiado o município, o prefeito, em
representação da administração municipal, e o sacerdote investido do poder da
religião, das crenças. Nenhuma destas duas instituições pensa numa política que
vise uma transformação agropecuária. Agrosolidaria La Celia, têm ganhos
significativos no tema organizacional, na força da economia solidária nas mudanças
socioculturais, políticas e econômicas. Aos poucos, melhorou o sistema de vendas,
controlando e regulando a estabilidade dos preços dos produtos no mercado, se
captam verbas do setor público e privado, nacional e de cooperação internacional,
melhorou a coesão social, a autonomia financeira, e, doravante, uma consciência
coletiva na demanda e na oferta, uma projeção consistente do sistema alimentar,
com autonomia político-econômica que reconheça os valores implícitos no processo
econômico e sócio-espacial do território.
4 – Conclusões
Nesta breve abordagem teórico-empírica, tentamos encontrar respostas
dialógicas entre conceitos inerentemente encadeados, trabalhos que contem
matrizes profundamente relacionais, dialeticamente inter e transdisciplinares,
conceitos que precisam da sua força polissêmica para questionar realidades, para
tornar seus olhares tão dinâmicos quanto complexos, e pela mesma razão, precisam
de
tecidos de
interlocução.
Vários
resultados,
ainda
não
completamente
apresentados, mostram como as práticas sócio-espaciais concebidas desde o poder
transformador e diferenciador das inovações, adquirem a valoração correspondente
ao trabalho social intrínseco no processo de organização, dotando de densidade os
resultados visíveis, sintéticos e processualmente relacionais.
Aliás, a proposta implícita na dialética geográfico-ambiental tenta permear a
linguagem bifurcada e dualista de homem ou sociedade-natureza, de natureza
interior, exterior, primeira ou segunda natureza, para pensar em novas matrizes
semânticas, que expliquem a diferença sem desnaturalizar a existência, sem
desconhecer o papel das sociedades, mas também sem torná-las egocêntricas.
Posto isto, propomos um diálogo com a emergência sistémica das interfaces: sócio-
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espacial, cultural e ecossistêmica, pensadas desde o ―contato‖ (equivalência entre
os fixos e fluxos), ―concentração‖ (preponderância dos fixos sobre os fluxos), e
―intercâmbio‖ (preponderância dos fluxos sobre os fixos). Esperamos poder
apresentar em próximos trabalhos, nossa matriz relacional, e aportar, pelo menos
minimamente, com diferentes abordagens geográficas e interdisciplinares nos
questionamentos dos processos, sensações de inconformidade e respostas que
damos as diversas realidades.
5 – Referências
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