Tendencias em HIV Vol 3 n1 2008 19 03 08 L6.indd

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Tendências
em
HIV•AIDS
Volume 3 - Número 1 - 2008
Editor chefe
Ricardo Sobhie Diaz – Universidade Federal de São Paulo
Corpo editorial
Adauto Castelo Filho – Universidade Federal de São Paulo
André Lomar – Hospital Israelita Albert Einstein
Artur Kalichman – Centro de Referência e Treinamento de DST/AIDS – SP
Artur Timerman – Hospital Heliópolis
Breno Riegel – Hospital Nossa Senhora da Conceição, Rio Grande do Sul
Celina Maria Pereira de Moraes Soares – Universidade Federal de São Paulo
Celso Ramos – Universidade Federal do Rio de Janeiro
Celso Francisco Hernandes Granato – Professor Adjunto da Universidade Federal de São Paulo
David Salomão Lewi – Universidade Federal de São Paulo – Hospital Israelita Albert Einstein
Eduardo Sprinz – Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Érico A. Gomes de Arruda – Hospital São José de Doenças Infecciosas do Ceará
Esper George Kallas – Universidade Federal de São Paulo
Estevão Portella – Universidade Federal do Rio de Janeiro
Giovana L. Baggio – Doutoranda da Disciplina de Infectologia, Universidade Federal de São Paulo
Guido Levi – Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo
João da Silva Mendonça – Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo
José Luiz de Andrade Neto – Universidade Federal do Paraná
Jeová Keny Baima Colares - Professor da Universidade de Fortaleza
Jorge Simão do Rosário Casseb – Médico Pesquisador do Laboratório de Imunologia 56 – LIM56 – Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo
Márcia Rachid – Assessoria de DST/Aids da Secretaria do Estado do Rio de Janeiro
Marcos Montani Caseiro – Professor da Fundação Lusíadas, Santos, SP
Marcos Vitória – Organização Mundial de Saúde
Marinella Della Negra – Instituto de Infectologia Emílio Ribas
Paulo Feijó Barroso – Universidade Federal do Rio de Janeiro
Paulo Roberto Abrão - Médica-Pesquisadora da Universidade Federal de São Paulo
Reinaldo Salomão – Universidade Federal de São Paulo – Casa de Saúde Santa Marcelina
Ricardo Pio Marins – Organização Panamericana de Saúde
Rosana Del Bianco – Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo
Shirley Cavalcante Vasconcelos Komninakis – Professora da Fundação Lusíadas, Santos – SP
Simone Barros Tenore - Médica-Pesquisadora da Universidade Federal de São Paulo
Unaí Tupinambás – Universidade Federal de Minas Gerais
Valdez Madruga – Centro de Referência e Treinamento de DST/AIDS – SP
ÍNDICE
O DIAGNÓSTICO DA INFECÇÃO AGUDA COMO ESTRATÉGIA DE PREVENÇÃO DA INFECÇÃO PELO HIV.............................................. 5
Ricardo da Silva de Souza
ADESÃO E SUCESSO DA TERAPIA ANTI-RETROVIRAL ............................................................................................................................... 13
Dra. Marcia Rachid
CONTRIBUIÇÃO DA APOPTOSE NA DIMINUIÇÃO DA CONTAGEM DE CÉLULAS T CD4 NO PACIENTE HIV .......................................... 18
Giovana L. Baggio – Zappia e Celso Spada
A ORIGEM DO HIV EM HUMANOS .................................................................................................................................................................. 23
Luiz Mario Janini
DESTAQUES ..................................................................................................................................................................................................... 27
RESUMO DE TESES ......................................................................................................................................................................................... 29
Atha Comunicação & Editora
Planejamento Editorial, Diagramação e Produção Gráfica
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EDITORIAL
Neste fascículo do periódico “Tendências em HIV/AIDS”, o artigo do Dr Ricardo Souza explora aspectos epidemiológicos
relacionados à infecção aguda pelo HIV e o potencial do entendimento do perfil destes pacientes no desenvolvimento
de instrumentos de prevenção. É interessante notar que a epidemia pelo HIV se faz as custas da alta viremia. Alguns
estudos demonstram que quase a totalidade das transmissões das infecções pelo HIV ocorre durante os primeiros
6 meses da aquisição do vírus[Fraser 2006]. É justamente nestes primeiros 6 meses que a carga viral é muito alta,
sendo que o platô de replicação viral ocorrerá após o sexto mês. Desta forma interrupção nas cadeias de transmissão
do HIV seriam muito mais efetivas a partir do momento que se consegue detectar as pessoas com a infecção recente
(menos de 6 meses) ou infecção aguda. Estratégias e instrumentos laboratoriais para identificação destes indivíduos
com infecção aguda/recente têm sido desenvolvidos e estão descritos no artigo do Dr Souza. Estas estratégias têm
sido aplicadas em pesquisas a partir de amostras de pacientes que procuram os Centros de Testagem anônima em
todo o mundo, inclusive no Brasil. De fato, nos dias de hoje, a triagem para a infecção pelo HIV deveria ser amplamente
estimulada. Hoje temos instrumentos diagnósticos mais precisos, sabemos exatamente quando intervir com relação
ao tratamento anti-retroviral e cadeias de transmissão potencialmente poderiam ser interrompidas com a detecção das
pessoas infectadas. Ou seja, nunca existiu melhor hora ou lugar para se saber do status anti-HIV, principalmente em
um país que dá acesso aos anti-retrovirais à sua população. A caracterização das amostras de pessoas com infecção
aguda ou recente também oferece ricas informações sobre a epidemiologia molecular do HIV. Temos a possibilidade de definir o perfil do vírus que está sendo transmitido no atual momento da epidemia; o vírus que deveria ser, por
exemplo, incluído como componente antigênico de uma vacina preventiva em determinada localização geográfica. Em
outras palavras, a caracterização do vírus de pessoas cronicamente infectadas não teria importância, pois estes vírus
podem não estar sendo transmitidos e ter um papel muito limitado na expansão da epidemia. Da mesma forma, com
a análise de amostras de pacientes com infecção recente consegue-se ter uma idéia da expansão de um determinado
tipo ou subtipo do HIV em uma determinada área, possibilitando assim o entendimento das razões epidemiológicas ou
biológicas para o crescimento de um determinado tipo de vírus. A análise de amostras de infecção recente também
nos fornecesse informações com relação a transmissão de vírus resistentes ao anti-retrovirais, na assim chamada de
resistência primária. Aliás, a resistência primária representa um problema seriíssimo relacionado à falta de adesão a
medidas de prevenção de transmissão. Isto porque quando ocorre a transmissão de um vírus resistente aos anti-retrovirais, em alguma etapa da cadeia de transmissão, algum indivíduo que sabia estar infectados, que tomava anti-retrovirais
e falhava ao tratamento anti-retroviral, premeditadamente expôs algum tipo de parceiro à infecção pelo HIV. De fato,
estudos realizados nos EUA demonstram que os indivíduos com baixa adesão ao tratamento anti-retroviral são exatamente aqueles que têm menor adesão a profilaxia de transmissão sexual e conseqüentemente os que mais expõem
seus parceiros [Flaks 2003]. E é justamente sobre a adesão ao tratamento o artigo escrito pela Dra Márcia Rachid.
Poderíamos até dizer que a baixa adesão é um problema que obviamente transcende o tratamento com medicamentos.
Ainda o artigo do Dr Souza aponta que entre os indivíduos que procuram os centros de testagem anônima, menos do
que a metade retorna para saber sobre o resultado, demonstrando mais uma vez uma falta de adesão ao sistema. A
adesão poderia ser considerada, portanto, um estilo de vida, onde as pessoas que aderem mal às normas e regras o
fazem de forma ampla. Como exemplo, um estudo em Ribeirão Preto aponta que entre os profissionais de saúde que
se expõe a material biológico em acidentes perfuro cortantes, os que faltam as consultas de acompanhamento são os
que mais apresentam novos acidentes subseqüentes (manuscrito de tese de livre docência da Profa. Dra Alcione Artioli
Machado). Ou seja, as mesmas pessoas que não aderem às consultas de acompanhamento são aquelas que aderem
mal às normas para prevenção de acidentes em ambientes hospitalares, como re-encapar agulhas, etc. Aliás, faltas
em consultas de rotina têm sido classicamente usadas como marcadores substitutivos de adesão aos medicamentos
prescritos. Assim sendo, apesar de todas as importantes normas para melhorar a adesão apresentadas no artigo da
Dra Rachid, o desafio que mudar o comportamento de uma pessoa pode ser tarefa fenomenal.
Ricardo Sobhie Diaz
REFERÊNCIAS
Fraser C, Hollingsworth T, Chapman R, et al. Quantifying the impact of primary infection on HIV transmission and control. Program and abstracts of the 13th
Conference on Retroviruses and Opportunistic Infections; February 5-8, 2006; Denver, Colorado. Abstract 162.
Flaks RC, Burman WJ, Gourley PJ, Rietmeijer CA, Cohn DL. HIV transmission risk behavior and its relation to antiretroviral treatment adherence. Sex Transm
Dis. 2003 May;30(5):399-404.
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O DIAGNÓSTICO DA INFECÇÃO AGUDA
COMO ESTRATÉGIA DE PREVENÇÃO DA
INFECÇÃO PELO HIV
DIAGNOSIS OF ACUTE HIV INFECTION AS A STRATEGY
FOR PREVENTION
Ricardo da Silva de Souza
Chefe do Laboratório de Pesquisa em HIV/AIDS Universidade de Caxias do Sul
RESUMO
Recentemente, surgiram novos dados de caráter epidemiológico e biológico que possibilitaram um melhor entendimento do
papel e da importância da IAH na transmissão do HIV. Ao mesmo tempo, novas tecnologias laboratoriais foram introduzidas, as
quais, tornaram o reconhecimento da IAH na rotina clínica uma realidade. A convergência dessas linhas de pesquisa possibilitou que a IAH se tornasse um ponto focal para inovação na área de prevenção do HIV. Neste trabalho, foram revisados novos
dados sobre IAH e métodos de detecção e discutidas as implicações destes para o desenvolvimento de estratégias inovadoras
de prevenção
Descritores: Infecção aguda pelo HIV, Prevenção, Transmissão do HIV
ABSTRACT
Recent observations from several groups suggest that individuals with acute (antibody negative) HIV infections may present for
‘routine’ HIV testing in unanticipated numbers. Most of these papers have highlighted the use of group testing strategies to screen antibody negative testing sera for HIV RNA using nucleic acid amplification tests. At the same time, accumulating evidence
indicates that acute HIV infection is a time of briefly, but substantially elevated risk for transmission of HIV. In this paper, we review
these new data with attention to their implications for HIV prevention strategies. By calling attention to a subset of patients that are
both recently infected and at transiently very high risk of transmitting their new infection to partners, acute HIV detection makes it
possible to use traditional, network notification-based public health strategies effectively in the fight against HIV.
Keywords: Acute HIV infection, Prevention, HIV transmission
INTRODUÇÃO
Aproximadamente 35.000.000 de pessoas estão infectadas
com o Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV)[1] — praticamente todas passaram por um período de infecção aguda
pelo HIV (IAH). Embora dezenas de milhares destes indivíduos tenham apresentado sintomas compatíveis com a síndrome retroviral aguda apenas poucos milhares de pacientes
com IAH foram diangnosticados até hoje. Historicamente, a
dificuldade para identificar pacientes com IAH levou a uma falta de conhecimento sobre sua história natural e consequentemente incertezas sobre a necessidade e o tratamento ideal[2]
ou conduta de saúde pública para os casos de AIH. Entretanto, recentemente, surgiram novos dados de caráter epidemiológico e biológico que possibilitaram um melhor entendimento
do papel e da importância da IAH na transmissão do HIV. Ao
mesmo tempo, novas tecnologias laboratoriais foram introduzidas, as quais, tornaram o reconhecimento da IAH na rotina
clínica uma realidade. A convergência dessas linhas de pesquisa possibilitou que a IAH se tornasse um ponto focal para
inovação na área de prevenção do HIV. Neste trabalho, foram
revisados novos dados sobre IAH e métodos de detecção e
discutidas as implicações destes para o desenvolvimento de
estratégias inovadoras de prevenção.
Notas:
1. Este artigo é uma adaptação do artigo Approaching “HIV elimination”: Interventions for acute HIV infection dos autores Christopher D. Pilcher,
Lisa Eaton, Seth Kalichman, Cláudia Bisol e Ricardo da Silva de Souza; publicado no periódico Current HIV/AIDS Reports, Volume 3, Número 4
de Dezembro de 2006 páginas 160 -168.
2. Agradecimentos a Carla T. Souza, Leonardo da Motta e Rosa, Dea Spearhack e Salete Tessari pela ajuda na revisão do manuscrito.
3. Agradecimentos Dr. Christopher Pilcher pela cedência das tabelas e figuras deste artigo.
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Infecção Aguda pelo HIV
Infecção aguda pelo HIV (IAH) ou infecção primária é o primeiro estágio da doença causada pelo HIV. Nesta fase, o RNA
do HIV ou carga viral pode ser detectado no sangue antes do
aparecimento de anticorpos específicos. A infecção primária
pode ser diferenciada da infecção “recente” (quando a detecção de anticorpos é realizada por meio da utilização de
ensaios imunoenzimáticos (EIE) comerciais, mas a concentração ou a avidez dos anticorpos ainda é reduzida); da infecção estabelecida, ou crônica, quando a resposta mediada por
anticorpos está completamente desenvolvida (Figura 1). Até
66% dos pacientes com IAH apresentam uma síndrome clínica inespecífica, auto-limitada,semelhante à mononucleose
chamada de síndrome retroviral aguda(4-8). Estudos sugerem
que o período de incubação da IAH varia de 5 a 31 dias contados a partir da exposição até o aparecimento dos sintomas
e possui uma duração média de 14 dias(4,9-11). Uma das principais características da síndrome retroviral aguda inclui o pico
de viremia do HIV (tipicamente em milhões de cópias de RNA
do HIV por mL de sangue) seguida, uma ou duas semanas
mais tarde, pelo aparecimento de anticorpos ou soroconversão(11, 2), e um ou dois meses mais tarde por uma diminuição
expressiva da viremia plasmática[13]. O diagnóstico da IAH é
dificultado pela ausência de anticorpos durante as primeiras
semanas da infecção. Por isto, a avaliação laboratorial deve
incluir testes que detectam ácidos nucléicos ou antígenos do
HIV, como o antígeno p24.
Figura 1. Testes diagnósticos para infecção pelo HIV: O tempo aproximado
pelo qual os vários ensaios tornam-se positivos formam a base para a
diferenciação dos casos de infecção aguda (RNA ou antigeno p24 positivo
e anticorpo negativo), recente (anticorpo positivo e negativo nos ensaios
menos sensíveis) ou crônica (fortemente positivo para antifcorpos).
(Adaptado de Fiebig)
Estratégias para detecção da IAH
Estudos que avaliaram os custos e a especificidade imperfeita
dos testes adicionais necessários para o diagnóstico da infecção pelo HIV durante a IAH(7, 8) indicam o uso de testes suplementares para detecção do antígeno p24 ou testes de amplificação dos ácidos nucléicos (TAANs) apenas em situações em
que haja suspeita clínica de IAH. Tais situações podem não
ser tão incomuns como previamente assumido. Rosenberg e
colaboradores(14) observaram que 1.0% dos pacientes com
testes negativos para mononucleose infecciosa pelo vírus
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Epstein-Barr (VEB) apresentavam sorologia consistente com
infecção aguda pelo HIV. Pincus e colaboradores(15) observaram em um serviço de urgência da cidade de Boston, que
1.0% dos pacientes com “sintomas virais” apresentavam IAH,
mesmo na ausência de suspeita clínica. Médicos em serviços
de atendimento primário são notadamente avessos a considerar IAH como uma possibilidade de diagnóstico clínico. Em
uma revisão de 30 casos bem sucedidos de diagnóstico de
IAH no estado da Carolina do Norte (EUA), Weintrob e colaboradores(16) relataram que a maioria dos pacientes necessitaram
retornar ao médico pelo menos três vezes até que IAH fosse
considerada uma explicação para as queixas inespecíficas de
síndrome retroviral aguda. Neste mesmo estudo, o diagnóstico de IAH só foi considerado depois do envolvimento de um
médico infectologista em 83% dos casos.
Devido às dificuldades associadas ao reconhecimento clínico
da IAH, as pesquisas na área têm focado na adaptação de
algoritmos de testagem que permitam o uso de ensaios moleculares ou testes para detecção do antígeno p24 na rotina de
triagem do HIV como testes suplementares. Atualmente, duas
abordagens são utilizadas visando a melhoria da acurácia e
da relação de custo-efetividade nos algoritmos de testagem
para HIV suplementados para detecção da IAH: 1) algoritmos
de testagem em grupo, ou pooling de amostras; e 2) testagem
direcionada a populações de alto risco.
Testagem em grupo: uma solução para a triagem de populações de baixo risco.
Nos ensaios moleculares disponíveis atualmente, o RNA
do HIV ou carga viral pode ser detectado com precisão em
amostras de sangue periférico alguns dias após a infecção
(Figura 1). A estratégia ideal compreende retestar as amostras anti-HIV negativas com metodologias moleculares. Esse
procedimento detectaria a maior parte dos casos de IAH nos
indivíduos testados, no entanto esta estratégia é de alto custo e também eleva as chances de resultados falso-positivos(8).
Estratégias de Testagem em grupo ou “pools” foram utilizadas
inicialmente pelos bancos de sangue como uma solução para
o elevado custo dos ensaios moleculares. Esta estratégia é
baseada na criação de grupos ou pools de amostras de vários
indivíduos. Na triagem de grupos de amostras, o grupo que
apresentar resultado positivo no ensaio molecular, deverá ser
desmembrado e suas amostras testadas individualmente. Os
algoritmos de testagem em grupo reduzem o número de amostras individuais que necessitam testagem molecular, reduzindo
o custo e, quando feita em níveis, também diminuem o potencial de resultados falso-positivos, aumentando a acurácia do
processo de testagem.
A aplicação da testagem em pools na triagem para o HIV foi
primeiramente sugerida por Quinn, et al(18) e utilizada prospectivamente no programa de testagem público do estado da
Carolina do Norte (EUA) na população de indivíduos que buscavam testagem para HIV no início do ano de 2002(19). Nos
primeiros 12 meses do programa de testagem suplementar
com testes moleculares em pools de amostras anti-HIV negativas na Carolina do Norte, 109.250 pacientes com risco de
infecção foram testados em 110 centros de testagem públicos
daquele estado, incluindo clínicas de pré-natal, de infecções
sexualmente transmissíveis, clínicas de planejamento familiar,
prisões e alguns outros locais não tradicionais de testagem.
Das 606 novas infecções identificadas, 583 apresentavam anticorpos (anti-HIV positivas) e um número adicional de 23 casos (4% das infecções identificadas no estado) eram anti-HIV
negativos, ou seja, apresentavam infecção aguda para o HIV.""
Em um ano de testagem contínua, foram observados pelo laTendências em HIV • AIDS (Volume 3- Número 1 - 05-12)
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boratório estadual somente dois resultados falso positivos nos
testes moleculares. Estimativas do valor preditivo positivo e
especificidade durante o período de uso do algoritmo de testagem em grupo que utiliza testes baseados na amplificação do
ácido nucléico (TAAN) ou moleculares foi 0.997 (Internvalo de
Confiança de 95%, 0.988 a >0.999) maior que 0.999 (Intervalo
de Confiança de 95%, 0.999 a >0.999), respectivamente; e o
custo adicional por teste realizado neste estudo foi de apenas
$3.63 dólares americanos. Os autores concluíram que os testes convencionais utilizados para triagem baseados na detecção de anticorpos não são suficientemente sensíveis como se
acreditava e que os testes utilizados nas rotinas de triagem
não são capazes de detectar as infecções na fase de maior
potencial de contágio, na infecção aguda. O programa do estado da Carolina do Norte, hoje, tem financiamento permanente
e a utilização da testagem em grupo demonstrou resultados
consistentes nos anos subseqüentes a sua implantação.
Resultados similares foram obtidos em diversas populações
urbanas que buscam testagem para HIV: São Francisco(17),
Los Angeles(20), Atlanta(21) e Seattle(22) nos Estados Unidos da
América e em Johannesberg(23), na Àfrica do Sul, os quais
estão resumidos na tabela 1. Estes estudos indicam que a
testagem de pools de amostras com TAANs pode ser uma alternativa promissora, entretanto, existem limitações nesta estratégia. Os TAANs são técnica e operacionalmente complexos, necessitam nível avançado de infra-estrutura laboratorial,
de programas de qualidade e requerem que as amostras de
sangue total sejam processadas previamente à realização do
ensaio. Assim sendo, a estratégia de testagem de pools de
amostras com TAANs pode não ser viável em áreas com limitada infra-estrutura laboratorial, ou situações onde a flebotomia convencional e o processamento de amostras possam
ser problemáticos.
Estudo
Local
População
Testagem direcionada a populações de alto risco
O desempenho e custo-efetividade dos testes de triagem dependem, em parte, da prevalência da doença na população a
ser testada. Em situações em que a testagem em pools seguida de TAAN não seja viável, uma abordagem alternativa para
melhorar a acurácia (valor preditivo positivo) e as questões de
custo ligadas aos TAANs ou testes de antígenos virais é direcionar a testagem para populações com reconhecida alta prevalência de IAH (ex., mais de 1 caso de IAH por 1.000 amostras anti-HIV negativas). Na Tabela 1 são apresentados cinco
estudos recentes que avaliaram prospectivamente estratégias
de triagem da IAH em áreas endêmicas como na Índia[5], Sul
do Brasil(24), África do Sul(23) e Maláui(13,25). Os pesquisadores
identificaram mais de três casos de IAH por 1.000 indivíduos
nas suas respectivas populações de testagem e estes casos
representam mais de 1% de todos os novos casos de infecção. É importante salientar, que dois estudos(5,25) utilizaram
ensaios do tipo enzime linked immunosorbent assay (ELISA)
que detectam somente antígeno p24 para identificação de
casos agudos e outro estudo(24) utilizou ELISA de quarta geração, ou seja, que detecta simultaneamente antígeno p24 e
anticorpo anti-HIV. Estudos formais para avaliar o desempenho serão necessários para determinar o método com maior
acurácia e custo-efetividade para a identificação de casos de
IAH em áreas com alta prevalência do HIV. Entretanto, esses resultados esclarecem que a detecção de IAH em larga
escala com métodos não-moleculares são viáveis mesmo em
áreas do mundo com limitada infra-estrutura laboratorial.
Testes utilizados
n
Prevalência*
(%)
(Anti- HIV+)
Casos
adicionais de
IAH**
EIE de 1a geração, pool
com TAAN
EIE de 2a geração, pool
com TAAN
109,250
0.5
(%)
3.6
São Francisco
Centros de
Testagem
Clinica de IST
3,075
3.4
10.5
Los Angeles
Clinica de IST
1,712
0.8
7.1
Stekler, et al. [22]
Seattle
Somente HSH
3,525
2.3
8.6
Priddy, et al. [21]
Atlanta
2,202
3.0
6.1
Stevens, et al. [23]
Johannesburg,
África do Sul
1,906
35.2
1.8
Pilcher, et al. [6]
Lilongwe, Maláui
929
46.8
5.0
Fiscus, et al. [25]
Lilongwe, Maláui
Centro de
Testagem e
Clinica de IST
Centro de
testagem e
Clinica de IST
Clínica ISThomens
Clínica de ISTtodos
EIE de 2a geração, pool
com TAAN
EIE de 1a e 3a geração,
pool com TAAN
EIE de 2a e 3a geração,
pool TAAN
1,450
40.5
3.6
deSouza, et al.
[24]
Porto Alegre,
Brazil
933
19.1
2.8
Pilcher, et al. [19]
Carolina do Norte
Klausner, et al.
[17]; Patel, et al.
[20]
Patel, et al. [20]
Centro de
Testagem
EIE de 3a geração, pool
com TAAN
Testes rápidos, pool com
TAAN
Testes rápidos, ELISA p24
padrão e com dissociação
de imunocomplexo, pool
com TAAN
EIE de 3a e 4a geração,
pool com TAAN
* A prevalência da infecção pelo HIV foi definida como positividade nos ensaios de detecção de anticorpos.
**Casos adicionais de IAH (%) foram calculados da seguinte forma: número de casos de IAH dividido pelo número total de casos anti-HIV + x 100.
Tabela 1. Estudos Recentes sobre testagem para HIV que inclui detecção de infecção Aguda (IAH).
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Estágio da infecção e o risco de transmissão
Há muito foi sugerida a hipótese de que a IAH, caracterizada
pela viremia acentuada, seria uma fase da infecção em que o
paciente apresenta alto potencial de transmissão a terceiros(26).
Estudos recentes, permitiram uma melhor compreensão no
que tange às características virais e do hospedeiro que contribuem para determinar a transmissão durante o período de
infecção aguda e de infecção crônica. A transmissão sexual do
HIV depende da contagiosidade do caso índice e da susceptibilidade do parceiro(s) sexual HIV negativo(27). Entre os fatores
que contribuem para a probabilidade de transmissão do HIV,
acredita-se ser particularmente importante, as concentrações
de HIV no sangue e nas secreções genitais do transmissor(28,29).
Com o objetivo de caracterizar a história natural da excreção
do HIV genital e a sua relação com a transmissão do HIV, grupos de pesquisa internacionais(13,25,30) coletaram amostras de
sêmen doadas por pacientes durante a fase de infecção aguda
e logo após a sua resolução clinica. Um estudo envolvendo
pacientes com infecção aguda causada pelo subtipo C em
clínicas de infecções sexualmente transmissíveis do Maláui e
seguidos longitudinalmente para avaliação da excreção genital do HIV, observou um aumento significativo e reprodutível
da excreção viral em torno da quarta semana da infecção durante o período de IAH, com a excreção caindo rapidamente
em torno da oitava semana após a exposição efetiva. Estes
resultados foram reproduzidos em outros estudos mais detalhados sobre a excreção genital do HIV que foram realizadas
em macacos com infecção aguda experimental por SHIV[31].
Modelos matemáticos(32,3) sugerem que a magnitude da excreção ou shedding do HIV em torno dessa fase é suficiente para
causar aumentos abruptos nas chances de transmissão por ato
sexual. O rápido declínio da excreção genital do HIV entre a
quarta e oitava semanas da infecção aguda, reforça a idéia de
que as pesquisas de intervenção devem voltar suas atenções
para os períodos mais iniciais da infecção.
Evidências epidemiológicas corroboram a idéia de que a excreção transitória do HIV nas secreções genitais que ocorre
durante IAH pode levar a transmissão eficiente. Os pesquisadores de modelos matemáticos Jacquez(33) e Koopman(34)
demonstraram que os aumentos observados na epidemia nas
décadas de 80 e 90 na cidade de São Francisco nos EUA,
poderiam ser explicados por modelos matemáticos que consideravam a eficiência da transmissão durante a IAH. Em estudos abrangendo outras populações, Peterman(35) e Leynaert[36]
confirmaram que os parceiros sexuais de soroconversores
recentes apresentavam maior incidência para o HIV quando
comparados com os parceiros de pessoas infectadas cronicamente. Os dados mais sugestivos neste assunto, entretanto,
têm origem no estudo realizado no distrito de Rakai, Uganda,
conduzido por Wawer e colaboradores(37). Estes dados sugerem que a “hipercontagiosidade” da IAH pode ter um impacto
significativo na disseminação do HIV(38). Entre 1994 e 1999,
foi conduzido um grande ensaio clínico em Rakai com o objetivo de determinar se o tratamento intenso e intermitente com
terapias contra infecções sexualmente transmissíveis poderia
reduzir a disseminação do HIV(39). Um total de 15.127 sujeitos
de 56 vilarejos contribuíram com dados sobre o seu comportamento sexual e de seus parceiros durante o estudo, permitindo aos pesquisadores avaliar retrospectivamente e realizar o
seguimento longitudinal de 235 casais em que apenas um dos
parceiros fosse HIV positivo, conhecidos como casais discordantes. Os pesquisadores conseguiram, assim, calcular a taxa
pela qual o HIV foi transmitido dos pacientes índices para os
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parceiros susceptíveis, por coito, e de acordo com o estágio
da infecção do paciente índice. Pacientes índice com infecção recente (infectado em media há 2.5 meses) transmitiram o
HIV para os seus parceiros a uma taxa de 8.2/1000. Sujeitos
com infecção crônica pelo HIV transmitiram com menor eficiência (com uma taxa de 7-15 transmissões por 10.000 coitos),
e aqueles com infecção avançada (não controlada e não tratada) transmitiram o HIV a uma taxa de 2.8/1000 [37]. Este
importante trabalho também foi o primeiro a estimar empiricamente a proporção de parceiros potenciais a ser infectados
durante os primeiros cinco meses de infecção aguda (43%),
um número semelhante aos números observados no estudo
de coorte realizado na Carolina do Norte, em que os pacientes
identificados com AIH eram contatados em tempo real como
parte do processo de testagem ampliada(40).
A lógica para intervenção de saúde pública
O atual conhecimento sobre a transmissão do HIV durante a
infecção aguda requer uma nova abordagem no âmbito da
saúde pública para o HIV(38). O modelo mais conhecido para o
combate de doenças sexualmente transmissíveis em sua fase
aguda é sem dúvida o modelo de prevenção e controle da
sífilis, conhecido como “eliminação da sífilis”[41]. Neste modelo, o monitoramento e a prevenção são suplementados por
uma estratégia de intervenção em rede que reconhece a importância central da identificação precoce da sífilis na cadeia
de transmissão (Figura 2).
Figure 2. Adotando o paradigma da sífilis: trabalhando com casos
agudos. Em um sistema de notificação centrado na identifcação de
casos de IAH, similar ao modelo da sífilis, o reconhecimento de um caso
agudo (círculo xadrez) é visto como um evento de monitoramento que
aciona a busca ativa de parceiros para entrevistas, aconselhamento para
redução de risco de exposição e, quando apropriado, testagem para o HIV.
Individuos são identificados com risco de infecção ao HIV (círculos claros)
ou doença ativa (círculos escuros) e um risco aumentado de transmissão.
Intervenções comportamentais devem ser aplicadas em vários locais da
rede para evitar maior disseminação.
Nesse modelo os casos de sífilis primária são imediatamente
aconselhados e tratados para reduzir o potencial de transmissão em curto prazo enquanto o processo de busca ativa e
notificação do parceiro visa identificar os parceiros próximos
do paciente agudo para aconselhamento e triagem para sífilis.
Nesta abordagem, que se mostrou bem sucedida ao longo
dos anos, os casos agudos têm um caráter sentinela, criando
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assim oportunidades para ação imediata para interromper a
cadeia de transmissão.
Estratégias para a redução do risco do indivíduo.
Casos de infecção aguda pelo HIV proporcionam uma oportunidade idêntica ao modelo da sífilis para a interrupção da
cadeia de transmissão nas redes de contato sexual ou de uso
de drogas injetáveis. Similar aos casos de sífilis primária, o
período existente para ações imediatas e eficazes de intervenção objetivando a prevenção da transmissão por um paciente
com infecção aguda é muito pequeno (4 a 8 semanas). A eficiência de qualquer intervenção está diretamente relacionada
à intensidade e rapidez com a qual ela é aplicada. Diagnóstico
precoce, rapidez na devolução de resultados e procedimentos eficientes de notificação de resultados são fatores importantes para os resultados da intervenção da IAH (Figura 3). As
intervenções para IAH devem apresentar um impacto imediato
no comportamento de risco do indivíduo; elas também devem
ser entregues no momento certo tanto para o paciente com
AIH e para os membros da cadeia que estejam em risco.
Vários tipos de intervenção existentes podem ter um papel importante nestas situações. A terapia com anti-retrovirais pode
reduzir a infectividade nos primeiros meses da IAH, especialmente nos casos de gravidez(42). A simples notificação de um
resultado positivo a um paciente, a doação de preservativos
ou propiciar aconselhamento específico podem ter um efeito
similar ou até maior na transmissão sexual do HIV.
Intervenções baseadas em aconselhamento breve e direciona-
Figure 3. Linha do tempo para intervenção para a infecção aguda: O
período de maior contagiosidade na IAH está concentrado nas primeira
oito semanas após o início da viremia. Assim, a eficácia de qualquer
intervenção depende não apenas da testagem precoce, mas também de
um tempo curto para intervenção no paciente agudo e seus parceiros. O
potencial para interrrupção da cadeia de transmissão é representado pela
faixa preta.
do para redução de risco têm se mostrado efetivas em vários
cortes populacionais(43). Encontros com sessão única podem
resultar em significativa mudança de comportamento de risco
quando realizado em serviço de saúde, especialmente quando
os pacientes estão motivados para mudança. Os chamados
“momentos de aprendizado” incluem serviços de orientações
sobre infecções sexualmente transmissíveis e também testagem para HIV. Por exemplo, o Centro para o Controle e Prevenção de Doenças, nos Estados Unidos (CDC) demonstrou no
projeto RESPECT que duas sessões de aconselhamento para
redução de risco com duração de 20 minutos cada combinada
com a testagem para HIV apresentou a mesma eficiência na
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redução de comportamento de risco para HIV e recorrência de
infecções sexualmente transmissíveis comparado com quatro
sessões de intervenção com aconselhamento ampliado(44). A
intervenção com aconselhamento do projeto RESPECT é centrada na disponibilização de educação relativa à redução de
risco e avaliação do risco individual que formam a base de um
plano individualizado de redução de risco. O aconselhamento
do projeto RESPECT também se baseia no relacionamento estabelecido entre o aconselhador e o cliente dentro do contexto
dos serviços oferecidos em clinicas de infecções sexualmente transmissíveis (IST). Os resultados demonstraram que os
participantes das duas sessões de intervenção com aconselhamento para redução do comportamento de risco apresentaram uma redução de 30% no número de novas IST em seis
meses de seguimento e de 20% em 12 meses de seguimento
quando comparado com os participantes que receberam apenas informações teóricas sobre o assunto. Assim sendo, duas
sessões de aconselhamento realizadas em conjunto com a
testagem para o HIV demonstraram uma redução importante
na recorrência de IST. Resultados semelhantes foram publicados em um estudo posterior que ocorreu no contexto de um
programa de testagem rápida para HIV(45). Os resultados dos
dois estudos são particularmente importantes, pois referem-se
a indivíduos que apresentaram resultados negativos no teste
para o HIV, os quais são menos susceptíveis a mudanças de
comportamento após o processo de testagem. Weinhardt et al
[46]
demonstraram que os indivíduos com resultados positivos
no teste para HIV apresentam maior grau de mudança comportamental pós-testagem. Existem evidências que mudanças
no comportamento de risco após o recebimento de resultado
positivo para o HIV são mantidas por longos períodos de tempo(47). Aconselhamentos breves para a redução de risco podem
ser realizados em populações de alto risco para a infecção,
independentemente da testagem para HIV(48-50). Estes modelos
são adaptáveis para uso em situações com IAH e podem ser
utilizados em trabalho de campo como parte dos procedimentos para notificação de parceiros descritos abaixo.
É importante salientar, que um pequeno número de pessoas que recebe resultado positivo para o HIV reverte para um
comportamento de alto risco, necessitando de intervenção
comportamental além do aconselhamento e testagem convencionais. Não está claro, ainda, se a redução de comportamento de risco de longa duração é mantida ou melhorada
com a entrada do paciente no sistema de saúde. Desta forma,
ações de saúde pública voltadas para a IHA devem fazer parte
e ser integradas com aos serviços médicos e de saúde pública oferecidos na comunidade.
Intervenção rápida nas redes de transmissão: Serviços
de Aconselhamento e Referenciamento de Parceiros
(SARP)
Como nos casos de sífilis primária e mantendo o modelo da
eliminação da sífilis, a investigação epidemiológica ativa dos
casos de IAH pode propiciar a notificação do parceiro/rede de
transmissão e ações de redução de risco (testagem, aconselhamento, tratamento) para interromper a cadeia de transmissão do HIV. Serviços de Aconselhamento e Referenciamento
de Parceiros (SARP) são conhecidos como uma estratégia eficaz para aumentar o número de pessoas que recebem aconselhamento e o resultado do teste de HIV e, conseqüentemente, reduzir o número de indivíduos que desconhecem o seu
estado sorológico(51-53). Os parceiros podem ser notificados de
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várias maneiras, entretanto, a notificação é geralmente feita de
maneira voluntária por meio de referenciamento por parte do
paciente ou profissional da saúde. O sucesso da notificação
de parceiros, avaliada de acordo com os números de parceiros contatados, é, na maioria dos casos, mais bem sucedida quando o referenciamento é realizado por um profissional
de saúde(54). Nessas circunstâncias o profissional de saúde,
conhecido como especialista de intervenção, irá notificar parceiros passados do indivíduo infectado pelo HIV (paciente índice) sem identicá-lo. Embora exista preocupação em relação
as consequências da notificação para o paciente índice, como
a perda da confidencialidade e possível retaliação por parte
do parceiro, os indivíduos contatados pelo SARP podem ser
beneficiados pela oportunidade da testagem pelo HIV e, no
caso de resultado positivo, pelo melhor acompanhamento de
sua infecção e tratamento quando necessário(55).
A aceitação do SARP foi bem estabelecida em várias situações: Passin e colaboradores(56) revisaram 25 estudos relacionados a notificação de parceiros nos EUA e relataram que
a maioria das pessoas nestes estudos estavam dispostas a
participar do programa de referenciamento de parceiros (5597%) e quase a totalidade dos pacientes estavam dispostos a
participar do programa se referenciamento fosse realizado por
profissionais da saúde, (mulheres-89%; homens heterosexuais
92%), entretanto, homens que fazem sexo com homens (HSH)
se mostraram menos dispostos a participar (80%). Concluindo, indivíduos preferem ter seus parceiros atuais e passados
notificados por um profissional da saúde ao invés de ter que
fazê-lo pessoalmente. As razões associadas a esta preferência foram atribuidas a fatores relacionados com a orientação
sexual, tipo de relacionamento com o parceiro e história de
uso de drogas. Embora as barreiras a notificação, tais como
reações negativas de parceiros (abuso, violência. abandono,
etc.) sejam reais, os estudos observaram que, na realidade, os
participantes desses estudos relataram poucas experiências
negativas e que os seus relacionamentos, em geral, não haviam terminado como resultado da notificação(56).
Ainda que essa estratégia seja aceitável a os argumentos sejam fortes para a utilização do SARP nas situações de IAH e
infecções tardias, a eficácia do SARP como instrumento para
a redução da transmissão do HIV não está totalmente comprovada. Atualmente, aproximadamente, um terço dos indivíduos com novo diagnóstico de infecção pelo HIV nos EUA
recebem alguma forma de SARP. Esses programs apresentam
condições e circunstâncias diferentes e também váriado grau
de sucesso na localização de parceiros.
Embora Foust e colaboradores tenham observado 87% de
sucesso na busca de parceiros nominados e detecção de um
novo caso de infecção pelo HIV para cada 11 parceiros nominados no estado da Carolina do Norte [57], Golden e colaboradores [58] mostraram que em Seattle, EUA, até 39% dos
parceiros identificados pelo paciente índice não podiam ser
localizados, se recusavam a fazer o teste ou negavam o diagnóstico de HIV do parceiro. Em outro estudo sobre notificação
de parceiros o índice de sucesso de localização foi de 70%
para os parceiros atuais e 0% para os parceiros passados(55).
Experiências iniciais com SARP no contexto da infecção
aguda pelo HIV
As primeiras experiências com SARP no contexto da infecção
aguda pelo HIV foram realizadas no estado da Carolina do Norte (EUA)(40): Entre os meses de novembro de 2002 e outubro
de 2004, o sistema público de testagem daquele estado iden-
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ficou 48 indivíduos com infecção aguda, apresentando resultados TAAN+/Ab- para o HIV; 45 (94%) foram aconselhados
com sucesso e 44 tiveram seus resultados confirmados para
infecção aguda. Em suas entrevistas com os especialistas de
intervenção, os casos índice com IAH relataram ter tido, em
media, 130 parceiros nominados e 69 parceiros anônimos nos
últimos seis meses. Estes resultados apontam uma taxa de
3.17 parceiros nominados por caso índice, aproximadamente
6 vezes maior que a taxa observada por Foust no mesmo estado para parceiros de pacientes com infecção crônica pelo HIV.
Em torno de 78% dos parceiros nominados por pacientes com
IAH foram notificados com sucesso, e 67% dos parceiros HIV
negativos aceitaram a testagem. Estimou-se que em 56% dos
casos, o provável paciente fonte da infecção foi entrevistado
e aconselhado. Considerando todos os parceiros nominados
pelo pacientes índice, 39% eram HIV positivos. Foi identificada, nestas redes, uma prevalência de11% para o HIV entre os
parceiros com teste HIV negativo recente. O sucesso desse esforço em rapidamente contatar, aconselhar e entrevistar
indivíduos no contexto das redes de alto risco com eventos
de transmissão ocorrendo em tempo real, representa prova
conceitual de que a estratégia de combate a sífilis pode ser
aplicada para a “eliminação do HIV”.
Desenvolvendo estratégias para “eliminação do HIV”
como um desafio global
Para que a detecção dos casos de IAH e consequente intervenção possam contribuir para o controle da transmissão a nível
global é necessário o desenvolvimento de estratégias eficazez
e culturalmente apropriadas as necessidades e locais. Embora
esses programas possam variar em magnitude e objetivos, todos devem possuir certos quesitos básicos: 1) um sistema de
testagem e aconselhamento que consiga alcançar boa parte
das pessoas em risco de infecção; 2) testes laboratoriais capazes de diferenciar com acurárcia indivíduos com IAH e infecção
crônica; 3) habilidade de devolver os resultados dos testes aos
pacientes com rapidez; 4) capacidade de intervenção direta
nas redes de risco infecção (ex. programas do tipo SARP); e
5) estratégias para redução do risco que incluam vínculo com
os serviços de saúde e prevenção para as pessoas que participam dessas redes. Exemplo do Brasil
Na condição de um país em desenvolvimento com uma prevalência moderada (0.65%; Programa Nacional de AIDS, 2007),
o Brasil é reconhecido por controlar ativamente a epidemia do
HIV por meio de uma resposta de saúde pública abrangente, que inclui acesso universal aos anti-retrovirais(59) e a programas de testagem, aconselhamento e monitoramento da
infecção(60). Programas de redução de danos e distribuição
de preservativos têm sido descritos como bem sucedidos(60,61),
como também esforços recentes que visam dobrar o número
de pessoas que buscam testagem e aconselhamento para o
HIV nos próximos anos(62). O diagnóstico da infecção pelo HIV
no Brasil segue as normas da Portaria número 59 de 2003 que
determina o conjunto de procedimentos para o diagnóstico
sorológico da infecção pelo HIV e pela Portaria número 34 de
2005 que regulamenta e propõe um algoritmo com testes rápidos, recentemente validados no país.
Mesmo assim, a epidemia no Brasil apresenta desafios importantes. Com um número estimado de 600,000 casos [63]
concentrados em algumas regiões do país e o aparecimento
recente, na região sul, de uma epidemia dominada pelo HIV
subtipo C(64) com características epidemiológicas distintas(65)
há muito ainda a ser feito. Nos maiores centros de testagem e
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aconselhamento do sul do Brasil, as estimativas de prevalência da infecção pelo HIV variam entre 12 to 19%. Como então
as estratégias para “eliminação do HIV” devem ser incorporadas a um programa de prevenção e controle de doenças para
combater esta epidemia?
Primeiro, resultados de testes de HIV devem estar disponíveis
com rapidez e qualidade. Atualmente, testes de HIV estão disponíveis em todas as regiões brasileiras, entretanto centros
especializados com testes confirmatórios são menos comuns
e, especilamente, na Região Norte, aonde a transmissão vertical do HIV e sífilis congênita continuam sendo um problema,
as dificuldades operacionais e a centralização da rede laboratorial acarreta longos períodos de tempo para a devolução dos
resultados laboratoriais, chegando até a algumas semanas(66).
Outra situação comun é a dificuldade na devolução dos resultados devido ao não retorno dos pacientes aos centros de saúde. Estudo recente sobre os centros de testagem brasileiros
demonstrou que 30.3% têm uma taxa de retorno que fica entre
51% e 75%(69). Com o objetivo de melhorar o acesso a testagem e aumentar o número de indivíduos que completam o processo de testagem, o governo brasileiro começou a investir em
testes rápidos para o HIV, realizando estudos de validação[67],
estimulando a produção nacional e desenvolvendo uma rede
descentralizada para a implementação de centros de testagem
com testes rápidos.
No Brasil, as estratégias para identificar e intervir na IAH devem ser planejadas como parte de uma estratégia nacional
compatível com o programa de teste rápidos. Testes de baixa
complexidade operacional, baixo custo, alta qualidade e que
possibilitem uma rápida devolução de resultados, são pontos
importantes a serem considerados.
Testagem em grupo ou “pools” de amostras com testes de amplificação do ácido nucléico foram adotados pelos países desenvolvidos e pela maioria dos programas de triagem para IAH
dos EUA, porém é um processo operacionalmente complexo
talvez mais apropirado para grandes laboratórios centralizados. Entretanto, existe uma alternativa mais apropriada para a
realidade do Brasil. Os EIE de quarta geração desenvolvidos
para detectar casos de IAH por meio da detecção simultânea
de anticorpos e antigeno p24 já estão disponíveis comercialmente no Brasil e em outros países. Devido a seu formato ELISA esses testes estão sendo utilizados em laboratórios com
grande ou pequeno volume de testes em sua rotina.
Quando utilizados em conjunto com o resultado de um teste
rápido anti-HIV no contexto de uma rede laboratorial descentralizada, os teste de quarta geração pode ser uma alternativa
simples e rápida para confirmar testes rápidos positivos e detectar casos de IAH entre os testes rápidos negativos. Nesse
cenário, um paciente com resultado de teste de quarta geração
positivo e resultado de teste rápido negativo seria considerado
“possível IAH’; um paciente com os dois resultados positivos
seria considerado como tendo infecção confirmada pela detecção de anti-HIV.
O custo-efetividade, sensibilidade e valor preditivo positivo dos
esaios de quarta geração para identificar pacientes com IAH em
indivíduos HIV negativos são desconhecidos, mas podem ser
facilmente estabelicido. Como um método para identificar IAH,
é importante salientar que o uso de dois testes em paralelo (um
para detectar anticorpos, e outro para detectar anticorpo/antígeno) seria mais eficaz se utilizado em populações ou áreas
do Brasil com altas taxas de infecção aguda. Especificamente
direcionando a testagem para IAH em areas de alto impacto se
estaria consistente com a estratégia “eliminação do HIV”.
A segundo maior desafio para implemtar um programa de prevenção e controle direcionado a IAH é escolher umaa estratégia de intervnenção capaz de conciliar a redução de riscos
dos membros das redes ligadas ao caso de IAH a curto (imediatamente) e médio prazo (manutenção). Existe uma esforço
de notificação de resultados no Brasil, com até 67% das clínicas apresentando algum tipo de procedimento para contato de pacientes para garantir a devolução dos resultados(59).
Mesmo assim, existem poucos trabalhos publicados em relação ao aconselhamento e referenciamento de pacientes(68). O
desenvolvimento de procedimentos especificos para o SARP
deve levar em conta a realidade cultural e as bases teóricas
existentes como as descritas anteriormente.
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Tendências em HIV • AIDS (Volume 3- Número 1 - 05-12)
19/3/2008 15:36:12
ADESÃO E SUCESSO DA TERAPIA
ANTI-RETROVIRAL
ADHERENCE AND SUCCESS OF ANTI-RETROVIRAL THERAPY
Marcia Rachid
Médica da Gerência de DST/Aids, Sangue e Hemoderivados SESDEC-RJ (Secretaria de Saúde do Estado do Rio de
Janeiro); Membro do Grupo de Consenso para Terapia Anti-Retroviral do Ministério da Saúde; Coordenadora da Câmara
Técnica de AIDS do CREMERJ.
RESUMO
A terapia anti-retroviral altamente ativa ou terapia tripla se tornou disponível a partir de 1996, reduzindo a mortalidade e melhorando a qualidade de vida do paciente HIV soropositivo. Devido à complexidade dos esquemas terapêuticos a decisão sobre
quando e como começar é extremamente importante. Os anti-retrovirais reduzem drasticamente a carga viral plasmática, sendo
a adesão ao tratamento um dos pontos mais importantes para a manutenção dos níveis de replicação indetectáveis, além de
impedir o surgimento de resistência viral. Dados sugerem que a adesão em torno de 80% é suficiente para o tratamento de
diferentes doenças crônicas, no entanto, a adesão deve ser superior a 95% para que a terapia anti-retroviral seja eficiente. Este
artigo pretende discutir as causas da falta de adesão relacionadas ao paciente, assim como discutir medidas que possam ser
úteis no sentido de tornar o paciente aderente à terapia anti-retroviral.
Descritores: Adesão terapêutica, Terapia anti-retroviral tripla.
ABSTRACT
The highly active anti-retroviral therapy or HAART is under use since 1996, improving both the length and quality of life in HIVinfected patients. Because of the complexity of the therapeutic schemes the decision about when and how to start is extremely
important. HAART drastically reduces HIV plasmatic viral load, and adherence is one of the most important contributing factors,
conversely, resistant strains of HIV arise when drug adherence is poor. Studies suggest that about 80% of adherence is sufficient
to treat some chronic disease; however, the adherence must be up to 95% to an efficient anti-retroviral therapy. This article aims
to discuss the causes of the lack of adherence among the HIV seropositive patients as well to discuss the strategies that can help
to improve the adherence to HAART among these patients, improving their management.
Keywords: Therapeutic adherence, Highly active anti-retroviral therapy, HAART.
INTRODUÇÃO
A terapia anti-retroviral altamente ativa (HAART ou terapia tripla
ou, ainda, coquetel, como é mais conhecida entre os leigos)
se tornou disponível a partir de 1996, modificando a evolução
da infecção pelo HIV, reduzindo a mortalidade e melhorando
a qualidade de vida do paciente ao prevenir a progressão da
imunodeficiência(14,16). Devido à complexidade dos esquemas,
a decisão de quando e como começar é muito importante.
O paciente precisa compreender não só o regime terapêutico proposto, mas também que há risco de desenvolvimento
de resistência do HIV quando ocorrem falhas na administração da medicação(13). O início da terapia deve coincidir com
o momento em que o paciente se sente seguro e já tenha
entendido bem os objetivos e a necessidade de adesão ao
tratamento(13,25).
Os esquemas anti-retrovirais reduzem rapidamente a carga
viral plasmática quando a pessoa é virgem de tratamento e a
adesão adequada é um dos principais responsáveis pela manutenção dessa indetectabilidade, impedindo a resistência viral(21). Na prática (vida real), diferente do que é observado nos
ensaios clínicos, somente 50 a 70% dos pacientes alcançam
Tendências em HIV • AIDS (Volume 3 - Número 1 - 13-15)
Tendencias em HIV Vol 3 n1 2008 13 13
esse objetivo(5,9,12,24) e a razão principal é a falta de adesão à
terapia. Pode haver perda da motivação ou esquecimento de
doses à medida que aumenta o tempo de tratamento.
Há relatos de que a adesão em torno de 80% pode ser suficiente para o tratamento de diferentes doenças crônicas, mas
em relação à terapia anti-retroviral a adesão deve ser superior
a 95%(17,19).
O QUE É ADESÃO
O termo “adesão” ao tratamento deve ser visto como uma atividade conjunta na qual o paciente não apenas obedece às
orientações médicas, mas entende, concorda e segue a prescrição. Significa que deve existir uma “aliança” entre médico e
paciente, na qual são reconhecidas não apenas a responsabilidade específica de cada um no processo, mas também de
todos que estão envolvidos no tratamento(25).
Não se pode predizer como será a adesão a partir da “personalidade” ou do “comportamento” do paciente. Há relação direta
com o dia a dia do paciente porque diversas mudanças podem
ocorrer ao longo do tempo de tratamento. Não é um processo linear e dificuldades podem surgir, havendo momentos de
13
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maior ou menor adesão. Portanto, não é uma característica do
paciente de “ser aderente”, mas sim uma condição momentânea de “estar aderente”(13).
O convívio diário com preconceitos e discriminação, especialmente no trabalho e entre os familiares, pode contribuir para
a baixa adesão. Além disso, atitudes negativas relacionadas
à medicação também aparecem em alguns estudos como fatores que podem influenciar na adesão como, por exemplo, as
crenças de que “tomar muito remédio faz mal” ou que não é
bom fazer uso da medicação por períodos longos(13).
FATORES RELACIONADOS À PERDA DE DOSES
Muitos fatores interferem diretamente na perda de doses e
falha terapêutica: esquecimento, isolamento social, efeitos
adversos, depressão, mudanças na rotina, posologia dos medicamentos, complexidade do esquema, falta de supervisão
adequada, doença grave concomitante, uso de álcool ou drogas ilícitas(2,3,8). A adesão pode não ter nenhuma relação com
as condições econômicas, classe social, ocupação ou nível
educacional. Quando há restrições alimentares a adesão pode
piorar(7).
De modo geral, as doenças crônicas ou aquelas que requerem longo período de supervisão ou cuidado especial levam à
maior dificuldade de adesão(15).
AVALIANDO A ADESÂO
É difícil medir a adesão, mas há dados que mostram que perguntar diretamente ao paciente pode ser a melhor maneira de
avaliar o que está ocorrendo e como buscar soluções(10). A
pergunta não pode expressar dúvida ou pré-julgamento para
permitir que o paciente se sinta bem para conversar sobre o
assunto. Em vários estudos foi demonstrado que 80% dos pacientes respondem a verdade(Sackett, 1976; Haubrich, 1999).
PREVENINDO A FALTA DE ADESÃO E A FALHA
TERAPÊUTICA
O acesso à equipe de saúde é fundamental em caso de urgências ou dúvidas relacionadas ao tratamento. A possibilidade de telefonar ou enviar mensagem via correio eletrônico
facilita muito, reduzindo a ansiedade e permitindo a solução
mais rápida de possíveis problemas. A boa relação médicopaciente contribui bastante para a adesão à terapia. Há dados
que mostram que os pacientes que confiam em seus médicos
e criam vínculos afetivos têm melhor adesão(4,22,23).
Um aspecto que deve ser sempre abordado é que há risco
de interação entre os anti-retrovirais e diversos outros medicamentos, podendo haver comprometimento da eficácia do
tratamento ou aumento da toxicidade. O médico deve fornecer
por escrito os nomes de medicamentos contra-indicados. Drogas recreativas e o uso abusivo de álcool podem aumentar o
risco de esquecimento da medicação(20).
Outro ponto importante é que não pode haver interrupção do
tratamento em nenhuma circunstância. Perder doses, tomar
doses erradas ou fora dos horários previstos levam facilmente
à resistência viral devido à baixa concentração sanguínea dos
14
Tendencias em HIV Vol 3 n1 2008 14 14
medicamentos, permitindo a reprodução do vírus na presença
da medicação e o surgimento de mutações. Por essa mesma
razão, não pode faltar a medicação nas farmácias(6).
Em caso de falha terapêutica, devem ser avaliados os fatores
responsáveis antes de indicar a troca do esquema, pois, na
maioria das vezes, o novo regime será ainda mais complexo.
COMO MELHORAR A ADESÃO
• Transmitir, mesmo antes de iniciar a terapia, o conceito de
adesão e de resistência do HIV.
• Ressaltar a importância de seguir com rigor os horários e as
doses prescritas.
• Lembrar que atrasos e perdas de doses permitem o aumento da carga viral e levam à resistência viral, comprometendo
opções terapêuticas futuras.
• O atraso ou antecipação dos horários das doses, especialmente de determinados medicamentos, pode ser tão grave
como não tomar a medicação.
• O esquema terapêutico deve ser adaptado ao estilo e à rotina de vida do paciente.
• Pode ser uma boa estratégia contar os comprimidos ao abrir
cada frasco.
• Preparar uma caixa de comprimidos (kit) para cada dia (mínimo duas doses de cada medicamento para eventuais imprevistos) ou para a semana.
• Deixar um kit no trabalho ou em outros locais que costuma
freqüentar ou mesmo na própria mochila para evitar o risco
de perda de doses em caso de imprevistos.
• Preparar um “kit” com mais doses do que as necessárias
para períodos de viagens ou final de semana ou ausência da
residência por tempo maior do que o esperado.
• Anotar na agenda e marcar a dose tomada para evitar perdas ou repetição.
• Programar o alarme de relógio ou do celular.
• A participação de um amigo ou parceiro ou familiar para ajudar a lembrar das doses pode ser fundamental na fase inicial
de tratamento.
• Quando a privacidade é importante, deve ser previamente
escolhido e programado o local mais adequado para tomar a
medicação no ambiente de trabalho.
• Manter o paciente informado sobre os progressos de seu
tratamento e sobre o significado dos resultados de exames
laboratoriais favorece a boa relação, reduz a ansiedade e
estimula a manutenção da adesão necessária.
• Durante a visita médica é importante rever detalhes do tratamento e esclarecer dúvidas relacionadas à medicação ou a
qualquer outro assunto de interesse do paciente.
• Fornecer textos, revistas ou outros materiais que informem
sobre a importância da adesão, sobre o que é a resistência
viral ou sobre qualquer outro assunto que possa contribuir
com o sucesso terapêutico.
• É necessário que o acesso à equipe profissional seja fácil
para possíveis esclarecimentos e para criar vínculos.
• Controlar o fornecimento dos medicamentos nas Farmácias
(anotar datas de entrega e retorno, quantidade, frascos devolvidos se for o caso) e estimular a volta no período pré-estabelecido.
• Gestantes e crianças necessitam de cuidados especiais
para reforçar a adesão considerando-se as especificidades
de cada caso.
Tendências em HIV • AIDS (Volume 3- Número 1 - 13-15)
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CONTRIBUIÇÃO DA APOPTOSE NA
DIMINUIÇÃO DA CONTAGEM DE CÉLULAS T
CD4 NO PACIENTE HIV
CONTRIBUTION OF APOPTOSIS IN CD4 T-CELL DEPLETION
IN THE HIV SEROPOSITIVE PATIENT
Giovana L. Baggio – Zappia1, Celso Spada2
1 - Laboratório de Virologia e Imunologia I, Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP
2 - Departamento de Análises Clínicas, Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC
RESUMO
A apoptose ou morte celular programada desempenha papel importante no desenvolvimento e na manutenção da homeostasia
dos tecidos, sendo essencial ao sistema imune no processo de seleção clonal e um importante mecanismo de defesa, eliminando células infectadas por vírus e células tumorais. Existem evidências de que a apoptose é uma das causas da depleção
das células T periféricas nos pacientes infectados pelo HIV. Vários estudos relatam níveis elevados de apoptose tanto in vitro
quanto in vivo nas células T CD4 e T CD8 de pacientes HIV soropositivos, sendo que os níveis são mais elevados em pacientes sintomáticos quando comparados aos indivíduos progressores lentos. Esta revisão pretende apresentar a contribuição da
apoptose na diminuição da contagem de células T nos pacientes HIV soropositivos, assim como os mecanismos envolvidos
nesse processo.
Descritores: Apoptose, HIV/AIDS, Morte celular programada.
ABSTRACT
Apoptosis or programmed cell death plays a central role in the development and homeostasis of all tissues. Apoptosis is essential for clonal selection processes and an important mechanism of defense, eliminating viral infected cells as well tumor cells.
There are increasing evidences that associated lymphocyte apoptosis is an important contributor to the loss of peripheral T cells
in HIV infected patients. Several studies demonstrated that increased levels of apoptosis are observed in vivo and in vitro in the T
CD4 and T CD8 cells of the HIV seropositive patients; in addition, apoptosis is greater in HIV symptomatic patients when compared with long term non progressors. This review focus on the role of apoptosis as an important mechanism involved in decreased
T cell count in HIV seropositive patients as well discusses its underlying mechanisms.
Keywords: apoptosis, HIV/AIDS, programmed cell death.
INTRODUÇÃO
A Apoptose
A apoptose é uma forma fisiológica de morte celular geneticamente codificada, indispensável na manutenção da homeostasia dos tecidos. É essencial ao sistema imune no processo
de seleção clonal, eliminando células não reativas e autorreativas, além de exercer papel fundamental na eliminação de
células infectadas por vírus e células neoplásicas(1, 2).
A apoptose é caracterizada por contração da célula, condensação da cromatina, permeabilização da membrana citoplasmática com ativação de um processo endonucleolítico com
clivagem do DNA, formação de pregas na membrana plasmática com exposição de resíduos fosfatidilserina e formação dos
corpos apoptóticos que se tornam alvo para os fagócitos. Este
processo ocorre em três estágios: a) recepção de sinais intra e
extracelulares iniciadores; b) morte celular em decorrência da
ativação das proteases intracelulares e c) remoção das células
apoptóticas pelos fagócitos(3).
Falhas no mecanismo de morte celular programada, com insuficiente morte celular, podem levar ao câncer, infecções virais
persistentes e doenças autoimunes(4). No entanto, altos níveis
de apoptose podem contribuir para a depleção do sistema
imune celular, conforme verificado em pacientes imunocomprometidos, principalmente na infecção pelo HIV e acelerar a
Abreviaturas: Apaf-1, apoptotic protease activating factor 1; CAT, catalase; c-FLIP, FLICE-like inhibitory protein; FADD, adaptador do domínio de
morte (Fas Adaptor Death Domain), IAPs, Inhibitor of Apoptosis Protein; TGF-β, fator β de transformação e crescimento; TNF- α, fator de necrose
tumoral-α; TNFRs, receptores de TNF; sTNFR-II, forma solúvel do receptor de TNF; TRECS, T-cell receptor excision circles; smac/DIABLO,
segundo ativador das caspases derivado da mitocôndria (second mithocondria-derived activator of caspases/ Direct IAP-Binding Protein with
Low pI); SOD, superóxido dismutase.
18
Tendencias em HIV Vol 3 n1 2008 18 18
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progressão de doenças neurodegenerativas como nas Síndromes de Alzheimer e Parkinson(5, 6, 7).
Estímulos internos e externos induzem a apoptose, geralmente envolvendo as caspases que são proteases específicas(8).
Estas enzimas são sintetizadas como precursores inativos,
ativados por clivagem proteolítica catalisada por outras caspases. Desta forma atuam em cascata degradando as proteínas
celulares, culminando com o desarranjo do DNA cromossômico e morte celular. Dentre os estímulos ativadores da apoptose estão o TNF- α (fator de necrose tumoral-α), Fas-L (CD95L),
TGF-β (Fator β de transformação e crescimento) e os glicocorticóides 3. Em contrapartida, CD40L, genes virais como E1B do
adenovírus e p35 do baculovírus e os genes antiapoptóticos
da família Bcl-2 são fatores inibidores da apoptose.
Atualmente são conhecidas duas vias principais pelas quais
o programa de morte celular pode ser ativado. Na via intrínseca, sinais de estresse como agentes quimioterápicos, falta de
fatores de crescimento, baixa quantidade de nutrientes, radiação ultravioleta, níveis elevados de espécies reativas de oxigênio (EROs) e concentrações elevadas de glicocorticóides
induzem à mudanças na mitocôndria que incluem aumento da
permeabilidade com perda do potencial de membrana (∆Ψm),
liberando proteínas regulatórias como citocromo c(9,10). Uma
vez liberado no citoplasma, o citocromo c liga-se à Apaf-1 e
este complexo, citocromo c/Apaf-1, ativa a enzima iniciadora
caspase-9, que por sua vez ativa a caspase-3 desencadeando
o processo de apoptose(11,12 13,14).
A via extrínseca é ativada através da ocupação dos receptores Fas (CD95) e TNFRI por seus respectivos ligantes, FasL
(CD95L) e TNF-α(15). Esta ligação induz a trimerização do receptor e recrutamento dos domínios de morte intracelulares
com ativação da enzima iniciadora caspase-8 que ativa a enzima efetora, a caspase-3, desencadeando a morte celular.
Proteínas da família Bcl-2 atuam na membrana mitocondrial
regulando a apoptose(16). Os membros dessa família como
Bcl-2 e Bcl-XL inibem a apoptose, pois previnem a liberação de
citocromo c e são chamados de reguladores anti-apoptóticos.
A expressão de Bcl-2 é capaz de inibir a geração de EROs
e a acidificação intracelular, bem como estabilizar o ∆Ψm da
mitocôndria.
A atividade enzimática das caspases também pode ser regulada por uma família de proteínas inibidoras da apoptose ou
IAPs (Inhibitor of Apoptosis Protein)(17,18). As IAPs foram primeiramente isoladas do genoma do Baculovírus(19), com base na
capacidade desse vírus em suprimir a apoptose nas células
infectadas, através da inibição das caspases. Os alvos dessas
proteínas são a caspase iniciadora, caspase-9 e as efetoras,
caspases-3 e 7(20).
Durante a apoptose as IAPs são removidas por uma proteína
liberada da mitocôndria denominada smac/DIABLO ou segundo ativador das caspases derivado da mitocôndria (second
mithocondria-derived activator of caspases/ Direct IAP-Binding
Protein with Low pI)(20,21,22,23). Após o dano mitocondrial smac/
DIABLO é liberada do espaço intermembrana para o citoplasma, juntamente com o citocromo c. Enquanto citocromo c
liga-se à Apaf-1 e ativa diretamente a caspase-9, smac/DIABLO remove as IAPs de sua ligação inibitória às caspases.
A família c-FLIP (FLICE-like inhibitory protein) também atua
regulando a apoptose; estas proteínas inibem a apoptose
ligando-se ao FADD (Fas Adaptor Death Domain), uma proteína adaptadora ligada ao Fas, prevenindo assim a ativação
da caspase 8/FLICE. Como exemplo, a regulação negativa da
proliferação dos linfócitos T ocorre através da apoptose via
c-FLIP. Após a ativação das células T, a expressão de c-FLIP
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Tendencias em HIV Vol 3 n1 2008 19 19
diminui e as células tornam-se susceptíveis à morte celular via
Fas/FasL e ativação da caspase-8(3).
A apoptose também pode ser mediada pelos linfócitos T citotóxicos que liberam perforina, uma proteína que abre canais
na membrana citoplasmática permitindo a entrada de granzima B, uma serino protease que ativa diretamente as caspases3, 7, 8 e 10(24). Células infectadas por vírus e células tumorais
são alvos da morte celular via linfócitos T citotóxicos(25).
Apoptose no Paciente HIV
Os pacientes HIV soropositivos apresentam alterações qualitativas e quantitativas nas células T, com decréscimo na contagem de linfócitos T CD4 e inversão da relação CD4/CD8,
sendo a contagem de células T CD4 um dos marcadores mais
utilizados para avaliação da progressão da doença(5).
A diminuição da contagem de células T CD4 está associada à
interferência do HIV sobre os processos de renovação celular
no timo, devido à destruição precoce das células T maduras.
Em concordância, as células progenitoras CD34+ de indivíduos HIV soropositivos apresentam reduzida capacidade de desenvolvimento. A contribuição do timo na homeostase celular
pode ser demonstrada através da análise dos TRECs (T-cell
receptor excision circles) nas células T naïve, formados a partir
do rearranjo dos receptores de células T, no timo(2). O número
de TRECs está relacionado à função tímica e encontra-se reduzido após alguns meses de infecção pelo HIV(5).
Além de a produção celular estar comprometida, existem evidências de que a apoptose é uma das causas da depleção das
células T periféricas nos pacientes infectados pelo HIV(5, 26). Vários estudos relataram níveis elevados de apoptose tanto in
vitro(7, 27) quanto in vivo(28) nas células T CD4 e T CD8 de pacientes HIV soropositivos. Cotton e colaboradores(29) afirmam
que a magnitude dos níveis de apoptose está estreitamente
correlacionada ao estágio da doença pelo HIV, sendo que os
níveis são mais elevados em pacientes sintomáticos quando
comparados aos indivíduos progressores lentos (LTNP)(30).
Os mecanismos envolvidos na apoptose de linfócitos nos pacientes HIV soropositivos incluem: a) morte das células infectadas pelo efeito citopático do próprio vírus; b) ativação imune
crônica; c) morte das células não infectadas através de proteínas virais pró-apoptóticas liberadas pelas células infectadas;
d) morte das células infectadas através do reconhecimento
pelos linfócitos T citotóxicos; e, e) citotoxicidade mediada por
anticorpos .
A ativação imune crônica é o mecanismo primário envolvido
na morte de células T em pacientes HIV soropositivos(31,32). Estudos desenvolvidos na África demonstraram que a infecção
pelo HIV-2, menos patogênico que o HIV-1, está associada
à menor ativação imune e níveis diminuídos de apoptose(33).
Uma vez ativadas, as células T expressam receptores que sinalizam a apoptose, como Fas (CD95) e TNFR-I(34).
Os mecanismos pelos quais o HIV causa constante ativação
imune ainda não estão bem esclarecidos, entretanto, vários
mecanismos podem contribuir para esse desequilíbrio. A disfunção das células T é uma característica da infecção pelo
HIV, tanto como resposta ao perfil alterado de citocinas quanto
pelas vias de sinalização desencadeadas pelas proteínas do
HIV que estão cronicamente expressas. Conforme a infecção
progride, as citocinas produzidas pelas células Th1 como IL-2
e INF-γ diminuem, em detrimento de um aumento das citocinas
liberadas pelas células Th2 como IL-4, IL-5, IL-6 e IL-10, que promovem a resposta imune humoral(35,36,37). Segundo Badley(9), a
resistência à apoptose na infecção pelo SIV (vírus da imuno-
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deficiência símia) e pelo HIV está associada à predominância
do fenótipo Th1, sendo que a ativação imune crônica e fenótipo Th2 podem promover a apoptose.
As células de pacientes HIV soropositivos e as células infectadas pelo HIV in vitro apresentam um aumento da expressão do CD95 na membrana celular e maior susceptibilidade à
apoptose via Fas/FasL, bem como diminuição das proteínas
anti-apoptóticas Bcl-2 e Bcl-XL e aumento concomitante das
proteínas pró-apoptóticas BclXS e Bax .
A apoptose via TNFRs também está aumentada nos pacientes
soropositivos para o HIV. A ligação entre o co-receptor CXCR4
e a proteína viral Env aumenta a expressão do TNFR-II pelas células T, tornando-as susceptíveis à apoptose via TNF de
membrana expresso pelos macrófagos . Os elevados níveis
plasmáticos de TNF, ligante para os TNFRs, detectados nos
pacientes HIV, também contribuem para o aumento da apoptose. Segundo Gougeon(5), os níveis de sTNFR-II (forma solúvel do TNFR-II) são preditivos de progressão para AIDS.
As proteínas virais pró-apoptóticas como Tat, Nef, Vpr, gp120 e
gp41, induzem apoptose através de mecanismos que incluem
as vias receptor-ligante, formação de sincícios e citotoxicidade
direta(5,9).
A proteína viral Tat é capaz de ativar diretamente a caspase-8 e
causar morte celular através do mecanismo Fas/FasL(38); além
disso, Tat é capaz de inibir a transcrição do gene da enzima
superóxido dismutase e diminuir a expressão da proteína antiapoptótica Bcl-2, tornando a mitocôndria vulnerável ao ataque
por espécies reativas de oxigênio (EROs)(5,39).
Nef, essencial para infectividade viral e responsável pela manutenção de altas taxas de vírus circulante, está envolvida no
aumento dos níveis de apoptose via Fas/FasL(5). O mecanismo
envolve a interação da proteína viral com os receptores TCRζ
e o aumento da expressão do CD95 tornando a célula susceptível à morte celular via CD95L expresso nas células T citotóxicas. Enquanto promove a apoptose de células T CD4 não infectadas, Nef é capaz de bloquear a apoptose nessas mesmas
células quando infectadas, através da interação com o TNF-α.
O TNF-α, abundantemente produzido na infecção pelo HIV,
além de responsável pelo incremento na replicação viral através da ativação do fator de transcrição NF-κB é responsável
pela manutenção dos sinais de sobrevivência e conseqüente
inibição da apoptose nas células que expressam Nef(40).
A proteína Vpr pode alterar o ∆Ψm da mitocôndria, mesmo em
células não infectadas e em mitocôndrias isoladas. A porção
C terminal da Vpr (Vpr52-96) causa a liberação do citocromo
c e do fator indutor de apoptose (AIF, apoptosis inducing factor), desacoplamento da cadeia mitocondrial transportadora
de elétrons, colapso da fosforilação oxidativa 41 e ativação das
caspases com indução da apoptose(39).
A protease viral é capaz de induzir apoptose em células saudáveis e em bactérias transfectadas(42), além de clivar diretamente a caspase-8 com subseqüente clivagem do Bid e do Bcl-2,
seguida por liberação do citocromo c e ativação das caspases
efetoras, culminando com fragmentação nuclear e apoptose(9).
O complexo glicoprotéico gp120-gp41 pode estar presente na
superfície das células infectadas nas partículas virais ou na
sua forma solúvel(43). Env é um potente indutor de apoptose
tanto em células infectadas, quanto nas células não infectadas. Esse complexo interage com os receptores CD4 induzindo ligações célula a célula, formando aglomerados celulares conhecidos como sincícios, que resultam em apoptose
via mitocôndria(31,32,44). A relevância da formação de sincícios
com subseqüente indução de apoptose na patogênese da
AIDS confirma-se pela observação de que cepas indutoras
20
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de sincícios são mais patogênicas e progridem mais rapidamente para AIDS. Além disso, a gp120 é capaz de ativar
diretamente a caspase-3, induzir à rápida perda do ∆Ψm na
mitocôndria, diminuir a expressão de Bcl-2 e aumentar a expressão de Bax (45).
Estresse Oxidativo e Apoptose no Paciente HIV
A infecção pelo HIV, bem como as infecções oportunistas características da AIDS, estão associadas à produção elevada
de radicais livres e conseqüente estresse oxidativo, caracterizado pelo desequilíbrio entre as reservas antioxidantes e a
produção de EROs.
As EROs são produzidas em conseqüência de processos fisiológicos, como perda de elétrons das cadeias de transferência de elétrons celulares e como subprodutos do metabolismo
de lipídios. Em situações de infecção, as EROs são produzidas pelas células fagocíticas como meio de destruir os microrganismos invasores, porém, quando o estímulo se torna
constante e sistêmico como no caso da AIDS, a produção aumentada de EROs pelos monócitos/macrófagos e neutrófilos,
pode provocar efeitos tóxicos às células e tecidos. Este mecanismo pode contribuir para a diminuição das células T CD4
durante a infecção pelo HIV e progressão para AIDS(46, 47) IPK.
Nestes pacientes, ocorre significativa amplificação na geração
de espécies reativas de oxigênio, especialmente do ânion su.
peróxido (O2 ) e do peróxido de hidrogênio (H2O2), produzidos
pelas células mononucleares desde os estágios iniciais da
infecção, mesmo nos pacientes assintomáticos e com contagens de linfócitos T CD4 acima de 500 células/mm3(48). Este fenômeno, combinado com a deficiência de enzimas antioxidantes como a SOD, a catalase (CAT) e glutationa, e a diminuição
dos níveis plasmáticos de vitaminas antioxidantes, Vitamina
E, C, carotenóides e selênio, podem levar esses pacientes ao
estresse oxidativo e progressão acelerada para AIDS(47).
A apoptose mediada pelo estresse oxidativo é uma das causas diretas de diminuição dos níveis de linfócitos T CD4 nos
pacientes HIV soropositivos(49,50,51), as EROs causam mutações
no DNA, mudanças na mitocôndria, ativação de genes próapoptóticos e a liberação de proteínas regulatórias como citocromo c, induzindo a apoptose. Danos de extensão limitada
aos cromossomos podem ser reparados pelas enzimas celulares(52), contudo, extensos danos ao DNA como ocasionados
pelo estresse oxidativo, podem desencadear a apoptose(53).
Segundo Arnoult e colaboradores(39), danos à mitocôndria que
acarretam mudanças na permeabilidade de membrana são
eventos centrais na regulação da apoptose das células T no
paciente HIV soropositivo.
As EROs promovem danos ao DNA, através de modificações
de bases e deleções. Os níveis de bases de DNA modificadas
por oxidação estão significativamente aumentados em pacientes soropositivos para o HIV sintomáticos, quando comparados com indivíduos soronegativos. A modificação da base 8hydroxiguanina (8-OH-Gua) apresenta-se em níveis elevados
nos pacientes HIV soropositivos sintomáticos, enquanto apresenta-se em níveis normais em pacientes soronegativos para
o HIV e pacientes HIV soropositivos assintomáticos. Estes
dados fornecem evidências de que o aumento da produção
de radicais livres e o conseqüente aumento do dano oxidativo, demonstrado pelas modificações de bases de DNA nos
pacientes soropositivos para o HIV sintomáticos contribuem
para a depleção das células T CD4 e consequentemente para
a progressão da doença.
Tendências em HIV • AIDS (Volume 3- Número 1 - 18-22)
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Terapia Antirretroviral e Apoptose
A inclusão de inibidores de protease (IPs) no regime antirretroviral trouxe avanços significativos no tratamento do paciente HIV soropositivo. A combinação de IPs com inibidores da
transcriptase reversa análogos e não análogos de nucleosídeos (NRTIs; NNRTIs) é capaz de promover a recuperação
do sistema imune com aumento sustentado da contagem de
células T CD4 e manutenção de níveis indetectáveis de carga
viral do HIV. A restauração celular observada após a instituição da TARV deve-se principalmente à diminuição dos níveis
de apoptose em função da diminuição da ativação imune, diminuição de proteínas do HIV que possuem ação pró-apoptótica e mesmo do efeito antiapoptótico de algumas drogas
antirretrovirais 5. Além de exercer efeito direto na supressão da
replicação do HIV, os IPs são capazes de induzir efeitos sobre
as células do sistema imune. O ritonavir é capaz de modular a
atividade do proteassoma e do complexo maior de histocompatibilidade de classe I (MHC-I), prevenindo a apoptose e a
expressão da caspase-1 em cultura de células de pacientes
HIV soropositivos e de indivíduos saudáveis(54).
Os NRTIs estão associados à efeitos colaterais como miopatia,
neuropatia, pancreatite, hepatotoxicidade, lipodistrofia e acidose lática, sendo muitas dessas complicações decorrentes
de efeitos tóxicos à mitocôndria(55). Em pacientes HIV soropositivos o AZT causa danos mitocondriais cumulativos que podem levar à apoptose(56). O mecanismo envolve a inibição da
enzima DNA polimerase-γ com conseqüente inibição da replicação do DNA mitocondrial(57). O AZT também é responsável
pelo aumento da peroxidação lipídica da mitocôndria e oxidação da glutationa mitocondrial, com conseqüente aumento na
produção de EROs e peroxinitrito(58), propiciando a ativação de
genes pró-apoptóticos. Komarov e colaboradores(59) utilizando
macrófagos de ratos demonstraram a capacidade do AZT em
aumentar a produção de radicais livres através da ativação da
via NADPH-oxidase, demonstrando assim seu efeito pro-oxidante in vitro. Sugere-se que possam ocorrer alterações do estado redox e indução de apoptose com o uso de outros NRTIs,
devido à similaridade estrutural dos antirretrovirais pertencentes a esta classe. Da mesma forma, estudos in vitro demonstraram que a lamivudina (3TC) é capaz de induzir apoptose
de linfócitos através do aumento da expressão de CD95 e da
ativação das caspases. De Oliveira Pinto e colaboradores 60 relataram que pacientes em uso de regimes contendo 3TC apresentaram níveis elevados de apoptose mesmo na presença de
sucesso terapêutico, traduzido pelo aumento na contagem de
linfócitos T CD4 e supressão da replicação viral.
Considerações finais
O entendimento dos mecanismos pelos quais o HIV é capaz
de aumentar os níveis de apoptose é particularmente importante, considerando que as estratégias terapêuticas utilizadas
até o momento não se mostraram capazes de restaurar a imunidade HIV-específica.
Sugere-se que a quantificação da apoptose em pacientes infectados pelo HIV seja um importante parâmetro para avaliar
o momento mais adequado para instituição da terapia antirretroviral. A suplementação antioxidante associada à terapia
antirretroviral pode contribuir para a diminuição da apoptose e
aumento da viabilidade celular de linfócitos T CD4 e em conseqüência, auxiliar na reconstituição do sistema imune nesses
pacientes, diminuindo a ocorrência de infecções oportunistas
associadas à AIDS(49,61,62,63).
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Tendências em HIV • AIDS (Volume 3- Número 1 - 18-22)
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A ORIGEM DO HIV EM HUMANOS
HIV ORIGIN BETWEEN HUMANS
Luiz Mario Janini
Disciplina de Microbiologia, Departamento de Microbiologia Imunologia Parasitologia, Disciplina de Infectologia
Departamento de Medicina, Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo
RESUMO
O Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) foi identificado no início da década de 1980. Logo após a sua identificação, sua
capacidade de estabelecer epidemias foi reconhecida assim como a sua diversidade genética. Hoje há em torno de 40 milhões
de pessoas infectadas pelo HIV que possui uma epidemia estruturada em linhagens genéticas bem definidas e circulação de
vírus recombinantes. Mas como surgiu o HIV e como e onde ocorreram as primeiras infecções humanas por este vírus? Estudos
epidemiológicos apontam o continente Africano como o ponto de partida da epidemia global do HIV. Além disto, análises de
seqüências virais indicam que o Vírus da Imunodeficiência Símia prevalente em chimpanzés é o que mais se assemelha geneticamente ao HIV. Há desta forma, fortes indícios de que o HIV tenha origem em vírus de símios e que tenha sido contraído por
humanos pelo contato entre o sangue de caçadores tribais e o sangue de primatas infectados. Embora existam outras teorias
para a origem do HIV, a “Teoria do Caçador” permanece como a hipótese mais plausível.
Descritores: HIV, origem, espécie humana
ABSTRACT
HIV was first identified during the first years of 1980. By the time of it discovery, it became clear that HIV had establish a global
epidemic with well defined genetic lineages and circulating recombinants. Nowadays there are 40 million people living with HIV.
But where it came from and how it reached humans? Different studies point towards Africa as the original place from where HIV
emerged. In addition, genetic analysis showed that SIVcpz, a prevalent virus among African primates is closely related to HIV.
According to the “Hunter Theory”, HIV reached humans through a close contact between human and infected animal blood. The
“Hunter Theory” is up to now the main hypothesis concerning the human origin of HIV.
Keywords: HIV, origin, humans
INTRODUÇÃO
A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) foi identificada e definida primeiramente nos Estados Unidos, em 1981,
pelo CDC (United States Centers for Disease Control), a partir
da identificação de um número elevado de pacientes adultos
do sexo masculino, homossexuais e moradores de São Francisco ou Nova York, que apresentavam sarcoma de Kaposi,
pneumonia por Pneumocystis carinii e comprometimento do
sistema imune. Essas observações despertaram preocupações às autoridades de saúde pública dos Estados Unidos(1,2).
A observação do grupo de doenças que acometiam os pacientes infectados pelo agente causador da AIDS e da ocorrência
dessa doença em grupos de risco bastante diversos, (usuários
de drogas injetáveis, hemofílicos, crianças nascidas de mães
portadoras do vírus), levou à conclusão em 1982, que a AIDS
era causada por um microorganismo infeccioso, transmitido
de maneira semelhante ao vírus da Hepatite B (HBV): por contato sexual; uso de drogas; exposição a sangue e derivados e
transmissão vertical. Em 1983, Luc Montagnier (França), isolou um vírus, denominado LAV – Lymphadenopathy Associated Vírus, que possuía a enzima transcriptase reversa (enzima
que caracteriza os retrovírus) e parecia ser o primeiro indício
Tendências em HIV • AIDS (Volume 3 - Número 1 - 23-26)
Tendencias em HIV Vol 3 n1 2008 23 23
do agente etiológico da AIDS (Barre-Sinoussi et al., 1983). Em
1984, Robert Gallo e Jay Levy (EUA), isolaram dois vírus contendo a enzima transcriptase reversa. Estes foram respectivamente denominados: HTLV-III (Human T-Lymphotropic Vírus
Type III) e ARV (Associated Retrovírus). O HTLV-III apresentava proteínas com diferenças significativas quando comparadas com as dos vírus então recentemente descritos (HTLV-I
e HTLV-II). Em decorrência da identificação da seqüência de
nucleotídeos destes vírus, constatou-se que os vírus anteriormente denominados de LAV, HTLV-III e ARV eram variações
genéticas do mesmo vírus. Dessa forma, constatou-se que o
agente causador desta nova doença era um retrovírus(4,5,6,7).
A Comissão para Taxonomia de Vírus recomendou, em 1986,
a adoção da designação de Vírus da Imunodeficiência Humana – HIV (da sigla em inglês: HIV - Human Immunodeficiency
Vírus) para o novo vírus e Síndrome da Imunodeficiência Adquirida – SIDA (da sigla em inglês: AIDS - Acquired Immune
Deficiency Syndrome), para a doença causada pelo mesmo(8).
E em 1989, foi estabelecido pelo ICTV (International Committee
of Viral Taxonomy), de acordo com as normas internacionais,
baseadas principalmente nas características da estrutura da
partícula viral, que o HIV pertencia à família Retroviridae e ao
gênero Lentivírus(8).
23
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O HIV apresenta elevada diversidade genética, resultado de
sua alta taxa de incorporação de erros durante a replicação
viral e adaptação ao hospedeiro resultando ou não na fixação destas mutações na população viral(10). Esta diversidade
ocorre devido a uma combinação de fatores, incluindo; muitos eventos de recombinação por ciclo replicativo, elevado
tamanho populacional, e o fato de que a enzima transcriptase
reversa, por não possuir atividade corretora durante a síntese
do DNA viral, pode incorporar nucleotídeos errados na taxa
de 10-3 a 10-5 por sítio, por ciclo único de replicação. Considerando-se que, a cada dia, são produzidas uma média de 1010
novas partículas virais, sendo que o tempo de geração viral é
inferior a 1.5 dias e que o indivíduo infectado carrega o vírus
por toda a vida, é impossível vislumbra-se a total diversidade
genética viral potencialmente gerada durante o longo curso
da infecção. Com a constante geração de mutantes, formase uma população viral que sob diversas pressões seletivas,
mostra-se como uma distribuição de mutantes. Esta distribuição chamada de quasispecies, funciona como um organismo
único, que tenta aumentar o seu sucesso adaptativo(2,11,12,13,14).
A combinação de geração de diversidade e seleção contribui
para que, em cada 25 gerações, surja uma substituição no
envelope (env) do HIV-1, que confere vantagem adaptativa, ou
seja, a cada 2,5 meses uma nova mutação é fixada por seleção(15). As implicações desta diversificação constituem um
dos maiores obstáculos para a implementação de estratégias
vacinais(16,26), além de constituírem um fator muito importante
na geração de variantes de resistência a droga antivirais de
intervenção(18,19).
A análise filogenética de fragmentos genéticos e do genoma
do vírus possibilitou a classificação do HIV-1 em três grupos:
M (main ou major); O (outlier) e N (new), os quais podem ter
tido origem zoonótica a partir de eventos independentes de
cruzamento de barreira inter espécie(20,21,22). O grupo M é predominante na epidemia global de AIDS e compreende os vírus
responsáveis pela manutenção e avanço da epidemia sobre
as populações humanas. O grupo M é representado por linhagens geneticamente distintas (subtipos) que são agrupadas
filogeneticamente. Isso permite que os vírus pertencentes ao
grupo M possam ser classificados em diversos subtipos de
A1, A2, B, C, D, F1, F2, G, H, J a K (os numerais denotam
uma divisão adicional dentro dos subtipos A e F, podendo ser
referidos como sub-subtipos) distantes entre si entre de 10 a
30%, dependendo da região gênica analisada(23). Além destes,
mais de 30 formas recombinantes (CRF) circulam na epidemia
( www.hiv.lanl.gov)(2).
A distribuição geográfica e o padrão de disseminação dos diferentes subtipos do HIV-1 são bastante heterogêneos. O subtipo B é o principal responsável pela disseminação da AIDS
fora da África (http://www.unaids.org). Entretanto, o subtipo C
é o causador do maior número de infecções sendo o vírus
mais prevalente nas epidemias da Índia e África(24,25). Estimase que aproximadamente 39,5 milhões de pessoas estejam
infectadas pelo HIV no mundo e que a maioria dos casos
(aproximadamente 24,7 milhões de pessoas) concentram-se
nos países da região subsaariana. (http://www.unaids.org).
24
Tendencias em HIV Vol 3 n1 2008 24 24
Notavelmente, na África, ocorrem todos subtipos já descritos,
além de inúmeras formas recombinantes. Além disso, a diversidade genética do subtipo C no Congo é tão grande quanto à
diversidade global estimada para o subtipo B(26).
Mas como surgiu o HIV-1 entre os humanos?
Estudos de regressão linear, baseados no acúmulo gradual
de mutações no genoma do HIV-1, e observações sobre as
características da epidemia global, incluindo a distribuição
desigual de subtipos, sugerem que as primeiras infecções
ocorreram na África na década de 1930(27). Há a sugestão de
que o HIV-1 tenha sido inicialmente contraído por caçadores
africanos de símios que provavelmente se feriram ao abrir a
carcaça dos animais e ao carregar os animais. Deste modo,
houve o contato entre o sangue humano e o sangue do animal
infectado. O vírus terá então se espalhado nas regiões rurais
extremamente lentamente, tendo migrado para as cidades
com o início da grande onda de urbanização na África nos
anos 1960. Uma amostra de sangue datada de 1959 proveniente de um homem de Kinshasa, República Democrática do
Congo, é o primeiro registro documentado laboratorialmente
de uma infecção de HIV em humanos(28). Os primeiros registros de morte por AIDS remontam a 1969 quando um paciente
morreu nos Estados Unidos e um marinheiro trabalhando na
costa Ocidental Africana transmitiu o vírus para sua mulher e
ambos morreram assim como a a filha deles de 9 anos. Em
1976 uma médica dinamarquesa contraiu a doença no Zaire
(hoje República Democrática do Congo ) e veio a falecer. De
qualquer forma, a introdução do HIV na espécie humana ocorreu durante o período de dominação colonial Francesa sobre
a África Central entre 1919 e 1960. Há indícios de que as práticas coloniais de trabalho forçado e imposição de imunizações
coletivas contra como por exemplo a Doença do Sono, havendo o compartilhamento de agulhas sem a devida esterilização
tenham contribuido para a aceleração da disseminação do
HIV-1 no continente Africano(29,30). O entendimento do contexto
histórico dá impulso à Teoria do Caçador se aceitarmos que
as práticas coloniais acima citadas incluindo o trabalho forçado e imunizações coletivas causaram perturbações profundas
na sociedade Africana da época. A busca pelo alimento escasso devido à priorização da dieta do colonizador Europeu,
pode ter levado a população local a ir cada vez mais dentro da
floresta promovendo a introdução do HIV-1 no homen. No entanto, só em 1980 começaram a aparecer os casos inexplicáveis de doenças oportunistas em homossexuais nos Estados
Unidos, nas cidades de São Francisco, Los Angeles e Nova
Iorque que culminaram na identificação e classificação do
HIV(1). Há portanto uma lacuna de tempo entre 1930, na África, quando ocorreram os primeiros cruzamentos inter espécie
e1980 quando o HIV-1 aparece no Estados Unidos. Nestes 50
anos, o que aconteceu para que o HIV já em 1980 apresentasse uma epidemia geneticamente tão estrutura em grupos,
subtipos, e formas recombinantes circulantes? Seriam os 30
anos dos primórdios da epidemia Africana rural suficientes
para o estabelecimento das linhagens genéticas que vemos
hoje em dia? Há portanto ainda espaço para a especulação
sobre a origem do HIV em humanos. Embora existam várias
teorias sobre o assunto, nenhuma hipótese é aceita de forma
definitiva e o tópico permanece controverso(20,31).
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A hipótese da origem a partir de Chimpanzés da República
dos Camarões
A teoria mais aceita hoje em dia é a Teoria do Caçador, na
qual a transmissão do HIV para humanos ocorreu pela mordida do animal infectado, ou pelo contato direto entre o sangue
humano e o do animal infectado durante a manipulação de
carcaças(32).
Fonte:http://okapi.wildlifedirect.org/2007/04/23/patrol-organization-operation/ Acessado em:
10/03/2008
Figura 1. Teoria do Caçador. O HIV teria se originado no homem pelo
contato entre o sangue humano e o sangue dos animais infectados durante
a caça e manipulação de carcaças de primatas africanos.
Em maio de 2006 Beatrice Hahn anunciou que o HIV deve ter
se originado em chimpanzés de vida selvagem que habitavam
as florestas do sudeste da República dos Camarões(33,34) e
não Kinshasa, República Democrática do Congo, como antes
acreditado. Neste estudo de 7 anos, onde 1.300 amostras de
chimpanzé foram analisadas, comunidades de chimpanzés
que habitam a região do Rio Sanaga em Camarões podem ter
sido as possíveis comunidades reservatório do HIV ou de um
ancestral símio do HIV que atuaram como doadores na origem
viral humana. A análise das amostras coletadas reafirmou que
os virus geneticamente mais similares ao HIV-1 são os virus
da imunodeficiência símia (SIV) que haviam até o momento
do estudo apenas sido identificados em animais em cativeiro
da sub-espécie de chimpanzés Pan troglodytes troglodytes.
No estudo aqui mencionado, ocorreu a identificação de anticorpos e ácidos nucleicos de SIVcpz em amostras fecais de
chimpanzés P. t. troglodytes de vida selvagem. Em algumas
destas possíveis comunidades reservatório a prevalência do
SIVPcpz foi de 29 a 35%. Por análise de sequências de amostras de SIVcpz endêmicos entre os chimpanzés, os pesquisadores acreditam terem traçado a origem tanto da pandemia
representada pelos HIV-1 classificados no grupo M como de
HIV-1 não pandêmico representado por vírus do group N que
se originaram de comunidades distintas de chimpanzés isoladas geograficamente na África Central. De acordo com este
estudo a sub-espécie P. t. troglodytes deve ser reconhecida
como a espécie animal reservatório da epidemia do HIV-1 em
humanos(34).
A Hipótese da origem pela vacinação oral contra o vírus
da Poliomielite
A possibilidade de que a origem do HIV/AIDS no homem tenha
sido causada pela pesquisa em elaboração de vacinas contra
a Poliomielite, conduzidas na África, mais especificamente no
Tendências em HIV • AIDS (Volume 3 - Número 1 - 23-26)
Tendencias em HIV Vol 3 n1 2008 25 25
antigo Congo Belga, na década de 1950, por Hilary Koprowski, causou intenso furor no meio científico. Após retratações
pelo jornalista e freelancer da Revista Rolling stone e multa de
1 milhão de dólares exigidas por Koprowski, outro jornalista
chamado Eward Hooper, também freelancer, resolveu investigar o caso em detalhes. Hooper coletou o conjunto de suas
investigações em um livro chamado O Rio, que foi publicado
em 1999. Neste livro Hooper relata que a vacina experimental
contra Poliomielite foi produzida utilizando-se como meio propagador células de rim de chimpanzé sendo este o caminho
da infecção e adaptação do vírus da imunodeficiência símia
(SIV) em humanos, tornando-o capaz de infectar humanos e
tornar-se o HIV. Ficando então incriminados os estudos de vacinação de Pólio experimental de terem originado a epidemia
do HIV/AIDS(35). Esta teoria foi contradita pelos estudos acima
citados baseados em análise de seqüências virais. O estudo
do acúmulo de mutações ao longo do tempo no genoma viral estabelece 1930 como a data de origem para o HIV em
humanos, com um intervalo de confiança de 95% se considerarmos um intervalo entre 1910 e 1950(27). Embora aceito na
comunidade científica, alguns pesquisadores questionaram a
validade de mensurações como esta, alegando que o método
de análise não era adequado e que o relógio molecular, ferramenta utilizada na comparação entre passagem do tempo e
acúmulo de mutações, possui validade questionável quando
não suportada por dados reais (seqüências de HIV em intervalos regulares de tempo cobrindo boa porção do século XX),
que não são disponíveis no caso. Hooper criticou o método
de análise pelo uso de uma taxa de mutação fixa para o HIV
para todos os períodos de tempo; o que é bastante razoável
e pelo fato de que os eventos de recombinação não foram
levados em consideração, o que poderia ter de fato encurtado
do tempo necessário para se atingir diversificação analisada,
em um vírus que possui alto potencial para recombinação(36).
Um argumento a favor da análise do tempo de diversificação
é que quando projetada no gráfico, a amostra de 1959, coletada em Kinshasa posiciona-se muito próxima da década de
1960(28). Em Fevereiro de 2000, um dos Institutos envolvidos
originariamente na produção da vacina anti Pólio, o Instituto
Wistar na Filadélfia encontrou uma amostra original da vacina produzida em 1950 que a ser analisada demonstrou não
conter o HIV e nem o SIV. Uma análise subsequente demonstrou que apenas células de rim de macaque as quais não
podem ser infectadas por HIV ou SIV podem ser usadas para
produzirem a vacina anti Pólio. Finalmente esta hipótese foi
refutada pela comunidade científica por um extenso conjunto
de evidências(37).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A definição de um reservatório animal para o HIV não exclui
a possibilidade de existirem outros reservatórios virais em outros paises da África, embora a localização geográfica da República dos Camarões sugira ter sido ali o início da epidemia
humana do HIV. O HIV e o SIV são lentivírus de primatas que
tem sido isolados de mais do que 20 espécies de macacos
Africanos. Estes vírus naturalmente não causam doença em
seus hospedeiros sugerindo que há um convívio possível entre parasita hospedeiro. Portanto, embora uma pequena fração das populações selvagens de macacos Africanos tenha
sido estudada, é possível pensar que lentivirus primatas sejam
bastante prevalentes na população símia Africana. Fica então
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caracterizada a presença de um extenso reservatório animal
para a introdução de novos retrovírus em humanos. Não se
pode deixar de lado a possibilidade da ocorrência de recombinação entre os diversos lentivirus primatas e que contribui para
a evolução viral e que pode ter tido envolvimento na geração
dos SIVs que atingiram a espécie humana. A história evolutiva
dos lentivirus primatas tem sido reconstruída em detalhes permitindo avaliarmos que o HIV-1 é estreitamente correlacionado
ao SIVcpz encontrado em sub-espécies de chimpanzés como
Pan troglodytes troglodytes e Pan troglodytes schweinfurthii
que habitam áreas da África Equatorial Central e Ocidental.
O SIV de P. t. troglodytes possui para nós muito interesse porque guarda relação evolutiva íntima com os vírus responsáveis
pela propagação da epidemia do HIV-1 e que estão classificados no grupo M. O habitat natural do P. t. troglodytes também
corresponde à região Africana onde há maior heterogeneida-
de do HIV-1 com a presença de vírus dos grupos M, N, O e que
poderia facilmente representar o ponto geográfico da origem
do HVI-1 em humanos.
É importante ressaltar que fora o HIV-2 houve em HIV-1 pelo
menos 3 cruzamentos virais independentes entre a espécie
humana e chimpanzés, os cruzamentos que originaram os
HIV-1 classificados nos grupos M, N, e O. O risco do surgimento de novas variantes de lentivírus símios capazes de infectar humanos não pode ser descartada já que a cada vez
mais o homem interfere no meio ambiente e desfaz habitats
naturais. A partir da obtenção de mais dados de sequenciamento de diferentes SIVcpzs de sub-espécies de chimpanzés
distintas, os caminhos evolutivos que touxeram a adaptação
humana a estes vírus símios poderá ser melhor entendida. Assim poderemos determinar quais mutações foram decisivas
neste processo e tornaram a epidemia do HIV-1 em humanos
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DESTAQUES
Ricardo Sobhie Diaz
Professor livre docente da disciplina de infectologia da UNIFESP, chefe do laboratório de retrovirologia da UNIFESP
Lopinavir/Ritonavir comprimidos uma vez ao dia
Estudo demonstrou que Lopinavir/Ritonavir comprimidos usados em dose única diária foi tão eficaz do que com o uso convencional de duas vezes
ao dia. Um total de 664 indivíduos foram alocados
neste estudo que utilizou truvada (dose fixa de tenofovir e FTC) sendo que o Lopinavir/Ritonavir foi
na dosagem única de 800/200 mg comparado com
400/100 duas vezes ao dia. A prevalência de carga
viral indetectável foi de 78% versos 77% e o aumento no número de CD4 foi de 186 e 197 respectivamente nos braços usando uma e duas vezes
ao dia. A incidência de efeitos colaterais também
foi semelhante, sendo que o efeito mais comum foi
diarréia, sendo de 17 e 15% respectivamente para
uma e duas vezes ao dia.
Gathe J et al. Study M05-730 primary efficacy
results at week 48: phase 3, randomized, openlabel study of lopinavir/ritonavir tablets once
daily versus twice daily, co-administered with
tenofovir DF and emtricitabine in antiretroviralnaïve HIV-1 infected subjects. Fifteenth Conference on Retroviruses and Opportunistic Infections, Boston. Poster 775, 2008
Herpes e HIV.
Um estudo piloto no Peru demonstrou que o uso
de valaciclovir em mulheres co-infectadas com HIV
e herpes simplex genital (HSV2) reduziu de forma
significativa a carga viral plasmática e nas secreções genitais do HIV. Da mesma forma, a freqüência dos recrudescimentos da infecção herpética e a
carga viral do HSV2 também diminuíram. O estudo
recrutou 20 mulheres co-infectadas e tratou a metade destas com doses de 500 mg de valaciclovir
duas vezes ao dia comparado com placebo no grupo controle. As mulheres recrutadas neste estudo
prospectivo randomizado controlado tinham mais
de 18 anos, eram virgens de tratamento anti-retroviral (algumas tomaram AZT no passado por curto
período para prevenção de transmissão vertical do
HIV) com CD4 superior a 200 cels mm3 (mediana
de 372). A queda média de carga viral plasmática no grupo de estudo foi de 4,6 log10 para 4,37
log10 e a queda da carga viral em secreção genital
Tendências em HIV • AIDS (Volume 3 - Número 1 - 27-28)
Tendencias em HIV Vol 3 n1 2008 27 27
foi de 3,31 para 2,93 log10. Da mesma forma, o
HSV2 foi detectado em 22.1% das vezes nas mulheres do grupo placebo comparado com 3,7% no
grupo do valaciclovir.
Baeten J et al. Herpes simplex virus suppressive treatment decreases plasma and genital
HIV-1 viral loads in HSV-2/HIV-1 co-infected
women: a randomized, placebo-controlled,
cross-over trial. Fifteenth Conference on Retroviruses and Opportunistic Infections, Boston. Abstract 676. 2008
Outro estudo conduzido entre homens que fazem
sexo com homens nos EUA definiu que homens
com replicação do HSV2 têm 16 vezes mais chances de transmitir o HIV do que os homens que não
são portadores do HSV2. Desta forma, o estudo
conclui que o tratamento do HSV2 deve diminuir a
transmissão do HIV.
Butler D et al. Correlates of HIV transmission
among MSM. Fifteenth Conference on Retroviruses and Opportunistic Infections, Boston.
Abstract 701. 2008.
Menor mortalidade quando o tratamento antiretroviral é instituído prontamente na presença
de infecção oportunista.
Uma grande dúvida entre os clínicos sempre foi a
escolha do momento ideal para inicio da terapia
anti-retroviral entre pacientes que abrem o quadro
com infecção oportunista. Seria melhor aguardar
a resolução da infecção oportunista e postergar o
tratamento anti-retroviral a um segundo momento,
priorizando o que realmente coloca o doente em
risco de morte em curto prazo e minimizando os
efeitos colaterais ou seria melhor diminuir a replicação do HIV o mais rapidamente possível propiciando assim a recuperação imune de forma mais
acelerada? O estudo ACTG 5164 demonstrou que
postergar a terapia anti-retroviral na vigência de infecção oportunista ou bacteriana aguda está associada à maior mortalidade. Este estudo incluiu 282
indivíduos com infecções oportunistas que excluí27
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am tuberculose e os mesmos eram randomizados
para iniciar o tratamento imediatamente ou após
14 dias de completarem o tratamento para a infecção oportunista. A maioria (85%) dos candidatos
eram homens, mediana de idade de 38 anos e com
media de CD4 de 29 cels/mm3 e média de carga
viral de 500.000 copias/ml, todos sem uso de ARV
sendo 90% nunca havia usado ARV na vida. A infecção por Pneumoscystis foi a mais comum, 63%,
seguido por criptococose em 16% e pneumonia
bacteriana em 12%. O tratamento recomendado
foi com Lopinavir/Ritonavir, d4T e truvada (tenofovir e FTC), mas os médicos assistentes tinham
liberdade para mudar o tratamento de acordo com
sua experiência. Entre os pacientes que iniciaram
o tratamento precocemente a mortalidade foi de
14% comparado com 24% entre os pacientes que
postergaram o tratamento (OR=0,5). Não houve
diferenças nos efeitos adversos das medicações
entre os grupos como também foi semelhante a incidência de síndrome da reconstituição imune nos
dois grupos. Entretanto, os níveis de CD4 aumentaram mais rapidamente no grupo com tratamento
imediato, reduzindo o que foi chamado pelos pesquisadores de “janela de vulnerabilidade para aids
e para progressão para morte”.
Zolopa A et al. Immediate vs. deferred ART in
a setting of acute AIDS-related opportunistic
infections: final results of a randomised strategy trial, ACTG A5164. Fifteenth Conference
on Retroviruses and Opportunistic Infections,
Boston. Abstract 142, 2008.
Darunavir eficaz e segura em crianças e adolescentes.
Resultados de 24 semanas de um estudo utilizando darunavir para crianças com mais de 6 anos
e adolescente até 17 anos, todos altamente experimentados, demonstrou que a droga é eficaz
e segura nesta população. Todas as 80 crianças/
adolescentes receberam um esquema de base
otimizado juntamente com darunavir/ritonavir. As
doses de darunavir-r foram de acordo com o peso,
sendo que entre 20 a <30 kg recebiam 375/50mg
(darunavir/ritonavir) duas vezes ao dia, entre 30 to
<40 kg recebiam 450/60mg duas vezes ao dia e
com peso ≥40 kg recebiam 600/100mg duas vezes ao dia. A Carga viral foi inferior a 50 cópias em
50% dos pacientes e inferior a 400 cópias em 64%,
sendo que houve a redução superior a 1 log10 em
74% dos pacientes. O incremento de CD4 foi de
28
Tendencias em HIV Vol 3 n1 2008 28 28
117 cels/mm3. Este desempenho é de certa forma
semelhante aos anteriormente entre a dultos e nenhuma morte ocorreu durante o período.
Bologna R et al. Safety and efficacy of darunavir co-administered with low-dose ritonavir in
treatment-experienced children and adolescents at Week 24. Fifteenth Conference on Retroviruses and Opportunistic Infections, Boston.
Abstract 78LB, 2008.
Datando a introdução do HIV na América do Sul.
Dois métodos de análise filogenética Bayesianos
foram utilizados em uma quantidade grande de
seqüência de HIV-1 isolados na América do Sul.
Sabe-se que na America do Sul temos uma prevalência elevada de variantes do subtipo B em todos
os países, sendo que também encontramos vírus
do subtipo F no Brasil, vírus do subtipo C no Sul do
Brasil, recombinantes entre os vírus dos subtipos B
e F na Argentina e no Brasil e recombinantes entre
os vírus dos subtipos B e C também no Sul do Brasil. Os vírus recombinantes que se estabelecem
de forma sólida são chamados de formas recombinante circulantes (CRF), sendo que na America do
Sul existem os CRF12 (B/F da Argentina) e CRF28
e CRF29 (B/F do Brasil). A metodologia filogenética acima permite que se estime a entrada dos vírus
no continente a partir das seqüência de nucleotídeos do genoma dos vírus. Assim sendo, estimou-se
que a entrada dos vírus do subtipo B foi em 1971,
a dos vírus do subtipo F em 1981, os recombinantes B/F da Argentina emergiram em 1984 e os do
Brasil em 1989. Os vírus do subtipo C entraram
mais recentemente, em 1987 e os recombinantes
B/C em 1992. Além disto, foi estimada a taxa de
crescimento (expansão) da epidemia através dos
cálculos do R0. Quanto maior o R0, mais explosiva
é a epidemia, e os resultados demonstram que os
valores para um intervalo de 10 anos foram 3,81
para o vírus B, 3,59 para os vírus F, 4,57 para os B/
F da Argentina, 7,7 para os B/F do Brasil, 8,2 para
os vírus C e 16,6 para os B/C. Desta forma confirma-se a tendência de desaparecimento dos virus F
puros e a expansão acelerada dos recombinantes
e dos virus do subtipo C.
Leal E et al. Evolutionary Dynamics of HIV-1
BF and CB Recombinants in South America.
Fifteenth Conference on Retroviruses and Opportunistic Infections, Boston. Abstract 507,
2008.
Tendências em HIV • AIDS (Volume 3 - Número 1 - 27-28)
19/3/2008 15:36:14
Resumo de Teses
Aluna: Erika Maria do Nascimento Kalmar
Orientadora: Ester Cerdeira Sabino
Instituição: Faculdade de Medicina da Universidade de
São Paulo
Título: Avaliação da resistência do HIV-1 às drogas antiretrovirais em 150 pacientes em interrupção terapêutica
por mais de seis meses
Resumo:
INTRODUÇÃO: A mudança nos critérios de introdução
das drogas anti- retrovirais, assim como a dificuldade
na manutenção da terapia anti-retroviral de alta eficácia,
tem levado à descontinuação da terapêutica por longo
período de tempo em alguns pacientes infectados pelo
Vírus da Imunodeficiência Humana Adquirida-Tipo 1
(HIV-1). O objetivo deste estudo foi a caracterização dos
fatores que levam à interrupção terapêutica e a avaliação
da persistência da resistência aos anti-retrovirais após a
interrupção da terapia anti-retroviral. MÉTODOS: Foram
incluídos na pesquisa 150 pacientes de dois serviços
de atendimento ambulatorial de atenção a pacientes
infectados pelo HIV-1 da cidade de São Paulo, os quais se
achavam em interrupção terapêutica havia pelo menos 6
meses. Os pacientes foram submetidos a um questionário
e houve consulta aos prontuários. Foi realizada coleta de
amostra de sangue para teste de genotipagem. O DNA
pró-viral foi amplificado e seqüenciado para a região da
protease e transcriptase reversa do vírus. As seqüências
foram analisadas por meio do algoritmo de Stanford,
sendo consideradas resistentes as amostras com resultado
parcial ou completo de resistência a pelo menos uma
droga. RESULTADOS: Dos 150 pacientes, 137 tiveram DNA
do HIV-1 amplificado e seqüenciado, sendo que 38 (27,7%)
apresentaram cepas resistentes. Entre os 38 pacientes
com resistência, 29 (76,3%) apresentavam mutações para
os análogos nucleosídeos inibidores da transcriptase
reversa, 15 (39,4%) para os não análogos nucleosídeos
inibidores da transcriptase reversa, e 5 (13,1%) para os
inibidores da protease. A detectabilidade da carga viral
antes da interrupção terapêutica foi o único fator associado
com a resistência do vírus. Cento e dez (73,3%) pacientes
suspenderam a medicação por orientação médica. A
principal causa das interrupções terapêuticas foram os
efeitos adversos para 58 (38,7%), seguida de 45 (30,0%)
pacientes fora dos critérios atuais de início da terapia e/ou
boas condições clínico/laboratoriais, e baixa adesão em 30
(20%). No ano anterior à pesquisa, 56 (37,3%) pacientes
relataram relação sexual desprotegida e 130 (86,7%) mais
que 2 parceiros. CONCLUSÕES: A freqüência de mutações
de resistência revelou-se alta nesse grupo de pacientes.
Tais mutações parecem ter um fitness semelhante ao das
cepas selvagens, pois mesmo sem a pressão seletiva do
medicamento por mais de 6 meses, mantiveram-se como
cepas majoritárias. O aumento da carga viral, associado
a comportamentos de risco, torna esses indivíduos uma
fonte de cepas resistentes para a população, reforçando
a necessidade de atenção especial para a prevenção da
transmissão do HIV-1 nesse segmento de pacientes.
Aluna: Mariana Melillo Sauer
Orientadora: Esper Georges Kallas
Instituição: Universidade Federal de São Paulo
Título: Análise da contribuição dos sintomas clínicos de
infecção aguda e parâmetros laboratoriais na progressão
para imunodeficiência em infectados pelo HIV-1.
Resumo:
O estudo da infecção recente pelo HIV-1 tem papel
fundamental para o entendimento da patogênese da
imunodeficiência causada por este vírus. Para tanto,
foi estabelecida em 2002 uma coorte na UNIFESP em
colaboração com a Prefeitura de São Paulo, com pacientes
com infecção recente pelo HIV-1, diagnosticados pelo
método de dupla testagem sorológica, o STAHRS.
Até o fechamento dos dados para este trabalho foram
incluídos 207 voluntários com infecção recente pelo HIV-1,
191 homens (92,27%), 173 deles referem realizar sexo com
homens (HSH, 83,98%). Entre todos os participantes, 123
são brancos (59,79%) com média de idade igual a 32,09
anos (extremos de 18,13 e 70,41 anos). Todos os voluntários
referem ter contraído o vírus por via sexual. Dentre os
parâmetros demográficos pudemos demonstrar a relação
entre maior idade no momento da infecção e menor tempo
para progressão para imunodeficiência (p=0,02).
A mediana do resultado da contagem de linfócitos T CD4+
na primeira coleta de sangue do estudo foi de 529 células/
µL (interquartil 25-75% [IQ], 403–698), de linfócitos T CD8+
foi 907 células/µL (IQ 607–1.194) e a mediana da carga
viral 21.100 cópias/mL (IQ 4.392-72.025), que em escala
logarítmica na base 10 (log10) corresponde a 4,32/mL (IQ
3,64–4,86).
Compareceram à consulta clínica inicial 196 pacientes, 66
(33,67%) referiram sintomas, com duração de 15 dias em
média, sendo febre o mais freqüente (84,85%), seguido de
intensa indisposição ou fraqueza (65,15%), aumento do
volume de gânglios (45,45%), dores pelo corpo (36,36%) e
dor de garganta (16,66%), além de emagrecimento, diarréia,
cefaléia, dor abdominal, úlceras esofágicas e meningite
viral. Não houve diferença no tempo de progressão entre
os que descreveram sintomas ou não. Os dados sugerem,
portanto, não existir relação entre a apresentação clínica
inicial e o tempo para imunodeficiência. Observamos ainda
que os pacientes que apresentaram sintomas sugestivos
de infecção aguda apresentaram maior valor de linfócitos T
CD8+ (p=0,003) e de carga viral (p=0,046).
Este estudo fortemente sugere que a presença de sintomas
na infecção aguda pelo HIV-1 não prediz menor ou maior
tempo para imunodeficiência, mas pacientes sintomáticos
mantiveram carga vira e contagem de linfócitos T CD8+
29
Tendencias em HIV Vol 3 n1 2008 29 29
19/3/2008 15:36:14
elevados durante todo o período de acompanhamento.
Estes achados reforçam a importância de estudos de
coorte com pacientes com infecção recente pelo HIV-1,
para a busca de fatores imunológicos que expliquem estes
achados.
de co-infectados com HIV-1 atendidos no DF indica a
importância da genotipagem nessa população uma vez
que esses genótipos têm importância clínica na predição
da resposta ao tratamento antiviral, sendo o HCV-1 o que
responde mal ao tratamento ao tratamento.
Aluna: Claudiner Pereira de Oliveira
Orientadora: Marcelo de Macedo Brígido
Instituição: Universidade de Brasília
Título: Caracterização molecular do vírus da Hepatite C em
indivíduos co-infectados com HIV-1.
Aluna: Graziela Maria Schuh
Orientadora: Sharbel Weidner Maluf
Instituição: Centro Universitário Feevale
Título: Estudo da instabilidade genômica causada por
vírus, drogas anti-retrovirais e outros fatores ambientais em
pacientes HIV positivo.
Resumo:
Resumo:
As infecções pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV1) e pelo vírus da hepatite C (HCV) são consideradas
problemas de saúde pública com cerca de 40 milhões de
pessoas infectadas com o HIV-1 e cerca de 170 milhões
com HCV no mundo. A co-infecção HIV-1/HCV é comum
em indivíduos expostos a vias de transmissão percutânea
e a hepatite C tem emergido como a principal causa de
morte em pacientes HIV-1 soropositivos, devido à alta
prevalência do HCV nessa população. O HCV pertence à
família Flaviviridae, gênero Hepacivirus, e é classificado em
6 genótipos e múltiplos subtipos. Diferenças na distribuição
genotípica são observadas em diferentes áreas do mundo
e em um mesmo país. Alguns genótipos do HCV parecem
estar relacionados a uma melhor resposta virológica
sustentada após o tratamento, como os genótipos 2 e 3, que
apresentam melhor resposta do que indivíduos infectados
com os genótipos 1 e 4. Existem poucos dados sobre
populações de co-infectados com HIV-1/HCV, a prevalência
dos genótipos é relatada para as infecções separadamente
nas diferentes populações. Assim, esse trabalho teve como
objetivo caracterizar a prevalência dos genótipos e subtipos
do HCV na população de co-infectados com HIV-1/HCV no
Distrito Federal e entorno. Para isso foram analisadas 45
amostras de indivíduos co-infectados com HIV-1 e antiHCV positivos por meio de amplificação por PCR das
regiões genômicas 5’UTR e NS5B do HCV seguida de
seqüenciamento e análise filogenética. O genótipo 1 foi o
mais prevalente (81%), seguido dos genótipos 3 (10%), 2
(6%) e 4 (3%). Esse resultado está de acordo com relatos
de outros estudos da região Centro-Oeste, onde existe
maior prevalência do genótipo 1. Os genótipos 2 e 4, raros
no Brasil, foram descritos pela primeira vez na população
HCV positiva do Distrito Federal (DF). A concordância entre
os resultados obtidos por meio da análise de homologia
das seqüências pelo programa HCV-BLAST para as regiões
5’UTR e NS5B foi de 97% para os genótipos e 90% para
os subtipos, corroborando o descrito na literatura sobre
a necessidade da análise de mais de uma região para a
correta determinação do subtipo. A análise filogenética das
seqüências definiu os genótipos e subtipos divergentes. A
presença de genótipos 1, 2, 3 e 4 do HCV na população
O vírus HIV pode causar mutações nas células infectadas, proporcionando maior risco para o desenvolvimento de tumores.
Este trabalho teve como objetivo geral avaliar a freqüência de
instabilidade genômica causada por vírus, por drogas antiretrovirais e outros fatores ambientais através da técnica de
micronúcleos com bloqueio da citocinese e ensaio cometa,
em indivíduos HIV+ sem o com o uso de drogas ARVs e como
objetivos específicos: avaliar o efeito genotóxico da contaminação viral através dos índices de dano de DNA medidos
pelas técnicas de micronúcleo e cometa; avaliar o efeito das
drogas através dos índices de dano de DNA medidos pelas
técnicas de micronúcleo e cometa, avaliar o efeito genotóxico
de outros fatores como idade, sexo e tabagismo em indivíduos
HIV+ com e sem uso de ARVs e no grupo controle através
dos índices de dano de DNA medidos pelas técnicas de micronúcleo e cometa. A amostra constou de um total de 135
indivíduos.
Foram realizadas as técnicas do cometa e de micronúcleos
com o bloqueio da citocienese. Os valores desta avaliação,
assim como outros parâmetros, como a carga viral (CV) e a
taxa de TCD4+ foram analisados e relacionados com o uso
de drogas e outros fatores ambientais. Os dados demonstraram que os pacientes HIV+ sem ARVs apresentam os maiores
níveis de dano de DNA pela técnica do cometa, quando comparados com os controles (p=0,007), demonstrando um efeito
genotóxico da carga viral, que apresentou-se elevada em relação aos pacientes em tratamento (p<0,001). A taxa de TCD4+
não apresentou diferença estatisticamente significativa entre
os grupos HIV+ sem e com medicação.
As drogas, quando analisadas individualmente, não apresentaram um efeito genotóxico detectável pelas nossas avaliações. Entre os pacientes HIV+ com ARVs, os fumantes apresentaram uma freqüência de micronúcleos estatisticamente
maior do que os não fumantes (p=0,020), indicando um possível efeito sinérgico entre as drogas ARVs e o tabagismo. Este
achado é importante para o aconselhamento dos pacientes
no sentido de melhorar sua qualidade de vida e evitar outros
problemas secundários de saúde, como o desenvolvimento
de neoplasias, que pode ser causado pelo acúmulo de mutações. Não ficou evidenciado, neste estudo, a influencia do
sexo e da idade nos índices de dano de DNA.
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Tendencias em HIV Vol 3 n1 2008 30 30
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