dor orofacial idiopática crônica

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DOR OROFACIAL IDIOPÁTICA CRÔNICA : DESCRIÇÃO DAS SÍNDROMES,
POSSÍVEIS EXPLICAÇÕES E TRATAMENTO
PROFª DRª ANGELA MONTEIRO, PhD EM PSICOLOGIA
PARTE DE ARTIGO SUBMETIDO À ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSICOLOGIA PARA PUBLICAÇÃO NO PERIÓDICO
TEMAS EM PSICOLOGIA: DOENÇAS OROFACIAIS: A CONTRIBUIÇÃO DO PSICÓLOGO
NA PREVENÇÃO, DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO
A dor orofacial idiopática crônica é considerada um problema relativamente comum,
que tem desafiado os profissionais de saúde (Feinmann, 1996). Ela envolve a artromialgia
facial (nomenclatura européia), a dor facial atípica, a odontalgia atípica e a disestesia oral.
Essas condições podem ocorrer simultânea ou seqüencialmente nos mesmos pacientes.
A artromialgia facial (também conhecida como síndrome de disfunção da articulação
temporomandibular, transtorno da articulação temporomandibular ou disfunção da articulação
temporomandibular) apresenta-se como uma dor uni ou bilateral na articulação
temporomandibular e na musculatura craniofacial associada. Sintomas adicionais podem
incluir ruídos da articulação e limitação da abertura da mandíbula com desvio para o lado
afetado (Costa, 2000; Harris, Feinmann, Wise & Treasure, 1993).
A dor facial atípica é uma dor contínua com episódios intermitentes de dor extrema
(Harris e cols., 1993). Ela se localiza nas áreas não musculares e sem articulações da face. A
dor pode também ser uni ou bilateral e persistir por meses ou anos (Feinmann & Peatfield,
1993; Feinmann, 1996). O diagnóstico não é reconhecido pela International Association for
the study of pain (IASP), dando margem à controvérsia. A odontalgia atípica, uma variante
dental da dor facial atípica, é uma dor latejante severa em um ou mais dentes, diagnosticada na
ausência de uma patologia identificada, simulando pulpite (inflamação da polpa do dente) ou
periodontite (Harris, Feinmann, Wise & Treasure, 1993). A disestesia oral envolve os
seguintes sintomas: queimação na língua, gengiva ou lábios; sensação persistente de boca seca
na presença de saliva; distúrbio do gosto, intolerância à dentadura ou oclusão dental (o
alinhamento dos dentes da arcada superior com os da inferior) desconfortável e persistente
(Harris e cols., 1993).
É comum o paciente também se queixar de outras dores, tais como: dor de cabeça
tensional, dor no pescoço, dor nas costas, desconforto abdominal, prurido e, em mulheres,
menorralgia (menstruação dolorosa ou dor pélvica no período menstrual). Em muitos casos,
mas não em todos, estas dores parecem surgir em resposta ao estresse na vida do paciente
(Feinmann & Peatfield 1993).
Todas as condições de dor orofacial acima caracterizadas permanecem idiopáticas,
pois as mudanças patológicas subjacentes dessas síndromes são desconhecidas. A crença de
que a má oclusão é a causa principal da dor idiopática facial e da dor na articulação
temporomandibular não é comprovada por estudos controlados. Outra explicação popular é a
de que o bruxismo relacionado com o estresse produz uma sobrecarga na articulação
temporomandibular e afeta a musculatura. No entanto, isto também é difícil de ser confirmado
como a causa primária total sem uma patofisiologia detalhada (Feinmann & Peatfield, 1993).
Os distúrbios psicológicos associados com a dor orofacial crônica têm atraído
considerável atenção. Sabe-se que o estado psicológico de um indivíduo pode produzir dor,
aumentar a severidade com que a dor é sentida, ou mesmo diminuir a sua severidade
(Aghabeigi, Feinmann & Harris, 1992). Há também um substancial corpo de pesquisa
indicando que a dor orofacial crônica está relacionada com o estresse (Lefer, 1966; Fine,
1971; Speculand, Hughes & Goss, 1984). Devido à etiologia traumática de muitas condições
de dor, uma proporção substancial de pacientes podem sofrer de um transtorno de estresse
pós-traumático (TEPT). A característica essencial desta síndrome é o desenvolvimento de
sintomas característicos após um evento extremamente estressante, o qual está fora da
experiência humana comum. Tal evento é geralmente experimentado com intenso medo, terror
e impotência. Exemplos mais relevantes para a dor orofacial incluem sofrer agressão pessoal
violenta, acidente automobilístico ou alguma forma de acidente de massa. Os sintomas
característicos envolvem a experiência de reviver o evento traumático, a esquiva de estímulos
associados com o evento traumático, embotamento do nível geral de resposta e ativação
aumentada (insônia, irritabilidade, dificuldade de concentração).
Estima-se que 30 a 60% dos pacientes com dores crônicas "não orgânicas" sofrem de
depressão, uma incidência mais alta do que na população em geral (aproximadamente 6%).
Também tem sido relatado que uma alta proporção de parentes de primeiro grau de pessoas
com este tipo de dor também sofrem de transtornos emocionais (Magni 1987). Com base
nisso, presume-se que a dor crônica e a depressão podem apresentar uma predisposição
biológica comum. Essa hipótese tem sido sustentada pelo fato de que antidepressivos
tricíclicos e inibidores da monoaminoxidasa têm se mostrado efetivos no tratamento de
síndromes da dor crônica. Também há evidência de que o paciente com dor orofacial
idiopática crônica é bioquimicamente vulnerável e pode ser identificado por uma reduzida
excreção urinária de tiramina conjugada, após uma dose oral de tiramina, o que também
ocorre em pacientes com depressão endógena (Aghabeigi e cols, 1993). A tiramina é um
produto intermediário na conversão de tirosina para epinefrina, que pode ser encontrado na
maioria dos queijos, no esporão do centeio, na cerveja, no vinho e no fígado da galinha. O
déficit de tiramina conjugada em pacientes depressivos é um preditor do resultado positivo do
tratamento com antidepressivos tricíclicos. No entanto, a deficiência em tiramina também
ocorre em pacientes com dor orofacial que não apresentam qualquer evidência de depressão, o
que pode explicar porque antidepressivos tricíclicos aliviam a dor em pacientes sem
depressão.
Nos casos de disfunção da articulação temporomandibular, geralmente, o odontólogo
emprega no tratamento: a placa miorrelaxante (também denominada placa oclusal, protetor
noturno, protetor de mordida, aparelho interoclusal e aparelho ortopédico) e o ajuste oclusal.
As placas oclusais são confeccionadas com material resinoso, duro ou flexível, a partir da
moldagem da arcada superior. As placas têm os seguintes efeitos na disfunção da ATM: i)
promover temporariamente uma posição articular ortopedicamente mais estável; ii) favorecer
uma oclusão funcional ótima que reorganiza a atividade reflexa neuromuscular (Okeson,
2000), redistribuindo as forças oclusais resultantes do contato entre os dentes das duas arcadas
e reposicionando o côndilo (porção da mandíbula pertencente à ATM) na cápsula articular,
diminuindo a sintomatologia dolorosa.
Outra qualidade favorável da terapia por placa oclusal no manejo de desordens
temporomandibulares é que ela é efetiva na redução dos sintomas. Uma extensa revisão crítica
da literatura (Shi & Wang, 1989) revelou que sua efetividade gira em torno de 70% a 90%. O
mecanismo preciso que explica a efetividade da placa ainda está em discussão.
Quanto ao ajuste oclusal, por vezes, o profissional realiza desgaste no esmalte dentário
visando, também, a redistribuição das forças oclusais. Desde que esse tratamento remove
tecido do esmalte, ele tem um caráter de permanência e irreversibilidade.
Em suma, é importante levar em consideração os fatores psicossociais no manejo da
dor orofacial idiopática crônica, na medida em que alguns pacientes podem se beneficiar de
um suporte psicológico e psiquiátrico. A falta de reconhecimento desses fatores, junto com o
prolongado insucesso da terapia física ou cirúrgica, pode tornar a dor intratável ou incitar
certos pacientes a procurar alívio através de ação jurídica.
Conclusões
A face é uma das áreas mais complexas do corpo em termos de apresentação de dor. A
inervação intricada e a concentração de todos os sentidos especiais dão a esta área uma
significância única. Além do mais, a face tem uma significado especial dada a sua importância
emocional e social.
No manejo das síndromes da dor orofacial idiopática crônica (artromialgia facial, dor
facial atípica, odontalgia atípica e disestesia oral), é fundamental explicar ao paciente a
natureza da condição tanto quanto fornecer a terapia médica. Deve ser enfatizado que a dor é
real e não imaginária, provavelmente emergindo da musculação em espasmo e dos vasos
sangüíneos dilatados em resposta ao estresse e outros fatores psicossociais (Feinmann &
Peatfield, 1993). No caso da odontalgia atípica, é útil descrevê-la para o paciente como sendo
uma variante da enxaqueca experimentada nos dentes. O paciente precisa ser tranqüilizado
pela informação de que tem um problema comum e de que nenhum transtorno físico sério ou
progressivo se dará. Para reforçar a comunicação e tranqüilizar, um material escrito
informativo faz-se imprescindível. A metade dos pacientes com essas síndromes respondem
positivamente à analgesia simples e à tranqüilização pela informação (Feinmann & Peatfield,
1993). Geralmente antidepressivos são receitados para aqueles que não respondem à esta
estratégia inicial de tratamento. No entanto, não convém que antidepressivos sejam usados
isoladamente. Uma abordagem de tratamento pragmática é recomendada, na qual o
diagnóstico é primeiramente estabelecido por uma história cuidadosa do problema, que
identifica outras dores psicossomáticas e levanta eventos estressantes. Subseqüentemente, o
paciente recebe informação relevante e tranquilizadora sobre a sua condição. Acompanhando
a prescrição de antidepressivos, o suporte psicológico é indicado (Feinmann & Peatfield,
1993), geralmente envolvendo procedimentos e técnicas para o manejo do estresse e
aconselhamento sobre o estilo de vida.
A associação do TEPT com a dor orofacial
idiopática crônica sugere uma relevância causal do TEPT para o desenvolvimento da dor.
Uma vez que o evento traumático é persistentemente revivido, é possível que a dor se
desenvolva, ao menos em parte, como o resultado da experiência de reviver a dor associada
com o evento traumático (Aghabeigi, 1992).
Davidson e cols.
(1991) ressaltam que
portadores do TEPT são 90 vezes mais predispostos a sofrer de um transtorno de somatização
do que a população em geral, o que sugere uma conexão entre o TEPT e o processo de
conversão. No caso do TEPT contribuir para uma condição de dor, a terapia deverá ser
orientada para a resolução do transtorno de estresse. Em geral, a farmacoterapia é mais efetiva
quando administrada como parte de um amplo tratamento (Aghabeigi, 1992). A terapia
cognitivo-comportamental objetivando a exposição do paciente às situações ou pensamentos
ligados ao trauma, dos quais ele tem se esquivado, é geralmente um passo crítico no
tratamento (Richards & Rose, 1991). Muse (1986) demonstrou a eficácia da dessensibilização
no alívio dos sintomas de ansiedade e depressão associados com o TEPT. No entanto, estas
abordagens terapêuticas nem sempre aliviam a dor associada (Aghabeigi, 1992). Isto sugere a
contribuição de outros fatores, tais como a neurose de compensação (desenvolve-se após um
acidente em pessoas que pensam que podem obter compensação mostrando-se doentes) e o
comportamento de dor aprendido (a dor pode ser em parte aprendida ou modificada através de
condicionamento ou outras formas de aprendizagem) (Muse, 1985). Todavia, o tratamento
psicológico da ansiedade e depressão pode beneficiar, promovendo um retorno mais breve do
paciente aos seus níveis prévios de funcionamento profissional e psicossocial, aumentando a
sua habilidade de coping relativa à dor crônica.
Finalmente, com a crescente compreensão de que fatores psicossociais são
importantes na doença e na saúde bucal, psicólogos, odontolólogos e outros profissionais
de saúde tenderão a trabalhar em parceria guiados por uma concepção integrada do homem
na sua unidade corpo-mente, considerando o seu ambiente físico, social e cultural.
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