erros gramaticais na imprensa

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DANIELA EMILIA RODRIGUES THOMAZOTTI BERARD
ERROS GRAMATICAIS NA IMPRENSA
FACULDADE DE EDUCAÇÃO SÃO LUIS
NÚCLEO DE APOIO DE MOEMA
JABOTICABAL – SP
2008
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DANIELA EMILIA RODRIGUES THOMAZOTTI BERARD
ERROS GRAMATICAIS NA IMPRENSA
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à
Faculdade de Educação São Luís, como exigência
parcial para a conclusão do Curso de PósGraduação Lato Sensu em Língua Portuguesa,
Produção e Compreensão de Textos.
Orientadora: Ms Janaína Maria Lopes Ferreira.
FACULDADE DE EDUCAÇÃO SÃO LUIS
NÚCLEO DE APOIO DE MOEMA
JABOTICABAL – SP
2008
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RESUMO
Este trabalho visa a apontar os erros gramaticais mais comuns
veiculados na imprensa. Os jornais, os telejornais e as revistas no Brasil erram muito
mais do que se poderia esperar de um trabalho hoje feito por gente que passou por
uma faculdade. Tal excesso de erros, por isso mesmo, é o melhor indicador de como
é baixo o nível universitário na carreira de comunicação de massa (e como é baixo o
nível de leitura entre os jovens profissionais). Na lista elaborada neste trabalho,
alguns erros são mais comuns, repetem-se no dia a dia, por isso mesmo são mais
notados. Exatamente por se repetirem sempre, esses erros – ou vícios, ou
vulgarismos, a que e ali essas classificações seriam melhores do que erros – se
tornam graves, porque a repetição do erro é grave. E um desrespeito ao leitor ou ao
ouvinte (telespectador). Pois descuido constante é falta de atenção e, portanto,
desrespeito. É dolorosa, mas verdadeira, a conclusão de que se escreve e se fala
atualmente nos jornais, revistas e telejornais o português mais rasteiro, a linguagem
mais vulgar. Na relação de erros ou vícios que serão analisados, no decorrer deste
trabalho, alguns são escandalosos.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO....................................................................................................5
1. ANÁLISE HISTÓRICA.....................................................................................8
2. ERROS MAIS COMUNS................................................................................11
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................21
4. BIBLIOGRAFIA...............................................................................................22
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INTRODUÇÃO
Um dos assuntos que invariavelmente vêm à baila é a famigerada
questão do erro gramatical.
É preciso definir claramente o que é erro em matéria de língua. É
evidente que, se um estrangeiro tentando falar português disser “O meu mulher ser
muito bonita”, cometerá um erro, a ponto de se poder dizer que isso não é
português. Da mesma forma, quando se comete um equívoco involuntário do qual se
tem consciência, tem-se um erro lingüístico.
O que se costuma chamar de erro de português é uma expressão
lingüística que nada tem de acidental, já que é sistemática e, geralmente, proferida
por pessoas de menor nível escolar e socioeconômico, embora possa ocorrer até
nos mais altos escalões da sociedade. Para a lingüística, que é a ciência da
linguagem humana, esse fenômeno não pode ser chamado de erro. Se a língua é
um sistema de signos que se articulam segundo leis definidas para permitir a
comunicação e o pensamento humanos, toda expressão lingüística, mesmo a das
pessoas iletradas, cumpre esse papel com eficiência.
A idéia de que a maioria das pessoas fala “errado” nasce com o
estabelecimento da chamada gramática normativa, o que, no Ocidente, ocorreu em
Alexandria, colônia grega no Egito, a partir do século III a.C. A ideologia que presidiu
a elaboração dessa gramática, e que persiste até hoje nas gramáticas normativas da
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atualidade, é a de que a modalidade escrita da língua, especialmente a literatura do
passado, é muito superior à fala espontânea, assim como a língua mais perfeita é
aquela falada pela classe mais alta da sociedade.
A maioria dos chamados erros constitui, na verdade, um uso lingüístico
inadequado à situação de comunicação. Para entender melhor essa inadequação, é
necessária fazer uma analogia entre a língua que se fala e a roupa usada. Ninguém
em sã consciência vai a uma cerimônia de formatura de camiseta e bermudas e
tampouco vai à praia de terno. Assim como há uma roupa adequada a cada ocasião,
há uma forma de expressão lingüística adequada a cada situação de discurso.
Existe até mesmo uma correlação entre a indumentária e o registro
lingüístico. Num tribunal, os juízes usam togas e se expressam num registro
ultraformal; numa palestra a executivos, o conferencista veste paletó e gravata e fala
de modo formal. Numa aula, o professor pode usar roupa casual e expressar-se de
modo semiformal, até com o uso de coloquialismos e algumas gírias para fins
didáticos. Finalmente, num bate-papo entre amigos numa mesa de bar, a linguagem
e a vestimenta são totalmente informais. Cabe lembrar que somente os dois
primeiros registros (formal e ultraformal) correspondem à chamada norma culta e
estão, portanto, obrigados a respeitar a gramática normativa.
E aquelas pessoas que moram na periferia ou na zona rural e dizem
“pobrema” ou “cardeneta”, elas não estão falando errado? Do ponto de vista
normativo, sim. Mas, a gramática normativa só se aplica a situações e ambientes
formais. O registro deve, antes de tudo, estar adequado ao contexto social da
comunicação. Pessoas que vivem num meio da baixa escolaridade e pronunciam
“pobrema” estão adaptadas ao seu habitat. Se não acredita, experimente entrar
numa favela do Rio vestindo roupa social e vá conversar com os traficantes usando
linguagem de magistrado para ver o que lhe acontece.
Vale destacar, finalmente, que nas últimas décadas, graças à influência
da imprensa eletrônica e ao sucateamento do ensino, tem havido uma tendência à
informalização da linguagem em nosso país. Empobrecimento do idioma, dirão
alguns. Adaptação da língua às necessidades práticas do dia-a-dia, dirão outros. O
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principal fator é o desmantelamento do nosso sistema educacional, com inegáveis
prejuízos ao ensino de português.
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ANÁLISE HISTÓRICA
No português arcaico, os primeiros documentos escritos da língua
datam do fim do século XII, há uma grande tendência de aproximar a ortografia da
pronúncia. Busca-se o ideal ortográfico que é, sem dúvida, um utópico em que a
cada fonema corresponda uma única letra ou sinal gráfico. Utópico porque o número
de fonemas é imenso e o alfabeto, no caso da língua portuguesa, por exemplo, tem
apenas 23 letras.
O ideal ortográfico, portanto, exigiria um número enorme de caracteres,
o que viria a criar grandes dificuldades. Perseguiu-se, então a simplicidade possível.
Como se tratava, entretanto, de matéria nova, nunca se chegou a um código
uniforme, embora algumas características básicas desde lego fossem marcantes, na
silabação. Havia uma tendência manifestamente fonética na ortografia primitiva do
português. Não há discordâncias quanto a isso entre os estudiosos mais ilustres da
matéria.
Caminhou-se então nesse sentido, de aproximação possível entre a
ortografia e a prosódia, durante quatro séculos. Do citado século XII até o
Renascimento, no século XVI. O Renascimento, como se sabe, é a época da
influência clássica, em que os eruditos querem mostrar seu amor pelos autores que
estão na raiz da cultura ocidental, os gregos e os latinos. Há exemplos que mostram
isso com toda a clareza. Lembremos o adjetivo dino, do português medieval, em
caminhada regressiva até a forma “digno” que temos hoje. Mesmo contrariando a
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pronúncia popular, os eruditos renascentistas latinizaram a ortografia da palavra,
introduzindo-lhe de volta o g medial que os clássicos romanos usavam na forma
dignus, a um Camões, o padrão clássico português do século XVI, ainda balança
entre uma forma e outra nos Lusíadas, no que se considera uma prova de que a
pronúncia popular ainda rejeitava o g no fecho da primeira sílaba. Assim, no poema
camoniano a forma arcaica dino rima com fino e com adamantino.
A partir do século XVI e seus pseudo-eruditismos, a confusão
ortográfica foi aumentando como bola de neve, até se chegar, no meio do século
XIX, à situação de cada um ter sua própria ortografia, ou quase isso. Diante de tal
calamidade, o grande foneticista português Gonçalves Viana, com grande
dedicação, resolveu o problema através da elaboração de um sistema ortográfico
com base no estudo científico dos sons da língua e de suas tendências, e cortando
sistematicamente todos os despropósitos etimológicos.
O governo português, em busca de uniformidade na caótica ortografia
do idioma nacional, soube ver a importância do trabalho de Gonçalves Viana e
nomeou uma comissão de notáveis para examiná-lo. Basta correr o nome pela lista
de filólogos da comissão para deduzir-lhe o alto nível científico: o pioneiro Leite de
Vasconcelos, sua cunhada, D. Carolina Michaelis de Vasconcelos, alemã a quem os
estudos de filologia portuguesa tanto devem, José Joaquim Nunes, Adolfo Coelho, o
camonista Epifânio Dias e, Julio Moreira, entre outros.
Alterado aqui e ali, mas mantida a orientação geral, o trabalho
estabeleceu a ortografia oficial do País, ortografia que se tornou matéria de ensino
obrigatório no País a partir de 1911. Com as exceções de sempre, para confirmar a
regra (algumas editoras recalcitrantes, mas que foram poucas e a teimosia não
durou muito), desde então Portugal tem uma ortografia estável, que todas as
publicações respeitam, sejam livros, jornais ou revistas. E quem se alfabetiza, nunca
mais encontra confusão ortográfica em suas leituras.
No Brasil, quando a ortografia se estabilizava em Portugal, no princípio
do século passado, as coisas ainda andavam muito complicadas. Mas surgiram
luzes em 1915, quando o acadêmico Silva Ramos (filólogo José Júlio da Silva
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Ramos) propôs que se reformasse a nossa ortografia com base na adotada em
Portugal, que chegara, dizia ele, a que se pode chamar de um sistema simplificado,
de grande equilíbrio, com o trabalho de Gonçalves Viana. Simplificado, sim, e,
autenticamente etimológico, pois na verdade representava o fim do período da
pseudo-etimologia. Apesar da proposta de Silva Ramos, que sobre ela publicou um
livro em 1926, Reforma Ortográfica, nada foi feito de sério.
Continuavam por aqui as marchas e contra marchas conduzidas por
leigos e desprovidas de conteúdo científico, tal ponto que a ortografia entre nós,
àquela altura, começou a virar motivo de piada. Até que, sentindo que o País
mergulhava numa situação perigosa de caos, as pessoas mais sérias nessa área
conseguiram que o governo solicitasse à Academia Brasileira de Letras um estudo
objetivo sobre o problema. E afinal, em 1931, celebrou-se pela primeira vez um
acordo ortográfico entre a nossa Academia e a Academia das Ciências de Lisboa.
Restaram dúvidas, entretanto, sobretudo quanto à acentuação gráfica,
que, forçosamente, por questões fonéticas, teria de divergir aqui e ali entre Portugal
e o Brasil, e o acordo de 1931 nunca chegou a se tornar oficial. Em 1943 aprovou-se
um novo acordo.
Doze anos se passaram até que, em 1955, o Congresso brasileiro
aprovasse a ortografia de 1943, que na prática já vigorava desde a aprovação
unânime em sessão da Academia Brasileira de Letras de 12 de agosto de 1943. O
presidente Café Filho sancionou a lei do Congresso em outubro daquele mesmo ano
de 1955 e desde então existe uma ortografia oficial no País – ortografia que, depois
de um período de ordem, paz e estabilidade que durou mais de três décadas a partir
de 1943, a imprensa passou a desrespeitar.
Como no Brasil tudo é possível, o próprio governo também começou,
através do Ministério das Relações Exteriores, a desrespeitar a lei por ele próprio
sancionada. E, por culpa inicial da atitude leviana da imprensa, vêem-se vários erros
em matéria de ortografia (por exemplo, com a grafia da palavra “Itamaraty”).
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ERROS MAIS COMUNS
A seguir, serão analisados alguns erros mais comuns cometidos pelos
jornais e revistas.
ACONTECER
Esse verbo forma hoje, com admitir e colocar, o trio dos verbos mais
maltratados – por excesso injustificável de uso – na linguagem de comunicação. É
natural que o uso excessivo, nascido da pobreza vocabular de quem redige ou fala,
leve ao mau uso. O sentido mais forte do verbo acontecer, como dizem os bons
dicionários, é o de “realizar-se inopinadamente” (Aurélio), ou “realizar-se algum fato
inesperadamente” (Caldas Aulete).
Os dois dicionários citados não definem o sentido do verbo de modo
gratuito. Tudo se pode dizer de um jogo de futebol programado para o próximo
domingo, menos que ele “acontece no próximo domingo”. Se está programado, não
se pode dizer que “acontece”. Surpreendentemente, ninguém mais em jornal,
revista, televisão ou rádio diz ou escreve que alguma coisa “se realiza”, “ocorre”, ou
simplesmente “será” no próximo domingo (a divergência de tempos verbais é
proposital, uma vez que nesses casos o uso consagra tanto o presente como o
futuro). Um casamento, nos nossos meios de comunicação, atualmente, sempre
acontece no clube tal, um espetáculo sempre acontece em tal ou qual lugar.
Nenhum evento merece mais a singeleza do verbo ser. Outro exemplo: “O velório
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acontece na capela do cemitério de...” (repórter de Salvador, no Jornal da Globo, de
1º de outubro de 1997, noticiando a morte do artista plástico Caribé).
Há um sentido “moderno” do verbo acontecer, que passou a ser
empregado com absoluta impropriedade na imprensa e no meio artístico. Não é raro
ver algum cantor em entrevista na televisão dizendo que determinada música da
qual muito se esperava “não aconteceu”, mas uma outra na qual ninguém apostava
“está acontecendo”.
ARTIGOS DE SOBRA
Vai começar o jogo. Aparece na telinha (o diminutivo é hoje a
designação específica da tela de televisão, ou seja, do vídeo) a escalação brasileira.
Declinados os nomes dos onze jogadores, o locutor completa quando aparece o 12º
nome: “O técnico é Dunga.” Nunca diz “o Dunga”, que seria ir contra a tradição da
língua, o espírito da língua. Diz-se que o técnico da Seleção de vôlei é Bernardinho,
nunca “o Bernardinho”.
Pois começa a surgir um vezo de atrelar artigo a tudo quanto é nome
próprio, vezo do qual a imprensa deveria se livrar o mais rapidamente possível, para
não contrariar todas as características da língua portuguesa. É de lamentar-se, mas
todos os veículos de comunicação têm atrelado esse artigo em seus textos.
Particularmente, acrescentam-no os textos de publicidade.
Os artigos sobrando não são apenas um vício recente de redações de
imprensa escrita e de programas de rádio e TV. Começam a se instalar também em
casa, primeiro no trato familiar e por fim se estendendo até os grandes vultos
universais. Até há pouco, pais e mães tratavam seus filhos sem o uso exagerado
dos artigos: “Lucas e Luísa não puderam ir à aula hoje por causa da chuva.”. Agora
já há os que sobrecarregam inutilmente a frase: “O Lucas e a Luísa...”.
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CARIOCA E FLUMINENSE
É tão simples estabelecer a diferença, tão simples, que chega a ser
comprometedor para a imprensa brasileira que ainda se faça confusão com o
sentido dos dois termos. Altamente comprometedor quando se sabe que o erro é
cometido a todo momento. Como exemplo: sob a rubrica Aviação, um texto da
revista Veja expõe as agruras da cantora Gal Costa para entregar ao governador do
Estado do Rio de Janeiro um abaixo-assinado pedindo a transferência de um aterro
de lixo que concentra enorme quantidade de urubus perto da cabeceira da pista do
aeroporto internacional. O aterro fica no município de Duque de Caxias. Voando
para esse aterro em busca de alimento, ou dele saindo já saciados, alguns desses
urubus são sugados pelas turbinas dos aviões a jato. Gal ia à Bahia, para uma
apresentação, quando um urubu foi sugado pela turbina do jato em que viajava, o
que obrigou o piloto a voltar. A viagem da cantora teve um atraso de quatro horas
que quase a fez perder seu compromisso em Salvador.
Diz Veja: “Gal (...) decidiu vencer a timidez e fazer pressão com o
chefe do Executivo carioca contra uma comunidade...”. Percebe-se dois aspectos: a)
“fazer pressão com” (o que leva a crer que o governador já estava fazendo pressão
e a cantora resolveu aderir, fazendo “pressão com ele”, quando o que se queria
dizer era fazer pressão sobre, coisa muito diferente); b) o segundo aspecto: “chefe
do Executivo carioca” é o prefeito do Rio. O governador do estado é o chefe do
Executivo fluminense. Tratá-lo de “chefe do Executivo carioca” é o mesmo que tratar
de “governador paulistano” o governador paulista.
DIA DO TRABALHADOR
Todo dia 1º de maio há jornais e revistas que repetem a fórmula
degenerada Dia do Trabalho. Degenerada porque não há dia do trabalho, mas Dia
do Trabalhador, festa criada para homenagear não o trabalho, mas aquele que
trabalha. O Dia do Trabalhador nasceu da necessidade de incrementar,
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universalmente, as reivindicações do movimento operário, esmagadas sob o peso do
capital desde a Revolução Industrial. Trata-se de um dia de reivindicação do
movimento operário, dia de união dos trabalhadores. Há bem mais de um século,
portanto, as reivindicações dos trabalhadores, ganham mais ênfase no dia 1º de
maio, no mundo inteiro.
Falar em Dia do Trabalho é diminuir o valor da luta operária. O dia 1º
de maio é o Dia do Trabalhador. E, no entanto, todo ano, jornais, revistas e TVs
falam equivocadamente de um inexistente Dia do Trabalho.
EM VEZ DE
Essa expressão, “em vez de”, sumiu dos jornais, das revistas e da
televisão brasileira há muito tempo. Agora só se diz “ao invés de”, expressão que,
para os que passaram a desprezar o velho “em vez de”, não existe.
Existe “ao invés” (sem o “de”), que significa “ao contrário”, “ao reverso”,
isto é, designa o oposto, o avesso de alguma coisa. O substantivo invés é uma
alteração fonética de inverso, explicam os etimologistas. Seu sentido, portanto, está
claro na sua própria formação.
Um exemplo expressivo dá sempre clareza final às coisas: “Na hora do
sorteio, estava certo de que ia dar cara. Ao invés, deu coroa.”. Eis um emprego
perfeito da expressão: deu precisamente o contrário, o oposto, o avesso, o inverso
de cara: deu coroa. Portanto, “ao invés” está aí com o sentido indiscutível de “ao
contrário”.
O que não se pode é repetir, segundo o modismo atual, frases como
“ao invés de ir de ônibus para a cidade, fui de metrô”. Nesse caso, só pode ser “em
vez de”. Mas, apesar do emprego incorreto, encontra-se a expressão a cada
momento em todos os jornais e em várias revistas.
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AMERICANO
Se “norte-americano” é um gentílico, pois muita gente usa a expressão
como referência a um país, os Estados Unidos da América, então o Tratado NorteAmericano de Livre Comércio é um tratado entre os Estados Unidos e os Estados
Unidos. Mas não é bem assim. O Nafta, criado em janeiro de 1994, reúne Canadá,
Estados Unidos e México, os três países da América do Norte. Ou seja, norteamericanos são os canadenses, os americanos e os mexicanos.
“Norte-americano”, portanto, é uma referência continental. Sempre foi.
Não é, não pode ser o gentílico de um país. Americano é o gentílico para quem
nasce nos Estados Unidos da América, é a referência à nacionalidade.
E o é por um motivo muito simples: América, como fica bem claro para
quem lê a expressão “Estados Unidos da América” é o nome do país a que
habitualmente chamamos Estados Unidos. A expressão Estados Unidos, no
conjunto “Estados Unidos da América”, só define o tipo de país de que se trata, não
é , absolutamente, o nome do país. Explica essa expressão, como é evidente, que
se trata de uma república federativa formada pela união de um certo número de
estados. A esses estados, unidos, deu-se o nome de “América”.
Da mesma maneira, o Brasil já se chamou Estados Unidos do Brasil.
Nesse nome, a expressão Estados Unidos também caracterizava apenas o fato de
que um determinado número de estados se tinha unido para formar o país Brasil.
Se a Seleção Brasileira de futebol estiver jogando com a Inglaterra, por
exemplo, um locutor inglês que estiver transmitindo o jogo para seu país pode dizer
em determinado momento que “os sul-americanos” estão muito melhor. A referência
é genérica, continental, poderia estar designando também argentinos, uruguaios ou
chilenos. Se o locutor, porém, quiser usar o gentílico, terá de dizer “brasileiros”.
Assim, só se pode dizer “os norte-americanos”, rigorosamente, ao falar dos Estados
Unidos, se for feita uma referência genérica, continental, num contexto de confronto
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com a Inglaterra (para manter o exemplo). Mas, caso se trate de nacionalidade, é
necessário se referir ao nome da nação e, assim, dizer “americanos”.
Alguns brasileiros têm o hábito de ironizar nossos irmãos latinoamericanos, juntando todos no mesmo saco e chamando-os de cucarachas. Mas,
usando de ironia ou não, às vezes costuma-se imitá-los justamente nesse hábito
equivocado de chamar os americanos de “norte-americanos”. Parece que esse
hábito reflete o seguinte sentimento: “Americanos somos todos nós. Por que chamar
a eles em particular de americanos? Não. Vamos chamá-los norte-americanos.”
O raciocínio é errado porque no caso deles o país é que se chama
América. Americanos somos todos nós. Mas, já o vimos, só numa referência
genérica. Nem se pode invocar a possibilidade de confusão. É impossível. Se
alguém disser que Bush é o presidente americano, ninguém vai pensar que ele é o
presidente do Uruguai ou da Argentina. E não há outra forma de dizer, porque não
existe “presidente norte-americano”. Apenas, presidente americano.
Esse erro não é só da imprensa. Espalhou-se de tal forma que
contagiou até enciclopédias brasileiras. Mas nossos jornais e revistas, emissoras de
rádio e televisão deveriam ser os primeiros a combatê-lo, a fim de eliminá-lo. E sei
de casos em que esse combate já existe. Também já há casos de editoras nacionais
que exigem que em seus livros prevaleça a expressão apropriada, partindo do
princípio básico de que não há nenhum país chamado Estados Unidos da América
do Norte. Só assim voltaremos ao uso correto primitivo.
CÂMARA LENTA
A expressão câmara lenta é bem anterior à televisão. Já existia nos
filmes mudos, nos tempos da primeira fase de Carlitos. Hoje em dia existe a febre de
usar termos ingleses. Na era da televisão, muitos passaram a dizer slow motion em
vez de câmara lenta. Às vezes, ouve-se essa expressão até em jogos de futebol,
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quando o recurso da câmara lenta é útil para tirar dúvidas em algum lance de
impedimento ou de gol com a mão.
No princípio do século XXI, surgiu uma saudável reação. Houve gente
desprezando a inútil expressão slow motion. Uma parte dos que reagiram não
consegue mais dizer “câmara lenta”. Americanizou-se a ponto de dizer “câmera
lenta”, forma que não é correta.
COLOCAR
Simpáticos e presentes em todo tipo de linguagem, os verbos “pôr” e
“botar” passaram a ser banidos dos meios de comunicação. No lugar de ambos,
surgiu o verbo colocar, o exclusivismo a denunciar mais um caso de pobreza
vocabular, de falta de intimidade com os bons autores, pois a primeira deficiência de
quem não os lê é um vocabulário limitado. No caso desse verbo, vai-se além da
comunicação jornalística, pois colocar virou um vício generalizado.
A partir da transformação de um verbo em vício, ninguém mais calça,
mas coloca os sapatos (quando se trata de enfiá-los no pé; se for o caso de guardálos na sapateira, lá também eles serão colocados, jamais “guardados”). Ninguém
mais veste, mas coloca a roupa. Só nestes três exemplos contam-se mais três
verbos banidos do nosso vocabulário pela atual onda avassaladora do verbo
colocar, como calçar, guardar e vestir.
Há outros verbos na mesma situação. Assentar, por exemplo.
Ferroviários assentavam trilhos, pedreiros assentavam tijolos. Hoje, uns e outros
colocam trilhos e tijolos. A ação predatória de colocar também se espalhou pelas
expressões que na velha imprensa tinham virado lugar-comum, como era o caso de
“ateou fogo às vestes”, usada invariavelmente para o suicida que se autoincendiava. Lugar-comum, sim, mas pelo menos o verbo era usado com rigorosa
propriedade. Por que banir o verbo atear do nosso vocabulário? Também uma frase
como “ateou fogo ao rastilho de pólvora” não se ouve mais. Será sempre “colocou
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fogo no [aqui mudaria apenas a preposição] rastilho de pólvora”. Voltando à frase
anterior, “colocou fogo às vestes” é uma gritante impropriedade. Não se coloca fogo
em nada. Ateia-se fogo, bota-se fogo, põe-se fogo, incendeia-se, toca-se fogo:
“Tocou fogo na casa”.
A par da inadequada expressão “colocar fogo”, temos hoje nos meios
de comunicação a não menos inadequada “colocar água”. Em casa de quem não
tem preconceito contra as palavras, quando chegam visitas inesperadas para o
almoço, bota-se água no feijão. Mas, nas casas da maioria de nossos redatores e
repórteres de todos os veículos de comunicação, “coloca-se água no feijão”. Nem se
põe mais água em vasilha alguma, coloca-se água no copo, coloca-se água na jarra.
Se um programa feminino mostra a execução de uma receita, o telespectador ouvirá,
monotonamente, “coloca-se um copo d’água na panela”.
A velha frase feita “pôr a boca no mundo” também vem sendo
degradada. Já ouve-se “colocar a boca no mundo”, que perde todo o sentido da
frase primitiva. Pôr a boca no mundo é gritar, denunciar alguma coisa. Colocar a
boca no mundo não é nada, pelo próprio sentido do verbo “colocar” (do latim
collocare, isto é, co + locare, o prefixo tendo origem na preposição cum: portanto,
“pôr ao lado de”, “pôr suavemente”, “pousar”, “ajustar”, “dispor”, “regular”,
“estabelecer” e, por extensão, “dar emprego”, “empregar”, de modo que quem
arranja um emprego está arranjando uma colocação, está colocado).
CONTUNDIDO
Quando um jogador de futebol se machuca, é hábito brasileiro antigo
dizer que ele está contundido. De uns tempos para cá, porém, a imprensa passou a
falar com insistência em lesão e lesionado, de modo totalmente artificial, porque
jamais se ouviu um torcedor de arquibancada dizer “lesionado”.
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A palavra deve ter sido introduzida por algum locutor ou comentarista
de futebol que a ouviu de um colega hispano-americano e achou bonito. Alguns
profissionais do microfone adoram esse tipo de coisa.
Já o torcedor não comete esse tipo de erro. Abra-se a exceção, nesse
tipo de ingresso de espanholismo, para o gaúcho. No Rio Grande do Sul, o ingresso
de espanholismos é farto. Mas é injusto condenar os seus habitantes. O fenômeno é
normal diante da enorme faixa de fronteira desse estado com a Argentina e o
Uruguai. Conseqüentemente, é impossível impedir o enorme intercâmbio de
palavras nas duas línguas.
Mas dizer que um jogador está “lesionado” num jornal do Rio, de São
Paulo, de Belo Horizonte ou de alguma capital do Nordeste é como dizer que
Jango, que foi presidente, era rengo. As pessoas dessas cidades não vão entender.
Ou pelo menos a expressão soará muito estranha aos seus ouvidos. É melhor não
inventar novidades artificiais e, no caso dos jogadores de futebol, dizer
simplesmente “contundido”.
ELIPSE E CONCORDÂNCIA
Um dos problemas freqüentes da língua portuguesa no Brasil é o fato
de fazer a concordância com um termo oculto. Na raiz desse procedimento que virou
um problema, está a vontade de ser diferente, de ser elegante. Talvez de complicar
as coisas para mostrar um certo brilho.
Essa febre de fazer a concordância por elipse acabou por mudar o
sexo das revistas no Brasil. Ou mudar o gênero, no rigor da nomenclatura
gramatical. Evidentemente, nos casos em que já figurava, o artigo, masculino ou
feminino, é que ditava o gênero: O Cruzeiro. No caso das revistas estrangeiras,
tinha-se “o” Time, “o” Newsweek. No Brasil usou-se sempre o masculino.
Até um escritor de enorme sucesso como Luís Fernando Veríssimo
entrou nesse modismo de fazer a concordância com um termo oculto. Está em sua
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coluna de O Globo, de 10.2.2005: “Mesmo quando aparecia numa fotografia da
Cruzeiro...” E, mais adiante: “E não há mais a Cruzeiro...”
Veja-se a ginástica de Veríssimo: 1. Ignora o artigo masculino que há
no título de O Cruzeiro; 2. Mesmo que não houvesse artigo, para qualquer ouvinte
sensível à índole do idioma é totalmente estranho um artigo feminino antes de um
substantivo do gênero masculino tão evidente como “cruzeiro”.
FIM
O substantivo fim, tão pequeno, tão simples, vai ficando esquecido.
Não se diz e nem se escreve mais “fim de semana”, nem “fim de mês”, nem “fim de
ano”. Só se ouve, só se lê “final de semana”, etc, ressalvadas as exceções.
A linguagem da imprensa tem que ser simples. O princípio da
simplicidade é básico em comunicação. Fim é um substantivo, e não um adjetivo,
que deve ser usado em expressões que exprimem desejo, como são usados os
substantivos dia, tarde, noite. Final é um adjetivo, que pode ser usado como
substantivo. Exemplos: o normal é que no fim (substantivo) da missa o padre dê a
benção final (adjetivo); quando está no minuto final (adjetivo), o jogo está chegando
ao fim (substantivo).
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A linguagem jornalística com seus erros de ortografia, cada vez mais
freqüentes, representa um grande problema dentro do universo brasileiro nos dias
atuais. Nunca se falou tão mal o português como agora.
A língua portuguesa tem um universo muito particular. Poucas vezes
pensamos nela direito, tão habitual o seu uso, tampouco nos despregamos de seus
efeitos. A língua que usamos revela o que somos.
O interesse pelo português se evidencia para além do estudo da
gramática ou de seus padrões. O domínio da linguagem, principalmente escrita, na
imprensa brasileira tornou-se indispensável e é por intermédio dela que se garante a
própria cidadania.
“O destino do idioma português no Brasil
não é assunto que se restrinja aos domínios
exclusivamente lingüísticos. (...) Mas comporta
ainda outros aspectos, literários, sociais,
econômicos e políticos.”
Barbosa Lima Sobrinho
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BIBILIOGRAFIA
AURÉLIO, Dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005.
BIZZOCCHI, A. A roupagem da língua. Revista Língua Portuguesa, Outubro, 2008.
DOMINGOS PASCHOAL CEGALLA. Novíssima Gramática da Língua Portuguesa.
São Paulo, 2008.
HOUAISS, A. Dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007.
SALOMON, D. V. Como fazer uma monografia: elementos de metodologia do
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