Conflitos Sociais na América Latina: algumas - PROEALC

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Conflitos Sociais na América Latina: algumas observações
Fernanda R. Rohem*, Maria das Graças G. e Souza*, Mariana O. Setúbal**
O presente artigo visa discutir e analisar as principais manifestações ocorridas nos países da América Latina no
ano de 2000 e 2001, difundidas com a nomenclatura de conflitos sociais.
A análise em questão tem como fonte a elaboração de uma cronologia sobre os conflitos sociais realizada
quadrimestralmente pelo Observatório Social de América Latina e Caribe (OSAL), programa este que pertence ao
Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (CLACSO). O grupo de pesquisadores do Brasil pertence ao
Programa de Estudos de América Latina e Caribe, coordenados pela profa. Silene de Moraes Freire, e ao
Laboratório de Políticas Públicas (LPP), ambos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Antes de mencionarmos a proposta do CLACSO desenvolvida através do OSAL, cabe resgatar a importância
desta instituição no âmbito das ciências sociais latino-americanas1. O CLACSO foi criado em 1967, momento em
que desempenhou um papel importante na institucionalização das Ciências Sociais na América Latina, que se
viam influenciadas por uma visão desenvolvimentista e de modernização. Vale mencionar que no Brasil esse
período corresponde a um momento particular de nossa história, pois já nos encontrávamos em plena ditadura
militar que em nosso país foi inaugurada no ano de 1964.
Na década de 70, período de ditaduras militares na maior parte dos países do Cone Sul2, o Conselho foi
fundamental no abrigo de intelectuais exilados, realocando-os em outras universidades. Com o processo de
abertura política ocorrido na década de 1980 e o retorno desses intelectuais aos seus países de origem, o Conselho
perdeu sua identidade, influenciado também pela ideologia liberal que já era forte nas Ciências Sociais naquele
momento.
Na última década do século XX, o CLACSO buscou redefinir sua identidade e seu projeto político e, neste
sentido, se encaixa a perspectiva de formar cientistas sociais ligados às realidades e aos atores sociais latinoamericanos, principalmente após estes países sentirem os efeitos da implementação das políticas neoliberais.
Integrado a esta proposta, o Observatório Social da América Latina iniciou suas atividades com o objetivo de:
(...) aportar elementos de reflexión sociológica sobre la cuestión del antagonismo social en sus
configuraciones contemporáneas. En dicho sentido no se plantea como una mera “base de datos”
sobre la evolución social de América Latina y el Caribe sino que aspira a constituirse como un punto
de reflexión con perspectiva histórica sobre las tendencias “pesadas” y a largo plazo de dicha
evolución. Asimismo pretende conformarse como un punto de intercambio y de reflexión conjunta
entre los académicos y los movimientos y organizaciones populares de la región, permitiendo la
consolidación de una experiencia de producción de conocimiento al servicio de la transformación
social del continente latinoamericano.3
Dois eixos centrais definem o campo de investigação do OSAL e serão analisados neste artigo. O primeiro é a
noção de exclusão social e o segundo a de conflito social.
Entendemos que a escolha destas referências analíticas não são casuais, fazem parte de um movimento das
Ciências Sociais na América Latina que reflete um processo mais amplo de mudança, que está deslocando as
estruturas e os processos centrais das sociedades modernas e abalando os quadros de referência que davam uma
ancoragem estável na compreensão das sociedades capitalistas.4
O conceito de exclusão social, embora cada vez mais presente na discussão dentro das Ciências Sociais, é
considerado um tema relativamente recente e polêmico. As situações de exclusão social não constituem um
fenômeno recente no Brasil, pois sempre estiveram presentes em nossa história, antes vinculadas às situações de
pobreza e marginalidade ao longo da existência de nossa sociedade.
Entretanto, nos últimos anos, o paradigma da exclusão social tornou-se predominante nas Ciências Sociais
demonstrando que tal noção atualmente faz parte do cotidiano de diferentes sociedades, seja pelas formas
“antigas” de exclusão de parcelas da população, ou pelas novas demandas advindas das transformações no mundo
do trabalho, o que nos leva a crer que essa exclusão apresenta-se hoje como uma manifestação da questão social
ainda não suficientemente investigada.5
A exclusão contemporânea é diferente das formas existentes anteriormente de discriminação ou mesmo de
segregação, já que cria indivíduos inteiramente desnecessários ao mundo laboral, sugerindo não haver mais
possibilidades de inserção. Assim, os excluídos não são mais residuais nem temporários, mas contingentes
populacionais que não encontram lugar no mercado. São os “inúteis para o mundo”, para usar uma expressão de
Castel.6
Segundo Luciano Oliveira (1997)7, estaríamos diante de uma nova dicotomia: ao lado das clássicas separações
entre exploradores e explorados, ou opressores e oprimidos, estaríamos vivenciando o surgimento de uma nova
separação, aquela que opõe incluídos e excluídos. O mesmo autor questiona a existência dos excluídos, já que
estão, de uma forma ou de outra, integrados ao sistema econômico. Para ele, tanto os incluídos como os excluídos
são produzidos por um mesmo processo econômico, que de um lado produz riqueza e, de outro, miséria.
Como exemplo, cita os catadores de lixo, que, aparentemente, são literalmente supérfluos, pois, vivendo de restos,
sua presença ou ausência não fariam - do ponto de vista da acumulação globalizada - nenhuma diferença. No
entanto, um estudo recente revela que esses catadores estão cada vez mais atrelados a intermediários, com estes
últimos comercializando o material catado aproveitável junto a trinta indústrias. Enquanto a grande maioria dos
catadores trabalha mais de 8 horas por dia recebendo um pouco mais de meio salário mínimo, no preço pago pela
indústria aos intermediários se verifica um aumento de mil por cento. Concluindo, Luciano Oliveira afirma que,
pela via mais perversa possível, até os catadores de lixo estão integrados à economia.
Com o aprofundamento das políticas neoliberais na América Latina e a conseqüente perda dos direitos sociais,
aumentam-se as situações de exclusão social, entendidas aqui como o não-exercício efetivo dos direitos de
cidadania, pondo em xeque a própria noção de democracia.
Vale ressaltar que esse mesmo processo de exclusão coloca em movimento protestos na sociedade, desde
interpretações críticas a reações das vítimas excluídas, ou seja, sua participação como seres transformadores no
próprio processo, o que inclui, representando sua concreta integração. Portanto, não existe exclusão, pois de
acordo com o que citamos, esta é uma categoria atemporal e não um conceito teórico. Existem sim, vítimas de
processos sociais, políticos e econômicos excludentes, onde os indivíduos desses processos, pela via dos conflitos,
anunciam sua revolta, sua força reivindicando a sua atuação na luta de classes.
A exclusão social está relacionada ao agravamento da pobreza nos países latino americanos em conseqüência das
políticas de ajuste neoliberal impostas pelos organismos internacionais.
De acordo com estudo realizado pela Comissão Econômica para América Latina (CEPAL) para a Terceira
Conferência Regional sobre a Pobreza na América Latina realizada em 1992, no Chile, a pobreza cresceu de
maneira avassaladora nos anos 80 e 90. Segundo Laura Tavares (1998)8 os dados levantados pela CEPAL
refletem o alto grau de desigualdade de distribuição de renda na região. A autora afirma que os perfis de pobreza
realizados em 11 países da região em 1990 demonstram os diferentes vínculos entre as insuficiências de renda e
outras dimensões sociais e econômicas da região, ao mesmo tempo em que evidenciam a diversidade nos níveis
de pobreza e nos tipos de carências que afetam a população latino-americana.
Outro estudo realizado entre 1998-1999 e divulgado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID,
confirmou as projeções da CEPAL, sendo inegável o aumento da pobreza na América Latina no final do século
XX.
Laura Tavares também adverte para a degradação dos níveis de pobreza na América Latina, onde destaca o
crescimento do percentual dos extremamente pobres ou indigentes, que atingem quase a metade do total de
pobres. De acordo com os estudos mencionados, pouco menos da metade da população latino-americana vive
abaixo da chamada linha de pobreza, ou sejam, sobrevivem com menos de dois dólares por dia. No Brasil o
percentual da população que vive nessas condições era de 23,5% no final da década de 90, enquanto no México
era de 15% e na Nicarágua 44%.
A autora aponta o agravamento da pobreza como uma conseqüência do avanço das políticas neoliberais na região
que reduziram significativamente o papel do Estado como promotor de serviços voltados para as classes médias e
baixas e como gerador de empregos e regulador do mercado de trabalho. A autora destaca medidas neoliberais
como as privatizações de empresas públicas, abertura do mercado às importações prejudicando as pequenas e
médias empresas nacionais responsáveis por um grande número de posto de trabalho, a falta de regulação dos
grandes grupos econômicos (principalmente estrangeiros) facilitando a concentração e desnacionalização de
empresas e favorecendo a acumulação de capital no setor financeiro em detrimento do produtivo, entre outras que
acarretaram ainda mais a corrosão dos tecidos sociais mais frágeis.
Segundo a Organização Internacional do Trabalho – OIT, a taxa de desemprego na região em 1999 foi a maior em
quase duas décadas, com cerca de 18 milhões de desempregados.
Em relação a noção de conflito social, a literatura que existe sobre esse assunto comprova que o termo é definido
com sentidos diversos. O conceito por nós utilizado baseia-se na indicação metodológica proposta pelo OSAL,
que entende conflitos como:
Todo fato social que a partir da ação (que em regra remete a certo grau de violência) de algum
“ator/agente social”, em busca de certas reivindicações ou objetivos, implique numa ruptura ou
alteração da vida social ou da reprodução das relações sociais que sustentam uma ordem social.9
Diante do exposto, faremos uma reflexão acerca dos conflitos de alguns países da América Latina, apontando
seus protagonistas, as formas mais relevantes de protestos, a posição do governo frente a esses conflitos, a pauta
de reivindicação de cada um deles, algumas semelhanças e diferenças entre eles e, finalmente, suas configurações
no contexto das sociedades latino-americanas e a aplicação das políticas neoliberais por imposição dos
organismos internacionais através de um receituário único.
Os países ora abordados são Brasil, Chile, México, Bolívia, Uruguai, Paraguai, Colômbia, Equador, Peru e
Argentina, por esses países terem sido acompanhados desde o surgimento do OSAL.
Analisando os conflitos sociais no Brasil, observa-se que no período estudado (2000/2001)10 o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) foi o movimento social mais relevante e de maior repercussão.
A luta por terra é a principal via de ação desse movimento. Os conflitos e protestos envolvem não só a
reivindicação por terra, mas também em relação ao trabalho, já que o acesso à terra é uma forma de sobrevivência
para os trabalhadores rurais.
O MST luta principalmente pela reforma agrária, levantando outras bandeiras como a liberação de integrantes do
movimento presos durante manifestações, pela condenação dos responsáveis pelo massacre de Eldorado dos
Carajás - onde foram mortos 19 sem-terra num confronto com a polícia11 -, por mais fundos para assentamentos,
liberação de crédito para o Programa Nacional de Agricultura Familiar, protestando também contra as injustiças
sociais, o desemprego e a corrupção.
Em abril de 2000, o MST juntou-se a outros movimentos sociais para protestar contra as comemorações do
Governo pelos 500 anos do descobrimento do Brasil, atestando seu caráter de movimento social sintonizado com
outras questões que não envolvem somente a terra.
O mesmo ocorreu durante o Fórum Social Mundial, realizado em Janeiro de 2001, no sul do Brasil, que constituiu
uma experiência de agrupamento de diferentes organizações e movimentos sociais que conformam o movimento
contra o neoliberalismo e a globalização. Embora não possa ser considerado um conflito propriamente dito,
destaca-se a experiência do Fórum pelo fato de ser gerador de situações conflituosas, como a destruição de
plantações de soja transgênica por integrantes do MST juntamente com o ativista francês José Bové.
O governo Federal não tem se manifestado a respeito da pauta de reivindicações desse movimento. Em resposta
às ocupações de terras realizadas, que incluíram também as propriedades rurais dos familiares do presidente
Fernando Henrique, o governo reutilizou a Lei de Segurança Nacional, instrumento usado durante a ditadura
militar para reprimir os movimentos sociais, contra o MST, ordenando a prisão de lideranças. Portanto, o governo
aparece como antagonista desse movimento social.
O MST é apresentado pela mídia como um movimento violento, criminoso e de baderneiros. Esta maquiagem
busca dar ao MST a imagem de um movimento de desordeiros que invade a propriedade conquistada por quem de
direito possui a terra, que, no caso, pregaria a violência para alcançar seus objetivos, merecendo, assim, a resposta
do Estado, como poder legítimo, para acabar com a bagunça promovida por um bando de vagabundos e
aproveitadores.
Associa-se a imagem negativa que se queira dar aos movimentos sociais - que ponham em evidência as injustiças
do regime capitalista pela ação neoliberal - aos integrantes do MST quando os coloca de um lado violentos e, de
outro, como manipulados.
Dessa forma, os meios de comunicação de massa têm exercido um importante papel na tentativa de
desqualificação e desarticulação desse movimento tratando-os de forma mediática, como atos isolados, sem
antecedentes históricos e sem inscrição social, o que dificulta a compreensão de continuidade e ruptura em que se
inscrevem os movimentos sociais.
Entretanto, mesmo com todas as adversidades impostas pela hegemonia neoliberal em países da América Latina,
vários focos de conflitos têm se manifestado nesse âmbito, seja ele no campo exemplificado pela atuação do
MST, reivindicando o direito ao trabalho, legitimamente, assim como a ocupação de terras desocupadas ou
improdutivas, seja na cidade, onde trabalhadores exigem melhores condições de trabalho, salário e emprego, que
lhes garantam uma vida digna para eles e suas famílias e à população em geral, contradizendo com o discurso
político dominante que sustenta que o processo de abertura econômica da América Latina tem se dado de forma
tranqüila e sem contestação. Na verdade, a realidade é muito mais complexa do que está apresentada. Os
processos de regulamentação sócio-econômico têm gerado inúmeros conflitos de diversas naturezas no conjunto
dos países da América Latina, capazes de promover transformações na estrutura social. Esses conflitos além de
apontar na direção de alterações da ordem social, tornam cada vez mais claras as tensões e contradições
originadas por profundas transformações sociais numa sociedade neoliberal.
No Brasil, os conflitos envolvendo a educação pública e o funcionalismo público também mereceram destaques
nesse período, onde em várias partes do país ocorreram manifestações envolvendo professores, estudantes e
funcionários administrativos. As exigências variam de estado para estado, tendo como ponto em comum a luta
contra a política de educação do governo federal e a defesa de uma educação pública, gratuita e de qualidade para
todos os cidadãos.
Por fim, outra manifestação relevante foi o Grito dos Excluídos, realizado em setembro de 2000 e em 2001,
quando setores da Igreja Católica, apoiados por partidos políticos de esquerda e organizações de movimentos
populares, realizaram protestos contra os problemas sociais em todo país, reunindo aproximadamente cem mil
pessoas.
O maior peso de conflitos no Chile centrou-se nos protestos indígenas, contribuindo para consolidar a presença do
setor camponês-indígena como um dos atores principais da conflitividade social chilena. Eles exigem o
reconhecimento de direitos para seus povos, a devolução de terras, a preservação de sua cultura e a retirada das
empresas florestais de suas terras.
Já os movimentos sociais urbanos, que lutam pelos direitos humanos, surgiram com força após o Caso Pinochet,
lembrando a ditadura militar, protestando pelo regresso do senador vitalício ao país e exigindo sua condenação.
Houve diversas reações à atitude do governo e dos parlamentares que aceitaram o segredo de identidade dos
informantes sobre o paradeiro dos desaparecidos.
No Chile, portanto, os protestos organizados por diversas entidades defensoras dos direitos humanos mantêm viva
a memória desse momento político do país. O país também tem sido palco de manifestações contra a globalização
e o neoliberalismo, como mostrou a última reunião anual do BID, em março de 2001.
Na Bolívia, os conflitos no setor camponês-indígena questionaram, principalmente, os planos de ajuste neoliberal,
desembocando em situações de crises políticas que confrontaram a legitimidade do governo de seu país.
A Bolívia se viu sacudida em abril de 2001 por um violento conflito social que adquiriu dimensões políticas,
chegando a pedir a renúncia do presidente, formado por diversos setores sociais e políticos.
A intensificação das lutas dos setores da saúde pública, camponeses, cocaleros, a Coordenadoria de Defesa da
Água de Cochabamba (Guerra del Água), entre outros, mostraram a insatisfação desses movimentos com a
política neoliberal aplicada pelo governo.
Neste período se produziu um aprofundamento e radicalização nos conflitos marcados pela união de diversos
setores (sindicatos, campesinatos e urbanos) em torno de diversas reivindicações. As demandas que
acompanharam a Marcha de Cochabamba a La Paz são uma mostra da convergência setorial e pluralidade
reivindicativa na oposição à política econômica.
As inúmeras manifestações setoriais, de diversos pontos do país, que chegaram a La Paz foram ferozmente
reprimidas pelas forcas armadas bolivianas, e resultaram na morte, prisão e processamento de líderes sociais na
Bolívia.
Nos casos do México e Uruguai, as respostas à recessão econômica agudizaram as tensões sociais e políticas
provocadas pelo processo de concentração de riqueza, acentuando inclusive, as tensões nos setores econômicos
dominantes beneficiados pelas políticas neoliberais.
Houve, no México, um público na conflitividade regional, como contra-ataque às políticas de redução dos gastos
fiscais e de privatizações. Aí se destacam as ações de professores e alunos.
Ao Movimento Zapatista12, agregaram-se vários protestos, nos outros setores sociais (sindicatos, movimentos
urbanos, movimento estudantil, etc.) que foram de grande importância. Isso aponta um aumento de ações multisetoriais, como mostra a ampla participação desses setores e da sociedade civil na Caravana Zapatista.
A Marcha pela Dignidade Indígena foi, sem dúvida, o evento mais importante do panorama social e político
mexicano. Além de reivindicar o reconhecimento dos direitos e da cultura indígena, foi também uma forma de
mostrar a incapacidade dos governos de orientação neoliberal darem uma solução democrática ao povo mexicano.
O Exército Zapatista de Libertação Nacional é um movimento social da América Latina que vem resistindo aos
princípios da política neoliberal.
Os Zapatistas trazem com eles uma declaração de guerra impressa contra o governo mexicano e pela libertação do
povo de Chiapas e do México. As questões levantadas pelos zapatistas, NAFTA, pobreza, direito à terra,
exploração dos povos indígenas e camponesas, preservação ambiental, direitos das mulheres, fim da violência,
paz, democracia e justiça, tornam-se, cada vez mais, matérias de discussão. Assuntos como a democratização do
sistema político mexicano, o que inicialmente era visto como fantasia, tornaram-se tão centrais ao discurso
público que chegaram ao ponto de dominar a política mexicana para desespero dos que estavam no poder.
Dentro desse contexto, os zapatistas foram condenados por alguns e admirados por muitos, repudiados pelos que
detêm o poder e tratados com seriedade pelos que estudavam seus comunicados. As insensatas acusações de
terrorismo, fruto da propaganda estatal e da mídia oficial, foram negadas e destruídas diante da sociedade.
Acenderam-se paixões que levaram pessoas a abraçarem a causa do movimento. Esse explosivo movimento de
solidariedade certamente ajudou os zapatistas a romperem com a tentativa do governo de isolá-los, conseguindo
levar a outros espaços suas idéias e seu programa, rumo a uma revolução econômica, política e social. Além
disso, suas reivindicações – democracia, justiça e liberdade – não são nada radicais, o que explica parte da
popularidade conquistada.
No zapatismo, a concepção política de sociedade civil e do papel que esta tem no movimento social é bastante
original. Sendo assim, a sociedade civil, enquanto sujeito histórico, deve exigir mudanças. Diferentemente de
outros movimentos revolucionários, não se trata de tomar o poder e fazer o uso da força, e sim a abolição das
relações de poder e uso pleno da democracia, no qual o poder da sociedade não deve se impor, mas se construir.
Desta forma, longe de lutar pela tomada de poder, propõe uma transformação das relações jurídicas e sociais,
buscando uma democracia participativa e representativa não excludente, que se dê no seio da própria sociedade
civil e dos povos indígenas.
O zapatismo tem sido o único movimento armado que não tem como referência o Estado e sim a sociedade. Ele
conta com seu povo, os excluídos, a sociedade civil. Além disso, o zapatismo pode ser considerado um
movimento pós-moderno, entendendo-se pós-moderno como movimento histórico que ocorre e aproveita as
experiências históricas dos projetos anteriores para não cometer os erros que aqueles cometeram.
No Uruguai, houve uma maior concentração de protestos de trabalhadores e sindicatos acerca de maiores direitos
trabalhistas e melhores salários, desemprego e precarização do trabalho.
Prevalecem os conflitos no campo da educação, demandando um maior orçamento por parte do governo para essa
área.
Podemos destacar no Paraguai, a criação do Congresso Popular 2000, em fevereiro de 2000, composto por
diversas organizações sociais para discutir as principais demandas sociais advindas da política econômica do
governo, como as privatizações, e também reivindicar o fim das prisões indevidas de camponeses e o avanço da
reforma agrária no país. Nesse período, também foram registrados conflitos de camponeses indígenas com a
polícia, quando estes reivindicavam a desapropriação de terras. Destacam-se também conflitos envolvendo
profissionais da área de saúde pública, que vem sofrendo cortes substanciais de verba, bem como manifestações
de docentes contra a ausência de uma política de educação voltada para uma educação pública, gratuita e de
qualidade.
Assim como no Paraguai, verificou-se no Equador a instauração de um Parlamento do Povo que reuniu
movimentos sociais e setores da sociedade civil organizada para discutir as conseqüências sociais da política
economica adotada pelo governo envolvendo dolarização de economia e privatizações.
Na Colômbia, podemos destacar quatro conflitos significativos nos primeiros meses de 2000, que são os conflitos
envolvendo, de um lado, as Forças Armadas e os paramilitares de direita e, de outro, os guerrilheiros das Forças
Armadas Revolucionárias da Colômbia e do Exército de Libertação Nacional; a manifestação de estudantes
universitários e professores; protestos de comunidades indígenas por melhores condições de vida e reivindicações
de camponeses por uma reforma agrária que proporcione terra, educação e tecnologia.
Já no Peru, esse período foi de suma importância não só no registro dos conflitos sociais - onde se destacam
protestos contra a privatização dos portos, paralisação de caminhoneiros e manifestações de camponeses e
indígenas -, mas principalmente no contexto político, com intensos protestos em todo o país, realizados por
trabalhadores, partidos políticos, sindicatos e organizações de base, movimento de mulheres que denunciavam a
corrupção no governo Fujimori exigindo sua renúncia e a de seu assessor presidencial Vladimiro Montesinos,
destituição da cúpula militar, além do fim da imunidade parlamentar a congressistas corruptos e a realização de
novas eleições gerais. Dois eventos relacionados com estes processos merecem destaque:
Em vinte e três de outubro de 2000, o primeiro Vice-Presidente da República renuncia ao cargo. No mesmo dia,
manifestantes se confrontaram com a polícia em protesto de repúdio ao retorno do ex-assessor Montesinos ao país
sem que sofresse quaisquer sanções jurídicas ou políticas.
Em vinte e um de novembro de 2000, o Congresso da República destituiu Alberto Fujimori da Presidência sob
alegação de incapacidade moral e aprova a renuncia de seu primeiro Vice-Presidente. No dia seguinte, foi
designado como presidente constitucional transitório o Presidente do Congresso, Valentim Paniagua.
A Argentina passava por um período de graves complicações econômicas, políticas e sociais, que se refletiram em
importantes manifestações de grande apoio popular, cujas mais significativas são:
- Lock out e piquetes, interrompendo vias de tráfego, com duração de seis dias, promovido por três confederações
rurais apoiado pela confederação de transportes urbanos contra o modelo econômico do governo;
- Protestos realizados pela Confederação Geral do Trabalho (CGT) contra a política econômica;
- Grande número de manifestações envolvendo diversas categorias de trabalhadores urbanos e rurais em defesa de
seus postos de trabalho;
- Professores de todos os níveis cobram o pagamento de salários em atraso;
- Protestos envolvendo ONGS, partidos políticos e Sindicatos no dia da reunião anual do FMI ocorrida em Praga;
- Ao meio dia de vinte e três de novembro, inicia-se uma greve geral nacional de 36 horas convocada pelas três
principais centrais de trabalhadores do país, obtendo maciça adesão popular.
- Mobilização de desempregados contra o alto índice de desemprego e para a obtenção de gêneros de primeira
necessidade
No primeiro quadrimestre de 2001, um dos meios de protesto mais utilizados na Argentina foram os chamados
cortes onde os manifestantes bloqueavam avenidas, ruas e ferrovias, chegando a um total de 204 - 39 em janeiro,
35 em fevereiro, 80 em março e 50 em abril. Na capital, esses protestos apresentavam um número maciço de
piqueteiros e se prolongavam por vários dias, chegando até dez dias alguns deles, envolvendo desempregados e
suas famílias reivindicando entrega de gêneros alimentícios de primeira necessidade de material escolar e a
assinatura de planos de trabalho para frear o desemprego crescente no país.
Devido a intensificação de todos os tipos de manifestações populares, em especial na capital, em reflexo ao
agravamento da crise econômica, a Argentina foi destaque na mídia internacional.
Considerações Finais
No primeiro quadrimestre de 2001, se prolongam e, em alguns casos, se intensificam os problemas sociais,
econômicos e políticos registrados anteriormente.
Verifica-se que o ciclo de protestos sociais aqui contidos, assim como os conflitos e ações desenvolvidas pelos
mais diversos atores, se inscrevem na crise política resultado do fortalecimento do neoliberalismo nessas regiões.
Nesse caso, esse processo é acompanhado por um aumento de medidas repressivas e de uma criminalização das
ações em protesto.
A evolução da conflitividade social na América Latina nesse período mostra a persistência de uma inevitável
situação de confronto.
Os protestos camponeses-indígenas, como a Marcha da Dignidade Indígena iniciada pelos Zapatistas (em
fevereiro de 2001) no México, as lutas desenvolvidas pela Coordenadoria de Cochabamba na Bolívia transcendem
as reivindicações setoriais, para questionar tanto a política econômica em geral como a legitimidade política do
governo.
Sem dúvida, estes importantes conflitos, somados às manifestações do MST no Brasil, apontam a presença da
população do campo e dos indígenas como atores principais da conflitividade recente nessa latitude.
Houve, também, um importante crescimento de ações protagonizadas pelos movimentos urbanos. Porém, os
mesmos aparecem reduzidos em sua maioria, a um território social reivindicativo ou setorial próprio. Destacaramse as ações protagonizadas pelos assalariados do setor público, em particular por professores e trabalhadores
administrativos, tendo como “aliado” o movimento estudantil, o que demonstra a ausência de uma política
educacional voltada para o privilégio de uma educação pública, gratuita e de qualidade na América Latina.
O receituário único imposto aos países latino-americanos pelo Consenso de Washington (1981) sem levar em
conta suas particularidades sociais, econômicas e culturais trouxeram fortes impactos sobre essas sociedades,
impactos esses que vão determinar o elevado grau de conflitividade nesses países.
Notas e Referências Bibliográficas
* Graduanda do curso de Serviço Social da UERJ, Bolsista de Iniciação Científica da pesquisa “Cultura Política e
Questão Social: uma análise do Estado brasileiro no séc. XX”, membro da equipe do OSAL e colaboradora do
PROEALC.
** Graduanda do curso de Serviço Social da UERJ, Bolsista de Iniciação Científica da pesquisa “Cultura Política
e Questão Social: uma análise do Estado brasileiro no séc. XX”, membro da equipe do OSAL e colaboradora do
PROEALC.
*** Graduanda do curso de Serviço Social da UERJ, Bolsista do Laboratório de Políticas Públicas/UERJ,
colaboradora do PROEALC, membro da equipe do OSAL.
1 Para maiores detalhes consultar o Boletim PROEALC n.º 01, que contêm entrevista com o Coordenador
Acadêmico do CLACSO, Prof. Emílio Taddei, sobre a trajetória do CLACSO. O periódico é divulgado de forma
impressa e via home-page: www2.uerj.br/proealc.
2 Constituem o Cone Sul os seguintes países: Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. Um melhor aprofundamento
das ditaduras militares no Cone Sul encontra-se em D´ARAUJO, Celina e CASTRO, Celso (orgs.). Democracia e
Forças Armadas no Cone Sul. Rio de Janeiro: FGV, 2000.
3 E. Taddei, 2000:9 – grifos nossos.
4 A este respeito ver: Mariana O. Setúbal Conflitos sociais e Exclusão Social no Brasil: elementos para uma
análise. Monografia de conclusão de curso, orientação Profa. Dra. Silene de Moraes Freire, FSS/UERJ, 2o
semestre/2001, 92p.
5 Fernanda Ribeiro Rohem e Maria das Graças Garcia Souza. “Considerações sobre a exclusão social” in Boletim
PROEALC, n.º 6. UERJ/CCS/PROEALC, Maio/Junho de 2001.
6 Robert Castel. A Metamorfose da Questão Social: uma crônica do salário. São Paulo: Cortez, 1998.
7 Luciano Oliveira. “Os excluídos existem? Notas sobre a elaboração de um novo conceito”. Revista Brasileira de
Ciências Sociais, ANPOCS. n 33, ano 12. São Paulo, fevereiro de 1997, p. 49-60.
8 Laura T. R. Soares. Ajuste neoliberal e desajuste social na América Latina. Rio de Janeiro: Ed. Ana Nery/UFRJ,
1998.
9 Emílio Taddei. Observatório Social de América Latina (OSAL) – Proyecto para su constitución. Buenos Aires:
CLACSO, 2000.
10 OSAL – Observatório Social de América Latina n.º1. Buenos Aires: CLACSO, Maio de 2000.
11 ______ n.º2. Buenos Aires: CLACSO, Setembro de 2000.
12 ______ n.º3. Buenos Aires: CLACSO, Janeiro de 2001.
13 ______ n.º4. Buenos Aires: CLACSO, Maio de 2001.
14 ______ n.º5. Buenos Aires: CLACSO, Setembro de 2001.
11 De 1980 para cá, 1.517 trabalhadores rurais brasileiros rurais brasileiros foram assassinados no campo. Com
onze mortes já registradas este ano, o número de homicídios na vigência do governo FHC subiu para 184. O Pará,
do internacionalmente célebre massacre de Eldorado de Carajás, em que dezenove sem-terra foram executados
pela Polícia Militar, em abril de 1996, é o Estado mais truculento do país, responsável por quase um terço de
todas as mortes – exatas 406. No ranking da violência, Bahia, Mato Grosso e Minas |Gerais aparecem com índices
de 183, 162 e 112 mortes, respectivamente. Rondônia, do massacre de Corumbiara, de 1995 (dez sem-terra
mortos), registra o total de 44 óbitos. Nem a ditadura militar matou tanto. Somente na década de 90 foram mortos
370 dirigentes do MST no país, mais gente do que as 281 vítimas assassinadas no regime militar. Fonte: Revista
Caros Amigos, n.º 6, Out/2000.
12 Ver a respeito: Aline S. de Assis, Douglas Barboza e Maria das Graças G. Souza. “Todos Somos Marcos” in
Boletim PROEALC, n.º 5. UERJ/CCS/PROEALC, Março/Abril de 2001.
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