o estético nas organizações - Escola de Administração da UFBA

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO
NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO
CURSO DE DOUTORADO EM ADMINISTRAÇÃO
Raimundo Santos Leal
O ESTÉTICO NAS ORGANIZAÇÕES:
uma contribuição da filosofia
para a análise organizacional
Salvador - Bahia
2003
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
RAIMUNDO SANTOS LEAL
O ESTÉTICO NAS ORGANIZAÇÕES:
uma contribuição da filosofia
para a análise organizacional
Tese apresentada ao Curso de Doutorado em
Administração da Universidade Federal da Bahia
como requisito parcial para obtenção do grau de
DOUTOR EM ADMINISTRAÇÃO.
Área de Concentração: Redes Organizacionais,
Culturas e Inovações.
Orientadora: Profª. Dra. Tânia Maria Diederichs
Fischer.
Salvador - Bahia
2003
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
L435 Leal, Raimundo Santos.
O estético nas organizações: uma contribuição da filosofia para a análise
organizacional/ Raimundo Santos Leal, orientação Tânia Maria
Diederichs. Fischer. - Salvador: R. S. Leal, 2003.
360 f.: il
Tese (Doutorado em Administração) - Escola de Administração da
Universidade Federal da Bahia. Núcleo de Pós-Graduação em
Administração.
1.
Estética. 2. Análise organizacional. 3. Organização 4. Filosofia.
5. Kant, Immanuel, 1724-1804. 6. Objetividade. 7. Subjetividade. I.
Fischer, Tânia Maria D., orientadora. II. Título.
111.85
CDD 20. ed.
Ficha elaborada pela Biblioteca da Escola de Administração - UFBA
RAIMUNDO SANTOS LEAL
O ESTÉTICO NAS ORGANIZAÇÕES:
UMA CONTRIBUIÇÃO DA FILOSOFIA PARA A ANÁLISE
ORGANIZACIONAL
TESE PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE DOUTOR EM ADMINISTRAÇÃO
Salvador, 22 de julho de 2003.
BANCA EXAMINADORA:
Tânia Maria Diederichs Fischer ___________________________________
Doutora em Administração – USP. Escola de Administração da Universidade
Federal da Bahia (Orientadora).
José Crisóstomo de Souza_______________________________________
Doutor em Filosofia Política – UNICAMP. Faculdade de Educação da
Universidade Federal da Bahia.
Dante Augusto Galeffi ___________________________________________
Doutor em Educação – UFBA. Faculdade de Educação da Universidade
Federal da Bahia.
Pedro Lincoln C. L. de Mattos ____________________________________
Doutor em Government – University of London. Departamento de Ciências
Administrativas da Universidade Federal de Pernambuco.
José Antonio Gomes de Pinho ___________________________________
Doutor em Planejamento Urbano – University of London. Escola de
Administração da Universidade Federal da Bahia.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
Para o Mestre Jair Tércio, em reconhecimento pela
indicação e orientação do CAMINHO em direção ao
IMUTÁVEL;
Para Florisneide, companheira de todas as horas, sem
a qual esta tese e outros viveres não se fariam
possível com beleza, riqueza e significação;
Para Sâmia, Maíra e Samitha pelas oportunidades de
aprender e ensinar amorosamente;
Para Germano e Estelita pelos princípios éticos para o
meu viver.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
AGRADECIMENTOS
A Deus pela oportunidade e possibilidade de abreviar a jornada em sua
busca.
A mãe, mestra e serva Natureza pela oportunidade e colaboração.
Aos guias, mentores e protetores que favoreceram, contribuíram, intuiriam,
sem tirar o livre-arbítrio no experimentar e aprender.
À minha orientadora, Profª Drª Tânia Maria Diederichs Fischer, zelosa guardiã
da qualidade teórica e exemplo que sua conduta denuncia de respeito, confiança e
apoio nos momentos críticos e decisivos do processo de intenção, projeto
construção e execução desta tese.
Aos funcionários e colaboradores do NPGA pela contribuição, disposição e
apoio prestados nos diferentes momentos, verdadeiros exemplos de profissionalismo
e dedicação, em especial, a Dacy, Anaélia, Jardilina, Eliana, Geovana e Cristina.
Aos funcionários e bibliotecários da Escola de Administração/UFBA pela
gentileza, presteza, paciência no atendimento às solicitações, em especial, a
Ângela, Conceição, Alda, Rosa, Miralva e Jackson.
Aos meus amados irmãos com os quais tenho compartilhado a busca do viver
significativo pautado em princípios éticos e estéticos elevados.
À amiga Karen pelo apoio na adequação deste trabalho às exigências e
formatos acadêmicos.
A todos que direta e/ou indiretamente ajudaram no meu viver e conviver na
Escola de Administração – UFBA, cujo aprendizado redundam, também, na presente
tese, o meu obrigado a todos.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
A arte não é um produto, mas sim origem,
não é criada, mas sim criação
e está presente no ente humano
quando este deixa de existir
na qualidade mental de pensador
e experimenta
com a qualidade mental de perceptor.
A Arca
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
RESUMO
A tese tem como propósito refletir acerca da contribuição da Estética
para os estudos organizacionais, enquanto alternativa complementar,
diante da lacuna existente, decorrente da enorme ênfase nas dimensões
teórica e empírica, em tais estudos. Para considerar tal possibilidade e
apontar a contribuição da dimensão estética buscou-se resgatar e
destacar a relevância da Estética, a partir de considerações teóricas e
filosóficas quanto a presença da mesma no cotidiano humano, logo,
também, presente e inerente ao fenômeno organizacional. Construiu-se
um referencial teórico que considerou a contribuição epistemológica e
histórica da Estética, no âmbito da Filosofia e dos estudos
organizacionais, com maior ênfase a contribuição de Immanuel Kant, em
face de suas obras considerarem a presença da dimensão teórica (razão
pura); dimensão empírica (razão prática) e a dimensão estética (crítica
do juízo) na ação humana. Diante da formulação de uma tese cujo tema
pode ser apontado como de fronteira, a construção da mesma se fez sob
uma abordagem teórica. A tese foi construída em dez capítulos divididos
em três partes. A primeira parte intitulada “o fazer ciência e os estudos
organizacionais” subdividida em três capítulos, onde foram considerados
aspectos relativos à modernidade e pós-modernidade, objetividade e
subjetividade, bem como, os reflexos desses elementos na pesquisa e
análise organizacional. A segunda parte intitulada “Estética e
conhecimento humano” está subdividida em cinco capítulos que versam
sobre a estética enquanto campo do conhecimento, trajetória histórica, o
kantianismo, a Estética em Kant, e a Estética enquanto dimensão da
ação humana. A terceira parte intitulada “estética e organizações” está
subdividida em dois capítulos que versam sobre a Estética e análise
organizacional e a articulação entre Estética e gestão organizacional.
Concluiu-se pela presença e contribuição para análise organizacional da
dimensão estética, enquanto elemento complementar as dimensões
teórica e empírica, tendo sido identificado trabalhos e autores que
consideram individualmente a presença e influência da Estética. A tese
traz, portanto, como maior contribuição a proposição de que nos estudos
e análise organizacional seja considerada a dimensão estética
conjuntamente com as outras duas dimensões, possibilitando uma
perspectiva de análise integrada das dimensões subjetivas e objetivas
da ação humana e organizacional.
PALAVRAS-CHAVE: 1. Estética. 2. Organizações. 3. Análise
Organizacional. 4. Filosofia. 5. Kant. 6.
Objetividade. 7. Subjetidade.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
ABSTRACT
The thesis has as intention to reflect on the aesthetic contribution for the
organizational studies as a complementary alternative for the existing gap
from the enormous emphasis in the theoretical and empirical dimensions
in such studies. In order to consider such possibility and to point the
contribution of the aesthetic dimension we searched to rescue and to
detach the relevance of the Aesthetic from the theoretical and
philosophical considerations in relation to the presence of it in the daily life
of the human being. Then, it is also present in the organizational
phenomenon. It was built a theoretical reference that considered the
epistemological and historical contribution of the Aesthetic in the
philosophy area and the organizational studies with a bigger emphasis in
Immanuel Kant’s contribution because his works consider the presence of
the theoretical dimension (pure reason), empirical dimension (practical
reason) and the aesthetic dimension (critical common sense) in the
human being’s action. Face to the development of this thesis whose
subject can be pointed as the border, the construction of it was made
under a theoretical approach. There are ten chapters divided in three parts
in this thesis. The first part is entitled "making science and the
organizational studies" which is subdivided in three chapters, where some
features called modernity and post-modernity were considered objectivity
and subjectivity, as well as the consequences of these elements in the
research and organizational analysis. The second part is entitled
"aesthetic and human knowledge" that are subdivided in five chapters.
They talk about the aesthetic as a field of the knowledge, a historical
trajectory, the “Kantianism”, Aesthetic based on Kant and the Aesthetic as
a dimension of the human action. The third part is entitled "Aesthetic and
organizations" that is subdivided in two chapters. They talk about that is
the Aesthetic and the organizational analysis and the connection between
the Aesthetic and the organizational management. It was concluded by
the presence and contribution for the organizational analysis of the
Aesthetic dimension as a complementary element of the theoretical and
empirical dimensions. They have been identified as works and authors
who consider individually the presence and influence of the aesthetic.
Therefore, this thesis brings as the biggest contribution a proposal of the
studies and organizational analysis that is considered the Aesthetic
dimension with the other two dimensions, making possible a perspective
of analysis integrated with the subjective and objective dimensions of the
human being and organizational action.
KEY-WORDS: 1. Aesthetic. 2. Organizations. 3. Organizational analysis.
4. Philosophy. 5. Kant. 6. Objectivity 7. Subjectivity
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................................13
PARTE I
O FAZER CIÊNCIA E ESTUDOS ORGANIZACIONAIS
CAPÍTULO I - MODERNIDADE E OS ESTUDOS ORGANIZACIONAIS
1.1 O CONTEXTO CONTEMPORÂNEO E AS ORGANIZAÇÕES..................................28
1.2 A MODERNIDADE E O PARADIGMA CLÁSSICO DO FAZER CIÊNCIA................31
1.2.1 Racionalidade Individual................................................................................35
1.2.2 Empirismo Sistemático ..................................................................................41
1.3 A MODERNIDADE E OS CLÁSSICOS DA ADMINISTRAÇÃO.................................45
1.4 VERTENTES EPISTEMOLÓGICAS DOS ESTUDOS ORGANIZACIONAIS...........52
1.5 PARADIGMAS NOS ESTUDOS ORGANIZACIONAIS ............................................62
1.6 LIMITAÇÕES DO POSITIVISMO LÓGICO .............................................................65
CAPÍTULO II - PÓS-MODERNIDADE E OS ESTUDOS ORGANIZACIONAIS
2.1 PREMISSAS E ELEMENTOS HISTÓRICOS DA PÓS-MODERNIDADE ...................73
2.2 ESTUDOS ORGANIZACIONAIS RECENTES ...........................................................81
2.3 ESTUDOS ORGANIZACIONAIS NO BRASIL............................................................90
CAPÍTULO III - OBJETIVIDADE E SUBJETIVIDADE NOS ESTUDOS
ORGANIZACIONAIS
3.1 RACIONALIDADE E OBJETIVIDADE .......................................................................99
3.2 RACIONALIDADE E SUBJETIVIDADE....................................................................107
3.3 OBJETIVIDADE E SUBJETIVIDADE .......................................................................112
3.4 SUBJETIVIDADE VERSUS OBJETIVIDADE ...... ....................................................118
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
PARTE II
ESTÉTICA E CONHECIMENTO HUMANO
CAPÍTULO IV - ESTÉTICA
4.1 ESTÉTICA COMO FILOSOFIA DO BELO ...............................................................128
4.2 ESTÉTICA COMO FILOSOFIA DA ARTE................................................................132
4.3 ESTÉTICA ENQUANTO CIÊNCIA DA ARTE...........................................................134
4.4 ESTÉTICA ENQUANTO FORMA DE SABER..........................................................137
4.5 ESTÉTICA ENQUANTO CIÊNCIA...........................................................................140
4.6 ESTÉTICA COMO CONHECIMENTO INTENCIONAL.............................................145
4.7 ESTÉTICA COMO CONHECIMENTO CRÍTICO......................................................148
4.8 UTILIDADE DA ESTÉTICA......................................................................................153
4.9 DIMENSÃO OBJETIVA E SUBJETIVA DA ESTÉTICA ............................................156
4.9.1 Objetivismo Estético ......................................................................................156
4.9.2 Subjetivismo Estético ....................................................................................160
4.9.3 Dimensões Objetivas e Subjetivas em Interação...........................................162
CAPÍTULO V - TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA ESTÉTICA
5.1 A ESTÉTICA............................................................................................................168
5.2 O BELO ...................................................................................................................172
5.3 O GOSTO E O SUBLIME ........................................................................................183
5.4 O DESCENTRAMENTO DO BELO..........................................................................191
CAPÍTULO VI - KANTIANISMO E ESTÉTICA
6.1 PRÉ-KANTIANOS: FONTES DA ESTÉTICA DE KANT ...........................................204
6.2 PÓS-KANTIANOS: A CONTINUIDADE E APRIMORAMENTO ...............................208
6.3 O MÉTODO KANTIANO E A NOÇÃO DE IDÉIA CRÍTICA ......................................219
6.4 O IDEALISMO TRANSCENDENTAL: A RUPTURA KANTIANA ..............................224
CAPÍTULO VII - A ESTÉTICA EM KANT
7.1 ELEMENTOS DA ESTÉTICA KANTIANA...... ..........................................................232
7.2 A ESTÉTICA TRANSCENDENTAL E A PRIMEIRA CRÍTICA..................................241
7.3 A ESTÉTICA E A TERCEIRA CRÍTICA ...................................................................245
7.4 A CONTRIBUIÇÃO DE KANT .................................................................................250
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
CAPÍTULO VIII - ESTÉTICA ENQUANTO DIMENSÃO DA AÇÃO HUMANA
8.1 O ESTÉTICO E O EXTRA-ESTÉTICO NA AÇÃO HUMANA ..................................255
8.2 A AÇÃO HUMANA E A ATITUDE ESTÉTICA.........................................................263
8.3 A FUNÇÃO ESTÉTICA ENQUANTO DIMENSÃO DA AÇÃO HUMANA .................275
PARTE III
ESTÉTICA E ORGANIZAÇÕES
CAPÍTULO IX - ESTÉTICA E ANÁLISE ORGANIZACIONAL
9.1 A NOÇÃO DE ESTÉTICA NOS ESTUDOS ORGANIZACIONAIS............................289
9.2 AS PERSPECTIVAS DOS ESTUDOS ENVOLVENDO A ESTÉTICA ......................296
9.3 ESTÉTICA ENQUANTO ELEMENTO DE AÁLISE DOS VALORES E DA CULTURA
ORGANIZACIONAL ................................................................................................303
9.4 POSSIBILIDADES DE ANÁLISE ORGANIZACIONAL A PARTIR DA ESTÉTICA...309
CAPÍTULO X - ESTÉTICA E GESTÃO
10.1 ESTÉTICA E CRIATIVIDADE NAS ORGANIZAÇÕES...........................................316
10.2 INOVAÇÃO E ESTÉTICA NAS ORGANIZAÇÕES.................................................322
CONCLUSÕES ................................................................................................... 332
REFERÊNCIAS................................................................................................... 337
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
13
INTRODUÇÃO
Pode ser constatada, neste início de novo milênio de século, a ocorrência de
profundas mudanças, circunscritas por graves crises e rupturas, caracterizadoras de
períodos de substanciais transformações. Essas transformações, enquanto processo
de mudanças, podem se dar de maneira natural ou através de rupturas e crises.
É notório que a crise, ou que nome venha a ser dado, não é meramente,
instrumental ou estrutural, é multifacetado, perpassando diferentes dimensões que
vão desde um caráter pessoal, consciencial que se desdobra coletivamente em
viéses de natureza epistemológica, ideológica, econômica, social, tecnológica.
As transformações por que passam as organizações humanas, nas três
últimas décadas têm gerado mudanças no quadro teórico utilizado na análise
organizacional, sempre na tentativa de compreender tais transformações e as
alterações sociais delas decorrentes, bem como seus antecedentes e, na medida do
possível, delinear o rumo que elas apontam.
Em um momento civilizatório tão efervescente, as diferentes áreas do
conhecimento humano abrem-se para contribuições de outras áreas, passando a
incorporar elementos conceituais e valores, que ampliam a percepção das questões
de pesquisa, apontando novos elementos, novas respostas, modificando e
ampliando a busca de elementos explicativos aos problemas sociais.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
14
É necessário considerar que, enquanto origem ou solução, o elemento
central, seja qual for a área do conhecimento, é o ser humano. Naturalmente, as
organizações, enquanto criações e construções humanas, podem ser mais bem
compreendidas, a partir de arcabouços que valorizem as diferentes dimensões e
possibilidades de ações humanas, perpassando-as de maneira interdisciplinar, ou
seja, de maneira não excludente das inúmeras possibilidades e percepções (Ver
SÁNCHEZ
VÁZQUEZ,1992;
REED,1995;
HASSARD,
1990;
REED
&
HUGHES,1992).
O TEMA E A JUSTIFICATIVA DA ESCOLHA
O campo de estudos organizacionais, historicamente, tem demonstrado
receptividade e interesse pelas leituras e contribuições de outros campos do
conhecimento humano, incorporando referenciais de áreas dantes não consideradas
na incessante busca de compreender e fazer face às novas demandas
organizacionais.
eUma das incorporações recentes, ainda pouco explorada, na análise
organizacional, é a contribuição da Estética, tratada habitualmente como a ciência
do belo - relativa ao campo da arte, das percepções artísticas - portanto, pouco
associada ao cotidiano e muito menos ao mundo organizacional (Ver DEGOT,1987;
GALIARDI,1996; CLEGG; HARDY E NORD,1996; STRATI,1990;1999).
Até a década de 70 as propostas de análise organizacional, com vistas a
responderem a variações ambientais ou estratégias de crescimento, mostravam-se
vinculadas à visão clássica, funcionalista e comportamentalista da empresa, com
alteração de organogramas e trocas de pessoal.
Ressalta Fleury (1992) que há um reconhecimento cada vez maior, desde
então, que os estudos das características objetivas do mundo das organizações
mostram-se
incapazes
de
explicar
muitos
dos
processos
organizacionais,
especialmente aqueles envolvidos com mudanças, conflitos e reações.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
15
Já nos anos 80, observa-se nos estudos organizacionais a falta de
entendimento que vise a integração dessas diferentes e multifacetadas percepções
da organização. Assiste-se - e perdura desde o final do século passado - ao emergir
de opções teóricas e/ou práticas, as quais são lançadas em seqüência, numa
tentativa desesperada de amenizar os efeitos de um contexto ambiental tão instável.
Nos anos 90, persiste a profusão de contribuições teóricas fazendo uso de
diferentes aparatos conceituais e aumentando a confusão e a crise. Ainda assim,
percebe-se um deslocamento dos estudos organizacionais que passaram a
preocupar-se com os complexos determinantes mentais do comportamento humano
e com significações subjetivas, desviando-se um pouco mais do caminho tradicional
que se apega, de modo totalizante, às explicações objetivas dos fenômenos
organizacionais.
Os estudos organizacionais que buscam incorporar as contribuições dos pósmodernistas – considere-se que a tentativa de delinear o que venha a ser a pósmodernidade ou pós-moderno é objeto de divergências entre os próprios estudiosos
– auxiliam, inicialmente, na explicação das razões intrínsecas e inerentes a crise das
organizações, sua compreensão e possibilidades de reordenamento social
(REED,1985).
Importa vislumbrar que através da Estética, torna-se possível integrar, ao
olhar organizacional, uma dimensão de compreensão que permite considerar,
enquanto possibilidade, o até então denominado de ilógico, irracional, emocional,
intuitivo, sentimental. Ou seja, a dimensão estética permite considerar ações e
escolhas organizacionais, tidas como incompreensíveis ou irracionais, como
possíveis, a partir de uma outra referência de análise.
Dentre os campos pouco explorados nos estudos organizacionais, ainda que
um dos mais presentes e influentes, está a Filosofia. Por sua vez, poucos trabalhos,
no âmbito da administração, têm buscado fazer uso de um aporte teórico aparado
pela Filosofia como referência central para a análise e discussão da dinâmica
organizacional.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
16
Não cabe aqui discorrer sobre os motivos e razões para tal fato, mas, sim,
ressaltar a enorme contribuição da Filosofia. Tanto que um dos traços marcantes do
presente trabalho centra-se no uso de um aporte teórico fortemente centrado nesta,
em especial, em um dos principais ramos e objetos de estudos analisado por parte
de grandes filósofos da nossa civilização.
Devem também ser mencionadas a receptividade existente no âmbito dos
estudos organizacionais e a utilização de referencial que incorpore contribuições das
diferentes ciências humanas e sociais, ampliando o quadro analítico das
organizações de espectros limitados e restritivos para novas possibilidades que não
invalidam ou se preocupam em invalidar as contribuições dos estudos tradicionais
(Ver REED & HUGHES, 1992; REED, 1985; CLEGG, HARDY E NORD, 1996).
Enquanto o ambiente organizacional evidencia, de modo geral, princípios,
amplitudes, objetivos, percepções etc., claramente instrumentais, mensurativas,
lógicas, racionais, o campo estético, por sua vez, esteia-se na premissa de que a
percepção de cada indivíduo, acerca de um dado objeto, é única e deve ser
respeitada enquanto tal, valorizando, respeitando, estimulando tal percepção, tal
sentimento e, por conseqüência, o lado intuitivo, ilógico, abstrato, das relações
individuais e coletivas (Ver STRATI, 1998; ABRAHAMSON, 1997; DAFT, 1983;
TURNER, 1990).
É importante ressaltar que entre os dois elementos centrais da presente tese a Estética e as organizações - há um elemento comum o ser humano, seja como
princípio, meio e/ou fim das ações organizacionais. Este ser humano, transita entre
percepções estéticas, empíricas e teóricas, três dimensões de uma mesma
realidade, que, quando ignorada, deixa a desejar e explicita uma das possíveis
causas do conflito, crise e contradição presentes nas ações e escolhas
organizacionais.
A contribuição da Estética, frente à Filosofia possibilita considerar a ação
humana, incorporando uma terceira dimensão, até então pouco enfatizada, a nível
organizacional, e parte da premissa de que há diferentes possibilidades de
percepção e apreensão de um dado objeto ou contexto.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
17
Através da Estética, vislumbra-se a possibilidade de refletir sobre a
organização, considerando aspectos, ações, escolhas e situações, até então,
denominados de ilógicos, irracionais, emocionais, intuitivos, sentimentais que, como
se sabe, afetam as escolhas organizacionais.
Abarcar o lado subjetivo não significa, de modo algum, deixar de lado o
conhecimento racional, empírico; entretanto, efetuar a consideração desses dois
aspectos com a Estética tornou-se crucial e decisiva tanto para a ampliação da
percepção e compreensão, como para a própria sobrevivência.
O PROBLEMA DE PESQUISA
A tese busca contribuir para o estudo e compreensão do fenômeno
organizacional, a partir da consideração da Estética enquanto uma das dimensões
do agir humano.
A presente tese centra-se, portanto, na análise e discussão acerca da
Estética enquanto detentora de status próprio e elemento auxiliar na compreensão
do fenômeno organizacional, sem com isso descaracterizar ou excluir as demais
possibilidades de análise organizacional – teórica e/ou prática.
O problema de pesquisa que norteia a elaboração do presente projeto parte
do pressuposto básico acerca da existência de uma atitude, de uma dimensão de
natureza estética, buscando considerar a presença e possível influência dessa
dimensão no cotidiano das organizações.
Para tanto, busca-se considerar não apenas a Estética enquanto campo do
conhecimento filosófico, mas como elemento presente e inerente às ações humanas.
Mostra-se necessário, ainda, investigar como os estudos organizacionais têm
compreendido tal possibilidade e sob que bases têm desenvolvido as pesquisas
sobre tal tema.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
18
Os estudos organizacionais pouco consideram as possibilidades e presença
da Estética no cotidiano e essência das organizações, por isso, a presente tese tem
como principal preocupação demonstrar tal contribuição e importância.
Enquanto PROBLEMA norteador da tese tem-se o seguinte enunciado:
EXISTEM CONTRIBUIÇÕES DA ESTÉTICA PARA ANÁLISE E COMPREENSÃO
DAS ORGANIZAÇÕES?
Para elucidar academicamente esta indagação procurou-se estabelecer
questões menores, que permitissem ao serem respondidas, a descoberta de
elementos que respondam à questão acima, as quais estão dispostas a seguir:
•
QUAL A CENTRALIDADE DA ESTÉTICA ENQUANTO ELEMENTO DE
INFLUÊNCIA NAS ESCOLHAS E AÇÕES NO COTIDIANO DAS
ORGANIZAÇÕES?
•
QUAL A RELEVÂNCIA DA ESTÉTICA ENQUANTO DIMENSÃO DE
INFLUÊNCIA NAS ESCOLHAS E AÇÕES NO COTIDIANO DAS
ORGANIZAÇÕES?
•
QUE CONTRIBUIÇÃO TEM A ESTÉTICA ENQUANTO ELEMENTO DE
ANÁLISE ORGANIZACIONAL?
•
A DIMENSÃO ESTÉTICA POSSIBILITA AMPLIAR A COMPREENSÃO E
ESTUDO
DO
UNIVERSO
ORGANIZACIONAL
POR
PARTE
DOS
TEÓRICOS ORGANIZACIONAIS?
OS OBJETIVOS
Correlacionar o campo da estética com o campo organizacional, comumente
associado às relações produtivas, certamente chama a atenção e, por certo, causa
espécie, mas tal correlação se insere no intercâmbio com outros campos do
conhecimento humano, a exemplo da filosofia, proporcionando melhor compreensão
das escolhas e ações organizacionais.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
19
O incorporar da Estética, campo do conhecimento filosófico, ainda que possa
parecer estranho, mostra-se natural, assim como é natural considerar que sem
Filosofia não há métodos e sem métodos não há ciência, afinal, os diferentes
métodos científicos nascem na Filosofia, partindo da antevisão de que a Estética
amplia a compreensão do objeto ou fenômeno organizacional sem esgotá-lo e sem
excluir as outras possibilidades de compreensão - dimensão teórica e dimensão
prática.
Também, já foi afirmado, como nas últimas décadas, que pesquisadores com
diferentes formações, a exemplo de: sociólogos, antropólogos, psicanalistas,
historiadores, dentre outros, cuja formação e atuação não estão diretamente ligadas
ao cotidiano e interesses das organizações produtivas, têm auxiliado, através de
construções teórico-metodológicas inovadoras, o estudo organizacional, ampliando a
percepção e interpretação do mundo das organizações formais.
Esses pesquisadores têm como traço característico privilegiar a dimensão
subjetiva, considerando aspectos abstratos do cotidiano das organizações. Tais
pesquisadores têm conquistado cada vez mais espaço e adeptos, auxiliando, desse
modo, novas incursões e ampliando as possibilidades, perspectivas e contribuições
para a análise das organizações. Os trabalhos de Strati (1990; 1992); Gagliardi
(1996); Hassard (1990); Reed & Hughes (1992), dentre outros, são referências e
exemplos dessa tendência no âmbito da análise organizacional.
O objetivo geral da presente tese foi efetuar a análise das possibilidades de
contribuição da dimensão estética da ação humana enquanto elemento para a
pesquisa,
análise
e
compreensão
dos
fenômenos,
escolhas
e
ações
organizacionais.
Enquanto objetivos específicos, norteadores desta tese têm-se:
•
resgatar os fundamentos epistemológicos da Estética enquanto ciência
filosófica;
•
traçar a trajetória histórica da Estética e os usos e apropriações
contemporâneas;
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
20
•
mapear os estudos organizacionais que fazem uso de quadros
analíticos envolvendo a Estética;
•
estabelecer pontos de correlação entre a Estética, enquanto ciência
filosófica, e os quadros de referências utilizados nos estudos
organizacionais;
•
elaborar quadro analítico que considere a Estética enquanto dimensão
do conhecimento humano e influenciadora da ação humana;
•
identificar e apontar a validade e contribuição de um quadro teórico
centrado na Estética para o estudo e análise dos fenômenos
organizacionais.
Propõe-se um novo âmbito no uso da dimensão estética, enfatizando-a
enquanto elemento de análise no campo organizacional que não esteja concentrado
nas características do serviço ou produto; no ambiente de trabalho, particularmente
nos equipamentos e acessórios; e, mais recentemente, nos estudos relativos à
cultura organizacional, como elemento integrante da organização e de suas
escolhas.
Há, portanto, uma perspectiva auxiliar na consideração da dimensão estética
presente de modo intrínseco nas atividades cotidianas do ser humano e relevante
para o processo de estudo e conhecimento das dinâmicas organizacionais, ainda
pouco explorada nos estudos organizacionais.
É pacífico o reconhecimento de limites e do baixo grau de inserção dos
elementos de natureza subjetiva nos estudos organizacionais, assim como, das
restrições metodológicas, tornando mais árduo o empreender em discussões que
envolvam o subjetivo, nesta tese, a dimensão estética.
Procura-se aqui, ao reconhecer a existência de lacunas teóricas, empreender
e ousar na busca de elementos que permitam continuidade e aperfeiçoamento das
bases teóricas e mesmo práticas
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
21
O desafio permanece, no que tange a apontar métodos, possibilidades de
percepção e compreensão, além da dimensão racional-empírica, que permitam
analisar a dimensão subjetiva - a Estética - e o simbólico, de modo geral, com
aparatos mais adequados.
A METODOLOGIA
A elaboração da tese teve um caráter eminentemente teórico, tendo por
objetivo
ampliar
generalizações,
estruturar
um
referencial
para
análise
organizacional que considere a contribuição da Estética enquanto dimensão
presente e, portanto, referência central para compreensão das organizações.
Considerando que todas as ciências caracterizam-se pela utilização de
métodos científicos, em contrapartida, nem todos os ramos de estudo que
empregam estes métodos são ciências. 1Os diversos passos do método científico
não foram estabelecidos aprioristicamente; de fato, os homens procuraram agir
cientificamente e, só depois, pararam para examinar o caminho que conduzira seu
trabalho ao êxito (DEMO, 1997).
O estudo efetuado teve caráter eminentemente de estudo teórico, tendo por
objetivo
ampliar
generalizações
e
estruturar
um
referencial
para
análise
organizacional que considere a contribuição da Estética enquanto dimensão
presente e, portanto, referência central para compreensão das organizações.
Foi observada uma estrutura de construção da tese considerando os passos
recomendados para construção de um trabalho de natureza acadêmica e em face da
ausência de trabalhos acadêmicos que considerem a Estética enquanto elemento
presente nas organizações, logo, essencial na análise organizacional.
1 A palavra método é de origem grega e significa o conjunto de etapas e processos a serem vencidos ordenadamente na investigação dos fatos ou na
procura da verdade. Assim, o método é o conjunto das atividades sistemáticas e racionais que, com maior segurança e economia, permite alcançar o
objetivo - conhecimentos válidos e verdadeiros -, traçando o caminho a ser seguido, detectando erros e auxiliando as decisões do cientista.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
22
Portanto, a tese adotou um espectro de caráter eminentemente teórico, sem a
construção e utilização de elementos de natureza empírica, no qual a capacidade de
síntese e reflexão será fundamental para o alcance dos objetivos propostos.
Tal escolha decorre do fato de que o uso da Estética nos estudos
organizacionais tem considerado apenas algumas das possibilidades do âmbito da
Estética e antes de tratar-se de escolhas conceituais ou perspectivas de análise,
evidencia uma visão parcial do entendimento das possibilidades de estudo e
compreensão estética.
Tal constatação levou o autor a decisão de elaborar uma tese que centre-se
no resgate da Estética considerando os diferentes entendimentos do termo e as
diferentes possibilidades de uso, inclusive no âmbito dos estudos e análises
organizacionais, envolvendo o uso de referencial estético; podendo-se formular ou
demonstrar a tese a ser defendida quanto às reais possibilidades e perspectivas da
Estética que não incorram nos mesmos equívocos, nos quais o uso de aparato
conceitual deixa a desejar quanto ao verdadeiro propósito, sendo feito uso de acordo
com as conveniências e interesses pessoais e/ou grupais.
ESTRUTURA DA TESE
Quanto a sua construção, argumentação e apresentação a tese está
estruturada em três partes envolvendo dez capítulos. A primeira parte intitulada “O
FAZER CIÊNCIA E OS ESTUDOS ORGANIZACIONAIS” abarca três capítulos e
teve como propósito efetuar a articulação entre a modernidade e seus
desdobramentos, a nominada pós-modernidade, e a questão da objetividade e
subjetividade enquanto referência da/na análise organizacional.
O capítulo 1 resgatou os fundamentos do fazer ciência afeito à modernidade
para tanto são identificadas as bases epsitemológicas e suas repercussões nos
estudos e ações organizacionais, pressupondo o paradigma clássico do fazer
ciência a partir de dois componentes: a racionalidade individual e o empirismo
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
23
sistemático. Além disso, é efetuada uma articulação entre a modernidade e sua
influência na administração, assim como os reflexos da modernidade nos estudos
organizacionais.
O capítulo 2, por sua vez, buscou identificar e analisar as origens, premissas
e desdobramento da pós-modernidade nos estudos organizacionais, com particular
destaque aos estudos desenvolvidos no âmbito dos pesquisadores brasileiros. A
preocupação ao construir o capítulo foi identificar as possibilidades teóricas
resultantes das críticas e limitações apontadas pela modernidade influenciando a
análise das organizações.
O capítulo 3 considerou a questão da objetividade e da subjetividade e seus
desdobramentos
no
âmbito
organizacional,
enfatizando
a
origem
dessas
perspectivas, bem como seus reflexos sobre os estudos organizacionais e sobre o
cotidiano das organizações. Neste capítulo também, é efetuada a articulação entre
racionalidade e objetividade, assim como entre a racionalidade e a subjetividade e
enfatizada a questão da objetividade versus subjetividade, a partir da contribuição
recente da Sociologia.
A segunda parte da tese intitulada “A ESTÉTICA E O CONHECIMENTO
HUMANO” foi subdivida em cinco capítulos, quarto ao sétimo, sendo eminentemente
filosófica, ou seja, refere-se à contribuição da filosofia. Sua construção tem como
referência autores filosóficos que se debruçaram sobre a estética, sobre diferentes
perspectivas, dando-se enfâse a Kant e sua concepção de estética.
O capítulo 4 foi desenvolvido com o propósito de resgatar as diferentes
possibilidades de considerar a estética frente ao conhecimento humano, seja por
perspectivas objetivistas ou subjetivistas, como conhecimento crítico, como
conhecimento sensível ou enquanto filosofia, ciência, forma de saber, ou
conhecimento intencional. O propósito foi possibilitar, a partir de um conjunto de
contribuições teórico-filosóficas, considerar a estética enquanto dimensão do
conhecimento humano.
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O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
24
O capítulo 5 teve como propósito efetuar um resgate da trajetória histórica da
estética, no intuito de considerar as questões centrais e as respectivas fases
históricas, desde a antiguidade até a contemporaneidade. Nessa construção
pontuou-se três momentos: no primeiro considerou-se a Estética enquanto uma
questão atinente ao belo; no segundo, ao gosto e ao sublime; e no terceiro,
entatizou-se o descentramento do belo, enquanto foco central da Estética.
O capítulo 6 foi construído visando identificar as bases de uma ruptura
fundamental na história da Estética ocorrida a partir das obras de Kant. Buscou-se
demonstrar a influência dos estetas pré-kantianos e dos pós-kantianos. Neste
sentido são explorados autores que afetam e influenciam de maneira determinante o
trabalho de Kant, assim como, aqueles que dão continuidade, ampliam ou
questionam as idéias kantianas.
O capítulo 7 versa sob a concepção da Estética kantiana, seus fundamentos,
a similaridade com outros filósofos e a contribuição para o entendimento estético,
dentro de uma perspectiva transcendental. Neste capítulo é apontada a ruptura
ontológica na compreensão da Estética enquanto dimensão humana, sem a qual, as
demais dimensões fazem-se de modo incompleto.
Através do capítulo 8 buscou-se efetuar a articulação entre a Estética e a
dimensão da ação humana, considerando que o cotidiano das organizações são
resultantes das ações humanas. Para tanto, explorou-se como a Estética se faz
presente no cotidiano humano, no estético e no extra-estético. Resgatando-se em
seguida duas noções filosóficas influenciadas por Kant - o ato e a atitude - sempre
articuladas com a Estética. E com base nas noções mencionadas, construiu-se as
noções de função humana e de ação humana articulada com a Estética e sua
presença no cotidiano humano.
A terceira parte intitulada “ESTÉTICA E ORGANIZAÇÕES” desenvolvida em
dois capítulos tem como propósito estabelecer a articulação duas partes anteriores
com as organizações, constituindo-se, portanto, no cerne do presente trabalho, na
medida em que quer evidenciar e demonstrar a presença e contribuição da Estética
nos estudos e na análise das escolhas e ações organizacionais.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
25
Com o capítulo 9 busca-se resgatar e analisar a presença da Estética nos
estudos organizacionais, suas motivações, os direcionamentos das pesquisas e as
principais contribuições até então promovidas. O propósito do capítulo é identificar e
analisar como e em que medida a Estética é vista enquanto elemento e
possibilidade para análise e interpretação do cotidiano das organizações.
No capítulo 10 busca-se apontar como a Estética se faz presente na ação
organizacional, em particular no escopo gerencial, e como seu reconhecimento
favorece a compreensão e interação da vida organizacional. Estabelece-se a
articulação da Estética com a criatividade e com a inovação e as transformações
organizacionais. E, ainda aponta-se as possibilidades e perspectivas de análise que
considere a Estética e a gestão.
Por fim, há a apresentação das conclusões decorrentes das três partes
construídas partindo da questão inicial apontando os elementos que permitem
considerar a existência de uma dimensão estética e sua influência e presença no
cotidiano humano e por consequência no cotidiano das organizações.
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O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
26
PARTE I
O FAZER CIÊNCIA E
ESTUDOS
ORGANIZACIONAIS
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O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
27
CAPÍTULO I
A MODERNIDADE E OS
ESTUDOS ORGANIZACIONAIS
A maior caridade que o homem deve fazer a outro
é sacudir-lhe as poeiras das falsas teorias, dos aéticos procedimentos,
aéticos costumes e encaminhá-lo com e pela Luz,
à Luz para a vitória por sua própria luta, por seu próprio trabalho.
A Arca
O presente capítulo tem como propósito resgatar os fundamentos do fazer
ciência afeito à modernidade, algo fundamental para compreensão dos limites e
impasses nos estudos organizacionais. Para tanto são identificados as bases
epsitemológicas e suas repercussões no desenvolvimento do conhecimento
científico e nos estudos e ações organizacionais.
O capítulo está estruturado em seis tópicos, tendo por ponto de partida o
contexto atual das organizações; a ciência tradicional, com destaque para a
racionalidade individual e o empirismo sistemático; os reflexos da modernidade
sobre a administração; as vertentes epistemológicas dos estudos organizacionais; os
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O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
28
pretensos paradigmas; e finalmente os limites do positivismo lógico2 enquanto base
para os estudos organizacionais.
1.1 O CONTEXTO CONTEMPORÂNEO E AS ORGANIZAÇÕES
Em um momento civilizatório tão efervescente, no tocante às diferenças
sociais caracterizadas por violência, corrupção e volúpia, as diversidades de áreas
do conhecimento humano começam a abrir-se para as contribuições de outras
áreas, passando a incorporar elementos conceituais e valores, que ampliam a
percepção das questões de pesquisa, apontando novos elementos, novas
respostas, modificando e ampliando a busca de elementos explicativos aos
problemas sociais.
No entanto, ainda que não priorizado, o elemento central e “foco de
atenções”, seja qual for a área do conhecimento, é o ser humano e, por
consequência, as sociedades, enquanto criações e construções humanas.
As transformações pelas quais passam as relações sociais têm gerado
mudanças e intensas reflexões acadêmicas no quadro teórico da análise
organizacional, sempre na tentativa de compreender tais transformações e os
impactos sociais delas decorrentes, seus antecedentes e, na medida do possível,
delinear o rumo que elas apontam.
Sabe-se que é impossível pensar nas transformações sociais sem levar em
consideração os problemas humanos, pois não pode ser esquecido que a história
não é um processo sem sujeitos e/ou identidades sociais, mas sim o resultado da
luta entre indivíduos e grupos fortemente implicados que se utilizam, para tanto, não
só da sua racionalidade, mas também da sua afetividade.
2
O positivismo lógico traduz uma postura filosófica proveniente do positivismo que procura aplicar os
princípios da lógica, da matemática e das ci~encias empíricas a todos os campos do pensamento.
Afirmam que todas as investigações intelectuais deviam se realizar nos mesmos padrões da
investigação científica. Assim o conceito de verificabilidade é fundamental excluindo com base nesse
critério de cientificidade todos os enunciados metafísicos, religiosos e éticos.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
29
A partir da década de setenta, um processo complexo de transformações
sociais, econômicas, institucionais e tecnológicas foi colocado em marcha,
concretizando evidências de um novo modelo de desenvolvimento do capitalismo em
escala mundial.
No plano micro das atividades de transformação, esse processo tem na nova
base tecnológica microeletrônica e nas inovações tipicamente organizacionais
explicações
importantes
para
os
resultados
de
produtividade
das
firmas
contemporâneas.
Esses fatores, tomados em conjunto com outros no plano macroeconômico da
liberalização financeira e comercial, modelam em parte as alternativas políticas,
econômicas e sociais dos Estados-nações ao final do século XX.
Há um entendimento geral que, pelo menos dentro do mundo ocidental, a
maior parte do século passado foi dominada por uma ordem engendrada de
concepções que pode ser nominado de moderna.
As características desse período têm como destaque a ênfase na tecnologia,
nas condições materiais, nas muitas formas de vida institucional e de práticas
culturais envolvendo a literatura, arte e arquitetura.
Os estudos organizacionais, em particular, nas últimas três décadas, têm
buscado acompanhar as mudanças sociais, fazendo uso de novos aportes teóricos
que possam auxiliar na reflexão teórica da sociedade.
Burrell & Morgan (1979) apontam a necessidade de novas abordagens
teóricas para os estudos organizacionais, ressaltando que não apenas novas
abordagens são necessárias, mas também novas possibilidades de reflexão e
análise diante da crise e contradição presentes na área.
A época em que vivemos mostra-se marcada pela confusão de conceitos,
percebida, inclusive, no âmbito dos estudos organizacionais. Pode-se observar, por
exemplo, como diferentes terminologias têm sido utilizadas para descrever contextos
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
30
semelhantes, como: autonomia dos trabalhadores, flexibilidade, estrutura horizontais
etc., ainda que estes pareçam ter diferentes sentidos e significados.
Portanto, o relativismo, onde tudo pode e tudo é bem-vindo, é traço marcante,
com a conseqüente perda ou abandono de referenciais teóricos que possibilitem o
aprofundamento da reflexão sobre os problemas.
O trabalho de Parker (1992), por exemplo, aponta para uma questão
essencial, habitualmente escamoteada, ao refletir quanto ao equívoco comum de
apontar uma ruptura ou mudança, quando ainda não há efetivamente um quadro ou
perspectiva nova, levando minimamente a panacéias e descrenças.
Já Hassard & Parker (1993) consideram o problema do entendimento, no
âmbito dos estudos organizacionais, como algo crucial, apontando as influências da
epistemologia pós-moderna ao evidenciar que o todo social é constituído por nossas
linguagens compartilhadas e só podemos conhecê-lo através de formas particulares
de discursos que nossa linguagem cria, mas necessitam de aceitação por parte dos
estudiosos da área.
Esta afirmação não é tão fácil e simples, como aponta Burrell (1988), em face
das dificuldades, resistências e divergências presentes no campo dos estudos
organizacionais, no sentido de haver um entendimento acerca de como estabelecer
pontos de concordância quanto ao caminho a ser seguido.
Clegg (1990), por sua vez, afirma que em um mundo pós-moderno as
organizações modernas, ou seja, as organizações “burocráticas” e tayloristas
perderam espaço para as organizações pós-modernas. Nessas organizações, os
trabalhadores seriam acompanhados de forma menos autoritária, menos explícita,
formando grupos e equipes que se autocontrolariam e o trabalho exigiria múltiplas
habilidades dos funcionários. Entretanto, os fatos ainda não apontam tal
característica como um traço definidor das novas organizações.
Considera-se
que
para
essas
“novas”
organizações,
a
estrutura
organizacional seria mais orgânica e flexível, tirando proveito da tecnologia, o que é
muito pouco para distinção enquanto “novas” organizações, ou melhor, o padrão
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
31
organizacional predominante continua o mesmo, o qual flexibiliza e adapta-se aos
novos contextos. Portanto, não há uma efetiva transformação, mas adaptações aos
novos tempos e exigências visando a própria sobrevivência, sem mudanças
significativas.
Cooper (1989); Cooper & Burrell (1988) efetuam críticas voláteis da
orientação sistêmica presente nos estudos organizacionais modernos, numa
tentativa de engendrar convicções que interessam à dita ciência organizacional,
enquanto
campo
de
conhecimento
gerador
de
práticas
organizacionais
homogeneizadas, ou seja, as premissas teóricas não são colocadas em questão ou
sua discussão não é aprofundada.
Há
uma
organizacionais?
trajetória
Quais
que
os
aponte
caminhos
novas
percorridos
perspectivas
até
então?
nos
estudos
Que
novas
contribuições têm sido propostas? Quais foram as bases predominantes nos estudos
organizacionais?
Quais
os
reflexos
da
modernidade
sobre
os
estudos
organizacionais? E quanto à pós-modernidade? Que proposições podem ser feitas
enquanto contribuição teórica?
Para dar conta de tais questões, o próximo tópico apresenta as influências do
desenvolvimento dos estudos organizacionais e os caminhos que permitem apontar
contribuições advindas de outros campos do conhecimento humano, em particular
da Filosofia envolvendo a Estética.
1.2. A MODERNIDADE E O PARADIGMA CLÁSSICO DO FAZER
CIÊNCIA
Segundo Kuhn (1992) denomina-se de paradigmas “as realizações científicas
universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e
soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência”.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
32
Capra (1983) atribui a René Descartes (1596-1650) a base filosófica que, ao
lado dos trabalhos de Galileu Galilei (1564-1642) e de Isaac Newton (1643-1727),
veio a se constituir no paradigma que dominou o meio científico por
aproximadamente três séculos.
Para Descartes, a “natureza derivava de uma divisão fundamental em dois
reinos separados e independentes: o da mente ‘res cogitans’ e o da matéria ‘res
extensa’” (DESCARTES, 1981, p. 25).
Santos (1991, p. 31) aponta que:
Descartes havia separado a realidade em dois segmentos: de um lado o
espiritual, metafísico; de outro lado, o material mensurável. A isso
correspondia o dualismo do pensamento (relacionado com as verdades
metafísicas) e a extensão (área da realidade a ser atingida pela ciência
experimental).
Da possibilidade desta divisão, resulta a essência da objetividade científica. E
nesse particular, Bombassaro (1992, p. 80-1) chama a atenção para um segundo
aspecto da obra de Descartes:
com o rompimento da tradição como fonte do conhecimento, esta “passa a
ser vista como uma fonte de enganos, assim como eram os sentidos", e
conclui que "a certeza e a evidência devem ser buscadas na razão, que se
contrapõe à história".
Todavia, uma das contribuições mais relevantes de Descartes para a forma
de pensar hegemônica na Modernidade, foi a obra publicada em 1637, o Discurso
do Método, na qual enumera os seus preceitos.
Antes de enumerar os seus preceitos Descartes (1981, p. 4) esclarece:
o meu propósito não é ensinar aqui o método que se deve seguir para
conduzir bem a razão, mas apenas mostrar de que maneira me esforcei
para conduzir a minha.
O que, por um lado explica o tratamento na primeira pessoa utilizado na obra
e por outro, chama a atenção para um equívoco histórico: a responsabilidade, com
os prós e contras decorrentes, pela generalização do seu procedimento como se
uma metodologia fosse, não deve ser atribuída ao autor.
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O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
33
Descartes aponta então seus preceitos enunciando-os:
O primeiro preceito era o de jamais aceitar alguma coisa como verdadeira
que não soubesse ser evidentemente como tal, isto é, de evitar
cuidadosamente a precipitação e a prevenção e de nada incluir em meus
juízos que não se apresentasse tão clara e tão distintamente a meu espírito
que eu não tivesse nenhuma chance de colocar em dúvida.
O segundo, o de dividir cada uma das dificuldades que eu examinasse em
tantas partes quantas possíveis e quantas necessárias fossem para melhor
resolvê-las.
O terceiro, o de conduzir por ordem meus pensamentos, a começar pelos
objetos mais simples e mais fáceis de serem conhecidos, para galgar,
pouco a pouco, como que por degraus, até o conhecimento dos mais
complexos e, inclusive pressupondo uma ordem entre os que não se
precedem naturalmente uns aos outros.
E o último, o preceito de fazer toda sorte de enumerações tão completas e
revisões tão gerais que eu tivesse a certeza de nada ter omitido.
(DESCARTES, 1981, p.44-5).
Francis Bacon (1561-1626) e David Hume (1711-1776) têm a sua contribuição
associada à tese de que nenhum agir ou pensar ocorre no vácuo, justifica-se antes,
pela sua utilidade imediatista (BOMBASSARO, 1992), origem da ênfase nos
aspectos funcionalistas também predominantes na Modernidade.
Bombassaro (Op. cit., p. 47) citando Diderot (1713-1784), afirma que como
“era impossível escrever a história daquilo que os homens sabiam, ele (F. Bacon)
traçou um mapa do que eles deveriam aprender”. Assim, R. Descartes, D. Hume e F.
Bacon assinaram as primeiras páginas da Modernidade.
A objetividade científica, o método, a crítica, o experimentalismo e o
imediatismo utilitarista são, pois, características que possuem suas origens
localizadas nos autores acima, não sendo, portanto, naturais, e que, na opinião de
muitos autores, ainda caracterizam tanto o modo de pensar ocidental quanto são
responsáveis pelas mazelas deste final de milênio.
Capra (1993, p. 25), por exemplo, é de opinião que:
posteriormente, cada indivíduo foi dividido num grande número de
compartimentos isolados de acordo com as atividades que exerce, seu
talento, seus sentimentos, suas crenças etc., todos estes engajados em
conflitos intermináveis, geradores de constante confusão metafísica e
frustração.
Raimundo Santos Leal
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34
Isaac Newton, tendo como ponto de partida os fundamentos filosóficos
mencionados acima, vem a constituir a base da física clássica, alicerce do que veio
a ser denominado de Modelo Mecanicista da natureza, estrutura articulada de
princípios e leis que fornecia a explicação para os fenômenos até então conhecidos
(BOMBASSARO,Op. cit).
Decorre
do
modelo
Cartesiano-Newtoniano
uma
visão
de
mundo
acentuadamente determinista onde, além de explicáveis, os fenômenos são
previsíveis posto que regulados por leis imutáveis que, na essência, encontram-se
definidas por Deus.
A utilização, bem sucedida, do Modelo Clássico levou à crença da sua
universalidade e da sua subseqüente extensão não só às demais áreas das ciências
da natureza (química, biologia etc.), como também à sua gradual e progressiva
aplicação no campo das ciências sociais, sendo acentuadas as influências
observadas no desenvolvimento das Teorias Econômicas.
Apreciar os elementos emergentes do pensamento pós-moderno permite
isolar presunções fundamentais que estão a nortear os estudos organizacionais,
presunções essas decorrentes do arcabouço modernista, afetando as formas
principais de pesquisa, compromissos teóricos e práticas dentro do ambiente
organizacional.
Tais convicções modernistas têm efeito, seja na sala de aula, seja no local de
pesquisa, em formas de publicação, nos conteúdos teóricos, assim como nas
orientações levadas por consultores e especialistas para as organizações onde
atuam.
Embora haja muito para ser dito sobre ciência em molde modernista, será
considerado aqui dois elementos fundamentais caracterizadores da modernidade: a
racionalidade individual e o empirismo sistemático.
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O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
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1.2.1. Racionalidade Individual
Como na maioria dos estudos, o pensamento modernista no século passado
tem raízes importantes no Iluminismo, um período quando os trabalhos de filósofos
como Descartes, Locke e, posteriormente, Kant estavam dando voz sofisticada a
concepções centradas no indivíduo.
Embora a história aponte muitos desvios significantes (por exemplo, o
romantismo do século XIX), pressupostos iluministas continuaram no século
seguinte a proporcionar muitos avanços científicos e tecnológicos, assim como o
crescimento da indústria e, infelizmente, a prevalência da guerra. Curiosamente,
com o advento da industrialização e da guerra, há uma dependência, cada vez
maior, da sociedade em relação à ciência e à tecnologia.
O Iluminismo valorizou e considerou a racionalidade individual, questionando
todas as formas de totalitarismo - real e religioso. Essa valorização da mente
individual veio servir como dispositivo racionalizante principal, para o começo do
Século XX, período inicial da ciência organizacional, especialmente sua aplicação,
no âmbito das organizações produtivas.
Tradicionalmente à idéia de racionalidade está associado o conhecimento
objetivo da realidade. Para tanto, é necessário reduzir o espaço para interferências
oriundas de paixões, crenças e demais expressões de subjetividade.
Isto permite uma progressiva identificação entre racionalidade e verdade,
objetividade e necessidade, não sendo considerado racional aquilo que é
meramente subjetivo e contingente. (CHAUÍ, 1999)
De acordo com esta perspectiva, a racionalidade consistiria na singular
capacidade da mente humana em buscar a verdade. Isto seria possível através da
adoção de uma forma de pensar capaz de estabelecer uma relação de necessidade
entre os pontos de partida e os pontos de chegada. Assim, duas pessoas diferentes
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
36
poderiam chegar aos mesmos resultados apesar da diferença entre suas vivências e
experiências pessoais (NUDLER, 1996).
Entretanto, tal perspectiva representa apenas uma possibilidade de
racionalidade, exacerbada na modernidade é verdade, mas que uma análise
histórica permite descortinar um quadro bem mais amplo sobre os limites e
possibilidades de um pensamento racional.
Ao considerar o racionalismo, tem-se como ponto de partida um problema
vigente e recorrente no âmbito do pensamento ocidental, um viés que tem, de certa
forma, guiado as mais diversas concepções, seja de senso comum, científico,
filosófico etc.: a questão das dicotomias.
Aprende-se no Ocidente a ver as coisas sempre a partir de uma base
dicotômica, na qual os pares em jogo se excluem: sociedade em oposição a
indivíduo, estrutura em oposição a sujeito, e assim sucessivamente. Esta
perspectiva dicotômica pode ser presenciada nas próprias ciências sociais.
Durkheim, por exemplo, privilegia a sociedade em detrimento do indivíduo, enquanto
Weber vai pelo caminho inverso.
No máximo consegue-se chegar a um terceiro termo: tese-antítese-síntese
que não deixa de ter uma base fundamentada na dualidade. Esta forma de perceber
o real exclui, em última análise, o diálogo entre as partes, acabando por privilegiar
uma dimensão em detrimento da outra.
A palavra racionalismo é utilizada para distinguir-se do empirismo britânico,
pois defende que o homem nasce com verdades inatas ou "a priori". Para os
racionalistas todo conhecimento procede por dedução, ao contrário dos empiristas
que tudo concluem por indução.
Para considerar historicamente o racionalismo tem-se como ponto de partida
o pensamento filosófico da antiguidade clássica. Nesta época, reverenciada pelos
historiadores como o alvorecer de toda a tradição que fundamenta a cultura
ocidental, encontra-se uma clara preocupação com a explicação racional dos
eventos da natureza e da sociedade. É quando o pensamento mítico vai
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
37
paulatinamente cedendo espaço para as explicações racionais. É o momento da
afirmação do logos sobre o mythos, da razão sobre a crença, da objetividade sobre a
subjetividade, da episteme sobre a doxa3.
Pode-se de fato dizer que a razão se resume em dois traços relacionados, um
ao outro: um negativo, o outro positivo. Negativamente é a rejeição de toda
autoridade, em particular de toda autoridade exterior ao julgamento de cada um
(preconceitos, tradições, crenças a priori, julgamento do mestre, texto sagrado etc.).
Positivamente, é uma capacidade de universalização, uma conduta, uma crença, um
discurso são geralmente qualificados de racionais se são universalizáveis, isto é, se
dependem, cada um deles, apenas de sua faculdade discursiva, ou seja, de um
discurso por direito enunciável e aprovável por todos (WOLFF, 1999).
Como se percebe, o pensamento filosófico do ocidente parece valorizar a
unidade em detrimento da multiplicidade. Esta tendência tem origem na busca pelo
ser, pela essência das coisas. Nesse sentido, “o ser é aquilo que é uno e é uno
aquilo que não muda, aquilo que necessariamente permanece, e que sempre
permaneceu, idêntico a si mesmo” (GRÁCIO, 1998, p.17).
Conhecida é a polêmica entre Heráclito e Parmênides, que representa
justamente a busca pelo ser. Afirma Heráclito que uma coisa é e não é ao mesmo
tempo, posto que em permanente devir: “tudo flui”. Mas Parmênides, preocupado em
identificar elementos que permitam a caracterização do ser, acaba por afirmar que
uma coisa não pode “ser” e “não ser” ao mesmo tempo. Uma coisa é ou não é, daí a
origem de um dos princípios lógicos fundamentais - o princípio da identidade
(CHAUÍ, 2002).
Há uma busca incessante pela superação do contingente em busca do
necessário, universalmente generalizável. Essa busca bem pode ser percebida
também na perspectiva platônica atribuindo menor valor a toda forma de raciocínio
3
O logos significa a razão enquanto primeira substância ou causa do mundo, sendo tal doutrina
defendida por Heráclito, concebendo-a como a própria lei cósmica: “todas as leis humanas
alimentam-se de uma só lei divina: porque esta domina tudo o que quer e basta para tudo e prevalece
a tudo” (CHAUÍ, 2002). Quanto a doxa (opinião) abre espaço para a epsiteme (conhecimento
embasado em pressupostos teóricos).
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O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
38
que não conduza à essência do ser. Desse modo, “todos os discursos que se
alimentem da divergência de pontos de vista ou que vinquem a diferença de
perspectivas só poderão roçar a charlatanice ou demonstrar errância” (GRÁCIO, Op.
cit., p. 22).
Já no Renascimento destaca-se como racionalista, Descartes (1981) que
sustentava que existiam dois tipos de substâncias: a corpórea e a espiritual e esses
dois tipos podem se unir. Deus seria o liame entre o espírito e o corpo.
Descartes (Op. cit.) tomando seu cogito ergo sum4 como ponto de partida,
divide o homem em corpo e mente, determinando esta última como o lugar onde
reside a essência da natureza humana, instituindo o método analítico, método
através do qual os objetos do conhecimento são decompostos, gerando uma
fragmentação.
Esse homem cartesiano dicotomizado, como observa Capra (1996), tem um
profundo efeito sobre o pensamento ocidental, na medida em que passa a ver-se
como egos isolados, privilegiando o trabalho mental em detrimento do manual.
Assim, a base fundamental do pensamento cartesiano está centrada na
dicotomização da res cogitans e da res extensa como dimensões distintas,
separadas e independentes.
Já para Espinosa (1632-1677) que ao contrário de Descartes, era monista,
para ele só há um tipo de substância, que é a substância Divina, possuidora de uma
pluralidade de atributos: o pensamento e a extensão.
Para Leibniz (1646-1716) para quem existe um número infinito de
substâncias, cada substância é uma mônada. Todas as mônadas5 são imateriais e o
conjunto delas forma um conjunto harmonioso que é Deus. Sendo que a origem do
4
O que exprime a auto-evidência existencial do sujeito pensante, ou seja, a certeza que o sujeito
pensante tem da sua existência enquanto tal. (DESCARTES, 1981).
5
Designa uma unidade real inextensa, logo espiritual. Para Leibniz (2000) o termo designava a
substância espiritual enquanto componente simples do universo, ou seja, a Mônada é um átomo
espiritual, uma substância desprovida de partes e de extensão, portanto indiviisível, só Deus pode
cria-la ou anula-la. Cada uma é diferente das outras, pois não existem na natureza dois seres
perfeitamente iguais.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
39
conhecimento está na razão (a norma da verdade) e quem coordena o
conhecimento é o sujeito.
Apesar de certa dificuldade conceitual, para a Historiografia é possível
identificar a caracterização da modernidade com o Renascimento. Durante os
séculos XV e XVI, influenciada por ideologias libertárias e criatividade individual no
resgate da cultura greco-romana, os novos tempos representavam o prenúncio de
uma forma inédita de conceber o mundo.
É nesse período que estão compreendidos acontecimentos substancialmente
significativos como o são a Ilustração e as revoluções burguesas. E todos estes
acontecimentos são galhos de uma mesma árvore sustentada por uma mesma raiz.
Mas, em verdade, o projeto da modernidade bem pode ser compreendido como um
amplo processo em que a racionalidade encontra um campo fértil para o seu
desenvolvimento.
A Razão moderna representa um doloroso momento de ruptura com o
passado teológico e quando afirma a si própria como porta voz dos “novos tempos”
funda também os limites dos “velhos tempos”. Neste âmbito, a nova racionalidade
representa a “orfandade” do homem diante da perda dos deuses enquanto oráculos
teológicos para as respostas sobre o início e o fim da vida (CASULLO, 1996, p. 25).
O espetáculo da modernidade erige a Razão ao centro do universo. Onde a
realidade será idealizada a partir dos indicadores da razão reinante e a busca da
verdade absoluta torna-se a mais clara tradução do que seja a racionalidade
moderna.
A modernidade provoca um superdimensionamento da lógica formal de fundo
analítico em detrimento da racionalidade argumentativa. Em certa medida deve-se
esta concepção a Descartes para quem a idéia de verossimilhança não se
compadece com os propósitos da ciência.
O pensamento da modernidade caracterizou-se pela predominância da busca
da verdade, sem espaço para o meramente contingente: “a racionalidade trabalhava
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
40
no sentido de eliminar o acaso na natureza, a contingência na história e a fortuna na
ética e na política” (CHAUÍ, 1999b, p. 22).
Este movimento consiste em uma racionalização da experiência, sendo o
marco do estabelecimento das dicotomias sujeito-objeto, consciência-coisa,
verdade-aparência,
natureza-homem,
razão-experiência,
enfim,
necessidade-
liberdade.
Na percepção de Santos (1994), a tensão representada pelo advento da
modernidade permite admitir que o seu projeto está assentado em dois pilares: de
um lado o pilar da regulação; de outro, o pilar da emancipação.
O pilar da regulação é representado pelos princípios do Estado (Hobbes),
mercado (Locke) e comunidade (Rousseau). Na outra ponta, o pilar da emancipação
repousa sobre três esferas distintas de racionalidade: esfera científica (racionalidade
cognitivo-instrumental da ciência e da técnica), esfera da moralidade (racionalidade
moral-prática da ética e do direito) e esfera artística (racionalidade estéticoexpressiva da arte e da literatura) (SANTOS, 1997; HABERMAS, 1987).
Na interpretação de Habermas (1996) a emancipação pretendida pela
modernidade consiste em organizar o cotidiano social de modo racional. Isto
permitiria não apenas o controle das forças naturais, mas também a compreensão
do mundo e do indivíduo e, por conseqüência, o progresso moral, a justiça
institucional e a felicidade humana.
A outra influência presente e concomitante ao racionalismo individual é o
empirismo sistemático, seu desenvolvimento se faz em período de semelhante e
ainda que visto, entre si, como divergente na concepção do que é o fazer ciência,
será posteriormente objeto de aproximação. O empirismo sistemático é o objeto de
análise no próximo tópico.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
41
1.2.2. Empirismo Sistemático
Além da celebração de racionalidade, um segundo legado de discurso
iluminista que prevalece nos estudos organizacionais é uma forte ênfase no poder
de observação individual.
Esta ênfase na experiência concreta é importante na filosofia empirista
durante séculos e aparece vigorosamente no século passado (Século XX) presente
no positivismo lógico. Para empiristas lógicos, só essas proposições podem unir
ambigüidade à observação enquanto candidata para consideração científica. Assim,
só a prova cuidadosa de proposições científicas é que pode conduzir a incrementos
em conhecimento.
O empirismo afirma ser da experiência sensível que obtemos todos os nossos
conhecimentos, constituídos e controlados pelas experimentações sucessivas. Tem
por princípio fundamental a tese enunciada por John Locke (1999) de que todas
nossas idéias vêm da experiência, da percepção sensível e da introspecção. Ou
seja, é somente através dos sentidos que passamos a perceber, a apreender um
objeto, a conhecê-lo. A sensação que temos do objeto já é percepção e apenas por
abstração é que isolamos a sensação para estudá-la.
Em geral, essa corrente filosófica caracteriza-se pela negação do caráter
absoluto da verdade, ao menos, da verdade acessível ao homem, ao mesmo tempo
em que reconhece a necessidade de toda e qualquer verdade pode e deve ser posta
à prova, logo eventualmene modificada, corrigida ou abandonada.
Fundamentalmente o que os empiristas rejeitam no raciocínio é o inatismo6. O
empirismo não se opõe à razão ou não a nega, a não ser quando a razão pretende
estabelecer verdades necessárias, que valham em absoluto, de tal forma que seria
inútil ou contraditório submetê-las a controle.
O empirismo tem como premissas a negação de qualquer conhecimento ou
6
Doutrina segundo a qual o homem seria dotado de idéias inatas e, portanto, anteriores a qualquer
dado dos sentidos.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
42
princípio inato, que deva ser necessariamente reconhecido como válido, sem
quarquer atestação ou verificação e, ainda, a negação do supra-sensível7, entendido
como qualquer realidade não passível de verificação e controle de qualquer tipo.
Além disso, enfatiza a importância da realidade atual ou imediatamente
presente aos órgãos de verificação e comprovação, ou seja, no fato, sendo essa
enfâse fruto do recurso a evidência sensível. Bem como reconhece o caráter
limitado, parcial ou imperfeito dos instrumentos que o homem dispõe para verificar e
comprovar a verdade, além da aplicação e do uso desses instrumentos em todos os
campos de pesquisa acessíveis ao homem e só neles.
A preocupação com a matemática influenciou os filósofos racionalistas e
também os empiristas. Porém, enquanto os racionalistas acreditavam chegar a
certezas absolutas, os empiristas nunca afirmarão esta certeza argumentando que
pelo fato do conhecimento vir da experiência, não pode-se chegar a certezas
absolutas. Para os empiristas, o raciocínio procede sempre por indução CHAUÍ
(1999b; 2002).
Francis Bacon (1561-1626), considerado o primeiro empirista, insistiu na
experiência da ciência e na necessidade da indução. Thomas Hobbes (1588-1679)
também insiste em que o conhecimento se origina pelo sensível, mas não despreza
o método matemático (dedução).
Se para Descartes a razão é substância pensante, para Hobbes a razão é
pura atividade, é razão operativa, é ato de raciocinar. Ou seja, é cálculo, adição de
juízo a utilizar sinais convencionais: as palavras.
John Locke (1632-1704) se deu ao trabalho de criticar veementemente a
teoria das idéias inatas. Ele afirma que o conhecimento nasce da experiência, mas
as idéias não estão todas ligadas às experiências sensíveis. Isto é, apenas as idéias
simples estão imediatamente ligadas às experiências sensíveis, pois somente assim
teremos condições de construir idéias mais complexas (substância material). O
7
Aquilo que diz respeito à faculdade especulativa da razão, mas de que nenhum conhecimento é
possível, portanto o supra-sensível é o domínio das idéias da Razão Pura, com tudo o que elas
implicam para a vida moral do homem. (KANT, 2002)
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
43
substrato material não é ele próprio perceptível.
Para George Berkeley (1685-1753) a substância material de que fala Locke é
incognoscível, pois não podemos ter desta uma percepção imediata. Berkeley (2000)
afirma ainda, que o que é incognoscível pela percepção não existe. O que podemos
ter garantia é apenas da nossa percepção, pois as coisas que percebo, digo apenas
que percebo.
Berkeley (Op. cit.) completa o seu pensamento afirmando que nunca se
percebe a pluralidade das coisas, mas apenas a coisa em si. O que nós temos são
fenômenos. O que nós captamos é o modo de como a coisa nos aparece, mas não a
coisa em si. Ele nega a substância material, porém diz que podemos ter substância
espiritual, pois estas são de outra ordem de conhecimento que não nos é
perceptível.
Já David Hume (1711-1776) afirma que tudo o que nós conhecemos depende
das impressões que estas coisas causam em nós. Então, não existe nem substância
material nem substância espiritual, pois elas não nos causam quaisquer impressões.
O que podemos afirmar são fatos que mostram a percepção de uma associação.
Não temos impressão direta da causalidade. Não podemos exrapolar os fatos em si
e usar a idéia de causalidade para afirmar impressões.
O século XVII teve, na Matemática, os fundamentos para os primeiros passos
no sentido de uma investigação e observação do mundo mais rigorosa e precisa.
Tem-se início a observação da premissa: toda causa tem um efeito diretamente
relacionado, formulada por Galileu Galilei; o desenvolvimento da ciência newtoniana
e sua contribuição fundamental na descrição do sistema solar e do movimento dos
planetas e por fim, as contribuições de Bacon.
Já no século XVIII, têm-se as contribuições dos filósofos iluministas e a
Revolução Francesa (1789), influenciando o pensamento de Augusto Comte (17981857), em especial suas implicações na unificação das culturas científica e
humanística - em um novo humanismo - e suas teorizações sobre o progresso e a
ordem social. (JAPIASSU, 1979; STENGERS, 1989).
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
44
Percebe-se que o conhecimento e o processo científico efetua uma
aproximação racional em direção a uma “verdade”, tida como insofismável. Desse
modo, a compreensão da ciência e o processo científico adotam como padrão uma
visão mecanicista do mundo e das coisas do universo, centrada numa perspectiva
de ordem e regularidade presente nos fenômenos estudados.
É esse modelo científico que prevalece no século XX fundado na tradição do
empirismo e do positivismo lógico, sendo inevitáveis os seus reflexos sobre a Teoria
do Conhecimento, enviesando respostas as questões basilares acerca da origem do
conhecimento, das possibilidades do conhecer, do conhecimento e a busca da
verdade.
Dentro das ciências do comportamento, a ênfase nessa crença tornou a
perspectiva racionalizante um elemento central na pesquisa, como já ocorria com as
ciências básicas, a exemplo da Química e Física – e, desse modo, estimulou um
enorme interesse em metodologia de pesquisa de natureza quantitativa, com
destaque para a Estatística.
Dentro dessa seara, os estudos organizacionais arraigaram-se, inicialmente.
A presunção é que há uma realidade organizacional concreta, um mundo objetivo,
capaz de estudo empírico, tipo: podemos descrever uma organização como uma
coisa viva, composta de um ambiente social concreto, uma estrutura formal, metas
reconhecidas e uma variedade de necessidades.
Este caráter concreto da organização também é evidente na contribuição de
Talcott Parsons. Parsons (1960) definiu uma organização como um “sistema social"
normalmente orientado à obtenção de diferentes tipos de metas que contribuem
para uma função principal de um sistema mais inclusivo – a própria sociedade.
Fica evidente, e não poderia ser diferente, a presença e influência do
racionalismo individual e do empirismo sistemático, no modo tradicional de fazer
ciência, e, por consequência, de modo similar, nos estudos organizacionais.
Independentemente dos aspectos limitadores que possam ser apontados, cabe
considerar que tais fundamentos possibilitaram o desenvolvimento e construção de
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
45
um modo de gerir as organizações que não seria possível sem o método racional e
empírico e é sobre tal influência que o próximo tópico será desenvolvido.
Vale dizer que é a razão, em combinação com a observação, que permite a
opinião do indivíduo contar com o reforço do mensurável, e é a articulação desses
dois elementos com o âmbito dos estudos clássicos da administração, o que será
desenvolvido no próximo tópico.
1.3. A MODERNIDADE E OS CLÁSSICOS DA ADMINISTRAÇÃO
A
Revolução
Industrial,
alterando
a
matriz
energética,
promovendo
transformações na essência da matéria (insumos), definindo novas formas de
produção
e
organização
do
trabalho,
exigiu
que
fossem
desenvolvidos
procedimentos administrativos compatíveis com o novo ordenamento.
Embora Smith (2000), já em 1776, tivesse chamado a atenção para o
relacionamento divisão do trabalho-especialização-produtividade (eficiência), foi
somente no início do século XX que surgiu a primeira “escola administrativa” voltada
para o aumento da eficiência.
A sistematização das práticas administrativas tem origem, pois, com a
preocupação sobre o nível de desperdício (ineficiência) verificado no sistema
produtivo, no eixo central de todo o desenvolvimento subseqüente.
Os trabalhos de Taylor (1987), Henry Fayol (1990), Henry Ford e Weber
(1944; 1977; 1991; 2001) constituem os alicerces sobre os quais se apóiam os
modelos gerenciais das organizações do século XX. A influência que essas obras
ainda hoje exercem na estrutura e no funcionamento das organizações demonstra a
seminalidade e a força das idéias nelas contidas.
Uma análise mais acurada, inclusive, identifica a linha mestra do Taylorismo e
do Modelo Burocrático Weberiano delineando a malha e os relacionamentos
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
46
institucionais da moderna sociedade ocidental. Se os princípios e as técnicas
propostas por Taylor não foram de todo inusitadas, guardam o indiscutível mérito de
se constituirem no primeiro corpo teórico que veio em resposta aos problemas de
gestão pós-Revolução Industrial.
Os trabalhos de Fayol, Ford e Weber, ainda que dotados de conteúdo próprio,
vieram a complementar o de Taylor, contribuindo para alavancar a utilização dos
recursos, aumentando, exponencialmente, a eficiência das organizações.
A preocupação de Taylor (1987, p. 31) com os níveis de eficiência e em
“assegurar o máximo de prosperidade ao empregador e, ao mesmo tempo, o
máximo de prosperidade ao empregado" levou-o a elaborar os seus Princípios
Fundamentais da Administração Científica que evidenciam a forma de pensar
dominante na época.
Taylor (Op. cit., p.107) assim enumerou os seus Princípios:
substituição do critério individual do operário por uma ciência; seleção e
aperfeiçoamento científico do trabalhador, que é estudado, instruído,
treinado e, pode-se dizer, experimentado, em vez de escolher ele os
processos e aperfeiçoar-se por acaso; cooperação íntima da administração
com os trabalhadores, de modo que façam juntos o trabalho, de acordo com
leis científicas desenvolvidas, em lugar de deixar a solução de cada
problema, individualmente, a critério do operário.
Seguindo outra abordagem, Fayol (1990, p. 43-44) percebeu a organização
do ponto de vista da sua funcionalidade orgânica enunciando os seus Princípios
Gerais de Administração:
a divisão do trabalho; a autoridade e a responsabilidade; a disciplina; a
unidade de comando; a unidade de direção; a subordinação do interesse
particular ao interesse geral; a remuneração do pessoal; a centralização; a
hierarquia; a ordem; a eqüidade; a estabilidade do pessoal; a iniciativa; e, a
união do pessoal.
Igualmente relevantes são os Elementos de Administração identificados por
Fayol: previsão, organização, comando, coordenação, e controle.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
47
Traduzida por Talcott Parsons, a obra de Max Weber foi, em parte, apropriada
à Administração notadamente no que se refere às relações de poder e autoridade
mediadas pela burocracia. Entretanto é Etzioni (1983) quem irá destacar a
contribuição precursora de Weber para o estruturalismo nas organizações.
A burocracia weberiana (Weber, 1991) pode ser sintetizada pelas seguintes
características:
1) sistemática divisão do trabalho;
2) estrutura de cargos estabelecida segundo o princípio hierárquico;
3) normas e técnicas para o desempenho de cada cargo - trabalho
prescritivo;
4) seleção, ingresso e progressão na organização com base nos méritos
(meritocracia) do trabalhador e não em preferências pessoais –
profissionalização;
5) organização
baseada
na
separação
entre
a
propriedade
e
a
administração;
6) completa previsibilidade de funcionamento.
Por fim, os trabalhos de Taylor, Fayol, Ford e Weber resultaram na
consolidação do que veio a ser denominado por Organização Científica do Trabalho
(OCT), cuja síntese pode ser expressa em:
•
a divisão social do trabalho, isto é, há na organização aqueles que
planejam, concebem, integram e desintegram o processo de trabalho
e, os que tão somente executam o que os primeiros definiram;
•
a divisão técnica das atividades, isto é, ênfase no uso da
especialização como instrumento para atingir níveis crescentes de
eficiência;
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
48
•
a
sequencialização
articulada
dos
processos
coordenados
e
controlados por uma estrutura (de poder) hierárquica.
O confronto entre as idéias (princípios) daqueles que estabeleceram os
fundamentos do Modelo Clássico (R. Descartes, I. Newton, F. Bacon, entre outros) e
as idéias daqueles que estabeleceram as bases da OCT (Taylor, Fayol, Weber e
Ford, entre outros) evidencia que as diferenças, quando existem, situam-se mais no
plano da forma do que da essência; tanto nos Princípios de Taylor e Fayol, quanto
na estrutura Weberiana, identifica-se elementos que direta e explicitamente estão
relacionados com o Modelo Clássico.
O ponto que se pretende destacar é que o pensamento administrativo
clássico é uma extensão natural da rationale científica que teve início e foi
hegemônica durante toda a Modernidade.
Motta (1995, p. 21, 53) expressa bem isso, ao afirmar:
a visão ordenada do mundo organizacional, implícita na própria idéia de
organização, induzia a se pensar a realidade administrativa como racional,
controlável e passível de ser uniformizada;
o ideal racional presume que a decisão é provocada unicamente pela
detecção de um problema e que o processo decisório se constituirá de um
fluxo de produção e análise de informações que, criteriosamente coletadas
e analisadas, resultarão em identificação e opção de alternativas para o
alcance eficiente dos objetivos organizacionais.
Ao encontro deste argumento, cabe mencionar que Burrel e Morgan (1979),
Séguin e Chanlat (1992) e Aktouf (1996), ao apresentarem as Escolas
Administrativas em perspectiva sociológica registram que as diferenças, se existem,
são de grau, não de substância, pois todas podem ser enquadradas num mesmo
paradigma, o funcionalista.
Aktouf (Op. Cit.) é de opinião que, após Fayol, em 1916, não encontramos
nada melhor que o famoso PODC - planejamento, organização, direção e controle para resumir as coordenadas do trabalho do dirigente.
Contudo, é importante destacar que os trabalhos de cada um dos autores
citados, entre outros, resultaram em sucessivos acréscimos na amplitude do
conteúdo e da forma como a atividade administrativa deveria ser conduzida. A cada
Raimundo Santos Leal
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49
novo desafio os gerentes identificavam as soluções inovadoras que, posteriormente,
após a sistematização acadêmica, era difundida como a mais nova técnica
(ferramenta) administrativa. Foi assim até a década de 60.
A crise energética ocorrida na década de 70 tem sido citada como o marco de
importantes mudanças que desde então passaram a dominar a sociedade ocidental
neste final de século, colocando em xeque o conhecimento administrativo até então
acumulado.
A crise econômica, sucedendo a crise energética, assinalou o auge e o
declínio relativo das proposições (neo)clássicas das abordagens administrativas.
Inflação, recessão, perda de competitividade, entre outros desajustes emergentes (e
persistentes) em diversas economias ocidentais, contrastando com a emergente
economia japonesa, foram evidências de que as práticas recomendadas pelas
abordagens administrativas possuíam fragilidades, não mais respondendo a
contento às exigências do novo ambiente concorrencial.
No plano científico e tecnológico, a revolução do microchip foi a senha para
incontáveis inovações nas mais diversas áreas, impactando, sobremodo, a gerência
das organizações.
Forrester (1997, p. 26) chama a atenção que “por causa da cibernética, das
tecnologias de ponta, o mundo vive à velocidade do imediato... em espaços sem
interstícios. A ubiqüidade, a simultaneidade aí é lei”.
Em que pese a administração contar com um vasto arsenal de técnicas e
ferramentas voltadas para níveis sempre crescentes de eficiência e eficácia Administração por Objetivos, Pesquisa Operacional, Planejamento Estratégico, entre
outras - , a crise persistente engendrou a busca de novas soluções, em todos os
campos.
Assim é que no plano da economia regional foram identificados os distritos e
redes industriais (Benko & Lipietz, 1994; Pyke, Becattini e Sengenberger, 1990;
entre outros) como respostas alternativas ao tradicional modelo de eficiência calcado
no taylorismo-fordismo.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
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No plano interno da gestão (processo decisório, motivação, criatividade etc.),
dentre outras, destacam-se as iniciativas de Wrapp (1967), Mintzberg (1976, 1987) e
Lapierre (1989).
Percebe-se que ao identificar a racionalidade individual enquanto fonte
principal de conduta humana, vislumbrou-se então que destrancar seus segredos é
ganhar a capacidade de antecipar o futuro da organização.
Ao mesmo tempo é o investigador individual, treinado em pensamento
racional sistemático, que é equipado melhor para levar a cabo tal estudo e desse
modo fazer uso deste adquirindo um diferencial sobre as demais organizações.
Mais explicitamente, estas suposições podem ser percebidas nas concepções
do indivíduo e nas organizações que emergem desde então dos estudos
organizacionais. Para muitos estudiosos, o taylorismo proveu o modelo modernista
de vida organizacional por excelência. Segundo este ponto de vista o trabalhador
individual era percebido como um agente “quase-racional” que responde a várias
ações de modo sistemático.
Embora intitulado de gerador de ambientes de trabalhos desumanizados, o
taylorismo ainda dá guarida a orientações de natureza geral presentes nas
convicções contemporâneas da administração.
Mais
recentemente,
planejamento-programação-orçamento,
ou
melhor,
sistemas (PPBS) e Administração de Qualidade Total (TQM) são demonstrações da
presença e contribuição da racionalidade individual delineando o mundo do trabalho.
Para tanto, o gerente é ajudado pelos consultores para fazer previsões
baseadas na suposição de racionalidade individual. Os gerentes criam previsões de
curto e longo prazo sobre o desempenho organizacional diante da suposição de que
os empregados são seres racionais que atuam apenas centrados na racionalidade e
que, para aperfeiçoar os resultados do trabalho realizado, reagirão positivamente às
várias contribuições, de modo a melhorarem o produto das suas atividades.
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O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
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O trabalho de Simon (1960; 1961;1965) centra-se na racionalidade individual,
ainda que reconhecendo limitações na capacidade humana para processar
informação. Pressupõe a satisfação individual, insinuando que a procura por
alternativas racionais não cessa com uma ótima solução, mas uma solução
satisfatória. Propõe então o desenvolvimento de uma formação para administração e
o uso de programas de treinamento para fornecer aos gerentes competências
administrativas cruciais para melhor desempenho.
Além de proporcionar a visão do trabalhador individual e a função do gerente,
o compromisso com o processo racional amoldou também os contornos de teorias
macro-organizacionais. Esse aspecto é destacado por Cooper e Burrell (1988) que
dão ênfase ao significado da corporação moderna, precisando a idéia de
desempenho, especialmente em seu modo economizante e criando uma realidade
então fora da idéia ordenada de relações sociais, de acordo com o modelo de
racionalidade funcional.
Concepções de sistemas cibernéticos e gerais - como esses patrocinados por
Boulding, Bertalanffy e Weiner - contribuiram diretamente para as perspectivas de
sistemas abertos de teoria organizacional, segundo Shafritz & Ott (1987) que
consideram a orientação de sistemas filosoficamente e metodologicamente
amarrada ao taylorismo.
Finalmente há de ser considerado que a convicção na racionalidade individual
e a importância do papel do cientista organizacional, em particular da percepção
sobre a organização, dificultam a aceitação da limitação de tal tipo de racionalidade,
pois ao apontar que aquela teoria organizacional é o resultado requintado do
pensamento racional, tal presunção concede ao teorista profissional um grau de
superioridade. Esta lógica é ampliada por uma segunda convicção modernista, o
empirismo.
Pugh et ali. (1963) propôs analisar a estrutura organizacional em termos de
seis
variáveis
–
especialização,
padronização,
formalização,
centralização,
configuração e flexibilidade. Estes seriam relacionados de modo causal a tais
variáveis como tamanho da empresa, propriedade, controle, escritura e tecnologia.
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O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
52
Na linha dos paralelos já destacados, pode-se dizer que a administração
passou a experimentar questionamentos típicos das crises que antecedem as
grandes rupturas (Kuhn, 1989, 1996). Segundo alguns autores, a persistência da
crise, é o sinal mais evidente de um momento de transição da Modernidade para a
Pós-Modernidade e que será objeto de análise no tópico que se segue.
No presente tópico buscou-se demonstrar como os autores clássicos da
administração fizeram uso, na construção de suas respectivas contribuições, da área
de administração de um conhecimento sistematizado tendo como método de
referência para sistematização de tais conhecimentos o empirismo sistemático e o
racionalismo individual.
Ainda que tal conclusão possa parecer óbvia e previsível, mostra-se
necessário resgatar tal similaridade para que o âmbito da administração possa
reconhecer e aceitar os limites apontados e já aceitos em outras ciências sociais e
humanas, acerca dos entraves que decorrem quando são considerados somente
como esferas do conhecer, ou seja, a experiência e a razão.
O próximo tópico tem como propósito identificar tais influências, ainda
presentes nos estudos organizacionais, principalmente as que apontam os
desdobramentos recentes para a ampliação das perspectivas de análise do modo
tradicional e do modo moderno de apreender e interpretar o cotidiano das
organizações.
1.4.
VERTENTES
EPISTEMOLÓGICAS
ORGANIZACIONAIS
DOS
ESTUDOS
No campo da teoria organizacional, vive-se atualmente não mais uma fase de
ciência normal – utilizando o termo na acepção kuhniana, mas a aproximação de um
novo período, onde as limitações das premissas de análises anteriores são
reconhecidas como objeto de formulação de novos olhares.
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O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
53
Segundo Reed (1998), desde meados da década de 70 que a supremacia da
ortodoxia funcionalista/positivista vem sofrendo abalos. As certezas ideológicas que
serviram de base aos estudos das organizações vêm sendo questionadas e,
aparentemente já começaram a recuar no debate sobre a natureza dos fenômenos
organizacionais.
Fundamentar-se em pressupostos de que qualidades racionais e éticas são
inerentes à organização moderna é algo cada vez mais contestado por vozes
alternativas que criticam radicalmente a linearidade, a objetividade e a obtenção de
consenso natural das organizações.
A visão reducionista inerente ao funcionalismo explica o todo organizacional
pelo estudo analítico de suas partes e, muitas delas, acabam “esquecidas” ou
diluídas no todo, evidenciando a preponderância da idéia do todo sobre as partes.
Percebe-se que a complexidade presente no âmbito das interações parte-todo não é
devidamente abordada pela Teoria das Organizações.
Serva (1997b, p. 33) duvida da aparente “naturalidade” desse processo de
encobrimento das partes. Segundo ele, em última análise, nas partes residem a
atividade e a ação, sendo a base de reprodução da subjetividade. Assim sendo,
pode-se perguntar qual seria exatamente o papel do todo. Essa questão leva a uma
linha de debate reconhecidamente complexa. Ele ainda completa:
... é necessário refletir sobre quantas vezes a mudança no campo social tem
sido abordada pela desvalorização da ação da parte frente à tirania
simbólica do todo, e perguntar até que ponto a reificação do todo não é o
passo crucial na negação da ação das pessoas enquanto elaboradoras de
sua própria história.
Nesse sentido, a epistemologia dos estudos organizacionais visa contribuir no
processo de resgate de elementos que valorizem, primeiramente, os aspectos
humanos, para então se direcionar para os princípios éticos (ou a falta deles), os
conflitos de poder e as ambiguidades, os quais estão presentes nas organizações
como resultado das diferentes interações entre as partes e não podem ser
minimizados por relações lineares de causalidade.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
54
Em segundo lugar, a epistemologia de tais estudos pode contribuir para a
inserção do sujeito no contexto da construção das realidades como também na
produção científica. Ela incorpora seriamente a subjetividade como uma dimensão
que torna as organizações menos objetiva e simples do que poderiam parecer.
Em terceiro lugar, a complexidade clama pela transgressão dos limites da
abstração universalista que elimina a singularidade, a localidade e a temporalidade
(MORIN, 1998).
Dessa forma, num momento em que “gurus” internacionais e modismos
gerenciais avançam sobre as organizações no Brasil, a teoria da complexidade pode
ser uma importante abordagem para alimentar a reflexão sobre a teoria das
organizações nas escolas de administração brasileiras.
Nesse sentido, Morin (Op. cit.) afirma que a complexidade não tem
metodologia, mas pode ter um método. Assim como o método de Marx era estimular
a percepção dos antagonismos de classe dissimulados sob a aparência de uma
sociedade homogênea e, o de Freud, ver o inconsciente escondido sob o consciente
e o conflito no interior do ego, o método da complexidade tem importantes
características próprias:
pede para pensarmos nos conceitos, sem nunca dá-los por concluídos, para
quebrarmos as esferas fechadas, para estabelecermos as articulações entre
o que foi separado, para tentarmos compreender a multidimensionalidade,
para pensarmos na singularidade com a localidade, com a temporalidade,
para nunca esquecermos as totalidades integradoras.
[...]
a organização não se resume a alguns princípios de ordem, a algumas leis;
a organização precisa de um pensamento complexo extremamente
elaborado. Um pensamento de organização que não inclua a relação
profunda e íntima com o meio ambiente, que não inclua a relação
hologramática entre as partes e o todo, que não inclua o princípio de
recursividade, está condenado à mediocridade, à trivialidade, isto é, ao erro
[...] (MORIN, Op. cit., p. 192)
No entanto, em meio às possibilidades, necessário é chamar a atenção para
duas ordens de sérios limites ao emprego da teoria da complexidade no estudo das
organizações. A primeira delas diz respeito à utilização da complexidade como
metáfora ao entendimento da dinâmica das organizações.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
55
Qualquer aprendiz seja das ciências naturais ou das ciências sociais, sabe
que, quando se comparam sistemas de diferentes ordens de complexidade, as
diferenças existentes são, muitas vezes, mais importantes que as similaridades
encontradas. Isso traz a necessidade de se desenvolverem métodos de estudo
específicos para as organizações formais.
Uma organização não é uma entidade de valor neutro. É um sistema
complexo na qual existem processos de manutenção e configurações de poder que
são qualitativamente distintos de outros sistemas complexos. A transposição de
conceitos deve ser feita com extremo rigor e cuidado, levando em conta as
dificuldades epistemológicas relativas aos contextos próprios de cada ciência, o
sentido e as particularidades presentes quando da criação dos conceitos originários
e a sua viabilidade no campo social.
Essa constatação é necessária para que não se caia na falácia de uma
internalização ingênua do paradigma funcionalista. De fato, pode ser constatado que
na grande maioria da bibliografia que trata da teoria da complexidade no estudo das
organizações
são
utilizados
“conceitos-camaleões”
que
trivializam
irresponsavelmente o novo campo.
A segunda limitação provém da própria natureza do conhecimento científico.
Por mais bem elaborado que possa parecer, ele sempre será insuficiente, precário e
impreciso em face do real. A nova corrente científica, quando puder ser considerada
um paradigma constituído, sê-lo-á sempre no sentido Kuhniano, com todas as
decorrências dessa constatação.
O seu possível emprego na análise organizacional nunca deverá ser
mitificado como panacéia para desvendar todos os mistérios do fenômeno
organizacional. É necessário, também certa parcimônia para que ele também não
seja apropriado como mais uma moda, processo tão comum no campo da teoria
organizacional, especialmente quando levadas em consideração as características
apresentadas pela sociedade pós-moderna.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
56
A teoria da complexidade no campo das ciências sociais e, em especial na
teoria das organizações, ainda que venha utilizar por meio de metáforas, conceitos
importados de outros campos do conhecimento, deve sempre ancorar-se na história,
nos valores e crenças, enfim, nas características subjetivas e humanas dos
verdadeiros construtores da realidade organizacional.
Efetuando um retrospecto, desde a Escola da Administração Científica até às
discussões mais recentes sobre as perspectivas da “Ecologia Organizacional”
constata-se que os impasses no plano micro parecem ter sido minimamente
resolvidos (CLEGG; HARDY; NORDY, 1999). Entretanto, outros permanecem sem
uma resposta mais objetiva diante do que se desenha no macroambiente de uma
sociedade globalizada.
Guillén (1994, p. 37), ao discutir os três grandes paradigmas organizacionais
deste século, procura compor sua análise a partir da definição restrita daquilo que,
para ele, deveriam ser as condições básicas para a sustentação desses paradigmas:
Paradigmas são sistemas de idéias e técnicas interrelacionadas que
oferecem diagnósticos e soluções distintas para um conjunto de problemas.
Um modelo ou paradigma na Teoria Organizacional é um sistema de idéias
e técnicas sobre a gestão dos trabalhdores e a administração de instituições
econômicas e não-econômicas.
[....]
Os paradigmas organizacionais normalmente apresentam uma visão
ideológica das organizações, dos trabalhadores, da gerência e do sistema
de hierarquia nas firmas. Nem todos os paradigmas organizacionais teóricos
com reputação acadêmica apresentaram um impacto nas organizações
modernas.
Para o autor, somente a Escola Científica, a Escola de Relações Humanas e
o Estruturalismo conformariam os momentos paradigmáticos e de inflexão nos
estudos organizacionais incorporando nessa análise as derivações mais imediatas
de cada conjunto de teorizações, em leituras mais ou menos elaboradas e
abrangentes dos fenômenos organizacionais.
Na Escola Científica, a organização é observada como um sistema autônomo,
centrado em sua eficiência interna e capaz de operar satisfatoriamente em limites
bem específicos. Como desdobramento metodológico desses pressupostos, a
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
57
eficiência organizacional é passível de ser assegurada a partir de controles objetivos
sobre o trabalho vivo.
A partir das idéias de Frederick Taylor e, posteriormente, de Frank Gilbreth,
Henry Fayol e Henry Ford, segundo Shafritz & Ott (1991), os problemas de
planejamento e controle da produção resumiram-se em problemas de natureza
técnica, cujos domínios nunca superaram a idéia simplista de assegurar o equilíbrio
organizacional a partir do bom relacionamento entre objetivos pessoais e
organizacionais, bem como da estrutura empresarial e da organização do trabalho.
Dentro desse espírito, o conflito e a divergência natural de interesses
aparecem aos olhos do administrador como anomalias, que devem ser sanadas a
partir de um esforço de coordenação e integração por parte da organização. Ao
administrador e aos psicólogos industriais estava reservada a tarefa de ajustar os
conflitos à ordem dominante, tratando-os de forma eficiente e buscando o
reequilíbrio e uma situação de estabilidade para o sistema como um todo.
Por regra, os recursos econômicos colocaram-se no centro das explicações
para a motivação pessoal destinada ao trabalho industrial, dentro de uma visão
estreita e enganosa, mas que, hoje, curiosamente, ressurge como uma questão
importante – evidentemente, por outros motivos – para um grande número de
trabalhadores potencialmente desestabilizados em uma emergente sociedade do
desemprego. Em sã consciência, não faz sentido debater hoje, seja sob o prisma
sociológico ou psicológico, o problema da atitude ou da predisposição do indivíduo
ao trabalho.
Ao dar ênfase aos aspectos informais das interações entre indivíduos e entre
grupos nos contextos produtivos, a Escola de Relações Humanas complementou os
pressupostos da abordagem que lhe antecedeu, contribuindo, ao final, para o reforço
de uma mesma trajetória. Essa abordagem manteve os problemas no nível da
interação entre os indivíduos e os pequenos grupos, desviando, dessa forma, a
atenção para a necessidade da formação de uma verdadeira transformação
institucional (GUILLÉN, 1994).
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
58
Em linhas gerais, esse movimento contribuiu para preservar a integridade das
formas de organização existentes, devendo ser retratado aqui o peso que essas
primeiras descobertas exerceram nos estudos comportamentais subseqüentes e na
edificação de parte do pensamento da Sociologia Industrial nas décadas de 30 e 40.
Segundo Guillén (1994) a Escola de Relações Humanas e a Escola ClássicaCientífica chegaram a partilhar de um mesmo interesse, no sentido de viabilizar
maior espírito de cooperação, produtividade e de internalização das relações de
autoridade e de poder nesses ambientes.
O autor acredita, ao mesmo tempo, que a Escola de Relações Humanas se
difere da abordagem que a precedeu à medida que incorpora uma preocupação
mais bem definida para com os aspectos da mecanização e racionalização
excessivas nas organizações, focalizando, assim, aspectos pouco ou não
explorados pela perspectiva Taylorista, como o absenteísmo, a monotonia do
trabalho, as relações pessoais, as atitudes e o baixo moral entre a força de trabalho.
Posteriormente, como uma derivação metodológica importante do positivismo
lógico, o funcionalismo impactou fortemente a análise do campo organizacional:
primeiro, com as conhecidas contribuições de Weber (1967), contribuições
fundamentais também na análise da ética protestante da origem do capitalismo e
das burocracias.
Secundariamente, a partir de um conjunto de autores e cientistas sociais que,
de esquemas weberianos, partiram para o entendimento das organizações em uma
perspectiva mais ampla e menos restritiva.
Como se sabe, os estudos dessa última corrente apoiaram-se vigorosamente
nos postulados funcionalistas de Émille Durkheim (1998; 2001), segundo os quais as
sociedades tendem à estabilidade e são integradas “organicamente”. As
organizações, por sua vez, participam desse processo à medida que são vistas
como meios para o atingimento de finalidades específicas.
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O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
59
Conforme Zeitlin (1976), Weber foi chamado de Marx burguês por ter
realizado uma aplicação não dogmática, mas hábil, dos princípios metodológicos de
Karl Marx ao estudo do homem, da sociedade e da história.
Marx elaborou sua própria teoria, relacionando a existência social e a
consciência social. Isso significa, para os estudos organizacionais, que Marx
analisou os fenômenos sociais no contexto das relações capitalistas e trabalhadores
por meio da separação dos meios de produção. A sistematização destas relações,
ao longo da história, foi chamada de concepção materialista da história em oposição
direta à concepção idealista dessa mesma relação de Hegel.
Weber (1991) afirmou que o interesse primário das ciências sociais é o
aspecto qualitativo dos fenômenos socioculturais em comparação aos aspectos
predominantemente quantitativos dos fenômenos físicos. Por isso, Weber insistiu na
necessidade de um método especial nas ciências sociais e culturais. Considerava
que as leis hipotéticas eram de grande valor, como meio heurístico para o estudo
dos fenômenos socioeconômicos.
Além disso, este autor considerou o método de abstração de Marx, em
particular o modelo de duas classes antagônicas, como método ideal sobre o
conhecimento da natureza socioeconômica do mundo moderno.
Segundo Chia (1997), este grupo juntamente com outros pesquisadores, tais
como Chandler, Woodward, Lawrence & Lorsch, utilizou a metodologia positivista ao
considerar as organizações como entidades concretas e objetos de análises
organizacionais. Assinala, também, que estes estudos, apesar de quarenta anos
passados, ainda permanecem relevantes na construção da teoria das organizações.
Pelos fundamentos epistemológicos do iluminismo resgatados por Marx cabe
destacar os trabalhos da Escola de Frankfurt, onde Habermas (1972) enfatizou a
teoria crítica e o pragmatismo, defendendo abordagens qualitativas, usando a
hermenêutica e a crítica, incluindo a abordagem da pesquisa participativa.
Segundo Astley (1985), os autores americanos, tais como Warriner, Hall,
McKelvey, Daft, Pfeffer and Salancik, bem como Burns and Stalker’s e Mintzberg,
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O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
60
apoiaram que a ciência da administração deve ser uma verdade subjetivamente
construída. Isto significa que a ciência da administração não é uma descrição da
realidade, mas uma interpretação desta.
Em suma, a opção epistemológica na ciência da administração, antes de
tudo, é uma tarefa de criatividade teórica e de posicionamento ideológico, em vez de
elaboração de relatórios e coleta de dados.
O modernismo inicialmente representou a emancipação em relação ao mito, à
autoridade e aos valores tradicionais, por meio do conhecimento, da razão e das
capacidades elevadas do ser humano, mas em um segundo momento tornou-se um
elemento limitador ou inibidor de outras possibilidades de entendimento do ambiente
organizacional, em particular de elementos subjetivos.
Para Clegg & Hardy (1996), a tradição do programa de pesquisa funcionalista
na Teoria Organizacional está, em um primeiro momento, presa aos limites do
pensamento convencional de Durkheim e à trajetória epistemológica do trabalho
conceitual de Weber. Com o passar do tempo e o avanço das pesquisas, entretanto,
o que se percebe é um conjunto de novas teorizações e perspectivas de análise a
partir dos limites antes restritos da abordagem funcionalista.
Assim, se tomamos como referência a perspectiva mais “fechada” e menos
crítica dos estudos funcionalistas na Teoria Organizacional, consagra-se a idéia de
que as funções deveriam ser desempenhadas satisfatoriamente para o bem de toda
a estrutura, tudo isso centrado no princípio orgânico da teoria sistêmica.
Nesse ambiente, nada interessaria mais à análise organizacional do que as
normas e as estruturas dos papéis desempenhados que, de forma concreta,
comporiam a unidade de análise e foco da pesquisa.
Há um valor claro em relação à ação determinada pelos atores
organizacionais
ao
emprego
absoluto
de
uma
racionalidade
tipicamente
instrumental-funcional. O enfoque é formalista, analítico e o princípio é totalmente
sistêmico. Como bem coloca Vianello (1978), nesse caso tudo aproxima-se, na
verdade, à banalidade.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
61
No mínimo, trata-se de uma formulação ingênua. Ao não considerar as
contradições e “fissuras” internas à lógica hegemônica do poder institucional, tal
perspectiva deixa também de relevar os mecanismos objetivos e subjetivos e as
práticas de resistência que a todo momento estão presentes nas situações de
trabalho (RODRIGUES & COLLISON, 1995).
Seguindo a lógica estrutural-funcionalista, e isso já foi aqui discutido, um
conjunto importante de pressupostos conforma o lado consensual desse processo:
as sociedades (e as organizações produtivas evidentemente) representariam
estruturas estáveis e tenderiam ao equilíbrio e ao consenso.
Por esse enfoque, a convergência de valores e o consenso entre os
indivíduos seriam possibilidades reais e, no limite, a sociedade seria totalmente
integrada pelo funcionamento ótimo dos seus elementos constituintes.
Há uma reorientação epistemológica, impressa nos estudos posteriores de
análise organizacional das décadas de 70/80, que torna possível o exame detalhado
das instituições como centros de poder, com efeitos importantes do ponto de vista da
análise conjuntural e histórica das organizações, das classes trabalhadoras e da
divisão social e técnica do trabalho em uma perspectiva mais ampla, bastante
influenciada pelas idéias de Marx e pela crítica dos neo-marxistas.
Tem-se, portanto, que recorrer à obra desenvolvida no século XIX por Karl
Marx, responsável por enquadrar analiticamente uma interpretação histórica do
desenvolvimento social. Seguindo essa construção ontológica, a atividade prática
dos homens é a sua realidade concreta, verdadeiramente sensível; o homem é visto
como integrante de um mundo social que possui uma realidade tão concreta quanto
o próprio mundo natural (MARX, 2001).
Destarte o homem modela o seu mundo através da sua objetivação, do seu
trabalho, da sua atividade prática, mas também cognitiva e racional. Enfim, o homem
se coloca à ação e se conscientiza ao mesmo tempo da sua realidade; ele é
exatamente aquilo que produz ou a forma como produz (PRATES et. ali, 1991) .
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
62
Existe
uma
continuidade
na
história
do
pensamento
administrativo,
materializada nos padrões e formas de racionalidade, que se impuseram nesse
campo de conhecimento nos últimos 100 anos. Não há mudança substantiva nesse
processo, ainda que existam, sim, tentativas para se imprimir novos conteúdos
sociais a um aparato de racionalidade já dominante. É sobre este aspecto que o
próximo tópico discorrerá.
Ficam evidenciadas com esse tópico as novas perspectivas de análise e seus
fundamentos, que, sem se afastar dos estudos anteriores classificados como
clássicos, efetuam uma nova leitura da realidade, as quais centradas em
pressupostos distintos, buscam elaborar um embasamento teórico que permita
avançar e superar as limitações teóricas anteriores.
1.5. PARADIGMAS NOS ESTUDOS ORGANIZACIONAIS
O presente tópico tem como propósito considerar as perspectivas de análise
dos estudos organizacionais frente aos paradigmas, estabelecendo um continuum
na compreensão da transição e aceitação de outras perspectivas de análise do
cotidiano organizacional.
Os paradigmas podem ser definidos como conjuntos básicos de crenças que
guiam a ação e lidam com princípios iniciais ou fundamentos. São construções
humanas que definem a visão de mundo do pesquisador.
Um paradigma, segundo Schwandt (1994), encerra três elementos:
•
a ontologia, que levanta questões básicas sobre a forma e a natureza
da realidade, se preocupando em entender o que pode ser conhecido;
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
63
•
a epistemologia, que é um ramo da filosofia preocupada em entender
como se pode conhecer o mundo e qual é a relação entre o inquisidor
e o conhecimento;
•
e a metodologia, que se foca em como se obtém o conhecimento do
mundo e em como pode o inquisidor (o possível conhecedor) buscar
descobertas ou qualquer coisa que acredite poder ser conhecido.
Já Burrel e Morgan (1979) propuseram que a teoria social poderia ser
proveitosamente compreendida em termos de quatro paradigmas-chave –
funcionalista, interpretativo, humanista radical e estruturalista radical – baseados em
diferentes conjuntos de pressupostos metateóricos acerca da natureza da ciência
social e da natureza humana. Destacam que cada um deles é fundamentado em
visões mutuamente excludentes do mundo social e gera teorias e perspectivas as
quais estão em oposição àquelas geradas nos outros paradigmas.
Conforme Morgan (1980) o paradigma funcionalista é baseado na
pressuposição de que a sociedade tem uma existência real e concreta e um caráter
orientado para produzir um estado de acontecimentos ordenado e regulado.
O paradigma interpretativo é baseado na visão de que o mundo social tem
uma condição ontológica precária e o que se passa na realidade social não existe
em qualquer sentido concreto, mas é o produto das experiências subjetivas e
intersubjetivas dos indivíduos.
O paradigma humanista radical, como o paradigma interpretativo enfatiza
como a realidade é socialmente criada e sustentada, mas vincula a análise a um
interesse sobre o que pode ser descrito com a patologia da consciência, pela qual o
ser humano torna-se aprisionado dentro das fronteiras da realidade que ele cria e
sustenta.
Finalmente, no paradigma estruturalista radical a realidade é vista como
existindo por si mesma independente do modo como é percebida e reafirmada pelas
pessoas nas atividades cotidianas; e a concepção do mundo social é materialista, a
qual é definida por estruturas sólidas, concretas e ontologicamente reais.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
64
Vale destacar que os limites que separam os quatro paradigmas propostos
por Burrel e Morgan (1979), bem como os próprios paradigmas, são tênues, afinal
enquanto construções teóricas, estão sujeitas ao crivo da intersubjetividade.
Conforme Morgan (1980) cada um dos paradigmas reflete um conjunto de
escolas a eles relacionadas, diferenciadas em abordagens e perspectivas, mas que
compartilham de pressupostos fundamentais comuns sobre a natureza da realidade.
Schwandt (1994) salienta que perspectivas teóricas não são tão solidificadas
ou unificadas como os paradigmas, embora uma perspectiva possa compartilhar
muitos elementos com um paradigma, tais como um conjunto comum de
comprometimentos metodológicos.
Hacth
(1997) apresenta
quatro
grandes
perspectivas,
presentes
no
desenvolvimento da teoria organizacional, tendo como base o foco, o método
utilizado assim como os resultados que propiciam seu uso nos estudos
organizacionais. Percebe-se um perspectiva histórica e linear na construção dessas
quatro grandes possibilidades:
•
a perspectiva Clássica, o objeto de pesquisa era tanto os efeitos da
industrialização na sociedade, quanto como fazer as organizações mais
eficientes e efetivas;
•
a perspectiva Moderna, em contrapartida, a qual tem como tema o estudo
da própria organização, adota uma posição epistemológica objetivista na qual
a organização é estudada como um objeto com dimensões que podem ser
confiavelmente medidas;
•
a
perspectiva
Simbólico-Interpretativa,
por
sua
vez,
foca-se
na
organização sob uma posição predominantemente subjetivista, procurando
apreciar e entender os significados existentes nas organizações. Os métodos
de pesquisa simbólico-interpretativos freqüentemente empregam técnicas
etnográficas (ex.: observação participante e entrevistas etnográficas) e
resultam em descrições narrativas e análises de casos; e
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
65
•
a
perspectiva
Pós-moderna
tem
como
principal
foco
a
teoria
organizacional e a própria teorização, ponderando não apenas a organização
como objeto de estudo, mas também o próprio pesquisador que tenta
entendê-la.
Segundo Hacth (Op. cit.) o estabelecimento de uma distinção entre
epistemologias objetivistas e subjetivistas nas ciências sociais é típica dessa aréa no
que concerne à construção teórica dos seus arcabouços de análise.
Frente à epistemologia objetivista baseia-se na crença de que alguém só
pode conhecer algo através de observação independente. Esta posição significa a
crença de que o mundo existe independente do conhecimento existente sobre ele.
Sob a abordagem subjetivista, todo o conhecimento do mundo, se o mundo
existe em um senso objetivo, é filtrado através do pesquisador e desse modo é
fortemente alterado por forças cognitivas e culturais. Portanto, os subjetivistas
acreditam que o conhecimento é relativo ao pesquisador e pode apenas ser criado e
entendido sob o ponto de vista dos indivíduos que estão diretamente com ele
envolvidos.
Morgan e Smircich (1980, p. 492) apresentam diversas perspectivas teóricas
na ciência social que se posicionam entre estas abordagens (a subjetivista e a
objetivista), formando assim um continuum. Para eles “a transição de uma
perspectiva para outra deve ser vista como gradual e é freqüentemente defendido
que alguma posição pode incorporar insights de outras” .
Através do presente tópico buscou-se discutir a base de análise e construção
do conhecimento no âmbito dos estudos organizacionais, a partir da perspectiva dos
paradigmas, na tentativa de buscar evidenciar como há uma tendência crescente
nas últimas duas décadas de ampliação das perspectivas de análise, por reconhecer
as limitações dos aparatos teóricos funcionalista e objetivista caminhando para a
utilização de quadro e pressupostos de análise eminentemente subjetivos, sem com
isso ignorar a contribuição dos constructos objetivos.
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1.6. LIMITAÇÕES DO POSITIVISMO LÓGICO
O presente tópico tem como propósito refletir sobre a influência do positivismo
lógico8, enfatizando suas limitações e contradições, em particular, nos estudos
organizacionais. Para tanto, retomam-se as bases iniciais da formulação do
positivismo, sempre na perspectiva da análise organizacional estabelecida a partir
dessa perspectiva.
É propósito esclarecer e fortalecer a compreensão da necessidade de serem
consideradas outras perspectivas de análise que não a de caráter funcional,
instrumental e objetivista tão presentes no estudo e ação organizacional.
Segundo Zeitlin (1976), para os pensadores do Iluminismo, todos os aspectos
e obras da vida humana estão sujeitos à análise crítica: a ciência, a religião, a
metafísica, a Estética etc.
O progresso intelectual dos homens deve servir constantemente para
promover o progresso geral da sociedade. Nesse sentido, segundo o Iluminismo, a
razão humana conduz a uma compreensão mais clara do mundo das organizações.
O pensamento do iluminista não é só reflexivo, nem trata somente das
verdades axiomáticas, mas atribui ao pensamento, principalmente, uma função
criadora e crítica.
Em suma, os iluministas pregaram que a razão não se dobra perante o
meramente fático, nem às evidências da tradição histórica. Com isso, os iluministas
enfatizam que a razão, junto com a observação, é um meio para conseguir a
verdade científica.
Para combater o legado filosófico do iluminismo, o filósofo francês August
Comte, no século XIX, de acordo com Hickson (1998), criou a filosofia do
8
Como esse nome indica-se a orientação instaurada pelo Círculo de Viena e depois seguida e
desenvolvida por outros pensadores. A caracaterística fundamental dessa corrente é a redução da
filosofia à análise da linguagem.
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positivismo. Comte achava que os princípios críticos dos iluministas faziam parte de
uma filosofia negativista, e portanto, teriam de ser substituídos por uma filosofia
positivista.
O positivismo é definido como a filosofia sistematizada, a qual pretende que a
mente humana deve renunciar a conhecer a natureza das coisas e contentar-se com
as verdades retiradas da observação e da experiência dos fenômenos.
Segundo Comte (1990), o positivismo tem as seguintes características:
a) dá ênfase na idéia da verificação empírica como princípio
fundamental
da
pesquisa
científica.
Isso
significa
que
as
proposições teóricas devem ser empiricamente testadas para
determinar se tais proposições são ou não verdadeiras;
b) é fundamentalmente observacional, o que significa que a ciência só
pode ser criada para explicar coisas que podem ser vistas, sentidas
e palpáveis;
c) ressalta a explicação de causa e efeito, portanto, para os
positivistas se o fenômeno pode ser observado, pode ser explicado
de forma científica.
Essas características fornecem a justificativa epistemológica do positivismo
para a criação da ciência por meio da pesquisa científica e desse modo vêm a
articular a adoção de procedimentos científicos eminentemente rígidos e
instrumentais.
Portanto, a doutrina positivista prega a teoria da natureza. A natureza é a
unidade básica do acontecimento dos fenômenos. O conhecimento científico para os
positivistas é dado pela realidade observável, enquanto para os iluministas o
conhecimento científico é dado pela interpretação conceitual dessa realidade.
Bertalanffy (1975, p. 37-8), um dos precursores da Teoria dos Sistemas,
também chamou a atenção sobre o alcance (limitado) do Modelo Clássico:
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A aplicação do procedimento analítico depende de duas condições. A
primeira é que as interações entre as partes ou não existam, ou seja, [são]
suficientemente fraca [sic] para poderem ser desprezadas nas finalidades
de certo tipo de pesquisa. Só com esta condição as partes podem ser
esgotadas real, lógica e matematicamente, sendo em seguida reunidas. A
segunda condição é que as relações que descrevem o comportamento das
partes sejam lineares, pois só então é dada a condição de aditividade, isto
é, uma equação que descreve o comportamento do todo é da mesma forma
que as equações que descrevem o comportamento das partes.
Mais recentemente Capra (1983, p. 39) afirmou que “sabemos hoje, que o
modelo newtoniano é válido apenas para objetos que consistem em grande número
de átomos e exclusivamente para velocidades pequenas comparadas à da luz”, o
que, de certo modo, justifica a sua grande aceitação durante muitos anos, pois
explicava com precisão a maioria dos fenômenos observáveis com a tecnologia até
então disponível.
Se por um lado Galileu, Descartes, Bacon, Locke, Hume e Newton, entre
outros, configuraram um modelo hegemônico para a Modernidade, por outro,
também semearam o que viria proporcionar a sua implosão: a crítica epistemológica,
denominada por Santos (1991) ao lado da ciência, da tecnologia e do
empresamento econômico, como sendo um dos quatro elementos frios da
Modernidade.
Estavam assim, abertos os caminhos para a emergência de um novo
paradigma, pois, de acordo com Kuhn (1996), as grandes descobertas são
antecedidas pela constatação de "anomalias na natureza", ou seja, comportamentos
que não podem ser adequadamente explicados pelo paradigma dominante.
As teorias organizacionais criadas para um mundo estável e previsível vêm
sendo questionadas e postas em xeque, por não mais responderem à complexa
dinâmica da contemporaneidade.
De acordo com Bell (1977), uma característica central do período moderno foi
a primazia do método científico como forma suprema de pesquisa. A busca do
conhecimento científico – fragmentado em áreas disciplinares estanques – passou a
ser predominantemente utilitária, possuindo como valores principais a previsão, o
controle e a capacidade de manipular o ambiente físico. Apesar de não ter sido este
Raimundo Santos Leal
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69
no início – como se pode confirmar ao ler os textos dos filósofos iluministas –, hoje, o
objetivo de maior parte da ciência é o avanço tecnológico.
Dessa forma, pode-se constatar como promessa subjacente o progresso
material ilimitado e, conseqüentemente, a melhoria da qualidade de vida para todos.
Tal paradigma implicava na crença de um controle crescente do homem sobre a
natureza e da sua “ilimitada” habilidade em compreender o universo a partir das
informações provenientes dos sentidos físicos.
O Iluminismo privilegiou a predominância de valores pragmáticos, segundo os
quais os indivíduos estariam livres para irem buscar seus próprios interesses. Desse
modo, o futuro era conseqüência da busca de conhecimento, por parte de unidades
relativamente autônomas orientadas para necessidades práticas.
Diante dos primeiros estudos sobre organização do século XX, percebe-se
que eles foram estruturados em torno do desenvolvimento modernista e seus
argumentos compartilhavam as mesmas premissas presentes em nossos discursos
tradicionais acerca da ciência enquantro transformação da sociedade. O tratamento
da racionalização em Taylor e as apropriações indiscriminadas das idéias de Weber
traduzem a aplicação da lógica modernista ao projeto de racionalidade instrumental.
Segundo Reed (1998), as raízes históricas dos estudos organizacionais estão
profundamente inseridas em um conjunto de trabalhos que ganhou expressão a
partir da segunda metade do século XIX, e que antecipava de forma confiante o
triunfo da ciência – “neutra” – sobre a política, bem como a vitória da ordem e do
progresso coletivos concebidos racionalmente, acima da irracionalidade humana.
O exercício do reducionismo, uma das graves limitações trazidas pela
modernidade, penetrou na literatura organizacional de forma deletéria. Segundo
Campos (1997, p. 8),
os exemplos claros de reducionismo são facilmente encontrados na
literatura organizacional, quando vemos a racionalidade instrumental
tomada como a Razão humana; a lógica econômica como a lógica da vida;
a ação humana reduzida ao comportamento organizacional, o ser humano
ao recurso humano, o trabalho ao emprego formal na organização
econômica; a eficiência como critério exclusivo de desempenho; o lucro
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
70
financeiro como relevância social da organização; o desempenho bem
avaliado do cargo como indicador seguro de auto-realização.
Entretanto, parece estar cada vez mais distante a prometida garantia de
progresso material e social por meio do incremento tecnológico contínuo, da
organização moderna e da administração científica. Tanto a efetividade técnica
quanto a virtude moral das organizações formais são questionadas por
transformações intelectuais e institucionais que estão levando à fragmentação social,
à desintegração política e ao relativismo ético.
A tradição aponta como referência base da ciência moderna a Revolução
Científica do século XVI. Nessa oportunidade ocorre o rompimento das antigas e
limitadas formas de observação e de entendimento dos fenômenos do universo nas
sociedades medievais, gerando um papel essencialmente diferente e que seria
desenvolvido e fortalecido pela ciência e pelo conhecimento nos séculos XVII e
XVIII.
Fica patente que a concepção de ciência, a partir dos séculos XVII e XVIII,
aproxima-se, cada vez mais, de uma “reificação” da ciência experimental, cujo
reflexo é o enorme interesse pelo método científico e pelas regras de observação e
quantificação dos fenômenos.
Através desse modelo de racionalidade passou-se a observar as coisas do
mundo, a natureza e os seus fenômenos, bem como a possibilidade concreta de
domínio das forças naturais e a construção de um conhecimento genuinamente
científico.
Outrossim, adotou-se o pressuposto de que o conhecimento não se faz
mediante a interação com elementos de natureza social, afetivo e/ou filosófico que
afetem a busca do conhecimento verdadeiramente científico. Tal interação passou a
ser hegemônica conhecida como racionalidade positivista.
Considerando os estudos organizacionais verifica-se que esses passam por
um momento de reflexão (REED, 1996), em que antigos quadros interpretativos,
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
71
referências e conhecimentos são objeto de uma crítica contínua e de reavaliações
permanentes.
Essa fase de ruptura dos estudos organizacionais, levada a cabo pelos
teóricos críticos e pós-modernistas, nada tem a ver com o movimento incremental
que caracteriza as “fases normais” dos processos científicos, onde os programas de
pesquisa e as atividades operam dentro de um quadro teórico bem institucionalizado
e pouco fragmentado.
Enquanto
traços
caracterizadores
dos
estudos
organizacionais
e,
particularmente, da gestão têm-se a fragmentação e descontinuidade. Os estudos
nesse campo estão sujeitos a contribuições metodológicas e conceituais de áreas
diversas do conhecimento, bem como a contestações e críticas ampliadas, que
evidenciam bem o caráter das “conversações” e das múltiplas interpretações que
caracterizam os estudos organizacionais que dão margem a críticas relativas à
chamada teoria organizacional contemporânea (RODRIGUES, 1997).
Efetuar a compreensão e a crítica dos estudos organizacionais como espaço
privilegiado para as “conversações” significa aceitar as implicações desse processo,
onde antigas referências e quadros interpretativos podem ser aceitos ou contestados
diante da emergência de uma nova corrente intelectual dominante.
Aceitando tal perspectiva a análise dos estudos organizacionais pode se dar
em diferentes aspectos, seja ela histórica, dialética, antropológica, filosófica, e/ou
psicanalítica, enfim, favorecendo a concorrência entre diferentes perspectivas e
matrizes teóricas, no sentido de organizar e melhor explicar os problemas
objetivamente colocados à compreensão e atuação no contexto organizacional.
O presente capítulo buscou delinear as bases prevalecentes nos estudos
organizacionais e o modo como tais estudos se desenvolvem de maneira similar ao
desenvolvimento da ciência tradicional, mas que passa a ser objeto de
questionamento acerca dos caminhos apontados.
Objetivou-se também, através da reconstrução de aspectos históricos e
epistemológicos, analisar a trajetória dos estudos organizacionais embasados na
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
72
perspectiva da modernidade, articulando as influências com o desenvolvimento do
conhecimento científico no âmbito da administração e dos estudos organizacionais.
Com essa perspectiva e em face das limitações apresentadas desenvolve-se
um conjunto de estudos enfatizados como estudos pós-modernos, os quais serão
objeto de análise e discussão do capítulo seguinte.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
73
CAPÍTULO II
PÓS-MODERNIDADE E OS
ESTUDOS ORGANIZACIONAIS
Não pode haver inteligência sem haver formas.
Através da inteligência
o homem alcança a VERDADE, a CONSCIÊNCIA e, por fim, a CIÊNCIA.
A Arca
O presente capítulo tem como propósito auxiliar a construção de um
referencial que permita considerar, como uma possibilidade real de análise
organizacional, a perspectiva centrada na subjetividade e em outras referências que
busquem superar os limites decorrentes da perspectiva da modernidade.
No capítulo busca-se identificar e analisar as origens, premissas e
desdobramento da pós-modernidade nos estudos organizacionais, com particular
destaque aos estudos desenvolvidos no âmbito dos pesquisadores brasileiros. A
preocupação ao construir o capítulo foi identificar as possibilidades teóricas
resultantes das críticas e limitações apontadas no capítulo anterior acerca da
modernidade e suas influências para a análise organizacional.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
74
2.1
PREMISSAS
E
ELEMENTOS
HISTÓRICOS
DA
PÓS-
MODERNIDADE
A partir de fins da década de 60 observa-se no âmbito mais amplo da teoria
social, uma mudança radical no pensamento social e político sob a rubrica de pósmodernismo
(HARVEY,
1999).
No
entanto,
pesquisadores
organizacionais
interessaram-se pelos textos pós-modernos relativamente tarde, a partir dos anos
80, como nos apontam ALVESSON & DEETZ (1998).
De acordo com esses autores, isso não é nenhuma surpresa, dados os
pressupostos modernistas embutidos nas organizações e o caráter bastante
dogmático e excludente da tradição dominante de pesquisa, seja de inclinação
positivista ou marxista.
Tanto que, não são poucos os autores (Harvey, 1999; Lyotard, 1998;
Alvesson & Deetz, 1998; Reed, 1998; Demo, 1997; Featherstone, 1996; Kilduff &
Mehra, 1997; Huyssen, 1991) que admitem não haver, até agora, uma definição
consensual para o termo “pós-moderno”.
Consoante a Parker (1992), a definição de pós-modernismo se apresenta
como uma inútil tarefa. Não existe unanimidade, uma vez que a maioria de seus
partidários recusa, em primeiro lugar, a linguagem e a lógica da definição, sugerindo
que essa é uma das formas de imperialismo intelectual que ignora a fundamental
incontrolabilidade do significado.
Power (1990) sugere que, como não há uma linha absoluta que demarca a
diferença entre moderno e pós-moderno, o último pode significar tanto o término
como uma diferente continuação da modernidade. Esta ambigüidade inerente ao
conceito é aceita para compensar a tendência de comentadores fazerem
categorizações simplistas.
Ao passo que Power (Op. cit. p. 110) nota, por exemplo, que enquanto a
trajetória modernista nas artes visuais tem desafiado o conceito de representação
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
75
autônoma, o pós-modernismo aparece como ainda mais radical. A arte visual pósmodernista parece representar:
a continuação da estética “avant-garde” sem a nostalgia para o contato
direto com o mundo real... A estética pós-modernista do sublime é
precisamente um tipo de consciência que escapa dos conceitos tradicionais
da realidade artística. Isto parece tornar visível o fato de que há algo que
pode ser pensado, mas não pode, em princípio, transformar-se em visível
ou representável.
A primeira e mais importante característica do pós-modernismo, portanto, é a
rejeição à relação unívoca entre formas de representação (palavras, imagens etc) e
um objeto externo ao mundo. “Na análise pós-moderna, o foco está sobre ‘as regras
embasadas em práticas que precedem a subjetividade’, que é essencial, o ataque
estruturalista sobre a filosofia da consciência” (POWER, 1990, p. 111).
Entretanto, não há espaço real para o ator voluntário, ao invés disso seu
espaço é fundamentado na noção da ação como um “jogo” ao invés de “lugar”.
(LOYTARD & THÉBAUD, 1996).
Para Power (Op. cit.), a análise pós-moderna ocorre distanciando-se dos
pressupostos de unidade, implícitos na noção Iluminista de razão. Diferentemente do
modernismo, onde há uma fé na recuperação da relação com a natureza, o
posmodernismo aponta simultaneamente para a crescente liberação do mundo
natural e para a separação da cultura em diferentes esferas. No pensamento pósmoderno, portanto, são liberadas energias que demandam reunificação e ao mesmo
tempo, afirmam sua impossibilidade.
Nesse sentido, Chia (1995) argumenta que o que basicamente distingue o
pós-moderno do moderno é o pensamento crítico. Nos estudos organizacionais, a
principal característica de pesquisadores defensores de uma abordagem pósmoderna é a visão crítica de termos comumente usados no campo de estudo, tais
como organizações, indivíduos, ambiente, estrutura, cultura.
Para Chia (Op. cit.), quando esses termos se referem à existência de
entidades e atributos surgidos na perspectiva modernista, guardam em si a ideologia
de um significado único. Isso porque, na sua opinião, o pensamento moderno se
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O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
76
alicerça na ontologia do “ser”, a qual privilegia o pensamento em termos de estados
fenomênicos discretos, atributos estáticos e eventos seqüenciais.
O pensamento pós-moderno, por outro lado, privilegia a ontologia do “vir a
ser”, que enfatiza uma realidade múltipla, transitória, efêmera e emergente. No pósmoderno, a realidade é percebida como continuamente em fluxo e transformação e,
conseqüentemente, impossível de ser representada sob qualquer senso estático.
Parker (1992) afirma que a realidade é construída pelo discurso e pelas
concepções discursivas coletivamente sustentadas e continuamente renegociadas
ao longo do próprio processo de “dar sentido”. Dessa forma, para os pensadores
pós-modernos, o papel da linguagem na construção da realidade é central e, toda e
qualquer tentativa de descobrir a verdade única soa como um meta-discurso.
Além disso, se a sociedade é entendida como um contínuo e complexo
processo de “vir a ser”, novas formas de discurso e novas metodologias são
necessárias para esses novos tempos, assim como se faz necessário um novo olhar
sobre os processos sociais.
Nos últimos anos, observa-se a existência de um número crescente de
pesquisadores que, instigados por essas novas percepções, vêem inúmeras
aplicações na teoria e prática organizacionais (COOPER e BURRELL, 1988;
BURRELL, 1988; COOPER, 1989; GERGEN, 1991; PARKER, 1992; CHIA, 1995;
GERGEN e THATCHENKERY, 1996; MORGAN, 1996; ALVENSSON e DEETZ,
1998; CALÁS e SMIRCICH, 1998).
Para Cooper & Burrell (1988), a noção de um observador (separado de sua
observação) capaz de construir uma meta-linguagem é essencial ao projeto
modernista, no qual incrementos no estoque de conhecimento significam
crescimento de poder. No mundo organizacional isso é particularmente verdadeiro
quando se tem como objetivos máximos a eficiência, a lucratividade e a minimização
de conflitos, tudo isso baseado na crença da metanarrativa do progresso ilimitado.
Nesse modelo, segundo Cooper & Burrell (Op. cit.), a crescente complexidade
organizacional é pretensamente trazida sob controle pelo ordenamento das relações
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O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
77
intra e interorganizacionais de acordo com o modelo de racionalidade funcional,
incapaz de explicar as ambigüidades presentes nas organizações.
Para esses autores, os partidários das abordagens pós-modernas nas
organizações precisam se esforçar por clarificar essas relações de poder, visando
expor a fragilidade da concepção clássica de organização e, conseqüentemente, dos
mitos da estabilidade e previsibilidade.
Em seu artigo, Burrell (1988) expande a metáfora da organização como prisão
psíquica e aponta como a capilaridade do poder a estrutura dos significados e das
ações. Segundo esse prisma, a organização pode ser representada como o espaço
onde os sujeitos são constituídos e identificados. O sentido do mundo passa a ser
dado pelas inter-relações entre indivíduos e organizações. Ou seja, “ser membro” de
uma organização, gostando ou não, marca nossa individualidade.
Parker (1992) constata que o tema mais comum na literatura organizacional é
a afirmação do surgimento de um novo tipo de organização diferente das
organizações clássicas na maioria dos aspectos, sugerindo que é possível
testemunhar o nascimento de uma forma de organização mais flexível, que ele
chama de “pós-burocrática”.
Nesse tipo de organização, é completamente intencional e consciente a
estratégia pós-moderna de flexibilização das estruturas sociais, tornadas maleáveis
a novas e indiretas formas de controle internalizado, seja cultural ou ideológico. Uma
estrutura numérica e funcionalmente flexível, na qual não esteja claro onde se
situam os centros espacial e de poder. As organizações em rede, por exemplo são,
dessa forma, facilmente categorizadas como pós-modernas.
Morgan (1996), em seu trabalho pioneiro, preocupa-se em caracterizar as
principais metáforas que podem ser utilizadas para explicar os processos
organizacionais, enfatizando que, na maioria das vezes, é necessário “lançar mão”
de várias delas visando melhorar a habilidade de compreensão dos diferentes
aspectos que coexistem e se complementam dentro das organizações, por mais
paradoxais que possam parecer.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
78
O autor citado no parágrafo anterior interpreta as organizações a partir de
metáforas, comparando-as a imagens que permitem vê-las como máquinas,
organismos vivos, cérebros, culturas, sistemas políticos, prisões psíquicas, fluxos e
transformações e, finalmente, como instrumentos de dominação.
Morgan (Op. cit.) enfatiza que o universo das organizações vem se tornando
cada vez mais complexo e que, infelizmente, a forma de refletir sobre elas não está
seguindo o mesmo curso. Nesse sentido, Reed (1998) chama a atenção para um
movimento reativo da ortodoxia funcionalista que tenta, a todo custo, utilizar-se de
uma estratégia de “imposição paradigmática” negligenciada da diversidade do
mundo organizacional contemporâneo.
Mas o fato é que, não obstante alguns subterfúgios defensivos do
establishment para removê-los, esses novos campos, modos e perspectivas de
pesquisa, diferentes e alternativos, estão se expandindo, multiplicando-se e
sobrepondo-se.
Assim sendo, a abordagem apresentada por Morgan (1996) reage a essa
tendência geral, deixando claro que as organizações são geralmente complexas,
ambíguas e repletas de paradoxos e o verdadeiro desafio é aprender a lidar com
essa complexidade.
Overman (1996), apud Lissack (1999), pondera que, nos dias de hoje, os
métodos tradicionais das ciências sociais são incapazes de lidar com os problemas
complexos e as indeterminações que permeiam as organizações.
O casamento do reducionismo e empirismo lógico com a teoria e prática
organizacionais tem se apresentado como um modelo obsoleto que torna lenta a
percepção das possibilidades potenciais de novas abordagens. Ainda segundo
Overman, a nova ciência da complexidade oferece valiosas metáforas e métodos
que desafiam a agenda de pesquisa organizacional para o século XXI. Imagens
como auto-organização, estruturas dissipativas e complexidade dinâmica podem
oferecer um excelente arcabouço para os estudos organizacionais.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
79
No contexto mais abrangente das ciências sociais, Harvey (1999, p. 274)
afirma:
As peculiaridades do pós-modernismo devem ser vistas como sintomas e
expressões de um dilema novo e historicamente original, dilema que
envolve a nossa inserção como sujeitos individuais num conjunto
multidimensional e complexo de realidades radicalmente descontínuas,
cujas estruturas vão dos espaços ainda sobreviventes da vida privada
burguesa ao descentramento inimaginável do próprio capitalismo global,
incluindo tudo o que há entre eles. Nem mesmo a relatividade einsteiniana
nem os múltiplos mundos subjetivos dos modernistas mais antigos
conseguem dar qualquer configuração adequada a esse processo, que, na
experiência vivida, se faz sentir pela chamada morte do sujeito ou, mais
exatamente, pelo descentramento e dispersão esquizofrênicos e
fragmentados deste último...
Os fundamentos daquilo que denominamos realidade não são simples, mas
complexos. Tal complexidade não está na espuma fenomenal do real, mas em seu
próprio princípio. Assim como não é a palavra-mestra que vai explicar tudo. É a
palavra que pode despertar e direcionar o Homem a melhor entender sua inserção
no mundo, não mais como dominador, mas como co-participante responsável.
Ainda que a teoria crítica e as abordagens pós-modernas tenham sido
penetrantes e catalíticas, não têm sido suficientes para gerar um compartilhamento
de valores e conceitos de modo a gerar um entendimento norteador dos estudos
organizacionais. Enquanto tradições permanecem, o pós-moderno continua pouco
aceito. Ao futuro permanece uma questão: que alternativas ou possibilidades podem
ser apontadas para os estudos organizacionais?
Como os estudos organizacionais estão intimamente atrelados às mudanças,
tanto da sociedade como da reflexão teórica desta sociedade (Burrell & Morgan,
1979; Hatch, 1997) novos tempos parecem exigir novas teorias organizacionais e
novas formas de pensar as organizações.
Há uma importância extrema na análise da pós-modernidade como um novo
referencial teórico para os estudos organizacionais, principalmente no que diz
respeito a metodologia e novas abordagens para estes estudos, como nos mostrou
BURRELL & COOPER (1988); CUMMINGS (1996) e CALÁS & SMIRCICH (1999).
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
80
Nesta linha, Hassard (1993) fornece uma contribuição importante ao mapear
as influências da epistemologia pós-moderna e ao sugerir que o mundo é constituído
por nossas linguagens compartilhadas. E somente pode ser conhecido através de
formas particulares de discursos criadas por nossa linguagem para os estudos
organizacionais.
Hassard (Op. cit.) desenvolve cinco noções epistemológicas a saber: a
representação, a reflexividade, a escrita, a diferença e a descentralização do sujeito.
A partir destas noções, o autor nos mostra como elas afetam os estudos
organizacionais. Não nos deteremos nas questões epistemológicas da pósmodernidade, mas sim, na pós-modernidade como época.
A pós-modernidade como época tem provocado alguns efeitos sobre os
estudos organizacionais. Encará-la como uma época tem por objetivo identificar
características do mundo que dão força à hipótese de que ele está mudando para
uma nova era: a Pós-Modernidade.
O trabalho de Clegg (1990) desponta como um dos mais significativos a este
respeito ao afirmar que em um mundo pós-moderno as organizações modernas, as
“organizações como máquinas” - termo usado por Morgan (1986) para representar
as organizações “burocráticas” e tayloristas -, perderam espaço.
Destacam-se então, as maneiras criativas que franceses, italianos, asiáticos e
suecos encontraram para “vencer” os desafios desta “nova aldeia global”,
defendendo que tempos pós-modernos exigem organizações pós-modernas. Nestas
organizações, os funcionários seriam controlados de forma menos autoritária,
formando grupos e coletividades que se autocontrolariam e o trabalho exigiria
múltiplas habilidades dos funcionários (CLEGG, 1990).
Nota-se, nestas últimas três décadas, o surgimento de duas abordagens
teóricas consonantes com estes novos tempos “pós-modernos” – a qualidade e a
cultura –, deixando clara sua influência histórica na configuração das organizações,
transformando-se em “um modelo ideal” para todos, inclusive os gerentes.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
81
Essas mudanças influenciam ao mesmo tempo em que são implementadas
pelo gerente como formas de controle. Tais formas de controle gerencial precisam
ter uma expressão na subjetividade daqueles que exercem no dia-a-dia a
viabilização de tais políticas, ou seja, elas precisam estar, de alguma forma,
presentes no comportamento dos gerentes.
Percebe-se que a perspectiva pós-modernista vem sendo caracterizada na
literatura organizacional como um momento de ruptura, de descontinuidade, ou
como um momento de redirecionamento nos estudos organizacionais.
As transformações na problemática, nas teorias e nas metodologias refletem
mudanças substanciais que passam a constituir as novas formas organizacionais por
meio das quais o comportamento social vem sendo estruturado e controlado.
Também refletem as referências institucionais mais amplas nas quais essas novas
formas organizacionais estão localizadas.
Assim, o discurso pós-modernista é considerado como o mais óbvio exemplo
da celebração da descontinuidade na teoria organizacional, nestes últimos anos
(REED, 1993).
Clegg (1990) desenvolve o argumento de que começaram a surgir,
principalmente a partir da década de 80, formas organizacionais diferentes que
questionam o modelo burocrático como a maneira mais eficiente para a organização
do trabalho.
A explicação deste fenômeno passou a exigir uma nova perspectiva para
explicar a realidade. Da mesma forma que surgiram as teorias sociais que
procuraram interpretar os fenômenos modernistas, a existência de organizações e
contextos supostamente pós-modernistas também motivou interpretações teóricas
que buscam acompanhar essas transformações (Clegg, Op. cit.). Neste sentido, a
abordagem pós-modernista procura explicar a caracterização do novo contexto a
partir de referencial próprio.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
82
O pós-modernismo é considerado por muitos autores como uma nova
perspectiva a ser colocada no lugar do modernismo, oferecendo novas
oportunidades dentro da teoria organizacional.
As idéias enfatizadas pelos autores pós-modernistas podem ser distinguidas
de duas maneiras: como forma de ver e entender a realidade social, mais
precisamente
como
abordagem
organizacional,
ou
como
discussão
das
manifestações concretas de formas organizacionais alternativas, as quais constituem
embriões da ruptura com o modelo burocrático, predominante na sociedade
contemporânea.
Como enfatiza Parker (1992), a primeira perspectiva, a epistemológica,
questiona como se pode compreender o mundo. Na medida em que o mundo é
constituído por uma linguagem comum, a resposta seria que somente se pode
conhecê-lo a partir das formas particulares do discurso que nossa própria linguagem
cria. Assim, novas formas de compreensão da realidade organizacional, diferentes
da moderna, passam a ser solicitadas na forma de novas linguagens.
O segundo sentido, refere-se à periodização, ou seja, à identificação de um
período concreto ou uma época, após a modernização, a qual se caracteriza pela
existência de casos concretos de formas organizacionais alternativas ao modelo
burocrático, significando o prenúncio da queda das burocracias como modelo
organizacional predominante.
2.2. ESTUDOS ORGANIZACIONAIS RECENTES
A diversidade e a fragmentação nos estudos organizacionais têm favorecido
várias discussões e polêmicas sobre a identidade da área. Por exemplo, algumas
discussões mais recentes levantaram algumas limitações importantes que
caracterizam as investigações neste campo feitas por CLEGG et ali. (1996),
CHANLAT (1994) e WHITLEY (1995).
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
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Esses autores apontam as principais deficiências contextuais e históricas, no
processo de evolução dos estudos organizacionais, como uma disciplina
independente, mas também questionam a posição hegemônica desfrutada, até
então, pelas teorias anglo-saxônicas e a adoção de modelos universais para explicar
o que se passa no interior das organizações, em outras regiões do mundo.
Benson (1977) já escrevia que a evolução dos estudos organizacionais
deveria ser compreendida como um processo de construção social e dialético,
caracterizado por contradições e influenciado por grupos de interesses.
Astley (1985, p. 504) também escreveu criticando o conhecimento
organizacional
como
“uma
coleção
de
tópicos
frouxamente
relacionados,
culturalmente limitados ao contexto anglo-saxão e pouco ligados ao mundo da
prática”. Para o autor, os estudos organizacionais poderiam ser descritos como
sendo uma atividade social caracterizada por entendimento mútuo, dependente de
consenso sobre o que se entende como sendo expressões de conhecimento
legítimas.
Nos anos 80, as críticas à área organizacional acusavam de um
etnocentrismo exagerado, sem elaborarem propostas e/ou sugestões que levassem
a mudanças significativas. Mais recentemente, nos anos 90, autores como, por
exemplo, Wilson (1996) e Chanlat (1994) chamaram a atenção para o etnocentrismo
que caracterizava os estudos organizacionais até aquele momento, argumentando
sobre a necessidade de se incorporar maior diversidade nas abordagens e de se
incluir novos colaboradores que pudessem trazer mudanças positivas no que se
refere ao poder de explicação das suas teorias.
Outra crítica bastante comum refere-se ao uso de conceitos universalistas,
que ao serem aplicados podem ser estendidos a contextos industriais e culturais
diversos (HOFSTEDE, 1980; 1994).
Contudo, a prática da pesquisa comparativa tem tornado evidentes as
limitações das alternativas metodológicas e a dificuldade em captarem-se os
‘significados comuns’ em ambientes não anglo-saxônicos.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
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A maioria dos estudos comparativos não revela as particularidades
institucionais das sociedades que estão sendo investigadas, e por este motivo
detectar a natureza parcial das organizações em sociedades diferentes.
Os estudos comparativos sobre culturas e mesmo a teoria crítica não podem,
isoladamente, cobrir as deficiências deixadas pelo exagerado etnocentrismo que
aparecem nos estudos organizacionais.
O que chama a atenção nos artigos que mencionamos até o momento - que é
de interesse para a América Latina e particularmente para o Brasil - não é tanto o
caráter etnocêntrico do conhecimento organizacional por si só, pois isto já é muito
bem conhecido e amplamente criticado aqui.
O que parece relevante, para nós, neste debate é o reconhecimento da
necessidade de haver uma maior sensibilidade às estruturas organizacionais em
economias emergentes (Calás, 1994) e a necessidade de incluir-se ‘vozes’ diversas
que não pertencem aos limites geográficos e lingüísticos dominantes (CLEGG et. al.,
1996; CHANLAT, 1994; WHITLEY, 1995).
Sabe-se
organizações
que
o
desenvolvimento
nitidamente
se
dos
desenvolveu
estudos
como
uma
em
administração
colcha
de
e
retalhos
multidisciplinares, mais ou menos articulados entre si.
Reed (1996) considera que esses estudos são um terreno historicamente
contestado, enquanto Burrell (1996) considera-os uma torre de Babel, tendo como
características predominantes a fragmentação, a heterogeneidade e a falta de
continuidade. A tensão existente nos planos da articulação, da fragmentação e da
argumentação das teorias e estudos produzidos nesse campo do conhecimento
revela variados panoramas, possibilidades de atuação e engajamentos acadêmicos.
A partir da década de 70, diferentes abordagens que ofereciam alternativas à
perspectiva funcionalista, até então amplamente dominante, começaram a ganhar
corpo nos estudos organizacionais (Clegg & Hardy, 1996). Entre elas, destacamos a
perspectiva crítica que se consolidou no contexto anglo-saxônico, nos anos 90, com
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
85
a criação e desenvolvimento do movimento denominado Critical Management
Studies (ALVESSON & WILLMOTT, 1992a, 1996).
Por sua vez, Bertero, Caldas e Wood Jr. (1998) definem o conhecimento
científico como canônico por ser produzido na obediência a diversos cânones, isto é,
"regras claras e aceitas" por diversas comunidades científicas, e acumulativo, por
ser produzido ao longo do tempo. Esse conhecimento científico é feito embasado em
paradigmas que funcionam como uma espécie de protocolos científicos.
O caráter necessariamente paradigmático da produção científica, segundo
Bertero, Caldas e Wood Jr. (Op. cit.), está associado ao seu caráter
fundamentalmente
social,
considerando-se
que
a
comunidade
científica
é
estratificada e por isso permite lidar com conotações de centro e periferia ou
produtores principais e produtores secundários.
Cabe destacar ainda o caráter temporal na percepção de que o conhecimento
científico é não só produzido socialmente, como também ao longo do tempo. A
produção científica assume, pois característica de natureza paradigmática, social,
temporal, canônica e acumulativa.
A década de 90 marca uma rearticulação original entre os termos “crítico” e
“administração” (Fournier & Grey, 2000), constituindo a emergência de uma
subdisciplina denominada Critical Management Studies. Contudo, isso não significa
que a crítica de um processo disciplinar, próprio ao desenvolvimento da
administração, e o questionamento do controle da força de trabalho sejam
problemáticas recentes.
Ao longo do século XX vários autores exploraram e discutiram o aumento do
poder social da administração (Burnham, 1945; Mills, 1956; Bendix, 1956). A
abordagem crítica toma corpo sobre uma base teórica intimamente atrelada ao
marxismo, mas não fica circunscrita a essa perspectiva.
Na segunda metade da década de 80, a noção de pós-modernismo
influenciou a sociologia, como uma forma de caracterizar a época atual e como uma
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O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
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perspectiva epistemológica que rompe com a centralidade da razão e do objetivismo
(BAUMAN, 1992).
Com efeito, permeada pelas matrizes de poderes sociais e políticos, a
administração foi, repetidamente, submetida ao crivo de análises críticas. Entretanto,
é somente a partir da década de 90, em meio e tradição anglo-saxônicos, que se
realizou um esforço para unificar esse tipo de análise sob um mesmo brasão
denominado “Estudos Críticos em Administração”.
Esse foi o título do livro precursor no assunto, publicado no início dos anos
90, que tem por base a aplicação dos ideais da Escola de Frankfurt aos estudos
organizacionais e administrativos (Alvesson & Willmott, 1992a) e desencadeou uma
proliferação
de
publicações,
colóquios,
conferências,
workshops
e
redes
acadêmicas, constituídos para discutir aquilo que poderíamos denominar de
“administração crítica”.
Nesse fervor de proliferação de eventos e publicações, os Estudos Críticos
em Administração emergem com o objetivo de conferir a palavra àqueles e àquelas
que são raramente considerado(a)s pelas teorias organizacionais tradicionais que
tendem a idealizar a administração, ao se identificarem como racionais, indiscutíveis
e indubitáveis.
Expondo as faces ocultas, as estruturas de controle e dominação e as
desigualdades
nas
organizações,
a
abordagem
crítica
busca
questionar
permanentemente a racionalidade das teorias tradicionais e mostrar que as coisas
não são necessariamente aquilo que aparentam. Busca também desmascarar
iniciativas ditas humanistas nas empresas, mas que, efetivamente, possuem um
forte conteúdo de controle e dominação.
O fato de os Estudos Críticos em Administração comungarem desse objetivo
não implica que sejam constituídos por um corpo homogêneo e acabado de
conceitos e afiliações teóricas. Ainda que a maioria dos autores se inspire e se
baseie nos trabalhos da Escola de Frankfurt, os Estudos Críticos em Administração
se desenvolvem como um rico tapete de tradições intelectuais (teorias sobre o
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
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processo
de
trabalho,
pós-estruturalismo,
desconstrutivismo,
feminismo,
ambientalismo, estudos culturais, pós-colonialismo etc.).
Essa diversidade favorece o exame de uma multiplicidade de problemáticas,
tais como a dominação, o patriarcado e a condição das mulheres, o racismo e seus
efeitos sobre as minorias, os impactos do pós-colonialismo sobre as nações
historicamente dominadas pelas nações industrializadas, as questões ambientais
etc. (JERMIER, 1998).
As diversas influências teóricas que podemos encontrar no desenvolvimento
dos Estudos Críticos em Administração - ECA (da Escola de Frankfurt ao pósmodernismo) refletem a diversidade de preocupações que têm animado os teóricos
críticos.
Enquanto as teorias administrativas do século XX se engajam em um duplo
movimento de construção da realidade organizacional e de ornamentação desta
realidade com racionalidade, cientificidade e naturalização, os Estudos Críticos em
Administração são, em contrapartida, engajados no questionamento sistemático
deste edifício teórico (FOURNIER & GREY, 2000).
Assim, os Estudos Críticos em Administração consideram a organização
como uma construção sócio-histórica, tornando-se importante compreender como as
organizações são formadas, consolidadas e transformadas do interior e do exterior.
Outro traço fundamental dos Estudos Críticos em Administração se deve ao
fato de que tais estudos não buscam desenvolver conhecimentos que contribuam
para a maximização de outputs contra um mínimo de inputs. Ou seja, os Estudos
Críticos em Administração não visam celebrar conhecimentos inscritos em uma
lógica instrumental de cálculo dos meios com relação aos fins ou que melhorem o
desempenho econômico das organizações.
Os estudos considerados como não críticos obedecem ao princípio da
performance que subordina o conhecimento à eficiência, a eficácia e a lucratividade.
Em uma perspectiva não crítica, a performance refere-se a um imperativo em volta
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
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do qual todo conhecimento ou prática deve ser gerado sem jamais deixar espaço a
questionamentos nem a dúvidas.
O desenvolvimento de uma pesquisa na abordagem crítica não se preocupa
em gerar conhecimento em função da melhoria da performance econômica da
organização. Seu foco está na tentativa de emancipar os homens dos mecanismos
de opressão, tendo, de fato, o humano como ponto fundamental.
Os Estudos Críticos em Administração procuram enfatizar, nutrir e promover o
potencial da consciência humana para refletir de maneira crítica sobre as práticas
opressivas,
facilitando,
assim,
a
extensão
dos
níveis
de
autonomia
e
responsabilidade das pessoas.
Por autonomia, entende-se a capacidade dos seres humanos de produzir
julgamentos que não sejam impedidos ou deformados por dependências sociais
inúteis associadas à subordinação e às desigualdades de riqueza, de poder e de
conhecimento.
Por responsabilidade entende-se o desenvolvimento de uma consciência de
nossa interdependência social e, consequentemente, a compreensão de nossa
responsabilidade coletiva para com os outros.
A transformação emancipatória opera-se, então, à medida que as pessoas
procuram mudar – pessoal, coletiva e progressivamente – seus hábitos e as
instituições que impedem o desenvolvimento de sua autonomia e de sua
responsabilidade (ALVESSON & WILLMOTT, 1996).
Resumidamente e de forma geral, podemos perceber que a teoria crítica visa
favorecer um desenvolvimento racional e democrático das instituições modernas,
nas quais cidadãos responsáveis, auto-reflexivos e autônomos se tornam
progressivamente menos dependentes de receberem entendimentos sobre suas
necessidades.
Eles
se
tornam
menos
direcionados
pela
aparente
naturalidade
e
inevitabilidade da ordem político-econômica prevalecente (Alvesson & Willmott, Op.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
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cit.). É importante frisar, contudo, que os Estudos Críticos em Administração não
são, fundamentalmente, “antiadministração” (ALVESSON & WILLMOTT, 1992b,
1996).
Dessa maneira a emancipação proposta pelos Estudos Críticos em
Administração não visa, necessariamente, exterminar a administração e as
organizações. Ao contrário, adota-se e enfatiza-se uma visão da emancipação que é
de natureza parcial e realizável na administração e nas práticas organizacionais de
todos os dias.
Os Estudos Críticos em Administração objetivam, então, transformar a
administração tradicional a fim de promover teorias e práticas administrativas que
carreguem menos exclusão e dominação (WATSON, 1994; ALVESSON &
WILLMOTT, 1996).
Assim, é importante ter em mente que a abordagem crítica, em termos gerais,
não pretende solucionar de forma definitiva o problema da dinâmica social e política
que modela a maneira como as pessoas pensam, ressentem e agem.
Tendo com pano de fundo o paradigma radical humanista, verificamos que o
corpo teórico que nutre o desenvolvimento dos Estudos Críticos em Administração
atravessa uma pluralidade de tradições intelectuais das ciências sociais, gerando
uma arena de debates em que os críticos se criticam (BURRELL & MORGAN, 1979).
Tais estudos se desenvolvem num território de relações de poder entre
diversas tendências teóricas e aceitam a autocrítica. Além disso, a tensão que daí
decorre lhes permite renovarem-se e atualizarem-se constantemente.
Com efeito, o engajamento dos Estudos Críticos em Administração num
processo de desnaturalização sugere que não formam uma entidade estática num
campo intelectual neutro. Ao contrário, são resultantes de relações de poder e
constituem-se de acordo com um processo contínuo de mudança e de revisão de
suas idéias e argumentos. Tais estudos integram, pela abertura à autocrítica, níveis
consideráveis de reflexividade em seu próprio desenvolvimento enquanto campo de
conhecimento.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
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Nessa arena intelectual de debates e tensões, podemos destacar três
grandes conjuntos de tradições teóricas que têm sido, regularmente, mencionados
pela literatura, em Estudos Críticos em Administração, como eixos de sua dinâmica
(FOURNIER & GREY, 2000; ALVESSON & DEETZ, 1999).
O primeiro conjunto engloba as tradições modernistas desenvolvidas no
âmbito do marxismo, do neomarxismo e da Escola de Frankfurt. Já o segundo
envolve o que é denominado de tradições pós-analíticas – baseadas na proposta de
JACOBSON & JACQUES (1997).
Para esses autores, o termo “abordagens pós-analíticas” é apropriadamente
impreciso com a finalidade de referir-se às múltiplas correntes contemporâneas do
pensamento social – a exemplo do pós-estruturalismo, pós-modernismo, póscolonialismo - que podem ser unidas somente por aquilo de que elas diferem: o
conhecimento analítico.
O terceiro grupo engloba as teorias feministas. Esses três conjuntos teóricos
constituem o corpo dinâmico dos Estudos Críticos em Administração porque
representam críticas efetivas do pensamento positivista, da noção de progresso e
das formas mais sofisticadas de controle, ideologia e dominação. Todos comungam
da busca pelo questionamento dos pressupostos tomados como verdadeiros sobre
as formas como as pessoas escrevem, lêem e praticam a administração.
Acompanhando o desenvolvimento dos Estudos Críticos em Administração na
década
de
90 em contexto
anglo-saxônico,
é possível
notar um
certo
aprofundamento e especialização das análises críticas.
Alvesson e Willmott (1996) destacam a importância de efetuar uma análise
crítica das diferentes especialidades da administração (marketing, sistemas de
informação, pesquisa operacional, contabilidade etc.).
Percebe-se que os estudos organizacionais recentes abarcam um conjunto de
temáticas
ignoradas
ou
consideradas
como
de
pequena
relevância
pela
modernidade e percebe-se que, nessas temáticas, há uma valorização do homem
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
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enquanto ser e não mais como objeto de relações objetivadas focadas nos
resultados financeiros e econômicos.
Evidencia-se as possibilidades de inclusão de novas temáticas que valorizem
o homem e a compreensão das suas relações sob um espectro mais amplo que
considere diferentes possibilidades de análise, ainda que trilhando uma perspectiva
específica. Tais estudos também encontram receptividade nas instituições
acadêmicas nacionais e é sobre esse contexto que o próximo tópico será
desenvolvido.
2.3. ESTUDOS ORGANIZACIONAIS NO BRASIL
Identifica-se nas instituições de pesquisa, no âmbito da administração, a
presença de pesquisadores interessados no desenvolvimento de uma perspectiva
de análise diferente dos apontados pela modernidade. Em associação com
instituições internacionais, ainda que de modo incipiente e restrito a um pequeno
número de pesquisadores, pode ser constatado o interesse por perspectivas de
análise pós-moderna.
A diversidade e a fragmentação nos estudos organizacionais têm levado a
várias discussões e polêmicas sobre a identidade da área. Por exemplo, algumas
discussões mais recentes levantaram algumas limitações importantes que
caracterizam as investigações neste campo (CLEGG et. al., 1996; CHANLAT, 1994;
e WHITLEY, 1995).
Esses autores apontam não só as principais deficiências contextuais e
históricas no processo de evolução dos estudos organizacionais, como uma
disciplina independente, mas também questionam a posição hegemônica desfrutada
até então pelas teorias anglo-saxônicas e a adoção de modelos universais para
explicar o que se passa no interior das organizações em outras regiões do mundo.
Clegg et al. (Op. cit.) tratam os estudos organizacionais como conversações;
como uma atividade social igual a qualquer outra, na qual as regras dependem do
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O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
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consenso sobre a identidade de determinado grupo. Sendo uma atividade
socialmente construída e, portanto, sujeita ao ‘alcance’ do consenso grupal, cabe
então a definição do campo como ‘um terreno contestável’, conforme REED (1996).
Trata-se de um campo de conhecimento marcado por disputas teóricas, no
qual o conhecimento se constrói através da disputa sobre a verdade inerente a
conceitos e esquemas referenciais. Assim a identidade a ser assumida para o
campo deveria ser não apenas flexível, mas incorporar a ‘inovação’ como sendo
natural ou parte do processo de construção teórica.
Ao adotar a idéia ‘conversações’, como elemento definidor do campo, Clegg
et ali. (Op. cit.) sugerem que o conhecimento organizacional é produto da
diversidade de locais, leitores e intérpretes, característica que lhe atribui uma
identidade precária e constantemente sujeita a negociações.
Esta idéia não apenas comporta a noção de que a teoria organizacional é um
produto da cultura, mas trata-se também de um empreendimento, cujos produtos
são frequentemente negociados e submetidos a ajustes de significados.
Tendo por base a argumentação de Clegg et al. (Op. cit.) de que os estudos
organizacionais desenvolvem-se através de conversações, esta pesquisa procura
analisar a evolução dos estudos organizacionais no Brasil, quais temas têm sido
eleitos como relevantes e qual a sua predominância no contexto da área de
administração.
No que se refere à produção científica em administração, Bertero, Caldas e
Wood Jr. (1998) reconhecem o caráter social e temporal do conhecimento produzido
neste campo, ao tempo em que, apontam a falta de caráter canônico, acumulativo e
paradigmático que o impede de ser definido como conhecimento científico.
No que se refere à produção científica brasileira em administração, Bertero,
Caldas e Wood Jr. (Op. cit.) a caracterizam como: periférica, pouco original ou
repetitiva e imitadora dos Estados Unidos. Quanto a produção científica brasileira em
administração encontra-se em um estágio de desenvolvimento embrionário ou, mais
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O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
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exatamente, em fase de construção teórica que deve ser vista como preliminar e,
particularmente, distante ainda da fase de consolidação.
Visando a melhoria da qualidade da produção científica brasileira em
administração e o seu desenvolvimento no sentido de sair da fase preliminar e
alcançar a fase de consolidação, Bertero, Caldas e Wood Jr. (1998) propõem, para
esta comunidade científica e de acordo com a interpretação que fazem sobre a
metáfora da "torre de Babel" usada por Burrel (1996), não apenas uma linguagem
comum, mas principalmente um projeto comum de ciência em termos de critérios
mais claros e bem definidos, ainda que se respeite a diversidade e multiplicidade de
abordagens.
No contexto brasileiro, o desenvolvimento dos estudos organizacionais e
administrativos, originado há aproximadamente 20 anos, caracteriza-se pelo seu
crescimento (especialmente na década de 90), pela sua qualidade duvidosa e pela
influência (ou dependência) da literatura americana e britânica (RODRIGUES &
CARRIERI, 2000; VERGARA, 2000).
Analisando as publicações em administração com base nos paradigmas de
Burrell e Morgan (1979), durante o período de 1985 a 1989, Machado-da-Silva,
Cunha e Amboni (1990) mostraram que a análise organizacional feita em nosso país
era amplamente situada no paradigma funcionalista, sendo que a utilização dos
paradigmas radicais era minoritária.
Tal fenômeno foi reforçado pela análise de Bertero e Keinert (1994) que, ao
examinarem os artigos publicados na Revista de Administração de Empresas (RAE)
no período de 1961 a 1993, apontaram a ausência quase total de perspectivas
críticas ou radicais em análise organizacional brasileira.
Essas pesquisas indicam que falta uma visão crítica da realidade na análise
organizacional brasileira (VERGARA, 2000), na medida em que preponderam os
artigos baseados em referenciais funcionalistas e positivistas, em detrimento de
referenciais teóricos críticos.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
94
Os estudos críticos brasileiros não são oriundos (nem uma simples
conseqüência) do movimento anglo-saxônico que emerge nos anos 90. Ao contrário,
dispomos no Brasil de estudiosos críticos de grande profundidade e reconhecimento
como Ramos (1981, 1983) e Tragtenberg (1980), que submeteram a administração e
os estudos organizacionais ao crivo crítico, bem antes da década de 90, quando o
movimento crítico anglo-saxão emerge de maneira articulada.
Assim, ao passo que as abordagens críticas em administração evoluem e
ganham respaldo em contexto internacional, análises da produção acadêmica
brasileira da década de 80 e início de 90 demonstram que a perspectiva crítica,
muito embora tenha sido levada em conta, ainda não é muito difundida nem
devidamente utilizada em nosso país.
Do ponto de vista epistemológico e metodológico, os estudos no campo da
Administração poderiam ampliar o seu alcance à medida que se distanciassem dos
aspectos normativos e hegemônicos dos discursos tipicamente funcionalistas,
incorporando a esse ponto de vista uma análise sustentada por um tipo de
racionalidade também substantiva, a par de todo interesse pela objetividade e
prática de uma racionalidade puramente instrumental e formal.
Essas considerações reforçam a necessidade de embasamento dos estudos,
das teorias e das finalidades engendradas nos domínios da Administração
preferencialmente em uma perspectiva histórica, crítica, plural e dialética. O que se
espera é uma análise suficientemente mais abrangente, capaz de dar respostas
para as empresas e para a sociedade em um momento de transformações sem
precedentes na história do capitalismo, e que, por isso mesmo, exerce efeitos
profundos nas relações técnicas e sociais de produção, em um contexto de mudança
de base tecnológica.
Espera-se, enfim, um devido “iluminar” desse processo, para além dos
debates tradicionais que emergem do discurso reificante de uma “seleção natural” ou
da ilusão em acreditar que as empresas, simplesmente, sobrevivem ou não, a
ambientes competitivos de tamanha turbulência, como querem os teóricos da
population ecology.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
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Na verdade, nunca se mostrou tão necessário aproximar as teorizações no
campo da Administração aos postulados das Ciências Sociais correlatas - como a
Economia, a Política e a Sociologia - sob o risco desta se tornar, futuramente, uma
ciência vazia, desprendida da realidade social e presa a antigas referências locais e
formais de análise.
Assim, recolocando o debate da perspectiva sistêmica sob novas bases,
fundamentalmente diferentes, torna-se possível compreender a limitada perspectiva
de racionalidade que se propõe a explicar o êxito das organizações e da prática
administrativa. E, via-de-regra, o receituário já nos é bastante conhecido: ajustes
estruturais, corte de custos, gerenciamento da qualidade, competitividade, “upgrade”
tecnológico, qualificação e flexibilidade dos sistemas, dentre outros.
Não há como negar que a resposta do capital à crise técnica, social e
econômica do fordismo no final da idade de ouro do capitalismo pós-guerra fez com
que, de alguma forma, a prática e a ação organizacionais fossem reinventadas de
acordo com necessidades prementes.
Mas essas mudanças e ajustes, claramente direcionados por uma
racionalidade instrumental e funcional, não parecem sinalizar a existência de traços
de racionalidade substantiva nos mesmos processos de modernização, nem
tampouco mudanças muito profundas na democratização efetiva dos espaços
organizacionais, o que é no mínimo um contra-senso diante das perspectivas que se
abrem com o uso sistemático da nova base produtiva.
Como dito, há uma proeminência no âmbito dos estudos críticos em
administração
que
propicia
espaço
para
novas
abordagens
da
análise
organizacional e considera não apenas os limites da análise na perspectiva
moderna, mas que permite ir além de incorporar outras possibilidades como a
aventada pela presente tese.
Com o presente capítulo, evidencia-se um espaço e uma oportunidade para
examinar a necessidade e premência de novas perspectivas de análise que
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
96
concebam outras possibilidades de análise, na presente tese como a contribuição da
filosofia para a análise organizacional.
Tendo em vista a existência de estudos organizacionais que demonstram a
necessidade e as possibilidades do campo em construção de análise que
considerem o ser humano nas suas diferentes dimensões e percepções, pode-se
evidenciar a conseqüência e contribuição da reflexão e análise resultante da tese em
apreciação.
Mas, antes de adentrar na Estética e em sua contribuição será apreciada no
próximo capítulo a perspectiva subjetiva e objetiva nos estudos organizacionais, de
modo a considerar que diferentes perspectivas de análise, necessariamente, não
são excludentes, embora possam ser consideradas como complementares.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
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CAPÍTULO III
OBJETIVIDADE E SUBJETIVIDADE NOS
ESTUDOS ORGANIZACIONAIS
Na impossibilidade de compreender A Razão Absoluta,
nos valemos de um recurso: observar suas evidências, seu modelo,
sua consequência, enfim, seu efeito; para que, com isso,
ao menos, nos aproximemos dela.
A Arca
Os estudos organizacionais podem ser categorizados de diferentes maneiras,
uma delas é considerá-los sob a perspectiva subjetiva e/ou objetiva. O presente
capítulo tem como propósito resgatar as diferentes contribuições sob tais
perspectivas, sempre no sentido de complementação e não de exclusão. A
construção se faz, então, considerando cada perspectiva, individualmente, para, em
seguida,
apontar
as
complementações
referentes
aos
para
os
estudos
organizacionais.
Desta forma, é objetivo dos estudos organizacionais compreender as
organizações enquanto fenômeno social; mas, boa parte dos arcabouços
decorrentes desses estudos acaba por ser de caráter prescritivo e visa propor
modelos que sugerem um modo melhor de organizá-las, traduzidos em instrumentos
“úteis” para a prática organizacional.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
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Um dos principais problemas, portanto, nos estudos organizacionais é a
dificuldade de separar a interpretação da prescrição; bem como é difícil nos autores
organizacionais, distinguir “o que a organização” é “do que a organização deve ser”.
As contribuições interpretativas dos estudos organizacionais examinam as
dinâmicas sociais observáveis nas organizações. A corrente prescritiva prevalece
nas teorias gerenciais e de empresa, e as contribuições interpretativas estão mais
presentes na sociologia organizacional.
O modelo racional de organização, que encontra suas melhores contribuições
em Taylor (1987) e Weber (1991), olha a organização como um instrumento para
alcançar objetivos predefinidos a base de critérios de racionalidade instrumental. O
objeto principal da análise são as estruturas legalmente prescritas e a conformidade
do comportamento individual a tais estruturas (BONAZZI, 2000).
Taylor (Op. cit.), baseado numa concepção puritana do trabalho humano,
lança suas idéias de administração científica no fim do século XIX, partindo de
algumas importantes premissas: natureza maléfica do ser humano, auto-interesse
individual, existência de métodos organizativos inadequados, que propiciam o
desperdício da energia humana nas organizações, e superioridade da ciência
positivista. Para qualquer problema existe sempre o melhor modelo de se organizar
e tal modelo pode ser alcançado por meio da aplicação de métodos científicos de
pesquisa.
Consequentemente, os quatro princípios básicos de organização são: estudo
científico de métodos de trabalho; seleção e adestramento científico de mão de obra;
relações de estima e colaboração cordial entre os dirigentes e a mão de obra; e,
distribuição uniforme de trabalho e das responsabilidades entre a administração e a
mão de obra.
Weber (1963) contribuiu para o estudo da burocracia administrativa enquanto
aparelho típico do poder legal. Os fundamentos de tal ação - enquanto tipos ideais são: ação racional com respeito ao fim: o sujeito atua racionalmente visando
conseguir um determinado objetivo no mundo externo avaliam os meios em relação
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
99
aos fins, os fins em relação às consequências e, eventualmente, os diversos tipos de
fins entre si. As decisões são tomadas com base em cálculos de custos e benefícios.
Tal tipo de racionalidade, na opinião do Weber, é uma das características
principais do mundo moderno, a base da ação capitalista, entendida como
acumulação metódica, contínua e ilimitada de capital que visa a criação de outro
capital.
Com base no tipo ideal – um procedimento de abstração, conceito qualitativo
construído por meio de seleções e acentuações unilaterais, que serve para comprar
fenômenos – Weber (1963) examina a burocracia. Este tipo ideal é concebido como
um aparelho ótimo dotado de racionalidade com relação aos fins.
A partir de Weber, um pressuposto predominou no estudo das organizações:
a burocracia como a única forma das organizações racionais. Vários estudiosos,
como Blau (1955), Merton (1957) e Hall (1984) aplicaram a abordagem funcionalista
aos termos weberianos da burocracia e confrontaram a intenção racional com a qual
os sujeitos agem com as conseqüências não esperadas que derivam em nível da
estrutura.
Considere que, somente a partir dos anos 60, a pesquisa organizacional
começou a questionar este pressuposto weberiano e reconhecer que outras formas
organizacionais mais flexíveis podem existir ao lado das burocracias, a exemplo dos
trabalhos de GOULDNER (1976); EISENSTADT (1976).
3.1. RACIONALIDADE E OBJETIVIDADE
Não há como introduzir a questão da objetividade e subjetividade nas
organizações sem fazer referência a Weber. Para Habermas (1972), o sociólogo
alemão Max Weber, embora pretendesse afastar-se das premissas da filosofia da
história e dos pressupostos fundamentais do evolucionismo, ainda descreveu a
modernização da sociedade ocidental como resultado de um processo universal.
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Como afirma Mouzelis (1969), é a racionalidade que liga todas as
características descritas no modelo ideal weberiano e é ela que dá a lógica e a
consistência a todo o constructo.
Na verdade, o conceito de racionalidade tem sido reconhecido como o
componente mais importante do pensamento weberiano. Ele está intimamente
relacionado a toda discussão sobre a desmagificação do mundo, a burocratização e
a crescente perda de liberdade na sociedade moderna.
A diferenciação dos tipos de racionalidade refere-se aos processos mentais e
às referências utilizadas neles, que orientam as ações dos indivíduos no contexto
social. Assim, de acordo com Weber (1991), as diferentes formas organizacionais
encontradas na realidade social podem ser explicadas pela predominância do uso
de tipos específicos de racionalidade.
Para Habermas (1987), a novidade que Weber trouxe foi o projeto de
descrever e explicar as transformações da sociedade moderna mediante o critério da
“racionalidade”. Diante de tal critério, Weber recorta a racionalidade, no processo
geral de desencantamento que ocorre na história das grandes religiões e que
satisfaz as condições internas necessárias, para que surgisse o racionalismo
ocidental. Para desenvolver essa análise, segundo Habermas (Op. cit.) Weber se
vale de um conceito complexo, embora nem um pouco confuso, de racionalidade.
Para Weber (Op. cit., p. 5), é preciso entender o conceito de racionalidade,
sem separá-lo do contexto amplo das muitas formas de ação social, afirmando:
... por ‘ação’ deve entender-se uma conduta humana (quer ela consista em
um fazer exterior ou interior, quer consista em omitir ou permitir) sempre
que o sujeito – ou os sujeitos – da ação atribui a ela um sentido subjetivo. A
ação social, portanto, é uma ação na qual o sentido atribuído pelo seu
sujeito – ou sujeitos – se refere à conduta de outros, orientado-se por essa
para o seu desenvolvimento.
Uma vez que possui “sentido subjetivo”, a motivação da ação social depende
do próprio sujeito. A ação social, para Weber (Op. cit., p. 20), sempre poderá ser
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
101
classificada em algum dos seguintes tipos, recortada a partir da racionalidade que a
motive:
•
racional motivada pelos fins (racionalidade instrumental): determinada
por comportamentos esperados tanto dos objetos do mundo exterior
quanto dos outros homens. Esses comportamentos esperados são “as
condições” ou “os meios” com que se pode contar para atingir fins
próprios racionalmente ponderados e perseguidos; nesse caso se fala
em ação social motivada pela racionalidade instrumental;
•
racional motivada pelos valores (que mais tarde será chamada por
Ramos (1981) de “racionalidade substantiva”): determinada pela
crença consciente em valores – éticos, estéticos, religiosos ou sob
qualquer outra forma que se manifestem – próprios e absolutos de uma
conduta, sem relação alguma com o resultado; nesse caso, se pode
falar em ação social valorativa, motivada pela racionalidade
valorativa;
•
afetiva: especialmente emotiva, determinada por afetos e estados
sentimentais do momento; nesse caso se fala em ação social afetiva,
motivada pela racionalidade afetiva;
•
tradicional: determinada por um costume arraigado; nesse caso se fala
em ação social tradicional, motivada pela racionalidade tradicional.
Cada um desses tipos de ação social – ao qual corresponde um tipo de
racionalidade – tem suas peculiaridades, ensejando um grau de objetivo e/ou de
subjetividade.
A ação social puramente tradicional é uma resposta esperada e padronizada
a estímulos habituais e comuns; quanto maior o grau de institucionalização do
contexto em que for gerada, mais acentuado será o caráter tradicional da ação
social.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
102
Na ação social tradicional não há espaço para a reflexão: a ação social ocorre
porque tem de ocorrer, porque é daquela forma que se faz desde os tempos mais
remotos (pelo menos para aquele grupo social).
Freqüentemente confundem-se a ação afetiva e ação motivada por valores.
As duas formas de ação são semelhantes porque, nos dois casos, a ação social não
visa o resultado, mas o conteúdo da própria ação.
Os dois tipos distinguem-se, contudo, porque a ação social afetiva é motivada
por emoção momentânea, sem qualquer reflexão; no caso de ação social motivada
por valores, os propósitos e o planejamento da ação social são resultado de
elaboração consciente que jamais perde de vista a “causa” à qual serve o ator social.
Em muitos casos, a racionalidade afetiva pode ser sacrificada à racionalidade
motivada pelos valores.
Na ação social regida pela razão instrumental, o agente se orienta pelos fins,
meios e conseqüências de sua ação social. Ele pondera racionalmente os meios e
os fins, os fins e as conseqüências da ação social, as pondera, umas em relação às
demais, todas as conseqüências possíveis de sua ação social. Nesse tipo de ação
social, o agente toma decisões sobre a ação, baseado no cálculo, na relação
custo/benefício entre fins, meios e conseqüências da ação social que decida
empreender (WEBER, 1991).
Na ação social em que a racionalidade é motivada pelos fins que visa, os
agentes não agem nem exclusivamente movidos pelos afetos nem movidos
exclusivamente pela tradição.
Por sua parte, a decisão entre os diferentes fins e conseqüências
concorrentes e em conflito pode ser racionalmente motivada a valores; nesse caso,
a ação é racionalmente motivada aos fins somente nos meios.
Em outras palavras, pode acontecer de o agente de uma ação social
motivada pelos valores considerar só os valores, até definir seus objetivos e, em
seguida, passar a usar critérios da racionalidade instrumental para hierarquizar os
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
103
objetivos de sua ação social; por exemplo, para verificar a utilidade marginal
daqueles objetivos.
Considerada pela racionalidade instrumental, a ação social motivada
unicamente por valores é sempre uma ação irracional (WEBER, 1991 p. 21), posto
que, nesse tipo de ação social não se aferem quaisquer possíveis conseqüências
ou, quando há alguma aferição, a medição é sempre “... tanto menor quanto maior
seja a atenção concedida ao valor próprio do ato em seu caráter absoluto. Absoluta
racionalidade instrumental, contudo, em ação social motivada pelos fins é casolimite”.
Só raramente a ação social é orientada por um único tipo de motivação
(racional motivada por fins, racional motivada por valores, afetiva ou tradicional).
Todas essas motivações, às quais corresponde um tipo de racionalidade, são tipos
conceituais puros, construídos para efeitos didáticos ou para orientar os métodos a
serem selecionados para cada tipo de pesquisa social. Freqüentemente encontramse ações sociais motivadas por tipos híbridos de racionalidade.
Apesar de admitir quase todos os tipos de ‘mescla’ na motivação – e,
portanto, no tipo de racionalidade – que faz agir os agentes de ação social, Weber
(Op. cit.), ainda assim, chocava-se de ver que todas as ações sociais em sociedades
capitalistas – nas quais se esperava que o mercado estabelecesse o equilíbrio – são
motivadas sempre pela racionalidade funcional, vale dizer, pela racionalidade
instrumental.
Como salienta Ramos (1981, p. 5):
... muito embora Weber se tenha recusado a basear sua análise sobre a
indignação moral, como fizeram outros teóricos, de forma notável, é um erro
atribuir-lhe qualquer compromisso dogmático com a racionalidade gerada
pelo sistema capitalista.
De acordo com Ramos (1981), Weber é um dos primeiros pensadores a
interpretar a lógica de mercado como um requisito funcional próprio de um sistema
social episódico, sendo somente um tipo de racionalidade, a formal, característica
dessa lógica.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
104
Na verdade, observa-se que a racionalidade substantiva se transforma em um
meio para a realização de padrões de ação da racionalidade formal. Ou seja, a
calculabilidade das ações sociais tornou-se um novo valor para a sociedade
moderna. Assim, o tempo, o cálculo de conseqüências, os interesses tornam-se os
valores predominantes, norteando as ações ou o comportamento dos indivíduos.
Esta discussão da racionalização é intensamente feita por Ramos (Op. cit.)
entre outros autores. Ele resume suas idéias, salientando que na sociedade
moderna a racionalidade passou a ser uma categoria sócio-mórfica, interpretada
como atributo de um processo histórico e social e não mais como uma força ativa da
psique humana, como em tempos passados. Como esclarece o autor, a razão é um
conceito fundamental para o desenvolvimento de qualquer ciência da sociedade e
das organizações.
Serva (1997a, 1997b) utiliza-se das idéias críticas de Ramos (Op. cit.) sobre o
domínio da racionalidade na vida social moderna para desenvolver estudos em
organizações concretas.
Muito próximo das discussões e da abordagem metodológica oferecida por
Clegg (1990), Serva apresenta os dois tipos de racionalidade (a formal e a
substantiva) e os processos organizacionais a serem analisados em sua pesquisa.
Apoiando-se nas idéias de Ramos (Op. cit.) e de Habermas (1987) sobre a
teoria da ação comunicativa, considerada fundamental para a operacionalização do
conceito de racionalidade substantiva, o autor parte de algumas definições. Segundo
ele, a ação racional substantiva é considerada um tipo de ação orientada para a
dimensão individual e grupal.
Na dimensão individual, ele se refere à auto-realização, compreendida como
concretização de potencialidades e de satisfação; e na dimensão grupal, ao
entendimento nas direções da responsabilidade e de satisfação social. Já a ação
racional formal foi definida pelo autor como aquela ação baseada no cálculo,
orientada para o alcance de metas técnicas ou de finalidades ligadas a interesses
econômicos ou de poder social, por meio da maximização dos recursos disponíveis.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
105
Conforme as análises apresentadas em seu estudo, as ações de
entendimento se mostraram indispensáveis para dar o tom da razão substantiva nos
processos da prática administrativa das organizações estudadas, estando
diretamente ligados à questão do poder, tais como a hierarquia, o estabelecimento
de normas, a tomada de decisões e o controle.
A autonomia revelou-se importante no processo de divisão do trabalho. O
comprometimento efetivo dos seus membros com os valores emancipatórios foi
considerado uma condição básica para a caracterização da predominância da
racionalidade substantiva nas organizações pesquisadas.
Salienta Serva (1997a, 1997b) que outras formas de ordenação social e de
produção podem ser encontradas atualmente, e exigem, para sua análise, outros
instrumentos de interpretação e também referenciais alternativos à lógica utilitarista.
Em sua análise sobre a ética protestante e o desenvolvimento do capitalismo,
Weber argumenta que o asceticismo da ética protestante no trabalho criou as
condições para que se disseminassem a racional-instrumentalização da ação social
e a burocratização (fruto da racional-instrumentalização).
Essas, com o tempo acabariam por criar uma “gaiola de ferro” que tolheria a
liberdade humana (Weber, 1991) e que aconteceria sempre que prevalecesse a
racionalidade instrumental como única ou principal motivação de todas as ações
sociais.
As
referências
para
a
ação
humana
são
tomadas
em
valores,
independentemente dos resultados a serem obtidos. A quarta racionalidade, a
racionalidade formal, oferece, como referência à ação humana, a aplicação de
regras, leis e regulamentos tornados institucionalizados em determinado contexto,
referenciado no cálculo utilitário de conseqüências no estabelecimento de relações
meio-fim.
Fica evidente que o modelo burocrático formalmente racional, com
predomínio da ação orientada para normas, regras, regimentos e estatutos
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
106
considerados como os meios mais adequados para o contínuo funcionamento e
alcance dos objetivos.
Os demais tipos de racionalidade são ignorados ou desconsiderados
enquanto possibilidade de entendimento da realidade; quando muito, a racional
formais são utilizadas de modo subalterno. Tendo com exemplo, é facilmente
observável como a racionalidade substantiva vem sendo utilizada enquanto um meio
para a prevalência de atitudes e ações sociais e organizacionais centrados no
padrão referenciado pela racionalidade formal.
Tendo considerado as quatro racionalidades apontadas por Weber (1991),
permite-se considerar e desmistificar o caráter predominante da racionalidade
formal, evidenciando a necessidade de considerar as demais tipologias de
racionalidade, sob pena de estar sendo parcial, ao utilizar a tipologia weberiana da
racionalidade para explicar e legitimar as escolhas nas organizações.
Na verdade, a racionalidade é una, desdobrada pelo autor enquanto recurso
de construção, permitindo maior clareza e entendimento da construção do esquema
conceitual.
Esse modelo permite apontar como uma das possibilidades de compreensão
das crises, contradições e conflitos organizacionais, ou mesmo, como a própria
limitação e indução ao erro, presente nas escolhas de formatos ou modelo
organizacionais, essa percepção da racionalidade de maneira limitada. E quando
outros formatos organizacionais surgem e consegue ter perenidade, falta
fundamentação teórica que permita compreender tal fato.
Observa-se que a construção do conhecimento organizacional, especialmente
daquele propugnador de ações, se faz predominantemente norteado por uma
perspectiva eminentemente formal, ignorando as demais dimensões presentes e
inerentes à própria compreensão e análise organizacional.
O presente tópico resgatou as bases norteadoras do agir e entender a
organização dentro da perspectiva da racionalidade instrumental, sendo essa a
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
107
prevalecente nos estudos organizacionais, ainda que ganhem corpo considerações
que apontem os limites dessa perspectiva de análise. E são sobre essas outras
possibilidades, de natureza subjetiva, o objeto de consideração do tópico que se
segue.
3.2. RACIONALIDADE E SUBJETIVIDADE
Ao desdobrar a articulação entre a racionalidade e a objetividade evidenciouse uma outra perspectiva de análise e consideração, ao discorrer sobre as
dimensões de racionalidade presentes em WEBER (1991).
Com o presente tópico pretende-se identificar a perspectiva de análise
organizacional a partir de elementos eminentemente subjetivos. O propósito é,
portanto, demonstrar que subjetividade9 e racionalide não são elementos
incongruentes e que, portanto, podem auxiliar a compreensão e análise dos
fenômenos organizacionais.
A subjetividade humana apresenta componentes de individualização do
sujeito que estão determinados pelos caracteres de autonomia e de autoorganização das pessoas por ele constituída, segundo Morin (1995), a partir de três
princípios, que podem ser sintetizados em:
•
o do computo que se constitui na construção identitária do indivíduo a
partir de aspectos de referência externa e interna intercomunicáveis;
•
o informático da realidade que se constitui segundo as percepções e
interpretações do indivíduo da realidade; e
9
O termo subjetividade tem suas origens no desenvolvimento da consciência individual do
pensamento humano e busca designar a essência ou fundamento que caracteriza e diferencia as
pessoas umas das outras. Modernamente o subjetivismo é uma doutrina que reduz a realidade ou os
valores a estados do sujeito (universal ou individual). Fala-se de subjetivismo moral e o subjetivismo
estético quando o bem, o mal, o belo ou o feio são reduzidos às preferênciass individuais
(ABBAGNANO, 1999).
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O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
108
•
o do eu que se constitui das mudanças e transformações do si.
Tal conceito determina uma construção ímpar e particularizada da
subjetividade que a torna apropriação única, onde o indivíduo considera-se a partir
da auto-subsistência e auto-sustentação frente a padrões pessoais de interpretação
da realidade social. A construção de parâmetros definidores da individualidade e
subjetividade humanas concentrou-se em fatores externos e garantiu uma maior
tendência exógena em considerar alguns objetos como relevantes.
Este posicionamento humano, segundo Morin (1995) desconstruiu alguns
pilares da própria estruturação do eu, dentre eles:
a) a diferenciação do EU (ato de ocupação do lugar central no próprio
mundo) do NÃO-EU (em que há um questionamento de si próprio e se
cria uma imagem – do outro – externa como responsável pela definição
de si próprio);
b) a percepção da continuidade dos atos e a permanência de
determinadas concepções – a continuidade histórica do eu passa a ser
fator secundário em relação àquilo que se deseja no agora, no
presente, sem haver uma preocupação direta com passado e futuro e
nenhuma interligação entre as fases temporais do homem;
c) a possibilidade de exclusão centrada em si próprio e responsável pelas
próprias realizações apresenta-se substituída pela centralidade do
outro e da possibilidade de se perceber, em maior intensidade, a partir
da realização própria percebida pelo outro;
d) a possibilidade de inclusão passa a ser percebida a partir da inscrição
dos outros em si mesmo; e,
e) a intercomunicação torna-se válida segundo processos de alteridade
em que há a necessidade de se estar com outro enquanto princípio
estrutural e estruturante.
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O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
109
Tais fatores estruturadores da subjetividade contemporânea podem ser
percebidos sob a ótica do mundo do trabalho, cujas modificações estabeleceram
novas formas e relações entre indivíduo e organização.
Devido às mudanças provocadas pelas tendências macroeconômicas e dos
fenômenos evidenciados na sociedade pós-industrial, assim denominada por De
Masi (1997) e por Bell (1977), há uma redefinição da concepção de subjetividade
humana contemporânea e estimula-se um processo de desconstrução de conceitos
antes apresentados para instituir novas caracterizações e fatores à subjetividade
moderna.
Tal construção da análise da sociedade pós-industrial e as influências destas
variáveis na subjetividade humana são percebidas de forma diferenciada por
Baudrillard (1991) em que se identifica uma mentalidade individualista e consumista
do homem, a qual é constituída pela manipulação dos objetos, a super variedade
dos mesmos que determinam a “livre” possibilidade de escolha, ou seja, “não se
pode deixar de não escolher”.
Além destas, há a consumação da subjetividade humana, determinada pelo
modo ativo de estabelecimento das relações definidas pelas escolhas feitas, que se
apresentam segundo a satisfação dos desejos e a temporalidade com que definem
tais satisfações.
Assim sendo, a subjetividade contemporânea constituída pelo homem
moderno, segundo caracterização de Rojas (1997), apresenta-se segundo três
conceituações:
a) a subjetividade neomoderna – que apresenta uma superação do
paradigma estabelecido
a partir da dimensão da
reflexão e
centralização do sujeito ou a reconstrução da mesma;
b) a subjetividade pós-moderna – na qual o sujeito não apresenta
capacidade de perceber as estruturas constituintes da consciência que
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O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
110
determinam uma rede global de significados sob os quais o homem
não apresenta capacidade de domínio;
c) e a negação da subjetividade – a partir de concepções anti-humanistas
de caráter científico (destino pré-estabelecido do homem), filosófico
(estruturalismo francês) e contestatório (atitudes da sociedade
contemporânea que denunciam a repressão).
A desconstrução do modelo paradigmático estabelecido e a possibilidade de
reconstrução da subjetividade do homem desafiam a capacidade do indivíduo em
encontrar a si mesmo como foco central a partir de um conceito diferente de
subjetividade segundo o ego-transcendental, da capacidade de se perceber como
ser do mundo – dasein – e da razão comunicativa que se centraliza na linguagem
humana como foco.
Os fenômenos contemporâneos que determinam tais mudanças na percepção
do homem de sua própria caracterização e subjetividade são percebidos, segundo
Rojas (Op. cit.), sob as seguintes perspectivas:
a) a centralização da vida moderna no individualismo, ou seja, a invasão
da sociedade pelo “eu” que determina a perda da dimensão histórica e
o declínio da herança antropológica e a preocupação central do próprio
“eu” no lugar do âmbito “religioso” (busca da saúde e da segurança
psíquica), que determinam necessidades psicossociais devido ao
excessivo individualismo a partir da exclusão do outro e da perda da
liberdade;
b) a era do vazio ou sedução “no stop” que se diferencia pela super
multiplicação das escolhas e do processo de personalização das
coisas e de erotização das mesmas;
c) e
a
“pura
indiferença”
dos
indivíduos,
caracterizada
pelo
desinvestimento emocional, a partir do despir de alguns valores e
virtudes com destruição de algumas instituições historicamente aceitas,
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O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
111
além do desaparecimento de ideologias sociais, da desarticulação de
antigos valores e surgimento de novos, ocorrendo a substituição da
sociedade “do discurso” pela sociedade “da imagem”.
Assim sendo, exige-se um novo modelo de subjetividade, uma vez que o
conceito paradigmático adotado não capta de maneira satisfatória as variáveis
relevantes para interpretação do homem e da realidade contemporânea. Os
processos de desconstrução e reconstrução do modelo estabelecido apresentam
como um dos fatores relevantes à centralidade, ou a perda desta, da variável
trabalho nas instituições e concepções consideradas prioritárias pelo homem.
A predominância do “estar sendo”, que representa a aparência do “ser”,
segundo Habermas (1987; 1996), define relações singulares na ‘identidade de papel’
e na ‘identidade do eu’, que constituem a incorporação de unidades simbólicas
mediadas pela socialização a partir da integração dos papéis sociais representados.
Estas relações existentes entre indivíduo e organização permitem o
aparecimento de novos conceitos e de variáveis relevantes ao processo de
construção da subjetividade humana no trabalho que anteriormente não eram
consideradas.
As mudanças no mundo do trabalho e as consideradas no contexto socialeconômico vigente ao final do século XX determinam novas formas de percepção da
subjetividade humana e como esta vem sendo influenciada pelo mundo do trabalho.
Percebe-se
que
a
subjetividade,
enquanto
perspectiva
de
análise
organizacional, ainda é pouco explorada, dentre outros aspectos, por não prometer
ou apontar ganhos palpáveis ou resultados mensuráveis. Ainda assim, é inegável, a
proximidade proporcionada por essa perspectiva, do indivíduo e suas escolhas de
modo a considerar tais escolhas, como únicas, particulares mas envoltas em uma
totalidade, em uma busca de unidade.
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3.3. OBJETIVIDADE E SUBJETIVIDADE
Neste tópico busca-se estabelecer uma articulação entre os tópicos
anteriores, tendo como pano de fundo os estudos organizacionais, de maneira a
apontar as complementações existentes entre as perspectivas subjetivistas e
objetivas, portanto, consideradas como auxiliares no entendimento do cotidiano
organizacional.
Os anos setenta marcam a maturação do debate subjetividade-objetividade,
ação-estrutura, significado-função, na pesquisa organizacional. Partindo das
premissas objetivistas do funcionalismo de Parsons (1960), pela contribuição de
Simon (1960; 1961; 1965) e sua resistência a não reificar seu objeto de estudo e
voltando novamente à reificação com a abordagem contingencial, o paradigma
vigente entra em crise.
Marcados pela influência de um número de escolas – fenomenologia,
simbolismo, cognitivismo, etnografia etc. – os estudos organizacionais têm
considerado nas últimas décadas o aspecto subjetivo.
Merece referência, enquanto ponto de partida nos estudos que enfatizam o
aspecto subjetivo, o trabalho de Weick (1973) centrado no ponto de vista que o
mundo externo não tem um sentido em si, e que são os seres humanos que
atribuem sentido ao mundo. Assim, segundo Weick, o processo cognitivo por meio
dos quais os indivíduos dão sentido aos fluxos de experiência, deve ser objeto de
estudo.
Um dos seus conceitos mais utilizados nos estudos organizacionais relacionase com os mapas cognitivos, ou causais, construções dotadas de sentido e ordem
lógica. Talvez seja esta uma das principais diferenças do cognitivismo da
fenomenologia, segundo a qual, não devem existir premissas na análise do objeto,
pois ele que vai nos mostrar, por meio da variação, as múltiplas e inesgotáveis
facetas da sua compreensão.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
113
Com os mapas cognitivos tem-se uma abordagem subjetiva para os estudos
organizacionais enfocados nos recursos simbólicos, com forte influência da
fenomenologia e do cognitivismo.
Elster (1989) apresenta algumas considerações acerca dos mecanismos
causais que servem como unidade básica das ciências sociais, baseado,
principalmente, na teoria da escolha racional.
Segundo o autor, a unidade elementar da vida social é a ação humana
individual. Explicar as instituições e a mudança social é mostrar como elas instituemse como resultado da ação e interação de indivíduos. Tal perspectiva, conhecida
como individualismo metodológico serve como base para várias teorias no campo
organizacional, caracterizando-se como uma abordagem subjetiva para os estudos
organizacionais com foco nos recursos materiais dessa interação.
Em nível individual, explicar uma ação é olhá-la como resultado final de dois
filtros. O indivíduo encontra-se frente a uma ampla gama de ações possíveis. O
primeiro filtro compõe-se de todas as limitações físicas, econômicas, legais e
psicológicas que o indivíduo enfrenta. O segundo filtro determina quais ações,
dentro do conjunto de oportunidades, serão, de fato, desempenhadas. Os principais
mecanismos considerados no processo de escolha são: escolha racional e normas
sociais.
Para Elster (1989) os mecanismos geradores de escolha são mais
fundamentais do que os mecanismos geradores de normas. Na perspectiva da
escolha, as ações são explicadas por oportunidades e desejos: o que as pessoas
podem fazer e o que elas querem fazer. Às vezes, as limitações são tão fortes, que
pouco espaço é deixado para o segundo filtro (escolha ou norma) operar. O conjunto
de oportunidades é reduzido numa única possibilidade de ação.
O debate sobre a relativa importância de oportunidades ou preferências é
controverso. No entanto, o autor aponta que, pelo menos num aspecto, as
oportunidades são mais básicas que os desejos: são mais fáceis de serem
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
114
observadas, não apenas pelos cientistas sociais, mas também por outros indivíduos
na sociedade.
Outra razão tem a ver com a possibilidade de influenciar o comportamento. É
mais fácil – no sentido custo-benefício - mudar as circunstâncias e oportunidades
humanas do que mudar seus modos de pensar. As oportunidades são externas ao
indivíduo, objetivas. Desejos são internos e subjetivos. A dificuldade reside em como
os elementos objetivos e subjetivos interagem para produzir uma ação.
Com base nestas considerações, apresenta-se a teoria da escolha racional,
segundo a qual, quando as pessoas enfrentam diversos cursos de ação, elas
geralmente farão o que acreditam alcançar o melhor resultado geral.
Escolha racional é instrumental: é dirigida pelos resultados das ações, por isto
está tão influente na teoria organizacional e tem a ver com o encontro dos melhores
meios para dados fins. No entanto, as pessoas escolhem o que elas acreditam ser o
melhor meio. O processo pode ser racional, mas não verdadeiro. A verdade é uma
relação entre a crença e o objeto da crença. A racionalidade é uma relação entre a
crença e em que esta crença baseia-se.
Elster (1989) apresenta uma análise interessante sobre a ação humana e
oferece contribuições interessantes sobre a interação. Ele considera que muitos
eventos apresentam conseqüências não-intencionais – objeto das ciências sociais –
devido à interação e interferência social.
Segundo o autor, a ação coletiva se define com base na cooperação:
“Cooperar é atuar contra o próprio interesse de modo a que todos possam se
beneficiar, caso alguns, ou possivelmente todos, atuem da mesma maneira”
(ELSTER, Op. cit., p. 26). Problemas da ação coletiva tornam-se evidentes porque é
difícil fazer com que as pessoas cooperem para seu benefício mútuo. Resolver o
problema é alcançar cooperação mutuamente benéfica.
Dessa forma, parece óbvio que a existência de organizações deve-se
principalmente à mediação de tais dilemas relativos à cooperação. Taylor (1987) foi
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um dos primeiros a reconhecer que a organização é um corretivo das limitações
humanas, mas baseia-se numa concepção perversa da natureza humana.
Por sua vez, a relação entre as limitações humanas e a necessidade de
recorrer à cooperação organizada é enfatizada por Barnard (1971), ele é um dos
primeiros a ser influenciado pelo progressivo declínio do individualismo utilitarista
(darwinismo social), a favor de uma filosofia que considera a sociedade como uma
entidade cooperativa regulada por princípios morais.
O autor define as organizações como sistemas cooperativos: complexos de
componentes físicos, biológicos, pessoais e sociais, que se encontram numa relação
sistêmica específica, em virtude da cooperação de duas ou mais pessoas visando a
um alvo definido. A ação cooperativa de membros (sejam eles funcionários, gerentes
ou proprietários) está na base da análise do Barnard (Op. cit.).
Escrito no auge do sucesso da administração científica de Taylor (1987), o
autor, um prático e agudo observador do fenômeno organizacional, introduziu vários
conceitos relacionados com a psicologia e a sociologia das organizações, fortemente
influenciada por Follet (1942) e Fayol (1990).
Para Barnard (1971, p. 44) o indivíduo é como “coisa total, singular, única,
independente, isolada, abarcando inúmeras forças e matérias passadas e presentes,
que constituem fatores físicos, biológicos e sociais”, portanto, reconhece a existência
de elementos de natureza subjetiva presente no indivíduo que não pode ser
previamente previsível e normatizado.
O livre-arbítrio também é limitado porque o poder de escolha dos seres
humanos é paralisado, se for grande o número de oportunidades iguais. Tal
limitação das possibilidades é necessária para a escolha. Eis que “a tentativa de
limitar as condições de escolha, de forma que torne praticável o exercício de querer,
é o que chamamos de criar ou realizar um ‘propósito’, ou finalidade” (BARNARD, Op.
cit., p. 45).
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O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
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Os objetivos são vistos como tentativas de limitar as condições de escolha. As
limitações, dentro das quais a escolha é possível, são impostas pela presença
conjunta de fatores físicos, biológicos e sociais.
Em coerência com o arcabouço teórico oferecido por Elster (1989), o autor
enfatiza que as escolhas são feitas com base em: propósitos, desejos, impulsos do
momento; e, alternativas externas ao indivíduo, por ele reconhecidas como
aproveitáveis ou úteis (ou seja, oportunidades).
Eis algumas idéias do autor:
A implicação mais comum da filosofia do individualismo, da escolha ou livre
arbítrio, reside na palavra “propósito”. A expressão mais comum da filosofia
oposta, da determinação, do behaviorismo, do socialismo, é “limitação”. Da
existência de propósitos de indivíduos – ou da crença em sua existência – e
da experiência de limitações, origina-se a cooperação para atingir
propósitos e superar limitações (BARNARD, 1971, p. 52).
Cooperação e organização, como são observadas e experimentadas, são
sínteses concretas de fatos opostos, bem como de pensamentos opostos e
emoções dos seres humanos. A função do executivo é exatamente a de
facilitar a síntese de forças contraditórias em ação concreta, para reconciliar
forças, instintos, interesses, condições, posições e idéias conflitantes
(BARNARD, Op. cit., p. 51).
Retomando a análise de Elster (1989) e em coerência com o pensamento de
Barnard (1971), seria um erro supor que a motivação central da cooperação seria o
interesse próprio do indivíduo, afinal existe um conjunto de fatores entre os quais
sempre estão presentes motivações não-egoísticas.
Na corrente de estudos organizacionais, o autor que mais se destaca na
aplicação da perspectiva da escolha racional é SIMON (1960; 1963; 1965). Os
objetivos da sua análise não são os fins e as funções desempenhadas pelas
organizações, mas os comportamentos humanos concretos nas organizações. As
pessoas nas organizações são vistas como sujeitos que tomam decisões
continuamente, assim, a decisão torna-se o objeto principal do conhecimento
administrativo.
Simon, o único prêmio Nobel da área organizacional inova e vai de encontro à
tradição, quando enfatiza o caráter limitado da racionalidade humana. As limitações
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O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
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objetivas do conhecimento, a impossibilidade de prever todas as conseqüências, a
incapacidade de considerar, simultaneamente, numerosas variáveis na tomada da
decisão, a incerteza interna a qualquer hierarquia de preferências, a disposição
mental e as convicções devidas à cultura e outros condicionamentos sociais fazem
com que, na maioria dos casos, as decisões sejam tomadas com base no critério da
satisfação, ao invés de otimização.
Simon (1961) retoma o modelo proposto por Barnard (Op. cit.) ao considerar
que as organizações oferecem o modo mais eficaz de integrar e coordenar o
comportamento humano mantendo a racionalidade em nível alto.
O equilíbrio entre os incentivos e as contribuições, proposto por Barnard como
princípio geral do funcionamento de uma organização, é retomado na análise de
Simon. Este é visto como o resultado deste fluxo de decisões – racionalmente
limitadas - tomadas pelos indivíduos no âmbito das organizações. Assim, o sujeito
confronta as contribuições de que é disposto a dar com os incentivos – materiais ou
morais – que espera receber.
Diferentemente dos funcionalistas, Simon (1961) não analisa apenas o
consenso dos membros de uma organização, mas também as causas e as formas
dos conflitos que possam ser de natureza individual ou organizacional.
Atuar racionalmente é fazer bem, enquanto puder. “A noção da racionalidade
é definida para um indivíduo, não para uma coletividade de dois ou mais indivíduos”
(ELSTER, 1989, p. 9). No entanto, quando duas ou mais pessoas interagem, as
conseqüências da interação podem ser diferentes das esperadas. Estudar a
organização é estudar os efeitos da interação entre indivíduos.
A análise de Simon olha a organização como resultado das ações –
coordenadas e racionalmente limitadas – de um conjunto de pessoas que agem
baseando-se em premissas internas e externas relativas à própria organização.
Assim como Elster (1989), que é cético em relação à modelagem
organizacional, para Simon, as decisões, em nível individual, são vistas como um
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processo
no
qual
determinados
meios
são
escolhidos
visando
alcançar
determinados fins. Baseado no positivismo lógico, Simon considera a adequação de
meios como objeto de juízos de fato e a escolha dos fins como objeto de juízos de
valor. Embora tal definição lembre Weber, Simon não reconhece a tensão criada
entre estes juízos, mas os coloca numa contínua relação.
Outros autores contribuíram na mesma linha de estudos que enfatiza o
processo decisório nas organizações. Na administração pública, por exemplo, o
processo decisório incremental, apresenta-se por Linbdlom (1981) como a melhor
forma de fazer políticas públicas.
Este autor observa que grande parte das decisões políticas é tomada com
base num processo decisório incremental. “Rupturas” associam-se com grandes
riscos políticos, que poucos governantes são capazes de enfrentar. Por meio de um
processo decisório incremental - muddling through - assegura-se maior flexibilidade
e adaptabilidade às condições incertas do ambiente.
O presente tópico buscou enfatizar o processo de maturação decorrente dos
debates envolvidos na questão subjetividade e objetividade, no âmbito da pesquisa
organizacional nas últimas três décadas de modo a considerar a complementaridade
entre as abordagens objetivas e as abordagens subjetivas considerando os recursos
de natureza simbólica e os recursos de natureza material. A questão continua
presente no tópico que se segue como maior enfâse agora a sociologia.
3.4. SUBJETIVIDADE VERSUS OBJETIVIDADE
As contribuições de Giddens (1979; 1989;1990;1994) e Bourdieu (1972;1984)
na área de sociologia têm em comum a tentativa de apresentar uma síntese das
perspectivas que enfatizam a objetividade e a subjetividade, representando, para o
campo da sociologia, a tentativa de superação da crise do funcionalismo parsoniano
e do determinismo estrutural marxista.
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A principal contribuição de Giddens na área de estudos organizacionais
relaciona-se à sua teoria de estruturação que, a partir de uma visão dinâmica, visa
permitir o estudo da ação de atores individuais e os impactos da estrutura sobre
estes, facilitando ou dificultando esta ação e possibilitando mudanças na ação dos
indivíduos, assim como na sociedade.
Como o autor reconhece, a teoria de estruturação visa preencher um vácuo: a
falta de uma teoria de ação nas ciências sociais. Relendo as contribuições
estruturalistas - em especial Saussure (1980) e Levi-Strauss (19960 - e
funcionalistas em relação aos conceitos de estrutura e sistema, o autor propõe uma
teoria de agência que visa captar as relações espaciais inerentes à constituição de
todas as interações sociais.
Giddens (1979) relaciona a ação humana com a explicação estrutural. Ele
argumenta que as noções de ação e estrutura pressupõem uma a outra, mas o
reconhecimento desta relação dialética requer a re-elaboração dos conceitos
relacionados com cada um destes termos.
A teoria de estruturação enfatiza que a compreensão dos sistemas sociais
situados no tempo-espaço possa ser efetuada vendo a estrutura não no tempo e
espaço, mas como ordem virtual de diferenças, produzida e reproduzida em
interações sociais, como meio e produto.
Giddens (1979; 1989) enfatiza a superação de dualismos: tipos voluntarísticos
versus tipos determinísticos, sujeito-objeto, indivíduo-sociedade, estática-dinâmica e
outros. A teoria de estruturações envolve o conceito de dualidade da estrutura que
tem a ver com a recursividade essencial da vida social e expressa a dependência
mútua de estrutura e agência, tal como se apresenta nas práticas sociais. A
estrutura é meio e produto da reprodução das práticas.
Neste sentido o ator social passa a ser visto como agente e conhece boa
parte das condições da reprodução da sociedade a que ele pertence - perspectiva
negada no estruturalismo e no funcionalismo.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
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A partir da consciência e agência humana, Giddens (1979) diferencia os
conceitos de consciência prática - conjunto de conhecimentos tácitos utilizados em
práticas sociais, presente no nível do subconsciente e referente a intencionalidade,
mas não se revela por meio de práticas discursivas; e de consciência discursiva referente ao conhecimento que os atores podem expressar por meio de discursos.
Baseado em Wittgenstein, Giddens (1979, p. 34) escreve "o que não pode ser
dito é (...) o que deve ser feito: os significados dos itens lingüísticos são
intrinsecamente envolvidos com as práticas que abrangem as formas de vida",
diferenciando-se do estruturalismo, para o qual, o tácito é identificado com o
inconsciente.
As atividades sociais humanas são recursivas, ou seja, elas não são criadas
pelos atores sociais, mas são continuamente recriadas por eles. Envolvidos em tais
atividades e por meio destas, os agentes reproduzem as condições que tornam as
atividades sociais possíveis. No entanto, a ordem recursiva das práticas sociais,
torna-se possível por causa da forma reflexiva de conhecimento dos agentes
humanos.
A continuidade das práticas sociais presume reflexividade, isto é a
reflexividade torna-se possível como conseqüência da continuidade das práticas
sociais, que se tornam distintivamente "as mesmas" no espaço e tempo (CASSELL,
1993).
Assim, a intencionalidade do sujeito crucial para a fenomenologia, elabora-se
com base no conceito de monitoramento reflexivo da conduta, de modo a abranger o
conceito de consciência prática.
Tal concepção considera as razões e intenções iniciadas rotineiramente e
cronicamente na atividade social humana. O caráter intencional das ações humanas
deve ser visto como um fluxo contínuo e não como um conjunto de estados de
consciência que, de alguma forma, acompanham a ação.
Raimundo Santos Leal
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Giddens (1984; 1979) enfatiza a importância do ciclo que se estabelece entre
as conseqüências não intencionais da ação dos atores - objeto da análise
funcionalista e estruturalista - e as intenções da ação humana enfatizadas na
filosofia da ação. Ele enfatiza que "a fuga da história das intenções humanas e o
retorno das conseqüências desta fuga como influências causais na ação humana
são características cruciais da vida social" (GIDDENS, 1979, p. 7).
A contribuição de Bourdieu (1972) baseia-se em dois conceitos principais:
habitus e campo. Assim como Giddens, Bourdieu oferece uma síntese das
perspectivas subjetivista e objetivista, mas, caracteriza-se por uma propensão mais
forte, estruturalista e mantêm vários conceitos marxistas na sua análise.
Um filósofo de formação, mas convertido às ciências sociais, Bourdieu é
influenciado
pela
tradição
fenomenológica-existencialista
que
dominou
o
pensamento francês nos anos cinquenta, bem como pela nova corrente
estruturalista.
Os seus trabalhos de campo e o acesso ao campo teórico da antropologia
estrutural lhe permitem re-construir o conceito de habitus, que visa explicar “as
relações de afinidade entre as práticas dos agentes e as estruturas objetivas”
(PINTO, 2000, p. 38).
Bourdieu (1984) considera habitus como um sistema subjetivo, mas não
individual de estruturas interiorizadas, esquemas de percepção, de concepção e de
ação que são comuns a todos os membros do mesmo grupo ou da mesma classe.
Considerando que:
Habitus, uma relação objetiva entre duas objetividades, torna possível uma
ligação inteligível e necessária a ser estabelecida entre as práticas e
situação, o significado da qual é produzido pelo habitus por meio das
categorias de percepção e apreciação que são, em si, produtos de uma
condição social observável (Op. cit., p. 101).
Ou seja, segundo Bourdieu o habitus é o conceito chave para a síntese
subjetividade-objetividade, uma vez que este deve ser compreendido como uma
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gramática gerativa de práticas conforme as estruturas objetivas de que é produto. O
habitus não só interioriza o exterior, mas também exterioriza o interior.
Tais estruturas interiorizadas, incorporadas pelos agentes sob a forma de um
senso prático que facilita a orientação nos domínios concernentes das existências
sociais, apresentam quatro dimensões principais: disposicional, distribucional,
econômica e categórica que se fazem presentes de forma associada no trabalho
empírico (PINTO, Op. cit.).
As condições de existência objetivamente classificáveis e a posição na
estrutura das condições de existência geram o habitus: estrutura estruturante, que
organiza práticas e percepções das práticas, mas também estrutura estruturada,
considerando que o princípio de divisão em classes lógicas, o qual organiza a
percepção do mundo social é, em si, produto da internalização da divisão social em
classes.
Por meio de pesquisas empíricas, Bourdieu (1984) conclui que a aquisição
dos habitus não é um processo de aprendizagem mecânica. Todas as sociedades
prevêem formas de transmissão de práticas que, embora sob a forma de
espontaneidade, apresentam exercícios estruturais, tais como os encontrados na
pesquisa empírica na sociedade kabila: a observação silenciosa das reuniões de
homens, a participação quotidiana na troca de presentes, comunicações léxicas e
gramáticas, relações mãe-pai etc.
Estudando a condição de classe e o condicionamento social, Bourdieu alerta
que indivíduos agrupados em classes trazem com eles, além das propriedades
pertinentes com base na qual se classificam, outras propriedades secundárias, às
vezes ocultadas nos modelos aleatórios.
A classe social não é definida por uma propriedade, nem por uma coleção de
propriedades, nem por uma cadeia de propriedades que partem de uma propriedade
central numa relação causa-efeito, condicionante-condicionado; mas pela estrutura
das relações entre todas as propriedades pertinentes, estrutura esta que dá seu
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valor específico a cada uma destas propriedades e aos efeitos que estas últimas
exercem nas práticas.
Quebrando com o pensamento linear, Bourdieu (Op. cit.) aconselha a
reconstrução de redes de relações interligadas que são presentes em cada um dos
fatores. Paralelamente, ele reconhece que, de um lado, os agentes não são
completamente definidos pelas propriedades, eles possuem num dado momento,
cujas condições de aquisição persistem nos habitus; de outro lado, a relação entre a
posição social inicial e atual é uma relação estatística de uma intensidade muito
variável.
Segundo Pinto (2000) ao aproximar o possível e o provável, a esperança
subjetiva e a probabilidade objetiva, mediante a noção de habitus, Bourdieu modifica
a perspectiva fenomenológica-existencial.
A ambição teórica de superação da alternativa entre o subjetivismo (a
fenomenologia) e o objetivismo (o estruturalismo) encontra um dos seus meios
privilegiados de realização no binômio habitus-campo (PINTO, 2000). Por campo,
Bourdieu (1984) entende espaços estruturados de posições que podem ser
analisadas independentemente das características dos seus ocupantes.
Existem leis gerais dos campos, embora estes possam ser tão diferentes
entre si como o campo da filosofia, da política, da religião etc. Toda vez que se
analisa um novo campo, serão descobertas propriedades específicas, mas, ao
mesmo tempo, serão reconhecidos mecanismos universais.
Todo campo pode ser definido em função de jogos e interesses específicos e
próprios, irreduzíveis aos jogos e interesses de outros campos. Sua estrutura é um
estado de relação de forças entre agentes ou instituições engajadas na luta, ou, se
preferível, na distribuição do capital específico, o qual, acumulado no curso das lutas
anteriores, orienta as estratégias ulteriores (BOURDIEU, Op. cit.).
Bourdieu (Op. cit.) insiste que o princípio das estratégias presentes nos
campos (filosóficos, literários e outros) não é o cálculo cínico, a busca consciente da
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maximização do ganho, mas uma relação inconsciente entre um habitus e um
campo.
O habitus, sistema de disposições adquiridas por meio da aprendizagem
implícita ou explícita, funciona como um sistema de esquemas geradores de
estratégias que possam ser objetivamente conformados aos interesses objetivos dos
seus atores, criticando a visão utilitarista nas ciências sociais.
A perspectiva teórica de Bourdieu caracteriza-se por um considerável grau de
determinismo, expresso, talvez com maior força, na busca de homologias entre
diferentes campos. Bourdieu não nega a ambição de construir uma teoria
unificadora.
Os esquemas geradores do habitus são aplicados, por meio de transferência,
à grande maioria das áreas de práticas. As estruturas de oposição nestas diferentes
áreas de práticas são homólogas entre si, uma vez que elas são homólogas à
estrutura de oposições objetivas entre condições de classes.
Com uma linguagem próxima à física, Bourdieu (1988, p. 109) destaca:
os indivíduos não se movimentam no espaço social de uma maneira
randômica, isto, devido em parte ao fato de que eles se sujeitam a forças
que estruturam este espaço social e, em parte, porque eles resistem às
forças do campo com sua inércia específica, isto é, suas propriedades, que
podem existir em formas corporificadas, como disposições, ou em formas
objetivadas, como bens, qualificações etc.
O presente tópico fez uso das construções de dois sociólogos – Giddens e
Bourdieu - para pontuar a contribuição recente da sociologia no que concerne a
questão da subjetividade e da objetividade tendo como propósito apontar as
perspectivas recentes e considerar as possibilidades de entendimento e interação
dessas duas dimensões da realidade.
Pretendeu-se a partir dessas perspectivas contemporâneas efetuar a
discussão como se estabelecem semelhante discussão e uso dessas dimensões nos
estudos organizacionais. Cabe considerar que aa escolha de Giddens e Bourdieu se
deu a proximidade existente entre suas posições e as considerações de estudiosos
no âmbito da gestão organizacional, além da preocupação dos mesmos como a
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superação da crise fruto do uso das perspectivas funcionalista e marxista para
entendimento da realidade.
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PARTE II
ESTÉTICA E
CONHECIMENTO
HUMANO
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
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CAPÍTULO IV
ESTÉTICA
Todos os símbolos são belos, ricos e significativos,
porquanto refletem a beleza, riqueza e significação absolutas.
A Arca
O capítulo 4 foi desenvolvido com o propósito de resgatar as diferentes
possibilidades de considerar a Estética frente ao conhecimento humano, seja por
perspectivas objetivistas como subjetivistas, seja como conhecimento crítico,
conhecimento
sensível,
seja
enquanto
filosofia,
ciência,
forma
de
saber,
conhecimento intencional.
A finalidade foi aproximar, a partir de um conjunto de contribuições teóricofilosóficas, a Estética, enquanto dimensão filosófica, do conhecimento humano e,
assim, ampliar a percepção e reflexão acerca do cotidiano humano e organizacional,
objeto de consideração por parte da tese.
A estrutura do capítulo, no que concerne aos tópicos, busca entabular
diferentes perspectivas de definição, análise e construção do conhecimento estético.
Teve-se a preocupação de carrear as reflexões de modo a considerar a Estética não
apenas enquanto uma dimensão subjetiva, mas também enquanto possibilidade de
análise enquanto uma dimensão objetiva.
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O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
128
Para a Estética e a compreensão do seu objeto de estudo, cabe esclarecer o
significado de termos fundamentais como “belo”, estético e “arte”, que entram,
reiteradamente, ao longo de sua história, em sua definição.
Cabe reconhecer, preliminarmente, que existe um mundo específico de
relações humanas com a realidade e, portanto, um tipo de objeto, processos e atos
humanos que reclamam, justamente por sua especificidade, um estudo particular,
acerca do papel da Estética.
Embora no pensamento ocidental encontrem-se reflexões estéticas já há vinte
e cinco séculos, enquanto disciplina - como saber autônomo e sistemático - a
Estética tem apenas dois séculos e meio de existência, se tomar como ponto de
partida a publicação da Aesthetica de Baumgarten nos anos de 1750-1758.
Contudo, desde o alvorecer da filosofia na Grécia antiga até nossos dias, rara
é a doutrina filosófica que não dedique certo espaço aos problemas estéticos. E em
nossa época, ainda que a Estética se conceba predominantemente como uma
disciplina filosófica, ganha corpo e empenho fazendo dela uma ciência, seja como
teoria geral da arte ou como uma ciência particular, empírica.
Nos tópicos seguintes busca-se delimitar o objeto de estudo da Estética.
4.1 ESTÉTICA COMO FILOSOFIA DO BELO
A concepção mais venerável da Estética filosófica, neste ponto, é a que
coloca o belo no centro de suas reflexões. Mas, como já reconhecia Platão (1966)
em Hipias maior, “o belo é difícil”, e o é, sobretudo, ao se guinar, como faz ele, não
“o que é belo, mas sim o que é o belo”. Assim, ao definir a Estética como filosofia ou
ciência do belo, a dificuldade consiste exatamente em definir o conceito.
Para Platão (1966), o belo é o belo em si, perfeito, absoluto e atemporal. Tal
concepção não é mais que a aplicação de sua doutrina metafísica das idéias.
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O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
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A beleza é apenas uma idéia e como tal existe, com uma realidade suprasensível, independente das coisas belas, empíricas, sensíveis, que só são belas
enquanto participam da idéia.
A beleza, diz também Platão (1966, p. 68), em O banquete, “existe por si
mesma, uniforme sempre e tal como o são as demais coisas belas, porque
participam de sua beleza, e embora elas nasçam ou pereçam, ela não perde ou
ganha nada, nem se altera”.
Quanto ao conteúdo do belo, Platão (Op. cit.) insiste, sobretudo em uma
expressão tomada emprestada dos pitagóricos, quando diz em O sofista: “Nada que
seja belo o é sem proporção”.
Aristóteles (1995) contrapõe a tese do belo em coisas empíricas, mas,
seguindo seu mestre, reconhece entre os componentes reais da beleza a proporção
das partes. A esses componentes agrega os de simetria e extensão e, em relação a
eles, os de ordem e limite.
De Platão e Aristóteles deriva a teoria geral, em que se centram as
concepções estéticas posteriores e que, com diferentes modulações, se estenderão
até o século XVIII.
Segundo Bosanquet (1949) a Estética cristã e medieval (com Santo
Agostinho, Hugo de São Vítor, Alberto Magno e Tomás de Aquino) insistirá em que a
beleza é medida e forma, ordem e proporção. E no Renascimento tornará seu,
mesmo assim, o conceito clássico de beleza ao defini-la como “consonância e
integração mútua das partes”.
Todavia, nos séculos XVII e parte do XVIII, continuará imperando essa teoria
clássica do belo, compartilhando assim mesmo o objetivismo que a caracteriza a
partir de um princípio: o belo como qualidade das coisas, da realidade (ideal ou
empírica), independentemente da relação que os homens mantenham com aquelas.
Ainda tendo como referência Bosanquet (Op. cit.) percebe-se que nos tempos
modernos, particularmente desde o século XVIII, a ação do belo como eixo da
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O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
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reflexão estética se desloca do objeto para o sujeito. Ao longo daquele século, os
ingleses Hutcheson, Hume, Burke e Adam Smith acentuaram a dimensão subjetiva
do belo.
A beleza, afirma Hutcheson (1996), não é uma qualidade objetiva das coisas,
mas sim uma percepção da mente. Hume (1965) insiste em que a beleza só existe
na mente daquele que a contempla. Posteriormente encontra-se o elemento
subjetivo do belo como atributo da “natureza humana” na Estética da Ilustração, ou
como produto da consciência do homem, no sentido idealista transcendental de
Kant.
O belo em todas essas concepções não estaria no objeto, que só por isso e
não por si mesmo seria considerado belo. As posições objetivista e subjetivista
povoam a história do pensamento estético quase ao longo de 22 séculos.
Pretendeu-se superá-las em diversos momentos dessa história, e especialmente em
nossa época, como uma relação peculiar entre sujeito e objeto.
Verifica-se que em todas as doutrinas assinaladas e, qualquer que seja o
modo, é concebido - em um sentido ideal ou real, objetivo ou subjetivo, à margem do
homem ou em sua relação peculiar com a realidade – o belo como algo que está no
centro das reflexões estéticas.
E, uma vez que os objetos ou a relação com eles só interessam
esteticamente por sua beleza inerente, ou pelo sentido do belo que despertam nos
sujeitos que os contemplam, a Estética, que estuda esses objetos ou as atitudes em
relação a eles, se define como ciência do belo. E, enquanto se ocupa da arte, esta é
para ela a bela arte ou a atividade humana produtora de beleza.
Tem-se, pois, a Estética como ciência do belo. As dificuldades desta definição
derivam exatamente do lugar central que nela ocupa o belo. Fora dela resta o que
não se encontra nas coisas belas: não só sua antítese - o feio -, mas também o
trágico, o cômico, o grotesco, o monstruoso, o gracioso etc; ou seja, tudo que,
mesmo não sendo belo, não deixa de ser estético.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
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É evidente que se pode entrar em uma relação estética com os objetos em
que se dão esses aspectos, embora não sejam os próprios do belo; e, mesmo
assim, é evidente que, com relação a eles, adota-se um comportamento específico
em cada caso, que não se identifica com o que mostramos ante os objetos belos.
Por outro lado, se fixa a atenção no belo tal como o encontramos no
Parthenon de Atenas ou na Gioconda de Leonardo da Vinci, em um retrato de David,
em um quarteto de Vivaldi ou em uma sinfonia de Mozart, ou seja, o belo em sentido
clássico, não poderia fazer entrar nesse conceito o quadro de Goya; Saturno
devorando seus filhos, O boi esfolado de Rembrandt.
Portanto, se é válido afirmar que todo o belo é estético, nem todo estético é
belo. A esfera do estético é mais ampla que a do belo. Por sua vez, na arte não
pode reduzir-se versão clássica, embora esta tenha dominado a cena artística no
Ocidente durante mais de vinte séculos.
Mas, se assim é, o belo não pode constituir o conceito central na definição da
Estética, já que esta ficaria limitada ao excluir de seu objeto de estudo o estético
não-belo; ou insuficiente ao considerar o belo em uma única forma rica,
determinada, de arte: o clássico. Por outro lado quando se concebe o belo do modo
idealista, metafísico, isso a acatar as premissas correspondentes: o reino das idéias
em Platão (1966), o absoluto em Schelling (1978) ou a idéia absoluta em HEGEL
(1975).
Mas então a Estética se transforma em um apêndice ou ilustração da
metafísica. De modo semelhante, quando se faz do belo um produto de nossa
consciência, seja no sentido transcendental de Kant (2002), seja no psicológico da
teoria da Einfühlung10, a Estética passa a ser um ramo da filosofia idealista subjetiva
ou capítulo da psicologia.
Finalmente, às dificuldades que apresenta a introdução do belo como
conceito central na definição da Estética, é preciso juntar as que suscitam a própria
prática artística. Embora seja certo que durante séculos a beleza predominou na
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
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criação artística, nem sempre foi assim na história da arte.
Em suma, se a Estética não pode deixar de levar em conta a história real e se
outros valores estéticos desalojam o do belo, também não pode fazer deste o seu
objeto central. Em conseqüência, hoje menos do que nunca, quando a arte e os
artistas a jogam fora após cultuá-la durante séculos, a Estética não pode se definir
como a ciência do belo.
Neste primeiro tópico buscou-se efetuar um retrospecto histórico acerca da
evolução da Estética e as diferentes conceituações assumidas ao longo dos séculos,
evidenciando as dificuldades para apontar o que é a Estética e o que ele busca
desbastar. Os tópicos subseqüentes permitem o delineamento da Estética sob a
ótica da filosofia, ciência, dentre outras referências.
4.2 ESTÉTICA COMO FILOSOFIA DA ARTE
Soa estranho considerar a Estética enquanto uma forma de conhecimento,
portanto, esse é um bom ponto de partida no resgate do valor e contribuição da
Estética, seja contemporaneamente, seja na evolução humana. Para tanto,
apontam-se algumas questões que possam nortear as reflexões preliminares acerca
da contribuição da Estética sobre tal perspectiva. Cabe então, indagar:
a) sendo a Estética um tipo de saber, que saber é esse?
b) que relação pode ser estabelecida entre a Estética e a Filosofia, entre
Estética e as Ciências?
c) que métodos podem ser apontados enquanto adequados à Estética?
Sobre estas indagações pretende-se inicialmente considerar o valor e
contribuição da Estética, assim como sua interface com outros ramos do saber.
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“empatia” ou “projeção sentimental”.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
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Algumas
dessas
indagações estão
associadas e
articuladas
aos tópicos
antecedentes e que passam a ser desenvolvidos.
Ao considerar historicamente a evolução das reflexões sobre a Estética
verifica-se que as reflexões que predominam nesse campo têm um caráter filosófico;
e que também, como tais, sua atenção se concentra em fenômenos artísticos como
manifestações de um princípio supremo: metafísico, ontológico ou antropológico (a
idéia, o ser, Deus, o homem e a consciência humana).
Tal saber estético, que exerce um domínio não compartilhado desde o
alvorecer da história da filosofia na Grécia até nosso tempo, pode ser exemplificado
com algumas das estéticas metafísicas ou especulativas contemporâneas.
Maritain (1970) ao definir o belo como “esplendor da forma” ou “de todos
transcendentais reunidos”, não faz mais que transportar para o âmbito do sensível
os princípios básicos de sua filosofia. E quando vê, na arte e, particularmente, na
poesia, a beleza, como seu correlato necessário, atende mais ao princípio metafísico
do belo que ao status real, histórico, da arte.
Algo semelhante tem-se na Estética, que, atendo-se à fenomenologia
husserliana, busca na consciência a essência do objeto estético como objeto
intencional e imanente a ela.
Quando Heidegger (1971) transita da fenomenologia à ontologia fundamental,
e dela à análise existencial do ente, o “ser-aí” ou existente humano que se pergunta
pelo ser, a problemática estética fica ancorada em sua analítica existencial e
ontológica. Com uma nova roupagem, reaparecem aqui as velhas teses metafísicas
de “a beleza como manifestação da verdade” ou do belo como “esplendor do ser”.
Heidegger (Op. cit.) ao concentrar sua atenção na arte e, mais especialmente,
na poesia, e ao afirmar que o caráter privilegiado da poesia insiste em que o ser tem
a sua morada na linguagem, não excede o plano especulativo tradicional.
Ao proclamar, como teses fundamentais, a objetividade natural do estético ou
a arte como reflexo da realidade, não faz senão aplicar seu princípio ontológico,
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O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
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como primado do ser, e o gnoseológico do conhecimento, como reflexo, ao campo
do estético e do artístico.
Ao concentrar sua atenção no realismo como forma histórica da arte - uma
forma que, em definitivo, se deduz de ambos os princípios filosóficos -, semelhante
estética realista, dá as costas à rica, dinâmica e complexa experiência estética e
prática artística, que não se encaixa nesses moldes ontológico e gnoseológico.
4.3 ESTÉTICA ENQUANTO CIÊNCIA DA ARTE
As dificuldades apontadas levam a Estética a deslocar da beleza para a arte o
conceito central de sua definição, de modo que, a Estética se transforma então na
filosofia da arte. As razões de tal mudança e as limitações inerentes à mesma serão
objeto de consideração no presente tópico.
O estético ou o belo deixa de interessar como problema especial ou exclusivo
e a atenção se concentra ali onde um e outro acontecem: na arte. Dessa forma a
Estética passa a ser vista como uma filosofia ou teoria da arte. Em favor dessa
concepção atua o papel privilegiado que, desde o Renascimento, foi atribuído à arte
no universo estético.
Na verdade, só a partir de então começa a ser considerada por seu
significado propriamente estético. Ou seja, como uma região própria, auto-suficiente,
e não por seus serviços aos poderosos do céu ou da terra. Em outros tempos as
estátuas góticas, por exemplo, eram vistas, antes de tudo, como meios para invocar
uma divindade; não eram vistas como “obras de arte”.
Portanto, para que a arte fosse reconhecida como uma atividade humana
autônoma era preciso que se reconhecesse no homem a capacidade criadora que
antes só era atribuída a Deus. E é o que acontece, no Renascimento, na sociedade
burguesa que começa a ganhar forma nas repúblicas italianas do século XV, como a
de Florença.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
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O artista, com sua personalidade própria, original e criadora, começa a
adquirir desde então verdadeira carta de cidadania e a distinguir-se do artesanato.
Tudo isso é inseparável do humanismo burguês, renascentista, que afirma a
autonomia do homem ante Deus e a natureza.
O artista conquista, por sua vez, a autonomia, na medida em que esta obtém
seu reconhecimento entre as artes liberais e se distingue das artes mecânicas,
manuais ou servis. Os artistas afirmam, assim, sua diferença em relação aos
artesãos.
E exatamente no mesmo século em que se reconhece a autonomia da arte
como arte bela e em que se distingue como tal do artesanato, dos ofícios, que nasce
também, em meados do século XVIII, com Alexander Gottlieb Baumgarten (17141762), a Estética como disciplina filosófica autônoma. E, em concordância com tudo
isso, na medida em que se eleva não só sua autonomia, mas sua importância no
universo estético, a arte passa a ocupar o lugar central.
Ao trocar a posição social e cultural da arte e adquirir cada vez mais – desde
o Renascimento até nossa época – uma posição central, às vezes exclusiva no
universo estético, aponta-se para a tendência de fazer da Estética uma filosofia ou
teoria que coloca a arte no centro da sua reflexão.
Não pode deixar de ser reconhecido que este enfoque teórico da Estética
resulta mais fecundo do que o das tradicionais filosofias do belo, que relegavam a
arte a um lugar inferior.
Assim, para Platão (1966) a beleza artística estava por baixo da beleza
suprema, ideal. As obras dos pintores e escultores eram para ele imitações de
imitações (das coisas reais que, por sua vez, eram cópias das idéias).
Para Santo Agostinho (1990; 1999) existe uma arte suprema: o divino, do qual
é obra a natureza; o humano só atua com as formas cujo modelo toma de Deus. Por
outro lado, continuando a tradição grega que será impugnada no Renascimento,
sublinha o caráter servil da arte humana por utilizar-se - como o trabalho físico - da
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
136
matéria.
A contribuição da filosofia da arte está em ter centrado sua atenção nela,
respondendo ao papel privilegiado que tem no Ocidente desde o Renascimento.
Portanto, embora para a Estética a arte seja um objeto de estudo fundamental, não
pode ser exclusivo.
Por mais importante que seja para ela, é apenas uma forma do
comportamento estético do homem. A importância que a arte alcança na relação
estética do homem com o mundo é um fenômeno histórico: surge e se desenvolve
no Ocidente a partir dos tempos modernos.
Considere-se que a relação estética, como forma específica da apropriação
humana do mundo, não se dá apenas na arte e na recepção de seus produtos, mas
também na contemplação da natureza, assim como no comportamento humano com
objetos produzidos com uma finalidade prático-utilitária.
Percebe-se que a definição da Estética como filosofia da arte é, pois,
duplamente limitativa: não só restringe o campo do estético ao artístico, como
também o da arte com outras atividades humanas (moral, filosofia, política,
economia etc.), assim como a vinculação de todo o campo artístico (não só sua
produção como também sua distribuição e consumo) com a sociedade em que
ocorre e com as diversas relações sociais que a condicionam.
Nessa concepção, a arte aparece dotada de uma essência estética que
corresponde, por sua vez, a uma essência abstrata e imutável do homem. Por outro
lado, essa essência estética costuma identificar-se com o belo, entendido, além
disso, como o belo clássico.
Desse modo, os produtos artísticos de outras sociedades, não ocidentais e
não submetidas aos cânones classicistas, dificilmente podem chamar a atenção de
tal filosofia da arte. Em suma, trata-se de uma teoria limitada diante da amplitude do
universo estético, e unilateral, dada à complexidade e a historicidade.
As
considerações
efetuadas
neste
tópico
procuram
evidenciar
o
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
137
deslocamento ocorrido, em que, a Estética passa a estar mais associada à arte e
não mais à beleza, ainda que a beleza esteja inserida no contexto da arte. Buscouse considerar tal perspectiva, historicamente pontuada, para, ao final, apontar a
limitação inerente a tal concepção de Estética enquanto filosofia da arte.
4.4 ESTÉTICA ENQUANTO FORMA DE SABER
Identifica-se ao longo do desenvolvimento da Estética uma tentativa de
associação da mesma com as ciências, gerando inúmeras teorias. Sobre tais
tentativas o presente tópico será desenvolvido.
Por mais estranho que possa parecer a Estética busca uma articulação com
as ciências e nessa trajetória ela – Estética – mantém a arte como objeto de suas
reflexões, mas tenta lidar com a sua complexidade e historicidade. Assim, tem-se no
século XX a elaboração de teorias, envolvendo a Estética que se agrupam sob a
denominação comum de “ciência da arte”.
O que diferencia essas teorias do visto no tópico anterior, onde é efetuada a
reflexão da Estética enquanto filosofia da arte não é tanto o seu objeto, já que é o
mesmo – a arte –, mas sim, o modo de concebê-lo. Já não se vê, a Estética, por um
único lado, o estético, mas sim em todos os seus aspectos e relações.
O ponto central dessa concepção é a distinção entre estético e artístico.
Estético é o que pode suscitar uma percepção desinteressada; o artístico
compreende os valores diversos que se revelam na obra de arte, compreendendo
também o valor estético.
Graças a tal distinção, que tem origem na perspectiva kantiana, onde a
ciência da arte pode considerar uma obra artística determinada ou a arte de
diferentes épocas ou povos, levando em conta seus valores não exatamente
estéticos, mas também, além dos valores religiosos, morais, racionais ou sociais.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
138
A concepção de Estética envolvendo a arte, desse modo, se liberta assim de
sua submissão à beleza e, mais exatamente da beleza clássica. Com isso, a ciência
da arte se afasta, ao que parece, das estéticas tradicionais que se reduzem à
estética da arte clássica. Ao mesmo tempo, as investigações impulsionadas por essa
ciência podem se estender a manifestações artísticas afastadas do ideal clássico, e
tido por muitos como um afronta à verdadeira arte.
A distinção entre o estético e o artístico vai proporcionar o desdobramento em
duas disciplinas independentes que dividem um e outro âmbito de estudo: a Estética
e a ciência da arte. Com base nessa distinção, a ciência da arte considera a artística
não só pelo seu lado estético, mas como um todo que inclui valores extra-estéticos.
Isso constitui uma contribuição importante em relação às estéticas tradicionais
e, em particular, às de cunho clássico, interessadas exclusivamente no momento
estético. Ao contrário delas, a ciência da arte leva em conta as manifestações
artísticas de outros povos e de outros tempos, ignoradas por tais estéticas.
Mas, junto a essa contribuição inegável, a distinção entre estético e artístico peça fundamental da ciência da arte - apresenta dois tipos de questões: uma, sobre
a natureza dos termos postos em relação, e outra, sobre a própria relação.
O estético é concebido em definitivo como o belo, e esse conceito, por sua
vez, é definido à maneira clássica, com o qual se incorre no mesmo erro frente às
doutrinas tradicionais que se criticam. Por isso, ao ser inaplicável o seu conceito do
estético, as manifestações artísticas não-clássicas separam a arte da beleza ou do
estético em sentido estrito.
Quanto à relação entre o estético e o extra-estético, embora a ciência da arte
chame legitimamente a atenção sobre os valores extra-estéticos incorporados à obra
artística, não acerta em estabelecer uma relação intrínseca entre os dois aspectos.
O estético e o extra-estético se apresentam melhor como extremos ou em
justaposição.
Essa vinculação, assim como a existente entre o estético e o artístico, não
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
139
exclui sua distinção, já que o estético não se esgota na arte: também ocorre na
natureza, nos objetos técnicos e produtos utilitários. Por conseguinte, a arte não se
esgota no estético, já que tem de contar com o que se incorpora a ela do extraestético.
Percebe-se que a busca por distinguir o estético do artístico não justifica, pois,
a distinção radical de Estética e ciência da arte, já que o artístico não pode prescindir
do valor estético. A função estética é sempre indispensável na arte, inclusive mesmo
que esta possa assumir outros valores e cumprir outras funções.
Das considerações efetuadas cabe refletir sobre a necessidade de ao
caracterizar a Estética enquanto campo do saber considerar aspectos que
possibilitem a distinção do estético do artístico; o resgate do seu significado original
de sensível (aisthesis); a extensão do conceito de estético a todos os objetos,
processos e atos que considere não só do estético, mas também o extra-estético na
arte.
Dando ao estético o seu significado original de qualidade sensível, embora
sem reduzi-lo a ela, e utilizando o termo para designar um universo com múltiplas
áreas a que pertence a arte, a Estética enquanto ciência da arte caracteriza, assim
mesmo, com esse conceito, um comportamento específico com a realidade.
Certamente os objetos dessa relação, assim como o comportamento em
relação a eles apresenta aspectos específicos que os distinguem de outros objetos e
comportamentos humanos.
Considerando a Estética enquanto teoria geral de tudo aquilo que se classifica
de estético, tem-se uma área especial de conhecimento - a teoria da arte - que se
justifica pela preeminência já assinalada de seu objeto no universo estético.
Mas a arte não é considerada aqui exclusivamente como costumam fazer as
filosofias da arte, por seu lado estético e identificado tradicionalmente com o belo,
tampouco pelo artístico separado do estético – como defende a ciência da arte, mas
se ocupa dela em toda a sua complexidade, presa esta a um modo peculiar de inter-
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
140
relacionar o estético e o extra-estético, ou seja, a Estética possibilita, vislumbra,
aponta para uma perspectiva global, total, integral, sistêmica.
A Estética se ocupa também do estético não-artístico, ou seja, de uma ampla
esfera de objetos elaborados pelo homem – produtos artesanais, artefatos
mecânicos técnicos, artigos industriais ou usuais da vida cotidiana – que, se reagem
bem a uma finalidade extra-estética, também têm o seu lado estético.
Assim aponta-se neste tópico uma concepção de Estética, considerando-a
como uma ciência de um modo específico de apropriação da realidade, vinculado a
outros modos de apropriação humana do mundo e com as condições históricas,
sociais e culturais em que ocorre, não mais, circunscrita a uma concepção artística.
4.5 ESTÉTICA ENQUANTO CIÊNCIA
A Estética assume também o caráter de ciência na medida em que busca
descrever e explicar seu objeto próprio: certa relação com o mundo, assim como a
práxis artística em cujos produtos se objetiva essa relação.
Ocupa-se, pois, de certos fatos, processos, atos ou objetos que só existem
pelo e para o homem, e que justamente por isso se consideram valiosos ou
portadores de um poder especial: o estético. Por essa dimensão axiológica de seu
objeto, a Estética se distingue das ciências naturais, embora sua atenção possa
coincidir com elas em um mesmo objeto: a natureza.
Mas o belo natural que interessa à Estética não é o natural que existe em si,
antes ou independentemente do homem, justamente o que interessa às ciências
naturais, mas sim a natureza que se constitui esteticamente por ele.
Como toda ciência, a Estética aspira a produção de um conhecimento
objetivo. Portanto, levando-se em conta a dimensão humana, social e axiológica de
seu objeto, trata-se de um conhecimento do que é - em um contexto social
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
141
determinado - valioso esteticamente. O objetivo aqui é o humano, social; por isso,
longe de excluir o ingrediente axiológico, o inclui necessariamente.
A Estética é, pois, ciência de uma realidade peculiar – as experiências
estéticas e as práticas artísticas – em toda a sua diversidade e desenvolvimento
histórico. E como essa realidade faz parte de seu componente axiológico, cabe-lhe
explicar como e por que os valores estéticos se integram a ela. Assim, a Estética
explica esses valores, não os institui ou prescreve; não os propõe nem dita normas
para sua realização.
Como demonstra a história do pensamento estético, os conceitos fechados
acerca do estético – a arte, a estrutura da obra artística, as relações entre a arte e a
moral ou entre a arte e a política - limitam ou anulam a possibilidade de captar os
fenômenos estéticos e artísticos em toda a sua diversidade e complexidade.
A Estética deve estar sempre aberta, não apenas para enriquecer conceitos já
estabelecidos, mas também para introduzir os novos que respondem a uma nova
relação estética com a realidade.
De tudo que foi dito antes, se deduz que não se pode aceitar os conceitos
eurocentrista ou clássicos que deixam fora da arte o que ocorreu artisticamente em
outros tempos ou outras culturas. Da mesma maneira, a Estética não pode fechar os
olhos às práticas estéticas de nosso tempo que dinamitaram o terreno em que se
assentava a Estética tradicional.
Aceitar nas investigações estéticas os conceitos abertos é uma exigência
científica, mas é também uma opção ideológica. Certamente aferrar-se a um
conceito fechado da arte, como o que prevaleceu nos últimos séculos no
pensamento estético ocidental, não é apenas um erro científico, como também uma
posição ideológica.
Mas uma concepção romântica, também conspira para um caráter científico
da Estética, em virtude da qual tanto o objeto quanto o comportamento estético
seriam totalmente opacos ao tratamento lógico-racional característico de toda
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
142
ciência. Quando se afirma isso parte-se, em primeiro lugar, do pressuposto da
inconceitualidade do estético.
Claro que a Estética não pode predizer, por exemplo, os limites e a
composição mutante do universo estético, as formas que adotará a prática estética
ou os ideais, valores ou normas que presidirão a percepção e recepção do estético.
No campo - o da prática estética e artística - a predição se torna impossível,
pelo menos com o rigor, a objetividade, o fundamento com que fazem as ciências
naturais. Portanto, o que se desprende desse império do imprevisível, do incerto e
do inesperado é a necessidade de não converter as experiências estéticas ou
artísticas conhecidas em ideais ou modelos do que ainda não pode ser conhecido.
Ou seja: converter o que foi ou é no que há de ser. O que vão ser no futuro o
estético e o artístico dependerão das condições sociais nas quais irão germinar os
valores, ideais e concepções que impregnarão as experiências estéticas e artísticas
correspondentes. E como essas condições não são rigorosamente previsíveis,
tampouco o são o universo estético e a arte que nelas germinarão.
Em consequência, não cabe à Estética como ciência de um objeto realmente
existente, fundar por antecipação ou instaurar o que, esteticamente, ainda não
existe. Mas pode-se explicar racionalmente o que existiu no passado ou existe
atualmente neste campo. E essa é de fato a sua tarefa como ciência: construir o
objeto teórico adequado ao seu objeto real.
Como toda ciência, a Estética tem um objeto de estudo próprio. Ao delimitá-lo,
justifica sua existência como disciplina especial. Mas isso não significa que por si só,
com uns recursos conceituais e metodológicos possa cultivar sua área específica de
investigação.
Claro que embora seu objeto de estudo – seja de caráter complexo e
multifacetado – possa interessar a diferentes ciências, isso não põe em questão a
necessidade de abordar os específicos que, integrados num todo, cabe à Estética
estudar. O estético e o artístico surgem e se desenvolvem historicamente, e tanto
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
143
em sua origem quanto em sua natureza se encontram condicionados socialmente.
A Estética necessita, por isso, apoiar-se em uma teoria geral da história e da
sociedade que permita situar histórica e socialmente a Estética e delinear o lugar da
arte dentro do todo social, assim como seus laços com outras atividades humanas.
As investigações estéticas não podem se reduzir às sociológicas quando se
abordam problemas como os da criação, valor estético, gosto, percepção etc.
As diversas posições da arte dentro do todo social exigem que ao tentar
explicá-las, aproveitem as abordagens de diferentes sociais. Assim, por exemplo, o
status econômico que adquire a arte na sociedade moderna, capitalista, ao
transformar-se em mercadoria, obriga a Estética a fixar a atenção tanto na economia
como na política e na ciência enquanto relações de produção, põe a descoberto o
tecido mercantil em que se insere a obra artística.
O lugar que ocupa a arte dentro da superestrutura ideológica e as diversas
funções que executa nos aparelhos ideológicos do Estado determinam que a
Estética não possa prescindir da teoria das ideologias, esta oferece certas chaves
conceituais indispensáveis para entender as relações entre arte e ideologia.
Embora seja indispensável que a Estética se apóie nas contribuições da
psicologia ao estudar o aspecto subjetivo, individual, da relação estética, isso não
significa que se reduza a uma “psicologia da arte”. Ao reduzir o estético a uma só
dimensão - a psíquica -, esse psicologismo leva a cabo uma operação unilateral
semelhante à da sociologia, que reduz a complexidade do estético à dimensão
social.
Algo análogo pode ser afirmado também quanto à vinculação da Estética à
psicanálise. Assim, levando em conta os riscos - para não incorrer neles - de uma
vinculação redutiva e unilateral, a Estética pode beneficiar-se das contribuições da
psicanálise ao ajustar, com sua ajuda, o papel das motivações inconscientes ao
processo criador, assim como à formação da personalidade do artista.
A gênese da relação estética do homem com o mundo e a artística, junto com
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
144
a aparição de uma consciência proto-estética, pode ser rastreada nas sociedades
mais primitivas ou pré-históricas de acordo com os estudos antropológicos
autorizados. Desse modo verifica-se aí a importância da vinculação da Estética à
antropologia, particularmente à antropologia social ou cultural.
Na explicação da arte como meio de comunicação, de linguagem específica,
a Estética recorre às ciências que se ocupam dos processos comunicativos. Entre
elas tem-se a lingüística, como ciência que se ocupa do sistema básico de
comunicação, a linguagem verbal.
Recorre assim também à semiótica, cujo objeto de estudo são os sistemas de
símbolos construídos sobre a base da linguagem natural. As conquistas dessa
ciência se tornam indispensáveis para a Estética na medida em que as artes - e não
só as verbais - podem ser consideradas como sistemas de símbolos.
Considere-se ainda que a Estética se beneficia também da teoria da
informação, ciência que se ocupa da informação contida em uma mensagem
transmitida para um emissor a um receptor, por intermédio do canal correspondente,
e um sistema de comunicação determinado.
Este enfoque propiciou a estética informacional fundada por Moles (1958) e
Bense (1971), na qual a obra de arte é concebida como uma mensagem que
transmite uma informação específica ou estética.
As contribuições dessas ciências são fecundas para a Estética, atentando
para que esta não se deixe deslumbrar por suas conquistas impressionantes, nem
se transforme numa simples aplicação ou extensão delas. Portanto, se ao apoiar-se
nessas ciências, concentrar sua atenção nos problemas específicos que a arte
propõe como linguagem, sistema de símbolos ou em que transmite uma informação
específica, restará um amplo terreno para a Estética.
Desse modo, sem deixar de reconhecer a contribuição de tais ciências para o
esclarecimento de aspectos e funções importantes da arte e da Estética, assim
como, para a análise da estrutura interna da obra artística, a Estética não poderá
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
145
esquecer que dado o seu sentido social, o exame de tais aspectos e funções da
arte, assim como de tal estrutura interna, não se deve esgotar nos enfoques
lingüístico, semiótico ou informático.
Com a articulação entre a Estética e o artístico, com diferentes ciências,
observa-se que, diferente da concepção fragmentada de ciência e do conhecimento,
a Estética admite e assume as diferentes contribuições de diferentes ciências, as
complementações de percepções, onde o homem é o centro.
Essa perspectiva de considerar a presença da Estética no cotidiano humano e
sua articulação - da Estética - com diferentes ciências será reforçada no tópico
seguinte, considerando então uma perspectiva ampla, envolvendo o conhecimento
humano.
4.6 ESTÉTICA COMO CONHECIMENTO INTENCIONAL
Segundo Croce (1997), pode existir uma experiência cognitiva, a qual
prescinde completamente da distinção entre verdadeiro e falso: e essa é a intuição
estética.
Segundo o filósofo alemão Edmund Husserl (1859-1938), tal experiência
cognitiva não só é possível, como constitui a característica essencial do
conhecimento filosófico, o qual é radicalmente diferente do saber das ciências
naturais e da psicologia.
Cabe considerar que a fenomenologia volta-separa o descrever o fenômeno e
não de explicar, isto é, deixar que o sentido se aproxime e não reduzi-lo a causas
ou funções, sejam elas psicológicas ou outras. Ainda acerca da descrição deve
insistir que essa descrição é uma escuta, pois o fenomenólogo cala-se diante
daquilo que fala por si mesmo.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
146
Com efeito, a filosofia, para Husserl (2000), constitui-se como “ciência
rigorosa” através de uma “epoché fenomenológica” que prescinde da existência das
coisas do mundo, e até mesmo da existência do mundo na sua complexidade.
Para Husserl (Op. cit.) só é possível alcançar as essências das coisas
mediante uma “intuição eidética” que coloca entre parênteses a sua existência,
assim como exclui qualquer aspecto psicológico. Considera ainda que a
característica do conhecimento filosófico é exatamente a sua “intencionalidade”, isto
é, a referência a um objeto diverso do sujeito conhecente.
Não se pode deixar de assinalar as afinidades existentes entre a teoria
husserliana do conhecimento e o caráter que toda uma tradição de pensamento
(desde Kant) atribuiu à experiência estética, ou seja, o ato que coloca fora do circuito
a realidade do mundo na “epoché fenomenológica” assemelha-se ao “desinteresse”
atribuído por Kant (1989) ao juízo estético, ou à contemplação estética de
SCHOPENHAUER (1969).
O próprio Husserl (2000) se deu conta destas afinidades: por mais que a
questão estética se tenha mantido substancialmente estranha aos seus interesses,
ele releva, numa carta de 1907, a profunda concordância entre o método
fenomenológico e a intuição estética.
Ambos exigem uma tomada de posição essencialmente divergente da
“natural”: a obra de arte está nos antípodas de qualquer afirmação existencial, bem
como de qualquer sentir ou querer qualquer coisa de real.
A atividade do artista é semelhante à do fenomenólogo, não à do psicólogo ou
do antropólogo afinal para a arte como para a filosofia, a realidade do mundo é
indiferente. Elas não aceitam qualquer existência como “pré-dada”: para ambas,
aquilo que conta é a evidência, isto é, o manifestar-se e o apresentar-se à
consciência o objeto na sua essência.
Mas permanece uma diferença entre o filósofo e o artista: enquanto o primeiro
alcança o sentido do fenômeno através dos conceitos, o segundo tende a apropriar-
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
147
se dele intuitivamente.
O problema estético encontra-se, no fato de que as “essências” se transformam nas “qualidades metafísicas” da experiência. Na vida comum, estas se
apresentam numa medida mínima, onde só a arte pode dar a serena contemplação
delas. Na arte, as qualidades metafísicas não se apresentam realizadas, mas
concretizadas e reveladas.
Após haver excluído as acepções mais comuns nas quais esta expressão
pode ser entendida (verdade de fato, verdade ilustrativa, coerência objetiva),
Baumgarten (1993) acaba por afirmar que a verdade da arte consiste na
“concatenação essencial levada à auto-apresentação intuitiva”.
Entretanto de que maneira o emergir de uma dimensão auto-representativa se
concilia com o cavalo de batalha do método fenomenológico, a intencionalidade, que
é o exato contrário de qualquer auto-referência?
Há que distinguir entre “qualidades metafísicas” e obra de arte. Esta última
não é de modo nenhum uma entidade ontologicamente autônoma, à qual possa
competir a plenitude da autonomia que é a auto-referenciação.
Baumgarten (Op. cit.) procura, sobretudo, sublinhar o caráter heterônomo e
intencional da obra literária, a qual é uma entidade complexa, polifônica, articulada
em quatro estratos heterogêneos (formações lingüísticas vocais, unidade de
significado, múltiplas visões esquematizadas e objetividades representadas). Daí
deriva que o estatuto ontológico da arte é, por assim dizer, intermédio entre
realidade e idealidade.
A estratégia intelectual perseguida por Baumgarten (Op. cit.) tem uma dupla
orientação. Por um lado, ela pretende separar claramente a arte do dado naturalista
e psicológico: a experiência estética implica a existência de uma distância
relativamente aos dados de fato; por exemplo, as proposições enunciativas
existentes na obra literária possuem um caráter quase-avaliativo.
Por outro lado, todavia, Baumgarten (1993) não pensa em identificar a arte
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
148
com a essência, ele pretende manter a obra ancorada em fenômenos
aparentemente exteriores e extrínsecos, como é o caso do estrato vocal-linguístico;
aqueles são considerados elementos não elimináveis da obra e impedem a sua
transposição para contextos puramente ideais e não intencionais11.
A arte não tem nada a ver com o conhecimento; ela é simplesmente objeto de
uma ciência da qual nem o artista nem o fluidor têm qualquer necessidade; e essa
ciência é a Estética.
Mas o dado real é algo imprescindível para a experiência estética e é ele que
a fundamenta enquanto tal, distinguindo-a da filosofia. Uma teoria que negue o
aspecto sensível da arte, considerando-a como uma forma de conhecimento, ignoralhe a essência.
É este o fundo da obra de arte, que é tão objetivo como o primeiro plano,
mas, diferentemente deste, não é real, pode-se defini-lo recorrendo à “imaginação”,
mas este termo corre o risco de ser entendido de um modo demasiado subjetivo.
A obra de arte é exuberante relativamente aos materiais de que é feita, como
também ela é destacada e suspensa relativamente à efetividade: sendo a sua
desrealização um dos seus aspectos essenciais.
O ponto de chegada da estética fenomenológica parece então ser uma
espécie de ontologia da obra de arte, que pensa a experiência estética sob a noção
de aparição, um estatuto a meio caminho entre o real e o possível, mas nem por isso
transcendente e supra-mundano.
4.7 ESTÉTICA COMO CONHECIMENTO CRÍTICO
Segundo Adorno (1982) a filosofia de Hegel representou a mais importante
11
A arte é considerada por Baumgarten (1961; 1993) como toda atividade cultural, de cunho religioso
ou profano que produz coisas reconhecidas como belas por um grupo ou por uma sociedade.
Considera, ainda que a arte sempre recorre a uma técnica e seu fim é o de elaborar uma certa
estruturação do mundo, mas criando o belo.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
149
tentativa para a compreensão do heterogêneo, aquilo que é outro relativamente ao
pensamento, o não idêntico, numa palavra: o negativo.
Assim, é possível radicalizar o aspecto crítico da filosofia hegeliana, sem cair
na tentação de superar a contradição numa totalidade autônoma, auto-suficiente e
auto-referencial.
É efetivamente este o objetivo da dialética negativa, a qual considera o
conceitual como o motor da história e se esforça por pensar através de conceitos
que não violentem a sua heterogeneidade.
Neste sentido, desaparece completamente a possibilidade de uma base
filosófica da realidade, bem como a de um sistema, que - tal como o de Hegel (1996)
ou o de Croce (1997) - identifique um certo número de formas do espírito que sejam
ao mesmo tempo determinações da realidade.
Todavia, não diferentemente de Croce (Op. cit.), Adorno (1982) defende que
seja a filosofia, e não a ciência, a manter uma relação essencial com o
conhecimento da verdade. É certo que esta já não pode ser pensada como qualquer
coisa de fixo, de estável, de inalterável.
A verdade, tal como a filosofia, é, para Adorno, qualquer coisa de
extremamente frágil, que exige o exercício de uma contínua atividade crítica, atenta
à transformação e à radical alteração das coisas no seu contrário, segundo aquele
movimento de enantiodromia, do qual Hegel (Op. cit.) foi um atento observador.
A busca da verdade é um objetivo iniludível do pensamento: a proposta de
abolir a filosofia na práxis deve ser considerada com suspeição na medida em que,
fundamentalmente, esconde o propósito de omitir a crítica da sociedade, da qual o
pensamento filosófico é, por excelência, o portador.
Também para Adorno (1982) a arte é conhecimento: todos os problemas
estéticos se resolvem em questões que giram em torno do conteúdo de verdade das
obras de arte. Todavia, não é por isso que a Estética se deve transformar no asilo da
ontologia, como ocorre na fenomenologia e na hermenêutica.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
150
A verdade é que não só à filosofia, mas também à arte é essencial a relação
com o seu contrário, com o heterogêneo, que se acolhe no próprio interior de si
mesma, como uma dúvida sobre a sua própria legitimidade, como presença de
exigências que não podem ser satisfeitas artisticamente.
Erram grosseiramente aqueles que fazem uma idéia edulcorada e sublimada
da experiência artística. A verdade da obra de arte é o seu núcleo duro, que é
freqüentemente impuro, escandaloso e, enfim, incompreensível.
A obra de arte apresenta aspectos contraditórios os quais é ingenuidade
pretender superar com uma visão harmônica e pacificada. Uma das maiores
contradições emerge da oposição entre o seu caráter de “feitiço” e a dimensão de
“apparition” assumida pelo belo12 artístico. Com efeito, se por um lado a obra de arte
se coloca como coisa entre as coisas, por outro ela manifesta-se como a velocidade
e a imaterialidade de um relâmpago.
Adorno (Op. cit.) fornece análises muito agudas e penetrantes sobre estes
dois caracteres. Antes de tudo, considera não haver necessidade de se considerar o
feiticismo como sinônimo de falsidade. Para ele, quem vê na “coisa” algo de
radicalmente falso é prisioneiro de uma lógica da identidade que o priva do
conhecimento do heterogêneo, do negativo, daquilo que é outro relativamente ao
pensamento; e assim permanece excluído de qualquer consideração dialética da
realidade.
O fenômeno da reificação não é unicamente a sujeição do homem à lógica do
capitalismo; o qual obriga também a um confronto com o real, ao qual o subjetivismo
idealista se subtrai.
Os poetas têm falado muitas vezes da bela estranheza do mundo exterior, e o
seu amor pelas coisas leva-nos a refletir sobre a ligação essencial entre arte e
feiticismo.
12
No campo da estética, diz-se belo de tudo aquilo que, como tal, suscita um prazer desinteressado
produzido pela contemplação e pela administração de um ser ou de um objeto.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
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Adorno (1982) chega a defender que a qualidade e até mesmo a verdade das
obras de arte dependem essencialmente do grau do seu feiticismo, no sentido em
que a celebração implícita no seu estatuto de coisas distintas dos objetos úteis de
garante uma completa liberdade, emancipando-as de qualquer relação com o mero
entretenimento; paradoxalmente, é efetivamente o feiticismo que preserva a sua
seriedade.
Com efeito, este feiticismo representa relativamente uma exceção ao estatuto
dos bens materiais e está ligado ao caráter dos objetos mágicos, do mesmo modo
que
a
produção
artística
não
é
comparável
às
condições
do
trabalho
economicamente útil.
Mas a arte contém igualmente um aspecto contrário à reificação, que a torna
semelhante a um relâmpago, a um fogo de artifício, a uma manifestação celeste: é
aquilo que Adorno entende pelo termo “apparition”.
O artista não tem consciência efetivamente deste paradoxo, já que a arte não
é transparente para si mesma. Por isso ela solicita a intervenção da filosofia. Para
Adorno (1982), a experiência estética genuína deve transformar-se em filosofia, ou
então não existe. Sob este aspecto, Adorno encontra-se muito mais perto de Hegel
(1996) do que de Croce (1997).
Ainda segundo Adorno (Op. cit.), o conteúdo acerca da verdade de uma obra
necessita
da
filosofia,
particularmente
quando
a
crítica
de
arte
falhou
clamorosamente o seu objetivo. Todavia, não é necessário esquecer o caráter
essencialmente crítico e interrogativo que Adorno atribui à filosofia, pelo que
continua a não ser possível decidir entre a arte e a filosofia, qual mantém a mais
estreita relação com a verdade.
Se a filosofia pronunciasse o necrológio da arte, ela passaria para o lado da
barbárie; mas se se contentasse com a interpretação das obras de arte disponíveis,
não entraria em relação com aquela dimensão outra e heterogênea com a qual toda
a verdadeira obra de arte constantemente se confronta.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
152
Não diversamente de Husserl (2000), Merleau-Ponty (2001) tem uma atitude
crítica perante o saber científico, ao qual censura um operativismo sem escrúpulos,
totalmente desprovido de interesse perante a verdade da experiência humana
individual e coletiva. Segundo ele, a ciência é um saber carente de profundidade,
que paira sobre as coisas sem conseguir alcançar a sua essência.
Mas Merleau-Ponty (Op. cit.) não partilha a fé de Husserl (Op. cit.) numa
filosofia entendida como conhecimento rigoroso. Para ele, o saber, ou antes, o não
saber filosófico não consiste num conjunto orgânico de conhecimentos adquirido,
representante de um patrimônio estável. A filosofia não pode ser nada mais do que
exercício da crítica, atividade de pesquisa estranha a qualquer dogmatismo, posição
de uma verdade provisória e momentânea.
Mas existe um âmbito sobre o qual o olhar do filósofo se tem detido
demasiado pouco: o da corporeidade, entendida como sentir, como experiência do
irrefletido, do primordial, daquilo que precede o conceito.
Neste aspecto, a filosofia assemelha-se à arte: o conhecimento do sensível,
da não razão, e dos estados que antecedem a distinção entre sujeito e objeto
constituem um território ainda muito pouco explorado.
Entre arte e filosofia estabelece-se uma relação quase concorrencial que
elimina a Estética. De fato, tanto a primeira como a segunda tem uma relação de tipo
cognitivo que se orienta diretamente para a “própria coisa”, para a experiência.
A filosofia, ainda que entre com a maior humildade na escola da arte, tem
sobre esta uma vantagem, a de tornar conscientes e comunicáveis experiências que,
de outro modo, permaneceriam mudas e obscuras, sepultadas na carne do mundo.
Ao buscar estabelecer a articulação entre a Estética e o conhecimento
verdadeiro há um nítido propósito de evidenciar as articulações existentes entre a
filosofia e a Estética, quer sob o viés da hermenêutica, da ontologia, além de
considerar a complementação de tais perspectivas, de modo a permitir a
consideração das evidências acerca da contribuição da Estética enquanto forma de
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
153
conhecimento.
4.8 UTILIDADE DA ESTÉTICA
Ao questionar quanto à utilidade da Estética, reconhece-se, preliminarmente,
a existência de um conjunto de objetos aos quais atribuíram-se certas qualidades
específicas e a que se denomina, justamente porque seus objetos as possuem, de
universo estético.
Nesse universo, incluíram-se tanto seres naturais (uma paisagem, uma flor,
um animal), ou seja, seres que não devem a sua existência ao homem - quanto
objetos artificiais, produzidos pelo trabalho humano, entre os quais figuram objetos
usuais da vida cotidiana, produtos artesanais ou industriais e, mesmo, os produtos
humanos que se chamam obras de arte, que, em nossa época, ocupam um lugar
privilegiado dentro do rico e variado universo estético.
Todos os membros deste universo, por mais que se diferenciem entre si
devido à sua aparência sensível, estrutura interna ou função e finalidade, têm algo
em comum, que é o que justifica, a partir de nossa perspectiva contemporânea, sua
inclusão no universo estético.
É preciso reconhecer que nem todos os objetos que hoje admitimos como
legítimos povoadores desse universo foram sempre reconhecidos como tais. Isso
nos obriga a ser cautelosos em relação a sua filiação estética futura, evitando
afirmar que todos eles, no futuro, continuarão fazendo parte desse universo.
Mas hoje se reconhece que existe algo assim como um universo estético e,
com ele, um modo de apropriação, contemplação ou complemento humano
específico ante seus objetos.
Por outro lado, reflete-se que um ou outro não são estudados em suas
especificidades por nenhuma das ciências específicas existentes, até agora, desse
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O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
154
modo pode ser concluído que se faz necessária uma ciência especial que se ocupe
desses objetos e do comportamento humano em relação a eles, assim como das
condições individuais e sociais em que ocorrem tais objetos e esse comportamento.
E essa ciência é exatamente a Estética.
Como toda ciência que versa sobre feitos, experiências ou relações
empíricas, ela tem um objeto próprio de estudo, diferente daqueles de outras
ciências específicas e, como todas elas, aspira a considerar seu objeto de um modo
sistemático, fundamentado e racional.
A realidade peculiar e o comportamento humano específico que constituem o
objeto da Estética não podem ser separados do todo em que se integram outras
realidades e outros comportamentos humanos.
Daí não poder desvincular-se das ciências - como a psicologia, a economia, a
sociologia, a linguística, a semiologia, a teoria da informação etc. - que estudam
realidades e relações entre os homens que influem estético ou condicionam sua
existência.
Mas isso não anula a necessidade da Estética como ciência especial e
autônoma. E é válido, inclusive quando ela se ocupa de objetos ou fenômenos
estudados também por outras ciências humanas ou sociais. Naturalmente, ao fazêlo, não se limitará a repetir que, graças a elas, já se sabe acerca de seu objeto; a
não ser que o faça de outro ângulo ou prestando atenção a aspectos irrelevantes ou
ignorados deliberadamente por tais ciências.
Assim, por exemplo, ainda que as diferentes ciências naturais dividam o
conhecimento acerca da natureza, nenhuma delas aceita o que o homem vê nela,
como o “belo natural” ou “natureza estetizada”.
Em suma, se faz necessária uma disciplina particular e autônoma, que se
encarregue de todo esse terreno não cultivado ou cultivado de outras maneiras por
outras ciências. E essa disciplina é justamente a Estética.
Embora já na Antiguidade grega encontremos reflexões sobre problemas
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
155
estéticos (desde os filósofos pré-socráticos do século VI antes da nossa era), a
Estética, como ramo do saber ou disciplina filosófica especial, é relativamente jovem.
Nasce em meados do século XVIII, quando o filósofo alemão Alexander
Baumgarten constrói a primeira teoria estética sistemática a que dá, também pela
primeira vez, o nome de Estética13.
Em consonância com o significado original do termo, Baumgarten (1993)
entende por Estética uma teoria do saber sensível ou conhecimento inferior em
relação ao saber racional, superior, que é objeto da teoria das ações da vontade,
objeto da ética.
Nasce, pois, a Estética como uma disciplina filosófica, destinada a uma forma
de conhecimento obscuro, inferior, e não um tipo específico do real; ou seja, nasce
sem fundamento empírico, histórico e, portanto, com uma esmagadora carga
especulativa.
No entanto, já no seu próprio nascimento, se destaca algo que até hoje
conserva sua validade, mais além de seus limites especulativos: sua atenção ao
sensível.
Posteriormente se abrem à Estética caminhos diversos que vão desde à
reafirmação e alcance de seu fardo especulativo original, intenção de se constituir
em uma disciplina científica autônoma.
A quem ainda questiona o valor da Estética pode-se responder que esse
saber não é um conjunto de regras a que devam submeter à contemplação ou à
produção artística.
Portanto, tudo que a Estética puder dizer a ele não substituirá de modo algum
o trato direto, concreto e sensível com a obra artística, se é que deseja apropriar-se
dela como um todo e não se contenta com uma radiografia da arte.
Nenhum princípio estético e nenhuma crítica de um quadro, por exemplo,
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
156
podem liberar da necessidade de contemplá-lo. Assim, vive-se sob a influência de
determinada ideologia estética; ou seja, de um conjunto de valores, normas e
apreciações que assume, de um modo passivo e não-crítico.
A teoria estética pode servir-lhe, então, para dissipar a névoa que a ideologia
estende sobre as funções da arte, do papel do artista, das relações entre a arte e a
sociedade, entre a obra artística e o mercado etc.
4.9 DIMENSÃO OBJETIVA E SUBJETIVA DA ESTÉTICA
Se o estético é uma propriedade ou modo de ser peculiar que o sujeito
percebe em certo objeto, cabe indagar de onde provém essa propriedade? Qual é
sua fonte?
Tais indagações podem ser respondidas sob a ótica de três vertentes
fundamentais. São elas: a do objetivismo; a do subjetivismo; e uma terceira que
tenta mediar, superando as limitações, uma e outra. Cabe então esclarecer os
princípios básicos de uma e outra vertente na disputa sobre a fonte da qualidade
“Estética” em sentido amplo. É sobre tais perspectivas que o presente tópico será
desenvolvido.
4.9.1 Objetivismo Estético
Todo objetivismo concebe o objeto como o que existe em si e por si, à
margem de qualquer relação com o sujeito, seja qual for essa relação com o sujeito.
O objeto passa a ser então o exterior, independente ou em contraposição ao sujeito.
Segundo o tipo de realidade - ideal ou material, espiritual ou natural - atribuída ao
pode falar-se no terreno do estético tanto de objetivismo idealista, quanto de
objetivismo naturalista, materialista.
13
Do grego aisthesis, que significa literalmente “sensação”, “percepção sensível”.
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O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
157
O objetivismo idealista pode ser exemplificado com Platão (1966) na
Antiguidade grega. De acordo com seu dualismo metafísico (mundo das
idéias/mundo sensível), as coisas belas empíricas são apenas manifestações ou
sombras da beleza ideal que - como toda idéia - é única, absoluta, perfeita, eterna e
imutável.
Por muito belas que sejam as coisas sensíveis - diversas, relativas,
imperfeitas, mutantes e perecíveis - nunca poderão igualar-se com a beleza ideal
que compartilham os atributos mencionados de toda idéia. Sua beleza é, pois,
inferior em relação à beleza suprema que em si e por si, independentemente de que
os homens a percebam ou não.
Portanto, se a beleza ideal não precisa das coisas belas para existir, estas
sim, necessitam dela, já que são tais enquanto participam da beleza. A beleza é
objetiva em um sentido absoluto, já que não depende das coisas empíricas nem dos
homens. Existe em si e por si, à margem de toda relação humana com ela ou com
as coisas nas quais se encarna.
Essa concepção objetivista impregna a Estética cristã medieval, que vê na
beleza um atributo do ser supremo, pois, definitivamente, toda beleza terrena deriva
de Deus .
No Renascimento predomina também a objetivista, já que a beleza se
encontra na natureza das coisas enquanto ocorre nelas um acordo ou harmonia das
partes. Não importa qual seja seu último fundamento, sempre se trata de uma beleza
objetiva.
E assim se apresenta no Renascimento ou quando Hegel (1996) a concebe,
já no século XIX, como “manifestação sensível da idéia”. Em todos esses casos a
beleza é uma qualidade objetiva, independente do homem, embora definitivamente
dependente de um princípio supremo, ideal ou espiritual. Tal é o objetivismo estético
idealista.
O objetivismo naturalista ou materialista considera que o estético ocorre na
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O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
158
natureza ou nas coisas empíricas, independentemente de toda relação do homem
com elas. Sua objetividade é, pois, natural, material ou humana.
A esse objetivismo se pode aplicar a caracterização que Marx faz do
materialismo metafísico em suas Teses sobre Feuerbach (LABICA, 1988, p. 33),
quando diz: “A falha fundamental de todo o materialismo reside em que só capta o
objeto, a realidade, o sensível, sob a forma de objeto ou de contemplação, não como
atividade humana sensível, como prática; não de um modo subjetivo”.
O objeto é concebido, portanto como algo em si e por si, exterior ou
contraposto ao sujeito, sem relação alguma com o homem. E assim o concebe o
objetivismo estético de símbolo naturalista ou materialista.
Os antecedentes dessa concepção Estética já são encontrados na
Antiguidade grega desde os pitagóricos, para os quais a beleza é a propriedade do
universo e das coisas. Ou, de acordo com sua formulação, “a ordem e a proporção
são belas e úteis”.
Já Aristóteles (1995, p. 73) dirá: “uma coisa bela (...) há só uma disposição
ordenada de partes, mas também um tamanho que não é casual”.
Aqui se fala, pois, da beleza das coisas como uma propriedade que ocorre
nelas, independentemente do homem que a descobre ou percebe, mas não a
produz ou cria.
Mais tarde, o estóico Marco Aurélio (1997, p. 75) ressalta essa objetividade ao
afirmar: “Tudo que é belo de qualquer modo que seja, é belo em si mesmo, e
nenhum elogio ou reprovação pode modificá-lo. (...) A beleza (...) não necessita de
admiradores; nada exige fora de si mesma”.
Os materialistas metafísicos, citados por Marx em sua primeira tese sobre
Feuerbach, são unânimes em afirmar que certas qualidades objetivas são em si
mesmas suficientes para despertar a experiência estética. Um representante típico
dessa posição, no século XVIII, é Diderot (1981), segundo ele, o que se percebe
como belo existe independentemente de ser percebido ou não.
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O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
159
Segundo Guinsburg (2000) uma coisa é bela por certas relações reais que
nossa mente descobre nela com a ajuda de nossos sentidos. E como essas relações
existem objetivamente, a beleza inerente a elas, também, é objetiva. Em
conseqüência, a fonte do estético tem que ser buscada em certas relações objetivas.
O sujeito se limita a percebê-las e, portanto, só lhe cabe descobrir o que existe à
margem de sua relação com ele.
A identificação das propriedades estéticas com certas qualidades objetivas é
própria de todo materialismo metafísico ou vulgar, que, por sua vez, pode ser
considerado naturalismo, enquanto concebe essas qualidades como puramente
naturais.
Portanto, não só os materialistas metafísicos, criticados na tese de Marx
citada antes, caem nesse naturalismo estético, mas também os “materialistas
dialéticos” que admitem apenas a objetividade natural do estético. Entre as
propriedades naturais do estético estariam a simetria, a proporção, a harmonia, o
ritmo etc.
O objetivismo estético, que busca a fonte do estético em certas qualidades
das coisas ou da natureza, se estendeu também, ao longo da história da arte. Desde
a Antiguidade grega até nossa época, passando pelo Renascimento, tentou-se
descobrir a chave da esteticidade em certas estruturas formais, associadas a
determinadas fórmulas matemáticas.
Com relação ao objetivismo estético que baseia o estético em certas
estruturas formais, associadas a determinadas relações matemáticas, assim como,
ao que o procura em certas propriedades naturais - simetria, harmonia, proporção,
ritmo -, cabe observar que a presença dessas proporções matemáticas ou dessas
qualidades naturais não basta para que os objetos em que ocorrem adquiram um
valor estético.
A harmonia, por exemplo, não é garantia de esteticidade - como demonstra o
fato de que há objetos que são considerados belos sem que sejam harmônicos, ou,
o contrário, que sendo harmônicos não são belos. E quando a harmonia torna
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
160
necessária, exige-se que esse elemento formal seja significativo, o qual só pode ser
em um objeto que existe não em si, mas como objeto humano ou humanizado.
Quanto ao princípio da “seção de ouro”, seja certamente aplicável, também é
certo que se trata então de um princípio que não se reduz a uma dimensão
puramente objetiva, mas que cobra uma dimensão ideal, sobrenatural.
O objetivismo estético, liberto dos ingredientes matemáticos, adota um matiz
especial quando a esteticidade do objeto se deixa descansar na organização formal
de seus elementos ou meios materiais, sensíveis. O objetivismo aqui dá as mãos a
um formalismo externo, já que o estético valioso se reduz a certa organização ou
relação formal.
4.9.2 Subjetivismo Estético
Frente à pretensão objetivista de separar o estético do sujeito, o subjetivismo
absolutiza o papel da subjetividade, deixando de lado as qualidades e os fatores
objetivos que intervêm na relação estética. Historicamente, o pensamento estético
ocidental gira, até o século XX em torno do objeto, embora não faltem posições
subjetivistas nos séculos anteriores e, inclusive, na Antiguidade grega.
Para os sofistas, por exemplo, o homem era a medida de todas as coisas e,
portanto, também da beleza. Contudo, é preciso esperar cerca de vinte séculos para
que a atenção dos empiristas ingleses seja considerada através da dimensão
subjetiva do estético.
Mais que à qualidade, ou conjunto de qualidades, do objeto que se considera
belo, atende-se então à faculdade humana - o sentimento - que faz sentir as coisas
como belas. Transpõe-se fonte do estético do objeto ao sujeito.
Hutcheson (1996) representa claramente essa reviravolta em relação ao
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
161
objetivismo. E o representa ao reduzir o estético à percepção do sujeito: “A beleza
denota realmente a percepção de uma mente”.
Hume (1965, p. 39) salienta a mesma idéia ao negar que o belo seja uma
qualidade objetiva e só a descobre no sujeito, em sua mente: “A beleza não é
nenhuma qualidade das coisas em si mesmas. Existe na mente que as contempla, e
cada mente percebe uma beleza diferente”.
O subjetivismo, com esses dois aspectos constantes em suas múltiplas
formas - negação das qualidades objetivas e absolutização do papel do sujeito - é
encontrado em diferentes teorias estéticas do século XX. Segundo elas, o objeto
estético carece de realidade própria e é apenas uma projeção dos sentimentos do
sujeito que o contempla.
Dentro do âmbito subjetivista se movem também, em nossa época, outras
teorias que continuam a tradição empirista inglesa. A chave da explicação do valor
está no interesse do sujeito e não nas qualidades do objeto. Não é sublime em si;
necessita do sujeito que a considere como tal. Mas não significa que basta a
intervenção necessária do sujeito para que este considere objeto sublime. Algo
precisa ocorrer nele para que, ao contrário de outros objetos, provoque no sujeito o
sentimento da sublimidade.
Por outro lado, no caso particular do interesse estético, não se trata - como já
tivemos ocasião de assinalar - de um interesse prévio, aplicável a qualquer objeto;
mas sim de um interesse que surge e se mantém na relação do sujeito com ele, e
justamente quando possui certas qualidades que o tornam possível.
O subjetivismo estético se mantém sem rodeios ante as posições
neopositivistas de Ayer (1991) ao afirmar que no juízo estético não se enuncia nada
sobre o objeto nem sobre o sujeito, mas se expressa puro e simplesmente um
estado de ânimo do sujeito.
Quando se declara que tal flor é bela, ou que aquela catarata é sublime, não
se diz nada acerca de um ou outro objeto; registra-se simplesmente que o sujeito
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O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
162
experimenta o estado de ânimo expressado no juízo estético correspondente. Tratase de uma questão empírica, de fato, mas, só e exclusivamente, no que tange ao
sujeito, no que diz respeito a seus sentimentos ou estado de ânimo.
4.9.3 Dimensões Objetivas e Subjetivas em Interação
Tanto o objetivismo quanto o subjetivismo têm sua parcela de verdade ao
reagirem frente à posição contrária, mas erram ao tentar consertá-las. O objetivismo
acerta ao ressaltar a objetividade do estético, mas segue um caminho errado ao
concebê-la como uma objetividade em si, à margem da relação com o homem.
O subjetivismo, por sua vez, acerta ao assinalar o papel do sujeito, mas perde
o rumo ao absolutizar este e desconhecer as qualidades objetivas que não se
reduzem às naturais ou sensíveis de um objeto em si.
Ambas as posições incorrem no mesmo erro: separar o que só existe em
relação mútua e, uma vez separados os seus termos - sujeito e objeto -, concebê-los
de um modo abstrato e absoluto.
Portanto, sujeito e objeto não só existem, em geral, em relação mútua, mas
sim, em uma relação histórica, concreta, o que impede falar de um ou outro em
termos gerais, abstratos, imutáveis.
O caráter histórico-concreto dessa relação pode ser comprovado aduzindo-se
simplesmente que nem sempre existiu e nem sempre se deu da mesma forma, pelo
menos com a forma específica que alcança tal relação a partir dos tempos
modernos.
Não existia, certamente, com sua autonomia e peculiaridade, nas sociedades
pré-histórica, medieval ou pré-hispânica, embora nela ocorram os objetos mágicos,
religiosos ou míticos com os quais mantemos uma relação estética.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
163
Esses objetos já existiam para os homens de seu tempo, enquanto
satisfaziam determinadas necessidades e cumpriam funções correspondentes mágica, religiosa ou mítica -, mas não existiam esteticamente, ou seja, cumprindo
uma função estética específica ou dominante.
Os objetos de outros tempos com que hoje mantemos relação estética tinham
certamente determinadas qualidades materiais ou físicas que, para os homens das
sociedades correspondentes, se convertiam em propriedades mágicas, religiosas ou
míticas, mas não em propriedades estéticas.
Não que os homens dessas sociedades - caçadores pré-históricos, fiéis
medievais ou adoradores astecas - estivessem cegos para elas. Só se está cego,
em geral, para o que, podendo ser visto, não se vê. Mas, nos exemplos citados, o
sentido da visão não estava formado ou constituído para poder ver, como objetos
estéticos, a pintura mural, o altar da igreja ou a deusa de pedra.
Para que o homem se situe, diante de certos objetos, na relação estética
adequada, exige-se todo um longo processo no tempo, no decorrer do qual vão se
criando as condições necessárias para que surja e desenvolva, com sua autonomia
e especificidade, a relação estética.
Condição fundamental é a material, produtiva, do homem. Este, ao afirmar
com seu trabalho o seu domínio sobre a natureza e a capacidade de imprimir aos
materiais a forma adequada, produz, assim, objetos que satisfaçam determinadas
necessidades vitais e eleva sua capacidade de criar objetos que, por sua forma, já
não cumprem funções imperiosas, vitais, mas também a função espiritual que se
chama de Estética.
A característica fundamental do trabalho humano - imprimir a uma matéria a
forma adequada a sua função - é mantida na prática estética. Aqui também se trata
de dar uma matéria sensível, só que neste caso se trata da forma necessária para
que o objeto cumpra a função própria, específica, que chamamos Estética. As
condições que tornam possível a relação estética não se reduzem ao
desenvolvimento da produção material, ao incremento do domínio do homem sobre
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O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
164
a natureza.
Já ao nível do trabalho, esse domínio requer, mesmo uma elevação cada vez
maior das capacidades humanas físicas e espirituais para exercê-lo. E daí que certa
divisão social do trabalho como sua especialização e profissionalização se faz
necessária para que se possa produzir (pelos especialistas ou profissionais, ou
artistas) os objetos da relação estética, ou obras de arte, como específica e
autônoma.
Em suma, como relação do sujeito com objetos, a relação não pode ser
separada das condições sociais em que tais objetos se produzem, distribuem e
consomem, tampouco de certas condições espirituais, culturais ou ideológicas sem
as quais não poderiam ocorrer como objetos estéticos.
Exige-se a existência determinada superestrutura ideológica da sociedade;
quer dizer, conjunto de idéias, crenças, normas ou valores (ou ideologia estética)
que justifique e guie o comportamento estético dos homens (como um
comportamento diferente de outros: moral, religioso, político etc), assim como das
instituições - escolas, mercado, academias etc - correspondentes.
Semelhante ideologia estética não existe mesmo quando impera a magia, o
mito ou a religião – impérios diversos que só serão derrubados em tempos
modernos.
Essa ideologia estética, que justifica um comportamento estético específico e
autônomo, só surgirá e se desenvolverá nesses tempos para se afirmar sobretudo
no século XIX e XX, justificando exatamente a produção e o consumo de um objeto
específico, estético (o artístico), digno de ser contemplado por sua forma.
O subjetivismo, na verdade, dá ao sujeito um lugar fixo. Imutável, ao atribuirlhe uma capacidade ou sensibilidade estética que corresponde a sua natureza
humana.
Tal é o sujeito para Kant (1989). Não se trata, evidentemente, de um sujeito
empírico, individual, mas sim de um sujeito humano, universal, que possui um
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O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
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sentido especial, ou espécie de “senso comum” da beleza ou do gosto, que permite
julgar e estimar o belo com uma pretensão de universalidade.
Trata-se então de uma capacidade humana universal, não compartilhada por
animais. Assim, o estético tem que buscá-la em certo comportamento do sujeito, no
qual o sentimento de uma harmonia no jogo das faculdades mentais que só se pode
sentir constitui um elemento essencial.
O
sujeito
atribui
beleza
a
um
objeto
quando
este
é
percebido
desinteressadamente, sem uma representação do fim, e como um objeto que produz
prazer. Mas, embora não se trate do sujeito empírico, pessoal, o realce é posto,
como em todo subjetivismo, na subjetividade, ainda que entendida em um sentido
universal e, portanto, antropológico.
Consequentemente, a fonte do estético está no homem, em uma capacidade
ou sentido especial da beleza, comum a todo o gênero humano e alheia a todo
contexto histórico-social concreto. Este “sentido estético” é, definitivamente, um
atributo da “natureza humana”, concebida como uma essência permanente e
imutável através dos avatares da história real.
Assim, quando se afirma, frente a todo subjetivismo que o sujeito possui a
capacidade de vincular-se com o objeto, constituindo com ele uma situação que
denomina-se de Estética, não se está a referir-se ao sujeito universal, kantiano, que,
dada sua natureza humana abstrata, virou as costas à história, à sociedade e,
portanto, ao desenvolvimento concreto, real, da experiência estética.
Refere-se, ao contrário, a um sujeito concreto, empírico, individual que, por
sê-lo, é também social; um sujeito estético que só é tal, histórica e socialmente, e
que, por sua vez, só histórica e socialmente, desenvolve prática e concretamente a
capacidade humana conquistada.
O estético, enquanto categoria geral, caracteriza um tipo de objeto que, por
sua forma sensível, possui um significado imanente, que determina, assim mesmo, o
comportamento do sujeito que capta, percebe ou contempla esses objetos de acordo
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
166
com sua natureza sensível, formal e significativa.
Mas o estético só classifica um e outro (sujeito e objeto) na relação humana,
histórica e social, que torna possível sua existência estética, e, na situação concreta,
singular, em que essa possibilidade se realiza efetivamente.
O presente capítulo foi desenvolvido buscando refletir as diferentes
perspectivas, ao considerar a Estética frente ao conhecimento humano, seja com
base em perspectivas objetivistas, como subjetivistas, seja como conhecimento
verdadeiro, enquanto filosofia, ciência ou forma de saber.
Certamente ao refletir sobre a Estética, a partir de um conjunto de
contribuições teórico-filosóficas, pode-se considerá-la enquanto dimensão filosófica
do conhecimento humano e, assim, ampliar a percepção e reflexão acerca do
cotidiano humano e organizacional, objeto de consideração da presente tese.
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CAPÍTULO V
TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA ESTÉTICA
O que interessa é a obra e não o obreiro.
O que interessa é a realização e não o realizador.
A Arca
O capítulo 5 foi desenvolvido com o propósito de efetuar um resgate histórico
do desenvolvimento da Estética de modo a considerar a sua definição teórica, assim
como as diferentes perspectivas assumidas.
Considerou-se necessário, dada à identificação de poucos trabalhos
acadêmicos envolvendo a Estética no âmbito dos estudos organizacionais, a
construção da trajetória histórica inerente à Estética de modo a propiciar a
consideração da riqueza, fundamentação e qualidade das construções teóricas
envolvendo-a.
Dessa maneira, espera-se conduzir a aproximação e consideração da
dimensão estética, enquanto uma dimensão inerente à ação humana e, por
consequência, do âmbito das organizações produtivas.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
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O capítulo foi estruturado a partir da definição do termo Estética, para, em
seguida, considerá-la na perspectiva do belo; e depois sob a perspectiva do gosto e
do sublime; para, finalmente, abordar a Estética na perspectiva do descentramento
do belo.
5.1 ESTÉTICA
A palavra “Estética” é derivada do grego aisthesis, significando sentir. A raiz
grega aisth, no verbo aisthanomai, quer dizer sentir com o coração ou com os
sentimentos (BARILLI, 1989).
O termo é hoje tão largamente utilizado que pode servir para qualificar tanto
as filosofias do belo, quanto a elegância de uma fórmula matemática, os objetos
artísticos, um crepúsculo, ou até mesmo as cercanias do mar. Na história da
Filosofia, contudo, essa palavra encontrou designações relativamente bem definidas.
Como já apontado no capítulo anterior, o primeiro a utilizar a palavra Estética,
em um contexto filosófico, foi Baumgarten, em 1735, no texto denominado Reflexões
Filosóficas sobre Algumas Questões Pertencentes à Poesia, onde ela foi definida
como a ciência da percepção em geral. Na sua obra posterior, Aesthetica, essa
ciência da percepção foi tomada como sinônimo de conhecimento através dos
sentidos; a “perfeição da cognição sensitiva” que encontra na beleza o seu objeto
próprio (COHEN & GUYER 1982).
A partir de Baumgarten, a primeira grande obra a dar forma e conteúdo à
estética filosófica foi a terceira crítica de Immanuel Kant (1724-1804), a Crítica do
Julgamento, de 1790, mais especificamente na sua primeira parte, “Crítica do
Julgamento Estético”.
Embora não se possa considerar essa terceira crítica isoladamente do
contexto geral das outras obras monumentais de Kant, a crítica do julgamento tem
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O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
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um certo grau de autonomia, na medida em que circunscreve um conjunto de
desafios intelectuais com os quais estamos até hoje fadados a nos defrontar,
quando tentamos compreender os problemas relacionados com as regiões mais
sensíveis do nosso pensamento, sentimento, discurso e ação.
Embora a palavra em si, no contexto filosófico em que ela viria a ser inserida,
só tenha aparecido em 1735, as questões relativas à Estética, no Ocidente, tiveram
sua origem no mundo grego, mais especialmente no pensamento de Platão (428348), em cuja obra encontra-se a primeira teoria da arte e do belo de que se tem
notícia.
De fato, foi Platão quem levantou os problemas relativos à criação, para os
quais foram dadas as mais diversas interpretações através do tempo e com os quais
estão até hoje, tais como a natureza da inspiração, a relação da criação com a
emoção, o impacto e efeitos da arte sobre o receptor, as antinomias entre o
conhecimento verdadeiro e a ilusão das paixões, as conseqüências do
descomedimento e as virtudes da temperança.
Se Platão levantou esses problemas, Aristóteles (por volta de 384-322 a.C.)
foi o primeiro a lhe dar formalização na sua Poética, obra que, sem margem de erro,
pode ser qualificada como a teoria da arte e crítica mais influente em toda a história
do Ocidente.
Enfim, os problemas estéticos são tão antigos quanto à filosofia, os quais
receberam, nos muitos séculos que transcorreram desde Platão até os nossos dias,
as mais diversas entonações e interpretações.
A presente tese pretende considerar o valor das concepções estéticas para os
estudos organizacionais. Assim, a compreensão do desenvolvimento histórico da
Estética é essencial para que se possa considerar a possível contribuição da
Estética no âmbito das organizações.
Portanto, este Capítulo tem por finalidade criar uma moldura histórica relativa
às mais conhecidas e influentes teorias estéticas, particularmente, que nasceram no
seio da filosofia, no Ocidente, para que se possa refletir acerca da contribuição da
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
170
Estética
no
desenvolvimento
humano
e
particularmente,
nos
estudos
organizacionais.
Diferentes filósofos mencionados ao longo deste Capítulo escreveram
copiosamente e foram autores de obras complexas envolvendo a Estética. Não se
pode ocultar, assim, o quanto há simplificação em qualquer tratamento de mais de
vinte séculos de filosofia em algumas dezenas de páginas. Mas existem momentos
em que esquematizações se fazem necessárias.
Acreditando que esta parte é um desses momentos, pensa-se, com isso,
estar até certo ponto justificada a troca da profundidade de uma visão microscópica
e vertical pela simplicidade de uma visão de conjunto ou panorâmica.
Numa síntese muito generalizada, pode-se dizer que as estéticas filosóficas
do Ocidente passaram, pelo menos, por três fases diferenciais bem demarcadas. A
primeira fase compreende desde o nascimento das teorias do belo e do fazer criador
nas obras de Platão e Aristóteles, que se estenderam, não obstante as
particularidades específicas de cada período histórico, pelo mundo latino, a Idade
Média e a Renascença.
Já a segunda fase é marcada pelo deslocamento da ênfase da beleza para o
sujeito que a percebe, a partir da reação de Anthony Ashley Cooper, Lorde de
Shaftesbury (1671-1713), aos avanços das ciências físicas e aos desafios
apresentados pelas filosofias de René Descartes (1596-1650) e Thomas Hobbes
(1588-1679).
Nessa vertente, mais propriamente dentro do espírito empirista de John Locke
(1632-1704), tiveram origem às teorias inglesas que, aparecendo pela primeira vez,
em
1712,
nos
escritos
de
Joseph
Addison
(1672-1719),
receberam
desenvolvimentos sistemáticos nas obras de Francis Hutcheson (1694-1740) e
David Hume (1711-1776).
Exposto às questões emergentes da percepção, do desinteresse, da
apreciação, do sublime, e do sensível, especialmente aos apelos do “paradoxo do
gosto”, levantados por Hume, Kant veio fazer de sua terceira crítica, a da faculdade
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
171
do juízo ou julgamento, a obra inaugural da idade de ouro da estética, que,
estendendo-se pela proeminência do estético dentro do idealismo absoluto de
Friedrich W. J. von Schelling (1775-1854), encontrou seu apogeu na Estética de
Georg W. F. Hegel (1779-1831).
A terceira fase tem por marco inicial o século XIX, com Arthur Schopenhauer
(1780-1860), Friedrich Nietzsche (1844-1900) e, no século XX, Martin Heidegger
(1889-1976) e as estéticas fenomenológicas. O descentramento da secular
preocupação com o belo viria produzir a explosão e atomização cada vez mais
crescente da estética em versões particularizadas e diferenciais.
Destacam-se as figuras exponenciais e influentes de Benedetto Croce (18661952) e John Dewey (1859-1952), cujas obras deslocaram a questão do belo para
os conceitos de “arte como expressão” e “arte como experiência”.
A Estética filosófica, propriamente dita, foi cedendo terreno para as
incontáveis teorias da arte que foram e continuam sendo desenvolvidas por
estudiosos, muitas vezes poetas, como foi o caso dos românticos ingleses e
alemães e, depois, dos simbolistas franceses, muito especialmente Paul Valéry
(1871-1945), situados mais fora do que dentro da filosofia.
Só recentemente, a partir dos anos 80 deste século, os debates sobre a pósmodernidade viriam recolocar as questões estéticas de volta ao centro da cena das
artes, cultura e filosofia.
São, de fato, inumeráveis as teorias da arte que os dois últimos séculos viram
nascer. Na medida em que foi se dando o movimento descendente do ocaso do
belo, crescia um movimento contrário, a emergência, por todos os centros e cantos
do globo, de teorias da arte, numa quantidade e profusão tais que, qualquer
pretensão de descrevê-las, transformou-se numa empreitada talvez impossível.
Dickie et al. (1977, p. 160) nos diz que: “em oposição à estética, que é a
investigação filosófica da arte e beleza, a teoria da arte investiga as idéias dos
artistas, num esforço de explicar a variedade de fenômenos tanto na vida quanto na
obra dos artistas”.
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O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
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Sendo assim, as filosofias da Estética são mais gerais e, portanto, tratam dos
problemas específicos e concretos, com os quais as artes lidam, apenas como
ilustração ou exemplificação para suas abstrações conceituais.
A seguir, descreve-se cada uma das três fases citadas anteriormente.
5.2 O BELO
Embora polêmicas e mesmo contraditórias, as idéias sobre a natureza da arte
que tiveram seu nascimento na obra de Platão marcaram a história da estética
ocidental, mantendo-se vivas até hoje.
Note-se, antes de tudo, que a concepção que Platão tinha das artes em nada
se assemelha ao modo como passamos a conceber a arte especialmente a partir do
Renascimento.
As atividades práticas, artesanais e todos os resultados de trabalhos
realizados com as mãos eram vistos, pelos gregos, como inferiores, colocados em
oposição aos produtos do intelecto, aos frutos do pensamento, de natureza mais
nobre e transcendente.
De qualquer modo, Platão foi o primeiro a desenvolver uma das artes
inseridas no contexto mais amplo de uma filosofia, que reinou soberana por séculos,
continuando até hoje para muitos autores.
Há dois conceitos básicos em sua teoria: o conceito de mimese14, de um lado,
e o do entusiasmo criador, de outro. Interessante observar que, enquanto o primeiro
é mais facilmente aplicável às artes visuais, o segundo se aplica mais às artes
verbais e à música. As consequências que Platão extraiu de ambos, no entanto,
14
Figura que consiste no uso do discurso direto e principalmente na imitação do gesto, palavra e voz
de outro.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
173
foram similares.
Existe uma leitura padronizada e simplificadora da teoria platônica que a
reduz a oposições binárias muito nítidas e despidas de ambiguidade. Assim sendo,
de sua concepção da realidade verdadeira como um universo abstrato e ideal de
formas e idéias deriva a concepção da realidade ou aparência sensível como
imitação (mimese) ou cópia imperfeita do ideal.
A orientação eminentemente visual de seu entendimento da arte, que
restringia suas formas de realização basicamente à pintura e escultura, o levou a
conceber a arte como imitação da imitação, quer dizer, aparência de segunda ordem
e, consequentemente, duplamente afastada do ideal e da verdade.
Ora, esse conceito de mimese, por mais que possamos dele discordar, é, sem
qualquer sombra de dúvida, um conceito original, o primeiro a detectar e discutir o
problema fundamental do qual nenhuma forma de arte pode escapar: o problema da
sua duplicidade, que veio receber, ao longo dos séculos, as mais variadas
denominações, entre elas representação, expressão, ilusão, semblante, simulação
etc., todas elas, no entanto, não passando de deslocamentos ou variações em torno
de um mesmo tema, o da mimese, levantado por Platão.
O segundo conjunto de questões, mais relativo à arte poética e
secundariamente, à música, não chegando propriamente a se constituir num
conceito tão redondo quanto o de mimese, deriva das relações da arte com quem a
produz e quem a recebe: a inspiração na porta de entrada e o despertar das
emoções e paixões na porta de saída da poesia.
Alimentado pela positividade do comedimento - virtude dominante na cultura
grega -, Platão foi levado a enxergar, como fontes de perigo, de um lado, o toque de
loucura, a irracionalidade do entusiasmo presente no talento especial dos poetas, e
de outro, as comoções do impacto emocional da arte poética sobre o receptor. Em
função disso, a arte verbal foi vista por ele como antagônica às formas de
conhecimento, aos raciocínios discursivos propiciados pela filosofia.
Em síntese, para Platão, a poesia não produz cognição, estando muito mais
Raimundo Santos Leal
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do lado das pressões irracionais pelas quais o ser humano pode ser subjugado do
que das forças do intelecto, só estas capazes de conduzi-lo para a ascese ao mundo
das verdades ideais.
Se ficarmos presos apenas ao diálogo Íon (Platão, 1966) e ao Livro X da
República (Platão, Op. cit.), que são os textos mais citados, quando se discute a
teoria da arte de Platão, não podemos escapar de uma visão estritamente
dicotômica e negativista da arte e da poesia conforme a que está acima exposta.
Quando
outros
textos
platônicos
são
levados
em
consideração,
especialmente Fedro, o Sofista e o Simpósio (Platão, 1966), contudo, algumas
ambigüidades e muitas gradações conceituais começam a emergir juntamente com
a mais inspiradora dentre todas as teorias do belo, enfim, quase tudo daquilo que fez
de Platão o fundador da estética filosófica e continua a fazer dele uma fonte de
consulta imprescindível para a compreensão das grandes questões levantadas pela
arte.
De acordo com Hofstadter e Kuhns (1976), quatro temas gerais podem ser
extraídos dos escritos platônicos sobre as artes:
a) a idéia geral de arte, téchne, cujo princípio está na medida;
b) os objetivos e deficiências do conceito de mimese;
c) o conceito de inspiração, entusiasmo, loucura ou obsessão, como
condições necessárias à criação;
d) o conceito de loucura erótica e sua conexão com a visão do Belo.
A medida é um conceito extensivo em Platão, abraçando os princípios do bem
e da beleza. Saber fazer pressupõe o conhecimento dos fins almejados e dos
melhores meios para atingi-los.
No cerne desse conhecimento está a noção de medida unindo tanto o poeta
que sabe que tamanho exato uma fala deve ter e o pintor que sabe em que
proporção uma figura deve aparecer, quanto o cidadão que sabe que distribuições
Raimundo Santos Leal
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são apropriadas para as funções na sociedade.
Entre as artes, a superior é aquela de um produtor divino, o Demiurgo15, que
compôs o universo imitando as idéias, verdadeiras formas imutáveis. Seguindo o
Demiurgo, o legislador também concebe a comunidade humana de acordo com as
Idéias do Bem, Justiça e da Verdade. Na hierarquia, estão poetas e artistas que
visam os ideais, mas, diferentemente do Demiurgo, podem falhar no conhecimento
da realidade última, produzindo meras aparências da natureza sensível.
Quando o artista, por outro lado, é guiado pela visão da educação que o
filósofo possui, sua imitação será verdadeira (eikastika), em oposição à falsa
imitação (fantastika), o julgamento do falso e do verdadeiro dependendo das
finalidades morais da pólis.
Há algo no fazer artístico que transcende as regras do saber fazer, algo que
vai além da téchne. A inspiração. O poeta traz em si o sopro do divino. Nessa
medida, a concepção platônica da loucura não é meramente negativa. Há nela algo
de nobre e enaltecedor e é dela que advém a complexa noção do belo Platão.
Quando se passa de Platão para Aristóteles, a tendência mais imediata é
pensar que, enquanto a teoria da arte do primeiro está espalhada por sua obra, a de
Aristóteles está concentrada e sistematizada numa obra específica, a Poética
(ARISTÓTELES, 1995).
Ao pretender extrair a teoria da arte aristotélica só da Poética, fica-se com
uma visão parcial e tendenciosa. Sem negar o valor antológico dessa obra, o papel
por ela desempenhado no todo da filosofia da arte de Aristóteles é um papel
especializado, pois a Poética lida apenas com um tipo de téchne, um tipo de arte
imitativa, a poesia e, dentro desta, o teatro e, dentro deste, a tragédia.
Embora esta seja, de fato, a forma de arte privilegiada por Aristóteles, a
Poética só é capaz de nos fornecer um retrato incompleto das concepções de arte,
15
Palavra utilizada por Platão na obra Timeu significando “o artífice do mundo”, a causa criadora do
mundo que cria o mundo à semelhança da realidade ideal, utilizando uma matéria informe e
resistente que Platão chama de “matriz do mundo” (ABBAGNANO, 1999).
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
176
de beleza, do bem artístico e da relação entre arte e natureza, desenvolvidas por
Aristóteles, em passagens que aparecem tanto na Metafísica e na Ética quanto na
Retórica e na Política (Aristóteles, Op. cit.); passagens estas, aliás, que amplificam e
nos ajudam a compreender melhor a própria Poética, segundo HOFSTADTER &
KUHNS (1976).
Percebe-se que para Aristóteles, a arte é, antes de tudo, resultado de uma
habilidade especial para o fazer; não o fazer maquinal, repetitivo, mas aquele capaz
de transfigurar os materiais a ponto de alcançar um poder revelatório.
A arte será tanto mais bem realizada quanto mais a perfeição de sua forma,
na segurança do método, for capaz de atingir; a unidade satisfatória de um todo
eficaz e autosustentado.
O belo, portanto, é o fruto ou resultado do domínio que o artista tem da
téchne, de quão habilmente ele é capaz de utilizar os meios da composição, tendo
em vista a simetria, harmonia e completude.
São essas condições da téchne que estão pressupostas na Poética, na qual,
seguindo seu método de definição, que procede de acordo com a análise de um
assunto, indo a sua divisão em gênero e espécie, Aristóteles buscou chegar a uma
completa definição de seu objeto, a arte poética trágica.
De acordo com Dickie et al. (1977), a Poética não exibe justeza de estrutura,
o rigor dos argumentos e a sistemática da exposição, que são típicos de outras
obras aristotélicas, porque os manuscritos que deram origem a essa obra vieram
muito provavelmente de uma série de notas de palestras a partir das quais ele
pretendia escrever um tratado completo.
De todo modo, é o primeiro estudo minucioso dos princípios estruturais das
obras de arte, o primeiro tratado sistemático a lidar com a arte poética como um
fazer genuíno do qual se origina um todo orgânico, idéia matriz na concepção da
obra de arte que tem perdurado por mais de vinte séculos.
O conceito básico no entendimento aristotélico da arte é também o de
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
177
mimese, mas entendida dentro de pressupostos e finalidades bastante diversas das
platônicas16. Segundo Schaper (1968), a mimese, para Aristóteles, deriva de uma
necessária relação de adequação que deve haver entre arte e vida, arte e natureza.
O que a arte imita, assim, é a atividade produtiva da natureza.
Assim, a mimese não é mais imitação, mas é criação ou poiesis. A imitação
poética visa a criação de algo novo, por isso só a arte pode ser mimética, o que
significa deslocar o conceito de mimese do sentido de cópia para o de
representação e transformação.
Representação, portanto, não quer dizer reprodução, mas sim apresentar algo
como se fosse real. Desse modo, o estudo das exigências estruturais e dos
princípios formais das obras poéticas advém da necessidade de diferenciar a
construção poética, que é mimética, de outras espécies de construção históricas e
cognitivas, por exemplo.
A arte não imita coisas, idéias ou conceitos. Ela mostra como a natureza
trabalha e assim o faz através da construção de suas próprias criações, daí seu
poder transfigurador.
As obras não são réplicas ou cópias, mas ficções reveladoras, produtos da
imaginação criativa orientada para a imaginação produtiva. A arte está voltada para
os princípios formativos que operam na natureza e na vida, imita-os e os encarna em
estruturas feitas pelo homem.
Na junção da téchne, sabedoria na operação com os meios, com a poiesis,
capacidade criadora, o poeta é capaz de revelar, poeticamente, verdades
concernentes à natureza e à vida que não apareceriam sem a sua intervenção.
A arte, sob esse ponto de vista, tem muito pouco ou nada a ver com a
exigência de correspondência a qualquer modelo pré-estabelecido, mas sim com o
estabelecimento de representações convincentes, internamente procedentes, quer
dizer, verossimilhantes. Eis aí, na verossimilhança, mais um dos conceitos
16
A mimese é a imitação de algo prévio ou a produção de maneira semelhante
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
178
originados em Aristóteles, indispensável à teoria e crítica da arte e da literatura até
os nossos dias.
Analisar o modo, a maneira como os resultados acima podem ser atingidos,
foi o objetivo da Poética que começa com uma classificação das artes miméticas até
chegar à forma trágica, a privilegiada por Aristóteles, porque, nela, o objeto da
imitação são as ações humanas arquetípicas.
Quando estas são colocadas sob uma luz relevadora, a arte atinge seu mais
alto objetivo, ou seja, o efeito catártico através do qual o receptor passa por uma
experiência purificadora e educativa.
Embora aparentemente oposta à filosofia da arte platônica, a aristotélica
emprestou dela muitos de seus conceitos, entre eles especialmente o de téchne e o
de mimese.
Para Aristóteles (1995), toda arte é uma forma de téchne, cujo exercício
depende de uma série de requisitos. Mas ao invés de colocar esses requisitos nas
forças misteriosas que emanam do divino, ele os trouxe para as habilidades e
poderes especiais do artista, para configurar, através da força de sua imaginação,
estruturas criadoras, poiesis.
Também para Aristóteles (Op. cit.), toda arte é mimética. Diferentemente de
Platão, contudo, a arte não é cópia servil de uma realidade que a transcende, mas
mantém com a natureza, especialmente a humana, uma relação de correspondência
e complementaridade criativa e reveladora.
O exemplo mais claro da distinção radical, na compreensão da mimese, que
separa Aristóteles de Platão, está na consideração aristotélica da música como a
mais mimética de todas as artes.
A maior diferença entre Platão e Aristóteles reside nas conseqüências que
cada um deles extraiu de sua filosofia para a apreciação e avaliação da arte. Se,
para Platão, a arte pode ser fonte de ilusão e levar ao engano por alimentar as
paixões, para Aristóteles, a arte é valiosa, porque é reparadora das deficiências da
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
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natureza, especialmente as humanas, trazendo com isso uma contribuição moral
inestimável.
Rejeitando o idealismo metafísico do seu antecessor, Aristóteles (Op. cit.)
depreciou o papel que a beleza e o erotismo desempenham na discussão da arte,
tratando-a como uma propriedade objetiva da obra de arte e, mesmo, da natureza,
em lugar da busca inspirada do Belo, que Platão (1966) considerava como um dos
fins últimos da arte, e deslocou sua ênfase para os benefícios morais que a arte
pode trazer.
Finalmente, embora distinta das formas de cognição próprias da filosofia e do
conhecimento racional, a arte não deve ser, segundo Aristóteles (1995), identificada
com a desrazão. Não há, para ele, uma dicotomia entre o racional e o irracional, mas
um jogo de forças complementares entre os poderes imaginativos e construtivos da
arte e as faculdades intelectivas da filosofia.
As obras de Platão e Aristóteles foram fontes hegemônicas de inspiração para
os filósofos que os seguiram por muitos séculos, só tendo essa hegemonia entrado
em crise com o advento da filosofia moderna, a partir do racionalismo cartesiano e
do empirismo de Locke.
Antes que isso ocorresse, no entanto, da filiação ou inclinação ontológica do
filósofo, sua do filósofo, sua visão da arte penderia para o idealismo platônico ou
para o realismo aristotélico.
Passando uma vista rápida sobre alguns desses filósofos, que trouxeram
contribuições para a filosofia da arte há que ser mencionado Plotino (por volta de
205-270 d.C.), no qual será encontrada uma metafísica do belo que trouxe
influências, de um modo ou de outro, para a filosofia cristã e o para Renascimento
italiano; de um lado, o neoplatonismo da escola de Cambridge, no século XVII, e o
romantismo alemão do século XIX, de outro.
Ao mesmo tempo em que Plotino (1957) apud Bastos (1987) levou a filosofia
platônica às suas consequências lógicas, ele também a temperou com um
misticismo. Aceitaram a distinção platônica básica entre as essências imutáveis
Raimundo Santos Leal
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reais, objetos da inteligência, e as coisas particulares e mutáveis, objetos dos
sentidos.
Para Plotino, da perfeição do Uno, que transcende toda existência, emana a
divina inteligência da qual podemos participar, dela advindo uma terceira divindade,
a alma do mundo, que se manifesta em nossas almas e cria o mundo sensível.
Essas sucessivas emanações, exceto a matéria, tendem a retornar para a sua
origem. A beleza física, então, será fruto da unificação da multiplicidade informe da
matéria, sob a força de algum caráter essencial. Considera Plotino que na natureza,
isso será produzido pela alma do mundo, na arte pela alma do mundo manifesta na
alma humana.
Segundo Bastos (1987), para Plotino, mais bela do que qualquer beleza
física, contudo, é a qualidade essencial apreendida e possuída pela inteligência, pois
o fundamento da possibilidade de toda unidade, de toda beleza, é o Uno.
Foi com Plotino, na sua concepção da natureza simbólica de todos os
produtos humanos, retomada pela filosofia alemã do século XIX, que o caráter
simbólico da arte recebeu sua primeira formulação. Não apenas o belo é um símbolo
da harmonia cósmica, mas esta só pode ser sugerida através de metáforas de
natureza poética.
Para Plotino, a beleza do que é criado, o belo natural, é incompleta. Daí as
artes tentarem aperfeiçoá-lo e enobrecê-lo, o que as coloca no meio do caminho
entre o Belo puro e as belezas relativamente obscuras da natureza, e do que
decorre que a arte é um símbolo duplo: da realidade inferior que ela engrandece e
da realidade última que ela espelha (HOFSTADTER & KUHNS, 1976).
Segundo Bastos (1987) em Santo Agostinho (354-430), a filosofia de Plotino
recebeu sua tradução cristã. O desafio a ser enfrentado nessa tradução estava em
encontrar as justificativas religiosas para a questão do belo, o grande problema
advindo da gratificação sensória imediata que a arte produz.
Mesmo que a harmonia divina esteja refletida na natureza e na arte, os
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
181
objetos perceptivos atraem os sentidos para as coisas terrenas, conturbando a
contemplação do eterno e imutável.
Vem daí que, para Agostinho, quanto menos sensória for a arte, mais ela
espelhará a ordem divina. A música é, assim, superior à pintura, mas são as
palavras da escritura que estão mais adaptadas aos poderes da compreensão
humana. Em síntese: na medida em que a arte concorda com as verdades da fé e
reflete as harmonias do poder criador divino, ela está justificada.
Eco (1988) defende a tese de que o sistema filosófico de Santo Tomás de
Aquino (por volta de 1225-1274) inclui uma teoria estética coerente. Segundo Eco,
os medievais apossaram-se de vários temas, problemas e soluções do mundo
clássico, usando-os no contexto de uma sensibilidade nova e diferente.
Desse modo, eles só estavam dispostos a receber a beleza na sua aparição
como realidade puramente inteligível, como harmonia moral ou esplendor metafísico,
mas, ao mesmo tempo, não conseguiam descartar totalmente a beleza sensível
simplesmente porque um valor mais alto, especialmente no nível teórico, era
conferido à beleza do espírito.
De fato, a tensão entre o teórico e o prático, que se expressou no
pensamento medieval, gerou uma tentativa de conciliação desses dois lados
irreprimíveis da beleza, na concepção de que eles desenvolveram da experiência
estética.
Santo Tomás não formulou uma teoria estética específica e homogênea num
corpo explícito de escritos, nos diz Eco (Op. cit.), mas há um papel fundamental
desempenhado pela beleza no seu pensamento, como restauradora de uma ordem
e equilíbrio que emergem através da síntese de eventos causais e contradições
empíricas.
Ele entendia a beleza como uma propriedade transcendental e constante do
ser. Ser é aquilo que pode ser visto como belo. Todos os seres contêm as condições
constantes da beleza, uma vez que o universo, como obra de seu criador, é
necessariamente belo, uma enorme sinfonia de beleza.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
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O mundo de Aquino, segundo Eco (Op. cit.), era uma hierarquia de existentes
reais que adquiriam seu valor individual através da participação estabelecida dentro
de limites estáveis e definidos. Todo belo é bom e tudo que é bom o é por estar
associado numa perfeição definida a um certo ato de existir. O belo e o bem estão
fundados na forma, que é a razão por que algo está em ato, ou tem atualidade,
sendo bom por si mesmo.
Para Aquino, apud Bastos (1987) obviamente muito mais aristotélico do que
platônico, não há uma separação rígida entre sentidos e mente. O brilho da forma,
não importa quão puramente inteligível ele possa ser, em si mesmo, é apreendido
nos sentidos e pelos sentidos, a intuição da beleza artística estando no pólo oposto
complementar abstração das verdades discursivas. Enfim, o belo é essencialmente
prazeroso, pois sua própria natureza incita o desejo e produz o amor, enquanto a
verdade como tal apenas ilumina.
Ao final de sua tese, Eco (1988) conclui que o mundo medieval entrou em
crise não apenas devido às dificuldades de conciliação das forças opostas que
lutavam em seu interior, mas porque a realidade foi se tornando cada vez mais
prática e as pessoas não encontravam, nas abstrações medievais, instrumentos de
conhecimento para sua vida cotidiana. O esplendor do belo inteligível, de uma certa
forma, se viu sombreado pela irrupção do prosaico.
Com o fim da era medieval, e Platão, lido à luz de Plotino, criou-se, então,
uma nova tradição neoplatônica, mais propriamente conhecida como o humanismo
renascentista italiano.
Ao mesmo tempo, o Renascimento viria trazer o desenvolvimento da
autonomia do belo, frente à esfera moral. A arte, até então genericamente
concebida, iria codificar-se em subdivisões específicas, passando a mimese a ser
entendida como imitação da beleza natural.
O advento do capitalismo mercantilista e o antropocentrismo nascente
exigiriam o reconhecimento das qualidades especificamente humanas do artista,
capaz de produzir objetos belos. O valor dos objetos artísticos seria, daí para frente,
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
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duplo, ou seja, espiritual e material, quer dizer, mercantil.
Assim, durante os séculos XVI e XVII, as idéias estéticas de Aristóteles viriam
ganhar importância por toda a Europa, estando implícitas no neoclassicismo uma
síntese do racionalismo e a exaltação da natureza, estava preparado o terreno para
a autonomização da esfera artística do século XVIII (JIMÉNEZ, 1992).
Enquanto isso, ainda na Itália, Giambattista Vico (1668-1744) trabalhava na
majestosa Scienza Nuova (1725), que Benedetto Croce na sua Aesthetica (1997),
viria considerar como um dos pontos inaugurais da estética moderna, inauguração,
aliás, tão monumental, quanto à da estética hegeliana, embora menos específica.
Ao término do que é considerada, nesta tese, como a primeira fase do
desenvolvimento da Estética, foram vistas as primeiras reflexões e análises
envolvendo as teorias do belo e do fazer criador, presentes nas obras de Platão e
Aristóteles, que se estenderam, não obstante as particularidades específicas de
cada período histórico, pelo mundo latino, durante a Idade Média e a Renascença,
quando então se tem a mudança de enfoque da Estética para a ótica do gosto e do
sublime, que será objeto de análise do tópico seguinte.
5.3 O GOSTO E O SUBLIME
Nos séculos XVII e XVIII, a Estética desenvolve tendências que sofrem fortes
influências do Racionalismo cartesiano e do Empirismo e a conciliação entre a
perspectiva racionalista e o subjetivismo empirista, efetuado por Kant, em sua Crítica
do Julgamento (1993), publicado inicialmente em 1790.
Segundo Pauli (1963), muito provavelmente, é Nicolas Boileau (1636-1711),
na introdução do tratado Sobre o Sublime, de Longino, que traz inicialmente a
ênfase no sublime e, particularmente, a distinção entre o sublime em si e o estilo
sublime, sendo que o primeiro só pode ser atingido pelos pensamentos elevados, e
Raimundo Santos Leal
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o segundo pela retórica. Boileau foi um neo-classicista, que entrelaçou Descartes e
Aristóteles, propondo uma concepção do belo subordinado ao verdadeiro, cuja fonte
estava na natureza, inclusive na natureza humana.
Verdade e beleza encontraram aí uma fundamentação naturalista muito bem
equacionada pela razão (JIMÉNEZ, 1992). Não é por coincidência que, para
Boileau, nem mesmo a grandeza do sublime estaria autorizada a violar o senso de
propriedade, devendo ser colocada dentro da moldura de uma linguagem simples,
despida de figuras.
Segundo Jiménez (1992) Platão amava a arte, mas amava, ainda mais, o
Estado. A mais alta e verdadeira forma de arte era aquela capaz de fortalecer as
fibras morais da alma, unindo os homens como seres políticos. Aí está um embrião
do sublime, ligado à elevação moral.
Essa elevação moral e sublime permite a sua associação com o poder criativo
visto, também, na natureza e que se espelha no poder criativo da mente poética,
ambos manifestações correspondentes da harmonia divina.
Essa harmonia pode ser fluída em exercícios de gosto, apreciação,
discernimento. Os julgamentos do belo também podem ser criativos. A natureza não
é apenas bela, mas também sublime. Na experiência religiosa do sublime, repousa a
concepção humana do infinito.
A tradição filosófica considera que a Estética moderna começou com
Baumgarten (1961; 1993), entretanto, discute-se, no entanto, que suas formulações
inaugurais encontram-se, antes disso, na Inglaterra, nos trabalhos de Addison sobre
os prazeres da imaginação, publicados no Spectator, em 1712 (ADDISON, 1965).
Considera Bastos (1987) que a teoria do sublime teria, na verdade, de
esperar por Edmund Burke (1729-1797) para encontrar sua primeira discussão
sistemática e coerente. Antes disso, as observações esparsas sobre a teoria do
gosto, que já apareciam nos textos de Addison (op. cit.), iriam encontrar seu
desenvolvimento mais pleno nas obras de HUTCHESON (1973;1996) e HUME
(1965).
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
185
Addison (Op. cit.) definira o gosto como a faculdade da alma que discerne o
belo de prazer e as imperfeições de desprazer. Se Os Prazeres da Imaginação
marcaram os primórdios do discurso moderno sobre a Estética, seu primeiro tratado
está na Investigação a respeito da Beleza, Ordem, Harmonia. Design, o primeiro
entre dois ensaios que Hutcheson publicou juntos, em 1725 (HUTCHESON, 1973),
sob o título de Investigação sobre a Origem de nossas Idéias do Belo e da Virtude.
Encarnado
num
modelo
perceptivo,
esse
tratado
levou
às
últimas
consequências, imortalizando a noção de “senso de beleza”. Hutcheson acreditava
que a idéia de beleza nascia de uma qualidade complexa por ele chamada de
uniformidade em meio à variedade.
A apreensão da beleza tem um caráter diferente, um “gosto” diferente de
qualquer outro tipo de prazer dirigido para finalidades práticas. Embora suas idéias
fossem muito sugestivas, Hutcheson se perdeu na lógica de sua argumentação.
Mas Hume (1965), atraído pelas afinidades com essas idéias, iria levá-las à
frente, tentando resolver seus paradoxos em Sobre o padrão do gosto, um dentre
vários ensaios publicados, sob o título de Quatro dissertações, em 1757, e, talvez,
um dos frutos estéticos mais ricos e amadurecidos no Iluminismo inglês.
Segundo Dickie et al. (1977), pontos comuns a ligar Hume; Burke, Addison e
Hutcheson estava na percepção17; na noção da faculdade do gosto; na noção do
prazer, advindo da reação produzida pela faculdade do gosto; no tipo de objeto ao
qual a faculdade do gosto reage - aqui se encontrando o pomo da discórdia entre os
teóricos18 -; o julgamento do gosto, pelo qual se queria significar que um objeto
percebido; e na noção de desinteresse, que, de uma forma ou de outra, estava
implicada na própria natureza da faculdade do gosto.
Embora o senso-comum concorde com a filosofia cética ao considerar estéril
17
Modo através do qual são conhecidos os objetos do mundo, com suas características.
Enquanto para Hutcheson era a uniformidade na variedade para Burke era uma série de
propriedades dos objetos. Além disso Hume, também mencionou certas qualidades dos objetos,
enquanto o último dos teóricos do gosto, Archibald Alison (1757-1839), nos seus Ensaios sobre a
natureza e princípios do gosto, de 1790, escreveu sobre a percepção de algo que é um signo de ou é
expressivo de uma qualidade da mente, nobreza, por exemplo (ALISON, 1968).
18
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
186
a disputa sobre questões de gosto, esse mesmo senso-comum é capaz de descartar
certos julgamentos como sendo não apenas improcedentes, mas até mesmo
ridículos. Desse modo, o paradoxo, para Hume, se expressava como se segue
(MOTHERSILL, 1977, p. 279):
dado que a preferência estética depende do sentimento, que é distinto da
evidência factual e da observação, e dado que os indivíduos evidentemente
diferem em relação ao que gostam ou não em termos de poesia e arte,
como podem existir algumas opiniões que são imediatamente descartadas
como falsas e outras sobre as quais há certa concordância?
Hume (1973) achava que o caminho para a solução desse dilema, estava no
gosto. Havendo certas qualidades que são universalmente agradáveis, devem existir
“leis do gosto”. Os bons críticos são aqueles que sabem detectar essas qualidades
nas obras de arte e o veredicto conjunto de tais críticos produz o “padrão do gosto”.
Dentro desse grupo de destacados teóricos da apreciação estética, aquele
que levou mais a sério a questão do sublime, inserindo-a numa “lógica” do gosto,
com pretensão de validade intersubjetiva, foi Burke, ao publicar, em 1757, a sua
Investigação Filosófica sobre a Origem de nossas idéias do Sublime e do Belo
(BURKE, 1958).
De acordo com Coleman (1974), para Burke, sensações agradáveis podem
ser positivas ou envolver a remoção ou diminuição da dor. O sublime pertence a
esse último tipo, além de depender de paixões ligadas à autopreservação, ou de
paixões ligadas à dor e ao perigo. Essas paixões são um deleite quando temos uma
idéia da dor e do perigo, sem estarmos realmente experimentando tal situação.
Qualquer coisa que excite esse deleite Burke chamou de sublime, começando
sua análise com a estupefação ou aquele estado em que nossos movimentos ficam
suspensos em algum ponto do horror. Para ele, a mente é ultrapassada,
assoberbada pela imensidade do objeto contemplado, de modo que se fica estático,
é incapaz de nos mover.
Considera então que o sublime tem graus que vão da estupefação e do horror
à admiração, reverência e respeito. Tudo que opera de algum modo análogo ao
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
187
terror é uma fonte do sublime, ou seja, é produtor da emoção mais forte que a mente
é capaz de atingir.
Para Burke (1958), portanto, o sublime não procede da beleza apaziguada,
mas da desunião e conflito das faculdades. Ele é capaz de remover a finitude do ser
ao revelar sua ausência de fronteiras. Confrontada com o sublime da natureza ou da
arte, nossa liberdade fica exposta. A beleza une e civiliza por meio da forma; o
sublime não tem forma, mas desperta o sentimento moral mais profundo.
Segundo Jiménez (1992) quando se passa dos ensaios ingleses sobre o
gosto para as questões analíticas19 do belo e do sublime de Kant (1993), o nível de
complexidade da discussão cresce numa ordem tal que as teorias do gosto ficam
parecendo balbucios de crianças aprendendo a falar a língua materna.
A rigor, não foi apenas dos ingleses que Kant herdou a constelação de
questões nas quais iria concentrar suas analíticas. Numa das passagens da Crítica
do Julgamento, ele declarava que as questões da Estética, nas críticas do gosto do
seu tempo, estavam agudamente divididas entre o racionalismo20 e o empiricismo
(KANT, 1993).
Dentro desse contexto racionalista, em 1746, Charles Batteux (1713-1780)
publicou, na França, seu famoso tratado sobre As belas artes reduzidas a um
mesmo princípio21 (BATTEUX, 1969), no qual todas as artes se reduziam ao
princípio da mimese, entendida como beleza natural.
19
Em geral significa uma disciplina ou uma parte de disciplia cujo método fundamental é a análise.
Kant (2002) elabora uma analítica do belo; uma do sublime e uma do juízo teleológico que
determinam a priori respectivamente as primeiras duas do juízo estético, a outra do juízo sobre a
finalidade da natureza (ABBAGNANO, 1999).
20
Embora Descartes (2000) não tenha escrito quase nada sobre Estética, por mais de um século, seu
método e metafísica influenciaram profundamente as concepções sobre a natureza da arte. Assumiase, nessas concepções, que a natureza e a razão são idênticas, de modo que as regras que
governam as ciências também governam as artes.
21
Foi em Batteux (1969) que o ideal renascentista de especialização das artes, necessária para o
culto individual do artista e para a mercantilização dos objetos de arte, atingiu o seu ápice, ao criar o
conceito de “belas artes”. Batteux codificava as “belas artes” nas cinco artes nobres, ou seja, a
pintura, a escultura, a música, a poesia e a dança, além de mencionar outras duas relacionadas com
elas, a arquitetura e a eloqüência. Estava semeado o terreno para o nascimento da noção do artista
como indivíduo de gênio, tematizada por Kant e dominante na estética romântica. A codificação das
cinco belas-artes se generalizou com tal rapidez que, no século XIX, o adjetivo “belas” foi dispensado
e o sentido da palavra arte foi ainda mais estreitado, deixando de fora o artesanato e a ciência.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
188
Foi enorme a influência do tratado de Batteux sobre o iluminismo francês e
sobre a concepção das artes que iria dominar no Ocidente até meados do século
XIX. Apenas com o impacto das tecnologias industriais, a partir do impressionismo,
as vanguardas artísticas iriam colocar a mimese, concebida como imitação da
natureza, numa crise para a qual não haveria mais qualquer possibilidade de
retomo, muito especialmente porque essa crise só veio se acentuar depois que o
advento das recentes tecnologias de simulação começou a colocar a própria noção
de natureza e de realidade em questão.
No século XX, quando as vanguardas artísticas já colocavam em questão a
própria noção de arte, as ideologias institucionais da arte estreitavam ainda mais o
seu sentido, limitando-o apenas às artes plásticas e, mais especificamente, àquelas
que podem ser expostas em museus e galerias.
Denis
Diderot
(1713-1784),
outro
esteta
do
iluminismo
francês,
contemporâneo de Batteux, foi, segundo Jiménez (1992), um caso particularmente
interessante, porque, embora imerso no ideal iluminista da universalidade do belo
como uma qualidade transcendental e essencial da natureza humana, relativizou o
caráter absoluto e substantivo do belo, através do sensualismo22 e materialismo23
que constituíam as diretrizes básicas de seu pensamento.
Em 1752, nas suas Investigações Filosóficas sobre a origem e natureza do
belo, Diderot (1981, p. 78) falava do “belo fora de mim, belo real” e do “belo em
relação a mim, belo percebido”. “O que constitui a dimensão universal da estética,
sob o caráter variável e fluido da beleza, é a existência de um fundo cultural que
conduz a percepção de relações”.
Situada à beleza na percepção das relações, tem-se a história de seus
progressos no correr dos tempos. “O caráter relativo do belo fica, assim, enlaçado no
desenrolar evolutivo de uma qualidade universal da natureza humana: a capacidade
de perceber relações”, conclui JIMÉNEZ (1992, p. 36).
22
Como já visto, mas cabe reforçar o sensualismo caracteriza-se por uma atitude emque valoriza-se
a importância dos prazeres decorrentes dos sentidos.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
189
Não foi a França, mas a Alemanha, que viu nascer a primeira exposição
rigorosamente cartesiana da estética. Ela veio com o tratado Aesthetica24, escrito em
latim e publicado em 1750, por BAUMGARTEN (1993).
Em 1735, nas suas Reflexões filosóficas acerca da poesia, Baumgarten
(1961) via a Estética como a equivalente sensual da lógica, quer dizer, a Estética
estava para a sensorialidade, conhecimento inferior, do mesmo modo que a lógica
estava para o pensamento, conhecimento superior.
Segundo Bosanquet (1952), Baumgarten, com seus mestres racionalistas,
especialmente Leibniz (1646-1716), aprendeu a dividir o conhecimento em dois
tipos: aquele que nos dá idéias claras para a vida prática e aquele que nos dá idéias
distintas através do exame das partes elementares das coisas. Também aprendeu a
distinguir entre as funções superiores e inferiores da psique.
Baumgarten (1993) voltou sua atenção para uma espécie de conhecimento
intermediário, um modo de percepção em que o todo não é reconhecido para
propósitos práticos, nem pode ser submetido aos procedimentos analíticos da
ciência ou da filosofia. Utilizando definições formais, axiomas, provas e corolários, o
autor visava demonstrar que a percepção sensitiva tem uma estrutura formal própria,
cujas perfeições a ciência Estética tem por função revelar.
Tomando a razão teórica por modelo, Baumgarten buscava dar legitimidade
para a Estética, invocando, para isso, a razão analógica, como forma de saber sobre
aquilo que a esfera da arte revela e a razão por si mesma não pode dar conta.
Nesse novo contexto, o belo ressurgiu convertido em finalidade, em objeto
teórico de uma nova disciplina, a Estética, que é “a perfeição do conhecimento
sensitivo enquanto tal”, perfeição que não é outra coisa senão a beleza (JIMENEZ,
1992, p. 30).
23
Toda doutrina que atribua causalidade apenas à matéria, ou seja, consiste em afirmar que a única
causa das coisas é a matéria.
24
Já no primeiro parágrafo da Aesthetica, esta era tomada como a scientia cognitionis sensitivae
“teoria das artes liberais, gnosiologia inferior, arte de pensar belamente, arte da razão análoga”. O
que ele queria investigar não era nem o mero gosto, nem as meras sensações - o sentimento que se
registra num sujeito em resposta a um estímulo - mas um modo de conhecimento.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
190
Foi de Baumgarten (Op. cit.) que Kant (1993) herdou a palavra “Estética”.
lnseriu-a, contudo, num contexto quase totalmente diferencial, revestindo-a de
sentidos originais que vieram a se constituir nas idéias-chave a partir das quais as
concepções estéticas da era moderna se desenvolveram.
Para Baumgarten (Op. cit.), a Estética repousava sobre princípios intuitivos
últimos. Todos os ramos do conhecimento começavam com noções fundamentais
que requeriam “percepções intelectuais” semelhantes às “percepções diretas” das
relações matemáticas.
Kant (1993) não aprovava o intuicionismo da estética racionalista, uma vez
que o apelo à intuição não dava espaço para se resolver racionalmente os
desacordos em matéria de gosto, além de que fundar a Estética sobre a perfeição
intuída significava fornecer conceitos determinados para os objetos estéticos.
Do mesmo modo que recusava os pressupostos do racionalismo, Kant
também discordava dos princípios empiricistas, especialmente do seu caráter
psicológico, individualista, de um lado, e do caráter derivativo das propriedades
estéticas, extraídas de propriedades não-estéticas dos objetos, de outro.
Para as teorias subjetivistas, o belo não se referia a uma propriedade dos
objetos, mas estava associado a alguma espécie particular de sentimento do sujeito.
Determinar se “x é belo” não significava testar se algum conceito de uma
propriedade objetiva se aplicava a “x”, mas sim testar se algum conceito de prazer
se aplicava ao sentimento de um sujeito sobre o objeto (COHEN, 1982).
Kant (1988) não esposou as linhas mestras desse tipo de subjetivismo. Nem
racionalista, nem empiricista, mas filiada a essas duas vertentes do Iluminismo,
dando a ele sua maior expressão, a obra kantiana e, mais especialmente, neste
caso, sua Estética, criou, desse modo, uma via intermediária, a idealista, trazendo
uma nova interpretação para a secular relação da estética com o belo e o prazer.
Kant estava tão interessado nos problemas da arte e da Estética que, já em
1764, antes mesmo da sua primeira Crítica - a da razão -, ele publicou o ensaio
Observações sobre o sentimento do belo e do sublime (KANT, 1991) no qual a
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
191
palavra Estética ainda não aparecia, o prazer era visto como uma sensação ou um
sentimento e as diferenças entre o belo e o sublime eram tratadas de maneira
simplificada, longe das complexidades que emergiriam na sua terceira crítica, a do
julgamento, de 1790 (KANT, 1993).
Acerca da contribuição e influência de Kant tem-se um capítulo específico,
enfatizando a Estética, desde os autores que influenciam a filosofia kantiana, seus
fundamentos e desdobramentos até os nossos dias, os quais serão objetos de
reflexão mais adiante.
No presente tópico buscou-se apontar a passagem da primeira fase da
história da Estética para a segunda, onde a influência racional e empirista vai
influenciar a formulação da definição dada por Baumgartem (1993) para a palavra
Estética.
5.4 O DESCENTRAMENTO DO BELO
A terceira fase da história da Estética é caracterizada pela não ênfase do belo
e do sublime que, mesmo sendo consideradas, abre espaço para outras
possibilidades de entendimento acerca da Estética e seu papel.
Um ponto de partida para essa nova fase são as conferências de Hegel sobre
a arte, publicadas em 1835. Antes disso, entre a publicação das palestras de
Schelling e as de Hegel, Schopenhauer, em 1819, publicou a primeira edição de sua
obra O Mundo como Vontade e Representação (SCHOPENHAUER, 1969).
O trabalho de Schopenhauer é marcado, ao mesmo tempo, pelo
voluntarismo25 e o pessimismo26 da razão, marcas registradas de Schopenhauer, e
25
O voluntarismo é empregado para designar duas tendências doutrinárias: a que afirma o primado
da vontade sobre o intelecto; e a que vê na vontade à substância do mundo. A primeira é
gnosiológica e ética, presente em algumas correntes filosóficas medievais que afirmavam a
superioridade da vontade sobre o intelecto porque o hábito, a atividade e o objeto da vontade são,
como dito, superiores aos do intelecto. A segunda – o voluntarismo metafísico – foi iniciada por
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
192
que viriam a exercer enorme influência não apenas sobre Nietzsche, mas também
sobre Sigmund Freud (1856-1939) e, num outro extremo, sobre Ludwig Wittgenstein
(1889-1951).
Em razão disso, não há teoria contemporânea da arte que não tenha, de uma
forma ou de outra, absorvido a força que a vontade e a descrença nos poderes da
razão
passaram
a
desempenhar
no
pensamento
ocidental
a
partir
de
SCHOPENHAUER (1969).
Embora se dissesse sucessor da tradição que ia de Platão a Kant, em
detrimento da filosofia pós-kantiana, especialmente a hegeliana pela qual ele nutria
imensa antipatia, Schopenhauer parece ter articulado uma espécie de pensamento
inteiramente diferente de tudo que pudesse ser encontrado na tradição.
Para Schopenhauer (Op. cit.), a causa e essência do mundo estão numa
força cega ou tendência anterior à matéria e à consciência, que ele personificou na
Vontade ou Vontade de Viver. Dessa força derivam a matéria, os vegetais, animais,
até o homem em sucessivos graus de auto-objetivação.
Para qualquer coisa que existe deve ter preexistido uma tendência, a partir da
qual toda existência consiste em discórdia e, na vida orgânica, especialmente, ela se
manifesta como desejo insaciável e voraz, cuja dor é obliterada e cuja crueldade é
apaziguada apenas pelo intolerável pânico do medo. O ser humano é aquele que
bebe dessa taça mais amargamente, pois ele é o olho através do qual o universo
observa a si mesmo e se sabe infernal. Mesmo a ciência não passa de um serviço
sacrificado da Vontade. SCHOPENHAUER (Op. cit.)
Só restam duas alternativas que podem se abrir para o individuo: o
ascetismo27 ou a arte. O primeiro é mais elevado porque tende a durar através do
Schopenhauer, para quem a vontade é a substância ou número do mundo, enquanto o mundo natural
é manifestação ou revelação da vontade (ABBAGNANO, 1999)
26
Tendência a acreditar no pior ou esperar o pior, enquanto perspectiva filosófica, traduz-sepela
convicção de que este é o pior dos mundos possíveis. Associado a Schopenhauer que considerava
que renunciar ao mundo era o único modo de superar a dor.
27
Princípio de abnegação com a finalidade de alcançar um estado elevado de percepção espiritual,
acuidade intelectual ou capacidade física. Sua origem é as palavras gregas que significam “eremita” e
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
193
tempo como uma condição subjetiva, através da qual podemos nos livrar da ética
convencional.
A criação estética é uma fonte mais provisória de alívio, embora seus
produtos sobrevivam para os outros experimentarem. A arte nasce de um excesso
de Vontade, que vai além do que é necessário para atender à demanda do desejo
saciável e das necessidades práticas (SIMPSON, 1984).
Só a contemplação estética pode nos livrar da escravidão, pois, nela, o
quando, o porquê e o para quê das coisas deixam de existir para nos concentrarmos
apenas no “o quê”. Totalmente absorvidos na percepção de um objeto, podemos
escapar de nossa individualidade e vontade, continuando a existir como puro
espelho do objeto: com sua beleza nos identificamos, nela nos regozijamos.
O que é então conhecido não é algo individual, mas a idéia, quando o
conhecedor cessa de ser um individuo para se tornar um puro sujeito conhecedor.
Nesse caso, contemplamos o belo. Quando, a despeito da atração, instala-se uma
relação hostil com nossa vontade, da qual devemos nos desprender a fim de nos
entregarmos ao puro conhecimento, então o objeto é chamado de sublime. A
sublimidade é, assim, proporcional à nossa dificuldade de considerar um objeto sem
relacioná-lo com a nossa vontade.
Segundo Perniola (1998) são ecos da Vontade, por exemplo, que irão
aparecer no vitalismo de Henry Bergson (1859-1941). No outro lado do Atlântico, o
norte-americano George Santayana (1863-1952) nitidamente também beberia nas
fontes de Schopenhauer, que, lido à luz de Platão, iria lhe dar inspiração para
produzir, em 1896, o seu Senso do Belo (SANTAYANA, 1955).
Contudo, mais dominante do que esses dois filósofos, na insinuação de uma
filosofia que se tornaria inseparável da crítica da própria filosofia, foi, sem dúvida,
Nietzsche. Neste sentido, sem a referência a Schopenhauer, torna-se quase
impossível compreender por onde Nietzsche iniciou sua análise da arte.
“exercício”, sendo utilizado para expressar o regime austero dos soldados e dos atletas, mas estando,
também associado à religião.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
194
Em 1871, mais de vinte anos antes que Santayana produzisse o
reaparecimento do belo no seu canto de cisne tardio, com O nascimento da tragédia,
de Nietzsche, segundo Marton (1999) e Rodrigues (1998) já havia dado inicio a sua
devastadora crítica da metafísica, colocando em crise definitiva as antigas
confianças na razão filosófica28.
Foi da distinção kantiana entre o belo e sublime29 que Schopenhauer (1969)
parece ter extraído sua distinção entre a música, como expressão direta da Vontade,
e as artes, como representações expressivas das idéias. Essa, por sua vez, deve ter
sido a base da divisão nietzscheana, mais geral, entre o lado dionisíaco, mais
presente na música e na tragédia, e o lado apolíneo, mais presente nas artes
plásticas30.
Para Nietzsche (1927) apud Rodrigues (1998), a existência só pode ser
entendida e justificada em termos estéticos, do que decorre que a investigação
levada a cabo pela ciência ou é um equívoco ou uma rival da arte. Neste último
caso, a ciência é uma espécie de ilusão, similar à ilusão da arte.
Como pode haver a superação da metafísica sem perder aquilo que, a partir
da terceira crítica de Kant, se tornou inseparável da própria metafísica, ou seja, a
28
Através de um olhar penetrante no lado irracional da cultura grega, que o Ocidente reprimiu,
Nietzsche concluiu que as origens da arte e de toda criatividade devem ser encontradas nos aspectos
duais da natureza humana, por ele chamados de apolíneo, derivado do deus Apoio, e dionisíaco,
obviamente derivado de Dionísio.
29
Segundo Kant (2002) sentimentos tais como o sublime e o belo não podem ser analisados afinal
resultam não tanto da natureza de coisas externas que os suscitam, mas da própria disposição de
cada pessoa para ser induzida por eles ao prazer e à dor. Considera que tanto o belo como o sublime
aprazem, mas enquanto o belo encanta, o sublime “comove”, sendo simples, enquanto o belo é
adornado e ornamentado. O sublime transgride os fins da nossa faculdade de julgamento (CAYGILL,
2000).
30
A arte apolínea é a arte do sonhador enfeitiçado pelo charme do seu sonho e incapaz de vê-lo na
sua natureza ilusória de sonho. Apolíneo se refere, assim, àquele estado de repouso absorto diante
de um mundo visionário, onde as belas e ilusórias aparências descansam no esquecimento do devir.
Esse mundo de completude e beleza harmônica nos reconcilia com a intolerável irracionalidade da
vida e ação humanas. Dionísio, por outro lado, refere-se à energia promíscua da vida, à intoxicação
da orgia que destrói os limites da forma, da unidade fixa e da perfeição estabilizada; ao devir
extenuante e à crescente autoconsciência sob a forma da voluptuosidade incontrolável do criador,
também consciente, da cólera violenta do destruidor. Combinando criação e destruição, Dionísio é o
outro de si mesmo. Os recursos retóricos do gênio se exaurem nas contradições que intentam
descrever essa condição. Têm-se, assim, dois componentes: 1) pura expressão, forma, domínio
espiritual; 2) pura matéria, paixão cega tão horrível quanto divina na sua indeterminação. O belo
nasce na junção de ambos, na tragédia grega ou na música, considerados como o ideal de toda arte.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
195
Estética e a arte como vitais à experiência humana? Para responder a isso,
Nietzsche radicalizou muito mais do que Schelling (1978) fizera antes dele com o
significado da arte e da beleza.
Enquanto para Schelling (1978) a arte comparecia para manter o edifício da
metafísica de pé, para Nietzsche (1927) o edifício foi dinamitado para que as forças
da indeterminação, soterradas sob suas fundações, pudessem voltar a emergir.
Os abalos que Nietzsche (1927) produziram na crença e nos poderes da
razão iriam ser complementados e ainda mais acentuados pela radicalidade da
descoberta freudiana do inconsciente. A influência dessa tríade de subvertores
sobre a filosofia continental, em particular sobre o pensamento francês pósestruturalista, especialmente na figura de Jacques Derrida (1978a; 1978b), foi muito
profunda.
Mais
impressionante
seria
a
repercussão
que,
sob
o
nome
de
desconstrucionismo, as idéias de Derrida exerceriam sobre as áreas das
humanidades, nos Estados Unidos, nos anos 80 deste nosso século. Não resta
dúvida que Nietzsche foi um divisor de águas a partir do qual a confiança na razão
parece ter se tornado irrecuperável.
O próprio advento dos pensamentos de Nietzsche, Freud, Heidegger e a
crítica implacável que Karl Marx (1818-1883) desferiu sobre a futilidade e a “miséria
da filosofia”, parecem funcionar como indicadores seguros de que a filosofia como
sistema totalizante e unificador atingira, em Hegel, um ponto de esgotamento.
Enquanto isso, as revoluções pelas quais os sistemas artísticos viriam passar,
a partir de meados do século XIX, confirmando, sob um certo ponto de vista, os
prognósticos hegelianos, também funcionariam como comprovações vivas de que a
idéia de arte, que o Ocidente fixou desde o Renascimento, havia chegado a um fim.
De acordo com Bubner (1980), se há uma obra que merece destaque pela
profundidade de sua reflexão e pela riqueza dos detalhes concretos de suas
análises, é a Teoria estética, de Adorno (1982). Seu pessimismo em relação a
qualquer progresso da racionalidade humana, aliado à desconfiança tipicamente
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
196
marxista em qualquer teoria pura, o levou a considerar a Estética como única saída
possível para o ceticismo radical. Mantendo o antigo valor hegeliano da verdade,
mas deslocando a prioridade desse valor da filosofia para a experiência estética,
Adorno evidenciou que a filosofia deve aprender com a Estética que o pensamento
conceitual não é tudo.
Ao revelar uma verdade que dela é própria, a arte evidencia quão dilatado é o
reino da verdade e quão pouco território desse reino é ocupado pelas reflexões
conceituais. Há muito para ser compreendido que escapa às formas de controle do
pensamento filosófico tradicional.
Numa apresentação da estética adorniana, Bowie (1990) diz que a conhecida
concentração de Adorno (1982), na autonomia estética, deriva da sua compreensão
de que o ordenamento da natureza pela ciência e a penetração das formas da
mercadoria, em todas as esferas de troca capitalista, dominam a relação do sujeito
com o objeto31.
De acordo com Bowie (Op. cit.), Adorno insistia no acerto kantiano ao manter
que nenhuma teoria estética é possível sem o pressuposto de que a Estética deve
envolver um momento de desejo imediato livre, mas insistia também no fato de que
a autonomia estética deveria ser vista historicamente, o que produz a instabilidade
do puramente estético.
A despeito disso, a intraduzibilidade da música para um outro meio fez com
que ela se tornasse, a partir do fim do século XVIII, um índice da autonomia estética,
seu paradigma podendo ser aplicado às demais artes. A autonomia resulta da falta
de uma racionalidade finalista na arte, o que lhe dá o mesmo caráter que Kant havia
detectado no prazer estético BOWIE (Op. cit.).
31
De acordo com a teoria marxista na medida em que a sociedade capitalista se desenvolve, tudo se
reduz ao princípio da equivalência, através do princípio da troca. A verdade sensória do objeto não
está empiricamente disponível, pois seu valor deriva do mercado. No capitalismo, os objetos são
definidos por seu valor de troca, que se constitui na relação com outros valores de troca, que não têm
nada a ver com o ser intrínseco do objeto, quer no seu valor de uso, quer como um objeto estético.
Foi desse aspecto-chave do pensamento marxista que Adorno extraiu os princípios de sua original
teoria do significado político da autonomia estética e da pertinência filosófica da música.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
197
Adorno (Op. cit.) conectou sua visão da arte à “dialética do iluminismo”. Os
produtos da subjetividade autônoma, ciência e tecnologia, que deveriam nos auxiliar
na superação das ameaças da natureza externa, acabam por aprisionar o sujeito
numa objetividade da mesma ordem daquela que supostamente deveria ter sido
superada.
A crise ecológica, segundo Bowie (1990) é o melhor exemplo dessa dialética.
A radicalidade com que Adorno enfrentou essas questões foi prefigurada como uma
avaliação pessimista que Schopenhauer (1969) fez da natureza fundamental da
subjetividade e da sua concepção da arte como desvio da pulsão da
autopreservação da Vontade.
Adorno (1982) tendeu, porém, a um hegelianismo invertido, onde o progresso
do Espírito é, na realidade, o progresso da razão instrumental, uma lógica da
desintegração que também encontra eco na noção heidegerana de que a história da
modernidade é uma história da “subjetificação” do Ser.
Bowie (Op. cit.) termina nos dizendo que, diferentemente de Schopenhauer,
Adorno não chegou a postular um completo isolamento da arte em relação à razão,
isolamento que nasce da descrença de qualquer interferência positiva da arte contra
a instrumentalização da razão32.
Adorno fez parte de um grupo de intelectuais frankfurtianos que deixou
marcas profundas nas concepções da arte, cultura e sociedade na segunda metade
do século XX, nos quatro cantos do globo. Nesse grupo, além de Adorno,
destacaram-se Herbert Marcuse e Walter Benjamin (1892-1940).
32
O pessimismo adorniano não estava fundado num veredicto a respeito da natureza essencial da
razão, mas numa reflexão histórica quanto à falha das esperanças idealistas de uma reconciliação da
subjetividade autônoma com a ordem geral da sociedade. Mas, diferentemente de Heidegger (1971)
e dos pós-estruturalistas (Derrida; Baudelaire; Baudrillard), Adorno sustentou a esperança numa
subjetividade que não estaria plantada apenas na autopreservação e que poderia sustentar a
individualidade contra as forças objetivas que militam contra ela. A arte foi o lugar onde essas
esperanças surgiram. Longe de ser um mero escape de uma subjetividade negativa, como foi
concebida por Nietzsche e, especialmente, por Schopenhauer, a arte e, mais particularmente, a
música apontam para uma subjetividade que não precisa necessariamente experimentar a
individualidade como um tormento.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
198
A teoria estética na Alemanha, no século XX, baseou-se largamente na
tensão entre as tradições hegeliana-marxista e a existencialista-hermenêutica. Esse
é o caso de Hans Georg Gadamer, que, tido, muito embora, como sucessor de
Heidegger, desenvolveu uma tese quase-hegeliana similar à de Adorno de que a
verdade é a essência da arte, com um deslocamento também similar de que seu
domínio foge da alçada da filosofia.
Em Verdade e método (1977), a influência hegeliana na concepção de sua
filosofia da arte, mesclada à ontologia heideggeriana, levou a considerar a arte como
paradigma da compreensão hermenêutica.
Para se ter uma idéia da constelação diferencial de tendências e correntes
estéticas, cuja proliferação, principalmente nos países centrais, foi se dando a partir
de fins do século XIX, na primeira edição de sua antologia sob o título de Um livro
moderno de estética, Melvin M. Rader (1935) apud Barilli (1989) divide o campo em
doze principais tendências estéticas com seus respectivos representantes.
Na terceira edição revisada e expandida do mesmo livro, publicada em 1966,
Rader apud Barilli (Op. cit.) amplia ainda mais a lista, de doze para quinze,
renomeando as categorias das tendências e mudando muitos autores de seus
lugares prévios. Num flagrante inegável do deslocamento, bem característico na
época, da preocupação com as teorias estéticas para as teorias da arte, os itens
passam a ser nomeados tendo em vista a definição da arte.
Com os novos autores incluídos e das novas categorias em que os antigos
nomes passaram a se integrar, o livro passa a estar dividido em três partes, tendo
cada uma seu próprio título. Assim, a primeira parte, recebendo o título de “Arte e o
Processo Criativo”, inclui: 1. Arte como Semelhança; 2. Arte como Beleza; 3. Arte
como Expressão Emocional; 4. Arte como Intuição; 5. Arte como Satisfação do
Desejo; 6. Arte como Experiência Viva; 7. Pode a arte ser definida?
A segunda parte, com o título de “A obra de arte” inclui: 8. O “Corpo” da Obra;
9. Expressividade; 10. Forma; 11. Forma e Função. E a terceira parte, recebendo o
título de “Apreciação e Critica”, inclui: 12. Empatia e Abstração; 13. Distância e
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
199
Desumanização; 14. Isolamento e Sinestesia; e 15. Crítica,.
Não obstante a tentativa de abraçar todas as tendências, não comparece, em
nenhum dos dois livros uma corrente teórica para a qual, numa outra antologia
(Dickie et al., 1977) dão relevância às teorias da atitude estética que se tornaram
bastante conhecidas no mundo de língua inglesa e tiveram seus principais
representantes em Herbert Langfield, com seu livro Atitude estética (1920) e E.M.
Bertlett com seu livro sob o título de Tipos de julgamento estético (1937).
Na década de 70, ao tentar mapear o território da estética contemporânea
àquela data, destacando a importância, na primeira metade do século, de obras
como as de Santayana (1955), Croce (1997), Dewey (1925, 1980) e Osborne (1968)
diz
que
sistematizações
unificadas
da
estética
podem
ser
encontradas
especialmente nas obras de Susanne Langer, nos Estados Unidos (1953), e Luigi
Pareyson, na Itália (1993; 1984).
Osborne (Op. cit.) chama a atenção para as distinções bastante remarcáveis
entre os métodos anglo-americanos da estética e os métodos continentais, nascidos,
de um lado, do método fenomenológico da investigação filosófica de Edmund
Husserl (1859-1938), de outro lado, nascidos, na França, da combinação da
fenomenologia com o existencialismo de Jean Paul Sartre e, vale acrescentar, de
Maurice Merleau-Ponty (1908-1961), cuja obra filosófica, sem dúvida uma das mais
importantes do século, tem profundas implicações para a Estética (MERLEAUPONTY, 2001).
Osborne (Op. cit.) acrescenta que a influência de Wittgenstein (1953) sobre o
pensamento estético, embora indireta, é real, não podendo, por isso, ser
negligenciada. Ela é exercida principalmente através da aplicação ao discurso
estético de modos de pensar sobre o sentimento, emoção, intenção e mesmo certos
aspectos da percepção, trabalhados na filosofia geral da mente a partir de sugestões
contidas nos últimos escritos de Wittgenstein (Op. cit.), junto com novas idéias sobre
critérios, norma, explicação etc.
O que se pode concluir de tudo isso é que o número das teorias estéticas,
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
200
substituídas em grande medida, neste século, por teorias da arte, foi crescendo
numa tal ordem que se pode afirmar, como o fez Margolis apud OSBORNE (Op. cit.),
que aquilo que chama-se de Estética não é de modo algum um ramo da filosofia,
mas muito mais um sistema bastante solto de questões concernentes ao nosso
interesse nas artes.
Ele teria razão se não tivesse sido negado pelo ressurgimento da
preocupação com o estético ou antiestético que começou a invadir a paisagem
cultural contemporânea, mais fortemente a partir dos anos 80, nos acirrados e
controversos debates sob o nome de pós-moderno, pós-modernismo ou pósmodernidade.
Tendo o belo caído decididamente no esquecimento, dada a sua evidente
inadequação para pensar questões estéticas frente à demolição dos valores que as
vanguardas artísticas implacavelmente realizaram contra as noções de arte
herdadas do Renascimento, o sublime começou a ser revalorizado como meio para
a compreensão dos enigmas da criação.
Não é de se estranhar a freqüência com que esse tema começou a aparecer
nos escritos de vários críticos da atualidade, assim como que estejam na crista dos
debates ditos pós-modernos. Não sem razão, é Kant, e não Hegel, que está sendo
posto na ordem do dia, tendo sua terceira crítica merecido a atenção recente de
Lyotard (1991), um dos mais famosos arautos da pós-modernidade.
Em síntese, há evidências notórias de um renascimento das preocupações
com a criação de uma estética original que leve em conta as novas complexidades
com que o mundo contemporâneo está nos desafiando.
Por mais instigante que possa soar a sugestão da apresentação de um
panorama histórico e conceitual sobre as relações da estética com a pósmodernidade, essa sugestão não será aqui seguida, porque a rede de seus
intrincados fios conduziria nossas idéias para longe das preocupações mais
urgentes que este livro se colocou como finalidade atender.
Não é habitual considerarmos o século XX como o século da Estética. E, no
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
201
entanto, em nenhum outro período histórico se viu tal abundância de textos de
grande relevo sobre Estética. No século XX todas as áreas da filosofia se organizam
com as suas revistas, associações, encontros internacionais e bibliografias
especializadas. Nele a Estética pretendeu ser mais que a teoria filosófica do belo e
do bom gosto.
Por um lado ela estabeleceu e manteve uma relação de cumplicidade com a
literatura, as artes figurativas, a música, sem se deixar intimidar pelas inovações
mais ousadas ou pelas experiências mais arriscadas; por outro, sentiu-se envolvida
na gestão institucional, exposição, organização e comunicação dos produtos
artísticos e culturais.
Neste sentido, confrontou-se com os grandes problemas da vida individual e
coletiva, interrogou-se sobre o sentido da existência, promoveu utopias sociais e
sentiu-se envolvida nos aspectos da vida cotidiana, identificando sutis distinções
cognitivas.
Além disso, debruçou-se sobre questões religiosas e teológicas de alcance
histórico, interrogou-se sobre as suas próprias afinidades e divergências com a
moral e a economia estabelecendo relações com todas as outras disciplinas
filosóficas, com as ciências humanas e até mesmo com as ciências naturais, físicas
e matemáticas.
É importante destacar que aqueles que, no século XX, deram as mais
importantes contribuições não se consideraram a si mesmos como estudiosos da
Estética, mas, antes, como psicólogos, psicanalistas, ontologistas, teóricos da
linguagem ou da literatura, filósofos da religião ou da sexualidade; ou até nem
mesmo filósofos, mas simplesmente, pensadores ou escritores.
Verifica-se que nessa terceira fase da história da Estética há uma diversidade
de perspectivas acerca da Estética, alguns mantendo a tradição envolvendo a noção
de belo, beleza, sublime para considerar outros perspectivas, onde a Estética deixa
de ser algo do âmbito da filosofia, letras ou arte para ser considerada inerente ao
viver do homem.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
202
As três fases elencadas neste capítulo fazem parte da história, do
desenvolvimento e construção da Estética, portanto, devem ser consideradas sob
pena de incompreensão de algumas perspectivas e possibilidades, afinal, presente,
passado e futuro estão interligados e entremeados.
Para a presente tese, a necessidade de resgatar essa trajetória mostrou-se
necessário diante do pouco nexo na análise organizacional entre a Estética e a ação
organizacional. Ou seja, tornou-se necessário apontar as diferentes contribuições
dos diferentes autores que debruçaram sobre a Estética, e a maneira como
articulavam a mesma com a racionalidade e o empirismo e, portanto, a compreensão
e expansão do conhecimento humano.
Não ignorando o desenvolvimento histórico e suas diferentes fases há uma
natural aproximação com a segunda fase, especialmente com Kant e sua noção
Estética e que será objeto do próximo capítulo.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
203
CAPÍTULO VI
KANTISMO E ESTÉTICA
A verdade não é uma opinião nem tampouco uma teoria;
não é uma especulação nem mesmo uma idiossincrasia,
mas a exata correspondência com a realidade.
A Arca
No presente capítulo busca-se resgatar a contribuição filosófica de Immanuel
Kant (1724-1804), com ênfase no que envolve a Estética. Para tanto, traça-se um
perfil acerca das influências filosóficas que nortearam os trabalhos de Kant, assim
como, autores que tomando a perspectiva kantiana como ponto de referência,
ampliaram ou aprimoraram o universo conceitual envolvendo a Estética.
Esse percurso vai desde o dogmatismo33 até o criticismo34, abarcando desde
33
Termo resultante da contraposição entre os filósofos céticos e os filósofos dogmáticos – aqueles
que definem sua opinião sobre todos os assuntos -. Com Kant o termo passa a estar associado com a
metafísica tradicional, entendida enquanto por ele como “o preconceito de poder progredir na
metafísica sem uma crítida da razão” (KANT 1989).
34
Doutrina de Kant centrada em três pontos: a) na formulação crítica do problema filosófico; b) na
determinação da tarefa da filosofia enquanto reflexão sobre a ciência e, em geral, sobre as atividades
humanas; e c) na distinção fundamental, no domínio do conhecimento, entre os problemas relativos à
origem e ao desenvolvimento do conhecimento no homem e o problema da validade do próprio
conhecimento ABBAGNANO (1999).
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
204
uma concepção objetiva acerca da Estética, passando por uma atitude relativista,
até chegar a uma concepção subjetiva. A Estética evolui, portanto, na direção do
abandono da ontologia pela psicologia, sendo este um dos múltiplos aspectos da
revolução copernicana que também afeta a Estética.
Para resgatar a obra e influência kantiana cabe inicialmente identificar e
destacar as origens, o sentido e o alcance do kantismo, tomando por construção um
balanço da sua herança, dos seus principais elementos e do seu destino ulterior, e é
isso que segue nos tópicos seguintes.
Após considerar as três fases da história da Estética, encontra-se em Croce
(1997), uma outra redefinição da Estética contada em três fases essenciais: a era
pré-kantiana, a idade kantiana e pós-kantiana evidenciando a importância e
influência de Kant.
Antes destas fases, segundo Croce (Op. cit.) houve uma longa pré-história de
mais de dois mil anos. Depois, surge a Estética atual que, efetivamente, é marcada
pelo desenvolvimento das ciências humanas e das disciplinas lógico-formais pela
preocupação em amplificar o trabalho crítico de Kant, através da extirpação das
seqüelas do espírito metafísico.
Cabe então verificar essas três fases destacadas por Croce (Op. cit.),
enfatizando Kant, antes e depois, até porque no capítulo anterior discorreu-se sobre
um desenvolvimento histórico mais linear e tradicional, sem maior ênfase a Kant.
6.1 PRÉ-KANTIANOS: FONTES DA ESTÉTICA DE KANT
Ao considerar o movimento filosófico, anterior à Crítica do Julgamento, marco
de referência, juntamente com as duas outras críticas, identifica-se duas grandes
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
205
correntes filosóficas a influenciar o trabalho de Kant: o intelectualismo35 de Leibniz
(2000) e de Baumgarten e o sensualismo de Burke36.
Bosanquet (1957), ao construir a evolução passo a passo dessas duas
correntes filosóficas, aponta como passíveis de distinção e notória influência sobre
Kant, nada menos que, oito diferentes escolas filosóficas, a saber: a escola
cartesiana e a literatura clássica do século de Luís XIV; o pensamento de Locke; as
tendências sentimentalistas37 dos literatos do fim de século; o Ieibnizianismo; a
estética afetiva do abade Dubos; a escola psicológica (Addison, Hutcheson, Burke,
Hume, Hogarth, Webb, Young); os enciclopedistas (Diderot, Batteux e mesmo
Rousseau) e, finalmente, sobretudo, a escola alemã (König, Gottsched, Bodmer,
Winckelmann, Lessing, Baumgarten).
Dentre esses cabe considerar com especial atenção a análise de três escolas:
o relativismo cartesiano, o intelectualismo leibniziano, o sensualismo anglo-saxônico.
Considera-se a seguir, ainda que de maneira breve, alguns filósofos presentes
nessas escolas que como já dito contribuíram na formação e/ou influenciaram a obra
de Kant.
Merece destaque inicial, dentro da perspectiva do relativismo cartesiano, a
contribuição de Descartes (1596-1650). Do dogmatismo platônico, essencialmente
baseado na objetividade do Belo-em-si, passamos, com Montaigne, Descartes ou
Pascal (1623-1662) e, sobretudo, mais tarde, com Voltaire (1694-1778), a um
ceticismo desiludido.
Deve ser destacado que Descartes não teve propriamente uma Estética, não
35
Contraposto, por vezes, ao voluntarismo para indicar a primazia atribuída ao intelecto sobre a
vontade. Outra escola de influência foi o intelectualismo leibniziano, que será tido como uma antítese
ao trabalho de Descartes. Com Leibniz (1646-1716), os conceitos de vida, forma e fim são resgatados
à luz da teoria do Belo e estarão presentes no trabalho de Kant de maneira subjetiva.
36
Acerca dos autores que exerceram forte influência sobre Kant convém ressaltar que no capítulo
anterior, na segunda fase foram desenvolvidas as idéias desses autores, e que, portanto serem
sintetizadas.
37
Consiste em entregar-se às emoções próprias ou alheias, em exaltar-se com elas
desproporcionalmente à força, aos limites e à função dessas emoções. Kant (1989; 2002) viu no
sentimentalismo a fraqueza de deixar-se dominar, até contra a vontade, pela participação no estado
emocional de outroem, propondo o autodomínio, que possibilita a sutileza de sentimentos graças à
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
206
por indolência ou falta de tempo, mas porque para ele era impossível unir os
sentidos e o entendimento a faculdade de perceber e a faculdade de julgar, uma vez
que a realidade, assim entendida por ele, em face, a opacidade dessa união em
direção ao homem concreto.
Cabe resgatar Leibniz (2000) que é, antes de qualquer coisa, tido como o
anti-Descartes, ainda assim, cabe apontar que onde Descartes é incompleto,
insuficiente ou superficial, Leibniz completa-o, remata-o e prolonga-o em
profundidade. O universo de Leibniz é um sistema de luzes crescentes onde as
forças representativas se tornam cada vez mais claras e distintas à medida que os
objetos representados se revelam mais explícitos.
Complementando, o universo de Leibniz já não é uma máquina movida por
leis inelutáveis desprovida de energia e de espontaneidade, passando a ser visto
como uma imensa hierarquia de seres vivos e sensíveis, formando um conjunto
harmônico acabado.
Além disso, o mundo é apenas uma imagem da nossa percepção: há nos dois
termos a realização do uno e do múltiplo, e o espetáculo surpreendente dessa
estranha harmonia do universo não é senão o espelho da nossa própria harmonia
interior.
Deste modo, a fórmula neoplatônica da unidade na variedade encontra-se
como que reinscrita num contexto novo, neocartesiano em certa medida, onde os
espíritos podem produzir algo que se assemelhe às obras de Deus, embora, em
ponto pequeno, pela graça da harmonia universal no ato estético.
Para Leibniz (2000), também, o estado artístico manifesta-se por esses
gostos, essas imagens das qualidades dos sentidos que são as pequenas
percepções, ou ainda por esses espelhos vivos ou imagens do universo das
criaturas, mas ainda imagens da própria divindade ou do próprio autor da natureza,
capaz de conhecer o sistema do universo e de imitar algo dele por meio de amostras
qual as emoções alheias não são julgadas segundo a força de quem julga, mas segundo a fraqueza
de quem sente (ABBAGNANO 1999).
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
207
arquitetônicas, sendo cada espírito como que uma pequena divindade dentro do seu
departamento.
Entre os inúmeros discípulos póstumos de Leibniz, citaremos o padre André,
que escreveu a primeira obra de estética propriamente dita, em língua francesa,
inspirando-se livremente na noção agostiniana de ordem, e Baumgarten (1993), que
ajudou Kant a encontrar a solução para a antinomia sentimento-juízo.
Segundo Bosanquet (1957) a influência do sensualismo inglês se faz presente
nos trabalhos de Hume, Locke e Hutcheson que formularam algumas hipóteses
sobre a Beleza.
A influência de Hume (1965), segundo Bosanquet (Op. cit.), desenvolveu uma
espécie de sensualismo radical nos seus Elements of criticism (1762) e, mesmo, um
antropomorfismo integral. Assim para Hume é belo aquilo que representa as
relações entre o espectador e os seus semelhantes, pois não é porque um objeto é
belo que deve agir necessariamente e universalmente, mas sim porque, debaixo de
todas as diferenças que separam os indivíduos, subsiste sempre alguma coisa de
universalmente humano, por isso é que deve haver objetos belos. Há aqui como que
um platonismo ao revés, onde a tônica já não é posta no Belo-em-si, mas no gosto
humano.
A busca de uma harmonia constituirá o tema diretivo da Estética kantiana
envolvendo: o mundo da natureza e o mundo do espírito, a imaginação e o
entendimento, a afetividade e a vontade, na qual a finalidade imporá sempre a sua
valiosa mediação, eficaz e segura. E é na idéia de finalidade que está a base de
toda a teoria do juízo reflexivo, ponto de partida essencial para a compreensão da
estética kantiana.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
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6.2 PÓS-KANTIANOS: A CONTINUIDADE E APRIMORAMENTO
A obra de um autor reflete não apenas no seu tempo em vida, mas
especialmente após o seu desaparecimento. Cabe então considerar que
desdobramentos o pensamento de Kant irá provocar na Filosofia e em particular na
Estética, tendo como base os escritos daqueles que são seus continuadores ou
críticos.
Segundo Croce (1997) e Barilli (1989) Kant lançou as bases não de uma, mas
de várias estéticas e isso fica claro ao se considerar as contradições, os
paralogismos e as obscuridades de sua obra. Há antinomias que, mesmo após
leitura e releitura da obra, permanecem como que irredutíveis. Numa perspectiva
daquela que prima pela busca da verdade, uma obra é ainda mais importante pelo
problema que levanta do que pelas soluções que traz, por abrir mais perspectivas do
que as teses rígidas que porventura possa vir a propor.
A dimensão da contribuição kantiana e a repercussão de sua obra se
encontra no que concerne à Estética na A Crítica do juízo que irá influenciar não só
Fichte ou Hegel, mas Schiller, Schelling, bem como a idéia de ilusão de Langer
(1953); até as “teorias dos Parnasianos” da arte pela arte; a teoria da intuição de
Croce (1997); sem esquecer o estetismo de Baudelaire (1998), ou seja, inúmeros
escritores e artistas que encontram a sua origem histórica ou teórica nas sólidas
distinções da Analítica do Belo.
Parece que Kant abalou as regras da Filosofia da Arte com toda a
naturalidade e com uma audácia tranquila, segundo BOSANQUET (1963). Ninguém
antes dele e poder-se-ia mesmo dizer que ninguém desde 1790 ousou dar tanto
rigor à distinção dos termos, com tanto cuidado na precisão do fato, na análise das
suas noções artísticas. Assim, ele foi o primeiro a aplicar a Lógica à Beleza,
analisando a Arte com todo o rigor científico.
Numerosos foram os discípulos de Kant e quase todos consideraram A crítica
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O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
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do juízo como a melhor das suas três críticas. A seguir efetua-se uma breve síntese
do pensamento e obra desses seguidores, com o propósito de resgatar os
desdobramentos e influências de Kant, vislumbrando sua utilidade, agora ou no
futuro, para o estudo e análise contemporânea das organizações.
Um dos pós-kantianos é Friedrich von Shiller (1759-1805), contemporâneo de
Fitche, que seguiu, nas suas Cartas Sobre a Educação Estética da Humanidade, de
1801 Schiller (1995) concebe a arte como fonte, meio e fim para a educação estética
do ser humano, tomando a beleza como símbolo de moralidade, moralidade esta
disponível não apenas através da compulsão, mas antes de tudo, através do prazer.
Schiller (Op. cit.) parte do princípio de que a arte é uma atividade lúdica, um
jogo, e que a esfera estética é o ponto de conciliação entre o espírito e a natureza, a
matéria e a forma, pois o belo é vida, é o corpo vivo.Quis, assim, levar a noção de
percepção estética como uma influência mediadora ligando o sensório, tanto à
verdade quanto à virtude, aos sentimentos morais e disposições – fontes da ação
razoável.
No momento histórico em que a arte estava sendo diferenciada de outros
tipos de engenhos e habilidades humanas, ao definir a beleza em termos do tipo de
julgamento que ela produz, Kant (1991) criou um critério específico para a arte, ao
mesmo tempo em que ampliou o campo da Estética.
Originalmente, Baumgarten (1993) via a Estética como ciência da percepção
sensitiva, para abraçar não só as obras de arte, mas também as belezas da
natureza e, além disso, fenômenos relativos à conduta humana. Esta última,
especialmente, foi a porta que Schiller abriu mais largamente, para explorar com
inteireza sua idéia de educação estética.
Não obstante sua admiração, existiam pontos com os quais Schiller sentia
que Kant estava em falta, era fácil dizer que o belo consistia apenas na forma, ou
definir uma resposta estética pura como prazer desinteressado, se um arabesco,
digamos, era o modelo de que se partia.
Segundo XYZ como não poderia deixar de ser, não existe consenso quanto à
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O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
210
interpretação da obra de Schiller. Aliás, existem dúvidas sobre sua consideração
como filósofo. Tal dúvida não é casual, afinal, sua obra em nada se assemelha a um
tratado sistemático, obediente a todas as regras do bom comportamento analítico.
Se o belo, na obra de arte, na poesia, atrai o ser humano, então deve haver,
na essência mais íntima da vida, um fundamento para essa atração. Ele buscou,
assim, ligar a integridade do significado do belo diretamente à razão prática, à
essência moral do homem. “É através da Beleza que atingimos a liberdade”
(SCHILLER, 1995, p. 27). Schiller concebeu a liberdade e a moral, inteiramente
dentro do espírito da ética kantiana, como único meio através do qual o ser humano
pode estar uno consigo mesmo e composto na sua essência mais íntima.
Kant (1993) havia levado em consideração o caráter prazeroso e vivificante
do belo, mas, sem se dar conta das emoções profundas que podem ser despertadas
na apreensão de uma grande obra de arte e só podem ser explicadas na sua
relação com a essência mais íntima do homem, sua consciência moral.
Com sua definição do belo como liberdade na aparência, Schiller pensava ter
encontrado um princípio objetivo para a beleza, nos diz Henrich (1992), uma vez que
a objetividade, para ele, não tinha o sentido kantiano de conhecimento dos objetos.
Daí sua descrição da autoconsciência da subjetividade na experiência da beleza. O
prazer estético absorvido no objeto e a consciência se consumam totalmente no
objeto apreendido.
Schiller (1995) entendeu o amor como a unificação da razão com a
sensibilidade, entretanto, no caso do belo, isso não é problemático, pois a liberdade,
um conceito da razão, visa se espelhar naquilo que é sensivelmente representado.
Se, no caso do estético, o ato de objetivação aparece como um ato de sensualidade,
parecia fazer sentido, para Schiller, definir então o amor como uma inclinação da
razão para se unir ao objeto sensível.
Essa explicação ajusta-se ao belo, mas não ao amor, se este for entendido
como uma relação substancial entre duas pessoas de igual valor. Ao dizer que o
amor é uma inclinação da razão, Schiller aplicou à razão um conceito psicológico
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
211
que pertence à sensibilidade; tentou, portanto, interpretar a objetivação da
subjetividade, que não fazia parte do sistema kantiano, utilizando conceitos
extraídos da teoria kantiana da subjetividade.
No ideal de moralidade de Schiller, o eu concreto não precisa persistir no
conflito, pois o caráter verdadeiramente moral não cumpre seu dever apenas sob
compulsão, mas porque lhe agrada a harmonia consigo mesmo que sela a perfeição
da natureza humana.
É na estrutura da autocompreensão moral, do eu consigo mesmo e, nessa
medida, livre em si mesmo, que Schiller viu espelhada na beleza. E a liberdade
moral, no sentido de harmonia interior, a harmonia perfeita de um ser moral, que se
objetiva na beleza.
Ao manter a moldura conceitual kantiana, Schiller não conseguiu fundamentar
a originalidade de sua proposta. O ideal da vida moral, que, para ele, consistia na
união da sensibilidade com o entendimento, mal pode ser diferenciado do conceito
de uma pura consciência ou vontade sagrada. E a estrutura dos afetos morais tem
muito pouco em comum com aquilo que comumente chamamos de sensibilidade e
que Schiller chamava de pulsão natural.
Ele via claramente, contudo, que, se todo afeto nobre da alma harmoniosa é
realmente devido à sensibilidade, então a razão, em situações particulares que
requerem a energia moral, novamente deve se separar da sensibilidade,
energicamente se opondo às suas seduções.
Enfim, Schiller (1995) tomou todo o reino do prazer estético como ponte para
uma reflexão sobre a essência humana que é fundamentalmente moral. O
desenvolvimento consistente desse ponto de partida, segundo Henrich (1982),
poderia ter levado Schiller a uma concepção unificada do belo e do sublime; apenas
faltaram-lhe os meios conceituais para isso. O desenvolvimento mais complexo
dessa iniciativa teria, assim, que esperar por uma nova fundação no idealismo
especulativo de Schelling e, especialmente, de Hegel.
Outro pós-kantiano que merece destaque é Friedrich von Schelling (1775-
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
212
1854), embora admitindo o valor daqueles que, como Fichte ou Schiller,
desenvolveram as idéias de uma filosofia da arte, censura-os severamente por falta
de seriedade, de verdadeiro espírito científico.
Schelling propõe um retorno às origens, isto é, à insubstituível Crítica do
Juízo, partindo da filosofia da natureza e da crítica do juízo teleológico que Kant dera
como seguimento ao estudo do juízo estético (SCHELLING, 1998). Trata-se de
encontrar o traço de união entre a filosofia teórica e a filosofia prática, e, também, a
identidade fundamental dos dois mundos no seio do próprio espírito.
Haverá então, no fundo do eu, uma atividade com ou sem consciência,
inconsciente como a natureza e consciente como o espírito? Sim, responde
Schelling. Para ele é a atividade estética o órgão geral da filosofia, o fecho da
abóbada de todo o edifício.
Para sair da realidade cotidiana temos dois caminhos à escolha: a poesia,
evasão virada para um mundo ideal, e a filosofia, aniquilação do mundo real. De tal
modo que só uma obra de arte absoluta pode existir em diferentes exemplares, mas
que é única, embora ainda não exista na sua forma original.
Schelling (Op. cit.) mostra vigorosamente que a arte é mais do que o órgão, é
o verdadeiro documento da filosofia. Tal como a filosofia nasceu da poesia, também
virá um tempo em que ela regressará à sua alma mater, de onde se separou. Então,
uma nova mitologia se edificará sobre a nova filosofia. Assim como a arte verdadeira
não é a expressão de um momento, mas a representação da vida infinita, a intuição
transcendental38 objetiva do mesmo modo o Absoluto que é tanto o objeto da arte
como da filosofia: mas a arte representa o absoluto na idéia e esta no seu reflexo.
Para Schelling (1998) a Filosofia não retraça as coisas reais, mas uma idéia
delas e a arte igualmente. Essas mesmas idéias, cujas coisas reais, como prova a
38
Para Kant (1988) o sentido tradicional da intuição referia-se a representação tal qual seria pela sua
decorrência da imediata presença do objeto, portanto a intuição geralmente é o conhecimento para o
qual o objeto apresenta-se diretamente. Ao distinguir a intuição sensível é a de todo ser pensante,
finito, ao qual o objeto é dado é , portanto, passividade, afeição (Kant, 1989). Já a intuição intelectual
é originária e criativa, nela o objeto é posto ou criado, portanto, só se encontra no Ser criador, em
Deus., assim a intituição intelectual é a intuição divina da filosofia tradicional (ABBAGNANO, 1999).
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O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
213
filosofia, são cópias imperfeitas, aparecem na arte, objetivadas como idéias e, por
conseguinte, na sua perfeição; representam o intelectual no mundo refletido.
Schelling chega assim, a um idealismo tricotômico (verdade, bondade, beleza).
Do mesmo modo que Schiller (1995) e outros idealistas, Schelling (Op. cit.)
colocou como problema ultrapassar as divisões que se tornaram dominantes na
filosofia a partir de Kant, tanto a divisão do sujeito-objeto, quanto, mais
particularmente, a compartimentação das faculdades humanas em entendimento,
razão e sensibilidade.
Schelling (Op. cit.) deu à intuição o papel unificador da relação sujeito-objeto,
mas, para ele, tratava-se de se perguntar como fazer sentido a essa unificação a
partir de nossa perspectiva de seres em luta com nossas divisões e finitude.
Nosso pensamento não pode, por si, articular um modo de superar essas
divisões, porque a divisão está na natureza mesma da reflexão. Sem aceitar as
respostas dadas a essas questões por seus antecessores, particularmente Johann
Gottlieb Fichte (1762-1814), Schelling buscou um novo caminho que desembocou
num idealismo transcendental com feições próprias.
Com Schelling (Op. cit.), portanto, a filosofia romântica alemã se tornou mais
completamente idealista. Com ele também, à estética, pela primeira e única vez, foi
concedido um lugar de honra junto à filosofia como a expressão última e absoluta
daquilo que é verdadeiro e tem valor.
A filosofia confia na intuição intelectual, no sentido de ser o pensamento sobre
o pensamento, que é um processo produtivo, mas dirigido para o interior, enquanto a
arte está voltada para o exterior, refletindo o inconsciente nos seus produtos. Há um
excesso na subjetividade que só a arte é capaz de apreender.
Schelling insistiu na concepção da arte como uma unidade entre as atividades
conscientes e inconscientes, tomando partido dela na sua tentativa de levar a
filosofia a confrontar-se com aspectos da autoconsciência que Kant havia colocado
num reino a que a filosofia não podia ter acesso (BOWIE, 1990).
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O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
214
Cabe também considerar como um pós-kantiano Hegel. G.W. F. A Estética e
a filosofia de Hegel (1770-1831), em geral, foi a mais célebre e a mais
profundamente admirada na Europa. Provavelmente nenhum outro filósofo foi tão
longe como ele neste campo, levando a afirmar que Hegel é incontestavelmente o
maior esteta de todos os tempos. Convém dizê-lo, tanto mais que esta é uma idéia
tão banal como contestada. Os quatro volumes da sua Estética constituem uma
mina de uma riqueza inesgotável em todos os sentidos.
Para Hegel (1996) a Beleza é a aparição perceptível da idéia; o conteúdo da
arte é a idéia e, a sua forma, é a configuração sensível e imaginativa. Para que os
dois aspectos da arte se possam compenetrar, é necessário que o conteúdo, ao
tornar-se obra de arte, se mostre capaz de uma transformação, pois Hegel procura a
racionalidade interior do real. Por isso, fica claro que o pensamento do artista não
será nunca um pensamento abstrato.
O grau mais elevado da vida espiritual é o que Hegel chama o Espírito
Absoluto: é a este nível que o espírito toma consciência da idealidade do real, da
imanência da idéia ou da razão absoluta em todas as coisas; é aí que a consciência
coincide ou até mesmo se unifica com o ato da autoconsciência na qual o Absoluto,
voltando a si mesmo, está eternamente presente na dispersão ilimitada da vida.
Ora, as três etapas que aparecem no caminho do espírito humano em busca
do Absoluto são precisamente a arte-revelação do Absoluto na sua forma intuitiva,
pura aparição, idealidade que transparece através do real, ao mesmo tempo, que
permanece como idealidade em face da objetividade do mundo ético humano – a
Religião e a Filosofia.
Se a arte, segundo Hegel (1996), atinge o seu alvo supremo quando, com a
religião e a vida, torna consciente e exprime o divino, os interesses mais profundos
do homem, as suas mais vastas verdades espirituais, longe de ser a forma mais alta
do espírito, não atinge a sua perfeição senão na ciência.
Depois de mostrar como a arte aparecia ao homem, Hegel determina os
momentos essenciais da arte, coincidindo, aliás, com os principais períodos
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O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
215
históricos da sua irradiação.
Tal é o objetivo da Segunda Parte da sua Estética, onde se assiste a uma
espécie de metafísica da história das Belas-Artes, e da Terceira (e última Parte),
onde Hegel nos dá a conhecer o seu sistema, a sua classificação das Belas-Artes.
A arte, sendo a relação entre a idéia e a forma sensível, será denominada
simbolista na sua primeira fase, quando essa relação não atinge ainda o equilíbrio
definitivo do ideal artístico.
Será clássica quando se torna propriamente ato do ideal, quando a unidade
concreta e viva dos dois extremos é alcançada sob um aspecto acabado e
determinado. E é romântica quando a relação dialética dos dois momentos atinge o
limite, onde o infinito da idéia não se pode atualizar senão no infinito da intuição,
nessa mobilidade que é própria e que a cada instante ataca e destrói a forma
concreta.
A esses três momentos correspondem primeiramente os três períodos da arte
oriental, grega e moderna: pois, em cada um deles existe a síntese de uma cultura
típica e tópica. Em seguida, da dialética dessas três etapas, Hegel deduz as diversas
Artes: a arquitetura que corresponde ao momento simbólico, a escultura ao
momento clássico, a pintura, a música e a poesia ao momento romântico.
Mas, mesmo a poesia se divide num aspecto plástico ou pictórico (poesia
épica), sugestivo e musical (lirismo) e essas diversas formas encontram a sua
síntese total no drama.
Hegel (1996) tinha acentuado o caráter inteligível ou teorético da arte. Mas,
ao proceder desse modo, encaminhou-se para uma grande dificuldade a que os
seus predecessores se tinham furtado. O hegelianismo tropeça nela. A arte está,
com efeito, situada na esfera do espírito absoluto, do mesmo modo que a religião e
a filosofia. Se ao menos a arte e a religião desempenhassem outras funções que
não fossem as da filosofia, elas tornar-se-iam graus inferiores, mas não elimináveis,
do conhecimento do Espírito.
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O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
216
Mas, devido à busca comum do conhecimento Absoluto, que valor podiam
conservar estando em concorrência direta com a Filosofia? Não podiam ser senão
fases transitórias, históricas e fragmentárias da vida da humanidade.
O sistema hegeliano, sendo racionalista e anti-religioso é também
antiartístico. Esta foi, segundo Croce (1997) uma consequência estranha e
desagradável para um homem possuidor de um intenso sentido estético e amador
fervoroso da arte, como era Hegel. Foi como que a repetição do mau passo dado por
Platão e da difícil situação em que se encontrou também, após outras vicissitudes.
Mas, tal como o antigo, não hesitou em obedecer à razão e em condenar a mimesis
e a poesia homérica que lhe era tão cara, não tentou subtrair-se à exigência do seu
sistema e declarou a mortalidade, ou antes, a morte da Arte.
Tudo deriva do grande princípio hegeliano (1996): no seu destino mais alto, a
arte é e permanece para nós um passado. É a partir desta idéia: inferioridade da arte
relativa ao pensamento, preponderância dos caracteres materiais ou dos interesses
políticos etc., que o marxismo iria poder articular-se com a Estética hegeliana.
Considera que a especialidade da produção artística e das obras hegelianas
já não satisfaz a nossa necessidade mais elevada, concluindo que o pensamento e
a reflexão ultrapassaram as belas-artes.
Também merece ser referenciado como fortemente influenciado pelas obras
de Kant, Arthur Schopenhauer (1788-1860), que oscilou entre o kantismo, de onde
veio, e o platonismo para o qual procura frequentemente inclinar-se.
Consoante a Arthur Schopenhauer, cada arte tem por tarefa uma categoria
especial de idéias que, na perspectiva do Mundo como vontade e como
representação, traduzir-se-á pela objetivação da vontade, susceptível de numerosos
graus que são a medida da nitidez e da perfeição crescente.
Cada coisa tem a sua beleza própria, mas uma hierarquia conduz-nos da
matéria à vida e dos seres vivos ao homem e a beleza humana que representa a
objetivação mais perfeita ao nível do mais alto grau onde ela é reconhecível.
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O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
217
O sistema das Belas-Artes consiste, para Schopenhaeur, em dar a cada arte
uma categoria especial de idéias. A mais baixa é a arquitetura, cuja utilidade material
se aproxima da arte dos jardins e mesmo da pintura paisagística, pois ambas
representam as idéias da natureza mineral (pedras) ou vegetal (jardinagem).
A seguir, vêm a pintura e a escultura de animais, em oposição às naturezas
mortas, correspondendo às idéias da zoologia. Depois, a pintura de interiores, os
quadros históricos, as estátuas ou retratos de homens reproduzindo a beleza do
corpo humano.
Em seguida, a poesia, muito acima de todas as artes plásticas, pois tem como
objeto próprio a idéia de homem. Mas há toda uma hierarquia nas artes literárias,
com o lied, o romance, o idílio, a epopéia e o drama (em ordem ascendente), com
exclusão da comédia, que Schopenhauer acha trivial demais para poder ser
considerada arte.
Todavia, mesmo a poesia figura num nível bem inferior da arte
comparativamente à tragédia: é esta que, graças à piedade, nos permite comunicar
com a idéia do homem absoluto. A piedade schopenhaueriana é uma espécie de
sexto sentido: o homem só conhece e compreende as coisas na estrita medida em
que simpatiza com elas e tem compaixão para com a humanidade. Compadecer é o
alvo mais alto de toda a Filosofia.
Acima de todas estas formas de arte que exprimem as idéias de matéria, de
vida ou de humanidade, existe a forma das formas, a idéia das idéias, a arte que se
confunde com o próprio cosmos: a música. O mundo é música encarnada, do
mesmo modo que é vontade encarnada. Schopenhauer afirma também que há na
música algo de inefável e de íntimo. Deste modo, ela passa perto de nós à
semelhança de um paraíso familiar, ainda que eternamente inacessível. E para nós
ao mesmo tempo “perfeitamente inteligível e completamente inexplicável”.
É necessário compreender que, para Schopenhauer, dizer que uma coisa é
bela, é dizer que é o objeto da nossa contemplação estética. Aquele que contempla,
devido a uma espécie de catarse estética, segundo Croce (1997), torna-se um
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218
sujeito cognoscitivo puro, libertado da vontade, da dor ou do tempo. Do mesmo
modo, a arte aparece como uma revelação intuitiva, misteriosa, miraculosa das
idéias. É a contemplação das coisas independentes do princípio de razão.
Por isso, a essência do gênio está numa aptidão eminente para a
contemplação. A arte é o melhor modo de conhecimento filosófico, já que a Beleza é
a representação exata da vontade, mas não se infira que a Arte e a Filosofia se
possam confundir. Uma é difícil, as outras são acessíveis.
Em resumo, toda a estética schopenhaueriana pode ser sintetizada em: O
artista empresta-nos os seus olhos para vermos o mundo, pois a arte é o melhor
meio para chegar ao conhecimento puro do universo.
Se a vontade é dolorosa ou infeliz, o querer-viver, a arte será o melhor
calmante, o reconforto mais seguro. Simultaneamente tonificante e consoladora, a
arte atingirá o entusiasmo estético que apaga as prisões da vida. Mas a música já
não é suficiente; a alegria profunda deve ceder o lugar a uma calma recolhida; o
Belo supremo e absoluto torna-se análogo do nada. A Estética transforma-se em
mística. O homem em quem se nega à vontade vai poder mergulhar no seu nirvana.
Apesar da sua influência nos impressionistas ou no pensamento de Nietzsche
(1927), e não obstante uma inteligência e uma sensibilidade penetrantes,
Schopenhauer (1969) contentou-se com fazer arte sobre a Filosofia da Arte: o seu
sistema é muito mais a obra de um poeta do que a de um filósofo.
Com Schopenhauer findava a tradição dos pós-kantianos. Ao criticismo vai
seguir-se assim a época moderna da Estética, que foi, em alguma medida tratada no
último tópico do capítulo anterior.
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219
6.3 O MÉTODO KANTIANO E A NOÇÃO DE IDÉIA CRÍTICA
O método kantiano39 pode ser nominado de método reflexivo, ou seja, um
método desenvolvido a partir da reflexão sobre os conhecimentos racionais que se é
possuidor, em busca da obtenção de uma idéia precisa da própria natureza da
razão. Nesse sentido a reflexão nada mais é senão aquele movimento pelo qual o
sujeito, a partir de suas próprias operações, se volta para si mesmo, desse modo a
análise reflexiva está, pois, ligada à idéia crítica.
Considera Kant (1974) que certos conhecimentos estão para além de toda
controvérsia, a exemplo da lógica, da matemática e da física, sendo que, na
matemática e na física, temos conhecimentos que são ao mesmo tempo racionais e
objetivos, no sentido de procederem com base na razão e se referirem a objetos.
Esses conhecimentos são fundamentais, na medida em que a pretensão da
metafísica é precisamente a de determinar certos objetos de forma totalmente a
priori, exatamente como fazem as ciências.
Questiona Kant (Op. cit.), enquanto problema, saber por que a metafísica
fracassou onde a matemática e a física tiveram tão grande êxito e se este fracasso é
definitivo. Convém notar, nesse contexto, que o racionalismo dogmático, conquanto
justifique o êxito da ciência, não consegue explicar o fracasso da metafísica; o
empirismo cético, por sua vez, explica bem o fracasso da metafísica, mas não o
sucesso da matemática e da física.
A metafísica procura estender o nosso conhecimento a domínios situados
para além da experiência, o que equivale a dizer que as noções metafísicas são
39
Kant (2002) distingue entre métodos “naturalistas” e “científicos”, onde o primeiro procede de
acordo com o senso comum e é rejeitado por ele como “mera misologia”, enquanto o segundo
compreende os métodos dogmático, cético e crítico. O método dogmático representado por Wolff
(1679-1754) obdece a um procedimento sistemático adotado da matemática, mas que está baseado
em axiomas não examinados. O método cético representado por Hume (1711-1776) questiona
sistematicamente todas as reivindicações racionais para estabelecer conexões necessárias entre
eventos, mas sem investigar possíveis fontes de necessidade. Finalmente, o método crítico consiste
no auto-exame sistemático da razão a fim de determinar as fontes e o alcance de seus conceitos a
priori, e de atuar como um cânone contra a sua inadequada extensão além dos limites da experiência
possível (CAYGILL, 2000)
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220
noções a priori40 e, enquanto tais, conduziram a todas as contradições dos
dogmatismos. Toda construção metafísica, logicamente coerente, podia pretenderse verdadeira, visto que nenhum objeto era dado na experiência, pela qual se
pudesse confirmar ou desmentir a construção.
O princípio lógico de não-contradição41 não basta para estabelecer a verdade
de uma proposição; um juízo pode não ser contraditório em si mesmo, sem ser, ipso
facto, verdadeiro, mas como é possível, nessas condições, que todos os espíritos
estejam de acordo sobre certas proposições, a priori, como ocorre na matemática e
na física? A fim de responder a esta pergunta, é preciso ver em que consistem "a
revolução repentina" e a "mudança de método" que, para Kant, condicionaram o
êxito dessas ciências.
Idêntica revolução se produziu na física, quando Galileu, em lugar de se guiar
docilmente pela experiência, acumulando observações esparsas, começou a
interrogar a natureza segundo as exigências da razão, logrando assim descobrir-lhe
as leis. Ele se deu conta de que a razão não percebe senão aquilo que ela mesma
produz segundo seu próprio projeto.
A mudança de método, em ambos os casos, consiste em determinar o objeto
consoante às exigências da razão, em lugar de pôr o objeto como uma realidade
dada, perante a qual a razão não tem alternativa senão a de inclinar-se. É a
passagem do método empírico ao método racional, ou mais exatamente, de uma
investigação tateante a uma demonstração racional.
E se esta revolução abriu à matemática e à física o caminho seguro da
40
Expressão latina traduzida como “anterior à experiência”. Em Kant, são a priori, quer dizer,
universais e necessárias, as formas ou intuições puras da sensibilidade (espaço e tempo), as
categorias do entendimento e as idéias da razão.
41
Aristóteles (394-322 a.C) formulou a lei ou princípio de contradição cujo enunciado dizia “que o
mesmo atributo não pode, ao mesmo tempo, pertencer e não pertencer ao mesmo sujeito e sob o
mesmo aspecto” . Wolff vai estabelecer um sistema filosófico racionalista baseado na primazia do
princípio da contradição, desse princípio, o ser sucede à não-contradição: “uma coisa não pode
simultaneamente ser e não-ser” , ou seja, qualquer coisa que não é contraditória pode ipso facto
existir. As primeiras críticas de Kant à dependência de Wolff desse princípio constituíram um dos seus
mais importantes passos com vistas à posição assumida na filosofia crítica, e que consistiu, em
termos gerais, numa reconsideração do significado do limitador temporal aristotélico. (CAYGILL,
2000).
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O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
221
ciência, não se poderia generalizar-lhe o princípio, admitindo que o nosso
conhecimento dos objetos depende do sujeito conhecente pelo menos tanto quanto
depende do objeto conhecido?
Esta é a famosa revolução copernicana42 que Kant desfechou em matéria de
filosofia, ao considerar a substituição, em teoria do conhecimento, de uma hipótese
idealista à hipótese realista. O realismo admite que uma realidade nos é dada, quer
seja de ordem sensível (para os empiristas), ou de ordem inteligível (para os
racionalistas), e que o nosso conhecimento deve modelar-se sobre essa realidade.
Conhecer, nessa hipótese, consiste, simplesmente, em registrar o real, e o espírito,
nesta operação, é meramente passivo.
O idealismo supõe, ao contrário, que o espírito intervém ativamente na
elaboração do conhecimento e que o real, para nós, é resultado de uma construção.
O objeto, tal como o conhecemos, é, em parte, obra nossa e, por conseguinte,
podemos conhecer, a priori, em relação a todo objeto, os característicos que ele
recebe de nossa própria faculdade cognitiva.
Cabe destacar o fato de que a idéia de crítica, elemento central no kantismo,
não aparece claramente senão em 1781, na Crítica da Razão Pura, quando Kant
(1989) já chegará aos 57 anos de idade, o que demonstra ser sua filosofia fruto de
um longo processo de elaboração e amadurecimento. Merece ser considerado,
então, como se fez sua elaboração e resgatar as dificuldades que levaram-no a
rejeitar a metafísica tradicional.
É necessário considerar que os grandes temas da metafísica clássica, tais
como Wolff (1963) os expusera e sistematizara, teriam podido satisfazer plenamente
42
O conteúdo da "revolução copernicana", anunciado com todas as letras no prefácio à segunda
edição da Crítica da razão pura, significa a radicalização do cogito instaurado por Descartes, com
uma diferença fundamental; afinal Kant concede a Descartes a idéia de que a subjetividade constitui,
realmente, o novo centro e a nova referência da argumentação filosófica; porém, este novo centro
precisa ser destituído, definitivamente, de suas bases ontológicas. O conteúdo da "revolução
copernicana", anunciado com todas as letras no prefácio à segunda edição da Crítica da razão pura,
significa a radicalização do cogito instaurado por Descartes, com uma diferença fundamental; afinal
Kant concede a Descartes a idéia de que a subjetividade constitui, realmente, o novo centro e a nova
referência da argumentação filosófica; porém, este novo centro precisa ser destituído, definitivamente,
de suas bases ontológicas.
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222
a Kant (1974), pois respondiam à sua dupla exigência de uma ciência e de uma
moral fundadas na razão. Entretanto, o que conduziu Kant à idéia crítica não foi a
rejeição das conclusões metafísicas, e, sim, a consciência da incerteza dessas
conclusões, e da fraqueza dos argumentos em que assentavam.
Salienta-se que é coisa rara, na humanidade, ainda que seja esse homem
filósofo, voltar-se a colocar sobre prova as verdades que estabelecem precisamente
aquilo em que ele próprio acredita.
O ponto de partida para tal questionamento segundo o próprio Kant, foi a
leitura de Hume (1965) que lhe fez compreender a necessidade de repensar toda a
metafísica: “Confesso abertamente haver sido a advertência de David Hume que,
pela primeira vez, me despertou de meu sono dogmático e incutiu as minhas
pesquisas no domínio da filosofia especulativa, orientação inteiramente diferente”
(KANT, 1988, p. 28).
Portanto, o empirismo cético de Hume e, em particular, a sua crítica da noção
de causalidade, tornava incertas as posições do racionalismo dogmático. Hume
provara de maneira irrefutável que a razão é incapaz de pensar, a priori, por meio de
conceitos, uma relação necessária, tal como o é a conexão entre causa e efeito:
“Não há possibilidade de ver como do fato de uma coisa existir deva seguir-se
necessariamente a existência de outra coisa, nem como se possa introduzir a priori o
conceito de semelhante conexão” (KANT, op. cit., p. 28).
Segundo o filósofo inglês Hume (Op. cit.) , somente a experiência poderia ter
engendrado a noção de causa: é por estarmos habituados a ver um fenômeno Y e a
seguir um fenômeno X que esperamos Y, quando X é dado, e traduzimos esta
expectação subjetiva dizendo que X é a causa de Y. Hume concluía que a razão não
possui a faculdade de pensar as relações causais e, de modo geral, isso aparece
nas afirmações de Kant quando considera “que todas as suas pretensas noções a
priori são meras experiências comuns falsamente rotuladas; o que equivale a
asseverar que não há, nem pode haver, qualquer espécie de metafísica” (KANT,
1988, p. 26).
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223
Ora, é pela análise das noções a priori do espírito, ou das idéias inatas, que o
racionalismo de Descartes (1981), de Leibniz (2000) e de Wolff (1963) pretendia
atingir verdades absolutas e constituir uma metafísica. A crítica de Hume (1965)
persuadiu Kant com a idéia de que era necessário abandonar "o velho dogmatismo
carcomido". Contudo, Kant não alimenta a menor simpatia pelos céticos "essa
espécie de nômade, que tem horror a toda fixação sólida no chão".
Sem dúvida, os dogmáticos constroem seus edifícios metafísicos em terreno
movediço, onde tudo desmorona antes mesmo de ser levado a termo; mas o
ceticismo, ao qual se renderam tantos espíritos brilhantes do século XVIII, comete o
erro de professar, pela metafísica, um desprezo que não pode ser sincero.
Considera Kant (Op. cit.) que a metafísica está relacionada aos problemas da
existência de Deus, da imortalidade da alma, da liberdade do homem no mundo:
problemas que não nos podem ser indiferentes.
E ainda que não nos fosse dado resolvê-los, não poderíamos deixar de
formulá-los, afinal, a razão humana tem um destino singular em certo gênero de
seus conhecimentos: sente-se importunada por questões a que não pode esquivarse.
A nossa razão não pode limitar-se à experiência, tanto que próprios princípios
que emprega no conhecimento experimental conduzem-na inevitavelmente a sair
dos limites de toda experiência e a conceber realidades transcendentes, tais como a
alma, o mundo (considerado em sua totalidade) e Deus.
O problema que Kant busca dar conta é, pois, o seguinte: por que a
metafísica não apresenta o mesmo grau de certeza que a lógica, a matemática ou a
física? E tão grande é sua confiança na razão que não duvida um instante de que a
questão comporta uma resposta, e uma só: não pode ser debalde que a razão nos
reconduz incessantemente aos problemas metafísicos.
O cometimento de Kant se resume, assim, no propósito de reabilitar a filosofia
e de assumir a defesa da razão contra o ceticismo. Mas, ao invés de propor um novo
sistema metafísico, que sem dúvida teria sorte idêntica à dos outros, Kant irá atacar
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224
o problema pela raiz, interrogando-se sobre as próprias possibilidades da razão.
Reencontra-se assim o movimento socrático de retorno sobre si mesmo, e a
preocupação de conhecer as próprias forças. É nisso que está a utilidade da
indiferença cética que não se dá por satisfeita com a aparência do saber.
A preocupação crítica43 consiste essencialmente em não se dizer mais do que
se sabe. Tal fora a preocupação de Sócrates44, cuja ironia visava dissipar as
aparências de um saber falso; tal fora também a preocupação de Descartes (1981),
que tencionava chegar à verdade pela dúvida.
É preciso, então, buscar na própria razão as regras e os limites de sua
atividade, a fim de saber até que ponto pode-se confiar na razão. Inicialmente Kant
empreende em direção da razão especulativa45, ampliando em seguida, a razão
considerada como princípio de nossas ações, e, enfim, a razão considerada como
fonte dos nossos juízos estéticos e teleológicos46, presente na Crítica do juízo. Nas
três situações, a noção de crítica tem o mesmo sentido e o mesmo alcance, mas é
na Crítica da razão pura que, indubitavelmente, se percebe melhor o espírito da
noção e o método que nela se inspira.
6.4 IDEALISMO TRANSCENDENTAL: A RUPTURA KANTIANA
A ruptura kantiana ocorre, de modo geral, quando ele desloca a ênfase da
43
A noção de crítica, portanto, não se trata, evidentemente, de fazer o processo da razão assim como
o faria uma crítica cética e destrutiva. Trata-se de um exame crítico da razão, isto é: de um exame
que tem por fim discernir ou distinguir o que a razão pode fazer e o que é incapaz de fazer.
44
Ver CORNFORD (1999).
45
A razão é a faculdade de unificar as regras do intelecto por meio de princípios. Por isso , ela nunca
visa imediatamente à experiência ou a um objeto qualquer, mas ao intelecto, para, por meio de
conceitos, imprimir aos múltiplos conhecimentos deste uma unidade a priori. (KANT, 1989)
46
Kant (1993) distingui o juízo determinante (propriamente intelectual) do juízo refletivo (teleológico
ou estético). O juízo determinante é dado o geral (a regra, o princípio, a lei), cabendo subsumir-lhe o
particular ( o múltiplo sensível), enquanto no juízo reflexivo é dado o particular (as coisas naturais)
cabendo encontrar o geral ao qual ele está subsumido, ou seja, o fim no qual as coisas são
reintegráveis mediante um conceito (juizo teleológico) ou imediatamente, sem conceito (juízo estético)
(KANT, 1993; 2002a; ABBAGNANO, 1999).
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O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
225
preocupação com os objetos para o modo de conhecer objetos. A tese
transcendental desloca o sentido para fora do objeto, pondo-o no caráter discursivo
do sujeito, o qual está dependente das condições transcendentais e não
substanciais do próprio sujeito.
O sentido não mais está no objeto e, por conseguinte, através da linguagem
ou do "juízo"47, não mais se fala de uma propriedade intrínseca dos objetos. Toda a
linguagem é uma relação mediata com o mundo e o que assegura esta mediação é
a estrutura transcendental da subjetividade.
No sentido kantiano a linguagem recebe uma significação precisa: Kant a usa
no sentido de juízo, afirmando que intuição e conceito são as duas formas de
conhecimento e anuncia, como tese que o conhecimento humano, através do
entendimento, é um conhecimento mediante conceitos, não intuitivo, mas
discursivo48.
Para esclarecer o conceito kantiano de juízo e o seu papel, enquanto
elemento mediador da relação entre o conhecimento e o objeto, é preciso traçar o
paralelo entre a intuição e o conceito. Kant (1989; 1993) considera-os como dois
modos de conhecimento. As intuições, enquanto sensíveis, repousam sobre
afecções e os conceitos49, por sua vez, sobre funções. Função50 significa aqui a
unidade da ação de ordenar diversas representações sob uma representação
comum.
47
Por juízo Kant (1993) entende como “faculdade de pensar o particular contido no geral”, ou, “como
a representação da unidade da consciência de representações distintas”, ou ainda, “como a
representação das relações entre estas representações, na medida em que constituem um único
conceito”.
48
Por caráter discursivo ele entende o conhecimento dos objetos que é mediado por juízos. Quando
Kant usa a expressão conhecimento discursivo ele quer dizer isso: todo o conhecimento humano é
um conhecimento judicativo, isto é, um conhecimento não imediato de um objeto, mas um
conhecimento que é mediado pelo juízo que é uma representação de uma representação de um
objeto.
49
Uma diferença fundamental entre intuição e conceito reside no seguinte: enquanto a primeira
funda-se na receptividade das impressões, o conceito funda-se na espontaneidade do pensamento.
O problema que nos interessa surge quando Kant (2002b) atribui somente à intuição, e não ao
conceito, a possibilidade de se referir imediatamente ao objeto.
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O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
226
Ora, a peculiaridade do conceito consiste em ser um tipo de representação
que só se refere ao objeto através de uma outra representação. Então, o conceito é
uma representação de uma representação e é neste sentido que se diz que ele tem
uma relação mediata com o objeto. O conceito, deste modo, é o juízo.
Embora Kant tenha assumido, em certo sentido, a teoria da proposição
aristotélica, sua distância com Aristóteles é enorme, já que retira da proposição e do
conhecimento judicativo a sua base ontológica.
Ao deslocar o sentido do objeto e ao pô-lo no juízo, o problema de Kant
consistirá em ter que demonstrar onde reside o sentido do próprio juízo e o fará
localizando-o na subjetividade (na unidade sintética originária da percepção).
Esta inversão é significativa porque permite derivar as condições de
possibilidade dos objetos da estrutura transcendental da subjetividade. Porém, o
problema fundamental consiste, justamente, em demonstrar quais são estas
condições e como se pode fundamentá-las. Além disso, e aqui reside a sua
polêmica, trata-se de ver se o conteúdo desta prova (demonstração) está
suficientemente fundamentado.
Kant (1979) deixa claro que considera como conhecimento transcendental
somente aquele conhecimento que se ocupa com a questão da sua possibilidade. A
importância não reside nas perguntas “o que é o conhecimento” e “o que é o objeto”,
mas em como é possível o conhecimento de objetos.
Simultaneamente, com o emprego do termo transcendental ele quer
demonstrar que há certas representações (intuições e conceitos) que possuem uma
aplicação e que são possíveis a priori. Isso indica para o fato de que uma exposição
apropriada do conceito de transcendental terá de explicar o que são intuição e
conceitos puros e demonstrar como eles são possíveis a priori. Ora, esta exigência
remete para a análise da tessitura argumentativa interna da Estética e da Analítica
Transcendentais.
50
Função para Kant, segundo Galeffi (1986) assume o significado do conceito, que se baseia na
espontaneidade do pensamento, assim como as intuições sensíveis se baseiam na receptividade
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
227
São os argumentos desenvolvidos nestas duas partes da Crítica que
demonstram a constituição e o sentido da estrutura transcendental da subjetividade
e que a afirmam como núcleo referencial das condições de possibilidade do
conhecimento de objetos. Esta estrutura aparece duplamente caracterizada ao
considerar que possui origem não-empírica e se relaciona de modo a priori com os
objetos da experiência.
Espaço e tempo, ao lado da sensibilidade, são as condições a priori e os
conceitos puros (as categorias) o são do lado do entendimento. Espaço, tempo e
categorias perfazem a estrutura transcendental que encontram a sua unidade
suprema na própria unidade do sujeito pensante (subjetividade).
Porém, e este é o ponto, a estrutura transcendental da subjetividade está
conectada com um duplo conceito de um mesmo objeto. Aqui radica a relevância do
idealismo transcendental. Isto é, a própria estrutura transcendental opera com a
distinção entre um duplo conceito de um mesmo objeto e, portanto, está intimamente
conectada com as teses do idealismo transcendental51.
Com a distinção entre fenômenos e númenos52 Kant pretende estabelecer
uma linha divisória entre o cognoscível e o incognoscível e limitar o espaço onde a
razão pura está autorizada a conhecer e onde ela somente pode pensar. Esta
distinção precisa ser feita de tal modo que autorize o uso cognoscitivo válido da
razão pura sem que invalide o seu pensamento sobre as idéias transcendentais
(liberdade, imortalidade e Deus).
das impressões.
Idealismo transcendental é a doutrina através da qual Kant (1974) distingue entre um mundo
fenomênico e um mundo numênico. É a teoria dos dois mundos que têm sua sustentação,
basicamente, em duas teses: na distinção entre fenômenos e númenos e no recurso à coisa em si.
51
52
Por fenômeno entende Kant (1979) o conjunto das representações sensíveis que possui, como
matéria, a sensação e, como forma, o espaço e o tempo. O fenômeno representa a dimensão do
objeto que aparece e que é cognoscível por nós. Númeno, por sua vez, significa o objeto considerado
a partir da natureza que possui em si mesmo; não é objeto dos nossos sentidos e, por isso, não pode
ser conhecido. Ele é em sua significação negativa, como nos diz Kant, uma coisa na medida em que
não é objeto de nossa intuição sensível. Fenômeno e númeno significam a dupla dimensão de um
mesmo objeto: fenômeno é o que no objeto aparece, númeno é aquilo que o objeto é em si mesmo e
que não aparece.
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O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
228
A linha divisória estabelecida entre os dois mundos assegura que tudo o que
está no mundo numênico não pode ser conhecido. A razão pura está autorizada a
conhecer somente os objetos da experiência e, portanto, os objetos que fazem parte
do mundo fenomênico.
A estrutura transcendental da subjetividade está dependente da distinção
entre fenômeno e númeno. Se são as condições transcendentais da subjetividade
que tornam possível fundamentar o conhecimento de objetos a priori, não devemos
nos esquecer, como nos adverte Wolff (1963), de que este mesmo conhecimento
também só pode ser estabelecido mediante a hipótese de que ele é conhecimento
da realidade como aparece e não como ela é em si mesma.
Isto significa, então, que do ponto de vista "epistemológico", a razão,
concebida enquanto entendimento que opera com conceitos, recebe uma limitação
intransponível: jamais pode avançar o sinal da experiência possível.
A distinção entre fenômeno e númeno, quando operada no âmbito
fenomênico, circunscreve um limite ao entendimento, desautorizando-o a transpor a
esfera do condicionado a transportar os princípios do incondicionado para o mundo
fenomênico, pois, como nos adverte Kant, a aplicação da idéia de totalidade
absoluta só vale como condição das coisas em si mesmas.
No âmbito fenomênico, o entendimento deve ser rigorosamente regido pelo
princípio da significatividade, isto é, da necessária referência das categorias às
condições universais sensíveis.
Há problemas legítimos que são postos à razão pura em seu âmbito
numênico, tais como a imortalidade da alma, a existência de Deus e o problema da
liberdade, indicando que a razão não se esgota no fenômeno e exige que o mesmo
seja completado pelo númeno53.
Será, sobretudo no contexto da "Dialética Transcendental" que o autor da
53
Indica o objeto do conhecimento intelectual puro, que é a coisa em si. Tal termo foi introduzido por
Kant ainda que já fosse usado pelos filósofos gregos em contraposição ao termo sensível
(ABBAGNANO, 1999).
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O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
229
Crítica se esforçará para demonstrar que a razão especulativa é uma necessidade
da própria razão teórica, uma vez que o trabalho da teoria só é completado quando
a razão se aventura especulativamente.
Com a distinção entre fenômeno e númeno Kant pôde, portanto, por um lado,
estabelecer limites ao entendimento, desautorizando qualquer uso epistemológico
com sentido das categorias quando estas extrapolam o horizonte da experiência
possível.
Por outro lado, tal distinção também estabelece um uso meramente regulativo
à razão, desautorizando a mesma a legislar na esfera do condicionado a partir de
princípios que só valem para o âmbito do incondicionado.
Deste veredicto kantiano sobre os diferentes usos da razão pode-se extrair
um pacto de convivência entre uma razão epistemológica e uma razão metafísica,
ambas vivendo lado a lado, mas cada uma legislando em seu próprio território. No
entanto, devemos nos perguntar se as coisas realmente ocorrem deste modo.
A julgar pelo conteúdo da Crítica da Razão Pura, reconhece-se que as coisas
não ocorrem de modo assim tão simples. Pois, lo propósito kantiano, nesta obra,
consiste em fundar o projeto teórico sem, simultaneamente, inviabilizar o projeto
prático. O primeiro conduz Kant a restringir o uso dos conceitos puros às condições
universais sensíveis e o segundo a “independizar” esses mesmos conceitos em
relação ao sensível.
A singularidade da posição kantiana sobre estes dois projetos reside, como
nos alerta Lebrun (1993), no fato de que há uma oscilação de posição que ora
defende a limitação dos conceitos ao sensível, ora a sua independência.
Embora tanto a limitação como a independência podem ser entendidas como
temas complementares, o fato é que isso não exclui a existência de uma tensão que
perpassa o núcleo argumentativo da Crítica da Razão Pura, pois se encontram,
nesta obra, inúmeras passagens que avalizam qualquer uma dessas posições.
Também se encontra no contexto da primeira Crítica tentativas de resolução
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O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
230
dos problemas que emergem, especificamente, de cada um desses projetos. Assim,
podemos conceber a "Dedução" como ponto central do projeto teórico e a "Terceira
Antinomia" o do projeto prático, uma vez que a compatibilidade entre a causalidade
livre e natural e o conceito de liberdade transcendental tornarão possíveis os dois
seguintes pilares da filosofia moral: a idéia de autonomia - Fundamentação da
Metafísica dos Costumes – Kant (1991) e da objetividade da lei moral - Crítica da
Razão Prática – Kant (2002).
No
presente
capítulo
buscou-se
resgatar
a
contribuição
de
Kant,
considerando as influências sofridas e a repercussão que seus escritos terão sobre
aqueles vistos como seus discípulos ou críticos. Foi dado destaque ao método
formulado por Kant e que refletirá sobre a concepção de Estética defendida por
esse, o que será objeto de reflexão no próximo capítulo. Como foi discutido, o
presente capítulo permite ter os fundamentos kantianos que serão objeto de
articulação com a Estética.
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O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
231
CAPÍTULO VII
A ESTÉTICA EM KANT
Existem três tipos de conhecimento:
um primeiro que constrói pensamentos e nos escraviza;
um segundo que desperta sentimento e liberta;
e um terceiro que é a própria liberdade,
embasada no conhecimento de si mesmo.
A Arca
O presente capítulo tem como propósito delinear a Estética concebida e
refletida nas obras de Kant, especialmente presente na primeira e terceira crítica. A
escolha de Kant e o destaque dado a sua contribuição filosófica nesta tese deve-se
ao fato de que no conjunto de sua obra, a Estética se faz presente na primeira
crítica, assim como na terceira enquanto elemento de articulação e integração do
conhecimento e do viver humano.
Em Kant tem-se a presença da ação humana em três dimensões que
redundam em uma, ou seja, a dimensão teórica, a dimensão empírica e a dimensão
estética. Essa busca de integração indo aém do racionalismo e do empirismo
enquanto base de compreensão da ação humana e nesta tese associada a ação
organizacional justifica a escolha, assim como, a necessidade de resgatar a
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
232
construção kantiana, onde evidencia os limites e a saída para o racionalismo e o
empirismo, sem negá-los enquanto fonte do conhecimento e do agir humano.
O capítulo está estruturado de maneira a identificar e realçar os elementos
essenciais na Estética kantiana, inclusive os elementos de influência, em seguida
resgata-se a noção e elementos estéticos presentes na primeira crítica. Em seguida
faz-se construção similar envolvendo a terceira crítica, destacando a faculdade de
julgamento estético finalizando com uma síntese acerca da contribuição kantiana no
que oncerne a Estética.
7.1 ELEMENTOS DA ESTÉTICA KANTIANA
Kant não aprovava o intuicionismo da estética racionalista, uma vez que o
apelo à intuição não dava espaço para se resolver racionalmente os desacordos em
matéria de gosto, além de que fundar a Estética sobre a perfeição intuída significava
fornecer conceitos determinados para os objetos estéticos.
Do mesmo modo que recusava os pressupostos do racionalismo, Kant (1989;
2002) também discordava dos princípios empiricistas, especialmente do seu caráter
psicológico, individualista, de um lado, e do caráter derivativo das propriedades
estéticas, extraídas de propriedades não-estéticas dos objetos, de outro.
Na perspectiva subjetivista, o belo não se referia a uma propriedade dos
objetos, mas estava associado a alguma espécie particular de sentimento do sujeito.
Determinar se “x é belo” não significava testar se algum conceito de uma
propriedade objetiva se aplicava a “x”, mas sim, testar se algum conceito de prazer
se aplicava ao sentimento de um sujeito sobre o objeto (COHEN, 1982).
Kant (1989; 2002) não explicitou as linhas mestras desse tipo de subjetivismo
que ao tempo que nem era racionalista, nem era empiricista, mas, filiada a essas
duas vertentes do Iluminismo, dando a ele sua maior expressão, a obra kantiana e,
mais especialmente, neste caso, sua estética criaram, desse modo, uma via
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O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
233
intermediária, a idealista, trazendo uma nova interpretação para a secular relação da
estética com o belo e o prazer.
Kant (1991) estava tão interessado nos problemas da arte e da estética que,
já em 1764, antes mesmo da sua primeira Crítica, a da razão, publicou o ensaio
Observações sobre o Sentimento do Belo e do Sublime, no qual a palavra estética
ainda não aparecia, o prazer era visto como uma sensação ou um sentimento e as
diferenças entre o belo e o sublime eram tratadas de maneira simplificada, longe das
complexidades que emergiriam na sua terceira crítica, a do julgamento, de 1790.
O que torna essa terceira crítica especialmente difícil é a sua íntima conexão
com os temas das duas primeiras, A crítica da razão pura, de 1781, e A crítica da
razão prática, de 1788. Do mesmo modo que a primeira visou a sistemática
explicação dos elementos, a priori, do entendimento, a segunda buscou explicar os
pressupostos da moralidade, ou, em termos kantianos, da “liberdade”. O problema
dessas duas críticas, em síntese, estava em determinar, de modo não circular e não
teleológico, a verdadeira fundação das atividades do sujeito, este novo princípio da
filosofia.
Seria estranho que não houvesse nenhuma conexão, pois, para Kant, nossa
faculdade cognitiva e nossa liberdade são autodeterminadas. Numa carta para K.L.
Reinhold, em 1787, Kant anunciava ter descoberto um terceiro princípio, a priori,
distinto dos anteriores. Esse princípio diz respeito à natureza do prazer e do
julgamento do belo. Segundo Coleman (1974), com a explicação transcendental do
julgamento e da faculdade do prazer e desprazer, Kant conseguiu construir a grande
ponte de ligação entre o supra-sensível e o fenomenal.
Atuando como um termo intermediário entre o entendimento e a razão e entre
as faculdades da cognição e do desejo, o julgamento prescreve uma regra a priori
para o sentimento de prazer e desprazer. Esse julgamento é difícil de explicar
porque ele fornece uma regra que se diferencia tanto de um princípio cognitivo para
o entendimento quanto de um princípio prático para a vontade.
Kant (2002) apresenta uma dialética e uma antinomia na sua terceira crítica,
Raimundo Santos Leal
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234
não surpreendendo também o extremo formalismo de sua exposição, distribuída, na
sua primeira parte, em duas grandes divisões: 1. “Analítica da Faculdade de Juízo
Estética” e 2. “Dialética da Faculdade de Juízo Estética”. A primeira divisão, por sua
vez, se subdivide em dois livros: 1.1. “Analítica do Belo” e 1.2. “Analítica do
Sublime”. O primeiro livro, então, se desenvolve em quatro momentos, cada um
deles contribuindo na formação geral do julgamento do belo.
Vários sentidos para a palavra “julgamento” podem ser encontrados em Kant.
No caso do julgamento estético, de um modo geral, ele estava preocupado com a
explicação de um poder de discernimento ou capacidade de julgar no seu
funcionamento particularmente estético, que pode ser expresso numa afirmação ou
proposição.
Esse julgamento deve ser puro, quer dizer, não deve ter nenhum traço
empírico ou material, dizendo respeito apenas à forma ou estrutura daquilo que se
apresenta à mente. Recorde-se aqui que, já na primeira crítica, se as aparências
devem se apresentar de acordo com leis necessárias, então a mente deve estar de
posse de certos conceitos.
Embora supridos por dados empíricos, esses conceitos são conhecíveis
independentemente de qualquer experiência empírica, pois, ao contrário, devem ser
capazes de fornecer as formas de toda experiência possível. Julgar e usar conceitos
a priori são atividades paralelas, se é que não se trata da mesma atividade apenas
descrita de maneira diferente.
Já é bastante conhecido o fato de que, na primeira critica, Kant (1989) tentou
chegar a uma lista exaustiva dos conceitos, a priori, através da análise das
propriedades do julgamento que haviam sido descritas na lógica aristotélica.
Se todos os dados empíricos são abstraídos de um dado julgamento,
isolando-se as puras formas do entendimento, os julgamentos sempre funcionarão
sob quatro rubricas, cada uma delas apresentando três momentos, assim
distribuídos:
1. quantidade (universal, particular, singular);
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235
2. qualidade (afirmativa, negativa, infinita);
3. relação (categorial, hipotética, disjuntiva); e
4. modalidade (problemática, assertiva, apodítica).
Ora, assim na terceira critica, Kant (2002a) apenas modificou a terminologia
dessa mesma tabela lógica, chamando as quatro rubricas de quatro momentos; os
quais numa visão panorâmica, se expressam da seguinte maneira:
•
Primeiro momento: Gosto é a faculdade de apreciar um objeto ou um
modo
de
representação
através
de
um
prazer
ou
aversão,
independentemente de qualquer interesse. E o objeto de tal prazer é
chamado belo.
•
Segundo momento: O belo é aquilo que, sem depender de um conceito,
quer dizer, independentemente de um conceito, agrada universalmente.
•
Terceiro momento: O belo é a forma da finalidade em um objeto, mas na
medida em que é nele percebido independentemente da representação de
um fim.
•
Quarto momento: O belo é aquilo que, independentemente de um
conceito, é conhecível como um prazer necessário.
Embora Kant não tenha descrito esses quatro momentos na forma de
paradoxos, reservando a linguagem da “tese-antítese-síntese” para a exposição
daquilo que ele veio chamar de “antinomia do gosto”, Coleman (1974) faz dos quatro
momentos uma apresentação na forma de tese-antítese, que ajuda sobremaneira o
entendimento dos problemas que estão pressupostos na análise de cada um deles.
No julgamento do gosto, segundo Kant (2002), opera um tipo muito distintivo
de formalismo, que envolve duas noções bem difíceis: a da finalidade e a do jogo
livre das faculdades cognitivas.
Kant (Op. cit.) tinha um modo muito complexo de classificar os fins. A
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236
finalidade da forma não está necessariamente relacionada com aquilo que algo
busca ou a que algo tende, a buscar nem é ainda aquilo em função do qual algumas
criaturas agem.
Para Kant, pessoas e coisas têm fins e são fins em si mesmas. Neste sentido,
a finalidade é classificada de acordo com quatro eixos: subjetiva-objetiva, formalreal, interna-externa e condicional-incondicional (quer dizer: relativa-absoluta).
Os fins, que dependem da vontade de uma pessoa, por exemplo, são
subjetivos, reais, externos e relativos. O fim, que uma pessoa é em si mesma, é
objetivo, real, interno e absoluto.
As coisas utilitárias têm fins subjetivos, reais, externos e relativos. Ainda de
acordo com essa classificação, os fins dos objetos belos são subjetivos, formais,
internos e, surpreendentemente, absolutos.
E finalidade da forma quer dizer que a forma é um fim para a percepção,
podendo ser considerada tanto do ponto de vista da natureza quanto do ponto de
vista dos sujeitos que julgam (MCCLOSKEY,1987).
Não há nada que a natureza possa fazer que não tenha um propósito. Por
outro lado, um dos traços mais inerentes à mente é o de se aproximar de qualquer
coisa que seja sob a rubrica do propósito, ou melhor, da finalidade. Só a forma da
finalidade, segundo Kant, pode satisfazer as condições da concordância universal,
implícita em nossos julgamentos do belo, que devem ser públicos ou interpessoais,
reguladores e válidos em si mesmos.
Para Kant (Op. cit.), o julgamento do belo é uma das espécies de julgamento
reflexivo, quer dizer, aquele julgamento de um particular em busca de um conceito
ou regra universal. Já o julgamento determinado é aquele em que o universal é dado
e sob o qual um particular é englobado.
Os julgamentos práticos são determinados, quer dizer, temos um conceito
determinado concernente ao que é útil ou prudente, por exemplo, e aplicamos o
conceito a uma situação particular. Mesmo uma escolha particular pressupõe uma
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
237
regra determinada, a do imperativo categórico. Os julgamentos cognitivos também
pressupõem propósitos determinados, que são descobertos através da investigação
empírica de certos assuntos ou pela análise racional.
A beleza encoraja o avanço da ida, o sublime o suspende. Brinca-se com a
beleza, mas respeita-se o sublime. Enquanto a beleza, por si mesma, parece
adaptar-se à nossa sensibilidade, o sublime desconcerta e ultraja a nossa
imaginação, lançando-nos num esforço de compreensão que ultrapassa a faculdade
imaginativa e forçando-nos a abandonar essa sensibilidade meramente empírica em
direção a um reino mais elevado.
Assim, o sublime rompe com as formas e nos lança no caos e na
perplexidade ao conturbar os padrões comuns de grandeza e magnitude, negando
qualquer propósito à natureza. É por isso que, para o belo na natureza, buscamos
um fundamento externo a nós, enquanto o sublime nos arremessa de volta a nós
mesmos em busca de nossos próprios recursos morais. Os objetos julgados
sublimes não exibem a finalidade da natureza, mas apenas produzem um emprego
final de uma representação pela imaginação.
Se for correto chamar os objetos de belo, não é correto chamá-los de
sublimes, pois, nestes, a apresentação da sublimidade é descoberta na mente e é
esta, mais do que os objetos, que expõe o caráter de sublime.
Daí o sublime não se referir a objetos ou coisas externas a nós, mas a certas
disposições da alma despertadas por um objeto que pinça a atenção do julgamento
reflexivo de um certo modo.
Em síntese, o sublime, em geral, é tudo aquilo para o qual não há padrão de
comparação porque todos os padrões se tornam inadequados, uma vez que a fonte
da sublimidade não se encontra no mundo dos sentidos ou na natureza, mas deve
residir em certas idéias compartilhadas pela humanidade.
O mesmo procedimento, adotado na analítica do belo, foi adotado com o
sublime, também analisado em momentos: o “prazer” do sublime deve ser
universalmente válido na categoria da quantidade, independente do interesse na
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O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
238
qualidade; subjetivamente final, na relação; e necessário, na modalidade.
Qualquer julgamento do sublime deve ser universalmente válido, mas, por
estar baseado no informe, enquanto o belo repousa na forma, a analítica de tal
julgamento difere da analítica da beleza.
Enquanto o belo parece ser a apresentação de um conceito indeterminado do
entendimento, o sublime parece ser um conceito indeterminado da razão. O belo tem
limites e é contemplativo.
Diante do belo, a mente se sente em casa no jogo livre de suas faculdades e
a imaginação reconhece formas que advêm de suas próprias leis. O sublime, por
sua vez, é ilimitado. O sentimento do sublime é provocado porque o objeto que o
estimula não exibe a forma e a harmonia que a imaginação livremente ditaria.
Sendo o objeto do sublime informe, imenso e poderoso, é a natureza humana,
ela mesma, que é ultrajada, ao experimentar o sentimento do sublime cujo traço
característico está num movimento mental que se combina com a apreciação do
objeto.
Sendo o sublime também estético, esse movimento deve ser um movimento
sentido, ou um sentimento que a imaginação reporta à faculdade da cognição ou do
desejo, de onde advém a divisão do sublime em matemático, no primeiro caso, e
dinâmico, no segundo caso.
O belo não poderia ser um conceito empírico, nem poderia ser um conceito
puro, pois julgamentos do belo não são singulares, nem conotam um “traço que
várias coisas têm em comum”. Não sendo nem empírico, nem, a priori, uma noção,
nem uma idéia da razão, e não sendo nem mesmo um ideal, a que gênero então,
pertence o belo?
Como já vimos, Kant (2002) considerou o julgamento do belo como uma
“função” ou mesmo uma “disposição” que implica em se impor à forma do belo uma
multiplicidade sensível, através de conceitos indeterminados, de acordo com
sentimentos de prazer e desprazer.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
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Tais conceitos indeterminados são empíricos, no caso do belo, enquanto, no
caso do sublime, as idéias da razão são indeterminadamente produzidas. Do mesmo
modo que o entendimento é relativamente livre ao construir conceitos empíricos,
quando se trata do julgamento estético, ele alcança o limite da sua liberdade. Tendo
isso em vista, o paradoxo do belo pode agora ser apresentado.
Se o julgamento do belo repousa sobre conceitos, então se trata de um
julgamento
que
poderia
ser
provado
racionalmente
quer
dedutiva
quer
indutivamente. Kant não caiu nessa simplificação. Para ele, a estética racionalista se
reduz ao puro analitismo, enquanto a estética psicológica escorrega no mero
relativismo. Ele queria evitar qualquer um desses dois extremos.
Assim sendo, não poderia aceitar também que os julgamentos estéticos
fossem apenas fragilmente conceituais, porque então eles teriam uma validade
apenas autobiográfica.
No reconhecimento do prazer implicado tanto no belo quanto no sublime, está
uma clara rejeição, de um lado, à idéia platônica de que uma subordinação do
sentimento à razão é desejável, de outro lado, uma rejeição também à concepção de
Hume da submissão necessária da razão à paixão.
Isso tudo, sem perder a ligação do belo com a moralidade, pois, ao final do
livro, Kant discutiu a idéia da beleza como símbolo da moralidade. No equilíbrio do
sentimento e da regra, encontramos o caminho para sentir o impacto das idéias
morais as quais, sem o sentimento do belo e do sublime, permaneceriam como
meros postulados da razão prática. Foi este o fio que a estética de Schiller (1995)
puxou de Kant, na intermediação que faria entre KANT (2002; 1974) e HEGEL
(1996; 1972).
Num belo artigo onde busca explicar por que a beleza é um símbolo da
moralidade em Kant, Cohen (1982) toma como ponto de partida uma interpretação
bastante sugestiva daquilo que o objeto belo é e faz. Considera que há um sentido
em que um objeto belo não tem qualquer característica, assim como há um sentido
em que o julgamento do belo não diz respeito a nenhum objeto. Aponta que há três
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
240
modos através dos quais as coisas fazem sentido para nós:
1. quando algo nos dá prazer sensório;
2. quando contemplamos algo a fim de compreendê-lo;
3. quando utilizamos algo para alguma finalidade.
Um dos traços mais sugestivos da teoria moral de Kant (1988; 2002) está na
sua postulação de que insistir na nossa humanidade individual requer, por uma
questão de lógica, o reconhecimento da humanidade do outro. Dessa forma, nossa
dignidade depende da consideração da dignidade do outro. O que implica dizer que
tratar como um fim e vice-versa.
O objeto belo, diz Cohen (1982), é o símbolo da idéia desta espécie de outro.
Nosso engajamento no belo simboliza uma vontade do bem, no ato mesmo de ter a
vontade do bem. Já nossa humanidade essencial se revela de dois modos: fazer
sentido das coisas e exercer uma influência sobre elas.
Como caso limite e como emblema da nossa habilidade de fazer sentido das
coisas, o puro julgamento do gosto é a espécie de experiência pura em que um
aspecto de nossa humanidade essencial se revela, sendo simultaneamente o mais
próximo que podemos chegar do seu segundo modo de revelação. Se o objeto belo
é uma apresentação indireta do conceito de vontade do bem, então ele indica esse
conceito de modo metafórico ou analógico.
A experiência moral é uma questão de engajamento. Kant mostrou que essa
experiência é paralela em profundidade e complexidade à experiência do belo. Se o
belo não for apenas um símbolo da moralidade, mas o símbolo da moralidade, então
apenas a experiência do belo tem a espécie de riqueza necessária para simbolizar a
experiência moral.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
241
7.2 A ESTÉTICA TRANSCENDENTAL E A PRIMEIRA CRÍTICA
A primeira parte da Crítica da razão pura intitulada Estética transcendental,
trata das formas, a priori, da sensibilidade e responde à pergunta acerca de como
são possíveis os juízos sintéticos, a priori, na matemática.
A segunda parte, ou Lógica transcendental, divide-se em duas: a primeira
subdivisão, ou Analítica, trata das formas, a priori, do entendimento e responde à
questão: como são possíveis os juízos sintéticos, a priori, na física.
Por sua vez, a segunda subdivisão ou Dialética, trata das idéias da razão e
responde, negativamente, à pergunta acerca da possibilidade de haver juízos
sintéticos, a priori, na metafísica.
É com base na clássica distinção dos filósofos antigos entre objetos sensíveis
(aisthètá) e objetos inteligíveis (noètá) que Kant estabelece a sua distinção entre
sensibilidade e entendimento54.
Afirma Kant (1989) que, sejam quais forem a maneira e os meios pelos quais
um conhecimento possa relacionar-se com objetos, o modo pelo qual o
conhecimento se relaciona imediatamente a eles e ao qual todo pensamento visa
como um meio (para atingi-los) é a intuição.
Portanto, não há intuição55, a menos que um objeto nos seja dado. Mas, como
não há outros objetos dados ao homem que não sejam aqueles que lhe afetam o
espírito, a faculdade das intuições será a sensibilidade ou capacidade de receber
representações ou a receptividade para as impressões.
Quer dizer que há somente intuições sensíveis; não existem intuições
intelectuais, ao menos para o homem. Com efeito, numa intuição intelectual, o
54
A Sensibilidade (em grego: aísthèsis, donde vem o termo estética) é a faculdade das intuições. E o
Entendimento (em grego: lógos, donde Lógica) é a faculdade dos conceitos.
55
Por Intuição deve entender-se, sempre consoante à etimologia (latim: intueri: ver), ou seja, a visão
direta e imediata de um objeto de pensamento atualmente presente ao espírito e apreendido em sua
realidade individual.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
242
espírito dar-se-ia a si mesmo o objeto que vê; mas um tal modo de conhecer é
privativo do Ser supremo, ou seja, a intuição humana supõe que um objeto nos seja
dado e que este nos afete o espírito.
A sensibilidade é, precisamente, essa faculdade que possui nosso espírito de
ser afetado por objetos, ou ainda, é por meio da sensibilidade, pois, que os objetos
nos são dados, e só ela nos fornece intuições.
O entendimento, ao revés, não é um poder de intuição, só pode pensar os
objetos fornecidos pela sensibilidade. É, sim, um poder não sensível de conhecer;
em oposição à receptividade, que define a sensibilidade; ele é uma espontaneidade,
isto é, uma faculdade de produzir representações. E visto que só a sensibilidade
fornece intuições, as representações do entendimento serão conceitos.
O ponto de partida do conhecimento é a sensação, isto é, a impressão
produzida por um objeto na sensibilidade. A intuição que assim se relaciona a seu
objeto por intermédio da sensação chama-se intuição empírica; e chama-se
fenômeno o objeto dessa intuição empírica.
Mas a noção de fenômeno requer nova distinção, ou melhor, aquilo que, no
fenômeno, corresponde à sensação, eu chamo de matéria do fenômeno; mas o que
faz com que o múltiplo do fenômeno possa ser ordenado em certas relações chamo
de forma do fenômeno.
E como aquilo em que as sensações unicamente podem ordenar-se e pôr-se
em uma certa forma não pode, por sua vez, ser sensação, segue-se que, se a
matéria de todo fenômeno só nos é dada a posteriori, a sua forma deve encontrar-se
a priori no espírito, e pronta para aplicar-se a todos e, por conseguinte, deve poderse considerá-la à parte de toda sensação.
O vocabulário que Kant (2002) usa é o mesmo da terminologia escolástica. A
escolástica entendia, em sentido muito amplo, a oposição entre forma e matéria;
mas distinguia, notadamente, a forma de raciocínio, isto é, a maneira de ligar suas
várias proposições, de sua matéria, ou seja, do seu conteúdo, representado pelos
conceitos das referidas proposições. Assim, um raciocínio podia ser formalmente
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
243
válido, embora terminasse numa conclusão materialmente falsa.
Do mesmo modo, Kant (2002) entenderá por matéria o conteúdo da sensação
e, por forma, aquilo que ordena tal matéria ou lhe dá forma. Daí ser a matéria
necessariamente a posteriori, ao passo que a forma deve ser a priori, isto é, deve
ser fornecida pelo próprio espírito. Mas não é somente na faculdade de pensar, ou
no entendimento, que se devem procurar formas; deparamo-las também na
sensibilidade ou faculdade de sentir.
Da análise da Estética transcendental decorrem algumas conseqüências
importantes, para as quais Kant chama a atenção. Note, em primeiro lugar, que a
intuição só nos permite atingir fenômenos, e não coisas em si.
De fato, as coisas que percebemos na intuição não são, em si mesmas, assim
como nós as percebemos, pois, se prescindirmos de nossa constituição subjetiva,
todas as propriedades temporais e espaciais dos objetos desaparecerão juntamente
com o próprio tempo e espaço. Para retomar uma comparação fácil que, se
tivéssemos os olhos recobertos de um vidro azul, veríamos todas as coisas como se
fossem azuis e, no entanto, as coisas em si mesmas não seriam azuis.
O fenômeno é a coisa, tal como esta aparece manter, seres humanos, cujos
espíritos são constituídos assim. Pois cumpre não esquecer que, ao falar em
condições subjetivas, Kant (2002) pensa na estrutura do espírito, e não na estrutura
do aparelho sensorial.
Entretanto, o relativismo kantiano nada tem a ver com o relativismo de um
Protágoras56. Para Kant (1989) a nossa intuição do objeto depende, não da
disposição particular ou da organização de tal ou tal sentido, mas da constituição
geral da sensibilidade, que é a mesma em todos os homens.
A verdade é que, se a nossa intuição do objeto tem "um valor geral para todo
sentido humano", ela nada nos dá a conhecer da natureza dos objetos considerados
em si mesmos.
56
Ver Chauí (2002).
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
244
Quer dizer: todos os progressos da experiência jamais nos permitirão sair dos
limites da experiência; o nosso conhecimento dos fenômenos pode evoluir, mas em
tempo algum venceremos a distância que separa o nosso saber daquilo que as
coisas são em si mesmas e, independentemente, da maneira pela qual as
percebemos. Nem o microscópio nem o telescópio nos aproximam da coisa em si.
Tudo o que nos é dado sempre será relativo a nós mesmos.
Por conseguinte, entre o sensível e o inteligível há uma diferença de natureza,
e não de grau. Não passamos de um a outro pelo aprofundamento dos nossos
conhecimentos, como julgavam Leibniz (2000) e Wolff (1963). O inteligível puro nos
é inteiramente inacessível, pois nenhuma coisa em si nos é dada, mas tão-somente
fenômenos.
A verdade é que, pela sensibilidade, o nosso conhecimento da natureza das
coisas em si não é apenas indistinto, mas nulo. No momento em que abstraímos, de
nossa constituição subjetiva, o objeto representado e as propriedades que lhe
atribuía a intuição sensível, já não se encontram, nem podem encontrar-se em parte
alguma, visto ser justamente essa constituição subjetiva que determina a forma de
tal objeto como fenômeno.
Por outro lado, o que vale para os objetos externos, vale também para o
espírito. A intuição do eu está sujeita a uma condição subjetiva, exatamente como a
intuição do mundo. É no tempo que o espírito aparece a si próprio; por isso mesmo
só lhe é possível apreender sua própria história, não, porém, seu ser.
Verifica-se como os elementos que delinea a Estética transcendental de Kant
efetua a articulação entre a intuição enquanto fonte de conhecimento, ainda que não
seja ainda o conhecimento a priori. Fica evidente a articulação através da noção de
fenômeno, de sensibilidade a articulação das diferentes fontes de conhecimento.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
245
7.3 A ESTÉTICA E A TERCEIRA CRÍTICA
A filosofia de Kant (2002; 1988; 1989; 1993) reflete em seu próprio movimento
a própria natureza de uma razão que não pode encontrar repouso num termo
incondicionado. A primeira Crítica, que, entretanto, pretendia terminar o sistema, não
podia satisfazer a exigência da prática pura. Mas a segunda Crítica também não
bastou para apaziguar o desejo arquitetônico da razão.
Em 1790, Kant produz uma terceira Critica, que trata da faculdade de julgar. A
função desse texto é, sem dúvida, central para o kantismo, nele a filosofia foi dividida
em uma parte teórica e uma parte prática, que se opõem por seu tipo de legislação,
por seu domínio de aplicação e pelas faculdades que elas põem em jogo.
Kant, tão preocupado em estabelecer decisões dicotômicas, recusa
obstinadamente que a verdade da filosofia permaneça em uma oposição binária que
a habitaria definitivamente. As duas partes da filosofia devem ser unidas em um
todo; unir dois termos opostos implica a intervenção de um terceiro termo.
A Crítica da faculdade de julgar deve, supostamente, unificar e reconciliar a
razão teórica e a razão prática pura, a natureza determinada e a liberdade; se
apresentando como o coroamento do empreendimento crítico.
A terceira Crítica apresenta, em um quadro sistemático-tricotômico, a
organização do conjunto das nossas faculdades. A faculdade de conhecer é o
entendimento que submete os fenômenos a sua legislação determinante e que tem
como campo de aplicação a natureza.
Em primeiro lugar, a terceira Crítica declara explicitamente que a verdadeira
faculdade de desejar é realmente a razão que quer a liberdade. Em segundo lugar,
esse texto estabelece uma outra definição do juízo que a primeira Crítica ignorava.
Instaura-se assim a distinção entre um juízo que determina, que subsume o
particular sob uma lei geral do entendimento, em vista do conhecimento de um
objeto, de um juízo que reflete. Este último tem como ponto de partida um dado
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
246
particular e deve descobrir a regra sob a qual ele possa subsumi-lo.
Essa regra tem como função introduzir uma unidade, uma ordem na
diversidade empírica que a legislação determinante do entendimento não pôde
fornecer.
O juízo reflexionante não determina um conhecimento; a regra que inventa só
é válida para ele. Ele procede por analogia, assim como as leis do nosso
entendimento prescrevem uma ordem para a natureza, que essa diversidade
obedeça às leis de um entendimento análogo ao nosso.
Assim, esse juízo representa os objetos da natureza sob o conceito de um
entendimento que os teria produzido em suas formas particulares. Por forma, é
preciso entender a especificidade do objeto. Um conceito que contém a razão da
forma de um objeto, que causa essa forma, é um conceito de fim.
O princípio transcendental que o juízo dá a si mesmo é o princípio de
finalidade da natureza: tudo acontece como se tudo na natureza devesse concordar
com a nossa faculdade de conhecer.
Essa finalidade se relaciona a uma dupla atividade reflexionante: se julgamos
pelo sentimento de prazer e de dor uma finalidade então qualificada de subjetiva ou
formal, situamo-nos na estética; se julgamos por conceitos uma finalidade então
qualificada de objetiva ou real, entramos no campo do juízo teleológico.
A terceira Crítica não pretende apenas reunificar os membros esparsos do
Sistema, Natureza e Liberdade, mas ainda integrar ao edifício uma teoria do belo, do
sublime, uma teoria da finalidade na natureza, uma teoria do organismo.
Antes de definir a faculdade de julgar a estética é necessário trabalharmos
uma outra vinculação, a da finalidade da natureza (princípio subjetivo da faculdade
de julgar) com o sentimento de prazer. Esta argumentação aparece no parágrafo VI
da "Segunda Introdução".
Kant nos diz que a concordância pensada da natureza, na multiplicidade de
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
247
suas leis particulares, com nossa necessidade de encontrar universalidade dos
princípios para a natureza, tem de ser julgada contingente segundo todo o nosso
discernimento; mas, para a necessidade de nosso entendimento.
Todavia, tem de ser julgada indispensável, de acordo com nossas
necessidades intelectuais, portanto, como finalidade (como conformidade a fins)
através da qual a natureza concorda com nosso propósito, mas somente enquanto
dirigido para o conhecimento.
Mas, tanto quanto podemos discernir, é contingente que a ordenação da
natureza segundo suas leis particulares (diante de toda sua multiplicidade e
disparidade) seja realmente adequada a essa mesma natureza.
Kant em sua argumentação acerca da coincidência das percepções com as
leis regidas por conceitos universais da natureza (as categorias) não encontramos
em nós mesmos, nem podemos encontrar, o menor efeito sobre o sentimento de
prazer, porque o entendimento procede, necessariamente e sem propósito, segundo
sua natureza. Mas, em contrapartida, a descoberta da possibilidade de união entre
duas ou mais leis empíricas heterogêneas da natureza sob um princípio que engloba
ambas é o fundamento de um prazer digno de nota, muitas vezes até de uma
admiração.
Aqui está mais um argumento que permite a vinculação entre a faculdade de
julgar e o sentimento de prazer. É preciso que, no julgamento da natureza, algo
chame o nosso entendimento à consideração da conformidade a fins dela, um
estudo que submeta leis díspares da natureza a leis superiores ainda que empíricas,
de maneira a - se isso é alcançado - sentir prazer nesse acordo da natureza (acordo
meramente contingente) com vistas a nossa faculdade de conhecimento.
Pelo contrário, nos desagradaria uma representação da natureza através da
qual antecipadamente nos dissessem que, à menor investigação para além da
experiência
mais
comum,
nós
haveríamos
de
nos
deparar
com
uma
heterogeneidade de leis da natureza que tornaria impossível, para nosso
entendimento, a unificação de suas leis particulares sob leis empíricas universais,
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
248
porque isso conflitua com o princípio da especificação subjetivo-final da natureza nos
seus gêneros e com nossa faculdade de julgá-la reflexiva em seu propósito.
Feita esta primeira abordagem, cabe definir o que é a faculdade de julgar a
estética. Kant nos diz que aquilo que na representação de um objeto é meramente
subjetivo, isto é, aquilo que constitui a sua relação com o sujeito e não com o objeto,
é a natureza estética dessa representação. É claro, aqui, que não se trata daquilo
que, numa representação, é utilizado para a determinação do objeto tendo em vista
o conhecimento. A sensação (neste caso a externa) é também utilizada para o
conhecimento dos objetos fora de nós.
Porém, aquele elemento subjetivo, numa representação que não pode de
modo algum ser uma parte do conhecimento, é o prazer ou desprazer, ligado àquela
representação, ou seja, aquilo que é subjetivo na representação e que constitui a
sua relação com o sujeito é o sentimento de prazer ou desprazer.
“Pela denominação de um juízo estético sobre um objeto está que uma
representação dada é referida, por certo, ao objeto, mas no juízo não é entendida a
determinação do objeto, mas sim a do sujeito e do seu sentimento” (KANT, 1974, p.
278).
Ou seja, é um juízo que diz respeito ao jogo das representações, na medida
em que estas estão ligadas ao sentimento de prazer ou desprazer, melhor dizendo,
na medida em que as representações afetam o estado do sujeito, quanto ao prazer
ou desprazer. Trata-se de um juízo sobre o efeito de representações em mim; essas
representações me afetam causando prazer ou não.
No sentido do prazer e desprazer, elas são chamadas de Subjetivas ou de
estéticas. Kant aplica a expressão estética não à intuição e ainda menos às
representações do entendimento, mas, unicamente, às ações do juízo.Todas as
determinações do sentimento são meramente de significação subjetiva, não
podendo haver uma estética do sentimento como ciência, assim como há uma
estética da faculdade de conhecimento.
Permanece o equívoco da expressão “modo de representação estético”,
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
249
quando entende-se este ora como aquilo que excita o sentimento de prazer e
desprazer, ora como aquilo que diz respeito meramente à faculdade de
conhecimento, à medida que nela é encontrada a intuição sensível, que nos faz
conhecer os objetos somente como fenômenos.
Entretanto, esta equivocidade pode ser desfeita, ao se aplicar a expressão de
estético, não à intuição, e ainda menos às representações do entendimento, mas
unicamente às ações do juízo (KANT, 1974).
Por ora, cabe considerar que julgar esteticamente significa saber como
determinadas representações se referem ou afetam o estado da mente, causando
prazer ou desprazer.
Este juízo é não-lógico, já que a representação se refere ao sentimento de
prazer e desprazer naquilo em que ela me causa satisfação ou não; a representação
é referida ao sujeito - no sentido de que as representações estão em relação com o
sujeito enquanto têm sobre ele um efeito, enquanto o afetam, intensificando ou
entravando a sua força vital - e não ao objeto, tendo em vista o conhecimento, o que
circunscreveria um território e assinalaria a existência de uma faculdade superior ao
lado da faculdade de desejar e da faculdade de conhecer.
Há algum tempo adquiriu-se o hábito de chamar também um modo de
representação de estético, quer dizer de sensível, não no sentido da relação de uma
representação a um objeto, mas do sentimento de prazer e desprazer.
Ainda que acostumados a também chamar este sentimento, conforme essa
denominação, de um sentido (modificação de nosso estado) na falta de uma outra
expressão, ele não é, todavia, um sentido objetivo cuja determinação seria utilizada
para o conhecimento de um objeto (pois intucionar ou conhecer algo com prazer não
é uma simples relação da representação ao objeto e sim uma receptividade do
sujeito), mas que não contribui em nada para o conhecimento do objeto (KANT,
1974).
A representação de uma finalidade é também subjetiva e como o elemento
subjetivo de uma representação é o sentimento de prazer, a vinculação é imediata, é
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
250
a representação de uma conformidade a fins que é o elemento subjetivo de uma
representação, melhor dizendo, é o princípio da finalidade sem fim que opera na
determinação do sentimento do sujeito causando prazer.
Como se trata de julgar sobre representações, estas nos fornecem uma
determinada apreensão do objeto, ou melhor, trata-se da consideração da finalidade
sem fim no jogo das representações; é esta consideração que está em questão no
ajuizamento estético.
Se chamamos de estética a uma faculdade de julgar é porque ela não
relaciona a representação do objeto a conceitos, mas ao sentimento de prazer e
desprazer e porque o juízo não se refere a conhecimentos (não é determinante, é
reflexivo), pois, para a faculdade de julgar lógica, as intuições devem previamente
ser elevadas a conceitos, a fim de servirem ao conhecimento do objeto, o que não é
o caso para a faculdade de julgar ou estética.
O juízo estético é definido, pela relação de uma representação ao sentimento
vital sob o nome de sentimento de prazer. Portanto, podemos dizer que
representações dadas que se referem ao sujeito (ao seu sentimento) são sempre
subjetivas ou estéticas.
É a consideração do princípio formal da conformidade a fins (princípio
transcendental) que prepara o entendimento para aplicar à natureza o conceito de
um fim (pelo menos segundo a forma), assinalando uma função propedêutica à
faculdade de julgar a estética.
7.4 A CONTRIBUIÇÃO DE KANT
Um primeiro aspecto a considerar acerca da estética kantiana diz respeito à
definição do juízo estético que, segundo Kant, é um juízo de reflexão. Esta definição
principal determina imediatamente que os juízos estéticos não podem ser reduzidos
a juízos empíricos.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
251
Além disso, como estes mesmos juízos não se confundem com os juízos
teóricos de conhecimento, nem com os juízos práticos da moral, eles exigem um
princípio transcendental próprio diferente das categorias.
Lebrun (1993) considera a proposição kantiana um verdadeiro método da
filosofia transcendental. Já Lyotard (1991) considera que no conceito da reflexão
encontra-se uma "arma crítica" por excelência ou mesmo a possibilidade da filosofia
crítica. A afirmação da reflexão como princípio transcendental acaba por abranger a
filosofia kantiana como um todo, indo muito além dos limites específicos da terceira
Crítica.
Verifica-se deste primeiro aspecto a relevância de exprimir a prioridade (de
princípio e fundamento) da terceira Crítica sobre as demais, ao qual se acrescentará
o objetivo de imprimir na expressão "Estética", o seu sentido mais radical, o de uma
"Estética Transcendental", lembrando que a filosofia de Kant se distingue justamente
por seu caráter inapelavelmente transcendental.
O segundo aspecto a se destacar é o sentido do sublime em Kant, para tanto
é necessário analisar a chamada "estética kantiana" (e o termo é impreciso já que se
reconhece pelo menos duas estéticas kantianas: a do belo e a do sublime) contida
na terceira Crítica, à luz de uma outra estética, a "Transcendental", que está na
primeira Crítica.
Considerando a ambivalência do termo "estética" que designa, em Kant, ora
as condições do tempo e do espaço - que participam de um modo essencial, porém
subordinado do conhecimento - ora o que a tradição, a partir de Baumgarten (1750),
chamou de "Tratado do Belo", a estratégia consistiu em, principalmente, deslocar a
questão estética, e por um, da posição secundária dentro da classificação das
disciplinas filosóficas, por outro lado, livrá-la da posição de subordinação à categoria
e ao entendimento, onde a interpretação predominante da "posteridade" kantiana
costuma situá-la.
Na Crítica da razão pura, Kant permanece fiel a sua busca de uma outra
lógica - o que é a lógica transcendental senão a conseqüência de uma contestação
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
252
contra a lógica geral? -, que recebe aqui o nome definitivo de "transcendental" e que,
preocupada com a origem e a aplicação do conceito, deve poder ultrapassar este
último.
Para Kant (1991), conhecimento não se confunde com conceito que deve
estar sempre ligado a uma intuição. Uma das grandes contribuições da "Estética
Transcendental" foi precisamente a de interromper a "escala" cartesiana dos graus
"obscuro-claro", em que a representação avançava do sensível ao inteligível.
A "interrupção" kantiana resulta do princípio da heterogeneidade irredutível
entre as faculdades, e logo surge a necessidade de encontrar uma outra
representação que dê conta da diferença extrínseca ao conceito.
A exemplo do espaço e do tempo, o "conceito" de matéria assim como o de
sublime (surpreendam-se ou não) também são representações desse tipo, quero
dizer, "intuições" ou simplesmente representações da sensibilidade.
No "Apêndice" da primeira Crítica sobre a "Anfibologia dos Conceitos da
Reflexão", quanto aos conceitos de "concordância e oposição", Kant explica:
Se a realidade é representada somente pelo entendimento puro (realitas
noumenori), não se pode pensar nenhuma oposição entre as realidades, isto
é, uma relação em que cada uma das realidades conjuntas em um sujeito
suprima o efeito da outra, e tenha-se 3 - 3 = 0. Ao contrário, o real no
fenômeno (realitas phaenomenon) pode certamente conter oposições e,
reunida no mesmo sujeito, pode uma realidade anular total ou parcialmente o
efeito da outra, como duas forças motoras sobre a mesma linha reta,
enquanto puxam ou impelem um ponto em direção contrária, ou também
como um prazer contrabalança a dor. (KANT, 1989, p. 164).
Na primeira edição da Crítica pura, no capítulo "Os Princípios Sintéticos do
Entendimento Puro", Kant descreve a distinção entre os princípios matemáticos e
dinâmicos como resultantes de uma diferença quanto à certeza fornecida por eles.
No primeiro caso, recobrindo as categorias da quantidade e da qualidade, os
princípios matemáticos produziriam uma certeza intuitiva e imediata; no segundo,
recobrindo as categorias da relação e da modalidade, os princípios dinâmicos
produziriam uma certeza discursiva.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
253
Exatamente como Aristóteles definia o prazer da tragédia, como prazer com a
representação, a mimesis (representação) transforma "a simples visão (horan) das
coisas mesmas - dolorosas, já que o espetáculo é repugnante - (...) em olhar
(theôrein) que é acompanhado da intelecção (manthanein), e, portanto, de prazer."
(ARISTÓTELES, 1980, p. 190)
Não é à toa que Lyotard (1991) adota o mecanismo dos deslocamentos
sucessivos para analisar, entre outras questões que compõem a "Analítica do
Sublime", a da magnitude. Segundo aquele autor, só equivocadamente é que a
magnitude qualifica o objeto dito "absolutamente grande".
Na verdade, ele continua, considerando os deslizamentos do sublime dentro
da classificação categorial, a quantidade lógica do juízo sublime (ele é um juízo
singular e universal) passa à modalidade (ele é um juízo necessário) através da
relação (de finalidade entre as faculdades).
Assim, saltando de uma classe a outra, a magnitude, no sublime, acaba por
estar relacionada não ao objeto, mas à faculdade mesma que julga, e no nosso
caso, ao sentimento de prazer e de dor.
A conclusão parece simples: é o próprio sentimento do sublime que é "grande
absolutamente" ou, pelo menos, o sentimento do sublime é a exigência de
"aumento" da nossa "alma" a fim de que ela se torne apta a abarcar o infinito.
Se um dos elementos que servira à definição do sublime matemático fora
justamente à noção de grandeza absoluta (quase um princípio meta-matemático), a
noção que está vinculada com o sublime, considerado dinamicamente, é a de
"força", mas também, como no primeiro caso, trata-se de um princípio não físico,
mas metafísico.
Justamente o que o homem descobre diante do espetáculo incontrolável e
imenso da natureza não é sua força física, que está obviamente subjugada. Kant
escreveu que “a natureza, considerada no juízo estético como poder que não possui
nenhuma força sobre nós, é dinamicamente sublime”. (KANT, 1993, p. 106). O que o
homem descobre é sua vocação para as idéias da razão, ou seja, o que
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
254
propriamente o define – para Kant, sua natureza moral. Mas é preciso nos prevenir
contra dois perigos.
O primeiro, desconsiderando a complementaridade entre os dois princípios,
ignorando o princípio matemático que é "imediato e intuitivo" e que diz respeito à
finitude, é fazer uma leitura puramente idealista, para não dizer moralista, do sublime
de Kant.
O segundo, não mais ignorando aquela complementaridade, é pensar a
síntese dinâmica como uma proto-síntese hegeliana, ou seja, como um conflito entre
faculdades que será resolvido harmonicamente.
Quanto à possibilidade de o sublime estar na origem de uma "lógica do limite"
que nos propiciaria, afinal, o único modo de nos situarmos com relação à
transcendência.
Livres precisamente da exigência do conhecer, já que os juízos estéticos,
diferentemente dos juízos teóricos, não pretendem determinar nada, a reflexão
contida neles poderá constituir uma pista para formular esta difícil relação entre o
homem e Deus.
O mandamento “de ir até os conceitos que estão fora do campo de uso
imanente” nos indica que, embora Kant queira restringir todo conhecimento ao
fenômeno, ele também quer barrar o “monopólio” da ciência; ou seja, é preciso
reservar um domínio da objetividade ao “uso prático-dogmático” da razão, e esta
última perspectiva só poderá ser considerada a partir de uma reelaboração da
questão do inteligível.
Assim, segundo Lebrun, a suprema réplica de Kant a Hume, só será dada “no
final da Crítica da Faculdade do Juízo”; daí a freqüência com que ele retoma os
argumentos antiteológicos de Hume (LEBRUN, 1993).
Parece evidenciada a contribuição kantiana e sua opção para a presente tese.
Nos capítulos anteriores buscou-se identificar as diferentes contribuições e, mesmo,
perspectivas de consideração da Estética.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
255
Neste capítulo foram valorizadas a contribuição de Kant e a formulação da
noção de estética transcendental presente na primeira e terceira crítica. Como dito,
ao resgatar as noções, assim como os elementos que compõem a estrutura de
construção kantiana tencionou-se evidenciar a fragilidade das análises que
dicotomicamente consideram o racionalismo e o empirismo, individual ou
conjuntamente como suficientes para entendimento e compreensão do agir humano
e por conseqüência da ação organizacional.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
256
CAPÍTULO VIII
ESTÉTICA ENQUANTO DIMENSÃO
DA AÇÃO HUMANA
Não se encontra o que é correto com meios incorretos,
porquanto os meios determinam os fins.
A Arca
O presente capítulo expressa em três tópicos a articulação existente entre a
Estética e o cotidiano humano, destacando as características peculiares ao ato
humano e a atitude estética contida nesse ato. Por fim, reforça-se a noção da
presença da Estética na ação humana57, apontando, ao final, sua articulação com o
agir organizacional.
57
Para Aristóteles (1995), o termo genérico para ação era ergon (atividade), do qual derivou
energeia. Quando esta evidenciava coisas realizadas, o seu modo era poético (poiesis); quando
revelava “ações feitas”, o seu modo era prático (praxis). Aristóteles efetua uma rigorosa distinção
entre poiesis e praxis – a primeira dirige-se ao mundo de acordo com as regras da arte (techne),
enquanto a segunda dirige-se à vida da polis. A primeira é técnica, produzindo de acordo com
regras; a segunda é deliberativa e discursiva. Com Santo Tomás de Aquino a ação será explicada
em três etapas: a) da fonte de um ato na motivação ou intenção de um agente para; b) sua
produção ou manifestação, e terminada em; c) seus efeitos ou conseqüências. Como reflexo da
influência aristotélica e cristã, Kant (1993; 1998; 2002) vai afirmar que a ação significa a relação do
sujeito da causalidade com o seu efeito, descrevendo ainda a ação como “auto-revelação de
substância” através da “atividade e força”.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
257
8.1 O ESTÉTICO E O EXTRA-ESTÉTICO NA AÇÃO HUMANA
O que a presente tese busca evidenciar é a importância da Estética na vida
do indivíduo e de toda a sociedade, fazendo-se presente não apenas nas obras
artísticas, mas no cotidiano de escolhas do ser humano.
É essa natural presença da Estética no cotiano humano que o presente tópico
busca caracterizar de modo a permitir considerar a presença da Estética,
conjuntamente com a razão e a experiência, enquanto fontes do conhecimento
humano.
Cabe, de imediato, relembrar que as conseqüências da Estética alcançam
também pessoas que nenhuma relação direta têm com a arte. A Estética ocupa um
campo de ação muito mais amplo que a arte propriamente dita. Qualquer objeto e
qualquer ação - seja um processo natural ou uma atividade humana - podem chegar
a ser portadores da função estética58.
Quer se considerar a posição de que não há nenhum limite fixo entre o
estético e o extra-estético, não existem objetos nem processos que, por essência e
estrutura, e sem que se leve em linha de conta o tempo, o lugar e o critério com que
são avaliados, sejam portadores da estética, nem outros que, pela sua estrutura real,
hajam de considerar-se subtraídos ao seu alcance.
Como exemplos de coisas e ações que, aparentemente, são totalmente
incapazes de função59 estética Mukarovsky (1981) cita como exemplo, algumas
funções fisiológicas elementares, como a respiração ou algumas operações
58
59
Esta afirmação não pretende ser pan-esteticista, já que não se afirma a necessidade, mas tãosomente a possibilidade geral da função estética. Não se postula aqui a posição dirigente da
função estética entre as demais funções dos fenômenos dados para toda a esfera da função
estética, nem tão pouco se pretende confundir a função estética com outras funções, nem mesmo
conceber as outras funções como meras variantes da função estética (MUKAROVSKY, 1981).
Kant (2000) define função como a unidade da ação que consiste em ordenar diversas
representações sob uma representação comum. Função para Kant, segundo Galeffi (1986),
assume o significado do conceito que se baseia na espontaneidade do pensamento, assim como
as intuições sensíveis se baseiam na receptividade das impressões.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
258
intelectuais muito abstratas, assim como há exemplos de fenômenos que parecem,
graças à sua estrutura, predestinados para a ação estética, como os produtos da
criação artística. Tanto a arte, como a Estética ofereceram já suficientes provas de
que até coisas que, segundo a concepção tradicional, não seriam abrangidas pela
atribuição de valores estéticos podem ser convertidas em fatos de estética.
Desenhar uma máquina, a solução de um problema matemático ou a
organização de determinado grupo social, como coisas belas, é algo mais que uma
forma de expressão. Também se podem apresentar exemplos em contrário,
segundo os quais as obras de arte, portadoras privilegiadas da função estética,
podem ser privadas dela e destruídas como inúteis ou utilizadas sem se ter em conta
a sua finalidade estética.
Evidentemente que, tanto na arte, como fora dela, existem objetos que, pela
sua estrutura, estão predestinados para a ação estética; é essa, até, a característica
consubstancial da arte. Mas a aptidão inata para a estética não é uma propriedade
real do objeto mesmo que este tenha sido construído intencionalmente com vistas a
esta função, antes se manifesta apenas em determinadas circunstâncias, num
determinado contexto social: o fenômeno que foi portador privilegiado da função
estética em determinada época ou em determinado país pode perder esta função
noutra época ou noutro país.
Os limites da esfera estética não são, pois, determinados unicamente pela
própria realidade - e são muito variáveis. Isto é evidente especialmente quando
considerado do ponto de vista da avaliação subjetiva dos fenômenos.
Enquanto para algumas pessoas tudo adquire função estética, para outras a
função estética existe apenas em mínima medida, ora o limite que separa o estético
do extra-estético depende do grau de perceptibilidade estética, variando em cada
pessoa com a idade, com o estado de saúde e mesmo com o estado momentâneo
de espírito.
Mas quando se substitui o ponto de vista individual pelo ponto de vista do
contexto social verifica-se que, apesar de todos os matizes individuais e fugazes,
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
259
existe uma localização consideravelmente generalizada da função estética60 no
mundo dos objetos e dos processos.
O limite entre a esfera da função estética e os fenômenos extra-estéticos não
ficará, desta forma, totalmente determinado, visto que a presença da função estética
varia amplamente e poucas vezes é possível afirmar-se com segurança a ausência
total de resíduos estéticos, por mínimos que sejam. Será, todavia, possível averiguar
objetivamente - pelos sintomas - a participação da função estética, por exemplo, na
cultura do habitat, do vestuário etc.
Mas logo que se translada o critério, quer no tempo, quer no espaço, quer
mesmo apenas de uma formação social para outra (por exemplo, de um estrato para
outro, de uma geração para outra etc,), chega-se à conclusão que, ao mesmo
tempo, muda também a localização da função estética e a delimitação da sua esfera.
Assim, por exemplo, a função estética do ato de comer é evidentemente mais
forte na França que no nosso país; a função estética do vestuário é mais forte nas
mulheres que nos homens, e, no entanto essa diferença não se faz por vezes sentir
no meio rural, em relação aos trajes regionais.
A estética do vestuário diferencia-se também conforme as situações típicas
dos diversos contextos sociais: assim, a estética das roupas de trabalho é muito
fraca em comparação com a das roupas festivas.
Ao delimitar a esfera do estético e a esfera do extra-estético é, pois
necessário tomar em consideração que se não tratam de esferas separadas com
precisão e livres de interligações. Elas estão em permanente relação dinâmica, que
se pode caracterizar como uma antinomia dialética.
Não se pode investigar o estado ou a evolução da estética sem inquirir em
que medida ela se estende a toda a área da realidade, se os seus limites são
relativamente nítidos ou se se manifesta de igual modo em todos os estratos do
60
Para Mukarovsky (1981) a função estética é, muito mais que algo que flutua à superfície das coisas
e do mundo. Ela intervém de modo importante na vida da sociedade e do indivíduo, tomando parte na
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
260
contexto social ou se prevalece apenas em algumas camadas e em alguns meios tudo isto, naturalmente, considerado em relação a uma época e a um conjunto social
bem determinado. Dito de outro modo: para conhecer o estado e a evolução da
estética, não basta verificar onde e como ela se manifesta, é também preciso
verificar em que medida e em que circunstâncias ela está ausente ou apenas
atenuada.
Há, no entanto, um certo limite entre dois setores principais da multíplice
esfera estética, definida em conformidade com a importância da estética em relação
às demais funções: é o limite que existe entre a arte e os fenômenos estéticos extraartísticos.
A transição entre a arte e aquilo que está fora do seu âmbito é sempre
gradual e, às vezes, mesmo, quase insusceptível de verificação. Como exemplo a
arquitetura consiste numa série ininterrupta, que começa por produtos destituídos de
estética e vem terminar em obras de arte, sem às vezes se poder localizar o
momento em que a arte começa a manifestar-se.
É evidente que a transição entre a arte e a esfera do extra-artístico, e até
entre a arte e a esfera do extra-estético, é tão pouco nítida e de tão complicada
verificação que acaba por ser ilusório querer estabelecer uma delimitação exata.
Tem-se, portanto, de renunciar a todas as tentativas de estabelecimento de uma
fronteira entre arte e não arte, entre o estético e o extra-estético.
Apesar de tudo, tem-se a sensação muito clara de ser fundamental a
diferença entre a arte e a esfera daquilo que consiste em simples fenômenos
“estéticos”. Em que consiste tal diferença?
No fato de que, na arte, a estética é a função dominante, enquanto que, fora
dela, estando embora, presente, tem um papel secundário. Contra esta afirmação
poder-se-ia objetar que também na arte a estética fica, às vezes - por obra do autor
gestão da relação entre o indivíduo e a sociedade, por um lado, e a realidade em cujo centro ser
situam, por outro.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
261
ou por obra do público - intencionalmente subordinada a outra função, como, por
exemplo, se verifica na reivindicação do "tendencioso" em arte.
Mas essa objeção não vem provar nada: quando incluímos espontaneamente
uma obra na esfera da arte, a importância dada a outra função que não a estética
não é avaliada como coisa normal, mas como polêmica contra o consubstancial
objetivo da arte.
O predomínio de alguma função extra-estética é mesmo um fenômeno
freqüente na história da arte; mas o predomínio da função estética é sempre
percebido como caso básico, “não marcado”, enquanto que o de alguma outra
função é considerado “marcado”, isto é: como uma alteração do estado normal.
É necessário recordar aqui que o requisito de supremacia da estética só
alcança a sua plena importância quando se faz a diferenciação mútua das funções;
mas há também meios que desconhecem uma diferenciação conseqüente da esfera
funcional, como a sociedade medieval ou a sociedade antiga; é verdade que,
mesmo nesses casos, a subordinação e a superioridade das funções pode ir
sofrendo modificações, mas não até a ponto de alguma delas predominar total e
nitidamente sobre as outras.
A
esfera
do
estético
não
está,
pois,
separada
em
dois
setores
hermeticamente isolados um do outro: antes, no seu conjunto, é dominada por duas
forças contraditórias que ao mesmo tempo a organizam e desorganizam, quer dizer,
mantêm ininterrupto o processo da sua evolução. Assim, observando a arte por esta
óptica, a sua principal tarefa aparece-nos como renovação permanente da ampla
esfera dos fenômenos estéticos.
Do até então dito cabe considerar que, acerca da extensão e da ação da
estética, o estético não é uma característica real das coisas e não se relaciona
univocamente com nenhuma característica das coisas; a estética também não se
encontra completamente sob o domínio do indivíduo, embora, de um ponto de vista
puramente
subjetivo,
qualquer
coisa
possa
adquirir
uma
função
estética
independentemente do modo da sua criação; a estética é um assunto da
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
262
coletividade e a função estética é uma componente da relação da coletividade
humana com o mundo.
Por isso uma extensão da estética no mundo das coisas se relaciona com um
determinado conjunto social. A maneira como esse conjunto social concebe a função
estética predetermina finalmente, também, a criação objetiva das coisas a fim de
obter um efeito estético e uma atitude estética subjetiva perante elas.
Ao considerar a relação entre a esfera estética e a organização da vida do
conjunto social, tomando por base a sociologia do estético, podemos apontar, que
segundo a perspectiva da função estética, esta pode converter-se num fator de
diferenciação social nos casos em que uma coisa determinada (ou determinado ato)
tem uma função estética num meio social e não a tem noutro ou que tem em certo
meio social função estética menos acentuada que noutro.
A Estética, ao suprir a ausência de outras funções, converte-se às vezes num
fator de economia cultural, no sentido de conservar as criações e as instituições
humanas que perderam as suas funções originais, práticas, mantendo-as capazes
de, em tempos futuros, virem a ter novamente uma qualquer função prática.
A Estética é, pois, muito mais que algo que flutua na superfície das coisas e
do mundo - como por vezes se pensa. Ela intervém de modo importante na vida da
sociedade e do indivíduo, tomando parte na gestão da relação - não apenas passiva,
mas também ativa - entre o indivíduo e a sociedade, por um lado, com a realidade
em cujo centro se situam, por outro.
A Estética é um dos fatores mais importantes da atividade humana, qualquer
que seja a ação humana se faz acompanhada dela e qualquer coisa pode vir a ser
sua portadora. Tampouco se trata de mero epifenômeno, praticamente insignificante,
de outras funções, mas sim de um co-determinador do comportamento do homem
perante a realidade.
Fazendo parte do cotidiano humano, é natural considerar que a Estética,
também, faça parte do cotidiano organizacional e, portanto, deva ser considerada
base para a análise organizacional. Frente a tal premissa a existência de uma
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
263
dimensão estética não tem sido objeto de consideração, a presente tese busca
demonstrar tal necessidade e possibilidade.
Como ponto de partida, nessa direção, parte-se da noção de ação humana e
a presença da Estética nessa ação, seja de maneira consciente ou não, e que
associadas a Estética há outras dimensões inerentes ao agir humano.
8.2 A AÇÃO HUMANA E A ATITUDE ESTÉTICA
O homem, frente ao mundo que o rodeia, assume diversas atitudes61. Tais
atitudes não são as mesmas quando ele atua de modo prático sobre o mundo ou
quando procura conhecê-lo de um modo teórico ou científico ou, mesmo quando, por
exemplo, procura entendê-lo segundo uma perspectiva religiosa.
Cada uma destas atitudes, uma vez adaptadas pelo homem, apoderam-se
dele e de todas as capacidades que o orientam em determinada ação. Ou seja, cada
uma destas atitudes62 o encaminha para seu determinado objetivo - que, no entanto,
só de um modo muito geral é definido pela própria atitude e só se vai determinando
concretamente mediante uma concreta tarefa, a resolver no momento e dentro dos
limites de uma determinada atitude.
Surge assim uma diversidade considerável, que é evidente principalmente no
âmbito da atitude prática. Do ponto de vista prático, isto é, da conduta prática, o
esforço do artesão ao realizar a sua obra, o do comerciante ao vender a sua
mercadoria ou o do diplomata ao discutir os termos de um tratado político são
orientados da mesma maneira - existindo, como mostram os exemplos
mencionados, uma escala muito variada de recursos, instrumentos etc..
61
62
Kant (1991) expressa de modo claro, que a ação humana pode ser evidenciada em três grandes
atitudes: o prático, o teórico e o estético, ou ainda, o ato humano e o seu resultado tem, necessária
e substancialmente três funções: a função prática, a função teórica e a função estética.
Na Filosofia o termo atitude é amplamente utilizado para indicar, em geral, a orientação seletiva e
ativa do homem em face de uma situação ou de um problema qualquer.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
264
Para alcançar um objetivo é necessária uma atividade determinada e são
necessários determinados instrumentos. Acerca da atividade e dos instrumentos
mais convenientes para se alcançar um certo objetivo, dizemos que são capazes de
funcionar em relação a este objetivo, isto é, que são portadores de uma ou outra
função.
O instrumento de uma atividade é, por vezes, um objeto duradouro, que existe
mesmo quando não está desempenhando tal atividade. Mas, mesmo nessas
condições, o instrumento, adaptado a uma certa atividade, à consecução de um
certo objetivo, tem na sua estrutura os indícios dessa capacidade. A função aparece,
assim, não apenas como o modo casual do uso de uma coisa, mas também como
uma característica duradoura do seu portador.
Considere-se agora a Estética. Também ela tem a sua origem e o seu
fundamento numa das atitudes elementares que o homem adota perante a
realidade: a atitude estética. Quais são as características desta atitude? Como se
distingue ela das outras atitudes?
O sentido da nossa atividade consiste em mudar, de algum modo, a
realidade, intervindo nela - e só em relação ao resultado pretendido é que
organizamos a nossa atividade e escolhemos os nossos instrumentos. Ao fazer essa
escolha, avaliamos apenas aquelas características dos instrumentos que nos
convêm para obter o desejado resultado: as outras características são indiferentes e
nem sequer existem para nós.
Do mundo exterior, vemos e ouvimos apenas aquilo que os nossos sentidos
escolhem para orientar o nosso comportamento. Os nossos sentidos e a nossa
consciência oferecem uma imagem da realidade na sua simplificação prática. Isto
aplica-se à atitude prática63.
63
Sobre as funções delineadas a seguir ver Mukarovsky (1981).
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
265
Quanto à atitude teórica ou cognoscitiva64, ela resulta da aproximação da
realidade no propósito de a conhecer e surge apenas no aspecto particular que se
pretende apreender. Também desta vez o curso adotado para o objeto do
conhecimento não é um fim em si mesmo. Ao identificar algumas das suas
características com as das outras coisas, incluímo-la no âmbito de determinado
conceito - a coisa passa a fazer parte de um contexto geral.
Considera-se a seguir a atitude religiosa - ou melhor, uma denominação que
exprima toda a extensão do seu âmbito: mágico-religiosa. É um outro terreno,
diferente do das atitudes anteriormente analisadas, onde cada fato real que se
encontre ao alcance da atitude mágico-religiosa se converte, com o simples fato de
entrar neste terreno, num signo de tipo especial.
A atitude teórica também se distingue pelo fato de transformar a realidade
num signo, ou, dizendo melhor, num conceito; mas, neste caso, tal conversão não é
natural, não é previamente dada, exige um esforço de conhecimento.
Já na atitude mágico-religiosa os fatos reais não se convertem em signos: são
signos, de uma maneira substancial e, por isso mesmo, são capazes de atuar como
aquilo que representam (um amuleto etc.). São signos, símbolos.
Quanto à atitude estética os fatos que entram na sua esfera adquirem
também o caráter de signos. Considere-se um caso concreto, por exemplo, um
exercício ginástico. Quando o exercício é entendido na sua função prática
(fortalecimento do corpo, agilidade etc.), a atividade exercida é avaliada unicamente
em função dos resultados a serem obtidos: é avaliada apenas como meio de os
atingir. Mas, considerando que ao exercício é aplicado o critério estético, de resto,
pode mesmo ser predominante na apreciação do exercício.
Assim, a atividade exercida adquirirá imediatamente um valor intrínseco e a
nossa atenção será dirigida para todas as fases e todos os pormenores do exercício
e da sua execução. Como explicar esta mudança?
64
A finalidade da atividade cognoscitiva é a verificação das leis gerais da natureza. A atitude
cognoscitiva, tal como a atitude prática, tende, portanto a ir mais além da realidade que possuímos,
em dado momento, nas nossas mãos e à frente dos nossos olhos.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
266
Também aqui a realidade, que se encontra ao alcance da atitude estética, se
converte em signo65 - mas em signo de um tipo especial, diferente do signo mágicoreligioso. No caso deste, a atenção não era concentrada no signo, em si próprio,
mas naquilo que estava para além dele, naquilo que ele representava, isto é, na
força mágica ou na divindade.
No caso do signo estético, a atenção é dirigida, pelo contrário, sobre a própria
realidade que é convertida em signo: aparece aos nossos olhos toda a riqueza das
suas características e, por conseguinte, também toda a riqueza e toda a
complexidade do ato através do qual o observador percebe a realidade concreta em
questão.
A coisa que se converte em signo estético descobre aos olhos do homem, a
relação que existe entre ele e a realidade. Qualquer realidade pode ser percebida e
experimentada segundo o modo como o homem percebe e experimenta um dado
fato real, perante o qual adotou uma atitude estética.
Por isso mesmo é que o fenômeno em relação ao qual adotamos uma atitude
estética passa a ser um signo, uni signo sui generis: já que a característica do signo
é, precisamente, aludir a algo que está fora dele.
O signo estético alude a todas as realidades que o homem já viveu e pode vir
a viver, a todo o universo das coisas e dos processos. O modo como foi feito o
objeto envolvido na atitude estética, ou seja, o objeto convertido em portador da
função estética, indica uma determinada orientação na maneira de ver a realidade
em geral.
Por mais restrito que seja o setor da realidade que representa e até quando
não representa absolutamente nada - como é o caso da criação musical - é inerente
65
O signo é aqui entendido como qualquer objeto ou acontecimento, usado como menção de outro
objeto ou acontecimento. Para Kant as palavras e os signos visíveis (algébricos, numéricos, etc.)
como simples expressões dos conceitos, ou seja, como caracteres sensíveis que designam conceitos
e servem apenas como meios subjetivos de reprodução, e, por outro lado, os símbolos como
representações analógicas, infra-intelectuais dos objetos intuídos. Portanto, quem só sabe
expreessar-se de modo simbólico tem poucos conceitos intelectuaise, e aquilo que freqüentemente se
admira na vívida expressividade presente nos discursos dos selvagens não passa de pobreza de
idéias KANT (1989).
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
267
à obra artística, como signo estético, a possibilidade de aludir à realidade no seu
todo, exprimir e alcançar a relação do homem com todo o universo.
Mas não é só a arte que é portadora da função estética: qualquer fenômeno,
qualquer produto da atividade humana, se pode converter, para um indivíduo ou
para toda a sociedade, em signo estético.
Enumera-se as diversas atitudes e vimos que são quatro: a prática, a teórica,
a mágico-religiosa e a estética. São estas as atitudes fundamentais que,
diferenciando-se, misturando-se e combinando-se umas com as outras, dão origem
a outras atitudes.
A atitude prática e a atitude teórica referem-se à própria realidade, quer
transformando-a diretamente (atitude prática) quer preparando mais eficaz
possibilidade de nela intervir mediante o seu conhecimento (atitude teórica).
A atitude mágico-religiosa e a atitude estética transubstanciam a realidade em
signo sem a alterar. Estas duas atitudes e as respectivas funções encontram-se,
portanto, mais perto uma da outra que quaisquer uma das demais, e, por isso,
podem ser descritas sob a designação comum de funções de signo (semiológicas).
Percebe-se que entre as atitudes não há dicotomia, mas papéis e
contribuições que se traduzem no agir humano, ainda que caiba considerar que há
atividades
de
atitude
preponderantemente
prática,
outras
de
atitude
preponderantemente teórica e outras, finalmente, em que predomina a atitude
estética.
Mas a atitude estética e a função estética estão, em certo sentido, isoladas e
opostas às outras. Nenhuma das outras atitudes ou das outras funções se concentra
sobre o signo: todas elas dirigem a atenção para tudo o que o signo designa, o que
ele menciona.
Para a função prática, enquanto é utilizado, o signo é um mero instrumento de
outras atitudes mais complexas; para a função teórica (cognoscitiva), o signo (o
conceito e a palavra que o exprime) é ainda um meio de domínio da realidade. No
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O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
268
caso da função mágico-religiosa, o próprio peso não reside no símbolo, mas no
poder invisível por ele encarnado.
Só na função estética o peso principal está no próprio signo, naquela coisa
perceptível pelos sentidos cujo papel é significar, aludir a qualquer coisa. Só assim é
possível que o signo estético esteja, de certo modo, flutuando, desprendendo-se em
medida considerável do contacto direto com as coisas, os acontecimentos etc., que
representam e que signifiquem a relação global, não ligada a nenhuma realidade
concreta, do homem perante o universo.
A função estética vem a ser, desta maneira, um certo contrapeso, uma certa
antítese das outras funções. Para todas essas funções, as coisas de que elas se
apoderam, em vista dos seus objetivos, e que convertem em suas portadoras são
instrumentos válidos apenas enquanto convêm ao objetivo para cuja consecução
servem. Só no caso da função estética o portador da função representa um valor em
si próprio, graças ao modo como foi e é criado. A função prática é
incondicionalmente necessária à manutenção da vida humana.
A própria vida prática, a própria luta existencial do homem com a realidade
que o rodeia, viria a sofrer danos por causa desse empobrecimento. Se o homem
tem sempre de recomeçar a luta com a realidade, necessita de a abordar cada, vez
mais, segundo novo prisma, descobrindo nela os aspectos e as possibilidades até
então inaproveitadas.
Uma absoluta circunscrição à atitude prática66 levaria, provavelmente, à total
automatização, em que a atenção seria exclusivamente prestada a aspectos já
conquistados e já explorados.
Só a função estética é capaz de manter o homem na situação de estranho
perante o universo, de estranho que uma e outra vez descobre as regiões
desconhecidas com um Interesse nunca esgotado e vigilante, que toma sempre mais
uma vez consciência de si próprio projetando-se na realidade que o cerca; por sua
66
Cabe esclarecer que enquanto a função teórica pode ser objeto de unificação, a função prática
exige a pluralidade enquanto possibilidade.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
269
vez, tomando consciência da realidade circundante e medindo-a por si próprio.
O mesmo sucede com as outras atitudes e funções quanto as suas relações
com a atitude estética e com a função estética. Não há ato humano nem objeto
sobre os quais a função estética não possa projetar-se mesmo quando esses atos e
objetos se destinam a outras funções.
Poderia parecer que a esfera exclusiva e muito estritamente delimitada do
conhecimento põe de parte todo e qualquer elemento alheio. Mas o parentesco entre
a fantasia científica e a fantasia artística já foi salientado e cientificamente verificado,
mais de uma vez, pela psicologia da criação. Há uma infinidade de fatos que fazem
refulgir a presença de elementos estéticos no processo da criação científica.
Mas também o resultado do trabalho científico, a solução científica, mostra,
por vezes, vestígios da função estética: uma solução simples e bem proporcionada
para um problema matemático que pode produzir, juntamente com o valor
cognoscitivo, uma impressão satisfatória também no aspecto estético.
Em algumas ciências, a função estética chega a fazer parte do próprio
procedimento científico: como se sabe, tem sido muitas vezes defendida a tese
segundo a qual a história se encontra no limite que separa a arte da ciência.
A relação entre a função estética e a função mágico-religiosa, devido à
proximidade entre estas duas funções – ambas convertidas à realidade
imediatamente no momento em que se apoderam dela num signo –, é
especialmente estreita.
Assim, sucede que mesmo que se crie, às vezes, entre as duas funções, uma
situação de concorrência, a função estética tenta substituir a função religiosa e, daí,
surgem as agudas reações contra a arte na igreja.
Mas, mesmo quando a arte continua a defender o seu objetivo primordial, o
efeito estético, nem por isso ela se exclui do contexto da vida. Há períodos em que
este põe em evidência o isolamento da arte em relação à vida cotidiana.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
270
Entre a arte e a vida prática existe uma tensão permanente e até uma
polêmica que nunca terá fim. É precisamente essa tensão que faz da arte um
fermento sempre vivo da vida humana.
Vimos, portanto, que o estético, a atitude estética e a função estética
penetram incessantemente na vida; não há, no contexto desta, lugar que não possa
estar impregnado pela função estética, O estético não é, então, uma espécie de
espuma, uma mera decoração da vida, mas um componente importante de todos os
seus processos.
Aqui se buscou delimitar uma base sobre a qual a estética, a ciência da
atitude e da função estética possa ser aplicada à vida. Por isso, precisamente
porque o estético se manifesta de tão amplo modo e tão diversificadamente é que
necessita do apoio de uma teoria.
Já se afirmou que a estética de hoje não é uma ciência normativa, que
pretenda decidir o que é belo e o que é feio, o que é de bom gosto e o que é de mau
gosto, o que é esteticamente conveniente e o que não é.
Acrescente-se a isso que a estética atual, julgando sem preconceitos os
assuntos do seu foro, chegou mesmo à conclusão de ser, nas áreas do chamado
mau gosto, ou do gosto não instruído – por vezes apenas aparentemente inculto –,
que muitas vezes têm raízes às manifestações estéticas magistrais.
Condicionada pela história, a estética dá-se conta de que os limites entre o
bom e o mau gosto são por vezes ditados unicamente pelas convenções da época:
a arte popular, levada a um auge pelo romantismo, e que veio a ser, a partir de
então, um elemento fecundante da criação artística, era, antes do romantismo,
considerada como qualquer coisa de selvagem, absolutamente indigno de séria
atenção.
Todavia, convém destacar também um aspecto positivo: o conhecimento não
antecipa a evolução e não pretende julgar; contenta-se com o seu próprio papel, que
consiste precisamente em ser conhecimento, em ser uma luta pelo domínio teórico
da realidade.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
271
Mas
ao
mesmo
tempo,
ainda
que
involuntariamente,
ele
intervém
continuamente na prática. Mencionemos, por exemplo, os esforços por uma cultura
estética que, cada vez mais, insistentemente, se manifestam numa época que tende
a uma base social o mais ampla possível para todas as aspirações culturais: a
cultura da língua, da habitação, da percepção artística etc..
Como qualquer educação, também esta necessita das suas bases teóricas
sólidas. É inútil explicar a uma pessoa que deve interessar-se pela expressão
elegante sem lhe possibilitar familiarização com a construção fina e complexa da
língua e sem a instruí-la sobre a maneira como a função estética se imprime nos
diversos componentes e sobre a forma como esta função estética aumenta não
apenas a perfeição estética, mas ainda a utilidade prática da manifestação
lingüística.
Quando a estética se baseava no conceito de beleza, esta era entendida
como algo que existia acima das coisas, independentemente delas e por elas
realizado de modo muito imperfeito. A beleza assim concebida, na sua perfeição,
reside no transcendental67; segundo Platão (1983), reside no mundo das idéias.
Segundo Bosanquet (1957) esta concepção metafísica da beleza recebeu o
primeiro golpe quando, na primeira metade do século passado, a estética
psicológica - que, em parte, foi mesmo experimental - procurou encontrar a essência
e as normas da beleza na natureza humana, baseando-se na premissa segundo a
qual todas as pessoas tinham de gostar das mesmas coisas precisamente porque
eram pessoas; porque a sua vista, o seu ouvido etc., tinham a mesma constituição.
As palavras “atitude” e “sentimento” sublinham que o estético está,
diferentemente da concepção metafísica da beleza, totalmente enraizado no
homem. Não flutua acima das coisas, mas está contido na atitude que o homem
adota perante as coisas que observa ou cria.
67
Kant (1989) chama de filosofia transcendental os esforços em estudar a inerente estrutura da
mente e as inatas leis do pensamento, posto que transcende a experiência sensorial, haja vista,
que não se ocupa tanto do conhecimento dos objetos, mas sim dos conceitos a priori de objetos,
dos nossos modos de correlacionar nossa experiência com conhecimento.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
272
Cada ato humano tem três aspectos: o prático, o teórico e o estético, isto é,
cada ato humano e o seu resultado têm, necessária e substancialmente, três
funções: a função prática, a teórica e a estética.
A função prática é fundamental, nela se baseia o comportamento humano,
que faz possível a vida humana; e a sua importância consiste na relação entre o
sujeito atuante e as coisas.
A vontade do sujeito, projetada no mundo das coisas, é o objetivo do
comportamento; e a coisa é um mero recurso, um instrumento para se alcançar o
objetivo. Por isso, do ponto de vista da atitude prática, só percebemos aquelas
características das coisas que podem ser aplicadas com proveito ao esforço de
alcançar os objetivos em vista.
Frente à atitude prática pode-se considerar que do mundo exterior, vemos e
ouvimos apenas aquilo que os nossos sentidos escolhem para orientar o nosso
comportamento; de nós mesmos também só conhecemos aquilo que faz parte do
nosso comportamento. Os nossos sentidos e a nossa consciência dão-nos uma
imagem da realidade na sua simplificação prática.
Mas, também, o segundo dos três elementos, o teórico, simplifica a realidade.
Embora tenda, ao contrário da atitude prática, à mais radical exclusão do sujeito (e
daqui a objetividade do ato científico ou cognoscitivo), o que ele põe em evidência
não são as diversas coisas em si próprias, mas sim as relações mútuas que existem
entre elas.
O objetivo último do conhecimento científico é uma lei (por exemplo, uma lei
da natureza) que exprima a validade mais geral e incondicional possível de
determinada relação sem ter em conta as características concretas das coisas que
entram nessa relação, considerando apenas aquela característica que tem
importância para a relação dada.
Mas a realidade de uma coisa é dada somente pelo conjunto infinitamente
variado das suas características, no entanto, esse conjunto está fora do campo de
visão do investigador. O cume da precisão é alcançado, pelo conhecimento
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
273
científico, nas matemáticas, que prescindem totalmente da qualidade das coisas e
toma em consideração apenas a sua quantidade. A atitude teórica simplifica, pois, a
visão da realidade em certo sentido ainda mais radicalmente que a atitude prática.
A terceira atitude fundamental é a atitude estética e só ela considera a própria
68
coisa
como particularidade, como conjunto de características de variedade
inesgotável. A coisa não é concebida nem como recurso para alcançar um objetivo
nem como mera base de certas relações, mas como um fim em si própria. Por isso
se fala de “autofinalidade” no campo estético.
Pelas mesmas razões, o estético costuma ser proclamado como algo de
supérfluo, como um luxo que nada tem a ver com os interesses elementares da vida
do homem. Já anteriormente dissemos que a atitude estética - tal como as outras
duas - está presente de modo manifesto ou, pelo menos, potencial, em todos os atos
humanos, em todos os atos de percepção ou de criação.
Do ato de criação até se pode dizer que, quanto menos esperado é o seu
resultado, tanto mais indispensável é a participação na criação - como, por exemplo,
a criação técnica. Da atitude prática já dissemos que simplifica as coisas, tomando
em linha de conta apenas aquelas características aproveitáveis para o fim em vista.
Mas, quando é preciso alcançar um objetivo, novo, sem precedentes - e nisso
consiste a essência da criação prática -, há que se aproveitar novos aspectos da
realidade até aí omitidos.
Esses aspectos só podem ser descobertos pela atitude estética. Também
poderíamos provar a presença necessária da atitude estética na criação teórica,
científica. Mesmo as atividades práticas ou teóricas que não podem ser designadas
como de criação, mas, antes, como repetitivas do hábito, mostram, por vezes, traços
evidentes da presença do estético. Graças a sua onipresença, o estético é, portanto,
um fator poderoso de alcance vital.
68
Filosoficamente designa qualquer objeto ou termo, real ou irreal, mental ou físico, decorrente de
um ato de pensamento ou de conhecimento, de imaginação ou de vontade, de construção ou de
destruição. Segundo Kant (1991), a coisa em si, designa aquilo que existe independentemente do
espírito e do conhecimento que ele tem dela, sendo em si mesma incognoscível.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
274
Tendo-se dado conta da amplitude da esfera estética, a estética atual
considera que o seu papel consiste em verificar todos os aspectos e disfarces do
estético e em investigar a dinâmica das suas relações com a atitude prática e a
atitude teórica. Isto representa uma grande ampliação da esfera dos seus interesses
e significa a integração direta da estética no ciclo vital: perante os seus olhos
perpassam a moda, a educação física, as formas das relações sociais, a produção
industrial artesanal, a ciência, a filosofia e a religião.
Em todos esses setores, e em muitos outros, o estético manifesta-se como
uma das forças motrizes fundamentais, embora por vezes cultas. Se este esforço
pela ampliação do interesse cognitivo se pode chamar luta, então é uma luta
entusiástica e motivo de satisfação ver a ciência como uma grande casa cheia de
movimento e não como um difícil pronto, abandonado e em processo de
envelhecimento.
A esfera de atividades e de criações cuja função é preponderantemente
estética chama-se arte - e, naturalmente, a arte pertence também à esfera de
interesses da estética. Não pode ser desenvolvida aqui toda a complexa
problemática da arte tal como a vê a estética atual; mas temos, ao menos, de
assinalar que a estética dos nossos dias aborda, antes de tudo, a obra artística
como coisa destinada a provocar uma atitude estética, não tendo em conta aquilo
que rodeia essa obra.
Assim, o conhecimento da obra não se baseia num estado de espírito, difícil
de captar, do qual nasceu a obra ou ao qual ela se refere, mas sim na construção
objetiva dela, construção destinada a provocar a atitude estética em todas as
pessoas que sejam capazes de compreender a obra de arte precisamente como
criação artística.
A criação intencional de uma obra é vista pela estética atual como terna
combinação de forças mediante as quais a obra atua sobre o homem; como uma
estrutura em que cada característica real da obra, como coisa, adquire um caráter de
energia, entrando em tensão recíproca com as outras características; há tensão
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
275
recíproca entre as cores de um quadro, entre uma mancha de cor e a linha que a
delimita, entre a cor e a superfície em que ela está aplicada.
Nenhuma característica fica excluída deste jogo, embora algumas delas se
manifestem de uma forma mais passiva e outras de uma forma mais ativa. Mas esta
passividade ou atividade dos diversos componentes alterna com o decorrer da
evolução, de modo que ora é a cor a dominar a linha (delimitando, ela própria, o
contorno) ou é a linha a dominar a cor, ora, enfim, a cor se transforma em linha
criando um contorno colorido etc.
8.3 A FUNÇÃO ESTÉTICA ENQUANTO DIMENSÃO DA AÇÃO
HUMANA
A posição da função estética entre as demais funções e a sua situação na
estrutura geral constitui, de fato, problema do estético fora da arte. E, quando
consideramos o estético segundo a perspectiva da arte, a posição da função estética
não implica problema nenhum: neste caso, a função estética tende sempre a
predominar.
Mas, quando saímos da esfera da arte, começam as dificuldades: por um
lado, temos de fazer frente à tentação de considerar a função estética como
qualquer coisa de secundário, que pode existir, mas, não é indispensável; por outro,
a função estética, fora da arte, impõe tanto a nossa atenção, surgindo nas mais
diversas manifestações da vida e mostrando-se como componente indispensável,
por exemplo, do habitat, do vestir, das relações sociais etc., que é necessário refletir
sobre o seu papel na organização geraI do mundo.
Consultando a história da estética, verifica-se que, muito antes de meditar
sobre o estético na arte, a filosofia começou a meditar sobre a beleza, quer dizer,
sobre o estético como princípio metafísico, como fator da ordem universal.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
276
Para Platão (1983), o estético fora da arte e o estético na arte são duas
coisas a tal ponto separadas que o estético fora da arte é considerado como um dos
três princípios supremos da ordem do mundo, enquanto a arte é quase expulsa do
Estado ideal ou, pelo menos, submetida a um controle quase policial segundo o
ponto de vista da utilidade que apresenta para a ordem estatal.
Na época moderna, em que o estético na arte é já uma componente básica
como tal reconhecida, o problema do estético fora da arte continua a ter a sua
importância metafísica.
Com a decadência do pensamento metafísico, a questão da beleza natural
degenera, convertendo-se em problema secundário que por vezes se pretende
resolver subordinando a beleza natural à beleza artística. Mas a questão do estético
fora da arte não desaparece, antes, adquire, no momento presente, nova atualidade.
Para isto contribui, principalmente, a recente evolução da arte, com as
respectivas consequências. No entanto, a vida exterior à arte vai estetizando-se
intensamente. Como exemplos, temos a publicidade comercial de todos os tipos; o
habitat e a estetização da cultura física.
No seu aspecto metafísico, esta questão não é hoje em dia candente, não se
trata da existência ou inexistência de uma beleza independente do homem e,
portanto, a-histórica no conjunto do universo, mas sim, da maneira por que o estético
se manifesta na atividade humana e nas criações do homem.
Observemos bem a mudança produzida: não se trata hoje de investigar se o
estético está agarrado às coisas, mas de averiguar até que ponto tem raízes na
própria natureza humana; também não se trata do estético como característica
estática
das
coisas,
mas
do
estético
como
componente
energético
do
comportamento do homem.
Tão pouco se trata da relação entre o estético e os demais princípios
metafísicos, como a verdade e o bem, porém da sua relação com outros fins e as
outras motivações da conduta e da criação do homem.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
277
Tudo isto significa também uma mudança considerável tanto aos métodos
como ao material da reflexão. O conceito de beleza é substituído, como axioma
metodológico básico, pelo conceito de função; em vez dos fenômenos naturais,
aparecem, como material, os atos de que se compõe a conduta humana e os seus
resultados – as criações do homem.
Entre a natureza e a criação do homem, mas, muito particularmente entre a
natureza e a arte, existe uma linha divisória muito firme, quase intransponível (a não
ser em casos excepcionais): por isso, enquanto o problema do estético fora da arte
era concebido sub espécie pela beleza natural, podia parecer que tínhamos dois
mundos isolados. E, para que entre esses dois mundos pudesse haver ligações era
preciso subordinar um deles ao outro: ou a arte à natureza, como fez, por exemplo,
Platão, ou, ao contrário, a natureza à arte - do que há já indícios no neoplatonismo.
Mas, ao considerar o estético fora da arte, através da ótica das funções, a
solução transforma-se totalmente. Ao passo que, no caso precedente, as duas
esferas estavam separadas por um abismo que tínhamos de transpor.
Agora a relação mútua entre o estético fora da arte e o estético na arte é uma
relação tão estreita que ambas as esferas se confundem e a dificuldade está mais
em distingui-las que em encontrar pontos comuns a uma e outra. Já não
consideramos a relação entre natureza e arte, mas as relações mútuas entre os
vários gêneros ou aspectos da mesma atividade.
Não
se
encontra
uma
esfera
em
que
a
função
estética
esteja
fundamentalmente ausente; ela está sempre presente em potência e pode aparecer
em qualquer momento. Isto quer dizer que a função estética não pode ser delimitada
nem, tão pouco, se pode afirmar que algumas esferas da atividade humana
carecem, por principio, dela ou que outras, por princípio, a possuem.
Existem, também, formações culturais nas quais as funções - e entre estas,
bem entendida, também, a função estética - quase não se distinguem umas das
outras, manifestando-se em cada ato como conjunto compacto, apenas variável nos
aspectos que toma.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
278
Não há setores da atividade humana que estejam irrevogáveis e
fundamentalmente reservados a esta ou àquela função: em qualquer momento pode
surgir qualquer função, e não só aquela que o sujeito atuante atribui ao seu ato ou
criação; em geral, num ato ou criação, estão presentes, não apenas em potência,
mas de fato, várias funções; e entre elas podem estar também aquelas em que o
sujeito atuante ou o autor não tinha pensado ou que nem sequer desejava.
Nenhuma esfera da atividade humana se limita a uma única função: há
sempre várias delas, com tensões, disputas e pontos de equilíbrio recíprocos; e,
tratando-se de uma criação duradoura, as suas funções podem variar no decurso do
tempo.
A função é o modo de auto-realização do sujeito perante o mundo exterior.
Diz-se “auto-realização do sujeito”, e, não, “ação sobre a realidade”, porque nem
todas as funções hão de tender à transformação imediata da realidade.
A verificação da auto-realização do homem perante a realidade pode efetuarse segundo um de dois caminhos, sem alternativa - isto é, a verificação da distinção
fundamental ser aquela que divide as funções em imediatas e de signo
(semiológicas). Aplicando esta duplicidade ao grupo de funções imediatas, aparece
outra divisão em subgrupos de auto-realização prática e teórica.
Tratando-se de funções práticas, é o objeto que vem a primeiro plano, pois
que a auto-realização do sujeito se efetua transformando o objeto, a realidade.
Tratando-se da função teórica, porém, é o sujeito que vem em primeiro plano, pois,
então, o objetivo geral e final é a projeção da realidade na consciência do sujeito,
numa imagem unificada em conformidade com a unicidade deste (entenda-se o
sujeito supra-individual, universal) e, de acordo com a constituição básica da
atenção humana, capaz de concentrar-se num único ponto: a realidade em si, o
objeto da função, fica intacta no caso da função teórica.
Quanto às funções de signo (semiológicas) estas funções se subdividem
quando lhes é aplicada a duplicidade de orientação objeto-sujeito. A função que traz
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
279
o objeto a primeiro plano é a função simbólica. A atenção é concentrada na eficácia
da relação entre a coisa simbolizada - o signo simbólico.
Os signos são um instrumento que serve para exprimir o sentimento - o que
significa que as funções emocionais pertencem à esfera das funções práticas. O
signo estético não serve, não é um instrumento, mas - tal como o signo simbólico pertence ao objeto e é de fato o único objeto claramente visível que representa o
objetivo final, quer quando foi configurado antes de ser englobado na função estética
quer quando foi criado diretamente por ela69.
A realidade, refletida no seu conjunto, é unificada no signo estético segundo a
imagem da unicidade do sujeito. Unificando, assim, a realidade, a função estética70
recorda a função teórica, distinguindo-se dela, todavia, pelo fato de esta se esforçar
por conseguir uma imagem global e unificadora da realidade, enquanto que aquela
procura uma atitude unificadora perante a realidade.
O signo estético manifesta a sua independência de tal forma que alude
sempre à realidade em conjunto e nunca a um setor particular. A sua validez não
pode, portanto, ser limitada por outro signo; só podemos aceitá-lo ou rejeitá-lo em
bloco. Pelo contrário, o signo utilizado pela função teórica (o conceito) representa
sempre apenas um determinado setor ou um aspecto parcial da realidade; e, ao lado
dele, existem sempre outros signos (conceitos) que limitam sua validade.
A tipologia das funções pode, então, ser vista sob a ótica de dois grupos
funções imediatas e funções de signo, cada um dos quais se subdivide: o das
funções imediatas divide-se em funções práticas e funções teóricas. E o das funções
de signo dividem-se em função simbólica e função estética.
69
70
Enquanto o signo for percebido como signo estético, não poderá servir para exprimir a emoção. A
“subjetividade” do signo estético em oposição à “objetividade” do signo simbólico consiste noutra
coisa: o signo estético não atua sobre nenhuma realidade particular, como sucede com o signo
simbólico, mas reflete a realidade no seu conjunto (daí provém a chamada “tipicidade” da obra
artística, conceito que só quer dizer que a obra de arte, o signo estético mais puro, mostra,
servindo-se de uma particularidade, todas as outras particularidades e o seu conjunto — a
realidade).
Para a função estética, a realidade não é um objeto imediato, mas mediato; na verdade, objeto
imediato (quer dizer, absolutamente instrumental) é, para a função estética, o signo estético, que
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
280
Nesta formulação, chama-nos a atenção o fato de, no caso das funções
práticas, se utilizar o plural, enquanto que, nos outros três casos – função teórica,
função simbólica e função estética – se utilizar o singular.
Kant (1991) expressa que a ação humana pode ser evidenciada em três
grandes atitudes: a prática, a teórica e a estética; ou ainda, que o ato humano e o
seu resultado têm, necessária e substancialmente, três funções: a prática, a teórica
e a estética.
Por sua vez, a noção de função em Kant, segundo Galeffi (1986), assume o
significado dos conceitos que se baseiam na espontaneidade do pensamento, assim
como as intuições sensíveis se baseiam na receptividade das impressões.
Nas outras funções não há matizes tão diferenciados; seria difícil distinguir
várias funções teóricas ou várias funções estéticas. O motivo pelo qual a função
prática se encontra tão abundantemente diversificada é evidente: entre todas as
funções, é esta que mais próxima se encontra da realidade. Ao contrário das
funções de signo, ela orienta-se diretamente para a realidade, ao contrário da função
teórica esforça-se por incidir na realidade e por transformá-la.
Por isso mesmo se reflete na função prática a abundante diversificação da
realidade e os seus matizes correspondem às diferentes classes e gêneros de
realidade com que ela entra em contato.
Esta diversificação é dada também pelo fato de a função prática assegurar as
condições elementares da existência do homem: por isso a função prática é até
certo ponto uma função por excelência, função não marcada; as outras funções
agrupam-se em redor dela, sempre, sem se subordinar, mas entrando em estreita
relação com ela; alguns dos matizes da função prática aparecem quando ela se
mistura com outra.
Outra observação a fazer quanto à tipologia das funções é a seguinte: a
tipologia
apresentada
foi
construída
de
um
ponto
de
vista
puramente
projeta a posição do sujeito, realizada pela construção do signo, na realidade, como sua lei geral,
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
281
fenomenológico e nada tem a ver com as questões de gênese; mas não contradiz,
até concorda, com o fato de o estado originário se caracterizar pela homogeneidade
das funções e com o da diferenciação das funções ser característica apenas de
períodos evolutivos muito avançados.
Quanto à gênese das funções, ao apontar uma tipologia, apenas assinala o
fato de nenhuma das funções poder ser reduzida à outra: por exemplo, não
podemos supor que a função teórica surgiu da função prática, como por vezes se
pensa que os mesmos laços a ligam também à função simbólica (caráter simbólico
de toda a sabedoria primitiva, a cosmogenia mitológica como ciência primitiva), mas
também não pode ser deduzida dela.
Ainda podemos fazer outra observação: ao tratar das funções “de signo”,
mencionamos a função simbólica e a função estética, excluindo da esfera destas
funções os signos utilizados como instrumentos pela função prática e pela função
teórica.
A razão deste aparente desdobramento do mundo dos signos é o fato de
haver nos signos simbólicos e estéticos o caráter de objeto, enquanto que os signos
da função prática ou da função teórica têm o caráter de instrumentos. Apesar de
tudo isto, o desdobramento do mundo dos signos é apenas aparente: as
características que unem todos os signos, independentemente das diferenças entre
as funções, são demasiado fundamentais para ser possível um desdobramento real.
Tampouco deve ser esquecido que, nos períodos de homogeneidade ou de
pequena diferença entre as funções, também os signos eram visivelmente
multifuncionais, de modo que, por exemplo, o signo prático era, ao mesmo tempo,
um símbolo.
São dadas, em parte, já pelo plano horizontal da nossa tipologia: as
características que unem os membros do par de funções imediatas (a função prática
e a função teórica) e as que unem os membros do par de funções de signo (a função
simbólica e a função estética).
sem perder por isso a sua independência.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
282
Também dissemos que, através das diferenças que existem entre ambos os
grupos, algumas funções podem misturar-se graças a certos traços comuns: assim,
a função prática se relaciona com a função simbólica e a função teórica se relaciona
com a função estética.
Falta ainda saber se podem, também, justificar as outras duas associações, a
da função prática com a função estética e a da função teórica com a função
simbólica. Entre os membros destes dois pares há também mitos vínculos reais. A
função prática associa-se, até se mistura, muitas vezes, com a função estética,
assim como a função teórica com a simbólica.
Do ponto de vista fenomenológico, porém, membros destes dois pares nada
têm de comum: a função prática conduz a ação direta sobre a realidade, ao passo
que os atos e as coisas dominadas pela função estética têm em si próprios; a função
teórica priva de toda a iniciativa os signos que utiliza, convertendo-os em termos
fixos ou mesmo em sinais, enquanto que o signo simbólico é a própria iniciativa,
sendo assim, não apenas objeto, mas objeto atuante.
O fato de que as respectivas funções, a função prática e a função estética,
por um lado, e a função simbólica e a função teórica, por outro, se encontram
mutuamente unidas precisamente por causa dos seus caracteres opostos, prova-se,
por exemplo, a relação entre a função estética e a função prática.
Sempre que a função prática retrocede, um só passo que seja, imediatamente
por trás dela aparece, como sua negação, a função estética; muitas vezes, estas
duas funções entram em conflito uma com a outra, lutando pelo domínio de uma
coisa ou de um ato. Entre todas as funções fundamentais há, portanto, relações
recíprocas e o plano horizontal da sua tipologia são constituídos pela rede destas
relações.
Ressalta-se que a noção de função aqui utilizada assume uma perspectiva
fenomenológica, enquanto modo de auto-realização do sujeito perante o mundo
exterior. É também considerada a noção adotada por Kant que vê a função
enquanto conceito que se baseia na espontaneidade do pensamento (GALEFFI,
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
283
1986).
Também se pode evidenciar a presença necessária da atitude estética na
criação teórica ou científica, sendo que, mesmo as atividades práticas, que não
podem ser designadas como de criação, mas antes, como repetitivas do hábito,
mostram, por vezes, traços evidentes da presença do estético. Dada a sua
onipresença, o estético é, portanto, um fator poderoso de alcance vital.
A Estética atual tem como papel preponderante verificar todos os aspectos e
disfarces do estético e investigar a dinâmica das suas relações com a atitude prática
e a atitude teórica.
Neste sentido, representa-se uma grande ampliação da esfera dos seus
interesses, que significa a integração direta da estética no ciclo vital, pois perante
seus olhos perpassam a moda, a educação física, as formas das relações sociais, a
produção industrial e artesanal, a ciência, a filosofia e a religião. Em todos esses
setores, e em muitos outros, o estético manifesta-se como uma das forças motrizes
fundamentais, embora, por vezes, ocultas.
O presente capítulo procurou efetuar a articulação entre o viver e agir humano
considerando as diferentes atitudes e funções humanas, nela destacando a função e
atitude estéticas, sempre enfatizando sua articulação e harmonia com as demais
funções – mágico-religiosa; teórica; prática – de maneira a evidenciar uma lacuna
presente nos estudos organizacionais, dita e ora reafirmada neste capítulo por
prescindir das funções estética e mágico-religiosa.
A compreensão da ação humana nas organizações fica evidenciada, à
medida que, compreender melhor o homem e seu viver, ou seja, o sentido de sua
existência, possibilita naturalmente, melhor compreensão do agir no cotidiano das
organizações, afinal o agir organizacional é conseqüência do agir humano.
Os
estudos
organizacionais
têm
enfatizado
a
ação
organizacional
desvinculado-a do agir e da escolha humana, portanto, apontando para um ideal que
causa frustração e incongruência por desvincular a organização do humano,
reificando a organização como uma instância social dotada de vontade própria, uma
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
284
entidade, uma personalidade, quando não passa de uma personificação, fruto das
escolhas de poucos.
O que tem sido feito nesse propósito de aproximação entre o humano e a
organização, onde a segunda é conseqüência da primeira, e sua articulação com a
Estética será objeto da terceira parte.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
285
PARTE III
ESTÉTICA E
ORGANIZAÇÕES
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
286
CAPÍTULO IX
ESTÉTICA NOS ESTUDOS
ORGANIZACIONAIS
Nossos atos embasam-se nos nossos pensamentos,
esses que se refletem nos nossos sentimentos e estes nossas experiências.
A Arca
Após pontuar os marcos filosóficos e históricos da Estética, o que, de modo
algum, esgota os autores referenciados, nem mesmo o desenvolvimento histórico da
Estética, mas que se mostrou essencial a defesa da presente tese, na medida em
que a riqueza e significação da Estética no cotidiano humano é primordial, não
sendo à toa a atenção dispensada por diferentes autores ao longo dos séculos.
Maior atenção foi dada à contribuição de Kant (1993; 1989; 1988; 1974; 2002)
para o desenvolvimento da Estética, por se identificar, nas obras kantianas, além de
um novo marco para a Estética – reconhecida na Filosofia –, a busca em articular o
conhecimento estético, o conhecimento teórico e o conhecimento empírico,
perspectivas
exploradas
na
segunda
e
na
primeira
parte
desta
tese,
respectivamente.
Nesta terceira parte busca-se efetuar a aproximação entre a filosofia e a
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
287
Estética, bem como a aproximação entre a filosofia e a análise organizacional, e,
para tanto, é apontada a presença e contribuição da Estética, assim como, as bases
para articulação com as organizações.
Se na primeira parte buscou-se apontar os fundamentos norteadores dos
estudos organizacionais, apontando a desconsideração da dimensão estética em
tais estudos, na segunda parte resgatou-se a construção e desenvolvimento da
Estética enquanto campo de conhecimento filosófico, presente e inerente ao viver
humano, se fazendo presente em diferentes autores que apontam a presença e
importância da Estética no cotidiano humano.
Já nesta terceira parte busca-se considerar as duas partes anteriores onde
são evidenciadas, tanto a limitação e impasse dos estudos organizacionais, como a
importãncia e contribuição da Estética, formulando nesta parte a necessidade e
possibilidade de considerar a Estética para melhor compreensão da ação
organizacional.
Para apontar e estabelecer as possibilidades de articulação entre a Estética e
os estudos organizacionais são construídos dois capítulos que versam sobre a
Estética e os estudos organizacionais e, sobre a articulação entre a Estética e a
gestão organizacional.
Quanto ao presente capítulo busca-se resgatar, destacar e refletir acerca da
presença
da
Estética
nos
estudos
organizacionais,
suas
motivações,
os
direcionamentos das pesquisas e as principais contribuições até então realizadas. O
propósito do capítulo é identificar e analisar como e em que medida a Estética tem
sido considerada enquanto elemento e possibilidade para análise e interpretação do
cotidiano das organizações.
A ênfase no aspecto racional tem proporcionado o desenvolvimento de
profissionais para a área de administração, com uma alta capacidade analítica que,
entretanto, não têm se mostrado suficientemente capacitados, para fazerem face ao
novo patamar organizacional que se vivencia no final deste século.
No
contexto
organizacional
contemporâneo
os
estudos
convergem
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
288
majoritariamente para elementos mensuráveis, objetivos, que por si só, não se
mostram suficientes, pois, ao se concentrar nas técnicas e aspectos lógicos, não se
consegue dar conta das necessidades e transformações inerentes ao processo de
interação humana e organizacional.
Mintzberg (1987) comenta acerca do trabalho gerencial, apontando a visão
que tem os dirigentes sobre as suas funções, as quais consideram eminentemente
de caráter decisório e, portanto, deveriam ser mais racionais e solucionadores de
problemas, sendo que, no contexto organizacional, sentem-se frustrados, pois, dada
a fragmentação do processo decisório, tal papel pode até ser considerado ideal;
entretanto, está e estará muito distante do real.
Motta (1991), ao discorrer sobre a formação gerencial, destaca que, além da
dimensão formal e previsível do processo decisório organizacional, é fundamental
aos dirigentes a familiarização com as dimensões do informal, do improvável e do
imprevisto que se passa no meio organizacional.
Refere-se então ao uso do senso comum, da simplicidade e do juízo das
pessoas, através do uso ativo dos instintos e percepções individuais; fazendo
referência as escolhas intuitivas, aquelas que não se baseiam ou mesmo
contradizem a lógica dos fatos explicitamente conhecidos e sistematizados. A
intuição71 é vista como um impulso para a ação em que não se faz uso do raciocínio
lógico.
Simplicidade, intuição, sensibilidade, percepção, entre outros termos,
passaram a ser considerados fatores fundamentais para o sucesso organizacional,
definidos especialmente pelos consultores organizacionais, a exemplo de PETERS &
WATERMAN (1983); PETERS & AUSTIN (1985).
Tais consultores consideram ser necessário partir da premissa de que
existem fatos, ocorrências, que não se enquadram nas regras, diretrizes e esquemas
71
Intuição enquanto forma de contato direto ou imediato da mente com o real, capaz de captar sua
essência de modo evidente, mas não necessitando de demonstração. Em Kant, a intuição pura é
uma forma a priori da sensibilidade, constituindo com o entendimento, as condições de
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
289
predeterminados; assim, as normas são limitadas para a gestão das organizações.
Defendem, então, a necessidade de se desenvolver maior amplitude na análise dos
problemas organizacionais, indo além da área de conhecimento prevalecente, do
conhecimento racional, dedutivo.
Entretanto, ainda que se fale muito em ilógico, intuição, percepções
individuais, instintos, etc., a teoria organizacional não oferece conexões, que
permitam a interação entre essas diferentes dimensões da ação organizacional.
Certamente esse ponto obscuro na ação organizacional não é novo, tendo
Ramos (1989) destacado tal limitação, criticando o reducionismo instrumental, onde
permeia uma unidimensionalidade, predominante na ação organizacional.
Discorrendo sobre a teoria da interação simbólica72, Ramos (1983) destaca
que há inúmeras maneiras de se chegar ao conhecimento, e, dentre elas, a ciência é
uma das muitas formas corretas de conhecimento.
Arte, mito, religião e história são outras formas de conhecimento, legando
diferentes tipos de experiência, cada um deles válido nos limites da realidade a que
corresponde. Observa ainda que, a interação simbólica presume que a realidade
social se faz inteligível ao indivíduo através de experiências livres de repressões
operacionais formais. Os símbolos, assim, são veículos para a troca dessas
experiências.
9.1 A NOÇÃO DE ESTÉTICA NOS ESTUDOS ORGANIZACIONAIS
A literatura envolvendo a estética organizacional tem sido dominada por
membros do SCOS no passado e no presente e, em particular, por uma série de
72
possibilidade do conhecimento. Apresenta duas dimensões da intuição: a) de espaço e tempo,
possibilitando a unificação do sensível; e b) da recepção de percepções (Ver KANT, 1989).
A interação simbólica é um tipo de comunicação não-projetada que se opõe às comunicações
projetadas, de modo que, nos sistemas racionais e funcionais, tais como o da organização
convencional, as comunicações entre os indivíduos não se fundamentam no livre fluxo da
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
290
pesquisadores a exemplo de Benghozi, 1987; Dean et al., 1997; Dégot, 1987;
Gagliardi, 1990, 1996; Jones et al., 1988; Linstead & Grafton-Small, 1985;
Ottensmeyer, 1996; Ramirez, 1987; Rusted, 1987; Strati, 1990, 1992, 1995, 1999;
Turner, 1990.
A noção mais presente nos estudos organizacionais sobre o uso da
Estética associa-a a uma metáfora epistemológica, ou seja, a uma forma de
apreensão da realidade diferente daquelas baseadas em métodos analíticos, e
que constituem a base do que se denomina de conhecimento científico –
racionalidade e empirismo. Dentre os autores que assumem tal associação há
PELTZER (1995) e STRATI (1992; 1999).
Para Wood Jr. & Csillag (2001) o pressuposto desses autores é que o avanço
do “projeto modernista”, a crescente especialização e fragmentação na esfera social
e a institucionalização das ciências e das artes levaram à destruição de uma unidade
original das ciências, da Ética e da Estética.
As contribuições de Antonio Strati73 demonstram pioneirismo, coerência e
sutileza ao utilizar o elemento estético enquanto referência para a análise
organizacional. No artigo intitulado “aesthetic understanding of organizational life”
publicado em 1992, Strati discorre sobre as possibilidades da dimensão estética
contribuir na análise organizacional, numa abordagem que auxiliará no lidar com a
complexidade, ambiguidade e sutileza presente na rotina de uma organização.
Faz questão de evidenciar o fato de que a compreensão estética da vida
organizacional é uma metáfora epistemológica, ou seja, uma forma de aprendizado
diverso daqueles baseados em métodos analíticos. Fica evidenciada a influência e
predomínio da função de signo, que pode ser desdobrado na função simbólica e na
função estética, consideradas no capítulo anterior.
73
experiência direta da realidade, mas classificam-se sob um conjunto de regras técnicas e de
procedimento.
Strati é sociólogo, pesquisador e professor em sociologia das organizações, no Departamento de
Sociologia e Ricerca Social na Universidade de Trento e Siena, Itália, sendo um dos membrosfundadores da Standing Conference on Organizational Symbolism (SCOS). Dentre outras áreas de
interesse destaca-se o simbolismo; o cognitivismo e a estética no âmbito da teoria organizacional.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
291
A ênfase de Strati, em face de suas experiências e pesquisas decorrentes do
simbolismo organizacional, acaba por enfatizar esse aspecto, em detrimento da
função estética, a qual é possuidora de uma dimensão própria, mas que encontra-se
interrelacionada com a função simbólica.
Strati (1996; 1999) destaca a importância da Estética enquanto uma das
formas de conhecimento e a necessidade de reconhecê-la enquanto dimensão,
aspecto e objeto da vida organizacional e que, mesmo pouco considerada, enquanto
elemento de pesquisa, tem muito a contribuir no âmbito dos estudos organizacionais.
Strati (1992; 1999) demonstra como o elemento estético pode ser objeto de
estudos, a partir do cotidiano de uma organização, ensejando três elementos para
pesquisa: a) pelo viés do produto, mas especificamente do design; b) pelo viés do
ambiente organizacional, especificamente pela distribuição do espaço e sua
ocupação; e c) pelo viés da cultura organizacional, argumentando as relações
complexas existentes entre cultura, ideologia e design estético.
Em trabalho anterior, Strati (1990) apresenta os resultados de uma pesquisa
em três departamentos universitários italianos, onde buscou verificar a presença da
dimensão estética na dinâmica do processo de trabalho, com ênfase na análise das
atividades, do ambiente, da composição e da estruturação do trabalho.
Para tanto adaptou um conjunto de princípios estéticos que permitissem a
descrição, acompanhamento e análise dos valores organizacionais presentes,
apreendidos pelos principais membros das organizações em estudo, e dos reflexos
sobre os processos de trabalho e aprendizagem decorrentes destas.
As conclusões da pesquisa apontaram, pela presença e influência da
dimensão estética na dinâmica organizacional, valores e repercussões distintas de
organização para organização, não podendo ser precisamente definidas, em face da
delicadeza e profundidade dos sentimentos decorrentes da vida organizacional,
reconhecendo tratar-se de mais um fragmento para o entendimento da dinâmica das
organizações.
Strati (Op. cit.) ainda aponta possibilidades de estudos da dimensão estética
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
292
organizacional, enquanto dimensão simbólica, contribuindo para a análise
organizacional, ainda que padrões e parâmetros não possam dar conta da dinâmica
e particularidade de cada organização.
Strati (1999) entende a Estética da vida organizacional enquanto uma
metáfora epistemológica a qual problematiza a análise racional e analítica das
organizações.
Observa-se, nos trabalhos dos pesquisadores anteriormente citados, que, nos
últimos vinte anos, o estudo do sentimento e da sensibilidade74 nas organizações se
fez com base no conhecimento tácito, artefatos e bases das culturas que têm o
reconhecimento da influência da dimensão ou dos aspectos estéticos da
organização.
Porém, seria grotescamente simplista assumir tal interesse somente
decorrente da noção de beleza ou elegância na forma, arquitetura ou estruturas de
organizações. Realmente, tal suposição dirigiria o campo para o desenvolvimento de
uma estética organizacional com pouca consideração para o epistemológico que,
para Strati (1992, 1995, 1999), é o aspecto central.
Uma aproximação Estética dos estudos organizacionais da maneira
evidenciada por Strati problematiza o racional, fazendo disto uma preocupação
importante para os pesquisadores organizacionais. Ao mesmo tempo, uma
preocupação para os aspectos estéticos da organização parece ser um contraponto
inevitável ao privilegiar aspectos de ordem subjetiva, presentes na vida
organizacional.
Aproximações da estética nos espaços entre a organização e seus atores
possibilitam a integração da teoria com a prática; do projeto com o experimentado;
entre o cognitivo e o sensório; e entre o estímulo e a resposta. Por conseguinte,
aproximações estéticas têm muito para contribuir ao estudo de organizações,
74
Sensibilidade, em sentido genérico, significa capacidade de sentir, de ser afetado por algo, de
receber através dos sentidos, impressões causadas por objetos externos. Kant usa tal termo,
para designar a receptividade da consciência, a capacidade de formarmos representações dos
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
293
trabalhando fora de categorias convencionais e desafiando a lógica do processo
organizado.
Outro autor, pioneiro nos estudos envolvendo a Estética e a análise
organizacional, é Pasquale Gagliardi75 que, no artigo intitulado “Exploring the
aesthetic side of organizacional life” (1996), explora três dimensões que considera
serem inerentes à experiência estética, para efeito da análise da vida organizacional.
Seu entendimento da palavra Estética é enquanto “the general sense, to refer
to all types of sense experience and not simply to experience of what is socially
described as “beautiful” or defined as “art” ” (GAGLIARDI, 1996, p. 437)
Tal definição esteia-se na definição explicitada por Baumgarten já
referenciada anteriormente, ainda que o autor adiante, amplie tal entendimento, ao
afirmar que utiliza o termo experiência estética para “include every type of sense
experience and not only experiences that are socially defined as “beautiful” or as
“art””.
Gagliardi (Op. cit.) aponta como três as dimensões da experiência estética, a
saber:
a)
enquanto uma forma de conhecimento, conhecimento sensível,
diferente do conhecimento intelectual, freqüentemente inconsciente,
tácito e que não pode ser expresso através de palavras;
b)
enquanto uma forma de ação, expressiva, desinteressada, motivada
pelo impulso e pela sensibilidade, pela faculdade do sentir e não por
um objeto; e
c)
enquanto forma de comunicação, diferente da conversa, do
discurso ou diálogo que pode acontecer à medida que as ações
expressivas – ou os artefatos que elas produzem – tornam-se o
75
objetos graças a maneira pela qual estas nos afetam. A sensibilidade para Kant (1989; 1991)
fornece a matéria dos fenômenos.
Professor de Teoria da Organização na Universidade Católica de Milão e Diretor do Istituto Studi
Direzionali (ISTUD), onde tem pesquisado o relacionamento entre cultura e ordem organizacional.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
294
objeto do conhecimento sensorial, sendo portanto, uma forma de
transmitir e de compartilhar formas particulares de sentir o
conhecimento inefável.
O autor supracitado, ao delinear como cada uma dessas dimensões se faz
presente na vida cotidiana da organização, alerta para a profunda influência que a
dimensão estética tem sobre a organização, inclusive sobre a performance desta e
que a escassez de estudos que privilegiam o elemento estético decorre da
prevalência de premissas lógicas e ideológicas em detrimento de premissas
intuitivas e estéticas.
Considera a experiência estética como “básica” para indicar que aquela
experiência estética é a base de outras experiências e formas de cognição que
constituem o objeto usual dos estudos organizacionais e que isso implica que as
experiências estéticas têm profunda influência na vida organizacional, uma vez que
a dimensão estética exige formas de entendimento intuitiva, particular, acabando por
ser deixada de lado, por métodos analíticos, ditos e tidos como precisos e passíveis
de mensuração.
Wood Jr. & Csillag (2001) efetua uma articulação entre Estética e pensamento
visual, adotando a noção clássica de Estética, relacionando-a com a essência e a
percepção da beleza, percepção do belo, ainda que, não exclusiva da Estética.
Aponta a extensão da noção de Estética para múltiplos campos de conhecimento,
como as artes, a psicologia, a arquitetura e o design, como visto na terceira fase da
história da Estética delineada no Capítulo V.
Leal (2000b), ao apontar uma noção de Estética articulada aos estudos
organizacionais, resgata, historicamente, diferentes noções com destaque para o
Século XX, período histórico mais ativo e diversificado, que apresenta duas grandes
tendências referenciais:
a)
os que se orientam para a indagação do papel do sujeito e das questões
fundamentais que os auxiliam, tais como a percepção, e experiência
estética, a inspiração criadora, como indagações filosóficas que tendem a
resguardar a parte da subjetividade; e
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
295
b)
os que se orientam para uma estética dotada de uma intenção de
cientificismo, de uma linguagem discursiva, versando a objetividade da
forma/obra, entendendo assim, a estética, como ciência positiva.
Leal (2000a) faz uso da noção de Estética, enquanto função, indicando-a
como a terceira função – as demais funções são a teórica e a prática -, afirmando
que só ela considera a própria coisa76, a coisa como particularidade, como conjunto
de características de variedade inesgotável resgatando a noção kantiana (Kant,
1989;2002).
Afirma o autor que a coisa não é concebida nem como recurso para alcançar
um objetivo, nem como mera base de certas relações, mas como um fim em si
própria, ou seja, “autofinalidade”.
Argumenta que a função estética, assim como as outras duas, está presente
de modo manifesto, ou pelo menos, potencial, em todos os atos humanos, em todos
os atos de percepção ou de criação. Do ato de criação, por exemplo, se pode dizer
que, quanto menos esperado é o seu resultado, tanto mais indispensável é a
participação da criação, a exemplo da criação técnica. Quando é preciso alcançar
um objetivo novo, sem precedentes - e nisso consiste a essência da criação prática há que aproveitar novos aspectos da realidade até aí omitidos. Esses aspectos só
podem ser descobertos pela atitude estética e é isso que propõe para os estudos
organizacionais.
Leal (2001; 2002), ao considerar a noção de estética, propõe uma
reconsideração da noção perdida ao longo do século passado, que passou a dar
ênfase à aparência, à forma, em detrimento da valorização do conteúdo das coisas,
dos atos e ações, portanto, da busca da essência que proporciona sentido e
significado, e não da mera valorização do aparente, do superficial.
76
Filosoficamente designa qualquer objeto ou termo, real ou irreal, mental ou físico, decorrente de
um ato de pensamento ou de conhecimento, de imaginação ou de vontade, de construção ou de
destruição.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
296
9.2 AS PERSPECTIVAS DOS ESTUDOS ENVOLVENDO A ESTÉTICA
Strati (1999) elabora um trabalho sistemático na localização e sistematização
dos movimentos envolvendo o uso da Estética para análise organizacional durante
as últimas duas décadas. Notavelmente, Strati identifica a influência da Standing
Conference on Organizational Simbolism (SCOS) e a contribuição desta para o
desenvolvimento do campo dos estudos estéticos nos anos oitenta.
Trabalhos recentes na área de estudos organizacionais (Dean et al., 1997;
Gagliardi, 1990, 1996; Jones et alii, 1988; Linstead, 1994; Ramirez, 1991;
Sandelands e Buckner, 1989; Strati, 1992) chamaram a atenção quanto à
possibilidade de desenvolver uma estética organizacional enquanto campo de
investigação dentro dos estudos de organização.
Segundo Linstead & Höpfl (2000) esse campo de investigação teria como
questões a explorar, envolvendo a distinção entre as estéticas das organizações e a
estética da organização, a importância da 'evocation' para o entendimento
organizacional; a significação de conceitos tirados de pensadores pós-modernos que
lidam como Derrida ou Lyotard.
Consideram como outras possibilidades a Estética enquanto forma de
emancipação ou resistência; os problemas metodológicos particulares associadas à
investigação empírica do estético; a re-conceitualização do visual e do auricular e a
relevância deles para compreensão organizacional; as recentes idéias acerca da
aprendizagem em organizações e desenvolvimentos pedagógicos; a incorporação
de teoria acerca do aspecto visual ou performático em estudos de organização; e o
trabalho empírico em estéticas organizacionais.
Strati (1999), na introdução, fala da Estética da vida organizacional como
doçura e obsessão, sentimento de prazer e desejo destrutivo, fonte de conflito,
origem de problemas de solução difícil, num plano de realidade socialmente
construído.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
297
O que se faz destacar nesta definição é o grau de consonância entre o que
ele está dizendo sobre a estética da vida organizacional e a pessoa. É esta
integridade e coincidência de ego-identidade e forma expressiva que descrevem a
possibilidade de uma posição entre texto e experiência. É precisamente por isto que
uma abordagem envolvendo a estética organizacional tem um papel importante para
articular a reconciliação entre teoria e prática.
Strati (1999) explora as aproximações levadas por pesquisas organizacionais
ao se debruçar sobre a Estética e desses estudos provem uma valiosa avaliação do
desenvolvimento do campo.
Várias pesquisas, segundo Strati (Op. cit.), focalizam aspectos específicos da
estética organizacional, por exemplo, a imagem interna e externa da organização.
Outros estudos consideraram o uso estético da organização de decoração ou
embelezamento, ou sua distribuição de orçamento para eventos culturais externos e
entretenimento.
Alguns estudos organizacionais examinaram a beleza da organização como
um todo, com ênfase particular em ritos e narrativas sobre eventos no trabalho,
sobre grupo trabalhando e liderança, e sobre rituais da vida coletiva não só
identificados como bonitos, mas também a partir da significação especial para os
atores organizacionais.
Strati apud Linstead (2000) realça a dominação de aspectos de natureza
material ou física e a necessidade de prestar atenção a aspectos normalmente
negligenciados nos estudos organizacionais envolvendo o tema da estética em
organizações, apontando, como exemplo, a ideologia da beleza incorporada ou,
ainda, a ideologia da organização de sua própria beleza; a continuidade do tema,
articulando-o com a criatividade e antevisto na literatura organizacional presente na
perspectiva do gerente como artista; a organização como um processo criativo; a
organização como jogo; e a difusão da perspectiva da pós-modernidade acerca da
dimensão estética.
Para Monthoux apud Linstead (2000) a Estética alarga a reflexão acerca da
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
298
criatividade ao topo da interpretação e isto será considerado quando se articula a
vida organizacional e a contribuição da teoria da arte. Questiona então, até que
ponto arte e organizações se confundem. e pergunta ainda onde a arte se torna uma
mera decoração legitimando o que pode ser entendido melhor como forças
econômicas. E, aponta, em seguida, então um modelo para explicar os processos de
“totalização” e “banalização” em um contexto empresarial, baseando-se na teoria da
arte e da Estética.
Gagliardi (1996) considera que o pathos de uma organização não é uma
questão de emprego único e incondicional de uma forma particular de conhecimento
e comunicação, considerando que o progresso do conhecimento acontece num
sistemático vai e vem entre a intuição e a racionalização, entre o conhecimento
tácito e o consciente.
Segundo Gagliardi (1990) não há dúvida de que a única forma de entender o
pathos de uma organização, sem o filtro das racionalizações dos atores e sem o
perigo etnocêntrico de atribuir à organização estudada o padrão de sensibilidade
que assimilamos em nossa própria cultura, é partilhando as experiências estéticas
dos participantes, submergindo em seu contexto perceptivo e permitindo o
envolvimento destes pela experiência sensorial.
Strati (1999) reconhece que a Estética, enquanto elemento da vida
organizacional,
traduz-se
numa
forma
de
conhecimento
humano;
e
é
especificamente o conhecimento resultante da percepção dos atores organizacionais
que se faz através das faculdades de percepção como ouvir, ver, tocar, cheirar e
também pela capacidade para julgamento estético.
Entender Estética no contexto organizacional cotidiano exige levar em conta
elementos não-humanos, como sugere Gagliardi (1990), afinal os caminhos
despertados por elementos não-humanos estão presentes também nos sócios de
uma organização.
O estudo da estética organizacional envolve não a análise de algo fixo e
objetivo, mas dos diferentes modos e possibilidades pelos quais atores
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
299
organizacionais e o pesquisador possam vir a entender e interpretar a vida
organizacional. E estas são formas de conhecimento que podem ser identificadas
principalmente nas práticas cotidianas dentro de uma organização.
Comumente as pessoas acham que as teorias organizacionais e a
administração não têm nenhuma correlação com a Estética, em face do viés
racionalizante e instrumental presente nas formulações teóricas que buscam dar
conta da vida organizacional, ou, ainda, que, no máximo, a Estética nada mais é que
um jogo de personalidade e subjetividade de critérios e que, por isso, tem uma
utilidade limitada.
Essa imagem prevalece carregada pela literatura organizacional, até metade
dos anos 70 do século passado, quando as organizações eram tidas como
compostas de idéias que se encontram e fundem no nível racional. Idéias, até então,
destituídas de erotismo, sensações bonitas ou feias, perfumes e odores ofensivos,
atração e repulsão.
A
teoria
organizacional
e
os
estudos
organizacionais
descreveram
organizações em forma idealizada, desprovidos das características materiais e,
portanto, de características físicas e corporeidade.
Porém, isto não corresponde à prática cotidiana nas organizações, nem ao
uso feito pelos seus participantes ao entenderem o estético da vida organizacional,
afinal, não reflete a necessidade sentida pelas organizações para este tipo de
entendimento e não leva em conta o fato de que as organizações fazem uso da
estética para aumentar os produtos e serviços e criar uma identidade que é
imediatamente comunicável aos clientes, empregados e à sociedade.
É então curioso por que a teoria das organizações e os estudos
organizacionais têm desenvolvido e alcançado legitimidade social com base em uma
visão idealizada, de organizações baseada na suposição, não cientificamente
validada, de que Estética pertence e serve à sociedade, mas não se constitui parte
da vida organizacional.
Essa idealização organizacional sofre várias mudanças a partir de 1970,
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
300
quando a atenção dos estudos organizacionais começa a considerar a dimensão
estética presente no dia-a-dia em organizações. Essas mudanças foram provocadas
em parte por uma crítica contra o paradigma funcionalista e contra a excessivamente
racionalização e reificação da vida organizacional que ignorava a volição de
indivíduos (ZEY-FERREL, 1981).
As mudanças também foram provocadas por um interesse renovado no
estudo da arte e da Estética, o que gerou uma perspectiva teórica que, segundo
Judith Blau (1988), levou a controvérsias, na medida em que estava centrado em
uma visão de arte enquanto promotora de uma oportunidade sem igual para
sociólogos investigarem as conexões entre os significados e a ordem social e o
modo pelos quais os significados penetram em todos os níveis que a ordem social
ordena.
Novamente, em parte, estas mudanças foram estimuladas pelo debate entre o
moderno e a pós-modernidade presente nos estudos de Cooper e Burrell (1988);
Hassard e Parker (1993) que apontam uma ênfase da pós-modernidade na Estética,
ainda que o debate se faça, em muitos aspectos, envolvendo a arte e a estetização
da vida cotidiana (FEATHERSTONE, 1988; JAMESON, 1991; TUCKER, 1996).
Mesmo quando a modernidade não tinha sido substituída pela pósmodernidade, já se fazia presente uma modenidade reflexiva conforme aponta Beck
et al. (1994); Giddens (1989; 1990), que viram nisso um caminho para a dimensão
estética.
Mas a imagem idealizada da organização tem sido modificada, acima de tudo,
pelos estudos de organização que examinam estéticas organizacionais e que
constituem um dos campos de estudos agora com sua própria, embora modesta,
tradição de pesquisa e análise, além de suas próprias controvérsias teóricas e
metodológicas internas.
Becker (1982) realça um jogo de características organizacionais que
influencia a valorização e ênfase nas colocações que enfatizam a materialidade
enquanto eixo dos estudos organizacionais. Aponta como primeiro elemento de
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
301
influência as exigências técnicas de trabalho e o alto grau de controle social. Outro
elemento é a reação afetiva para o trabalho e a organização onde se considera que
a impessoalidade proporciona melhores resultados operacionais. Outro elemento
envolve o aspecto interpessoal, onde práticas, enfatizando a competição,
cooperação e percepção de pessoa, redundam em diferentes graus de integração.
Na realidade, a valorização do aspecto físico prioriza aspectos da
organização como tamanho, qualidade, arranjo, privacidade e local; os quais são
aspectos de importância na vida organizacional, mas não exclusivos. Mas chega-se
ao ponto de autores, a exemplo de Pfeffer (1994), entenderem as organizações
como estruturas físicas.
Entretanto, estudos organizacionais, tendo como foco os aspectos estéticos
das organizações e a possibilidade do seu gerenciamento na vida organizacional,
ganham corpo. Eles buscam adquirir maior conhecimento sobre Estética e sobre
como ela, entabulada
com a estrutura
e o comportamento dos atores
organizacionais, pode, no ambiente de trabalho, proporcionar melhoria da
performance organizacional.
Contrastando
com
este
funcionalismo
tem-se
a
aproximação
de
pesquisadores da estética organizacional para estudar os símbolos e culturas
(GHERARDI, 1995; SMIRCICH, 1983; TURNER, 1990) e, desse modo, buscam
construir ou reconstruir a percepção da organização, a partir dos atores
organizacionais.
Menos amarrados à perspectiva de organização enquanto estrutura física, os
estudos envolvendo a estética da vida organizacional tiveram edição especial na
revista Dragon, tendo por temática “a arte e a organização”, editada por Pierre-Jean
Benghozi em 1987. Estes estudos examinam a criatividade das pessoas que
trabalham em organizações e em administração de organizações se ocupando de
atividades relacionadas com a arte ou com práticas organizacionais cotidianas
associadas à arte.
Há três artigos os quais se deve dar especial atenção e cujos autores (Dégot,
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
302
1987; Ramirez, 1987; Rusted, 1987) ilustram as diferentes aproximações dos
estudos envolvendo a estética organizacional sem recorrer às estruturas físicas de
organização e acabaram por enfatizar a sistematização do conhecimento por meio
de analogias com arte; o exame da beleza da organização e dos julgamentos do
sentimento estético com respeito à organização como um todo; e o estudo de como
são mediadas as estéticas em práticas estéticas.
Estes três estudos diretamente enfatizam o ponto de vista do investigador e
reconhecem a importância do envolvimento estético no processo de juntar
conhecimento sobre culturas organizacionais e símbolos.
Dégot (Op. cit.) propõe uma analogia entre o gerente e o artista e também o
estudo situado em práticas administrativas. Ele sugestiona vários métodos de
administração previamente desconhecidos que emergem se o investigador examinar
práticas administrativas, por analogia, com estilos artísticos e gêneros.
Ramirez (Op. cit.) ilustra a beleza de uma organização social segundo
aqueles que dela participam e, para tanto, emprega o conceito de forma (Bateson,
1972; Langer, 1953), demonstrando a influência do conhecimento estético de
realidade organizacional.
Para Strati (1999) a análise estética da vida organizacional é uma área nova
de investigação em teoria da organização e na administração, cuja contribuição
crucial é enriquecer o conhecimento sobre a vida organizacional cotidiana.
Além disso, tal análise eleva assuntos teóricos e metodológicos relativos ao
corpo inteiro do conhecimento produzido por estudos organizacionais; considerando,
ainda, que é possível a Estética ampliar a compreensão da vida organizacional, ao
lado da perspectiva lógico-racional.
No Brasil, tal possibilidade tem sido exploradas nos trabalhos de Leal (2000a,
2000b, 2001; 2002a; 2002b); Wood Jr & Csillag (2001), demonstrando as
possibilidades concretas de uso da dimensão estética para análise organizacional.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
303
9.3 ESTÉTICA
ENQUANTO ELEMENTO DE ANÁLISE DOS
VALORES E CULTURA ORGANIZACIONAL
Umas das possíveis articuações entre a Estética e a análise organizacional
pode ser efetuado sob a ótica da cultura organizacional. A preocupação com a
cultura organizacional é um traço marcante dos estudos organizacionais nos anos
80, à medida que se reconhece como fundamental o conhecimento da cultura, para
possibilitar melhores condições de adaptação e mudança organizacional, fruto da
limitação dos instrumentos e métodos tradicionais no estudo das organizações.
Desse modo, a cultura organizacional ganha corpo, sendo os trabalhos de Fleury &
Fischer (1989), Freitas (1991) e Motta & Caldas (1997) importantes no resgate da
trajetória de tais estudos.
Segundo Davis (1984) com a noção de cultura não se quer mais referenciar o
padrão de ação com base numa solução ideal ou normas e procedimentos rígidos,
mas buscar maior coerência entre as escolhas organizacionais e a identidade
cultural da organização.
A relevância da cultura organizacional torna-se tão abrangente que Hofstede,
Neuijen, Ohayv e Sanders (1990) consideram que a cultura organizacional adquiriu
tamanha projeção chegando ao patamar de temáticas como controle; estratégica;
estrutura, não podendo ser ignorada seja pelos estudiosos, seja pelas organizações.
Com o desenvolvimento dos estudos sob cultura, tem-se diferentes
abordagens, diferentes tipologias, onde o próprio conceito de cultura, também varia
em função dos elementos considerados chave no processo de delineamento
cultural.
Smircich (1983) buscou sistematizar o significado do conceito de cultura na
análise organizacional e chegou à conclusão que os diferentes conceitos baseiamse em diferentes pressupostos, os quais levam a divergências nas abordagens da
relação organização-cultura, subdividindo-os em dois grupos; aqueles que trabalham
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
304
a cultura enquanto variável crítica e aqueles que trabalham a cultura como uma
metáfora básica77.
Freitas (1991), tendo como referência Smircich (1983), aponta uma divisão
dos
estudos
sobre cultura
organizacional,
retratando-os
em
cinco
áreas,
denominando-as de: a) administração comparativa; b) cultura corporativa; c)
cognição organizacional; d) simbolismo organizacional; e) processos inconscientes e
organização.
Dentre estes, o simbolismo organizacional apresenta-se como a
vertente que mais aproxima-se, enquanto possibilidade de associação, da Estética e
que, a seguir, será melhor caracterizado.
Por sua vez, Siqueira (1996) prefere apontar uma categorização envolvendo
quatro abordagens, enquanto possibilidade de mapear os estudos e pesquisas
envolvendo
a
cultura
das
organizações,
intitulando-as
de
abordagens
comportamental (Handy, 1978); psicológica (Lomônaco, 1984; Thévenet, 1986;
Chanlat, 1992; Hofstede, 1980) antropológica; e interdisciplinares (Schein, 1986;
Belle, 1991). Nota-se que não aponta ou ignora a dimensão estética expressa no
capítulo anterior e articulada com a função do signo.
Ainda assim, a abordagem antropológica da cultura oferece possibilidades de
considerar o elemento estético no contexto organizacional. Tal abordagem pode ser
considerada em dois enfoques:
a) um denominado de neo-evolucionista que afirma ser a cultura integrada
por três elementos: material tecnológico; sociológico; e ideológico,
adotando como referência para os estudos os processos de aculturação,
formação de mitos, ritos e tabus, usando o conceito de cultura
organizacional para dar conta das práticas formais e informais que
constituem a dinâmica de cada organização, centrando-se, fortemente,
nos seus valores e crenças;
77
O grupo que considera a cultura uma variável crítica, enfatiza a possibilidade de gerenciar tal
fenômeno, buscando alcançar altos padrões de eficiência. O entendimento metafórico de cultura
reforça o sentido de construção social da identidade organizacional, ao invés de Ter uma cultura, a
organização é uma cultura.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
305
b) outro intitulado de simbólico que enfatiza os significados presentes nas
relações entre os elementos da cultura de uma organização e que dá
sentido ao cotidiano destas e têm em Geertz (1987); Sahlins (1979); e
Beyer & Trice (1986) as referências chaves.
Beyer & Trice (1986) vão considerar a cultura enquanto conjunto de
concepções, normas e valores submersos à vida de uma organização e que devem
ser comunicados a seus membros através de formas simbólicas tangíveis.
Segundo Geertz (Op. cit.) a organização é tida como modelo de discurso
simbólico, mantida através de formas simbólicas, tais como a linguagem que facilita
compartilhar os significados e as realidades; ou seja, o elemento simbólico e o
compartilhamento do seu significado entre os envolvidos são determinantes para se
analisar e compreender a cultura e as escolhas. Afirma ainda que a cultura redunda
numa "teia de significados", que o homem tece a seu redor e o amarra.
Cabe considerar que a abordagem interdisciplinar, assim como a abordagem
antropológica, tem como pontos comuns, a
ênfase nos valores, no oculto, nas
crenças, nos compartilhamentos, elementos que permitem considerar a dimensão
estética como algo presente nas escolhas organizacionais decorrentes dos valores
assumidos pelos seus integrantes.
Strati (1992; 1999) demonstra como o elemento estético pode ser objeto de
estudos, a partir do cotidiano de uma organização, ensejando três elementos para
pesquisa: a) pelo viés do produto, mas especificamente do design; b) pelo viés do
ambiente organizacional, especificamente pela distribuição do espaço e sua
ocupação; e c) pelo viés da cultura organizacional, argumentando as relações
complexas existentes entre cultura, ideologia e design estético.
Associando-se ainda ao estudo cultural das organizações, Gagliardi (1990)
tece comentários enfatizando os artefatos culturais não os considerando
manifestações secundárias e superficiais de
um fenômeno cultural, mas
influenciador da vida organizacional; à medida que, através deles, é possível
favorecer, obstruir ou mesmo prescrever a ação organizacional, além de apontar o
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
306
fato de que os artefatos influenciam a percepção da realidade. Aponta, então que os
artefatos tornam possível o resgate do sentido além da ação
humana, logo,
também, organizacional.
Para Deal & Kennedy (1982); Chanlat (1992); Smircich (1983); Trice & Beyer
(1993), dentre outros, a organização é mantida através de formas simbólicas, tais
como a linguagem, que facilita o intercâmbio das percepções, significados e
realidades, ou seja, a organização é a representação do mundo, que simboliza as
relações, e que constrói um universo de significações do ser humano. Os valores
atuam como elementos integradores e chaves na análise e interpretação da cultura
organizacional, chegando alguns autores a considerá-los como a essência que
norteia a vida organizacional.
Para Deal & Kennedy (Op. cit.) valores são as crenças e conceitos básicos
numa organização que formam o coração da cultura, definem o sucesso em termos
concretos para os empregados e estabelecem os padrões que devem ser
alcançados na organização.
Os autores consideram que os valores representam a essência da filosofia da
organização para alcance do sucesso, afinal, eles fornecem um sentido, uma direção
comum para todos os empregos e um guia para o comportamento diário.
Kluckhohn (1951) define valor enquanto uma concepção explícita ou implícita,
distintiva de um indivíduo ou característica de um grupo, do desejável, que vai
influenciar a seleção dentre os modos, meios e finalidades de ação disponíveis.
Schein (1986), ao apontar um conceito formal de cultura organizacional,
relaciona dez categorias que se apresentam como fenômenos. Dentre essas se
encontra o que chama de "raízes metafóricas" ou "simbologias integradas" que
refletem as sensações, as emoções e as respostas estéticas.
Tanto Schein (1984), quanto Kluckhohn (1951) fortalecem a noção de que a
questão dos valores é essencial nos estudos culturais. O primeiro denominando-os
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
307
de "pressupostos básicos" e o segundo de "orientação de valor" e Posner et alii
(1985) de "valores compartilhados"78.
Tamayo & Gondim (1996), a partir de Schein (1986), apresentam uma escala
de valores individuais e organizacionais, adotando a noção de que os valores
consistem naquilo que se deseja, e é percebido como correto e apropriado ao
desejá-lo para si mesmo e para os outros, para tanto, são considerados normas
abstratas, que transcendem impulsos de momentos e situações efêmeras.
Há ainda o entendimento de Kroeber (1976) que afirma serem os valores não
meras coisas que se desejam ou se querem e, sim, "regras" desenvolvidas pelos
indivíduos para orientá-los em suas vidas, isto é, são critérios nos quais as pessoas
se baseiam para decidir o que devem desejar.
Observa-se que o valor deixa de ser algo abstrato, de sim ou de não, para ser
considerado como um continuum, no qual determinados valores possuem maior
importância do que outros. Ou melhor, os valores expressam um arranjo de
hierarquia, que se efetiva a partir das escolhas efetuadas, conforme apontam
BEYER (1984) e ENZ (1988).
Todas essas contribuições evidenciam que os valores constituem importantes
instrumentos para entendimento da cultura organizacional, cultura essa reconhecida
enquanto processo de socializações por meio do sistema de valores, sendo tais
valores vivenciados como uma experiência subjetiva compartilhada, gerando, nas
organizações, a possibilidade de simbolização e mediação das necessidades
individuais e organizacionais.
Os valores, portanto, têm um papel tanto de atender aos objetivos
organizacionais, quanto de atender às necessidades dos indivíduos. Ou seja, os
78
Posner et. al. (1985), a partir de uma pesquisa sobre valores pessoais e valores organizacionais,
relaciona sete valores compartilhados detectados: a) sentimento de sucesso pessoal; b)
comportamento organizacional; c) autoconfiança no entendimento dos valores; d) comportamento
ético; e) menor pressão do stress pessoal e profissional; f) objetivos organizacionais; g) maior
importância aos stakeholders. Por sua vez Kluckhohn aponta cinco tipos de orientação de valor: a)
natureza humana; b) homem-natureza; c) tempo; d) atividade; e) relacional, e Fleury, M.T.L.;
Shinyashiki, G.T.; Stevanato, L.A. (1997) detalha avaliando enquanto possibilidade metodológica
de utilização.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
308
valores organizacionais tanto podem redundar em mensagens e comportamentos
considerados adequados, levando a transmissão natural de conteúdos aos demais
membros da organização, tornando a adesão e reprodução de comportamentos
possíveis, como também podem permitir a autonomia dos indivíduos na aceitação ou
não de conteúdos, reconstruindo-os.
Segundo Tamayo (1996), os valores têm por objetivo resolver três questões: a
conciliação de interesses individuais e do grupo; a necessidade da organização da
elaboração de uma estrutura que contemple a definição de papéis, normas e regras
para relações e organização do trabalho; e a conciliação entre interesses da
organização e do meio social e natural, que se caracteriza pela necessidade de
produtividade e sobrevivência da organização que retira do meio a matéria-prima e
realiza as trocas de produção e comerciais.
A contribuição da Estética possibilita apreender a ação humana, numa
terceira
dimensão,
até
então
pouco
enfatizada
ou
trabalhada
em
nível
organizacional, que é considerar as diferentes percepções e antevisões de um dado
objeto ou contexto (LEAL, 2001;2002).
Este certamente é um novo âmbito da Estética no campo organizacional que,
até então, tem se concentrado nas características do serviço ou produto; no
ambiente de trabalho, particularmente nos equipamentos e acessórios; e, mais
recentemente nos estudos relativos à cultura organizacional.
Tem-se, assim, deixado de lado a perspectiva auxiliar da dimensão estética
presente de modo intrínseco nas atividades cotidianas do ser humano, e,
certamente, relevante para o processo de aprendizagem e conhecimento num
quadro organizacional de mudanças e transformações intermitentes.
A estética nas organizações apresenta-se, ainda, de modo prescrito, à
medida que busca dar conta de questões aliadas ao produto e ao ambiente
organizacional, o que fica muito aquém das possibilidades do campo estético,
evidenciado como uma das três dimensões da ação humana, intrinsecamente
associada às demais.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
309
O potencial que se abre com a Estética, para os estudos organizacionais,
ainda está por ser explorado, mas sua potencialidade pressupõe rever os próprios
métodos de pesquisa e o referencial conceitual, aproximando-se de uma
fundamentação filosófica enquanto ponto de partida. A proximidade com o
simbolismo organizacional, enquanto ponto de partida é salutar, mas há que se
reconhecer os seus aspectos particulares, assim como se faz com a semiótica, a
arte, a psicologia, a aprendizagem (LEAL, 2003).
Tem sido pouco satisfatório como a noção de valores tem sido apropriada e
utilizada em trabalhos recentes envolvendo estudos de cultura organizacional. Sem
um referencial analítico que utilizem métodos e instrumentos adequados à
percepção dos valores, considerando-os enquanto dimensão subjetiva, simplificando
a importância e dimensão das escolhas humanas na
organização, o desafio
permanece, no que tange a apontar métodos mais adequados que permitam
analisar a dimensão subjetiva - a Estética - e o simbólico de modo geral, com
aparatos mais adequados.
9.4 POSSIBILIDADES DE ANÁLISE ORGANIZACIONAL A PARTIR
DA ESTÉTICA
A análise organizacional, tradicionalmente, sempre se voltou para os estudos
analíticos, privilegiando aspectos mensurativos e que não foram suficientes para
fazer face às necessidades de compreensão e análise das organizações.
Lévy (1993, p. 59) captou o relativismo dinâmico, típico das organizações
contemporâneas, ressaltando a falsa distinção entre meios-fins:
A distinção abstrata e bem dividida entre fins e meios não resiste a uma
análise precisa do processo sociotécnico no qual, na realidade, as
mediações (os meios, as interfaces) de todos os tipos se entre-interpretam
em relação às finalidades locais, contraditórias e perpetuamente
contestadas, tão bem que, neste jogo de desvios, um ‘meio’ qualquer nunca
possui um ‘fim’ estável por muito tempo.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
310
Deixando de lado o individualismo metodológico de Simon (1961),
perspectivas teóricas baseadas no reconhecimento da subjetividade – como
fenomenologia e existencialismo – sempre tiveram pouco espaço nos estudos
organizacionais.
Nos anos setenta, os paradigmas existentes como teoria de sistemas e de
contingência enfatizavam a importância de fatores – à primeira vista, objetivos –
como ambiente e tecnologia, e buscavam conexões estruturais além das escolhas e
estratégias humanas. Expressões, de uso corrente até nos dias de hoje, como a
empresa atua de tal forma, pensa desta maneira ou reage assim, simbolizam o grau
de reificação do objeto “organização”.
Nas últimas décadas, têm-se buscado, junto a outros ramos do conhecimento
contribuições teórico-metodológicas que auxiliem na ampliação dos referenciais de
análise organizacional, de modo a considerar os aspectos abstratos, subjetivos
destas pouco valorizadas até então, e que, nas últimas três décadas, passaram a
ser relevantes. (STRATI,1990; 1992; GAGLIARDI,1996; HASSARD,1990; REED &
HUGHES,1992; LEAL; 2000a; 2000b; 2001; 2002a; 2002b; 2002c; 2002d; 2003).
A contribuição da Estética possibilita apreender à ação humana, em uma
terceira dimensão até então pouco enfatizada ou trabalhada no contexto
organizacional, as diferentes percepções e antevisões de um dado objeto ou
fenômeno, enquanto próprio e inerente aos indivíduos.
Através da Estética, vislumbra-se a possibilidade de analisar as organizações
e por certo, interpretar, compreender, outras esferas do viver organizacional. Fazer a
conexão desses dois aspectos tornou-se crucial e decisivo para a própria
sobrevivência de muitas organizações, quer elas tenham isso claro ou não.
Este certamente é um novo âmbito da Estética no campo organizacional que,
até então, tem se concentrado nas características do serviço ou produto, no
ambiente de trabalho, particularmente, nos equipamentos e acessórios, e mais
recentemente, nos estudos relativos à cultura organizacional (STRATI,1992, 1999).
Tais usos da dimensão estética acabam por apropriar-se da Estética utilizando-a de
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
311
modo instrumental e subordinando-a, em diferentes momentos, à função teórica ou à
função prática.
Estas possibilidades de uso da Estética nos estudos organizacionais e
mesmo, na gestão das organizações, têm deixado de lado a perspectiva da
dimensão estética, presente de modo intrínseco nas atividades cotidianas do ser
humano, e certamente, relevante para o processo de aprendizagem, mudança e
transformação organizacional em ambientes dinâmicos, turbulentos e incertos como
os dos dias atuais.
No âmbito da gestão organizacional, ou seja, da possível aplicabilidade de
referenciais estéticos para o cotidiano das organizações, cabe considerar que
semelhante questão esteve presente, em alguma medida, nos anos 50, quanto ao
fato de ser o atuar dos administradores, em grande medida, decorrente de uma arte,
uma habilidade e não mera técnica.
Nos dias atuais, onde o conhecimento encontra-se disseminado na
organização como um continuum, ou melhor, nos indivíduos que dela fazem parte,
considerá-los em todas as suas dimensões parece ser condição essencial para a
própria sobrevivência organizacional.
O potencial que se abre com a Estética para os estudos organizacionais,
ainda está por ser explorado, mas sua potencialidade pressupõe rever os próprios
métodos de pesquisa e o referencial conceitual, aproximando-se de uma
fundamentação filosófica enquanto ponto de partida.
Os pesquisadores organizacionais não podem desconhecer por um lado, o
traço marcante de racionalidade e empirismo presente nos estudos organizacionais,
contribuição da modernidade, como foi delineado anteriormente. Tampouco podem
ignorar as críticas dos pesquisadores pós-modernos. E aí, estabelece-se um
impasse, um divisor de águas.
A consideração de uma terceira dimensão para a análise e pesquisas
organizacionais – além e associada às duas matrizes outras, a racionalidade e o
empirismo – na verdade, envolve a dimensão ética e estética (LEAL,2003). Aqui foi
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
312
enfatizada a dimensão estética, segmentada, para a presente tese, mas que,
merece ser dito, o autor considera a ética e a estética como faces de uma mesma
moeda, logo, o desconhecer ou a ausência de uma delas, torna a moeda “falsa”.
Que elementos permitem apontar tal matriz como razoável e possível, além
do impasse reinante? Partindo do pressuposto de que os que permanecem fiéis ao
modo de fazer ciência iluminista têm parcialmente argumentos e interesses
convincentes, tanto assim que permanecem atuando dentro de tal orientação, e que
os pós-modernistas possuem, também, argumentos coerentes, ao apontarem limites
ao modo de fazer ciência modernista.
Parte-se da idéia de que o homem, frente ao mundo que o rodeia, assume
diversas atitudes. Tais atitudes não são as mesmas quando ele atua de modo
prático sobre o mundo ou quando procura conhecê-lo de um modo teórico ou
científico ou mesmo quando, por exemplo, procura entendê-lo segundo uma
perspectiva religiosa. Cada uma destas atitudes, uma vez adaptada pelo homem,
apodera-se dele e de todas as capacidades que orientam-no em determinada ação.
A noção de função aqui utilizada assume uma perspectiva fenomenológica,
enquanto modo de auto-realização do sujeito perante o mundo exterior. É, também,
considerada a noção adotada por Kant de função, enquanto conceitos que se
baseiam na espontaneidade do pensamento (GALEFFI, 1986).
Mukarovsky (1997), resgata a partir de Kant, a perspectiva de que a noção de
beleza é substituída, enquanto axioma metodológico básico, pelo conceito de
função. Em vez dos fenômenos naturais aparecerem como material de análise da
estética, os atos da conduta humana e os seus resultados assumem tal papel.
Kant (1991) expressa que a ação humana pode ser evidenciada em três
grandes atitudes: a prática, a teórica e a estética, ou ainda que o ato humano e o
seu resultado têm, necessária e substancialmente, três funções: a função prática, a
função teórica e a função estética. A noção de função em Kant assume o significado
dos conceitos que se baseiam na espontaneidade do pensamento, assim como as
intuições sensíveis se baseiam na receptividade das impressões.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
313
Dentro do ponto de vista fenomenológico, pode ser entendida a opção
efetuada por Mukarovsky (Op. cit.) que o conceito de função desdobra em dois
grupos – funções imediatas e funções de signo. O primeiro subdivide-se em função
teórica e função prática, enquanto que o segundo, em função simbólica e função
estética.
Pode-se evidenciar a presença necessária da atitude estética na criação
teórica ou científica, sendo que, mesmo as atividades práticas que não podem ser
designadas como de criação, mas antes como repetitivas do hábito, mostram, por
vezes, traços evidentes da presença do estético.
Dada a sua onipresença, o estético é, portanto, um fator presente e
influenciador do cotidiano organizacional, dimensão subjetiva do agir organizacional,
como bem considera Wood Jr & Csillag (2001), mas ainda pouco estudado.
Ao resgatar alguns autores e seus escritos, acerca das diferentes percepções
referentes à administração, enquanto arte, ciência, ciência e arte e, finalmente,
enquanto belas-artes, tencionou-se evidenciar como o tratado do elemento subjetivo
da vida organizacional sempre se fez presente através do uso da sensibilidade e
respeito à identidade e autodeterminação dos envolvidos.
Buscou-se ainda salientar que a administração pode ser vista como algo
científico, racional, enfatizando-se as análises e as relações de causa e efeito, uma
de suas dimensões.
Com os elementos resgatados filosoficamente pode-se vislumbrar uma
possibilidade complementar no compreender o cotidiano organizacional, ao articular
aos elementos racionalizantes e empíricos, um terceiro elemento de natureza éticaestética – aqui só foi explorada a estética.
Por outro lado, como já evidenciado, o trato com seres humanos envolve
aspectos nem sempre passíveis de previsibilidade, pois nessa relação se faz
presente o ilógico, o intuitivo, o espontâneo, o irracional onde a dimensão estética da
ação humana pode ser contributiva para o entendimento dos aspectos tidos como
subjetivos.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
314
O capítulo buscou apontar trabalhos acadêmicos que consideram a estética
enquanto possibilidade de análise e compreensão do cotidiano organizacional
demonstrando não mais a estética enquanto uma possibilidade, mas o seu uso
concreto no estudo das organizações. Naturalmente tal dimensão estética não
esgota, nem tampouco busca apontar padrões organizacionais, mas ampliar a
compreensão e entendimento das escolhas e ações nas organizações.
Cabe considerar, ao final deste capítulo, que os autores referenciados
possuem perspectivas e interesses distintos, mas essa é uma questão menor, ainda
que compreensível, pois diferente da visão clássica predominante nos estudos
organizacionais – racionalismo e empirismo – a perspectiva estética considera
diferentes possibilidades de entendimento e percepção do fenômeno humano e
organizacional.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
315
CAPÍTULO X
ESTÉTICA E GESTÃO
É o que sentimos, pensamos e fazemos que importa,
porquanto somos também disso o produto.
E não o que os outros sentem, pensam e fazem,
embora a isto devamos respeitar, ou seja, dar plena atenção.
A Arca
No presente capítulo busca-se apontar como a estética se faz presente na
ação
organizacional,
em
particular,
no
escopo
gerencial,
e
como
seu
reconhecimento favorece a compreensão e interação da vida organizacional. Além
disso, estabelece-se a articulação da estética com a criatividade, com a inovação e
transformações organizacionais, para, ao final, reforçar as possibilidades e
perspectivas de análise que considerem a estética, já evidenciadas nos capítulos
anteriores. Bem como, busca-se demonstrar como, através de práticas gerenciais e
escritos acadêmicos, o elemento estético das organizações tem sido tratado no
âmbito da gestão, do gerencialismo e da administração em geral.
No Capítulo anterior buscou-se considerar como a estética das organizações
tem sido objeto de pesquisa, de modo a contribuir para o entendimento e apreensão
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
316
do mundo organizacional, ampliando a percepção até então fortemente afetada pela
dimensão lógico-mensurativa.
10.1. ESTÉTICA E CRIATIVIDADE NAS ORGANIZAÇÕES
O presente tópico busca resgatar a presença da estética no cotidiano das
organizações, nas práticas gerenciais e nos escritos acadêmicos clássicos, tendo
por referências as organizações produtivas. Pretende-se, assim, apontar a presença
da estética e sua consideração, de maneira que possa, ser considerada como um
elemento integrante do cotidiano observado por alguns acadêmicos ou profissionais
de gestão.
Pode ser observado, dada a dinâmica assumida pelas organizações
contemporâneas, que o convívio com indivíduos não pode ser feito apenas em
função de planos e decisões previamente traçados, seja em função de escolhas,
seja ao nível de implementação.
Advém,
então,
a
importância
da
sensibilidade,
do
“feeling”
dos
oportunizadores organizacionais, os quais devem estar atentos às oportunidades
frequentes de aprendizados e ganhos não previstos, não planejados.
A esta sensibilidade no trato das questões organizacionais, em especial
daquilo que não pode ser dito ou visto como rotineiro, no passado deu-se a
denominação de “a arte da administração”. A indagação: afinal a administração é
uma ciência, uma arte, ou arte e ciência?
Ainda se faz presente, não mais enquanto discussão acadêmica e/ou
profissional, mas enquanto dimensão real da administração. Através de um ensaio
de Woodrow Wilson, intitulado “The Study of Administration” datado de 1887 e
editado no Brasil, pela Fundação Getúlio Vargas com o título “O Estudo da
Administração”, na série Cadernos de Administração Pública, esta questão já é
posta em debate, em particular, quanto à importância de identificar as diferentes
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
317
facetas da administração e da complementaridade existente com outras áreas do
conhecimento prático.
A
administração,
administração
empírica,
enquanto
intuitiva,
arte,
habitualmente,
remontando
os
é
denominada
primórdios
das
de
formas
organizacionais humanas, baseando-se em técnicas e processos empíricos, onde se
aliava a capacidade individual de criatividade e inventividade daqueles envolvidos
com as atividades propriamente ditas.
Os que mais salientaram tal característica foram pessoas de outras áreas do
conhecimento, em especial, das ciências exatas, que, dada à visão que possuíam
acerca da ciência, tendiam a restringir o uso de tal termo – ciência – particularmente
em relação às ciências sociais.
Outra percepção da administração enquanto arte, encontra-se nos escritos de
um dos pioneiros do pensamento administrativo, Henry MetCalfe, onde ele evidencia
o aspecto prático/experiência e artesanal da administração vindo a tornar-se ciência,
de modo semelhante ao trabalho do artesão, cujas experiências e obras tornam-se
parâmetros, padrões de referências, mas não modelos fechados a serem copiados.
Desse processo empírico-intuitivo, empresários, escritores e estudiosos,
passaram a buscar compreender os diferentes aspectos do processo organizacional
e, assim, de modo técnico e científico, passaram a divulgar suas idéias e teorias
aplicadas aos problemas principais da administração das organizações.
Esse âmbito é denominado de administração científica que, dentre outros
elementos, teve por contribuição para o seu desenvolvimento a influência do
positivismo lógico, que, por um lado, desconsidera a metafísica e a contribuição da
ética, potencializando a experiência e a análise rigorosa como métodos mais
adequados.
Ao longo de décadas, a perspectiva de que através de princípios científicos
seria possível ter clareza e controle da organização, vai sendo desmistificada, não
querendo com isso dizer que as contribuições ditas “científicas” não sejam uma
efetiva contribuição às organizações.
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O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
318
Quer-se salientar que a apologia em torno da precisão dos princípios
científicos e o tom sagrado destes redundou no abandono do lado intuitivo,
irracional, sensível da ação administrativa.
Há uma perspectiva pouco citada, que é a de Ordway Tead (1970), presente
no seu livro “A Arte da Administração”, que evidencia a administração como uma das
belas-artes, termo comumente associado às artes plásticas, especialmente, à
pintura, à escultura e à arquitetura, à música e à literatura. Nessa belas-artes, a
habilidade, o discernimento e a fortaleza moral são considerados aspectos
essenciais para o seu estudo, aprendizagem e utilização.
Segundo Shafritz & Ott (1991), a obra de Tead teria como propósito favorecer
o bom entendimento do que seja administração, mostrando ao mesmo tempo a
maneira de torná-la mais eficiente, assim como auxiliar a criar uma antevisão
organizacional, que privilegiasse as relações humanas, valorizando e realizando
plenamente a vida democrática numa sociedade tecnológica.
Dégot (1987), de maneira próxima a Tead (1970), considera a administração
como uma das belas-artes porque mobiliza um considerável conjunto de dons
especiais em prol de um trabalho de colaboração, indispensável à vida civilizada de
hoje. Essa obra de criação, de ajustamento, de harmonização é que mantém em
bom funcionamento, e, em constante progresso, as organizações públicas e
particulares, graças às quais milhões de indivíduos realizam e conquistam muitos de
seus objetivos.
Um dos objetivos mais importantes das belas-artes, para Tead (1970) é
realçar e ampliar a percepção de novos aspectos da realidade, aprazíveis aos
sentimentos humanos; logo, o esforço administrativo redunda na criação de relações
humanas conjugadas, que exemplificam uma das belas-artes.
Fazendo uma analogia entre o administrador e o artista, Tead observa que é
necessário, em ambos, tanto o domínio dos princípios gerais, como os meios de
aplicá-los, havendo, assim, uma combinação desses dois aspectos, para se obter o
alicerce indispensável ao domínio da arte da administração.
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O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
319
Goodsell (1992), partindo das idéias de Tead, com as quais concorda
parcialmente, e resgatando a teoria da arte e a filosofia estética, posiciona-se acerca
da administração afirmando que esta não chega a ser uma arte sublime como a
pintura, a escultura, a literatura, a música ou mesmo a dança, mas considera que,
assim como a administração, essas artes geram produtos que possuem valores
intrínsecos e necessitam de uma motivação externa para gerarem algo possuidor de
beleza.
A administração de modo similar, ainda que não se volte para a beleza, é
também possuidora da preocupação de alcançar princípios, valores que estão além
dos resultados mensurativos.
Eble (1978), ao escrever acerca da liderança organizacional, tendo por base,
estudos em instituições educacionais de nível superior, conclui que a administração
é uma arte, diante da complexidade e sutileza da sua atividade com pessoas,
envolvendo conhecimento, talento e sensibilidade, tão necessárias para a gestão
organizacional de modo satisfatório.
Berkley (1975) argumenta que a administração é algo de difícil predizibilidade,
não podendo ser rigorosa, precisa e consequentemente, não pode ser vista como
uma ciência, tampouco como uma arte, pois ela pode e deve ser vista como
paramentada por objetivos padrões; concluindo que a administração ocupa uma
faixa intermediária da arte.
Administração, organização e participação são consideradas por Jones;
Moore e Snyder (1988) como um fenômeno estético; afinal. os participantes da vida
organizacional buscam, através de suas ações, não apenas alcançar resultados,
mas também empreendem em aperfeiçoar a forma como agem, de modo mais
harmônico e equilibrado.
Entretanto, o modo como os indivíduos avaliam e são avaliados, no que
concerne ao desempenho organizacional, tem sido, até então, baseado em metas
pessoais e materiais, onde as pessoas são tidas como se fossem só matériasprimas ou talvez pedaços de um quebra-cabeça a ser amoldado ou provido de
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
320
maneira mecânica e impessoal.
Ainda, deliberadamente se considerou ou ignorou a percepção sensorial e
extra-sensorial inerente à vida organizacional e, portanto, deve ser considerada a
estética, afinal a habilidade é uma arte e uma característica importante na
administração da vida organizacional cotidiana.
Aldrich (1992) aponta, enquanto um problema para as organizações, o fato de
que os gestores têm sido estimulados a serem indivíduos pragmáticos e concretos,
orientados a resultados visíveis, e, frequentemente, educaram numa racionalidade
rigorosa. O treinamento deles está arraigado nos paradigmas dominantes da teoria
da organização, isto é, universalidade e generalização.
Então, não surpreende o fato de que são treinados neste modelo, e de acordo
com estas convicções, a estética é tida como um fato fraco onde fraco é sinônimo de
decadente, superficial, simplório.
Consequentemente, o gestor que conhecemos tende a desconsiderar ou
negligenciar a contribuição da estética para a vida organizacional, mesmo que para
questões materiais como a produtividade da organização, a se concentrar em
aspectos racionais, ao invés de em algo que pertence à pessoa e não a
organização.
O gestor, dentro deste espírito, sublima a maioria dos sentimentos íntimos e
paixões e se ocupa de atividades mecânicas, as quais qualquer um pode
desenvolver. O resultado do treinamento administrativo e de um modelo de
empresário no qual sentimentos pessoais são proibidos, à medida que seguem um
treinamento racional, ascético do qual depende principalmente da força e dos
princípios do Iluminismo.
Uma solução para tudo isso poderia ser achada, explorando-se argumentos
que descrevem o gerente como um artista, como os propostos por Vincent Dégot
que escreve:
o gerente é um artista criativo, embora não necessariamente uma figura
solitária, desde que ele pode pertencer a uma escola de pensamento. Ele é
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
321
o que projeta a ação levado, até mesmo se está em nome de outros e
sujeitou a certos constrangimentos. Para o resultado o gerente deve poder
deixar a impressão pessoal dele nisto ser considerado como um trabalho de
arte administrativa. Isto não significa que aquelas técnicas formais não
podem ser desdobradas analisar o problema e implementar a solução. A
coisa essencial é o desígnio criativo básico que pode ser atribuído a um
individual. (DÉGOT, 1987, 23-4)
Isto requer, primeiro, a rejeição da a associação entre excelente trabalho
administrativo e desempenho econômico, e, segundo, a adoção de critérios que
avaliam trabalhos administrativos.
A ênfase de Dégot (1987) é na direção da valorização da habilidade dos
gestores e no uso desse talento no cotidiano da vida organizacional cotidiana, e para
tanto, devem ser valorizadas as atividades realizadas através, inclusive, de
treinamento, de modo a realçar a criatividade dos gestores e, mais em geral, a
criatividade de todos aqueles que fazem parte da construção e reconstrução da vida
cotidiana de uma organização.
Dégot (Op. cit.) considera, porém, que esta é uma analogia que deveria ser
usada com cuidado, devido àquela atividade administrativa, atividade estética
distinta, que não aparece como uma atividade permanente das pessoas. Porém,
quando for usado, Dégot discute, mostra que ao treinamento administrativo faltam
esses elementos que, subseqüentemente, provam tão distintivo de trabalho
administrativo na prática cotidiana de organizações precisamente.
Joas (1992) considera que a tentativa de modelar o comportamento humano,
baseado em ação racional ou em normatização que oriente a ação, acaba por gerar
uma categoria residual para a qual eles alocam aquilo que é distintivo e de onde
deveria demandar a maior parte da ação humana, isto é, a atividade criativa.
É possível efetuar a analogia entre a administração, como arte, e o retrato do
gerente, como um artista, com referência ou para todos os sócios de uma
organização ou para só seus gerentes sêniors.
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O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
322
10.2. INOVAÇÃO E ESTÉTICA NAS ORGANIZAÇÕES
No presente tópico busca-se efetuar a articulação entre estética e criatividade,
para tanto se volta a alguns filósofos para, em seguida, considerar aspectos do
cotidiano organizacional e de algumas situações onde a criatividade é inerente à
realização das atividades.
Kant (1991) vai influenciar fortemente a amplitude do aspecto estético,
contribuindo com a noção de estética transcendental, enquanto ciência de todos os
princípios da sensibilidade, a priori. Segundo ele a estética deve ser uma ciência,
entretanto, não pode ser a ciência do belo, mas apenas uma crítica do gosto. Ela,
estética, é uma teoria dos princípios da sensibilidade, teoria esta que se insere no
conjunto da teoria do conhecimento da filosofia transcendental.
Outro sentido evidenciado por Kant (2002), na sua obra Crítica do juízo, é que
a estética intervém no projeto de uma crítica do juízo - exame de valor - para definir
o juízo do gosto pelo qual o sujeito pode distinguir o belo na natureza e no espírito,
evidenciando que “o juízo do gosto não é um juízo do conhecimento; por
conseguinte, não é lógico, mas estético”, seu princípio determinante só pode ser
subjetivo.
Schopenhauer (1991), fortemente influenciado por Kant (1988; 1991; 1993),
parte das idéias deste retoma questões anteriormente levantadas por Platão (1966),
e aborda a elevação da mente à contemplação da verdade sem influência da
vontade, como elemento estético. Argui que, enquanto o objetivo da ciência é o
universal que contém muitos particulares, a estética teria como objetivo o particular
que contém o universal.
Este mesmo autor considera que a arte é maior que a ciência porque esta
avança através do acúmulo diligente e do raciocínio cauteloso, enquanto aquela
atinge o seu objetivo, de imediato, pela intuição e pela apresentação. Considera que
a ciência pode se dar bem com o talento, mas a arte requer gênio.
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O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
323
Outra referência chave na abordagem estética é Benedetto Croce (18661952), um dos mais importantes filósofos deste século, que se destaca pelo
desenvolvimento de uma “filosofia do espírito” inspirada em Hegel. Sua visão é a de
que o espírito teria uma dimensão teórica e uma dimensão prática. A dimensão
teórica, por sua vez, se desdobraria em estética e lógica; e a dimensão prática, em
economia e estética.
Croce desenvolve a noção de dualidade que cerca o conhecimento,
afirmando:
O conhecimento tem duas formas: ou é conhecimento intuitivo ou
conhecimento lógico; conhecimento obtido por meio da imaginação ou
conhecimento obtido por meio do intelecto; conhecimento do individual ou
conhecimento do universal; de coisas individuais ou das relações entre elas;
é a produção de imagens ou de conceitos (CROCE, 1902 apud
PAREYSON, 2001).
A Estética, em suma, não classifica objetos, ela os sente e os apresenta,
nada mais. Portanto, pressupõe que a imaginação precede o pensamento e é
necessária a ele, e que a atividade artística ou formadora de imagens da mente é
anterior à atividade lógica, formadora de conceitos. O homem é um artista tão logo
imagina, e muito antes de raciocinar.
Schiller (1995), discutindo a estética, pontua que todas as coisas, que de
algum modo possam ocorrer no fenômeno, são pensáveis sob quatro relações
diferentes. Uma coisa pode referir-se imediatamente a nosso estado sensível (nossa
existência e bem-estar): esta é a sua índole física. Ela pode, também, referir-se a
nosso entendimento, possibilitando-nos conhecimento: esta é sua índole lógica. Ou
ainda, referir-se a nossa vontade e ser considerada como objeto de escolha para um
ser racional: esta é sua índole moral. Ou, finalmente, ela pode referir-se ao todo de
nossas diversas faculdades sem ser objeto determinado para nenhuma delas
isoladamente: esta é sua índole estética.
Consubstanciando estas quatro perspectivas afirma:
Um homem pode ser-nos agradável por sua solicitude; pode, pelo diálogo,
dar-nos o que pensar; pode incutir respeito pelo ser caráter; enfim,
independentemente disso tudo e sem que tomemos em consideração
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O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
324
alguma lei ou fim, ele pode aprazer-nos na mera contemplação e apenas
por seu modo de aparecer. Nessa última qualidade, julgamo-lo
esteticamente (SCHILLER, Op. cit., p. 107).
Schiller (Op. cit.) observa, ainda, que assim como existe uma educação para
a saúde, para o pensamento, para a moralidade, há também uma educação para o
gosto e a beleza, e esta tem por fim desenvolver, em máxima harmonia, o todo de
nossas faculdades sensíveis e espirituais.
Assim posto, faz questão de distinguir o falso raciocínio de que o conceito
estético comporta-se de modo arbitrário, afirmando que a mente no estado estético,
embora livre, e livre no mais alto grau de qualquer coerção, de modo algum age livre
de leis, acrescentando ainda que a liberdade estética se distingue da necessidade
lógica no pensamento e da necessidade moral no querer apenas pelo fato de que as
leis, segundo as quais a mente procede, ali não são representadas, e, como não
encontram resistência, não aparecem como constrangimento.
Segundo De Masi (1989) ao se estudar a criatividade das pessoas pode-se
observar formas organizacionais muito diferentes das apontadas pelo taylorismo e
pelo modelo fordista. Ao examinar as formas organizacionais com que os artistas
europeus e cientistas experimentaram entre a metade do Século XIX até a metade
do Século XX, vamos encontrar métodos originais na organização do trabalho
criativo executados coletivamente, tendo essas experiências dado origem a
exemplos concretos que, além de sintetizar a experiência histórica acumulada
anteciparam as organizações pós-industrial funcionais e criativas.
A análise de treze grupos de pesquisa, por exemplo, o Panispema em Roma
encabeçado pelo físico Enrico Fermi, a Escola Biológica de Cambridge, o Pasteur
Institute, revela, segundo De Masi (1989), a proeminência do fundador-líder que tem
o grupo tratado com respeito e veneração, agindo como se a organização criada por
ele morreria com ele.
Também é evidente o gosto desses grupos para o bonito e a preocupação
com ambientes e instalações físicas bonitas em qual trabalhar, junto com os
imperativos éticos, de antiburocrático e parcimônia.
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O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
325
Criatividade, então, é uma parte importante na constituição de organizações e
das formas específicas que eles assumem. É um termo que só ficou recentemente
atual e que se apareceu primeiro só em dicionários ao término do último século.
Através de contraste, o adjetivo “criatividade” tem uma história secular longa e
normalmente é aplicado às habilidades de modo geral e, em particular, às
habilidades envolvidas com criação.
Aqueles que analisarem as afirmações de autores sobre os processos
criativos, observa Ghiselin (1952), nota que eles geralmente contêm a compreensão
do fenômeno. Esse conjunto de declarações não constituem um simples
compêndido de fragmentos.
Desta forma, eles nos dão um sentimento para o processo inteiro e um senso
vivo das divergências de aproximação individual. Mais recentemente, nota Melucci
(1994), criatividade veio significar produtividade, mas também imaginação
denotando trabalhos comumente presentes em um departamento de publicidade ou
de designers. Então, trabalho criativo é pré-formatado por esses se ocupados em
inventar e construir a exibição visual das organizações.
A ênfase no aspecto racional e técnico, tem proporcionado o desenvolvimento
de profissionais para a área de administração, com uma alta capacidade analítica
que, entretanto, não têm se mostrado suficientemente capacitados, para fazer em
face ao novo patamar organizacional que se vivencia no final do Século XX.
No contexto organizacional contemporâneo a dimensão científica da
administração, por si só, não se mostra suficiente, pois ao concentrar-se nas
técnicas
e
aspectos
administrativos,
não
dá
conta
das
necessidades
e
transformações inerentes ao contexto organizacional.
Em função das velozes e sucessivas mudanças no ambiente organizacional,
as empresas vêm buscando cada vez mais rapidamente adaptar-se aos novos
contextos, especialmente aqueles em que a organização não pode antecipadamente
prever. Mas, ainda que, mais intensas sejam as mudanças, elas não são novas,
assim como não é novo o uso da criatividade para superação dos problemas, em
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O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
326
especial, por parte dos administradores.
O administrador criativo de hoje enfrenta novos desafios. Além da
complexidade dos problemas, tem pela frente a escala global dos elementos que
compõem os desafios empresariais, fazendo uso de diferentes recursos,
informações para escolhas e encaminhamentos.
Contrariando a lógica até então prevalecente, que a imprecisão e a
informalidade, ao romperem com a camisa-de-força imposta pelas regras abrem
espaço à flexibilidade, à criatividade e à inovação, nem mesmo a divisão social do
trabalho escapa de uma análise crítica; observando o autor que o distanciamento
dos dirigentes em relação às atividades operacionais, aumenta o risco de
esterilidade das suas decisões.
Estudos conduzidos por equipes interdisciplinares (médicos neurologistas,
bioquímicos,
neurocirurgiões,
psicólogos
etc.)
levaram
à
descoberta
da
especialização funcional dos hemisférios cerebrais, ou seja, enquanto ao lado
esquerdo caberiam a execução e a coordenação das atividades lógicas, seqüenciais
e da estruturação de modelos, ao lado direito caberiam as tarefas relacionais,
operando sobre a noção de conjunto.
Mintzberg (1976), a partir dessas evidências, elabora um ensaio de
repercussão no seio administrativo - Planning on the Left Side and Managing on the
Right -, no qual sugere a existência de uma relação entre a habilidade profissional e
o hemisfério predominante em cada um de nós.
Entretanto, o que merece ser destacado é a conseqüência decorrente da
“especialização” dos hemisférios, qual seja, “nós não sabemos o que não sabemos”
pois, as habilidades desenvolvidas por um hemisfério não conseguem realizar o
diagnóstico completo sobre o “outro”, havendo uma efetiva incomensurabilidade
entre os dois lados. As atitudes pessoais, aí incluídas as profissionais, resultariam
do predomínio alternado entre os dois hemisférios; embora, um dos lados
caracterize as habilidades e a personalidade de uma pessoa.
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O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
327
Em 1987, ao escrever Crafting Strategy, desta vez ao amparo de uma
pesquisa que se estendeu por treze anos no estudo das estratégias adotadas por
onze organizações, Mintzberg resgata a sua proposta anterior (não contestada)
numa tentativa de explicar os casos de insucessos observados na área do
planejamento estratégico.
Aponta então, que na maioria dos casos, os fracassos puderam ter a sua
causa associada à tentativa de separar o que, por natureza, é inseparável: as
atividades dirigidas pelo lado esquerdo daquelas predominantemente conduzidas
pelo lado direito do cérebro.
Em outras palavras, conceber a estratégia (entre outras decisões gerenciais)
como um encadeamento, apenas, de atividades e decisões racionais, por exemplo,
é um equívoco. Hoje é reconhecida a importância do chamado “raciocínio paralelo”,
do pensamento onírico, do insight, enfim, das atividades típicas “do outro lado do
cérebro”.
Ainda que se fale muito em criatividade e se aponte características
personalísticas
potencializadoras
da
criatividade,
técnicas,
procedimentos
facilitadores, não se aponta o elemento essencial para a criatividade humana.
Esse elemento, pouco considerado, é aqui delineado como a dimensão
estética do ser humano, ainda que não seja um elemento novo, dado o caráter de
limitação, onde o reducionismo instrumental, afetado por uma unidimensionalidade,
predominante na ação organizacional, tem enfatizado o uso da criatividade, pouco
se voltando para compreender de fato o seu ponto crúcis.
A intensa velocidade com que ocorrem as mudanças exige das organizações,
suficiente flexibilidade para adequarem-se às exigências e solicitações, mediadas
pelos diferentes elementos do contexto social.
Neste sentido, quando o contexto de mudança se dá frente aos indivíduos e
aos grupos de indivíduos, utiliza-se do termo criatividade. Por sua vez, quando se
fala em mudança organizacional, o mais comum é utilizar o termo inovação, ou seja,
criatividade e inovação são duas das dimensões da mudança, já que a mudança
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
328
advém da concretização e aplicação das novas percepções e idéias, uma vez que
são resultantes das relações de indivíduos e grupos.
Torance (1965) define criatividade como o processo de se tornar sensitivo a
problemas, deficiências e lacunas, formar idéias ou hipóteses com relação a estes
problemas ou deficiências e testar hipóteses; modificando, e retestando sempre que
necessário estas hipóteses. Pode ser verificado que a noção predominante é de
assumir a criatividade enquanto processo racional que está próximo da idéia de
inovação.
Stein (1974) contempla a possibilidade de considerar a criatividade enquanto
processo criativo apontando três fases: a primeira é denominada de fase reflexiva ou
de preparação; a segunda resulta de uma síntese da primeira; enquanto a terceira
seria decorrente da sensibilidade estética profunda, resultando na iluminação.
Ainda assim predomina a noção de criatividade enquanto processo linear e
orquestrado, intencional, o que é pouco limitado, afinal, em tais processos de criação
ou descoberta os referenciais anteriores nem sempre tornam possível o alcance do
propósito inicial. Não se tratando de aprimoramento ou inovação, mas, de criação.
Não se quer com isso, ignorar ou reduzir o processo de inovação ou
aprimoramento, enquanto algo necessário às organizações, mas, pontuar diferenças
entre ambos os termos, quando utilizados no âmbito das organizações,
especialmente no contexto de mudanças.
Há um especial interesse pelas organizações no que tange à obtenção de
contextos que favoreçam a criatividade, em face de necessidade de adequação e
adaptações às mudanças intensas e rápidas que o ambiente organizacional e a
própria sociedade está a passar.
Para Morgan (1988) tem-se pela frente um futuro no qual veremos mudanças
o tempo todo, assim, o modo como as organizações enfrentarão as mudanças,
transmitindo isso às pessoas, não é apenas uma questão de comunicação, mas um
juízo de valor, uma forma de pensar diferente.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
329
Desenvolver tais climas nas organizações é um enorme desafio para as
organizações e seus participantes, por duas razões básicas. A primeira em razão de
que os indivíduos não estão habituados a atuarem em ambientes que valorizem a
autonomia e liberalidade dentro de premissas, inicialmente delineadas na
elaboração e execução de suas atividades, e que, tradicionalmente, foram
resistentes a mudanças e a proposições que estimulassem o desenvolvimento da
habilidade criativa.
A segunda razão advém do viés tradicional da nossa formação educacional,
que, habitualmente, pouco estimula o desenvolvimento do potencial criador latente
nos educandos, preocupando-se com a reprodução do conhecimento, centrado no
passado, sem de algum modo remetê-lo para o futuro, buscando, assim,
potencializar o aluno, o futuro cidadão, o futuro profissional para a resolução de
problemas, os quais ainda não estão postos ou dados.
Evidenciando tal disposição, De Bono (1988) observa que as organizações e
o campo da administração têm se voltado para potencializar o desenvolvimento da
capacidade de pensar e, mais que isso, a maneira como articular os elementos
envolvidos, proporcionando um grau de articulação que gere percepções ampliadas
e novas questões organizacionais.
O que gera tal estímulo pelo aspecto da criatividade nas organizações está
fortemente influenciado pelo fato de que, para sobreviver e mesmo crescer as
organizações necessitam da diversificação de suas atividades, da antecipação de
necessidades, e da melhoria da qualidade de seus produtos e serviços. Para tanto, a
criatividade é algo essencialmente necessário e a realização de inovações uma
preocupação constante.
Há elementos que são chaves nesse novo patamar de organizações, um é a
criatividade outro é a individuação. Segundo Davis (1989), esses dois elementos se
contrapõem à administração convencional centrada na padronização e no
coletivismo.
A individuação é delineada por Maslow (1954) como o processo de realização
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
330
de potenciais, capacidades e talentos, como realização plena da missão ou vocação,
como um conhecimento completo e a aceitação da própria natureza intrínseca da
pessoa e como uma tendência incessante para a unidade, a integração ou sinergia,
dentro da própria pessoa.
A criatividade não é o mesmo que inovação, pois “inovar” significa,
fundamentalmente, introduzir novidades perpassando a geração, aceitação e
implementação de novas idéias, produtos e processos. Segundo West e Farr (1990),
a inovação traduz-se por uma introdução intencional, dentro de um grupo ou
organização de idéias, processos, produtos ou procedimentos novos para a unidade,
relevante de adoção e que visa gerar benefícios para o indivíduo, grupo,
organização ou sociedade maior.
Quando Koestler (1964) discorre sobre a criatividade ele evidencia, como
aspecto chave para antever o novo ou conexões desconhecidas, que o homem
conheça profundamente a área de atuação ou interesse. Torance (1965), como já
referenciado, vai enfatizar a criatividade enquanto processo de se tornar sensitivo a
problemas, deficiências e lacunas, e assim formar idéias ou hipóteses.
Stein (1974) valoriza os processos cognitivos, o modo como o homem lida
com os estímulos do mundo externo, ou seja, como o indivíduo vê, percebe, registra
as informações e acrescenta as novas informações aos dados previamente
registrados.
Criatividade pode também ser vista de modo bastante simples, como uma
técnica para superar problemas. E enquanto técnica, pode ser aplicada a todas as
atividades humanas, seja na medicina, na sociologia, nas finanças, na educação.
Duailibi & Simonsen Jr. (1990) comentam que em todas as profissões existem
dois tipos de homens, aqueles que seguem caminhos já trilhados, sendo essa a
função do conhecimento que eles adquiriram sistematicamente, e aqueles outros
que agem criativamente, isto é, descobrem caminhos novos e que, considerando o
conhecimento como um meio e não como um fim em si mesmo, acrescentam a esse
conhecimento o resultado de sua criatividade, ampliando-o.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
331
Sendo a criatividade objeto de diferentes definições e concepções, seja
enquanto conjunto de atributos de personalidade, como uma habilidade particular
para resolver problemas, percebe-se que ela tem como parâmetro o resultado
decorrente do processo gerador de um produto novo, aceito como necessário para
um significativo número de pessoas, por um dado período de tempo.
Com o presente capítulo buscou-se apontar elementos que evidenciam a
presença da Estética na condução das organizações associando a critiavidade e
inovação organizacional, como algumas evidências de tal presença.
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O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
332
CONCLUSÕES
O problema da humanidade não está no caos externo, mas no caos
interno, não no caos social, mas no caos individual.
Porque um dos maiores desafios do gênero humano
está nele ter a capacidade de usar sua qualidade de pensar para agir,
sem problemas produzir, ou melhor, sem caos criar.
A Arca
Os estudos organizacionais, nas últimas décadas, têm enfatizado os aspectos
de natureza racional e empírica, entretanto, tais dimensões não têm sido suficientes
para fazer face às constantes, dinâmicas e complexas mudanças que têm ocorrido
no campo organizacional (MARTIN, 1990; REED, 1993).
Faz-se necessário adentrar ao aspecto da arte administrativa, ao ilógico, ao
irracional, ao emocional, ao intuitivo, sem deixar de lado o conhecimento racional,
técnico, desenvolvido (TURNER, 1990). Fazer a conexão desses dois aspectos
tornou-se crucial e decisivo para a sobrevivência de muitas organizações, quer
tenham isso claro ou não.
Esse nexo, na prática, já se dá, individual e coletivamente, inclusive por
estímulo das organizações, através de processos de estímulo da criatividade e
inovação. Percebe-se a sua relevância, enquanto elemento auxiliador das mudanças
organizacionais, em tempos de tão intensas mudanças.
Compreender as inter-relações do processo organizacional continua sendo
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O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
333
relevante às organizações e a conexão com a dimensão estética mostra-se
determinante para o avanço na compreensão da dinâmica organizacional, que assim
pode ser considerado, não apenas enquanto processo decorrente da racionalização
do resultado das experiências ou tentativas de acerto, mas também, enquanto
possibilidade de concepção de algo novo.
As investigações estéticas, no campo organizacional, têm se concentrado nas
características do serviço ou produto; no ambiente de trabalho, particularmente nos
equipamentos e acessórios, e, mais recentemente, nos estudos relativos à cultura
organizacional. Tem-se, assim, deixado de lado a perspectiva auxiliar da dimensão
estética presente de modo intrínseco nas atividades cotidianas do ser humano e
relevante para o processo de aprendizagem e conhecimento predominante num
quadro organizacional de mudanças e transformações intermitentes.
A estética nos estudos e pesquisas possibilita considerar a dimensão
presente nas organizações, proporcionando contribuições não só às questões
comuns aliadas ao produto e ao ambiente organizacional, mas às escolhas e
percepções dos membros da organização. As possibilidades que se abrem com a
apropriação da ética e estética – lembrando que aqui se destacou a estética - nos
estudos organizacionais, permitiram interagir, considerando não só o empirismo e a
racionalidade, predominantes nos estudos, sem desconsiderar outras contribuições
pós-modernistas.
Tais estudos certamente poderão contribuir para compreensão do lado, até
então, denominado de intuitivo, sensível e irracional da organização, já considerado,
em razão da constatação de sua existência e das repercussões sobre a
organização, mas que tem sido pouco compreendido.
Vislumbra-se um novo patamar de estudos organizacionais, que possa dar
conta da dimensão estética, enquanto dimensão da ação humana, no qual a
criatividade humana, a apreensão do novo, é comum ao cotidiano do indivíduo,
relevante para as organizações e pouco correlacionado ao contexto interno humano.
A estética que se propõe ser incorporada aos estudos organizacionais
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
334
apresenta-se, ainda, de modo prescritivo, à medida que, busca dar conta de
questões aliadas ao produto e ao ambiente organizacional, o que fica muito aquém
das possibilidades do campo estético, evidenciado como uma das três dimensões da
ação humana, intrinsecamente associada às demais (MUKAROVSKY, 1997; LEAL,
2000a;2000b; 2002b; 2003).
O potencial que se abre com a Estética para os estudos organizacionais,
ainda está por ser explorado, mas sua potencialidade pressupõe rever os próprios
métodos de pesquisa e o referencial conceitual, aproximando-se de uma
fundamentação filosófica enquanto ponto de partida.
No primeiro instante foi efetuado um retrospecto recente da análise
organizacional, com destaque às possibilidades apontadas pelos estudos que se
referenciam enquanto pós-modernismo, de modo a evidenciar a guarita por estudos
que explorem aspectos subjetivos das organizações, e onde os estudos envolvendo
estética podem ser inseridos.
A estética enquanto campo do conhecimento filosófico é explorada através de
um retrospecto histórico, centrado nos diferentes entendimentos acerca da estética,
efetuando uma escolha que acompanha e influencia o artigo – Kant (1991;
2002;1989) – cujos caminhos, categorias, enfoques, influências antecedentes e
subseqüentes foram objeto dos Capítulos VI e VII.
Como elemento fortalecedor das possibilidades de contribuição da estética
para os estudos organizacionais, tem-se a terceira parte que se vale da parte um e
dois para evidenciar tal necessidade, contribuição e presença.
Abre-se um novo potencial ao considerar a dimensão estética ainda que hoje
esteja muito associado ao simbolismo organizacional, restringindo as possibilidades
do conhecimento estético, e da sua aplicação para compreensão da criatividade
enquanto geradora de transformações organizacionais e sociais.
As possibilidades para estudo organizacional, conforme discorre Aldrich
(1992) apresentam contemporaneamente três grandes perspectivas: a institucional,
a ecológica e a interpretativa.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
335
Dentre essas perspectivas, a estética mostra-se capaz de contribuir nos
estudos interpretativos, onde através do âmbito estético, aspectos organizacionais
não internalizados na análise organizacional, e ganharão identidade à medida que
se distingue da teoria da arte, do design, aproximando-se do ambiente
organizacional, não apenas enquanto um tipo de performance artística, de
adequação de gosto.
A Estética, enquanto ciência filosófica, encontra-se à disposição para auxiliar
a compreensão dos aspectos relativos, tanto à mudança organizacional, resultante
de processos criativos e inovadores possibilitando às organizações compreenderem
de modo preciso, às questões tão cruciais e determinantes ao desenvolvimento
organizacional, associado ao lado abstrato, sensível, do sentimento humano, e que,
certamente, tratará de novas percepções do ser humano e suas ações no contexto
organizacional.
Buscou destacar a relevância e contribuição da estética para vislumbrar a
base, a essência da criação humana através dos seus atos e ações. Destacar essa
terceira dimensão humana - a dimensão estética - enquanto elemento para explicar
os processos da interação humana, e em particular, os decorrentes a mudança
organizacional e a criatividade foram os aspectos centrais, e que faz parte da
pesquisa em andamento.
O problema de pesquisa que norteia a elaboração do presente projeto parte
do pressuposto básico acerca da existência de uma atitude, de uma dimensão de
natureza estética, buscando considerar a presença e possível influência dessa
dimensão no cotidiano das organizações.
Para tanto, busca-se considerar não apenas a Estética, enquanto campo do
conhecimento filosófico, mas enquanto elemento presente e inerente às ações
humanas. Mostra-se necessário, ainda, considerar como os estudos organizacionais
têm considerado tal possibilidade e sob que bases têm desenvolvido as pesquisas
sobre tal tema e que apresenta limitações no seu uso quando envolve a análise
organizacional.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
336
Considera-se ter alcançado a construção de uma tese que respondesse ao
problema de pesquisa, assim como as questões operacionais que desdobram o
problema e que cabem ser novamente apontados: existem contribuições da estética
para a análise e compreensão das organizações?
Sim. Através das três partes em que está estruturada a tese, têm-se
elementos que apontam para uma lacuna nos estudos organizacionais – parte um –;
uma enorme contribuição da estética, pouco considerada na análise e entendimento
do cotidiano humano – parte dois –, e portanto, não mero devaneio; e as
necessidades organizacionais, no que concerne à análise organizacional e gestão
do cotidiano – parte três – que possibilitam identificar através de trabalhos
acadêmicos a contribuição da estética.
Podem-se apontar elementos que permitiram identificar a centralidade da
estética enquanto elemento influenciador nas escolhas e ações organizacionais,
associadas ao simbolismo organizacional, aos estudos envolvendo a cultura
organizacional.
Com o fundamento da filosofia pode-se discorrer sobre a formação do
conhecimento humano, considerando não mais, apenas, a racionalidade e a
experiência, mas, considerando, de maneira concomitante, a estética. Não sendo, as
escolhas e ações humanas fruto do senso comum ou da razão, mas de um equilíbrio
no agir envolvendo três diferentes dimensões ou matrizes.
A dimensão estética pode - e essa é a intenção com a presente tese -,
permitir a ampliação da compreensão das organizações, ampliando as perspectivas
de análise, considerando-as enquanto possibilidades e alternativas que não se
esgotam, nem substituem outras perspectivas.
Raimundo Santos Leal
O Estético nas organizações: uma contribuição da Filosofia para a análise organizacional
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